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A INTERDISCIPLINARIDADE NOS CONCURSOS DE INGRESSO NA CARREIRA DO MINISTÉRIO PÚBLICO E OS NOVOS DESAFIOS PARA O ENSINO JURÍDICO INTERDISCIPLINARITY IN ENTRANCE EXAMINATIONS FOR BRAZILIAN LAW ENFORCEMENT CAREERS: THE NEW CHALLENGES FOR LAW TEACHING Eliezer Gomes da Silva Laura Jane Ribeiro Garbini Both RESUMO Este trabalho tem o propósito de discutir a relevância da perspectiva in-terdisciplinar na seleção dos conteúdos das provas dos concursos públicos para ingresso nas carreiras jurídicas, em especial a do Ministério Público e os desafios ao ensino jurídico relacionados a esta proposta. A discussão acerca da contribuição da interdisciplinaridade na compreensão do fenômeno jurídi-co, para além do ganho qualitativo no entendimento das complexidades das relações sociais contemporâneas, encontra suporte na Constituição Federal, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Direito. A introdução de conteúdos de caráter interdisciplinar em concursos públicos da área jurídica pode con-tribuir – os autores argumentam – para o fortalecimento dos laços entre o direito e a democracia, com positivos ganhos em relação à proteção dos direitos fundamentais. PALAVRAS-CHAVES: INTERDISCIPLINARIDADE, MINISTÉRIO PÚBLICO, ENSINO JURÍDICO, CONCURSO PÚBLICO ABSTRACT The paper aims to discuss the relevance of the interdisciplinary pers-pective when establishing the subject matter in entrance examinations for Bra-zilian law enforcement careers, particularly the “Ministério Público” (Prosecution Service), the challenges it poses to the teaching of law and the potential impact to the legal practice. Besides the qualitative gain in the under-standing of the complexity of contemporary social relations, the proposal is supported by constitutional and legal rules as well as curricular directives of the Brazilian educational authorities. The introduction of interdisciplinary contents in public examination for law enforcement carreers can contribute – the authors argue – to the strengthening of bonds between law and democracy and, as a consequence, to the protection of fundamental rights. KEYWORDS: INTERDISCIPLINARITY, BRAZILIAN MINISTÉRIO PÚBLICO, PROSECUTION SERVICE, LAW TEACHING, ENTRANCE EXAM 4470

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A INTERDISCIPLINARIDADE NOS CONCURSOS DE INGRESSO NA CARREIRA DO MINISTÉRIO PÚBLICO E OS NOVOS DESAFIOS PARA O

ENSINO JURÍDICO

INTERDISCIPLINARITY IN ENTRANCE EXAMINATIONS FOR BRAZILIAN LAW ENFORCEMENT CAREERS: THE NEW CHALLENGES FOR LAW

TEACHING

Eliezer Gomes da Silva Laura Jane Ribeiro Garbini Both

RESUMO

Este trabalho tem o propósito de discutir a relevância da perspectiva in-terdisciplinar na seleção dos conteúdos das provas dos concursos públicos para ingresso nas carreiras jurídicas, em especial a do Ministério Público e os desafios ao ensino jurídico relacionados a esta proposta. A discussão acerca da contribuição da interdisciplinaridade na compreensão do fenômeno jurídi-co, para além do ganho qualitativo no entendimento das complexidades das relações sociais contemporâneas, encontra suporte na Constituição Federal, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Direito. A introdução de conteúdos de caráter interdisciplinar em concursos públicos da área jurídica pode con-tribuir – os autores argumentam – para o fortalecimento dos laços entre o direito e a democracia, com positivos ganhos em relação à proteção dos direitos fundamentais.

PALAVRAS-CHAVES: INTERDISCIPLINARIDADE, MINISTÉRIO PÚBLICO, ENSINO JURÍDICO, CONCURSO PÚBLICO

ABSTRACT

The paper aims to discuss the relevance of the interdisciplinary pers-pective when establishing the subject matter in entrance examinations for Bra-zilian law enforcement careers, particularly the “Ministério Público” (Prosecution Service), the challenges it poses to the teaching of law and the potential impact to the legal practice. Besides the qualitative gain in the under-standing of the complexity of contemporary social relations, the proposal is supported by constitutional and legal rules as well as curricular directives of the Brazilian educational authorities. The introduction of interdisciplinary contents in public examination for law enforcement carreers can contribute – the authors argue – to the strengthening of bonds between law and democracy and, as a consequence, to the protection of fundamental rights.

KEYWORDS: INTERDISCIPLINARITY, BRAZILIAN MINISTÉRIO PÚBLICO, PROSECUTION SERVICE, LAW TEACHING, ENTRANCE EXAM

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1. Introdução

Ante o enorme interesse, por parte de graduados em Direito em se submeterem a concursos públicos de ingresso na carreira do Ministério Público, abre-se a oportunidade de repensar os conteúdos programáticos a serem aferidos dos candidatos, especialmente no que tange à inserção de disciplinas que, embora voltadas ao enfrentamento de temas caros ao Direito, transcendam, do ponto de vista teórico e metodológico, a perspectiva exclusivamente jurídica. Para tanto, tecemos considerações jurídicas, pedagógicas e epistemológicas em torno do aproveitamento, pelo Direito, do diálogo interdisciplinar, especialmente por parte de uma instituição como o Ministério Público, constitucionalmente incumbida da “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” ( artigo 127 da CF).

2. Interdisciplinaridade, transdisciplinaridade e educação republicana - o curso de graduação em Direito no complexo cenário contemporâneo0020

Enuncia o artigo 205 da Constituição Federal, como uma das finalidades da educação, o preparo do educando para o “exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”, preceito repisado no artigo 2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (doravante LDB) – Lei 9349/96. Especificamente em relação à educação superior, a LDB elenca, como alguns de seus objetivos, “formar diplomados nas diferentes áreas do conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para o “desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo” (artigo 43, I) e a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira” (artigo 43, II). Como exemplo de novos esforços nessa direção, temos a inclusão da Filosofia e da Sociologia como disciplinas obrigatórias em todas as séries do ensino médio (artigo 35, IV da LDB, incluído pela lei 11684/08).

Denota-se, de modo insofismável, que o comando constitucional, fielmente seguido em vários dispositivos da LDB, quer que o processo educacional não se limite apenas à consolidação ou ao aperfeiçoamento do conhecimento técnico, científico ou profissional, mas que também capacite, instrumentalize o educando a inserir-se como cidadão consciente, crítico e participativo da sociedade brasileira. Afinal, se a sociedade brasileira vem constitucionalmente pautada nos princípios e fundamentos de um estado democrático de direito, republicanamente voltado para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (artigo 3º, I da Constituição Federal), promover no educando o aperfeiçoamento do pensamento crítico-reflexivo e equipá-lo, cognitivamente, com as ferramentas necessárias a uma participação ativa na construção de uma sociedade verdadeiramente democrática não se revestem em meros nortes ideológicos de certa orientação pedagógica, ou de certo projeto político. Trata-se de claro e nítido comando constitucional que quer ver o processo educacional como elemento catalisador do aperfeiçoamento das instituições democráticas e de superação de seus óbices, na linha do que MORIN enuncia como “democracia cognitiva”:

Uma tradição de pensamento bem enraizada em nossa cultura que molda os espíritos desde a escola elementar e nos ensina a conhecer o mundo por meio de “idéias claras e independentes”. Esta mesma tradição nos estimula a reduzir o complexo ao simples, a separar o que está ligado, a unificar o que é múltiplo, a eliminar tudo o que traga

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desordens ou contradições para nosso entendimento. O problema crucial de nosso tempo é o da necessidade de um pensamento apto a enfrentar o desafio da complexidade do real, isto é, de perceber as ligações, interações e implicações mútuas, os fenômenos multidimensionais, as realidades que são, simultaneamente, solidárias e conflituosas (como a própria democracia que é o sistema que se nutre de antagonismos, regulando-os). Pascal já havia formulado o imperativo de pensamento que seria preciso introduzir, atualmente, em todo nosso ensino, a começar pelo maternal.[1]

Sem perder esse norte constitucional, a Câmara de Ensino Superior do Conselho Nacional de Educação (CNE/CES), no exercício da competência regulamentar conferida à União de “baixar normas gerais” (artigo 9º, § 1º, c da Lei 91931/95, recepcionado pelo artigo 9º, VII da LDB), editou a resolução n. 9/04, instituindo as diretrizes curriculares nacionais para o curso de graduação em Direito. Já em seu artigo 2º, § 1º, IV, a resolução previu como elementos estruturantes do projeto pedagógico do curso “formas de realização da interdisciplinaridade”, para em seu artigo 3º dispor, de forma absolutamente harmônica com referido comando constitucional e com a LDB:

O curso de graduação em Direito deverá assegurar, no perfil do graduando, sólida formação geral, humanística e axiológica, capacidade de análise, domínio de conceitos e da terminologia jurídica, adequada argumentação, interpretação e valorização dos fenômenos jurídicos e sociais, aliada a uma postura reflexiva e de visão crítica que fomente a capacidade e a aptidão para a aprendizagem autônoma e dinâmica, indispensável ao exercício da Ciência do Direito, da prestação da justiça e do desenvolvimento da cidadania. [2]

“Sólida formação geral, humanística e axiológica”, “adequada argumentação, interpretação e valorização dos fenômenos jurídicos e sociais”, “postura reflexiva e de visão crítica que fomente a capacidade e a aptidão para a aprendizagem autônoma e dinâmica”, considerada indispensável ao “exercício da ciência do Direito, da prestação da justiça e do desenvolvimento da cidadania” são expressões que não deixam qualquer dúvida da importância que o curso de graduação em Direito deve reservar aos saberes e métodos propedêuticos, interdisciplinares, notadamente no domínio do que se convencionou chamar de “humanidades”, de modo a ver aprimorada a autonomia de pensamento e a renovação das ideias, simultaneamente à inserção social, política, histórica, cívica do acadêmico de Direito. Concretizando essa orientação – técnica, crítica, ética e política – a resolução CNE/CES n. 9/04, estabeleceu, em seu artigo 5º, que os cursos de graduação em Direito deveriam contemplar, em seu projeto pedagógico e em sua organização curricular, “conteúdos e atividades que atendam aos seguintes eixos interligados de formação”:

I – Eixo de formação fundamental: tem por objetivo integrar o estudante no campo, estabelecendo as relações do Direito com outras áreas do saber, abrangendo, dentre outros, estudos que envolvam conteúdos essenciais sobre Antropologia, Ciência Política, Economia, Ética, Filosofia, História, Psicologia e Sociologia.

II – Eixo de formação profissional, abrangendo, além do enfoque dogmático, o conhecimento e a aplicação, observadas as peculiaridades dos diversos ramos do Direito, de qualquer natureza, estudados sistematicamente e contextualizados segundo a evolução da Ciência do Direito e sua aplicação às mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais do Brasil e suas relações internacionais, incluindo-se

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necessariamente, dentre outros, condizentes com o projeto pedagógico, conteúdos essenciais sobre Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Tributário, Direito Penal, Direito Civil, Direito Empresarial, Direito do Trabalho, Direito Internacional e Direito Processual.

III – Eixo de formação prática: objetiva a integração entre a prática e os conteúdos teóricos desenvolvidos nos demais eixos, especialmente nas atividades relacionadas com o Estágio Curricular Supervisionado, Trabalho de curso e Atividades Complementares. [3]

Sobressaem-se como de especial destaque no referido dispositivo regulamentar não apenas a enumeração exemplificativa de disciplinas humanísticas no eixo de formação fundamental (Antropologia, Ciência Política, Economia, Ética, Filosofia, História, Psicologia e Sociologia), como a ressalva de que os três eixos de formação deveriam estar interligados. Como se não bastasse, mesmo quando trata do eixo de formação profissional, a resolução frisa que as diversas disciplinas jurídicas (ou “ramos do Direito”) deveriam ser “estudados sistematicamente e contextualizados segundo a evolução da Ciência do Direito e sua aplicação às mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais do Brasil e suas relações internacionais”.

Essa expressa interligação dos eixos de formação do acadêmico de Direito, em plena consonância com as mais recentes abordagens sistêmicas em matéria educacional, que se firma como exigência necessária diante da complexidade das estruturas do ser, do pensar e do agir nas contemporâneas vicissitudes históricas,[4] supera a simples justaposição de diferentes disciplinas (pluri, poli ou multidisciplinaridade), em prol da interdisciplinaridade e sua evolução dinâmica, a transdisciplinaridade. Consolida-se uma tendência que, na feliz expressão de Boaventura SANTOS, pode ser traduzida como a passagem da ideia de universidade para a de universidade de ideias. [5]

Situadas, segundo NICOLESCU, entre as “quatro flechas lançadas de um único arco do conhecimento” (a disciplinaridade e a multidisciplinaridade seriam as outras duas),[6] a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade despontam como as de maior relevância para uma educação não apenas voltada ao eficiente domínio de um ramo especializado do saber (aspecto técnico-profissional), mas também comprometida com o aperfeiçoamento da aptidão crítico-reflexiva e com a valorização da sensibilidade ética e política do educando. A propósito, cabe aqui uma nota conceitual proposta por MORIN, um dos redatores da célebre Carta da Transdisciplinaridade [7]:

A transdisciplinaridade se caracteriza geralmente por esquemas cognitivos que atravessam as disciplinas, por vezes com uma tal virulência que as coloca em transe. Em resumo, são as redes complexas de inter, poli e transdisciplinaridade que operaram e desempenharam um papel fecundo na história das ciências.

As idéias de inter e de transdisciplinaridade são as únicas importantes. Devemos “ecologizar” as disciplinas, isto é, levar em conta tudo o que lhe é contextual, aí compreendidas as condições culturais e sociais. É necessário que vejamos em que contexto elas nascem, como colocam seus problemas, como se esclerosam ou se metamorfoseiam. O metadisciplinar – meta significando ultrapassar e conservar – deve levar em conta tudo isso. Não se pode jogar fora o que foi criado pelas disciplinas, não

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se pode quebrar todas as clausuras. Este é o problema da disciplina, da ciência e da vida: é preciso que uma disciplina seja ao mesmo tempo aberta e fechada.

Em conclusão, para que nos serviriam todos os conhecimentos parcelares se não os confrontássemos uns com os outros, a fim de formar uma configuração capaz de responder às nossas expectativas, necessidades e interrogações cognitivas?[8]

Ressalve-se, contudo, que apesar de distintas, as “quatro flechas” não são antagônicas, mas mutuamente complementares:

Como no caso da disciplinaridade, a pesquisa transdisciplinar não é antagonista, mas complementar à pesquisa pluri e interdisciplinar. A transdisciplinaridade é, no entanto, radicalmente distinta da pluri e da interdisciplinaridade, por sua finalidade: a compreensão do mundo presente, impossível de ser inscrita na pesquisa disciplinar. A finalidade da pluri e da interdisciplinaridade sempre é a pesquisa disciplinar. Se a transdisciplinaridade é tão freqüentemente confundida com a inter e a pluridisciplinaridade (como, aliás, a interdisciplinaridade é tão freqüentemente confundida com a pluridisciplinaridade), isto se explica em grande parte pelo fato de que todas as três ultrapassam as disciplinas. Esta confusão é muito prejudicial, na medida em que esconde as diferentes finalidades destas três novas abordagens.

Embora reconhecendo o caráter radicalmente distinto da transdisciplinaridade em relação à disciplinaridade, à pluridisciplinaridade e à interdisciplinaridade, seria extremamente perigoso absolutizar esta distinção, pois neste caso a transdisciplinaridade seria esvaziada de todo seu conteúdo e sua eficácia na ação seria reduzida a nada.[9]

As considerações de MORIN e de NICOLESCU encontram eco nos argumentos utilizados no parecer n. 211/04, do Conselho Nacional de Educação, que serviu de base para a resolução n. 09 do CNE/CES:

Nesse passo, importa conceber a graduação no ensino jurídico como uma “formação inicial” para o exercício da profissão, implicando, como reza a LDB, continuidade e aprofundamento de estudos, sempre renovados em decorrência dos avanços da ciência, da tecnologia e de novas escalas de valores, com implicações na constituição de novas e desafiadoras situações e relações jurídicas, que justificam e exigem especializações em diferentes áreas ou ramos jurídicos, atuais ou novos, e em núcleos temáticos específicos.

Assim, o Direito retomará o seu papel de controle, construção e garantia do desenvolvimento da sociedade, evitando que se repita a postura cômoda de nada inovar, dando-se as faculdades por satisfeitas com a simples execução do currículo mínimo em que já se transformara o “currículo pleno”, como continua ocorrendo, bastando a realização e aprovação da monografia.

O ensino jurídico não pode comprazer-se com a emissão de diploma de graduação para aqueles que concluíram com aproveitamento médio, regular, as matérias ou disciplinas jurídicas estabelecidas na norma, muitas vezes cursadas mediana e compulsoriamente, apenas porque a norma (grade curricular) o exigiu, no limite do quantum satis para a sua creditação acadêmica.

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Não raro, também, matérias e disciplinas se justificam tão somente pela satisfação tecnicista, dogmática e personalista de grande contingente dos que atuam nos cursos jurídicos, sem o indispensável comprometimento com a nova ordem política, econômica, social, e com seus pluralismos políticos, jurídicos, regionais e axiológicos que caracterizam a contemporaneidade brasileira e a comunidade das nações. Com efeito, esse contexto está a exigir bastante autonomia intelectual e lúcido raciocínio jurídico, com as visíveis características de cientificidade e criticidade, epistemologicamente sedimentados, centrados também em uma escala de valor dignificante para o Brasil, para a pessoa humana e para os cidadãos, no pluralismo anteriormente remetido.

(...) As diretrizes curriculares, portanto, no curso de Direito, como nos demais, se voltam e se orientam para o devir, para o vir-a-ser, sem prejuízo da imediata inserção do profissional no mercado de trabalho, como co-responsável pelo desenvolvimento social brasileiro, não se podendo direcioná-las a uma situação estática ou contextual da realidade presente.[10]

Referido parecer, ao realizar um escorço histórico das linhas mestras do ensino do Direito, desde a criação dos primeiros cursos no Brasil, em 1827, realçou o conservadorismo pedagógico dos currículos (que, grosso modo, permaneceram inalterados até 1962), em sintonia com um conservadorismo político-ideológico. Tanto que, mesmo com a substituição do “currículo único” pelo “currículo mínimo”, de 1962 a 1984, as instituições de ensino superior abdicaram do direito/dever de, ao construírem seus currículos plenos, incorporarem instrumentos pedagógicos próprios de uma educação republicana. Optou-se, na maioria expressiva dos cursos de Direito, por modelos afinados com o que Paulo FREIRE chamou de “educação bancária”[11]. Extrai-se do parecer:

Com algumas poucas modificações decorrentes da influência do positivismo no período republicano, o currículo se manteve com o mesmo núcleo fixado da lei 314/1895 até 1962, quando o Conselho Federal de Educação avançou na concepção até então vigente de “currículo único”, rígido, uniforme, para todos os cursos, inalterado até em razão da lei, para a nova concepção de “currículo mínimo” para os cursos de graduação, incluindo-se, portanto, o bacharelado em Direito, na forma e sob a as competências previstas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 4024/61.

Esses enfoques revelam, dentre outros motivos, como o curso de Direito esteve, durante o Império e no período republicano até 1962, sob forte e incondicional controle político-ideológico, constituindo-se “currículo único”, com as poucas alterações já apontadas, o que explica a enraizada resistência a mudanças, somente incentivadas, ainda que de forma tênue, a partir de 1962, com a implantação do primeiro currículo mínimo nacional, para o curso de Direito.

(...) Apesar do estímulo que se continha no novo modelo, para que as instituições de ensino superior tivessem mais liberdade, porque a elas incumbia a formalização e operacionalização do seu “currículo pleno”, ainda assim o currículo de Direito se manteve rígido, com ênfase bastante tecnicista, sem a preocupação maior com a formação da consciência e do fenômeno jurídicos, não se preocupando com os aspectos humanistas, políticos, culturais e sociais, mantendo-se, assim, o citado tecnicismo, próprio do início e de boa parte do período republicano anterior.[12]

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Tal análise do anacronismo dos currículos dos cursos de Direito é compartilhada por diversos autores que se dedicaram a discutir a realidade do ensino jurídico brasileiro. Seja em relação aos conteúdos “mínimos”, seja no tocante ao isolacionismo das diversas disciplinas e, principalmente, no que concerne à falta de conscientização de que a educação (mormente a de cunho jurídico) deve voltar-se para o desenvolvimento no educando de habilidades que o capacitem para a autonomia de pensamento, para a visão crítica, inter e transdisciplinar da realidade. Rememoremos alguns desses estudos:

É o que ocorre por exemplo no ensino dos estatutos fundamentais do direito civil, em que, por vezes, a propriedade, a família e o contrato, vêm sendo tradicionalmente apresentados como se fossem “gavetas fechadas”, que somente se abrem no momento em que são estudados. Esse afastamento não se manifesta somente entre os ramos do próprio direito civil, mas também em relação a outras categorias do saber. Assim, torna-se inconcebível que se estude a civilística dissociada do direito constitucional, no qual encontramos seus princípios reatores, bem como os da sociologia, da filosofia ou da história. Trata-se, portanto, de uma “unidisciplinaridade”, fragmentando-se o conhecimento em disciplinas, cujo resultado apresenta-se no afastamento de diálogos com outros saberes. Com isso, as soluções jurídicas, cultuadas pelo Código ou criadas pela jurisprudência, acabam por serem apresentadas como destituídas dos problemas que as geraram. Sua conseqüência, bem como das premissas anteriores, é a apresentação do Direito como um “dado” e não como um “construído”, que se esboça no distanciamento entre o Direito ensinado e o Direito vivido.[13]

A interdisciplinaridade nada mais é do que a comunicação global entre as disciplinas autônomas. Pode ser entendida de duas maneiras distintas: como um novo paradigma científico, privilegiando o tratamento de problemas enxergados em seu conjunto e rejeitando o tratamento disciplinar autônomo; ou como conseqüência de um paradigma aberto e da necessidade de expansão das disciplinas nas diversidades científicas.

Esta interdisciplinaridade estabelece a necessidade do professor-jurista de praticar a sua dogmática e ao mesmo tempo pensar a respeito de sua disciplina e enxergar criticamente posições que não mais se coadunem com a realidade, compreendendo os seus limites e buscando novas saídas através da interrogação de outras realidades científicas.

Isso será concretizado através da consideração do Direito como um todo, rompendo-se as barreiras entre os diferentes ramos do Direito – e também entre outras ciências – no sentido de possibilitar ao aluno a percepção do mundo jurídico como resultado agregado de fatores ideológicos, sociais, políticos, culturais e históricos.

(...) Deste modo, à evidência de que o conhecimento jurídico vem sendo produzido de maneira fragmentada, forma-se um conhecimento limitado, ao mesmo tempo em que se produz um emaranhado de informações e noções análogos, desagregados e até mesmo antagônicos, todos tidos como legítimas representações da realidade.[14]

Contanto, se as dimensões do esforço em relacionar as matérias jurídicas já são grandes, ainda procurar estar atento a outros ramos do saber pode enriquecer nossas observações. Mormente na perspectiva de outros conhecimentos os quais nos vêm para informar o que costumou-se denominar “humanidades”. Assim, estaríamos buscando aportes para além das relevantes e necessárias sociologia e filosofia do Direito.

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Abrir a possibilidade para que o aluno curse disciplinas em conhecimentos afins como filosofia, sociologia, psicologia, letras, ciência política, entre outras, nos seus próprios departamentos pode auxiliar na verificação do fenômeno jurídico sobre outra ótica, estimulando a interdisciplinaridade até pelo contato do estudante de Direito com alunos de outros cursos.[15]

Com o afã de reverter esse quadro, em 1984 foi baixada a portaria n. 1886, do Ministério da Educação, fixando as “diretrizes curriculares e o conteúdo mínimo do curso jurídico”. Apesar de o parecer n. 211/04 do CNE ressalvar a contradição terminológica e conceitual do objeto da referida portaria – eis que a ideia de “diretrizes” conflitava com a persistência de um currículo mínimo rígido – apontou um inegável avanço para a paulatina construção de uma educação jurídica consentânea com os ditames constitucionais:

A portaria 1886/94 trouxe inovações que se constituíam avanços para o ensino jurídico, especialmente pelo seu direcionamento à realidade social e integração dos conteúdos com as atividades, dando dimensão teórico-prática ao currículo e ensejando a formação do senso crítico dos alunos, além de contemplar mais flexibilidade na composição do currículo pleno, através de disciplinas optativas e diferentes atividades de estudos e de aprofundamento em áreas temáticas.[16]

Sem embargo, foi apenas com o advento da lei 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) que o conceito de “diretrizes curriculares” foi se consolidando, inclusive com o paulatino desenvolvimento pelo Conselho Nacional de Educação, como demonstram os pareceres 776/97 e 507/99:

Os cursos de graduação precisam ser conduzidos, através das Diretrizes Curriculares, a abandonar as características de que muitas vezes se revestem, quais sejam as de atuarem como meros instrumentos de transmissão de conhecimento e informações, passando a orientar-se no sentido de oferecer uma sólida formação básica preparando o futuro graduado para enfrentar os desafios das rápidas transformações da sociedade, do mercado de trabalho e das condições de exercício profissional.[17]

A flexibilização enfocada induz maior nível de responsabilidade das instituições de educação quando da “elaboração de sua proposta pedagógica coerente com essa nova ordem e com as exigências da sociedade contemporânea”. Nesse novo contexto, no entanto, não convivem bem a portaria ministerial n. 1.886/94, com a alteração que lhe introduziu a portaria n. 3/96, como se constata pela análise de cada dispositivo do referido ato normativo, que esposou uma visão do currículo do curso jurídico bem diversa daquela que, cinco anos depois, resulta da nova política educacional brasileira contida na Lei de Diretrizes e Bases n. 9.394/96, construída sobre os pilares da nova Ordem Constitucional de 1988.[18]

Portanto, a resolução n. 09/04, do Conselho Nacional de Educação, ao fixar as diretrizes curriculares nacionais para o curso de Direito, a par de cumprir o ditame constitucional de uma educação de “republicana”, dialógica ou libertária (como poderia se referir FREIRE), porque também voltada para a cidadania - que a LDB aprofundou, ao propor dimensões éticas, críticas e políticas (e não apenas técnico-profissionais) - trouxe um extraordinário aporte não apenas para a renovação do ensino jurídico ou para a formação de profissionais mais comprometidos com as interseções sócio-políticas da

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teoria e da prática jurídicas. Sedimentou um arcabouço normativo para que o Direito se alinhe às complexas exigências teóricas, práticas e políticas do mundo pós-moderno.

3. A necessidade de uma sintonia entre os concursos de ingresso na carreira do Ministério Público e o caráter interdisciplinar, republicano, da política educacional do país na área do Direito

Se de um lado as diretrizes curriculares nacionais do curso de Direito – resolução n. 9 do CNE/CES – prestigiam uma visão inter e transdisciplinar do Direito e seu comprometimento com a realidade social e política, a capacidade de reflexão autônoma e o engajamento ético do educando, os concursos públicos para ingresso na carreira do Ministério Público ainda não refletem os fins e princípios embasadores das referidas diretrizes curriculares. Concentram-se exclusivamente na avaliação de disciplinas de formação profissional, como se as disciplinas do eixo de formação fundamental não tivessem qualquer relevância para o desempenho das atividades profissionais do futuro Promotor de Justiça. Isso ocorreu nos últimos concursos de ingresso para o Ministério Público Federal,[19] Ministério Público de São Paulo,[20] Ministério Público do Rio Grande do Sul,[21] Ministério Público do Rio de Janeiro,[22] Ministério Público de Minas Gerais, [23]Ministério Público da Bahia, [24] Ministério Público de Goiás,[25] Ministério Público do Pará[26] e Ministério Público do Paraná,[27] para citarmos apenas o modelo federal e o de outros oito Estados da Federação.

Em Santa Catarina, ocorreu situação peculiar. O regulamento de seu 33º concurso (de 26-09-07) dispôs, em seu artigo 4º, que “as provas versarão sobre todos os ramos do Direito, incluindo Direito Constitucional, Direito Penal, Direito Processual Penal, Direito Civil, Direito Processual Civil, Direito Administrativo, Direito da Criança e do Adolescente, Direito Falimentar, Direito Tributário, Direito Ambiental, Direito do Consumidor, Direito Eleitoral, Organização Judiciária de Santa Catarina, Organização e Estatutos dos Ministérios Públicos da União e do Estado, além de questões de Língua Portuguesa”. O subseqüente edital (de 13-11-07), ao explicitar os pontos do programa do concurso (artigo 11) incluiu amplos conteúdos de Filosofia do Direito, Sociologia do Direito (insertos no tópico “fundamentos e noções gerais do Direito”), Criminologia e Política Criminal (que constituem tópico autônomo do programa, não agrupados no tópico “Direito Penal”, solução adotada por Minas Gerais). Possível que esse tenha sido o caminho encontrado para contornar suposto óbice à inclusão de tais conteúdos no programa do concurso, tendo em vista o artigo 16, § 1º da resolução n. 14 do Conselho Nacional do Ministério Público, de 20-11-06), a dispor que “as provas versarão exclusivamente sobre matérias jurídicas detalhadas no programa”, redação que (por força da resolução n. 24/07) foi acrescida do seguinte texto: “facultando-se a aplicação de prova sobre conhecimento da língua portuguesa”.

Com efeito, já em 11-06-07, o Diário de Justiça da União publicava decisão monocrática de 01-06-07, da lavra do Ministro Sepúlveda Pertence, do STF, deferindo liminar, no mandado de segurança n. 26440-3, em favor do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, para cassar os efeitos de liminar exarada pelo Conselho Nacional do Ministério Público, que suspendia a realização de concurso público no Rio de Janeiro, por suposta inadequação do regulamento do concurso com o constante na resolução n. 14/06, inclusive (no que tange à matéria aqui tratada), por restringir o concurso a matérias jurídicas (e o concurso carioca previa prova de língua portuguesa).

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Na decisão, conquanto monocrática e liminar, consta já uma crítica expressa a um certo extravasamento das funções regulamentares pelo CNMP, ao editar a resolução n. 14/06:

É de inequívoca densidade a plausibilidade dos fundamentos da impetração: parece ultrapassar as raias admissíveis do poder normativo do CNMP para concretizar os princípios constitucionais da administração pública, estipulados no art. 37 da Constituição, a edição de regras que se sobreponham às interpostas na matéria pelos órgãos competentes conforme as leis nacionais ou locais que disciplinam a autonomia administrativa dos Ministérios Públicos estaduais, salvo expressa declaração de sua inconstitucionalidade. (Excerto da decisão liminar do Ministro Sepúlveda Pertence, na Medida Cautelar em mandado de segurança 26.440-3-DF, publicada no DJ de 11/06/07, p. 47).

Sem embargo, não será preciso, por ora, nem apelar para bem-intencionados artifícios ou “dribles” à resolução 14/06 (como trazer os conteúdos interdisciplinares ao programa, embora os abrigando sob os títulos de disciplinas inequivocamente consideradas como jurídicas) ou fundamentar-se na plausível inconstitucionalidade de fundo da resolução n. 14/06 do Conselho Nacional do Ministério Público, por extrapolar seu poder normativo. O fundamento constitucional não é despido de interesse, seriedade ou relevância. Ocorre que, para o tema que aqui enfrentamos (de necessidade de que os concursos de ingresso na carreira do Ministério Público guardem compatibilidade com os ditames constitucionais e infraconstitucionais da política educacional do país – artigo 205 da CF, LDB - e sua regulamentação específica pelas competentes autoridades educacionais - resolução CNE/CES n. 04/09), possível a compatibilização da referida resolução do CNMP com referido sistema normativo.

Esse viés argumentativo (que ganha força suplementar com as implicações de âmbito pedagógico e epistemológico já antecipadas na seção anterior, e que serão aprofundadas a seguir) provê, desde logo, sólida segurança jurídica para que as comissões de concurso inovem na regulamentação dos certames, auxiliando e apoiando os hercúleos e louváveis esforços das autoridades educacionais em reorientar o pensamento crítico e a prática jurídicas à luz das exigências éticas, políticas e sócio-econômicas da complexidade pós-moderna. A propósito (e isso é importante para, além da legalidade, endossar a legitimidade da resolução n. 09/04 do CNE), há de ser lembrado que o processo de construção das referidas diretrizes curriculares contemplou orientações das comissões de especialistas no ensino do Direito, da Ordem dos Advogados do Brasil e de diversas entidades públicas e privadas, em especial a ABEDI – Associação Brasileira do Ensino do Direito – além da discussão em congressos específicos e audiências públicas.

Ao que se pode vislumbrar, se o conteúdo das disciplinas tratadas nos concursos públicos de ingresso na carreira do Ministério Público já seguiam o conservadorismo teórico, político e metodológico das grades curriculares das Faculdades de Direito (problema que as novas diretrizes curriculares do CNE pretendem corrigir), tem-se a impressão de que a resolução n. 14/06, do Conselho Nacional do Ministério Público, acabou por tornar ainda mais tímidas ou receosas as iniciativas de ampliação dos horizontes programáticos dos concursos de ingresso na carreira do Ministério Público. Ao dispor, em seu artigo 16, § 1º, que “as provas versarão exclusivamente sobre matérias jurídicas detalhadas no programa, facultando-se a aplicação de prova sobre conhecimento da língua portuguesa”, a resolução parece ter sido absorvida, pelos

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Ministérios Públicos, no sentido de que, com exceção de língua portuguesa, os concursos deveriam versar tão-somente sobre disciplinas jurídicas. Esse é um óbice, a nosso ver inexistente, pelas seguintes razões:

Em primeiro lugar, referido artigo da resolução faz referência a “matérias jurídicas”, termo que não se confunde com “disciplinas jurídicas”. Matéria jurídica é qualquer tema que possa ser diretamente relacionado com o Direito, não se confundindo com o recorte específico de determinada área ou ramo de conhecimento do Direito, equivalente a uma dada disciplina jurídica (Direito Penal, Direito Civil, Direito Constitucional etc.). Tivesse a resolução se referido a “disciplinas jurídicas”, teríamos maiores dificuldades em compatibilizá-lo com o arcabouço constitucional e infraconstitucional referidos na seção anterior do presente trabalho e as concepções pedagógicas dele decorrentes.

A menção a “matérias jurídicas” (ou seja, temas de relevante conhecimento jurídico) permite um recorte inter ou transdisciplinar cada vez mais necessário, na atual conjuntura complexa do conhecimento, do direito e da vida. Medicina Legal, Psiquiatria Forense, Balística Forense, Engenharia Legal, Argumentação Jurídica, Oratória Forense, não podem ser consideradas disciplinas jurídicas, mas correspondem a um dos exemplos de interdisciplinaridade em torno de questões ou matérias de interesse jurídico. Tais disciplinas especializadas continuarão pertencendo à Medicina, à Engenharia, à Criminalística, à Teoria da Comunicação, à Pragmática ou à Lingüística. O mesmo poderia ser dito em relação à Filosofia do Direito, à Sociologia do Direito, à Antropologia Jurídica, à Psicologia Forense, à Criminologia e à Política Criminal, que constituem, evidentemente, disciplinas de interesse jurídico, com enfoque interdisciplinar. Como diz MORIN:

A interdisciplinaridade pode significar que diferentes disciplinas encontrem-se reunidas como diferentes nações o fazem na ONU, sem entretanto poder fazer outra coisa senão afirmar cada uma seus próprios direitos e suas próprias soberanias em relação às exigências do vizinho. Ela pode também querer dizer troca e cooperação e, desse modo, transformar-se em algo orgânico.[28]

Também cabe aqui uma distinção importante, feita por NICOLESCU:

A interdisciplinaridade tem uma ambição diferente daquela da pluridisciplinaridade. Ela diz respeito à transferência de métodos de uma disciplina para outra. Podemos distinguir três graus de interdisciplinaridade: a) um grau de aplicação. Por exemplo, os métodos da física nuclear transferidos para a medicina levam ao aparecimento de novos tratamentos para o câncer; b) um grau epistemológico. Por exemplo, a transferência de métodos da lógica formal para o campo do direito produz análises interessantes na epistemologia do direito; c) um grau de geração de novas disciplinas. Por exemplo, a transferência dos métodos da matemática para o campo da física gerou a física matemática; os da física de partículas para a astrofísica, a cosmologia quântica; os da matemática para os fenômenos meteorológicos ou para os da bolsa, a teoria do caos; os da informática para a arte, a arte informática. Como a pluridisciplinaridade, a interdisciplinaridade ultrapassa as disciplinas, mas sua finalidade também permanece inscrita na pesquisa disciplinar. Pelo seu terceiro grau, a interdisciplinaridade chega a contribuir para o big-bang disciplinar. [29]

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Não será preciso encontrar uma já consolidada adjetivação ao nome da disciplina (“do direito”, “jurídico”, “legal”) para reconhecer o campo de estudo como de natureza interdisciplinar. Ciência Política, História, Economia, Ética, Psicologia, Sociologia, Filosofia “puras” podem dialogar com o Direito, por exemplo, a partir de princípios, métodos, conclusões, associações, inferências gerais, suscetíveis de aplicação a contextos específicos do Direito, sem que se constituam em ramos especializados das referidas ciências e, ainda assim, constituírem-se em “matérias jurídicas” ou “matérias de relevante interesse jurídico”. Afinal, não se pode conceber que as relações interdisciplinares devam sempre ser intermediadas por uma disciplina “aplicada”, e não também por uma disciplina “geral”. Como esclarece NICOLESCU, a “aplicação” é apenas um dos três graus de interdisciplinaridade. O contato de disciplinas de caráter geral corresponde a um segundo grau de interdisciplinaridade, o “grau epistemológico”.

Em segundo lugar, damos um passo além da interdisciplinaridade – e ingressamos na transdisciplinaridade – sempre que essas relações do Direito com outras áreas do saber impliquem numa comunicação mais sutil (e não menos poderosa), mais imprevisível (e nem por isso caótica), como verdadeira “ponte” entre as disciplinas. Abrange áreas livres do conhecimento integrado e sistemas complexos de mútua imbricação teórica e metodológica, que ultrapassam tradicionais fronteiras epistemológicas de uma ou outra disciplina, porque transitam em várias delas, sem que se possam constituir em “domínio” ou “propriedade” de uma disciplina específica:

Como o prefixo "trans" indica, a transdisciplinaridade diz respeito ao que está, ao mesmo tempo, entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de todas as disciplinas. Seu objetivo é a compreensão do mundo presente, e um dos imperativos para isso é a unidade do conhecimento.

Existe algo entre ou através das disciplinas e além de todas as disciplinas?

Na presença de vários níveis de realidade, o espaço entre as disciplinas e além das disciplinas está cheio, assim como o vácuo quântico está cheio de possibilidades: da partícula quântica às galáxias, do quark aos elementos pesados, que condicionam o aparecimento da vida no universo. A estrutura descontínua dos níveis de realidade determina a estrutura descontínua do espaço transdisciplinar , que por sua vez explica por que a pesquisa transdisciplinar é radicalmente distinta da pesquisa disciplinar, mesmo quando totalmente complementar. A pesquisa disciplinar diz respeito, na melhor das hipóteses, a um único e mesmo nível de realidade; além do mais, na maioria dos casos, refere-se a apenas um fragmento de um nível de realidade. Por outro lado, a transdisciplinaridade diz respeito à dinâmica engendrada pela ação de diferentes níveis de realidade ao mesmo tempo . A descoberta dessas dinâmicas passa necessariamente pelo conhecimento disciplinar. Embora não se trate de uma nova disciplina ou de uma nova superdisciplina, a transdisciplinaridade é nutrida pela pesquisa disciplinar; ou seja, a pesquisa disciplinar é esclarecida de maneira nova e fecunda pelo conhecimento transdisciplinar. Nesse sentido, a pesquisa disciplinar e transdisciplinar não são antagônicas, mas complementares.

A disciplinaridade, a multidisciplinaridade, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade são como quatro flechas lançadas de um único arco: o conhecimento.[30]

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O conhecimento transdisciplinar de questões ou matérias jurídicas não pertence ao Direito mas transita – com absoluta pertinência e importância – por alguns de seus fundamentos teóricos e práticos mais caros. Essa a natureza (complexa e fértil) do conhecimento científico na pós-modernidade, que a noção de transdiciplinaridade procura instrumentalizar. Não para dissolver ou fragmentar disciplinas, mas para proporcionar aberturas a novos olhares, novas perspectivas e, quiçá, novas disciplinas, por vezes a partir de diálogos de início tidos como impertinentes:

A abertura se faz necessária. Ela ocorre, por vezes, quando o olhar ingênuo de um amador estranho à disciplina resolve um problema cuja solução era invisível a ela própria. O olhar ingênuo que, evidentemente, não conhece os obstáculos que a teoria existente estabelece para a elaboração de uma nova visão pode, geralmente por caminhos erráticos, permitir-se esta visão.

(...) Se o caso de Darwin e de Wegner são excepcionais, pode-se entretanto adiantar que a história das ciências não é somente a da constituição e proliferação de disciplinas, mas também a de rupturas de fronteiras disciplinares, de sobreposições de problemas de uma disciplina sobre outra, de circulação de conceitos, de formação de disciplinas híbridas que terminaram por se autonomizar. É, igualmente, a história da formação de complexos nos quais diferentes disciplinas se agregam e se aglutinam. Dito de outra forma, se a história oficial da ciência é da disciplinaridade, a “inter-trans-poli-disciplinaridade”, embora ligada e inseparável dela, constitui uma outra história, que lhe é associada e inseparável.[31]

Ecologia, Responsabilidade Social, Relações de Gênero, Transparência, Corrupção, Juventude, Relações Raciais, Terceira Idade, Violência Urbana, Violência Doméstica, Drogadição, Urbanismo, Habitação, Segurança Pública, Controle da Sociedade Civil, são alguns exemplos de novas áreas do conhecimento que surgem a partir de problemas sociais concretos de natureza intrinsecamente “transversais” ou transdisciplinares, e nem por isso não relevantes como possíveis “matérias jurídicas”. Daí o parecer 211/04 do CNE, ao fundamentar os eixos interligados de formação (fundamental, profissional, prática), que seriam incorporados pelo artigo 5º da resolução n. 9/04, ter ressaltado a necessidade de conteúdos que “revelem inter-relações com a realidade nacional e internacional, segundo uma perspectiva histórica e contextualizada dos diferentes fenômenos relacionados com o direito”. Por isso, não temos dúvida em afirmar que “matéria jurídica” é qualquer fenômeno relacionado com o Direito, ainda que, por seu viés eventualmente inter ou transdisciplinar, nem sempre possa ser identificado como pertencente a uma dada “disciplina jurídica”.

Em suma, afora a inarredável necessidade de as resoluções do Conselho Nacional do Ministério Público serem compatíveis com o sistema normativo geral (tanto que o próprio artigo 1º da resolução n. 14/06 do CNMP ressalva que os regulamentos e editais de concurso deverão observar referida resolução “sem prejuízo de outras normas de caráter geral compatíveis com o disposto nesta Resolução, salvo se contrariarem normas constantes em Leis Orgânicas do Ministério Público”), nem mesmo a literalidade do artigo 16, § 1º da resolução 14 do CNMP autoriza a interpretação de que (à exceção da língua portuguesa), apenas disciplinas jurídicas possam ser objeto de aferição nos concursos públicos para ingresso na carreira do Ministério Público.

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4. Compatibilização entre a missão constitucional do Ministério Público e uma visão interdisciplinar das questões sociais de relevância jurídica – O ENADE como inspiração aos concursos públicos para ingresso na carreira do MP

Reivindicar que os concursos de ingresso na carreira do Ministério Público incorporem uma visão interdisciplinar das questões sociais de relevância jurídica, diretriz proclamada e normatizada na política educacional do país, não se constituirá, decerto, em qualquer entrave à missão constitucional do Ministério Público. Muito pelo contrário. Reza a Constituição, em seu artigo 127, incumbir ao Ministério Público, como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, “a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. Com tão larga missão constitucional, detalhada em tantas outras funções institucionais (entre as quais fiscalizar a adoção de políticas públicas pelos diversos setores governamentais - artigo 129, II da CF), não se pode conceber que o Ministério Público, ao recrutar seus novos membros, limite-se a aferir, sob o exclusivo enfoque unidirecional do Direito (por suas “disciplinas jurídicas”) os conhecimentos, aptidões e habilidades dos candidatos.

Defender o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis e zelar pelo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos constitucionais pressupõe não apenas domínio de conhecimentos, técnicas e métodos jurídicos. Pressupõe, mais que nunca, experiente manejo do conhecimento interdisciplinar da realidade brasileira, a possibilitar amplos e ricos subsídios a muitas manifestações jurídicas. Mais que isso, uma abertura fundamental para inserir-se em meio a discussões cotidianas, não necessariamente restritas à disciplina jurídica, ainda que tratem de matérias de relevância jurídica (vide, a propósito, FOWLER)[32], sendo aqui pertinentes as ponderações de Boaventura SANTOS:

As novas gerações de juízes e magistrados deverão ser equipadas com conhecimentos vastos e diversificados (econômicos, sociológicos, políticos) sobre a sociedade em geral e sobre a administração da justiça em particular. Esses conhecimentos têm de ser tornados disponíveis e, sobretudo no que respeita aos conhecimentos sobre administração da justiça no nosso país, esses conhecimentos têm ainda de ser criados.

É necessário aceitar os riscos de uma magistratura culturalmente esclarecida. Por um lado, ela reivindicará o aumento de poderes decisórios, mas isso, como se viu, vai no sentido de muitas propostas e não apresenta perigos de maior se houver um adequado sistema de recursos. Por outro lado, ela tenderá a subordinar a coesão corporativa à lealdade a ideais sociais e políticos disponíveis na sociedade. Daqui resultará uma certa fractura ideológica que pode ter repercussões organizativas. Tal não deve ser visto como patológico mas sim como fisiológico. Essas fracturas e os conflitos a que elas derem lugar são a verdadeira alavanca do processo de democratização da justiça.[33]

A natureza singular do Ministério Público, no cenário constitucional e político brasileiro, como órgão do Estado encarregado de defender a democracia e os interesses sociais e individuais indisponíveis, eventualmente até contra o Estado, tem despertado interesse crescente de pesquisadores das áreas das ciências sociais, no Brasil e no exterior.[34] Uma instituição que transcende as dimensões profissionais, para atuar como componente importante da ordem constitucional, política e democrática brasileira, como verdadeiro agente da transformação social não pode prescindir do olhar inter ou

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transdisciplinar, nem deixar de valorizá-lo, reconhecê-lo como importante, desde o concurso para ingresso na instituição.

Nesse sentido, e em plena coerência com as diretrizes curriculares nacionais para o curso de Direito, oportuno sejam inseridas nos concursos de ingresso questões atinentes ao eixo de formação fundamental, que estabeleçam “as relações do Direito com outras áreas do saber, abrangendo, dentre outros, estudos que envolvam conteúdos essenciais sobre Antropologia, Ciência Política, Economia, Ética, Filosofia, História, Psicologia e Sociologia”. A proposta oferece uma oportunidade para que, no âmbito das Faculdades de Direito, as perspectivas interdisciplinares e o pensamento humanístico sistêmico sejam prestigiados, valorizados. Frise-se, a propósito, que apesar do enorme contingente de Bacharéis em Direito que prestam concursos para o Ministério Público, as comissões organizadores desses concursos ainda não atentaram para o fato de que, na definição dos itens programáticos, poderão também influenciar, direta ou indiretamente, a própria conformação dos currículos das Faculdades de Direito. No estágio atual, em que nenhuma reflexão alheia à disciplina jurídica é objeto de questionamento nos concursos para ingresso na carreira do Ministério Público (e o mesmo se diga em relação ao exame da OAB e aos concursos de ingresso na Magistratura), sinaliza-se que disciplinas importantes como Sociologia, Filosofia, Política, Economia, Direito e Sociedade, conquanto desejáveis para o enriquecimento cultural, não seriam imprescindíveis na aferição das competências, habilidades e aptidões do futuro Promotor de Justiça.

A proposta de inserção, nos concursos de ingresso, de um conteúdo interdisciplinar de relevância jurídica acaba representando um grande reforço às louváveis iniciativas do Conselho Nacional de Educação de fazer com o ensino do Direito se conforme com as exigências de reflexão crítica e de qualificação para o exercício da cidadania, no contexto do que temos denominado, com amparo constitucional e na LDB, de “educação republicana”. Docentes e pesquisadores dessas disciplinas, nos cursos de Direito, não mais teriam que ouvir comentários pragmáticos (ou jocosos) como os de que suas disciplinas, embora importantes, “não caem nos concursos jurídicos”. Diretores de instituições de ensino superior pensariam duas vezes antes do sacrifício da carga horária de disciplinas ligadas ao eixo de formação fundamental, em favor das disciplinas ligadas ao eixo de formação profissional. Professores de disciplinas técnicas ou profissionais também se veriam obrigados a, quanto possível, contextualizar, criticamente, suas ideias, teorias e perspectivas. Com isso, estimula-se a verdadeira integração entre os três eixos de formação (o fundamental, o profissional e o prático), tanto nos concursos públicos de ingresso em carreiras jurídicas quanto nos próprios cursos de graduação.

Nesse quadro, parece-nos pertinente seja criado no concurso para ingresso na carreira do Ministério Público um núcleo programático denominado “Direito e Interdisciplinaridade” (vimos, com NICOLESCU, que a inter e a transdisciplinaridade operam num continuum), em torno do qual seriam propostas questões escritas – de múltipla escolha (na fase preambular) e discursivas (na segunda fase) – em que matérias relevantes ao Direito pudessem ser analisadas em diálogo com algumas das disciplinas constantes no “eixo de formação fundamental”, como previsto nas diretrizes curriculares nacionais: Antropologia, Ciência Política, Economia, Ética, Filosofia, História, Psicologia, Sociologia, ao que se acrescentaria Criminologia e Política Criminal, eis que a cláusula “entre outras”, nas diretrizes curriculares nacionais,

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marca o caráter exemplificativo (e não taxativo) das disciplinas enumeradas e cremos ninguém possa negar a relevância e oportunidade de discussões criminológicas e político-criminais para a formação do aluno de Direito e para o futuro Promotor de Justiça.[35]

A fim de evitar demasiada imprevisibilidade no manejo dos conteúdos interdisciplinares, dificultando a preparação para o concurso e a elaboração e correção das questões, os regulamentos de concurso, além de limitarem os questionamentos interdisciplinares às provas escritas, deverão prever a divulgação, com a devida antecedência, das referências bibliográficas, isto é, uma lista de textos - livros e artigos – previamente indicados pelo examinador do núcleo programático “Direito e Interdisciplinaridade”, em torno dos quais seriam embasadas as questões. Solução semelhante tem sido adotada nos processos seletivos para ingressos nos programas de mestrado e doutorado das universidades brasileiras, bem como nos exames vestibulares, em relação à prova de literatura brasileira. Em algumas universidades (como a UNICAMP), também é divulgada lista de textos nos exames de habilidades específicas para candidatos a cursos como artes visuais, artes cênicas, música). Por outro lado, não sendo necessário (nem conveniente) que, em cada concurso, sejam exaustivamente contempladas todas as disciplinas do eixo fundamental, também para tal restrição a lista de textos se prestará. Assim, cada concurso poderá dar ênfase a determinadas associações interdisciplinares, sem que seja preciso encontrar um examinador com conhecimentos enciclopédicos, profundo conhecedor de todos os ramos em que essas correlações se revelem possíveis. A lista de textos (que, evidentemente, pode e deve sofrer alterações significativas a cada concurso), torna mais factível e equitativa, em termos práticos, a elaboração e correção da prova pelo examinador e a adequada preparação por parte do candidato.

Para que se tenha uma ideia concreta de que a elaboração de questões, de múltipla escolha e discursivas, em torno da perspectiva “Direito e Interdisciplinaridade” é operacionalmente viável (e de sua importância crescente, segundo a política educacional vigente), poderíamos citar o ENADE – Exame Nacional de Desempenho de Estudantes - aplicado na área do Direito, como um paradigma inspirador dos novos concursos para ingresso na carreira do Ministério Público. Vejamos:

Em perfeita coerência com a política educacional, a ser materializada em cada curso de graduação pelas diretrizes curriculares nacionais, a lei 10861/04, que instituiu o SINAES – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – criou o ENADE, aplicado com periodicidade máxima de três anos, dispondo em seu artigo 5º:

Art. 5o A avaliação do desempenho dos estudantes dos cursos de graduação será realizada mediante aplicação do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes - ENADE.

§ 1o O ENADE aferirá o desempenho dos estudantes em relação aos conteúdos programáticos previstos nas diretrizes curriculares do respectivo curso de graduação, suas habilidades para ajustamento às exigências decorrentes da evolução do conhecimento e suas competências para compreender temas exteriores ao âmbito específico de sua profissão, ligados à realidade brasileira e mundial e a outras áreas do conhecimento.

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§ 5o O ENADE é componente curricular obrigatório dos cursos de graduação, sendo inscrita no histórico escolar do estudante somente a sua situação regular com relação a essa obrigação, atestada pela sua efetiva participação ou, quando for o caso, dispensa oficial pelo Ministério da Educação, na forma estabelecida em regulamento.

Perlustrando o último ENADE aplicado aos cursos de Direito (2006), percebe-se nitidamente a coerência da autoridade educacional máxima de, cumprindo os ditames constitucionais e infraconstitucionais de uma educação que temos nos referido como “republicana”, inserir na prova temas interdisciplinares e transversais, em conformidade com as diretrizes curriculares do curso de Direito. Contempla não apenas uma avaliação acerca dos conteúdos programáticos de natureza técnica, científica ou profissional, mas também suas habilidades (“para ajustamento às exigências decorrentes da evolução do conhecimento”) e suas competências (“para compreender temas exteriores ao âmbito específico de sua profissão, ligados à realidade brasileira e mundial e a outras áreas de conhecimento”), como previsto no artigo 5º, § 1º da lei 10861/04, acima transcrito.

Em meio às questões (de múltipla escolha e discursivas) propostas na parte de “formação geral”, no último ENADE, são dignos de destaque, para a argumentação aqui tecida, os seguintes temas: indicadores do fracasso escolar no Brasil (questão 1), nacionalismo e diversidade cultural (questão 3), arte e literatura (questão 2), formação da consciência ética (questão 4), identidade nacional e globalização (questão 5), embriaguez ao volante (questão 6) jovens e mercado de trabalho (questão 7), filosofia existencialista (questão 8), políticas afirmativas e sistema de cotas (questão 9), violência urbana (questão 10).

Nas questões propostas na parte de “formação específica” (eixo de formação profissional), os examinadores não se descuraram dos conteúdos e reflexões próprias das disciplinas ligadas ao eixo de formação fundamental, como Sociologia, Ética, Filosofia e Ciência Política (questões 11 a 15). Cumprindo a orientação de que os eixos de formação devem estar interligados, observa-se, mesmo nas questões mais voltadas para conteúdos de conhecimento específicos, a inserção de elementos interdisciplinares como pano de fundo à “solução” de problemas técnicos. Citem-se alguns exemplos: as respostas às questões 19 e 20 (que tratam de temas de Direito Penal e de Direito Processual Penal) estavam relacionadas a um excerto da obra Miseráveis, de Victor Hugo; a questão 23 engendra um recorte histórico a uma questão de Direito constitucional; a questão 25, de Direito Constitucional e Administrativo, tinha por cenário excerto de obra de Machado de Assis; a questão 28, de Direito Civil e Direito Processual Civil, toma como ponto de partida excerto da Suma Teológica, de São Tomás de Aquino; a questão 29, sobre acidente de trabalho, é elaborada em torno da canção Construção, de Chico Buarque; a questão 32 articula responsabilidade civil com o terrorismo; a questão 37, discursiva, que trata de Direito Constitucional e Direito Tributário, traz como premissa analítica excerto da obra Coronelismo, de Victor Nunes Leal; a questão 40, também discursiva, fundamentada a partir de um texto do sociólogo Otávio Ianni, propõe uma articulação entre globalização, terrorismo, segurança pública e direitos humanos.

O ENADE (cuja edição, de 2006, é anexada ao presente estudo) serve como evidência eloqüente de que as diretrizes curriculares nacionais do curso de direito podem e devem ser levadas em consideração, de forma concreta, nos diversos instrumentos de

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avaliação. Não apenas para medir conhecimentos, mas habilidades e competências, de reflexão crítica autônoma e pensamento sistêmico, tendo por inspiração fatos e acontecimentos do cenário brasileiro e mundial, em perspectivas contemporânea e histórica. Além disso, o ENADE não se revela como mero “estímulo” à renovação dos cursos de Direito. A submissão ao ENADE é obrigatória, seus resultados constam do histórico escolar do aluno e servem também como elemento importante na classificação dos cursos jurídicos, comprometendo-se o MEC a premiar o desempenho dos melhores alunos com bolsas de estudos e auxílios, em cursos de graduação e pós-graduação (artigo 5º, § 10 da lei 10861/04).

Com o tempo, os cursos de graduação em Direito estarão tão adaptados ao ENADE (até porque dependerão de bons indicadores de desempenho – inclusive no ENADE - para sua sobrevivência e reconhecimento público) e, por conseguinte, às diretrizes curriculares nacionais, que a realização de concursos públicos, nos moldes dos tradicionalmente realizados para ingresso na carreira do Ministério Público, representará autêntico anacronismo científico, pedagógico e institucional. Principalmente quando se cogita da grandiosa missão constitucional do Ministério Público.

5. Os desafios para o ensino jurídico da perspectiva interdisciplinar

Pelo exposto, parece ser ultrapassada a fragmentação do conhecimento acerca da realidade e dos problemas cada vez mais complexos nas suas inter-relações e características de transversalidade e multidimensionalidade. Desse modo, ao ensino jurídico neste contexto é imprescindível: i) a compreensão do contexto através do inventário e análise dos dados e informações; ii) a compreensão da relação global-local, articulando não de forma necessária mas dialógica as partes e o todo, o particular e o universal; iii) a ciência e a compreensão das diferentes dimensões de agenciamento e repercussão dos fatos que compõem a realidade das relações sociais; iiii) a compreensão, enfim, da complexidade, da interdependência entre os elementos constituintes da realidade.

No campo do ensino do Direito isto significa superar supostas dicotomias e incompatibilidades, ou falsos dilemas entre uma formação técnica ou humanística. Significa, de acordo com POMBO[36] - ao propor uma tipologia das práticas de investigação interdisciplinar - compreender o surgimento de novas experiências e de novas e diversas modalidades institucionais que ensaiem modelos e métodos de trabalho que são claramente interdisciplinares ou, pelo menos, procuram sê-lo. Na classificação da autora as novas modalidades constituem-se em:

a) Práticas de importação, que são aquelas práticas decorrentes de limites sentidos no interior das disciplinas especializadas. O aprofundamento da investigação numa disciplina leva ao reconhecimento da necessidade de transcender as suas fronteiras, sendo preciso recorrer a outros campos para uma compreensão mais abrangente e abalizada do problema ou caso em questão.

b) Práticas de cruzamento, relativas a problemas que, tendo a sua origem numa determinada disciplina, irradiam para outras, invadem outros domínios, circulam, revelam-se enquanto “problemas indisciplinados”. Segundo POMBO, a ideia subjacente é a de que o problema (ou caso) é um espaço objetivo de determinações, irredutível a uma lógica essencialmente subjetiva de entendimento. Trata-se de uma

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“interdisciplinaridade de interdependência“ ou ainda uma “interdisciplinaridade unificadora”.

c) Práticas de convergência, relativas às disciplinas que lidam com a apreensão de um objeto circunscrito em uma determinada área geográfica, cultural, histórica e linguística . São as práticas conhecidas também pelo nome de “estudos por áreas” nas quais a circulação e a troca das formas de apreensão dos diferentes campos constroem uma real dimensão das complexidades.

d) Práticas de descentração, que têm na sua origem a irrupção de problemas impossíveis de reduzir às disciplinas tradicionais. Estes problemas podem ser problemas novos, em grande parte resultante do próprio desenvolvimento científico e da capacidade tecnológica que o homem adquiriu para intervir na ordem da natureza.

e) Práticas de comprometimento, aquelas que visam questões vastas e difíceis, questões que resistem a todos os esforços desenvolvidos ao longo dos séculos com vista à sua solução, mas que reclamam soluções urgentes.

Assim, é imprescindível em uma proposta educativa interdisciplinar o encaminhamento de formas de superação de um dos principais problemas e focos de tensão no campo das ciências sociais em geral e das ciências sociais aplicadas em particular (do Direito, inclusive), que é a já notada dicotomia de qualquer ordem, especialmente entre a formação profissional e a produção científica. Ou seja, o desafio se dá em como estabelecer, no caso do Direito, uma interlocução menos delgada, para não dizer quase que totalmente desvinculada, entre a reflexão teórica e a prática jurídica, sendo que esta nem sempre é balizada pelos parâmetros da Academia e da legitimidade científica.

Fomentar a constituição de uma reflexão científica, densa e consistente em termos epistemológicos e metodológicos (imperiosa no campo do Direito) e que transita, de modo coletivo e interdisciplinar, pelas dimensões das práticas de importação, do cruzamento, da convergência, do descentração e do comprometimento nas atividades de ensino, pesquisa e da extensão, potencializa no estudante de graduação a vivência intelectual de agenciar dialogicamente a sua atuação profissional, com a urgente e necessária inserção no campo do conhecimento jurídico através do acesso, da análise, da discussão, da crítica e da produção desse conhecimento.

Em síntese, a interdisciplinaridade é uma perspectiva que abre espaço para o essencial debate qualitativo em torno dos avanços e retrocessos do ensino, da pesquisa e da extensão no campo das humanidades, reforçando a idéia de que o Direito é também constitutivo desse campo, notadamente quando problematiza a Constituição Federal e a organização das instituições sociais e políticas. A inclusão de tópicos de Sociologia, Filosofia, Psicologia, Antropologia (entre outros campos do saber) nos programas de concursos de ingresso na carreira do Ministério Público (e, da mesma forma, da Magistratura) atribui essencial significado ao diálogo contínuo entre o “mundo da prática” e o da “produção acadêmica”. Mais do que isso, colabora de maneira singular e enfática na formação de profissionais do Direito capazes de fazer repercutir na sua prática cotidiana as preocupações com os Direitos Fundamentais, com a Democracia e com o Estado de Direito republicano, além de outras preocupações tão urgentes e pungentes como aquelas relacionadas ao trabalho e à exclusão social, à justiça e à cidadania.

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6. Conclusões

Do conjunto das ponderações, reflexões e informações acima lançadas, poderíamos tecer as seguintes conclusões e proposições:

1) A inserção, no programa dos concursos para ingresso na carreira do Ministério Público, de conteúdos interdisciplinares, harmoniza-se perfeitamente com as diretrizes curriculares nacionais para o curso de Direito (resolução CNE/CES 09-04), notadamente no que concerne à interligação entre os eixos de formação fundamental e os de formação profissional.

2) Sem prejuízo da plausível inconstitucionalidade da resolução n. 14/06, do Conselho Nacional do Ministério Público, que em princípio extrapola seu poder normativo (consoante já sinalizado em decisão monocrática liminar do STF), o artigo 14 da referida resolução, ao referir-se a “matérias jurídicas” (temas de relevância jurídica) e não a “disciplinas jurídicas” (ramos da ciência do Direito) não constitui óbice regulamentar à inserção de disciplinas não jurídicas nos concursos para ingresso na carreira do Ministério Público, desde que suscetíveis de associação com matérias de relevante interesse jurídico. Até porque o conhecimento científico, na complexa realidade pós-moderna, procura, cada vez mais, abrir horizontes para a inter e a transdisciplinaridade.

3) A capacidade de reflexão crítica autônoma e a qualificação para o exercício da cidadania, com participação ativa no desenvolvimento da sociedade brasileira, constituem objetivos claros da política educacional do país, absolutamente compatíveis com a missão constitucional do Ministério Público (artigo 127 da CF). As abordagens inter e transdisciplinares de questões e problemas nacionais contribuem para o alcance desse desiderato, tanto no que diz respeito à formação educacional quanto no que tange às importantes aptidões, habilidades e competências que devem ser estimuladas no exercício do cargo de Promotor de Justiça.

4) Para valorização da desejada inter e transdisciplinaridade, recomendável seja previsto um núcleo programático denominado “Direito e Interdisciplinaridade”. Em torno desse núcleo seriam elaboradas questões de relevância jurídica seriam postas, a serem discutidas à luz de aportes, diálogos e imbricações de disciplinas como Antropologia, Ciência Política, Economia, Ética, Filosofia, História, Psicologia, Sociologia, Criminologia e Política Criminal, correspondentes ao eixo de formação fundamental das diretrizes curriculares nacionais.

5) A fim de evitar demasiada imprevisibilidade no manejo dos conteúdos interdisciplinares, dificultando a preparação para o concurso, a elaboração e correção equitativa das provas, recomenda-se que os regulamentos de concurso contemplem a divulgação, com a devida antecedência, de textos (artigos e livros) indicados pelo examinador do tópico “Direito e Interdisciplinaridade”. A lista de textos deverá embasar todas as questões, tanto nas provas de múltipla escolha como nas provas discursivas, não se recomendando argüição oral desse núcleo programático.

6) As provas do ENADE – Exame Nacional de Desempenho de Estudos - a que periodicamente se submetem os acadêmicos de Direito, constituem-se em relevantes exemplos de manejo de questões interdisciplinares, em plena coerência com as

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diretrizes curriculares nacionais, o que pode inspirar as futuras formatações de provas nos concursos para ingresso na carreira do Ministério Público. Não apenas no que concerne ao eixo de formação geral, quanto no tocante às questões ligadas aos eixos de formação profissional e prática.

7) A inserção de conteúdos interdisciplinares nos concursos para ingresso nas carreiras jurídicas prestigia um ensino jurídico que alarga, aprofunda, torna mais densa a análise e compreensão das complexidades que tecem as relações sociais na sua concretude.

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[1] MORIN, Edgar. Educação e complexidade: os sete saberes e outros ensaios. Trad. de Edgard de Assis Carvalho. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2007, p. 74.

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[2] BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/CES n. 9, de 29 de setembro de 2004. Institui as diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em direito. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 1º out. 2004. Seção 1, p. 17.

[3] BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/CES n. 9, op. cit., p. 17.

[4] Vide, a propósito: ELGES, Norberto. Ciência, interdisciplinaridade e educação. In: JANTSCH, Ari Paulo; BIANCHETTI, Lucídio (Org.). Interdisciplinaridade: para além da filosofia do sujeito. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 51-84; FRIGOTTO, Gaudêncio. A interdisciplinaridade como necessidade e como problema nas ciências sociais, ibid., p. 25-49; JANTSCH; BIANCHETTI. Universidade e interdisciplinaridade, ibid., 195-204; SEVERINO, Antônio Joaquim. O uno e o múltiplo: o sentido antropológico do interdisciplinar, ibid., p. 159.

[5] SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 1997, p. 226.

[6] NISCOLESCU, Basarab. Um novo tipo de conhecimento: transdisciplinaridade. In: ENCONTRO CATALISADOR [do CETRANS], 1., 1999, Atibaia, p. 3 [Documento apresentado]. São Paulo: Centro de Educação Transdisciplinar, 1999. Disponível em: < http://www.ufrrj.br/leptrans/link/conhecimento.pdf>. Acesso em: 09 mar. 2009.

[7] LIMA DE FREITAS; MORIN, Edgar; NICOLESCU, Basarab (Redatores). Carta da transdisciplinaridade. In: CONGRESSO MUNDIAL DE TRANSDISCIPLINARIEDADE 1., 1994, Convento de Arrábida [Portugal]. [Documento divulgado]. Disponível em: <http://www.ccsa.ufrn.br/5sel/v2/pdf/minicurso15_carta_transdisciplinaridade.pdf>. Acesso em: 09 mar. 2009.

[8] MORIN, op. cit., p. 51.

[9] NICOLESCU, op. cit, p. 3.

[10] BRASIL. Ministério da Educação. Parecer CNE/CES n. 211/04, de 8 de julho de 2004. Reconsideração do Parecer CNE/CES n. 55/2004, referente às diretrizes curriculares nacionais para o curso de graduação em direito. Relator: Edson de Oliveira Nunes. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 23 set. 2004. Seção 1, p. 16-17.

[11] “Em lugar de comunicar-se, o educador faz “comunicados” e depósitos que os educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a concepção “bancária” da educação, em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los. Margem para serem colecionadores ou fichadores das coisas que arquivam. No fundo, porém, os grandes arquivados são os homens, nesta (na melhor das hipóteses) equivocada concepção “bancária” da educação. Arquivados, porque, fora da busca, fora da práxis, os homens não podem ser. Educador e educandos se arquivam na medida em que, nesta distorcida visão da educação, não há criatividade, não há transformação, não há saber. Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros. Busca esperançosa também.”

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(FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 58).

[12] BRASIL. Ministério da Educação. Parecer CNE/CES n. 211/04, op. cit., p. 7.

[13] PINHEIRO, Rosalice Fidalgo. A responsabilidade social do jurista e o ensino jurídico: um breve diálogo entre o Direito e a Pedagogia. In: RAMOS, Carmem Lucia Silveira et al. (Org.). Diálogos sobre direito civil: construindo uma racionalidade contemporânea. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 509.

[14] MULHOLLAND, Caitlin Sampaio. A interdisciplinaridade no ensino jurídico: a experiência do Direito Civil. In: RAMOS, op. cit., p. 468.

[15] MATOS, Ana Carla Harmatiuk. Sete diálogos sobre a relação ensino-aprendizagem no Direito. In: RAMOS, op. cit., p. 413.

[16] BRASIL. Ministério da Educação. Parecer CNE/CES n. 211/04, op. cit., p. 13.

[17] BRASIL. Ministério da Educação. Parecer CNE/CES n. 776, de 3 de dezembro de 1997. Orientação para as diretrizes curriculares dos cursos de graduação. Relatores: Carlos Alberto Serpa de Oliveira, Éfrem de Aguiar Maranhão, Eunice Durham, Jacques Velloso e Yugo Okida. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 23 set. 2004. Seção 1, p. 2.

[18] BRASIL. Ministério da Educação. Parecer CNE/CES n. 507/99, apud ___. ___. Parecer CNE/CES n. 211, op. cit., p. 15.

[19] BRASIL. Ministério Público Federal. Conselho Superior. Resolução n. 93, de 4 de setembro de 2007. Estabelece normas sobre o [24º] concurso para ingresso na carreira do Ministério Público Federal. Diário da Justiça da União, Brasília, DF, 05 out. 2007. Seção 1, p. 1427 - 1429. Disponível em: http://www2.pgr.mpf.gov.br/concurso/procuradores/24o-concurso_documentos/resolucao_24_cpr.pdf. Acesso em: 20/04/2009. Contemplou as seguintes disciplinas: Direito Constitucional e Direitos Humanos, Direito Administrativo e Direito Ambiental, Direito Tributário e Direito Financeiro, Direito Econômico e Direito do Consumidor, Direito Civil, Direito Processual Civil, Direito Eleitoral, Direito Penal, Direito Processual Penal.

[20] SÃO PAULO. Ministério Público. Aviso n. 486, de 21 de agosto de 2008. Regulamento do 86º concurso para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado de São Paulo. Diário Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, 22 ago. 2008. Seção 1, p. 33. Contemplou as seguintes disciplinas: Direito Penal, Direito Processual Penal, Direito Civil, Direito Comercial, Direito da Infância e da Juventude, Direito Processual Civil, Tutela de interesses difusos e coletivos, Direito Constitucional e Direitos Humanos, Direito Administrativo.

[21] RIO GRANDE DO SUL. Ministério Público. Edital n. 50, de 18 de dezembro de 2008. Regulamento do XLV concurso para ingresso à carreira do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. Diário Eletrônico do Ministério Público, Porto Alegre, 18 dez. 2008. p. 2. Disponível em: <

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http://www.mp.rs.gov.br/areas/de/arquivos/DEMP_2008_12_18.pdf>. Acesso em: 20/04/2009>. Contemplou as seguintes disciplinas: Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Municipal, Direito Eleitoral, Direito Financeiro, Direito Tributário, Direito Civil, Direito Processual Civil, Direito Registral, Direito de Empresa, Direito Penal, Direito Processual Penal, Direito institucional do Ministério Público, Direito Ambiental, Direito do Consumidor, Direito da Criança e do Adolescente, Direito do Idoso, Direito das pessoas portadoras de deficiência e direito urbanístico.

[22] RIO DE JANEIRO (Estado). Ministério Público. Conselho Superior. Deliberação CSMP n. 55, de 04 de dezembro de 2008. Aprova o Regulamento do XXXI Concurso para ingresso na classe inicial da carreira do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Disp. em: <http://www.mp.rj.gov.br/portal/page/portal/Internet/Concursos/Concurso_Promotor/XXXI_Concurso_Inscricoes/regulamento.pdf>. Acesso em: 20/04/2009. Contemplou as seguintes disciplinas: Direito Penal, Direito Processual Penal, Direito Eleitoral, Direito Civil, Direito Processual Civil, Direito Empresarial, Direito Constitucional, Direito Administrativo, Princípios institucionais do Ministério Público, Direito Tributário.

[23] MINAS GERAIS. Ministério Público. Regulamento para o XLVIII Concurso [para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado de Minas Gerais], de 17 de setembro de 2008. Disponível em: <http://www.mp.mg.gov.br/extranet/portal/index.jsp>. Acesso em: 20/04/2009. Contemplou as seguintes disciplinas: Direito Penal e Criminologia, Direito Civil, Direito Processual Civil, Direito Constitucional, Direito Administrativo e Tributário, Legislação Especial.

[24] BAHIA. Ministério Público. Resolução n. 43, de 16 de setembro de 2008. Regulamento para o concurso de ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia . Diário do Poder Judiciário, Salvador, 16 set. 2008. Contemplou as seguintes disciplinas: Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Eleitoral, Direito Civil, Direito Comercial, Direito Processual Civil, Direito Penal, Direito Processual Penal, direitos transindividuais, legislação institucional.

[25] GOIÁS. Ministério Público. Resolução n. 17, de dezembro de 2007. Aprova o edital do concurso público de provas e títulos para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado de Goiás: “promotor de justiça substituto”. Diário Oficial do Estado de Goiás, Goiânia, 21 dez. 2007, p. 3. Contemplou as seguintes disciplinas: Direito Penal e Processual Penal, Direito Civil e Processual Civil, Direito Constitucional, Administrativo e Eleitoral, Interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, Direito Empresarial, Direito do Trabalho, Direito Tributário, Legislação Orgânica Nacional e Estadual do Ministério Público e Legislação de Organização Judiciária do Estado de Goiás.

[26] PARÁ. Ministério Público. Resolução n. 8, de 11 de agosto de 2005. Altera o Regulamento do Concurso Público de ingresso na carreira do Ministério Público do Estado do Pará. Diário Oficial do Estado do Pará, Belém, 16 ago. 2005, republ. 17 ago. 2005. Contemplou as seguintes disciplinas: Direito Constitucional, Direito Administrativo e Legislação referente ao Ministério Público Nacional e Estadual, Direito Penal, Direito Processual Penal, Direito Civil, Direito Processual Civil, Tutela

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dos Interesses Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos (patrimônio público e social, meio ambiente, infância e juventude, consumidor, acidentes do trabalho e portadores de deficiência), Direito Tributário, Direito Comercial (Falências e Concordatas), Direito Eleitoral, Direito Agrário, Língua Portuguesa.

[27] PARANÁ. Ministério Público. Regulamento do concurso para ingresso na carreira do ministério público de 02 de maio de 2008. Disponível em: <https://www2.mp.pr.gov.br/cconcursos/web_menu_inicial/web_menu_inicial.php>. Acesso em: 20/04/2009. Contemplou as seguintes disciplinas: Direito Penal, Direito Eleitoral, Direito Ambiental, Direito Constitucional, Direito da Infância e da Juventude, Legislação do Ministério Público, Direito Processual Penal, Direito da Execução Penal, Direito das pessoas portadoras de deficiência e idosos, Direito do Consumidor, Direito Previdenciário, Direito Civil, Direito Comercial, Organização e Divisão Judiciária, Direito Tributário, Direito Processual Civil, Direito Administrativo, Direito Sanitário e Saúde do Trabalhador.

[28] MORIN, op. cit., p. 50.

[29] NICOLESCU, op. cit., p. 2.

[30] NICOLESCU, op. cit., p. 3

[31] MORIN, op. cit., p. 42.

[32] FOWLER, Marcos Bittencourt. O Ministério Público a caminho da interdisciplinaridade. In: Livro de teses: o Ministério Público Social. Curitiba: Associação Paranaense do Ministério Público : Confederação Nacional do Ministério Público, 1999, p. 411-418.

[33] SANTOS, op. cit., p. 180.

[34] ARANTES, Rogério Bastos. Ministério Público e política no Brasil. São Paulo: EDUC, 2002; COSLOVSKY, Salo Vincour. How Public Prosecutors get to be Cause Lawyers: the transformation of the Brazilian Ministério Público. In: JOINT ANNUAL MEETING OF THE LAW AND SOCIETY ASSOCIATION (LSA) AND THE RESEARCH COMMITTEE ON SOCIOLOGY OF LAW (RSCL of ISA), 2007, Berlin. [Trabalho apresentado]. Berlin: Law and Society Association, 2007; LOPES, Júlio Aurélio Vianna. Democracia e cidadania: o novo Ministério Público Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000; McALLISTER, Lesley. Making Law matter: Environment protection and legal institutions in Brazil. Stanford: Law Books, 2008; SADEK, Maria Tereza. Ministério Público Federal e a administração da justiça. São Paulo: Sumaré, 1998.

[35] “A criminologia é uma ciência que não pode prescindir da colaboração das várias ciências sociais, se quiser investigar os factos sociais relacionados com a prática de crimes, sua origem e respectivo combate. A sua importância para o saber jurídico reside na disponibilização de conhecimentos sobre os factos e na sua interpretação; e, assim, na contemplação da realidade social pelo penalista, que pensa em termos normativos. A consideração do efeito da norma jurídica para o indivíduo e para a sociedade como um todo pode assim exercer uma influência benéfica sobre a aplicação das normas do

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direito penal, sobre o tratamento jurídico dos objectivos na execução das penas e sobre a política criminal. A importância da criminologia para a formação jurídica reside, além disso, também no conhecimento de outros estilos de trabalhar e de pensar.” (BÜLLESBACH, Alfred. Ciências do Direito e Ciências Sociais. In: KAUFMANN, A.; HASSEMER, Winfried. Introdução à Filosofia do Direito e à Teoria do Direito contemporâneas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002, p. 498).

[36] POMBO, Olga. Práticas interdisciplinares. Sociologias, Porto Alegre: PPGAS/UFRGS, n. 15, jun. 2006 .

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