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Derecho Económico y Financiero

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  • A DRU E A CONSTITUIO DIRIGENTE INVERTIDA O DIREITO ECONMICO E SOCIAL DISPOSIO DO DIREITO FINANCEIRO

    THE DRU AND THE REVERSED DIRECTIVE CONSTITUTION THE USE OF THE ECONOMIC AND SOCIAL LAW TO THE FINANCIAL LAW

    Paulo Vitor Bergamo Braga

    [email protected]

    Mestre em Direito Poltico e Econmico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado.

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    RESUMO

    Neste artigo, examina-se a relao entre as Constituies Econmica e Social de 1988 e a DRU (Desvinculao das Receitas da Unio), com base na ideia de Constituio dirigente invertida, proposta por Gilberto Bercovici e Lus Fernando Massonetto. Para isso, ser feita uma sucinta introduo sobre a evo-luo do constitucionalismo social, chegando Constituio de 1988 e suas su-cessivas reformas, que descaracterizaram todo o ideal dirigente proposto pelos Constituintes de 1988.

    PALAVRAS-CHAVE

    Constituio Econmica. Constituio Social. Constituio de 1988. Direito fi-nanceiro. Oramento.

    ABSTRACT

    This article examines the relationship between the Economic and Social Consti-tution of 1988 and the DRU, based on the idea of reversed directive Constitu-tion from Gilberto Bercovici and Luis Fernando Massonetto. For this, there will be a brief introduction on the evolution of social constitucionalism, reaching the 1988 brazilian`s Constitution and its subsequent amendments, that mischaracte-rized the ideals proposed by the 1988 Constitutionalists.

    KEYWORDS

    Economic Constitution. Social Constitution. Brazilian Constitution. Financial law. Budget.

    SUMRIO

    Introduo. 1. Constituio econmica e constituio social. 2. Constituio de 1988: constituio dirigente? 3. Constituio de 1988 e reformas ps 1988: A ideia da constituio dirigente invertida. 4. A Desvinculao das receitas da Unio e a inverso total da constituio dirigente. Concluso. Referncias

    INTRODUO

    Depois de vinte e um anos de vigncia da outorgada Constituio de 1967, posteriormente modificada significativamente pela Emenda 1 de 1969, foi promul-gada a stima Constituio Brasileira, chamada de Constituio Cidad pelo ento presidente da Assembleia Nacional Constituinte, deputado Ulysses Guimares.

    Adotando uma ideia de dirigismo constitucional, a Constituio de 1988 trouxe, em seu texto, uma enorme quantidade de direitos sociais e de normas de direito econmico (as chamadas Constituies Social e Econmica) que deveriam ser concretizadas pelo legislador infraconstitucional, no exerccio de seu poder le-gislativo, e pelo administrador, no exerccio de seu poder executivo.

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    Ocorre que desde a promulgao da Constituio de 1988 foi realizado um verdadeiro ataque s suas disposies econmicas, com a edio de sucessivas emendas constitucionais e legislaes infraconstitucionais que subverteram as dire-trizes estabelecidas pelo Constituinte em busca de uma blindagem da Constitui-o Financeira frente a esse dirigismo constitucional.

    Foi nesse contexto que, no ano de 2006, foi publicado no Boletim de Cin-cias Econmicas da Universidade de Coimbra, o artigo A Constituio dirigente invertida: a blindagem da Constituio Financeira e a agonia da Constituio Eco-nmica, de autoria de Gilberto Bercovici e Lus Fernando Massonetto,1 que trouxe pela primeira vez a ideia de que o legislador inverteu a lgica dirigente da Consti-tuio Federal, centralizando o direito financeiro e relegando ao direito econmico e social as chamadas sobras oramentrias.

    Neste estudo, ser analisada a noo de Constituio dirigente invertida, tendo como foco principal a DRU (Desvinculao das Receitas da Unio), que com-pletou a inverso constitucional dirigente ao permitir que as receitas vinculadas, notadamente as das contribuies sociais e de interveno no domnio econmi-co, fossem desvinculadas e utilizadas pelo governo em arrepio aos mandamentos constitucionais originrios.

    CONSTITUIO ECONMICA E CONSTITUIO SOCIAL2

    Antes de tratar do tema constitucionalismo dirigente, importante que se faa uma evoluo histrica da noo de Constituio econmica e de Constituio social como partes integrantes de uma Constituio.

    Quando se fala, neste sculo XXI, da presena de um sistema de normas de direi-to econmico e de direito social, no bojo de uma Constituio nacional, tem-se a ideia de que ambas so admitidas no texto constitucional. Ocorre que nem sempre foi assim.

    Quando se procura analisar, por exemplo, a relao existente entre o direito constitucional e o direito econmico, deve-se recordar que, pelo menos at o fim da Primeira Guerra Mundial, a economia era tida como intocvel pelo Estado.

    Foi s com o fim da Primeira Guerra Mundial que os pases comearam a perceber a importncia do direito econmico. Segundo Fabio Konder Comparato, foi a guerra que fez com que os pases comeassem uma intensa regulao das suas atividades econmicas, surgindo assim um novo ramo do Direito. 3 4

    1 BERCOVICI, G.; MASSONETTO, L. F. A Constituio Dirigente Invertida: A Blindagem da Constituio Financeira e a Agonia da Constituio Econmica. Boletim de Cincias Econmicas, vol. XLIX. Coimbra: Universidade de Coimbra, 2006.

    2 Ao momento em que se formam as Constituies Econmicas e Sociais se costuma chamar de Cons-titucionalismo Social.

    3 COMPARATO, F. K. O indispensvel direito econmico. Revista dos Tribunais, ano 54, v. 353, maro de 1965, p. 15/16

    4 Interessante destacar que a relao entre o direito econmico e a guerra to grande que, segundo

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    O que se viu desde ento foi uma proliferao de textos de cunho econmi-co, das mais diferentes hierarquias legais5. Mas seriam estes textos o que moderna-mente se costuma chamar de Constituio Econmica?

    H, pelo menos, dois sentidos para a expresso Constituio Econmica. Em uma primeira acepo, pode significar a existncia sistematizada de princpios vetores da ordem econmica na legislao ptria, no sendo necessrio que essa sistematizao esteja expressamente prevista na Constituio. Assim, segundo esse sentido, a lei em que esses princpios estivessem insertos seria uma Constituio Econmica, pois regeria todo o direito econmico, como uma lei geral sobre o assunto, sem constar diretamente do corpo Constitucional.6

    No esse, entretanto, o sentido moderno de Constituio Econmica, nota-damente aquele advindo do processo de reconstruo mundial ps Segunda Guerra Mundial. Canotilho afirma, com bastante propriedade, que Constituio Econmica nada mais do que o conjunto de disposies constitucionais regras e princpios que dizem respeito conformao da ordem fundamental da economia7, assu-mindo uma dupla funo, segundo Caggiano: asseverar os direitos fundamentais aos agentes econmicos e delimitar a atuao estatal na rea econmica. 8

    Por sua vez, a Constituio Social, segundo Canotilho, aquela em que se encontram presentes o conjunto de direitos e princpios de natureza social formal-mente plasmados na Constituio. 9

    Assim como no direito econmico, foi a Primeira Guerra Mundial o divisor de guas em relao a uma constitucionalizao dos direitos sociais, j que, at ento, apenas os direitos que hoje chamamos de primeira dimenso (aqueles prove-nientes da Revoluo Francesa) eram garantidos pelos Estados nacionais10.

    Com o fim da Primeira Guerra Mundial, a Alemanha estava devastada. A hecatombe internacional 11 produziu efeitos to drsticos no pas germnico que a Assembleia Constituinte teve que se reunir em Weimar (e no em Berlim,

    Gilberto Bercovici, em 1918, Richard Kahn lana o livro Rechtsbegriffe des Kriegswirtschaftsrecht, que defende o direito econmico como um direito excepcional, voltado unicamente para a organizao em perodo de guerra. BERCOVICI, Gilberto. O Ainda Indispensvel Direito Econmico. In: BENEVIDES, M. V. de M.; BERCOVICI, G.; MELO, C. de (orgs). Direitos Humanos, Democracia e Repblica: Home-nagem a Fbio Konder Comparato. So Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 509.

    5 COMPARATO, op. cit., p. 166 SOUZA, W. P. A. Teoria da Constituio Econmica. 1. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 38.7 CANOTILHO, J. J. G. Direito Constitucional e Teoria da Constituio. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003,

    p. 3458 CAGGIANO, M. H. S. O Desenho Econmico na Constituio Brasileira de 1988. Revista Direito Ma-

    ckenzie, ano 1, n. 1, jan/jun de 2000, p. 162, nota 6.9 CANOTILHO, op. cit., p. 347/34810 importante se destacar que j haviam alguns direitos sociais garantidos desde a Constituio do Im-

    prio, como, por exemplo, o direito ao ensino ou aos chamados socorros pblicos. Ocorre que estas normas eram totalmente ineficazes, motivo pelo qual se costuma afirmar que o incio do verdadeiro Constitucionalismo Social se deu com o final da Primeira Guerra Mundial.

    11 RUSSOMANO, R. Lies de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Jos Konfino, 1968, p. 405

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    capital do pas) para elaborar a Constituio que, assim como no constituciona-lismo econmico, foi o marco inicial de toda a evoluo constitucional-social do sculo XX. 12

    Entretanto, foi somente com a crise de 1929 e, consequentemente, com o comeo do Walfare-state, que houve uma maior difuso da ideia de Estado Provi-dncia, ou seja, de um Estado que concede prestaes positivas a seus cidados, e, consequentemente, a garantia de determinados direitos sociais, terminando a sua solidificao com o fim da Segunda Guerra Mundial e a promulgao da Declara-o Universal dos Direitos Humanos (1948) 13 e do Pacto Internacional de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais (1966).

    Essa constitucionalizao da ordem econmica e social foi incorporada no Brasil a partir da Constituio de 1934, que, pela primeira vez, trouxe expressamen-te como um ttulo a Ordem Econmica e Social, constando de todas as Consti-tuies brasileiras subsequentes (em um maior ou menor grau) at a Constituio atual, de 1988.

    CONSTITUIO DE 1988: CONSTITUIO DIRIGENTE?

    Como j afirmado anteriormente, a Constituio de 1988 foi um documento que buscou romper com todo o autoritarismo que vigorava no pas desde 1964 (sedimentado nas Cartas de 1967 e na Emenda 1 de 1969), reestabelecendo, nos dizeres de Carlos Roberto Siqueira Castro, a pacificao nacional e a restaurao do convvio democrtico em nosso pas. 14

    Ocorre que a Constituio Brasileira de 1988, ao contrrio de sua predeces-sora, constituiu a Repblica Federativa do Brasil em um Estado Social e Democrtico de Direito, sendo considerada, pela doutrina constitucional, como uma Constituio dirigente. 15 Mas o que seria esse dirigismo constitucional? Constituio dirigente aquela que, segundo as palavras de Bercovici, define, por meio das chamadas

    12 FERREIRA, F. Direitos Humanos Fundamentais. 8. ed. revista e atualizada. So Paulo: Saraiva, 2006, p. 48

    13 Afirma Fabio Konder Comparato que, seja como for, a Declarao, retomando os ideais da Revoluo Francesa, representou a manifestao histrica de que se formara, enfim, em mbito universal, o reco-nhecimento dos valores supremos da igualdade, da liberdade e da fraternidade entre os homens, como ficou consignado em seu artigo I. COMPARATO, F. K. Afirmao Histrica dos Direitos Humanos. 3. ed. revista e ampliada. So Paulo: Saraiva, 2003, p. 223

    14 CASTRO, C. R. S. 20 anos da Constituio Democrtica de 1988. In: AGRA, W. M. ; BONAVIDES, P.; MIRANDA, J.; (Coord). Comentrios Constituio Federal de 1998. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 23.

    15 Nesse sentido, entre outros: SARLET, I. W. O Constitucionalismo Brasileiro em Perspectiva Histrico--Evolutiva Da Constituio Imperial de 1824 a assim chamada Constituio Cidad de 1988. In: SARLET, I. W.; MARINONI, L. G.; MITIDIERO, D. Curso de Direito Constitucional. 1. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 243/244; AGRA, W. M. A Constituio Cidad como pacto vivencial da sociedade. In: AGRA, W. M.; BONAVIDES, P.; MIRANDA, J.; (Coord). Comentrios Constituio Federal de 1998. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 19/20.

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    normas constitucionais programticas, fins e programas de ao futura no sentido de melhoria das condies sociais e econmicas da populao. 16

    Nesse sentido, Canotilho em seu livro Constituio Dirigente e Vinculao do Legislador indaga:

    deve uma constituio conceber-se como um estatuto organizatrio, como simples instrumento de governo, definidor de competncias e regulador de processos, ou, pelo contrrio, deve aspirar a transformar-se num plano norma-tivo-material global que determina tarefas, estabelece programas e define fins? Uma constituio uma lei do Estado e s do Estado ou um estatuto jur-dico do poltico, um plano global normativo do Estado e da sociedade? 17

    Ora, por bvio que a funo da Constituio em um Estado Democrtico e Social de Direito como o brasileiro no pode ficar restrita a ser um documento que estabelece competncias e regula processos, no sendo esta, inclusive, a ideia do legislador constituinte e nem os anseios da sociedade nacional.

    Basta uma simples anlise da Constituio de 1988 para que se possa perce-ber este carter dirigente do texto de 1988.

    Dessa forma, por exemplo, o artigo 3 estabelece os objetivos da Repblica Federativa do Brasil, entre os quais encontramos a construo de uma sociedade, livre, justa e solidria; o desenvolvimento nacional; a erradicao da pobreza e marginalizao; a reduo das desigualdades sociais e regionais; e a promoo do bem de todos, sem preconceito de origem, raa, sexo, cor, idade, e quaisquer outras formas de discriminao.

    No h interpretao possvel desse artigo que no nos conduza consta-tao de que a Constituio de 1988, em seu artigo 3, estabeleceu determinados objetivos que vinculam o Estado brasileiro, que impe direes que devem ser se-guidas pelos representantes da Repblica Federativa do Brasil.

    Outro exemplo desse carter dirigente da Constituio o artigo 170, que inaugura o Ttulo da Ordem Econmica e Financeira. Segundo esse artigo, a ordem econmica constitucional, fundada na valorizao do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por finalidade assegurar a todos uma existncia digna, segundo os ditames da justia social. Essa finalidade da ordem econmica nada mais do que o objetivo final de toda a ordem econmica.

    Ademais, o artigo 170 ainda traz em seus ltimos trs incisos princpios cha-mados por Lus Roberto Barroso de princpios-fins, descrevendo uma realidade ftica desejada pelo constituinte e comandada pelo Poder Pblico. 18 So eles os

    16 Este conceito foi dado por Gilberto Bercovici ao analisar a Constituio Brasileira de 1988 em seu artigo: BERCOVICI, G. A problemtica da constituio dirigente: algumas consideraes sobre o caso brasileiro. Revista de Informao Legislativa, ano 36, n 142, abr/jun 1999, p. 36.

    17 CANOTILHO, J. J. G. Constituio dirigente e vinculao do legislador. 1. ed. reimpresso. Coimbra: Coimbra Editora, 1994, p. 12

    18 BARROSO, L. R. Temas de Direito Constitucional. Tomo II, 2. ed. Revista. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 60. importante destacar que o autor considera que a existncia digna tambm um princpio-fim.

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    princpios da reduo das desigualdades regionais e sociais, da busca pelo pleno emprego e o do tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constitu-das sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administrao no Pas.

    Por outro lado, examinando-se a Constituio Social, v-se que a Constitui-o de 1988 trouxe em seu texto um grande nmero de direitos sociais, tanto no Captulo dos Direitos Sociais (Artigos 6 a 11), quanto no Ttulo VIII, denominado Da Ordem Social.

    Quanto a esses direitos sociais, geralmente se faz uma crtica sua baixa efetividade, pelo emprego das chamadas normas programticas 19, devendo-se ressaltar que, entretanto, essas normas so dotadas de um poder vinculativo ao le-gislador, que deve, em respeito ao carter dirigente da Constituio Federal, adotar as medidas legiferantes cabveis para a plena eficcia destes direitos. 20

    3. CONSTITUIO DE 1988 E REFORMAS PS 1988: A IDEIA DA CONSTITUIO DIRIGENTE INVERTIDA

    Ocorre que esta Constituio dirigente de 1988, que j sofreu abalos em sua essncia pela supervalorizao da Constituio Financeira, foi sendo, aos poucos, desestruturada pelo legislador constituinte derivado, chegando-se a uma inverso do dirigismo constitucional, como bem definiram Massonetto e Bercovici.

    Em um constitucionalismo social dirigente, no qual o constituinte determina no prprio texto constitucional objetivos, metas e direitos econmicos e sociais que dependem de prestaes estatais, necessrio que se tenha uma ntima ligao en-tre o Direito Financeiro e o Direito Social e Econmico.

    Entretanto, como bem observam Massonetto e Bercovici, a Constituio de 1988, ao mesmo tempo em que especificou esse carter dirigente, estabeleceu uma centralizao e unificao oramentria no condizente com o intuito de um Estado Social diretivo, sendo essa unificao e centralizao finalizada por reformas cons-titucionais e por leis infraconstitucionais. 21

    Com a mudana de toda a teorizao de fundo pblico e de sua utilidade para o financiamento do desenvolvimento econmico e social e com a blindagem da Constituio Financeira, inverte-se toda a lgica de um constitucionalismo diri-gente: coloca-se a Constituio Financeira em uma posio de centralidade, des-vinculada das funes econmicas e sociais anteriores a essa fase neoliberalista. 22

    19 Cabe aqui a ressalva de que no s com relao aos direitos sociais o legislador resolveu utilizar-se das normas programticas, incluindo-se neste rol tambm os direitos econmicos. Alis, como j referido no prprio texto, as normas programticas so tpicas de Constituies dirigentes.

    20 Tanto foi este o ideal do legislador constituinte que ele previu, nos artigos 5, LXXI, e 103, 2, duas medidas contra a ineficcia das normas constitucionais: o mandado de injuno e a ao direta de inconstitucionalidade por omisso.

    21 BERCOVICI; MASSONETTO. A Constituio Dirigente Invertida: A Blindagem da Constituio Finan-ceira e a Agonia da Constituio Econmica. cit, p. 10/11

    22 Ibid., p. 13/17

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    Nesse sentido, afirmam Massonetto e Bercovici que, com esta centraliza-o e blindagem financeira, toda a ordem econmica encontra-se isolada de seus instrumentos financeiros, cuja efetividade medida em si mesma, sem qualquer relao com os objetivos da poltica econmica estatal ou da ordem econmica constitucional. 23

    Ora, se a ideia deste constitucionalismo do sculo XX justamente a de se buscar a alterao da estrutura econmica existente 24, esta concentrao e exacerbao dada ao oramento e Constituio Financeira uma afronta e uma inverso busca dos objetivos descritos na Constituio de 1988, os quais deveriam ser seguidos pelos legisladores.

    Analisando a Constituio Econmica de 1988 em seus primeiros 15 anos de existncia, afirma Fernando Facury Scaff que, at maio de 2003, das 46 Emendas Constitucionais aprovadas pelo Congresso Nacional, 25 (ou seja, mais da metade) das emendas dispunham sobre algum aspecto referente matria econmica, ora-mentria ou tributria. 25

    Das reformas constitucionais e legislaes infraconstitucionais que ajudaram a desestruturar o carter dirigente da Constituio, deve-se citar, especialmente, o programa de desestatizao de empresas pblicas (principalmente dos bancos esta-duais), a centralidade do Banco Central para dispor sobre os assuntos monetrios, a Lei de Responsabilidade Fiscal 26 e a desvinculao das receitas da Unio.

    possvel perceber, a partir destas reformas, como o legislador buscou pro-teger a Constituio Financeira contra a possibilidade (e que, na verdade, deveria ser um dever) dela financiar os objetivos econmicos e sociais previstos na Consti-tuio Federal. Enquanto que as desestatizaes dos bancos estaduais27 influram diretamente na possibilidade de financiamento do desenvolvimento nacional com fundos pblicos28. J a centralizao da competncia monetria no Banco Central e

    23 Ibid., p. 1724 BERCOVICI, G. Constituio Econmica e Desenvolvimento. Uma leitura a partir da Constituio de

    1988. 1. ed. So Paulo: Malheiros, 2005, p. 3325 Neste rol das 46 Emendas Constitucionais at 2003 esto includas as seis emendas de reviso. SCAFF,

    F. F. A Constituio Econmica Brasileira em seus 15 anos. Revista de Direito Pblico da Economia, ano 1, n 03, jul/set, 2003, p. 90.

    26 BERCOVICI; MASSONETTO. A Constituio Dirigente Invertida: A Blindagem da Constituio Finan-ceira e a Agonia da Constituio Econmica, cit, p. 11/12. Quanto desvinculao das receitas da Unio, o tema ser abordado em um captulo prprio.

    27 A possibilidade de privatizao de instituies financeiras controladas direta ou indiretamente pela Unio foi expressamente prevista no artigo 2, inciso I da Lei 9.491/1997, mostrando claramente o contrassenso das desestatizaes de bancos pblicos. Ora, se essa privatizao fosse algo considerado normal, no haveria a necessidade da expressa referncia a esta possibilidade, a partir da utilizao da expresso inclusive instituies financeiras.

    28 Mesmo porque os fundos pblicos, to importantes para o desenvolvimento nacional e vilanizados pe-los neoliberalistas, assumiram uma funo de particular importncia no contexto nacional privatizante: financiar a compra das estatais por empresas de capital privado. Neste sentido, analisando as falcias das justificativas da estatizao das empresas nacionais: SAYAD, Joo. Aspectos Polticos do Dficit

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    a adoo da Lei de Responsabilidade Fiscal resultaram na blindagem da Constitui-o Financeira. 29

    A principal consequncia da mudana de funo da Constituio Financei-ra a de que, com o seu distanciamento das Constituies Econmicas e Sociais, passou-se a interpretar a Constituio Financeira, como se fosse neutra, mera-mente processual, com diretrizes e lgicas prprias, separada totalmente da ordem econmica e social, esterilizando, assim, a capacidade de interveno do Estado na economia. 30

    Constituio Financeira, as batatas. Constituio Social e Econmica, os restos oramentrios.

    4. A DESVINCULAO DAS RECEITAS DA UNIO E A INVERSO TOTAL DA CONSTITUIO DIRIGENTE

    Parecia que essa centralizao financeira e esse afastamento do Direito Fi-nanceiro do Direito Econmico e Social seria o mximo de inverso possvel do dirigismo constitucional. Parecia.

    O Congresso Nacional, em 1994, durante o perodo revisional, aprovou a Emenda de Reviso 1, que incluiu, no ADCT, os artigos 71, 72 e 73, prevendo, para os exerccios financeiros de 1994 e 1995, o chamado Fundo Social de Emer-gncia, que tinha como funo, segundo o artigo 71 do ADCT, o saneamento financeiro da Fazenda Pblica Federal e de estabilizao econmica, cujos recursos sero aplicados no custeio das aes dos sistemas de sade e educao, benefcios previdencirios e auxlios assistenciais de prestao continuada, inclusive liquida-o de passivo previdencirio, e outros programas de relevante interesse econmico e social. 31

    Pblico. In: POMERANZ, L.; MIGLIOLI, J.; LIMA, G. T. (orgs). Dinmica Econmica do Capitalismo Contemporneo: Homenagem a M. Kalecki. So Paulo: EDUSP, 2001, p. 248 e ss.

    29 Aqui se estabelece como Constituio Financeira o sistema constitucional que tem, como seus subsiste-mas, a Constituio Oramentria, a Constituio Tributria e a Constituio Monetria. Neste sentido: TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributrio, volume V: o oramento na Constituio. 2. ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 01.

    30 BERCOVICI; MASSONETTO. A Constituio Dirigente Invertida: A Blindagem da Constituio Financei-ra e a Agonia da Constituio Econmica, cit., p. 13.

    31 Para o custeio deste saneamento financeiro, passou a estabelecer o artigo 72 do ADCT que integravam Fundo Social de Emergncia: I o produto da arrecadao do imposto sobre renda e proventos de qual-quer natureza incidente na fonte sobre pagamentos efetuados, a qualquer ttulo, pela Unio, inclusive suas autarquias e fundaes; II a parcela do produto da arrecadao do imposto sobre propriedade territorial rural, do imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza e do imposto sobre operaes de crdito, cmbio e seguro, ou relativas a ttulos ou valores mobilirios, decorrente das alteraes produzidas pela Medida Provisria n 419 e pelas Leis nos 8.847, 8.849 e 8.848, todas de 28 de janeiro de 1994, estendendo-se a vigncia da ltima delas at 31 de dezembro de 1995; III a parcela do produto da arrecadao resultante da elevao da alquota da contribuio social sobre o lucro dos contribuintes a que se refere o 1 do art. 22 da Lei n 8.212, de 24 de julho de 1991, a qual, nos

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    Dessa forma, com o fim do prazo de dois anos estabelecido na citada Emen-da revisional, foi promulgada a Emenda Constitucional 10/1996, que alterou os ar-tigos 71 e 72 do ADCT e criou o Fundo de Estabilizao Fiscal, mantendo todas as bases do j citado Fundo Social de Emergncia. Esse fundo teve sua vigncia prorrogada at 31 de dezembro de 1999 pelo artigo 1 da Emenda Constitucional 17/1997.

    Com relao a esses dois Fundos, afirma Fernando Facury Scaff que, ao me-nos em tese, os referidos fundos tinham como funo a aplicao de seus recursos em programas econmicos e sociais. Assim, pelo menos, uma finalidade qualquer foi estabelecida nas normas constitucionais que criaram estes fundos, e que podem nos dirigir a uma anlise sobre sua aplicabilidade. 32

    Com o fim da vigncia do Fundo de Estabilizao Fiscal, criou-se, com a emenda 27/2000 a chamada Desvinculao de receitas da Unio, mais conhecida pela sua sigla DRU, acrescentando-se o artigo 76 no Ato das disposies consti-tucionais provisrias.

    Segundo a redao do citado artigo, passa a ser desvinculado de rgo, fundo ou despesa, no perodo de 2000 a 2003, vinte por cento da arrecadao de imposto e contribuies sociais da Unio, j institudos ou que vierem a ser criados no referido perodo, seus adicionais e respectivos acrscimos legais. 33

    Posteriormente, as emendas Constitucionais 42/2003, 56/2007 e 68/2011 continuaram a conceder vigncia a esta desvinculao das receitas da Unio, acres-centando a hiptese de desvinculao, tambm, das contribuies de interveno no domnio econmico.

    Pode-se constatar que a redao conferida ao artigo 76, desde a edio da DRU, ao contrrio dos j citados Fundos Social de Emergncia e Fundo de Estabi-lizao Fiscal no estabelece as reas s quais tais recursos devero ser destinados, conferindo uma maior discricionariedade ao Administrador Pblico.

    Ocorre que, ao contrrio do que se pode imaginar em um primeiro mo-mento, em que a DRU teria a funo de liberar a blindagem da Constituio Financeira (dando uma maior discricionariedade ao administrador, que no ficaria totalmente preso ao oramento), a desvinculao das receitas da Unio terminou

    exerccios financeiros de 1994 e 1995, passa a ser de trinta por cento, mantidas as demais normas da Lei n 7.689, de 15 de dezembro de 1988; IV vinte por cento do produto da arrecadao de todos os impostos e contribuies da Unio, excetuado o previsto nos incisos I, II e III; V a parcela do produto da arrecadao da contribuio de que trata a Lei Complementar n 7, de 7 de setembro de 1970, devi-da pelas pessoas jurdicas a que se refere o inciso III deste artigo, a qual ser calculada, nos exerccios financeiros de 1994 e 1995, mediante a aplicao da alquota de setenta e cinco centsimos por cento sobre a receita bruta operacional, como definida na legislao do imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza; VI outras receitas previstas em lei especfica

    32 SCAFF, F. F. Direitos Humanos e a Desvinculao das Receitas da Unio DRU. In: FISCHER, O. C. (coord). Tributos e Direitos Fundamentais. So Paulo: Dialtica, 2004, p. 69

    33 O pargrafo 2 deste artigo 76 do ADCT excluiu desta desvinculao a arrecadao da contribuio social do salrio-educao.

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    todo o processo de inverso do dirigismo constitucional iniciado com a Constituio de 1988 e concludo nas mos do constituinte derivado.

    Ao contrrio do que se prega em um constitucionalismo dirigente, em que a Constituio Financeira deve estar prxima da Constituio Econmica e Social para financiar os objetivos prescritos em nossa Constituio (fartamente prescritos, bom que se diga), com a desvinculao das receitas da Unio o que ocorre que a Constituio Financeira se reaproxima da Constituio Econmica e Social, mas agora para estas duas financiarem aquela. Termina a inverso da lgica dirigente.

    Como que se pode pensar em se desvincular receitas de contribuies sociais e de interveno no domnio econmico? Ora, como bem salientado por Jos Marcos Domingues, esta vinculao justamente a caracterstica principal que diferencia as contribuies dos impostos, determinando que aquelas atendam a de-terminadas finalidades constitucionais, como instrumento de atuao da Unio Fe-deral nas reas social, econmica e corporativo-profissional. 34

    Evilsio da Silva Salvador, em sua tese de doutorado pela Universidade de Braslia, traz importantes dados para que se possa compreender o problema. Se-gundo o autor, de 2000 a 2007, foram transferidos do Oramento da Seguridade Social para o Oramento Fiscal R$ 278,4 bilhes, enquanto que a Seguridade Social recebeu do Oramento Fiscal, de volta, neste perodo, R$161,62 bilhes, ou seja, apenas 58,6%. 35

    Ademais, entre 2008 e 2010, foram desvinculados do oramento da seguri-dade social R$123,891 bilhes, chegando em 2010 ao recorde de desvinculao de R$45,860 bilhes. 36

    Nesse sentido, afirmam Boschetti e Salvador que, a partir da utilizao do mecanismo da desvinculao das receitas da Unio (DRU) pelo governo, ocorre a alquimia de transformar os recursos destinados ao financiamento da seguridade social em recursos fiscais para a composio do supervit primrio e, em consequncia, sua utilizao para o pagamento de juros da dvida 37 38

    34 DOMINGUES, J. M. Contribuies Sociais Desvinculaes prescritas por Emendas Constitucionais. Revista Dialtica de Direito Tributrio, n 193, out 2011, p. 79

    35 SALVADOR, E. S. Fundo Pblico no Brasil: Financiamento e destino dos recursos da seguridade social (2000 a 2007). 2008. Tese (Doutorado em Poltica Social) Universidade de Braslia, 2008, p. 327/328. Disponvel em: www.bvseps.icict.fiocruz.br/lildbi/docsonline/get.php?id=1816. Acesso em 29 de maio de 2012.

    36 Anlise da Seguridade Social 2010. Associao Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil e Fundao ANFIP de Estudos da Seguridade Social. Brasilia:ANFIP, 2011, p. 62. Disponvel em: < http://www.anfip.org.br/publicacoes/livros/includes/livros/arqs-pdfs/analise2010.pdf>. Acesso em 25 de abril de 2012.

    37 BOSCHETTI, I.; SALVADOR, E. S. O Financiamento da Seguridade Social no Brasil no Perodo de 1999 a 2004: Quem paga a Conta? Servio Social e Sade: Formao e Trabalho Profissional, p. 17. Disponvel em: . Acesso em 25 de abril de 2012.

    38 Alis, ainda neste sentido, afirma Fernando Scaff que: Este o ponto central da discusso: ao desvin-cular os recursos das finalidades constitucionalmente previstas, poder-se- at mesmo destinar uma sua parcela para fazer frente s despesas decorrentes destes gastos, mas outra parte dever ser utilizada no

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    Por outro lado, tambm a desvinculao de receitas de impostos afeta os direitos sociais, notadamente o direito educao, j que a Constituio estabelece, em seu artigo 212, um percentual mnimo de 18% a ser investido na manuteno e desenvolvimento do ensino.

    Nesse sentido, afirma Czar Steinhorst que, como o clculo deste percentual realizado aps a desvinculao das receitas da Unio, h uma perda substancial do valor que deveria ser vertido ao financiamento da educao, alcanando, entre os anos de 2000 a 2006, o valor efetivo de R$22,8 bilhes de reais. 39 40

    uma falcia a ideia de que o dinheiro desvinculado da Seguridade Social no reduz os recursos da Seguridade Social. obvio que reduz.

    No h como sustentar, em um pas em que a Previdncia passa por crises financeiras constantes, so reduzidos os benefcios assistenciais e os servios pbli-cos de sade so aqum do esperado pela populao, que se afirme que o dinheiro desvinculado da Seguridade Social no faz falta.

    A partir do momento em que o dinheiro desvinculado das contribuies sociais ou das contribuies de interveno do domnio econmico, no importa para onde esses valores so direcionados. Utiliza-se a ideia de que estes valores desvinculados so remetidos a outras polticas pblicas justamente para justificar o injustificvel: a utilizao de verbas oriundas das contribuies sociais e de inter-veno no domnio econmico para o alcance do supervit primrio.

    Ora, se os direitos econmicos e sociais so progressivos, como prev a Con-veno Americana de Direitos Humanos41 e o Pacto de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais42, e h sobra oramentria oriunda das contribuies sociais, ento que se aumente o nvel de proteo do direito sade, e no que se use isto como des-culpa para a desvinculao destas receitas.

    pagamento da dvida pblica. SCAFF, Direitos Humanos e a Desvinculao das Receitas da Unio DRU, cit., p. 76

    39 STEINHORST, C. A poltica e financiamento do Ensino Mdio Pblico no perodo de 1996 a 2006. 2009. Dissertao (Mestrado em Educao) Universidade de Braslia, 2009, p. 90/95. Disponvel em: < http://bdtd.bce.unb.br/tedesimplificado/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=5741>. Acesso em: 28 de maio de 2012. O valor total foi obtido pela soma dos valores constantes da tabela 20 da dissertao do citado autor.

    40 A emenda constitucional 68/2011 alterou a redao do 3 do artigo 76 do ACDT para, seguindo a redao anterior relativamente ao exerccio de 2011, declarar nulo o percentual referido no caput do artigo para efeito do clculo dos recursos para a manuteno e desenvolvimento do ensino.

    41 Artigo 26: Os Estados Partes comprometem-se a adotar providncias, tanto no mbito interno como mediante cooperao internacional, especialmente econmica e tcnica, a fim de conseguir progres-sivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econmicas, sociais e sobre edu-cao, cincia e cultura, constantes da Carta da Organizao dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados.

    42 Artigo 2, 1 Cada um dos Estados Partes no presente Pacto compromete-se a agir, quer com o seu pr-prio esforo, quer com a assistncia e cooperao internacionais, especialmente nos planos econmico e tcnico, no mximo dos seus recursos disponveis, de modo a assegurar progressivamente o pleno exerccio dos direitos reconhecidos no presente Pacto por todos os meios apropriados, incluindo em particular por meio de medidas legislativas.

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    Uma eventual (e bem-vinda) ruptura da rigidez oramentria proclamada pela Constituio Federal no pode servir de refgio para uma ofensa, ainda maior, ao financiamento dos direitos econmicos e sociais garantidos neste mesmo docu-mento constitucional.

    CONCLUSO

    Como se pode ver, as mudanas legislativas ocorridas aps a Constituio Federal conseguiram inverter totalmente a lgica da Constituio dirigente, reapro-ximando a Constituio Financeira da Constituio Econmica e Social unicamente para retirar os recursos que deveriam ser investidos em busca dos objetivos estabe-lecidos na nossa Constituio Cidad.

    Salienta Fernando Facury Scaff que

    mesmo em tempos de globalizao, ainda resta um papel fundamental cons-tituio econmica de cada pas, que o de possibilitar que a sociedade atinja um estgio mais avanado de desenvolvimento, permitindo a cada qual obt--lo a partir de suas capacidades. 43

    Talvez seja o momento de se pensar qual o Estado que ns desejamos. Ser que este Estado em que h um dilogo entre ausentes, para usar a expresso de Gilberto Bercovici, totalmente desconectado com a Constituio? 44 Um Estado em que os constituintes derivados se utilizam de uma norma de transio entre Constituies, o Ato de Disposies Constitucionais Transitrias, para impor as suas reformas em detrimento do intuito do prprio texto constitucional?

    A inverso da Constituio dirigente o fim de todas as expectativas que foram estabelecidas pela populao ao fim do regime ditatorial de 1964. Ou se cumpra os objetivos constitucionais, se torne efetivas as normas programticas eco-nmicas e sociais e se consiga fazer (ou pelo menos buscar) a to sonhada justia social, ou ento que se pare de chamar a Constituio de 1988 de Constituio Cidad ou de Constituio de Esperana. 45

    43 SCAFF, A Constituio Econmica Brasileira em seus 15 anos, cit., p. 10044 BERCOVICI, Gilberto. Estado intervencionista e Constituio Social no Brasil: O Silncio Ensurdecedor

    de um Dilogo entre Ausentes. In: SOUZA NETO, Cludio Pereira de; SARMENTO, Daniel; BINEN-BOJM, Gustavo (orgs). Vinte anos da Constituio Federal de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 737/738.

    45 Essa ltima expresso alcunhada por Jorge Miranda. MIRANDA, J. A Constituio de 1988 Uma Constituio de Esperana. In: AGRA, W.M.; BONAVIDES, P.; MIRANDA, J; (Coord). Comentrios Constituio Federal de 1998. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

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