a língua portuguesa no japão - university of macau · 2019-06-24 · portufone. o objetivo do...
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A língua portuguesa no Japão
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Gabriel Antunes de Araujo / Pedro Aires
(Organizadores)
A língua portuguesa no Japão
São Paulo 2008
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Copyright by Gabriel Antunes de Araujo
Editora responsável
Adélia Maria Mariano da S. Ferreira
Capa
William de Paula Amado
Diagramação
Selma Consoli Mtb 28.839
Revisão
Adélia Maria Mariano da S. Ferreira
Rosane de Sá Amado
Infothes Informação e Tesauro
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Rua Artur de Azevedo, 2.100 sala 3 Pinheiros
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www.editorapaulistana.com.br
[2008]
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Sumário
Apresentação......................................................................... 7
A Língua Portuguesa no Japão ............................................ 9
Os termos femininos (palauras de molheres)
no Vocabvlario da Lingoa de Iapam ............................... 27
Aceitação da Literatura Brasileira no Japão ..................... 47
Imprensa nikkei em língua portuguesa: o fenômeno da
globalização e o caso da revista Made in Japan.............. 53
Um programa curricular de língua portuguesa
equilibrado ...................................................................... 69
Portufone: as novas tecnologias na didáctica do
português língua estrangeira ......................................... 79
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Apresentação
Este pequeno volume pretende levantar algumas questões acerca
da presença da língua portuguesa no Japão e celebrar os dez anos do
convênio acadêmico entre a Universidade de São Paulo e a Universidade
de Estudos Estrangeiros de Kyoto, no Japão. Reunimos, aqui, uma
coleção de artigos apresentados no simpósio A Língua portuguesa no
Japão. Como parte do I SIMELP (Simpósio Mundial da Língua
Portuguesa) realizado em São Paulo, entre os dias primeiro e cinco de
setembro de 2008, o Simpósio A Língua portuguesa no Japão reuniu
pesquisadores para discutir a presença da língua portuguesa no Japão.
Atualmente, o português é a terceira língua estrangeira com o maior
número de falantes nativos no Japão, com cerca de trezentos e vinte falantes,
sobretudo graças à presença maciça da comunidade brasileira nipo-
descendente.
No artigo introdutório, o professor Gabriel Antunes de Araujo
(Universidade de São Paulo) apresenta um levantamento histórico da
presença da língua portuguesa no Japão, desde a chegada dos missionários
portugueses, em 1543, até a proliferação das escolas brasileiras para a
comunidade dekassegui. No segundo texto, o professor José Júlio
Rodrigues, por sua vez, discute os termos femininos ou palavras de
mulheres no Vocabvlario da Lingoa de Iapam, um dos dicionários
produzidos pelos jesuítas no Japão do início do século XVII cuja língua-
veículo é a portuguesa. Rodrigues dedica-se às palavras usadas unicamente
por mulheres e investiga a sua validade no Japão atual através de um
inquérito com falantes nativos do japonês. Seu trabalho é, antes de tudo,
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Gabriel Antunes de ARAUJO
uma reflexão sobre a metalinguagem dos portugueses dos séculos XVI e
XVII.
O professor Kiyokatsu Tadokoro, da Universidade de Estudos
Estrangeiros de Kyoto, traça um panorama da aceitação da literatura
brasileira no Japão. Tadokoro é autor de mais de cem obras sobre a
literatura brasileira no Japão e é tradutor de José de Alencar e Jorge
Amado. Em seguida, a professora Alice Mitika Koshiyama, da Escola
de Comunicação e Artes da USP, analisa a imprensa em língua
portuguesa no Japão com atenção especial à revista Made in Japan,
publicada simultaneamente no Japão e no Brasil, cujo público-alvo é a
comunidade nipo-descendente.
No capítulo seguinte, Ikunori Sumida, da Universidade de Estudos
Estrangeiros de Kyoto, apresenta o programa do curso de estudos lusófilos
de sua Universidade. Diante da desproporcionalidade da comunidade
nipo-brasileira em relação à população luso-descendente no Japão, o
programa tenta equilibrar a presença das duas culturas no curso de estudos
luso-brasileiros. Neste sentido, no último capítulo desta coletânea, Pedro
Aires, Eriko Muramatsu e Shiro Iyanaga apresentam o programa
Portufone. O objetivo do programa é trabalhar junto aos alunos japoneses,
com o auxílio de exercícios executados no computador, os detalhes fonético-
fonológicos do português europeu e brasileiro.
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A Língua Portuguesa no Japão
A Língua Portuguesa no Japão
Gabriel Antunes de ARAUJO1
RESUMO: O objetivo deste texto é apresentar um levantamento e discutiralgumas questões concernentes à presença da língua portuguesa no Japão. Apresença da língua portuguesa foi marcada por três momentos distintos: operíodo da chegada dos navegadores portugueses ao Japão em 1543 ou 1544até sua expulsão em 1639; o restabelecimento das relações diplomáticas en-tre Portugal e Japão no período Meiji; e a massiva imigração de trabalhadoresnipo-brasileiros ao Japão nas décadas de oitenta e noventa do século passado.Na primeira seção, abordarei a chegada da língua da portuguesa ao Japão e oestabelecimento do léxico de origem portuguesa na língua nipônica e menci-onarei a instrumentalização lingüística do japonês. Em seguida, tratarei doséculo XX e da abertura dos primeiros cursos universitários dedicados à lín-gua portuguesa. Com a consolidação do Brasil como um mercado privilegiadode acesso à América Latina e destino de grandes multinacionais japonesas,além da influência cultural brasileira, a imigração nipo-brasileira ao Japãotambém gerou uma demanda e um interesse inédito pelo estilo de vida do
1 Universidade de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em Filologia e Língua Portuguesa,
Faculdade de Filosofia e Letras e Ciências Humanas. Av. Prof. Luciano Gualberto, 403.
Cidade Universitária, 05508-900, São Paulo-SP, Brasil. email: [email protected]
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Gabriel Antunes de ARAUJO
Brasil. Na última seção, mostrarei que a presença brasileira impõe novosdesafios ao sistema educacional japonês e brasileiro.
PALAVRAS-CHAVE: língua portuguesa, Japão, dekasegui, ensino da línguaportuguesa.
Introdução
O objetivo deste texto é apresentar um levantamento e discutir
algumas questões concernentes à presença da língua portuguesa no Japão.
Em linhas gerais, a presença da língua portuguesa foi marcada por três
momentos distintos: o primeiro abarcaria o período da chegada dos
navegadores portugueses ao Japão em 1543 ou 1544 até sua expulsão
em 1639; o segundo inclui o restabelecimento, em 1860, das relações
diplomáticas entre Portugal e Japão no período Meiji e a abertura do
país aos japonistas portugueses; e o terceiro marco pode ser apontado
com a massiva imigração de trabalhadores nipo-brasileiros ao Japão nas
décadas de oitenta e noventa do século passado. Cada período levou a
língua portuguesa ao Japão e, ipso facto, o Japão a Portugal e ao Brasil.
Adiante, farei algumas reflexões sobre esse relacionamento.
Na próxima seção, abordarei a chegada da língua da portuguesa
ao Japão e o estabelecimento do léxico de origem portuguesa na língua
nipônica. Ao mesmo tempo, mencionarei a instrumentalização lingüística
do japonês, escrita em português, promovida pelos trabalhos do padre
Ioam Rodriguez, Tçuzu, da Companhia de Jesus. Em seguida, tratarei
do período entre guerras e da abertura dos primeiros cursos universitários
dedicados à língua portuguesa. Adiante, mostrarei como o fim da Segunda
Guerra proporcionou um maior interesse pelas culturas ‘ocidentais’ e
resultou na abertura de vários cursos de língua, literatura e cultura nas
universidades japonesas, dentre elas os cursos de estudos luso-brasileiros.
Com a consolidação do Brasil como um mercado privilegiado de acesso
à América Latina e destino de grandes multinacionais japonesas, além
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A Língua Portuguesa no Japão
da influência cultural brasileira como um todo, sobretudo, no cinema, na
música e no futebol, a imigração nipo-brasileira ao Japão também gerou
uma demanda e um interesse inédito pelo estilo de vida do Brasil.
Na última seção, mostrarei que a presença de um contingente de
cerca de trezentos e trinta mil brasileiros luso-falantes no Japão impõe
novos desafios ao sistema educacional japonês e brasileiro, promove novas
discussões na universidade e, ao mesmo tempo, gera novas demandas
nos serviços públicos, tanto no Japão, como no Brasil.
Artes
É possível destacarmos, em dois momentos na vasta obra de João
de Barros (c. 1496-1570), duas menções diretas ao prestígio da língua
portuguesa no mundo. Na Cartinha para os meninos aprender a ler
(1539), Barros afirma que a língua portuguesa é aquela que em Európa
é estimada, em África e Ásia por amor, armas e leys tam amáda e espantósa.
Já no Diálogo em Louvor da Nóssa Linguágem (1540), Barros defende,
orgulhoso, que “Certo é [que] nam há i glória que se póssa comparár a
quando os mininos etíopas, persianos, indios, d’aquém e d’além do Gange,
em suas próprias térras, na força de seus templos e pagódes, onde nunca
se ouvio o nome romano, aprendam a nossa linguágem.” Para Barros, a
aventura expansionista portuguesa não pode ser separada da glória da
língua portuguesa (ARAUJO 2008).
A missionação portuguesa, embora interessada na expansão
lingüística portuguesa, tinha sua própria agenda. E, nesse sentido, a
expansão da língua portuguesa seria um subproduto da expansão da fé
católica. Contudo, no trabalho jesuítico do século XVI, é necessário
estabelecermos uma distinção entre a língua de liturgia e a língua de
pregação. No primeiro caso, empregava-se o latim. No segundo, o
vernáculo. O latim mantinha uma ligação com a Igreja de Roma e era a
língua franca da alta hierarquia católica. Ademais, como língua morta,
mantém a liturgia coesa e imutável. As línguas nacionais, por ser turno,
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Gabriel Antunes de ARAUJO
eram empregadas na pregação, na administração dos sacramentos
(especialmente na confissão), nas devoções da tarde, nas orações que
precediam e antecediam as missas e na catequese. Portanto, era
fundamental que os missionários jesuítas conhecessem as línguas locais.
Com o intuito de produzir materiais a partir dos quais os missionários
pudessem estudar as línguas locais, diversos jesuítas dedicavam-se à tarefa
de analisar as línguas locais e produzir cartilhas, catecismos e gramáticas,
além de traduzir peças de doutrinação e descrever as sociedades, mediados
pela observação direta. Dentre as cartilhas pioneiras, podemos mencionar
as de tamul e português, a Arte da Lingoa Malabar (HENRIQUES 154?),
Arte de Grammatica da Lingoa mais Vsada na Costa do Brazil (ANCHIETA
1946[1595]), e as Artes da língua Iapoa (RODRIGUES 1604; 1620).
Segundo Boxer (1950), o padre Ioam Rodriguez ou João
Rodriguez (c. 1561-1634) chegou ao Japão em 15772. Dedicou-se ao
aprendizado da língua japonesa e estudou teologia em Nagasaki, entrando
para a Companhia de Jesus em 1580, depois de campanhas militares
fracassadas ao lado do senhor feudal Otomo. Além de padre, Rodriguez
foi também missionário, diplomata, político, intérprete e comerciante.
Foi o primeiro ocidental a visitar as cidades imperiais de Pequim e Kyoto,
tornando intérprete do ditador e líder militar Toyotomi Hideyoshi. Mesmo
após a morte de Hideyoshi em 1598, Rodriguez continuou com ótimas
relações com o novo Shogun, Tokugawa Ieyasu. Graças a uma série de
intrigas palacianas, Rodriguez foi expulso do Japão em 1612, ao passo
que o Catolicismo seria banido em 1614. Em Macau, Rodriguez finalizou
a sua revisão da gramática do japonês publicada entre 1604 e 1608
como a Arte da Lingoa de Iapam (Nihon-dai bunten). A Arte Breve da
Lingoa Iapoa, publicada em 1620, e cuja língua-veículo é o português,
constitui, até os nossos dias, um material de consulta aos estudantes da
2 João Rodriguez, comumente, é confundido com o também missionário Padre João Rodriguez
Giram (1558-1628). Por este motivo, adotou o sobrenome Tçuzu (forma arcaica de Tsuji,
intérprete em japonês) para evitar confusões com o seu contemporâneo (BOXER 1959:
340-1).
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língua japonesa do século XVI, em particular, e aos estudos lingüísticos
do japonês, em geral. No entanto, a gramática de Rodriguez não é a
primeira arte do japonês, embora Rodriguez afirme que seu trabalho
(1604-08) seja o primeiro a ser impresso, Boxer (1950: 349) atribui
aos Jesuítas as primeiras gramáticas e glossários impressos (muito embora,
tenham sido impressos em tiragens muito pequenas e só sejam conhecidos
através de referências), produzidos no final do século XVI. Antes da
chegada de Rodriguez ao Japão, já circulava entre os jesuítas esboços
gramaticais e pequenos glossários manuscritos e impressos (cf. Vocabvlario
compilado pelos jesuítas em 1603). É possível que o primeiro desses
manuscritos tenha circulado na década de 50 do século XVI, possivelmente
escrito pelo padre Duarte da Silva (Boxer 1950: 348).
Naturalmente, não é irreal supor que a língua portuguesa gozava
de um certo prestígio no Japão, pois Barros mencionou que ela era
aprendida nos pagodes, o que constituía em um motivo de orgulho para
os portugueses. Mas, certamente, como menciona Rodriguez, a língua
corrente nas Missões, no Japão, não é o latim (1604-1608, apud BOXER
1950: 354): “... porque em Japão os Padres e Irmãos entre si usam de
lingoa e ortographia Portuguesa.” Além disso, o contato com os
portugueses (que, durante muitos séculos, foram sinônimos de ‘ocidental’
no Japão) acarretou o intercâmbio de centenas de itens lexicais em ambos
os idiomas. Fonseca (1985) menciona que, nos séculos XVI e XVII, cerca
de quatro mil palavras de origem portuguesa eram empregadas no japonês.
Embora esta estatística seja um pouco controversa, é certo que o contato
com os portugueses na ilha de Kyushu, nas relações mercantis, nas missões
e na corte em Kyoto estimulou o empréstimo de itens e práticas culinárias,
de vestuário, e também de novos conceitos, técnicas, artefatos de guerra,
etc. Todavia, a palavra de origem portuguesa não mantém suas
características invioladas no percurso de adaptação. O japonês, como
qualquer outra língua natural, apela para recursos estruturais (fonológicos,
morfológicos, semânticos, etc.) no momento de “nativizar” os empréstimos
(cf. PARADIS AND LACHARITÉ 1997, SMITH 2005). Dessa forma, a
língua portuguesa sobreviveu no Japão, mesmo após o banimento em
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1620, em centenas de itens lexicais de origem portuguesa (FONSECA
1985):
(1) kana/kanji grafia romanizada português
arukôru3 álcool
birôdo veludo
botan botão
charumera charamela (um tipo de flauta4)
kasutera castela (pão de ló)
pan pão
rasha raxa (tecido grosso de algodão ou lã)
Os processos de adaptação, nos exemplos supracitados, vão desde
a substituição de fonemas, /v/ > [b] ou /l/ > [‰], passando pela
transformação de codas silábicas em meio de palavras, permitidas em
português (P), mas agramaticais em japonês (J), como em P-[kas.t´.la]
> J-[ka.su.te.‰a], em seqüências de onset mais a vogal epentética canônica
[u]5, e chegando a manutenção de formas que entraram em desuso no
português, como, por exemplo, ‘raxa’.
A política da era Tokugawa (1603-1860), como demonstra
Gordon (2003: 18), erroneamente tachada como de ‘reclusão’ atingiu,
de facto, os europeus que pretendiam implantar idéias que, aos olhos do
3 Coelho (1998: 36) no seu Dicionário de Japonês-Português atribui a origem do vocábulo
álcool (alcohol) à língua holandesa.4 Coelho (1998: 77): A flauta [corneta] do vendedor ambulante de ‘soba’.5 Cf. Dupoux, Kakehi, Hirose, Pallier e Mehler 1998.6 Tojo (2000: 124) demonstra que os holandeses foram muito habilidosos ao destacar as
diferenças entre si e os ibéricos perante o xogunato. “Eles destacaram o fato de os portugueses
eram fisicamente subordinados ao rei de Portugal, mas espiritualmente dependentes do
chefe da Igreja de Roma. Ao permitir que seus súditos devotassem obediência ao Papa, o
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regime, eram vistam como ameaças6. Tokugawa proibiu os japoneses de
viajar ao exterior para além do oeste da Coréia ou para o sul das ilhas
Ryukyu (Okinawa). Ele restringiu a exportação de armas e baniu o
Cristianismo e as viagens de católicos ao Japão. Em 1637-38, a rebelião
dos camponeses no baluarte cristão de Shimabara (próximo a Nagasaki)
foi duramente debelada, com a morte de cerca de trinta e sete mil pessoas,
entre elas, mulheres, idosos e crianças. Iemitsu Tokugawa, também
nessa ocasião, baniu os comerciantes portugueses, cuja última carranca
deixou o porto de Nagasaki em 1639. O Japão continuou mantendo
laços com comerciantes holandeses e com outras sociedades asiáticas,
além de patrocinar viagens de cunho diplomático e comercial (GORDON
2003: 17).
Entreato
Embora a reabertura do Japão ao mundo tenha sido gradual,
sobretudo depois da Guerra do Ópio e do acordo comercial com os
holandeses em 1842, é a chegada hostil da esquadra norte-americana
comandada pelo Comodoro Matthew Perry em 1853 que torna a queda
do regime Tokugawa inevitável e abre caminho para a restauração Meiji
e a conseqüente abertura do Japão ao Ocidente.
Em 1860, Lisboa restabelece laços diplomáticos com Tokyo. Em
seguida, viajantes, diplomatas e escritores portugueses começam a publicar
seus estudos sobre o Japão (dentre os autores mais importantes, podemos
citar Pedro Gastão Mesnier, Gonçalves Pereira, Polidoro Francisco da
rei português perdia sua jurisdição sobre seus súditos. Isto, de acordo com os holandeses,
resultava em um falta de poder que levava à fragilidade da autoridade civil. Os holandeses,
por sua vez, ao não respeitar a autoridade papal, devotavam sua obediência total aos poderes
seculares. Este argumento destacava a natureza subversiva da Igreja Católica e sua ameaça
à manutenção da ordem política”. Este estado de coisas, sem dúvida, contribuiu para a
expulsão dos católicos. Além disso, a empresa colonial holandesa era liderada pela
Companhia das Índias Orientais e os negócios eram mais importantes do que a fé (cf.
ZANDVLIET 2004).
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Silva, Ladislau Batalha e Wenceslau de Moraes. De fato, Wenceslau de
Moraes chega ao Japão, em 1888, e se torna, para o público português,
a grande fonte de informação sobre o Japão em particular, e sobre o
Oriente, em geral (Fonseca Junior 1993). Sua extensa obra influencia
outros tantos portugueses a seguirem o caminho para o Oriente. No
entanto, a presença da língua limita-se ao corpo consular e alguns
imigrados.
Contudo, a chegada do historiador e professor João Abranches
Pinto ao Japão, em 1918, e a abertura do primeiro curso universitário de
língua e cultura portuguesas na Universidade de Estudos Estrangeiros
de Tóquio (Tokyo Gaidai), em 1919, marcou o início da longa presença
do português nas universidades japonesas. Logo após a Segunda Grande
Guerra, universidades japonesas começam a estabelecer seus
departamentos de línguas e estudos estrangeiros. Em 1948, é fundada,
em Kyoto, a Universidade de Estudos Estrangeiros, cujo Departamento
de Estudos Luso-Brasileiros foi estabelecido em 1968. Em 1964, a
Universidade Sophia de Tóquio inicia a sua pós-graduação em língua e
cultura portuguesa. Além delas, atualmente, outras três universidades
possuem departamentos de estudos luso-brasileiros ou lecionam português:
Universidade de Osaka, Universidade de Tenri e a Universidade Kanda
de Estudos Internacionais7. Além disso, outras dezenove universidades
japonesas possuem a língua portuguesa como disciplina opcional, dentre
elas, a Universidade Industrial de Quioto, a Universidade Musashino,
a Universidade Rikkyo, a Universidade Ryutsu Keizai, a Universidade
Takushoku, a Faculdade Municipal de Artes e Cultura de Oita, a
Universidade Nanzan, entre outras. Outrossim, a Embaixada de
Portugal, de Brasil, ‘sociedades e clubes de amigos do Brasil’ e escolas
particulares de idiomas lecionam também o português. Ao lado do ensino
universitário, as obras literárias de autores portugueses, traduzidas para
7 Sumida (2008) afirma que há cerca de dois mil alunos em todos os cursos universitários de
língua portuguesa.
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A Língua Portuguesa no Japão
o japonês constituem importante fonte de conhecimento do mundo
português para os japoneses8. Dentre os principais autores portugueses
traduzidos, destacam-se José Saramago, Luís de Camões, Fernando
Pessoa, Eça de Queiróz, Fernando Namora, Gil Vicente, João Rodriguez
Tçuzu, Pero de Magalhães de Gandavo, Pero Vaz de Caminha,
Wenceslau de Moraes, entre outros9.
Prêmios literários também estimulam a difusão da cultura
portuguesa no Japão, como por exemplo, ‘João Rodrigues, o Intérprete’,
oferecido anualmente pela Embaixada de Portugal à melhor tradução de
obra literária portuguesa para o japonês.
A presença brasileira no Japão
Em 1908, chega ao Brasil Kasato Maru, a embarcação japonesa
que trazia consigo os primeiros imigrantes. Até 1941, o Brasil receberia
188.986 imigrantes japoneses. Após um breve hiato, provocado pela
Segunda Grande Guerra, a imigração japonesa é retomada na década
de 50 do século passado. Até 1988, segundo dados oficiais (SEYFERTH
2001), o Brasil receberia mais 53.555 japoneses.
Não obstante, muitos dos descendentes destes imigrantes japoneses,
impulsionados pelas sucessivas crises econômicas dos anos 80 e pelo
boom econômico japonês, decidiram migrar para o Japão10. Em 1990, é
aprovada a Lei de Controle de Imigração. Esta medida, praticamente
criou uma ‘reserva de mercado’ para imigrantes de descendência japonesa,
8 Além do exame supletivo, o MEC aplica, por intermédio da Universidade de Estudos
Estrangeiros de Quioto, no Japão os exames para os Certificados de Proficiência em Língua
Portuguesa (do Brasil) para Estrangeiros (CELPE-BRAS).9 Os dados sobre as universidades japonesas e sobre os autores traduzidos podem ser
encontrados no site da Embaixada de Portugal em Tóquio: www.embaixadadeportugal.jp/10 Possivelmente, o mais amplo estudo sobre os imigrantes brasileiros no Japão é o trabalho de
Higuchi (2006), que pode ser encontrado em http://www.un.org/esa/population/meetings/
IttMigLAC/P11_Higuchi.pdf.
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tanto brasileiros, como coreanos e chineses, isto é, nascidos nas colônias
do Japão Imperial. A lei estabelecia que ‘descendentes’ (até a quarta
geração) e seus cônjuges poderiam exercer qualquer atividade por até
três anos no Japão (SASAKI 1999). Contudo, esta imigração étnica ou
consangüínea apresenta um resultado inesperado: a língua portuguesa,
depois de um intervalo de mais três séculos, volta a ser falada por uma
população expressiva no Japão. Ademais, é impossível deixar de
mencionar a influência do cinema, do futebol e da música brasileira no
Japão contemporâneo. A influência cultural da música e do cinema
precede o fenômeno dekasegui, tendo sido iniciada nos anos de 1960. Já
a influência do futebol é um fenômeno dos anos (19)90, iniciado com a
chegada do jogador de futebol Zico em 1991. Além de obras literárias,
há traduções para o japonês de ensaios acadêmicos e bibliográficos.
Calcular exatamente o tamanho da comunidade luso-falante no Japão é
uma tarefa complexa, sobretudo porque pessoas que possuíam vistos
válidos e não deixaram o país, nem pediram a renovação são ignoradas
das estatísticas oficiais. É necessário incluir os estudantes de intercâmbio
(escolas de línguas, graduandos, mestrandos, doutorando e pós-
doutorandos), funcionários do corpo diplomáticos, artistas, ministros
religiosos, profissionais liberais, cônjuges de japoneses, todos os familiares
luso-falantes dos supracitados, além dos imigrantes dekaseguis brasileiros.
A comunidade coreana, com cerca de 650 mil pessoas, e a chinesa, com
aproximadamente 500 mil são, respectivamente, a maior e a segunda
maior. Cálculos do Ministério da Justiça Japonês (Censo de 2005)
indicavam que havia 214.049 nipo-brasileiros no Japão em 2005, dentre
os quais 35.589 crianças com até quatorze anos11. Isso faz com que a
comunidade luso-falante seja a terceira maior do país. Atualmente, o
Ministério da Justiça do Brasil calcula que haja cerca de 330 mil brasileiros
no Japão12. Dados do Consulado do Brasil (ano 2000) calculavam a
11 http://www.stat.go.jp/english/data/kokusei/2005/poj/pdf/2005ch11.pdf12 Em 2007, a Divisão de Controle de Estrangeiros do Ministério da Justiça do Japão calculava
em 316.967 o número de brasileiros residentes no Japão, dos quais 49.446 tinham menos
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A Língua Portuguesa no Japão
população brasileira no Japão em 224 mil13. O imigrante dekasegui
brasileiro, comumente, provém das classes médias urbanas, não fala
japonês ou possui um comando muito limitado da língua (IKEDA,
MORALES, ODA 2006: 74).
Apesar de, atualmente, os brasileiros exercerem as mais diversas
funções em dezenas de indústrias, a maior parte dos trabalhadores
concentra-se no setor automobilístico, eletrônico e de processamento de
alimentos (HIGUCHI 2006: 2). Os laços de amizade e a convivência
social como um todo fazem com que os brasileiros empreguem somente o
português nas relações de trabalho, em casa e nos momentos de lazer. De
fato, a maior parte dos nipo-brasileiros é contratada por agências de
emprego ou empreiteiras, mora junto ou próximos a brasileiros e fala
somente português no ambiente de trabalho. Não obstante, a maioria
dos trabalhadores se vê como temporários e pretende (mesmo que nunca
consiga) retornar ao Brasil (cf. OLIVEIRA 1992, MELCHIOR 2001).
Muitos regressam ao Brasil, como planejado, porém acabam voltando
ao Japão, por razões econômicas ou por não conseguirem se readaptar.
E, por outro lado, por saber que retornarão ao Brasil, almejam uma
educação em português para seus filhos. Portanto, falar dos nipo-brasileiros
e da presença da língua portuguesa no Japão envolve, necessariamente,
falar sobre a escola em língua portuguesa, pois esta funciona como o
locus de resistência do português.
Como apontado anteriormente, há cerca de quarenta mil crianças
nipo-brasileiras em idade escolar no Japão. Muitas conseguem aprender
o idioma japonês e não enfrentam problemas para se inserirem na escola
japonesa. No entanto, milhares de crianças, por uma série de motivos,
não se ajustam ao sistema nipônico. Este fenômeno tem se tornado um
problema social nos últimos anos. Além disso, muitas famílias temem
de quatorze anos. Em 2007, havia 10.536 alunos matriculados em escolas brasileiras
(YOSHIMURA 2008).13 http://www.migrationinformation.org/Profiles/display.cfm?ID=311
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perder o vínculo com o sistema educacional brasileiro. Isso prejudicaria o
retorno das crianças ao Brasil e, conseqüentemente, diminuiria as chances
de entrada no sistema universitário brasileiro. Por causa da demanda,
muitas escolas que lecionam em português, seguindo um currículo
brasileiro, foram fundadas nos últimos quinze anos no Japão. Maxwell
(2008: 7) revela que, na cidade de Hamamatsu, das famílias que
pretendem se fixar no Japão, 81,6% optam pela escola japonesa. O
quadro se inverte à medida que os pais manifestam o desejo de retornar
para o Brasil no período de até 3 anos (nesse caso, 83,7% preferem a
escola brasileira). Quando a expectativa de retorno tem o horizonte de
10 anos, 70, 4% das famílias preferem escolas brasileiras.
Há, ainda, crianças brasileiras que simplesmente não freqüentam
escola alguma no Japão ou porque os responsáveis permitem que as
crianças não freqüentem nenhuma escola ou porque não coíbem a evasão
escolar. Por outro lado, a lei japonesa estabelece o ensino ginasial
obrigatório somente para os cidadãos japoneses. No Japão, após os nove
anos de ensino ginasial, equivalente ao Ensino Fundamental no Brasil, a
criança pode cursar o colegial e 90% dessas crianças em idade escolar o
fazem (cf. Guia de Orientação de Komaki, SEM AUTOR 2002). Um
cidadão japonês teria muitos problemas com a justiça e com a sociedade
caso deliberadamente permitisse que uma criança não freqüentasse a
escola, no entanto, a legislação não estabelece jurisprudência sobre crianças
estrangeiras.
Embora o sistema educacional japonês gratuito seja considerado
um dos melhores do mundo, muitos brasileiros preferem matricular seus
filhos nas escolas particulares brasileiras no Japão14. Não há escolas
públicas brasileiras no Japão. As escolas brasileiras apresentam muitos
problemas. Nos últimos anos, estas escolas têm recebido atenção tanto
do Governo do Japão, como do Governo do Brasil. Em 2003, o
Ministério da Educação do Brasil (MEC), por intermédio do Conselho
14 http://www.oecd.org/dataoecd/20/30/39297829.pdf?contentId=39297830
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21
A Língua Portuguesa no Japão
Nacional de Educação, publicou parecer e normas sobre o reconhecimento
de diplomas e históricos escolares emitidos por estabelecimentos de ensino
‘brasileiros’ no Japão. O tema é complexo e exigiria um amplo debate.
Para nos atermos aos interesses desta apresentação, limitar-me-ei ao caráter
de difusão lingüística dessas escolas. A clientela das escolas brasileiras
no Japão é formada por brasileiros e a língua de instrução é o português.
Adicionalmente, muitas escolas também ensinam o japonês. É difícil
precisar o número de escolas brasileiras no Japão, pois há muitas escolas
não regularizadas (sem documentação no Brasil ou no Japão). Segundo
o MEC, há 110 escolas brasileiras no Japão, sendo 51 oficialmente
reconhecidas pelo Governo brasileiro, 20 em processo de reconhecimento,
39 não reconhecidas. Mormente, impulsionados pelas alterações nas leis
de diretrizes e bases da educação nos últimos anos no Brasil, os brasileiros
no Japão têm podido se beneficiar das provas aplicadas pelo governo
brasileiro. Dessa forma, mesmo que a escola não seja reconhecida, o
aluno tem a oportunidade de fazer os exames supletivos aplicados no
Japão15. Sendo aprovado, o aluno pode cursar a universidade no Brasil.
Por outro lado, em 2004, o Ministro da Educação, Cultura, Esportes,
Ciência e Tecnologia japonês, Takeo Kawamura, assinou uma norma
reconhecendo dezenove escolas brasileiras como ‘escolas estrangeiras’ e,
portanto, como parte do sistema educacional japonês. Isso permite aos
alunos egressos destas escolas tentarem admissão em universidades
japonesas. Em 2004, das 42 escolas estrangeiras reconhecidas, 19 eram
brasileiras16.
A grande comunidade brasileira no Japão impulsionou a criação
e a expansão de uma variada mídia em língua portuguesa. Além do
acesso à internet e, portanto, acesso às múltiplas mídias produzidas no
15 Em 2006, 628 candidatos prestaram o supletivo. Em 2007, este número subiu para 913,
sendo que 72 eram membros de populações carcerárias, segundo Cláudia Emi. Cf. http://
tudobem.uol.com.br/2007/10/26/mec-anuncia-novidades-para-escolas-e-alunos-brasileiros-
no-japao/16 http://mecsrv04.mec.gov.br/acs/asp/noticias/noticiasId.asp?Id=4980
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22
Gabriel Antunes de ARAUJO
Brasil, e à televisão por satélite, representadas, principalmente, pela
Record Internacional e Globo Internacional, os brasileiros no Japão
contam com um canal de TV por assinatura que transmite em português:
IPC TV. Além de programação produzida localmente, a IPC retransmitia
programas da TV Cultura de SP, Globo, Record, entre outras. Em
2007, a IPC tornou-se a primeira afiliada internacional da Rede Globo.
O grupo IPC também administra um portal de internet, totalmente em
português17. Há, também, no Japão, dezenas de revistas de distribuição
gratuitas dirigidas à comunidade luso-falante, bem como jornais impressos
semanais e quinzenais.
Portanto, se estuda o português porque é uma língua de cultura
(literária, musical, cinematográfica, popular do Brasil e de Portugal), é
uma língua de trabalho (seu conhecimento permite o acesso a posições
de trabalho em prefeituras, organizações não-governamentais, empresas
nacionais e multinacionais), pode ser uma língua de relacionamentos
familiares ou amorosos e é, também, uma língua de escolarização.
Conclusão
A presença da língua portuguesa no Japão está associada à
presença econômica e cultural de Portugal e do Brasil no mundo, bem
como à presença das comunidades luso-falantes no Japão. No entanto,
estas comunidades enfrentam grandes desafios, sendo que o maior deles
é compreender o estatuto de sua presença em uma terra estrangeira. O
trabalho de Maxwell (2008), portanto, revela que a comunidade brasileira
atravessa exatamente este momento na cidade de Hamamatsu. À medida
que aumenta o interesse em ficar, mais crianças brasileiras são matriculadas
em escolas japonesas, cujo ensino é todo em japonês. Destarte, a
identificação com a sociedade japonesa cria uma japonização da
comunidade, com o conseqüente abandono gradual da língua portuguesa.
17 http://www.ipcdigital.com
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23
A Língua Portuguesa no Japão
Assim, temos exemplos nos quais as crianças ‘brasileiras’ são monolíngües
em japonês e o português é empregado de forma muita restrita. O caso,
não obstante, é muito parecido com o da comunidade nipo-descendente
no Brasil. Ikeda, Morales e Oda (2006) citam o estudo da Sociedade
de Consultores (parte do Centro de Estudos nipo-Brasileiros) em 1996.
Neste estudo, Kobata (1996) relata a situação lingüística nos lares nipo-
brasileiros em São Paulo. Mais da metade das residências pesquisadas
não empregava mais o japonês (56% empregavam o português, 20% o
português e o japonês, 6% o japonês, 14% não oferecem informações e
4% outras línguas.). No que diz respeito à situação dos imigrantes luso-
falantes no Japão, um estudo semelhante ao de Kobata (1996) ainda
está para ser feito.
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Os termos femininos
(palauras de molheres)
no Vocabvlario da Lingoa de Iapam
José Júlio RODRIGUES1
Introdução
O Vocabulario da Lingoa de Iapam com a declaração
em Portugues é, actualmente, uma obra cada vez mais procurada pelos
estudiosos da língua japonesa do século XVI e inícios do século XVII.
É uma fonte de consulta obrigatória para conhecer a evolução da língua
japonesa.
Desde a chegada ao Japão de Francisco Xavier e dos seus
companheiros, em 1549, que a língua japonesa constituiu um dos maiores
entraves à eficácia evangélica dos jesuítas. Perante a ausência total de
obras de referência, os missionários, baseados na experiência e ajudados
1 Departamento de Estudos Luso-Brasileiros, Universidade de Estudos Estrangeiros de Kyoto.
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José Júlio RODRIGUES
pelos irmãos japoneses, desde cedo se lançaram nessa tarefa. O seu esforço
e investimento culminaram com a publicação de várias obras linguísticas
de alto nível, em que se destacam os dois manuais gramaticais do Pe.
João Rodrigues Tçuzu (a Arte da Lingoa de Iapam e a Arte Breve da
Lingoa Iapoa, publicadas em 1608 e 1620, respectivamente) e dois
dicionários, um trilingue e outro bilingue. O trilingue intitula-se
Dictionarium Latino-Lusitanicum, ac Japonicum ex Ambrosii Calepini,
publicado em 1595, em Amacusa. O bilíngue tem por título Vocabvlario
da lingoa de Iapam com a declaração em Portugues, feito por alguns Padres
e Irmãos da Companhia de Iesu, e foi publicado em Nagasaqui no ano
de 1603, e um ano depois, em 1604, foi publicado o Svpplemento deste
Vocabulario, bastante completo, com um número de entradas
correspondente a cerca de um quinto do Vocabvlario.
Os dois dicionários apresentam características diferentes. Segundo
o Prof. Mitsunobu Ôtsuka2, o Vocabvlário da Lingoa de Iapam visava
principalmente ajudar os missionários estrangeiros no seu trabalho diário
com os cristãos, sobretudo no confessionário, onde o padre-confessor
devia estar habilitado a ouvir confissões em língua japonesa e a
compreender também as variedades dialectais, o calão, a linguagem
própria das crianças e das mulheres. O dicionário trilingue, latino-
português-japonês, tinha por objectivo ajudar os missionários na pregação,
na preparação dos sermões e homilias, em que era exigido um bom
conhecimento da lingua culta, formal, literária. Os missionários escreviam,
primeiro, o sermão em latim que era, em seguida, traduzido para o japonês
com a ajuda dos irmãos japoneses. Os missionários estavam bem cientes
destas diferenças linguísticas, e, por isso, a capacidade de língua japonesa
dos missionários era classificada em três níveis: conseguir ouvir confissões,
conseguir pregar e conseguir escrever.
Este meu trabalho cinge-se ao estudo do Vocabvlario da Lingoa
de Japam e enfatiza a linguagem feminina.
2 Mitsunobu Ôtsuka, op. cit, p. 65.
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Os termos femininos (palauras de molheres) no Vocabvlario da Lingoa de Iapam
Vocabvlario da Lingoa de Iapam
Existem actualmente quatro exemplares da primeira edição de
1603, em Évora, Oxford, Paris e Manila. Existem traduções em três
línguas: uma tradução em espanhol em Manila (1630), uma em francês
(1869) e uma em japonês (1980). A tradução em japonês foi publicada
pela editora Iwanami Shoten e tornou o dicionário accessível a um maior
número de investigadores japoneses. Foram também feitas quatro edicões
facsimiladas no Japão: a do exemplar da Universidade de Oxford em
1960 e em 1973 pela editora Iwanami Shoten e pela editora Benseisha,
respectivamente; a do exemplar da Universidade de Paris em 1976 pela
editora Benseisha; e a do exemplar da Biblioteca Municipal de Évora,
em 1998, pela editora Seibundo. Foi para mim um grande prazer poder
dar o meu contributo para a publicação desta última edição facsimilada..
Estrutura do Vocabvlario
Número de páginas: 804 (660 do Vocabvlario e 144 do Svpplemento).
Número de entradas: 32.871 (25.985 no Vocabvlario e 6.886 no
Svpplemento). (Se a este número subtrairmos os 561 registos que se
encontram repetidos no Vocabvlario e no Svpplemento, obteremos
32.310.)3
Termos regionais: 457 (378 no Vocabvlario e 59 no Svpplemento).
Destes, cerca de 90% pertencem ao dialecto do Sul do Japão, Kyushu,
assinalados com X. (abreviatura do vocábulo Ximo, que significa “Bai-
xo” em japonês, ou seja, Sul).
Termos literários e poéticos: 1539 (1498 no Vocabvlario e 41 no
Svpplemento).
Termos femininos (Palaura de molheres): cerca de 121 (57
noVocabvlario e 64 no Supplemento ).
3 Takeshi Morita, op. cit., p. 268.
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José Júlio RODRIGUES
Calão (Palaura baixa), assinalado com a letra B. (do português Baixo)
Existe também um grande número de termos budistas (Bup.), ter-
mos da religião católica, termos infantis.
Após uma breve análise dos dados disponíveis, surpreende-nos a
elevada percentagem de termos femininos registados no Svpplemento
(52,89%) superando mesmo os do Vocabvlario, e a baixa percentagem
de vocábulos literários e poéticos existentes no Svpplemento (apenas
2,664%), mesmo quando comparado com a percentagem de termos
regionais (12,42%) registados no Svpplemento. O Svpplemento, como
se especifica no Prólogo, tinha a finalidade de emendar palavras,
acrescentar algum sentido mais, isto sobretudo para os vocábulos repetidos,
mas tornar o Vocabvlario “mais cheo, e ornado”4.
Termos femininos
A tradução japonesa para “palaura de molheres” é fujingo ou nyou-
bou-kotoba. “Nyoubou” ainda se usa actualmente quando o marido se
refere à sua mulher ou esposa, em pessoas de mais idade. Palavra repre-
sentada por dois caracteres, nyou e bou, significando senhora e aposento,
respectivamente, no Período Heian, “nyoubou” 5 passou a referir-se à
dama de alta posição que na Corte Imperial e nos palácios da nobreza
tinha direito a usar esse aposento privado e o seu papel era tratar dos
seus senhores bem como da educação das crianças. Nyoubou-kotoba (ko-
toba significa língua) é, originariamente, uma espécie de linguagem secreta
que começou a ser utilizada nos inícios do Período Muromachi (1336-
1573) entre as damas que serviam na Corte Imperial.6 Considerada
como linguagem elegante, o seu uso generalizou-se gradualmente até
4 Vocabvlario da Lingoa de Iapam, p. 661.5 Kouten Daijiten, p. 1265.6 Idem, p. 1265.
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Os termos femininos (palauras de molheres) no Vocabvlario da Lingoa de Iapam
atingir as mulheres das camadas inferiores da sociedade, possivelmente
através dos homens e nobres que frequentavam a Corte e que a introdu-
ziram em suas residências e famílias.
Não é tarefa fácil determinar com exactidão o número de termos
femininos contidos no Vocabvlario.7 O número de vocábulos registados
como palaura de molheres é de 121 (57 no Vocabvlario e 64 no
Svpplemento). O seu número baixará para 113, se subtrairmos a esse
número os dois vocábulos (Amo e Zoro) que estão repetidos no
Vocabvlario e no Svpplemento, os cinco vocábulos que estão registados
duas vezes, na sua forma normal (Fiyaxi, Man, Mana, Mauari, Muxi) e
na sua forma honorífica precedida do prefixo Vo (ou Von), e ainda um
vocábulo que aparece registado com três formas (muxi, vomuxi e vomoxi),
com o significado de miso. Por outro lado, a lista inclui alguns vocábulos
que não estão anotados como “palaura de molheres”, mas que como tal
são referenciados em outros documentos da época. Alguns vocábulos
são incluídos ao mesmo tempo na linguagem feminina e na linguagem
infantil.
Muitos ds termos femininos referem-se a alimentos. Na Arte da
Lingoa de Iapam encontramos a notação “pera molheres” apenas em
duas passagens e a Arte Breve da Lingoa Japoa contém apenas um registo.8
Originalidade do Vocabvlario
Takeshi Morita, na obra referida9, faz um estudo comparativo
entre os termos femininos registados noVocabvlario e e os registados em
outros livros japoneses da época, nomeadamente em “Amanomokuzu”10,
escrito em 1420, “Oojourouonnanokoto”11, cerca de 100 anos depois, e
7 Vide Takeshi Morita, op. cit., p. 353. Aí encontrará um estudo detalhado.8 Eliza A. Tashiro, art. cit., p. 220.9 Takeshi Morita, op. cit., p. 358-363.10 Kokusho Somokuroku, vol. I, p. 88.11 Idem, vol. I, p. 587.
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José Júlio RODRIGUES
“Kinrinyoubounainaiki”12 que se supõe ser do Período Muromachi.13 O
seu estudo comparativo ajuda-nos a verificar a originalidade do
Vocabvlario. Eis algumas conclusões a que chegámos.
1. O número de “palauras de molheres” do Vocabvlario, cerca de
120, como ficou referido, supera em muito os 17 vocábulos contidos no
livro “Amanomokuzu” e é quase igual ao número de 115 vocábulos
registados no “Oojourouonnanokoto”. Não parece ter havido grande
influência destes dicionários no Vocabvlario, pois o número de vocábulos
em comum é relativamente reduzido: cerca de dois terços dos vocábulos
assinalados como palavras usadas pelas mulheres não estão registados
nos três dicionários japoneses referidos. Só por esse facto, o Vocabvlario
constitui uma fonte imprescindível para o estudo da linguagem feminina
dos finais do período de Muromachi.
2. Surpreende-nos o elevado número de termos femininos
registados no Svpplemento, ultrapassando mesmo o número existente no
Vocabvlario. Editado um ano depois do Vocabvlario, o Svpplemento veio
corrigir imperfeições e preencher lacunas, e uma delas teria sido o número
escasso de “palauras de molheres” registado naquele. Em época de
perseguições e de incertezas quanto ao fututo das missões no Japão, os
autores sentiram necessidade de editar o mais rápido possível a parte do
dicionário que estava já pronta. Aliás, o Svpplemento vem já anunciado
no Prólogo à edição do Vocabvlario.14 A introdução de um número
12 Idem, vol. 2, p. 623.13 Não nos sendo possível o acesso a estes documentos, baseei-me na descrição de Takeshi
Morita.14 “Por que necessariamente ham de faltar alguns vocabulos, pois não he possivel esgotar a
multidão, & variedade delles de maneira que não fiquem muitos, & alguns ainda no tresladar,
ou no compor na emprenssa se deixarão, por isso se fará hum suplemento no cabo pella
mesma ordem do Alphabeto Latino pera suprir o que faltou no corpo do Vocabulario “.
(Vocabvlario da Lingoa de Iapam, IV).
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Os termos femininos (palauras de molheres) no Vocabvlario da Lingoa de Iapam
considerável de termos femininos no Svpplemento é uma prova do valor
que os autores lhes atribuiram.
3. O prefixo de cortesia vo- ou von-
O prefixo de cortesia o- (que no Vocabvlario aparece escrito Vo-
ou Von-) é uma das maneiras utilizadas para tornar uma palavra polida,
honorífica, e que se utiliza sobretudo em sinal de respeito para com a
pessoa interlocutora. Para o aprendiz da língua japonesa é de suma
importância o saber utilizar este prefixo, não somente nos substantivos,
mas também nas formas verbais, especialmente na forma imperativa. No
Vocabvlario e Supplemento estão registados mais de 20 casos, o que
prova o seu largo uso na época, sobretudo entre as mulheres, mas também
entre os homens, como está especificado no Vocabvlario.15
Tomemos, como exemplo, a palavra fiyaxi*, com significado de
água fria. No Svpplemento está registado o vocábulo Fiyashi acompa-
nhado da tradução portuguesa “agoa fria” e seguido da anotação “he
palaura de molheres”. No Vocabvlario aparece o termo honorífico Vo-
fiyaxi, com idêntica tradução de “agoa fria”, mas especifica “palaura de
molheres que estão falando de seu Senhor ou de outra pessoa honrada”.
Outro exemplo é fucuro e vofucuro, cuja tradução é mãe, mas acrescenta-
se que comumente se usa vofukuro, entre mulheres posto que também
entre outras pessoas.**
4. O uso do sufixo -moji
Outra característica que capta a atenção do estudioso inciante é o
uso que se faz do sufixo -moji (cujo significado é letra em português) para
formar novas palavras. Encontram-se registados 7 exemplos deste tipo
16 Ver a lista que apresentamos no final acompanhada de um Inquérito.* A escrita actual seria hiyashi.** Actualmente, o vocábulo ofukuro é usado principalmente pelos homens.
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José Júlio RODRIGUES
de vocábulos, dois no Vocabvlario e cinco no Svpplemento : Fitomoji
(V), Comoji (S), Cumoji (S), Fimoji (S), Mumoji (S), Nemonji (V),
Nimoji (S). De notar que o maior número pertence ao Svpplemento e
que o vocábulo Fitomoji (cebola), registado no Vocabvlario, não está
anotado como palavra feminina. As palavras construídas com este sufixo
são denominadas em japonês de moji-kotoba.
Como eram construídas estas palavras moji-kotoba?
Tomemos como exemplo a palavra sushi. Divide-se a palavra em
sílabas, fica-se com a primeira, a sílaba su, e acrescenta-se moji, e teremos
a palavra sumoji; a palavra kami-no-ke (cabelo da cabeça) transforma-
se em kamoji, da primeira sílaba ka + moji. Nimoji, registado no
Svpplemento com o significado de alho, é formada pela primeira sílaba
de ninnniku (alho) e moji;comoji vem de komugi (trigo) + moji; fimoji
de hidarui (com o sentido de ter fome) + moji, etc.
O exame do resultado do Inquérito mostra que todos os inquiridos
responderam desconhecer o significado e existência deste tipo de vocábulos,
com alguma excepção para o termo fimoji , o que prova o seu desuso
actual.
O uso do sufixo -moji deve ter sido moda entre as damas da Corte,
estando no centro da sua lin guagem secreta. Por vezes, uma palavra
poderia ter vários significados, pois os vocábulos eram formados pela
primeira sílaba de uma palavra e o sufixo moji. O vocábulo okumoji
podia significar “esposa, mulher” , saké, sofrimento, conservas de vegetais,
etc., segundo a palavra que lhe dava origem.
Inquérito e Resultados
O Inquérito sobre os vocábulos anotados como palavras de molheres
no Vocabvlario da Lingoa de Iapam ( e seu Svpplemento) foi realizado
no mês de Junho de 2008, a 13 estudantes universitários pertencentes à
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Os termos femininos (palauras de molheres) no Vocabvlario da Lingoa de Iapam
Universidade de Estudos Estrangeiros de Quioto e à Universidade de
Osaka, com idades entre 20 e 22, e a 14 membros da Sociedade Luso-
Nipónica de Osaka, com idades compreendidas entre os 30 e os 80
anos. O objectivo era saber quais os vocábulos que continuam em uso.
Ainda que em número reduzido, o Inquérito mostra haver
vocábulos que se impuseram até os nossos dias. É o caso de onaka, o
termo mais usado para significar “barriga” e que se usa em expressões
como “onaka ga suite iru” (estou com fome) ou “onaka ga itai” (dói-me
a barriga);ofukuro (mãe) é do conhecimento geral, mas usado sobretudo
pelos homens; tono (senhor), ofuru (roupa usada), ohaguro (tinta para
pintar os dentes de preto) obtiveram resposta afirmativa por quase todos
os interrogados. Entre os interrogados há estudiosos da literatura japonesa,
fãs do teatro tradicional japonês kabuki e nô, amantes de filmes históricos,
com maior conhecimento do japonês clássico. As diferenças de idade é
outro factor a ter em conta ao analisar os resultados.
Conclusão
Não foi nosso objectivo fazer uma análise completa nem do
Vocabvlario nem das palavras de senhoras aí registadas. Foi, no entanto,
suficiente para provar que estamos perante uma obra de grande valor
histórico-linguístico, fruto de uma pesquisa conjunta de pessoas de várias
nacionalidades, com realce para japoneses, portugueses, espanhóis e
italianos. No Vocabvulario não aparece o nome de nenhum autor nem
mesmo redactor. A todos os pioneiros das relações luso-japonesas do
chamado século cristão o meu respeito pelo trabalho desenvolvido, e a
minha gratidão pela herança que nos legaram e que tanto nos dignifica.
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3035
36
José Júlio RODRIGUES
Bibliografia
Vocabulario da Lingoa de Iapam com a declaração em Portugues, feito por alguns padres e
irmãoes da Companhia de Iesu, Nagasaqui, 1603; Edição facsimilada do exemplar da
Biblioteca Nacional de Évora. Osaka: Editora Seibundô, 1998.
Morita, Takeshi. Nippo-jisho Teiyou*. Osaka: Editora Seibundo Shuppan Kabushiki
Gaisha, 1993.
Ôtsuka, Mitsunobu. “Azuchi-Momoyama Renaissance, kirishitan no nihongo kenkyuu”**.
In: Revista de Literatura Japonesa, vol. 51, n. 9, p. 60-69, Tokyo.
Rodrigues, João. Arte da Lingoa de Iapam. Nangasaqui, 1976. Ed. Facsimilada com
notas e comentários de Tadao Doi e Ken Mihashi. Benseisha, Tóquio, 1976.
Kokusho Soumokuroku***, 8 vol., Tokyo: Editora Iwanami Shoten, 1963.
N. Nakada, T. Wada, Y. Kitahara. Kouten Daijiten. Tokyo: Editora Shogakkan, 1983.
Tashiro, Eliza Atsuko. As variedades do japonês nas Artes do Pe. João Rodrigues Tçuzu.
Centro de Documentação em Historiografia da Linguística. São Paulo: UNESP.
Laborinho, Ana Paula. “A Questão da Língua na estratégia da evangelização: as Missões
no Japão”. In: O Século Cristão do Japão. Actas do Colóquio Internacional Comemorativo
dos 450 anos de Amizade Portugal-Japão (1543-1993), Lisboa, 1994.
Buescu, Maria Leonor Carvalhão. “O Dicionário das três línguas”. In: O Século Cristão
do Japão, Actas do Colóquio Internacional Comemorativo dos 450 anos de Amizade
Portugal-Japão (1543-1993), Lisboa, 1994.
Portugal e o Japão, Séculos XVI e XVII, O Retrato do Encontro, Revista de Cultura,
Edição do Instituto Cultural de Macau, No. 17, Outubro/Dezembro de 1993 ICM.
Tôru Maruyama. Xavier e Rodrigues. Bulletin of the Nanzan centre for European Studies,
vol. 6 p. 15-27, Nagoya, 2000.
* Manual do Vocabvlario de Iapam.** Pesquisa sobre a língua japonesa nos documentos cristãos da época de Azuchi-Momoyama.*** Índice Geral dos Livros Nacionais (Japão).
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3036
37
Os termos femininos (palauras de molheres) no Vocabvlario da Lingoa de Iapam
INQUÉRITO
SOBRE SS “PALAURAS DE MOLHERES” NO VOCABULARIO DA
LINGOA FE IAPAM E SEU RESULTADO
(Quioto, Junho de 2008)
Os registos desta lista fazem parte do” VOCABULARIO DA
LINGOA DE IAPAM” e do “SVPPLEMENTO DESTE
VOCABULARIO”, ambos publicados em Nagasaqui no
COLLEGIO DE IAPAM DA COMPANHIA DE IESVS, nos
anos de 1603 e 1604, respectivamente, e onde aparecem classificados
como termos femininos, palauras de molheres. O objectivo deste inquéri-
to é verificar o seu uso actual, através de duas perguntas: a) Já ouviu este
termo? B) Já utilizou este termo?
Estamos-lhe gratos pela sua colaboração.
Respostas obtidas Sexo masc. (M) Sexo fem. (F) Idade
27 12 15 De 20 a 80 anos
Vocábulo
japonês
Tradução/explicação
em português
Já ouvi este
termo.
Já usei este
termo.
1. Benidaikon Rabão vermelho. Palaura de molheres.
M3 F5 M1 F1
2. Bobo Pudenda mulheris.
Palauras que as molheres,
e meninas usão.
M7 F2 M1 F2
3. Bunda Boceta em que metem
papeis. Palaura de
molheres, e que não he propria.
4. Cabu Raiz do nabo, ou o nabo.
He palaura de molheres.
Cabura.
M11 F13 M7 F11
5. Cachin Mochi. Bolo de Arroz.
He palaura de molheres. (1)
M7 F7 M3 F5
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38
José Júlio RODRIGUES
6. Chibochibo Cousa pouca, ou pequena.
Palaura de molheres. M2 F2 M1 F1
7. Chichigo Pay,palaura de molheres. M2 F4
8. Côca Xôbenjo. Secretas de
ourinar. Palaura de
molheres.
M2 F2 M1
9. Cucon Vinho, palaura de
molheres. M1 F2
10. Fanabira Hua certa laya de Mochis.
*
M3 F3 M1 F3
11. Fayaxi, su Cortar, ou trinchar.
Palaura de molheres.
12. Fitomoji Cebolla. * F2
13. Foxifoxi Mame. Grãos, ou feijões
palaura de molheres.
14. Fucuro,
Vofucuro
Mãy. Comummente se
vsa, Vofukuro, e entre
molheres posto que
tambem entre outras
pessoas. (2)
M12 F15 M9 F3
15. Futatocoro,
Vonfutatocoro
Marido e mulher: palaura
de molheres. M1 F1
16. Guegue Calçado como alparcas de
palha. Palaura de
molheres.
F2
17. Gugo Mexi. Arroz Cozido.
Palaura de molheres. F1
18. Ido
Voido
Voido. Usão as molheres
por traseira ou posteriores
falando com respeito da
pessoa.
M8 F9 M4 F3
19. Itano mono Certas peças de Iapão. * 20. Ixij Cousa gostosa, ou de bom
sabor: quando se vsa neste
sentido commummente
usão molheres. (3)
M1 F2 M1 F1
21. Mameyacani Cõ diligência, e cuidado.
Palaura que
commummente usão
molheres.
M7 F2 M2 F2
22. Mana,
Vomana
Peixe. Palaura de
molheres,ordinariamente
dizem , Vomana.
M4 F2 F1
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3138
39
Os termos femininos (palauras de molheres) no Vocabvlario da Lingoa de Iapam
23. Mauari,
Vomawari
Qualquer iguaria tirando
arroz: palaura que
commummente usão as
molheres ajuntandolhe
Von.
24. Mimairaxe,
suru
Ver pessoa honrada.
Usase na escritura, cartas,
etc. na pratica entre as
molheres.
M3 F2
25. Mimochi Prenhidão. Palaura de
molheres.
M4 F4 M3 F2
26. Minogoi Catabira ou toalha cõ que
se limpa o corpo depois de
lauado.*
27. Monoyoxi Leproso, ou lazaro.
Palaura de molheres.
Vsase também entre outra
gente particularmente no
tempo de Xôguachi, etc.
Em outras partes se diz,
Facuyoxi.
28. Mutçucari,u Chorar. Palaura de
molheres posto que
tambem a usão homens
falando de mininos
nobres. (4)
M7 F7 M3 F3
29. Nacadacana Entre as molheres se toma
por rosto que tem o nariz
alevantado, e mais saido
pera fora.
M1 F3 F2
30. Nemonji Certa laya de peças
brancas de Iapão. Palaura
de molheres.
31. Vofiyashi Água Fria: palaura de
molheres que vsão falando
de seu senhor, ou de outra
pessoa honrada. (5)
M7 F11
32. Qiamojina Cousa polida, limpa e
vistosa: he palaura de
molheres.
M4 F1 M2 F1
33. Sasa Vinho. He palaura de
molheres.
M5 F4 M1 F1
34. Sumaxi, su Lavar, palaura de
molheres.
35. Tabi, u ...
Tabai
Algumas vezes vsão as
molheres deste verbo no
imperativo.
M1 F1
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3139
40
José Júlio RODRIGUES
36. Tçuua Cuspo: palaura de
molheres.
37. Tono Marido. Palaura que
vsão alguãs molheres
honradas falando de
seus maridos.
M10 F13 M4 F7
38. Varaua Eu. Palaura de molheres. M8 F15 M3 F3 39. Vchimaqi Arroz. Palaura de
molheres.
40. Vofaguro, Tinta com que fazem os
dentes pretos em
Iapão. Palaura de
molheres.
M11 F15 M3 F9
41. Vofin O espertar ou alevantar-se
de dormir pessoa nobre.
Palaura de molheres.
42. Vofuru Cousa velha como
vestido que o Senhor
dá a algum criado.
Palaura de molheres.
M10 F13 M9 F11
43. Vôgi,
Vôgigo
Vôgi. Avô.
Vôgigo. Senhor avô.
Palaura de molheres ou
mininos.
44. Voguxi Cabeça de pessoa
honrada, ou cabellos da
cabeça: palaura de
molheres.
M7 F12 M4 F5
45.Vomanaca Secretas . Palaura de
molheres.
46. Vomoxi Miso: palaura de molheres
falando com respeito
dalguem.
47. Vonama Namasu. Palaura de
molheres.
F1
48. Votçuqe Xiru, ou caldo que se
come com o arroz: palaura
de molheres. (6)
M6 F7 M1 F3
49. Xiji Pila de mininos: palaura
de molheres.
F1
50. Xiromono Sal. Palaura de molheres. 51. Xixi Ourina de mininos.
Palaura de molheres.
M4 F8 M2 F4
52. Yôqua Certo comer feito de
arroz, e outras misturas de
eruas. Palaura de
molheres.
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41
Os termos femininos (palauras de molheres) no Vocabvlario da Lingoa de Iapam
53. Yoruno mono Quimono de dormir.
Palaura de molheres. M1 F1
54.Yosoi, Tirar arroz nos bacios.
Palaura de molheres.
M12 F13 M12 F9
55.Yumeyumexij Cousa pouca: palaura de
molheres. M2 F7 F1
56.Yumeyumexiqu Adv. Pouco: Palaura de
molheres. M2 F5 F1
* As quatro palavras assinaladas com asterisco *, no Vocabvlario, não estão anotadas como
Palauras de molheres.(1) Usado na ementa de alguns restaurantes como kachin-udon (kachin-soba), udon ou soba
com mochi frito.(2) Linguagem masculina.(3) Usado na forma polida oishii.(4) O uso normal é muzukaru.(5) Usado em restaurantes, bares, etc. com a forma ohiya.(6) Normalmente usado como omiotsuke.
B. Termos registados no SVPPLEMENTO
Vocábulo
japonês
Tradução/explicaç
ão em português
Já ouvi este
termo.
Já usei este
termo.
1. Aca Azzuqi. Certa
especie de feijões
pequenos. Palaura de
molheres.
M2
2. Acauo mana Peixe salmão.
Palaura de molheres.
3. Cabe Tôfu. Certa laya de
comer que se faz de
feijões moidos.
Palaura de molheres.
M1 F1 M1
4. Caca Catçuuo.
Combolamaz peixe.
Palaura de molheres.
(1)
M7 F11 M4 F5
5. Caraco Farelos de lauar as
mãos. He palaura de
molheres.
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3241
42
José Júlio RODRIGUES
6. Caramon Ralão. He palaura
de molheres.
7. Cayericoto Resposta de carta.
He palaura de
molheres.
F2 F1
8. Cô Miso. He palaura de
molheres.
M1 F1
9. Comoji Trigo. He palaura de
molheres.
10. Conacaqe Canja feita de arroz,
ervas e outras
misturas. He palaura
de molheres.
11. Cotonobara Sardinhas miudas
secas ao sol. He
palaura de molheres.
F2
12. Cuchiboso Camasu . Um certo
peixe. He palaura de
molheres.
13. Cumoji Grelos de nabos ou
rabãos feitos em certa
salmora. He palaura
de molheres.
14. Curomono Panella. He palaura
de molheres.
15. Den Certas talhadas como
de queijo fresco feitas
de feijoens moídos
untados com Misó,
espetados em canas e
assados. He palaura
de molheres.
M2 F3 F1
16. Fabiro Alface. He palaura
de molheres.
17. Fachino mi Mão do gral. He
palaura de molheres.
18. Faguino fana Certos bolinhos de
arroz que tem dentro
feijoens moidos. He
palaura de molheres.
F1 F1
19. Fimoji Ter fome. He palaura
de molheres.
M2 F2 M2 F1
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3242
43
Os termos femininos (palauras de molheres) no Vocabvlario da Lingoa de Iapam
20. Fitocusa Modo de contar
layas, e feições de
coisas. He palaura de
molheres.
F2
21. Fiyashi Agoa fria. He
palaura de
molheres.(2)
M7 F11
22. Guinxi Letria. He palaura
de molheres.
M2 M2
23. Igue Arroz com casca. X.
He palaura de
molheres.
24. Man,
Voman
Mangiú. Certos
merendeiros de trigo
cozidos com o bafo
de agoa quente. He
palaura de molheres.
Mangiú. Pãezinhos
de trigo cozidos com
o bafo de água
quente. Palaura de
molheres. (3)
M9 F11 M7 F4
25. Meme Arroz cru. He
palaura de molheres.
26. Meximono Vestido, ou calçado
de pessoa nobre. He
palaura comûmente
de molheres. (4)
M7 F13 M2 F10
27. Micado Sôba. Certa laya de
milho miudo. He
palaura de molheres.
28. Mumoji Trigo, cevada. He
palaura de molheres.
29. Murasaki Iwaxi. Sardinha. He
palaura de molheres.
M3 F1 M1
30. Muxi,
Vomuxi
Miso. Palaura de
molheres.
31. Namino fana Xiuo. Sal. Palaura de
molheres. (5 )
M6 F5 M1 F3
32. Nimoji Alho. Palaura de
molheres.
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44
José Júlio RODRIGUES
33. Qiri Certa laya de
braseiro de pao
barrado por dentro, e
fechado, em que os
Iapões metem fogo
pera aquentar os pés
no inverno. He
palaura de molheres.
34. Qirizoro Certo modo de letria.
Palaura de molheres.
35. Sasagin Nucamiso. Miso feito
de casca de arroz.
He palaura de
molheres.
36. Sasanomi Bagaço que fica
depois de espremer o
vinho. He palaura de
molheres.
M1 F1 M1
37. Soyefude Encomendas, que se
dão pera algûa
pessoa na carta que
se escreve a outra.
Cõmummente he
palaura de molheres.
F1
38. Tçuqinai Cousa impertinente e
fora de proposito. He
palaura de molheres.
M1 F2
39. Temoto Faxi. Os dous
paozinhos com que
ordinariamente
comem os Iapões. He
palaura de molheres.
M4 F6 M2 F2
40. Toto Peixe. He palaura de
molheres. (6)
M11 F8 M4 F6
41. Vacatoxi Anno Nouo. He
commumente palaura
de molheres.
M2 F1
42. Varifune Nuca. Casca, ou
pragana do arroz. He
palaura de molheres.
43. Voaxi Ieni. Caixas. He
palaura de molheres.
(7)
M11 F8 M5 F2
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3244
45
Os termos femininos (palauras de molheres) no Vocabvlario da Lingoa de Iapam
43. Voaxi Ieni. Caixas. He
palaura de molheres.
(7)
M11 F8 M5 F2
44. Vocama Camaboco. Certa
iguaria feita de peixe
picado. He palaura
de molheres.
F1
45. Vocazu Sai. Iguaria. He
palaura de molheres.
M6 F5 M4 F5
46. Vofagata Daicon. Rabão. He
palaura de molheres.
47. Vofira Tainoiuo. Pargo, ou
goraz. He palaura de
molheres.
48. Vofoso Sardinhas. He
palaura de molheres.
49. Voita Sal. He palaura de
molheres.
M1 F1
50. Vominamexi Milho, ou painço.
He palaura de
molheres.
51. Vonaca Barriga. He
palaura de
molheres.
M12 F15 M11 F13
52. Vtçuuo -Cousa oca, e vãa por
dentro.
-Cebolas. He palaura
de molheres.
53. Xitagi Trigo. Palaura de
molheres.
54. Yaiba Momi. Bate. He
palaura de molheres.
(8)
55. Yamabuqi a) Vinho branco de
Iapam.
b)Funa. Um certo
peixe de água doce.*
56. Yugami Colher. He palaura
de molheres.
57. Yumegamaxij Cousa pouca e breve
como sonho. He
palaura de molheres.
58. Yuqi Nabo. He palaura de
molheres.
F2
59. Yuqi Melius, Yuqino iuo.
Peixe bacalhao. He
palaura de molheres.
M1 F3
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3245
46
José Júlio RODRIGUES
* O vocábulo está registado duas vezes, mas como palaura de molheres só na acepção a).
Noutros livros da época, aparece registado como termo feminino.(1) Mais usado na forma polida okaka. Bonito (peixe).(2) Actualmente ainda se usa a forma ohiya.(3) Mais utilizado na forma polidaOman.(4) Mais usado na forma polida Omeshimono.(5) Utilizado actualmente em frases como “o Mar do Japão no inverno está bravo”.(6) Como termo de crianças geralmente usa-se a forma polida ototo.(7) Dinheiro.(8) Usado no sentido normal de catana (espada).
C. Termos registados simultaneamente no VOCABULARIO
e no SVPPLEMENTO
Vocábulo
japonês
Tradução/
explicação em
português
Já ouvi este termo. Já usei este termo.
1. Amo (V) Mochi. Palaura de
molheres e mininos.
(S) Bollos de farinha
de arroz. Palaura de
molheres.
M1 F2 M1 F1
2. Zoro (V) Sômen.Aletria:
palaura de molheres.
(S) Sômen. Letria. He
palaura de molheres.
M1 F1
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3346
47
Os termos femininos (palauras de molheres) no Vocabvlario da Lingoa de Iapam
Aceitação da Literatura
Brasileira no Japão
Kiyokatsu TADOKORO1
Antes de entrar no assunto principal, permitam-me explicar o
motivo por que escolhi a cultura e literatura brasileiras como profissão.
Desde criança que a fauna e a flora da Amazônia me impressionam. Foi
para conhecer essa Amazônia que decidi cursar em Estudos Luso-
Brasileiros na universidade. E foi assim que passei quatro anos na antiga
capital do Japão, Kyoto, onde tive a felicidade de conhecer a obra indianista
de José de Alencar, “Iracema”. Ainda me lembro de uma certa resistência
a um estilo rico em metáforas e vocabulário de tupi-guarani, mas o pitoresco
da sua linguagem poética me fazia sentir como se estivesse lendo “Atala”
de Chateaubriand.
Durante os meus tempos de estudante universitário, verifiquei o
reduzido número de traduções japonesas de literatura brasileira. Neste
sentido, descobri que tinha uma grande responsabilidade em mudar este
cenário enquanto docente de literatura brasileira no Japão.
1 Departamento de Estudos Luso-Brasileiros, Universidade de Estudos Estrangeiros de Kyoto.
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3447
48
Kiyokatsu TADOKORO
Ainda que tivesse bastante interesse no mundo da literatura
brasileira e descoberto já algumas jóias literárias deste país, não existia
nenhum livro que explanasse de grosso modo toda esta realidade, algo
que fosse um livro introdutório a esta temática em língua japonesa. Este
é um dos motivos por que os leitores japoneses continuam afastados da
literatura brasileira, pelo que senti a necessidade de um livro referente a
literatura brasileira como introdução e publiquei um Dicionário de
Literatura Brasileira há dez anos atrás. Havia, e continua a haver, um
défice notório de estudiosos em literatura brasileira. Foi para combater
essa circunstância que decidi publicar uma coletânea denominada “Clima
e Literatura do Nordeste Brasileiro”, com romances de Jorge Amado,
Graciliano Ramos, José Lins do Rego e José de Alencar. Para o público
japonês poder conhecer outros gêneros literários, traduzi uma antologia
poética, “Seleção dos Meus Poemas Líricos Favoritos” (2004). Tentei
reunir textos representativos, desde José de Alencar, expoente do
Romantismo, e Gonçalves Dias, com a sua “Canção do Exílio”, até o
modernista Carlos Drummond de Andrade, bem como poemas do
cancioneiro popular, conhecidos mundialmente, como “As Rosas Não
Falam” de Cartola e Alberto de Oliveira e “Garota de Ipanema” de
Vinícius de Moraes e Tom Jobim. Também agora estou preparando
uma edição sobre a História da Literatura Brasileira. O título seria:
Literatura Brasileira como espelho da sociedade – a figura deste país através
da história literária.
Como acima mencionado, a aceitação e adoção da literatura
brasileira no Japão é muito “pobre”. Apesar de tudo e mesmo perante o
desolador cenário editorial, vale a pena realçar que algumas obras clássicas
de literatura brasileira já se encontram traduzidas em japonês. Mesmo
assim, ainda não podemos sequer comparar com outras literaturas
européias em número absoluto de traduções.
Por um lado, no que concerne à literatura portuguesa, encontramos
clássicos como Os Lusíadas, de Luís de Camões, Fernando Pessoa e a
maioria dos romances de José Saramago já traduzidos em língua japonesa.
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3348
49
Aceitação da Literatura Brasileira no Japão
Por outro lado, quanto à literatura brasileira, foram traduzidas as obras
primas de Jorge Amado, repetidas vezes nomeado para o Prêmio Nobel,
e as obras de Guimarães Rosa, Graciano Ramos, Erico Veríssimo, etc.
Neste momento, são cerca de cinqüenta as obras traduzidas para japonês.
Cerca de um quarto destas traduções são re-traduções de outras línguas,
principalmente o inglês, o que provoca um afastamento do original,
independentemente da competência do tradutor. Algum do esforço por
traduções diretas tem sido realizado por nipo-brasileiros, do qual resultou
a tradução de obras como “O Cortiço”, de Aluísio Azevedo. Contudo,
são comuns os erros de tradução e alguns desvios ao texto original. Ainda
assim, o público japonês pôde finalmente entrever a realidade crua e nua
do cortiço do Rio de Janeiro. Deve ser realçado o esforço realizado por
nipo-brasileiros na promoção da tradução através de revistas literárias
(veja-se os excelentes exemplos de “Colônia Bungaku” e “Nikkei
Bungaku”).
Este ano comemora-se o centenário da morte de Machado Assis,
o maior romancista brasileiro. Encontro-me neste momento a preparar,
em conjunto com um graduado do Departamento de Estudos Luso-
Brasileiros da Universidade de Estudos Estrangeiros de Kyoto, uma
das suas obras primas: “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, cuja edição
esperamos concluir durante este ano.
Já em 2002 havia sido apresentado ao público japonês uma das
suas obras-primas, “Dom Casmurro”, publicada numa das mais
conhecidas revistas literárias deste país: “Ronza”. As obras de Machado
de Assis se situam no pico mais alto e são muito apreciadas pela crítica
literária.
Quanto a Jorge Amado, vai ser publicado ainda este ano uma
segunda tradução da sua famosa obra: “Gabriela, Cravo e Canela”, fato
raro no Japão, mas reflexo do crescente interesse na literatura brasileira.
Com esta segunda tradução disponível, a crítica japonesa poderá começar
a dar mais atenção a Jorge Amado.
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3349
50
Kiyokatsu TADOKORO
Permitam-me agora um pequeno aparte. Quanto se fala de autores
brasileiros no mundo, não é possível evitar referir o fenômeno Paulo
Coelho, que tal como em muitos países, também aqui domina o mercado
editorial. Com todas as suas principais obras traduzidas para japonês, a
lógica mercantilista em pleno numa grande economia com mais de 180
milhões de consumidores.
Voltando ao melhor da literatura brasileira, é justo referir as obras
indianistas de José de Alencar (Época Romântica), as obras de Machado
de Assis e Aluísio Azevedo (Época Realista/Naturalista), além dos
romance regionalistas da década de 30. Através destes clássicos, o leitor
comum no Japão poderia começar finalmente a colocar a literatura
brasileira no mesmo patamar da melhor literatura mundial.
A propósito, os estudos literários, e quanto à literatura brasileira
no Japão, ainda não estão abordados, exceto José de Alencar, Machado
de Assim, Jorge Amado. Para quebrar a situação atual, a missão e o
dever dos professores que lecionam no Japão é importantíssimo.
Tenho convicção que a melhor chave de conhecer o Brasil é
conhecer a literatura brasileira. Nesta conformidade, tentei o intercâmbio
com insignes representantes da literatura brasileira, como Antônio
Cândido, Herberto Sales, Arnaldo Niskier, Gilberto Mendonça Teles e
o recém-falecido Jorge Amado.
Até à Restauração Meiji do séc. XIX, a aceitação da literatura
estrangeira no Japão, restringia-se à literatura chinesa. Neste ponto, para
o Japão “literatura estrangeira” ou “literatura mundial” era igual a
“literatura chinesa”. A influência monopolista das traduções chinesas
perdurou até o Período Taisho. Todavia, o governo Meiji se esforçou
para o florescimento da civilização (ou melhor: ocidentalização) e a política
de criar um país rico e militarmente forte não podiam deixar de olhar
para o mundo ocidental. Assim, as literaturas ocidentais (inclusive as
literaturas eslava e russa) foram traduzidas e apresentadas pelos principais
inteletuais e homens de letras da época, que foram estudar para os países
ocidentais, tal como Ogai Mori ou Soseki Natsume. Este foi o ponto de
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3350
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Aceitação da Literatura Brasileira no Japão
viragem, passando o centro de interesse a girar à volta da literatura
ocidental, situação que se mantém ainda hoje. Mas este novo “centro de
gravidade” não permitiu que o público japonês tivesse acesso a outras
literaturas mundiais, fossem elas da América latina, de África ou do
sudoeste asiático. A sua apresentação é um fenômeno recente.
No Japão, foi durante a década de 70 que entrou em ebulição a
literatura latino-americana, mas limitando-se à sua expressão castelhana
(principalmente Jorge Luís Borges, Gabriel Garcia Marques, Octávio
Paz e Pablo Neruda). A exceção continuava a ser o trabalho voluntarioso
da comunidade nipo-brasileira com os seus estudos literários e traduções
de literatura brasileira para língua japonesa. Ainda assim, o seu excelente
trabalho raramente chegava ao grande público japonês...
Gostaria de acrescentar que, deixando à parte a verdade ou não
do assunto, como diz o autor de Bandeirantes e Pioneiros: paralelo entre
duas culturas Viana Moog , entre os inteletuais brasileiros (apesar de
uma admiração profunda pelo estrangeiro) existe por assim dizer um
“Mazombismo”, esse sentimento de inferioridade e busca de imitação
do que é estrangeiro. Por outro lado, a forte adoração da cultura européia,
isto é, o “transoceanismo” como dizia Capistrano de Abreu. Neste ponto,
o povo japonês e brasileiro apresentam de certa maneira uma admiração
complexada pela cultura européia.
Como resultado, a maior parte dos intelectuais japoneses padece
de um “euroamericocentrismo”, como esta tradição de dar demasiada
importância à Europa exerce influência explícita ou implicitamente na
aceitação da literatura estrangeira.
Apesar de o Brasil ter recebido a emigração japonesa faz agora
cem anos, a literatura da Terra de Santa Cruz não voltou com os mais de
trezentos mil de descendentes dos primeiros emigrantes agora a viver no
Japão. Quero dizer que continua a haver uma enorme diferença
comparando a situação de aceitação da literatura latino-americana de
expressão castelhana, que está muito ativa. Considero que podemos pensar
em várias razões, que vão desde a “inclinação européia” dos inteletuais e
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3351
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Kiyokatsu TADOKORO
homens de letras japoneses, mas também seguramente devido à falta de
tradutores qualificados.
Hoje em dia, um intenso intercâmbio humano entre Brasil e Japão
tem feito aumentar o número de japoneses que aprendem português.
Todavia, ainda é muito pouco comparando com o número de pessoas
que aprendem inglês, francês, espanhol e alemão. O número de tradutores
qualificados é proporcional. Nesse sentido, e para divulgar entre o povo
japonês a literatura brasileira, talvez seja importante continuar o atual
esforço em criar estudiosos que adquiram capacidade de aplicação da
língua portuguesa. Afinal, a literatura do Brasil tem a melhor chave para
conhecer o caráter nacional do povo, encerrando múltiplos valores da
sociedade multirracial.
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3352
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Aceitação da Literatura Brasileira no Japão
Imprensa nikkei em língua
portuguesa: o fenômeno da
globalização e o caso da revista
Made in JAPAN
Alice Mitika KOSHIYAMA1
1. Introdução
Este trabalho avalia, a partir dos conceitos de história (cf. HELLER,
O quotidiano e a história) e dos intelectuais orgânicos (cf. GRAMSCI, Os
intelectuais e a organização da cultura), o conteúdo da revista Made in
JAPAN, que circula simultaneamente no Brasil e no Japão desde setembro
de1997, e que teve o seu número 131 publicado em agosto de 2008.
Nos 10 anos de jornalismo mostrou a comunidade nikkei e expôs uma
identidade nikkei específica deste momento de globalização da economia.
A comunidade organiza-se em torno dos interesses dos que se identificam
1 Departamento de Jornalismo e Editoração. Escola de Comunicações e Artes, Universidade
de São Paulo. E-mail: [email protected]
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3453
54
Alice Mitika KOSHIYAMA
como nikkeis e daqueles cujos interesses se relacionam com o desenvolvimento
de aspectos da cultura e civilização japonesa ou de origem nipônica. Ou
seja, o Japão, seu povo, os imigrantes, os descendentes dos imigrantes no
Brasil, os dekasseguis no Japão e todos os que estão ligados a esse mundo
em atividades de relevância ideológica, política, religiosa, educacional,
governamental, empresarial, assistencial, financeira, esportiva.
O mensário atende ao público que se interessa pela comunidade
nikkei nos dois continentes. A linha editorial da publicação aposta no
desenvolvimento de uma economia globalizada, que torna desejável a
busca do êxito financeiro de indivíduos que cultuam o trabalho e o consumo
de produtos de consumo. A revista divulga a tecnologia e os negócios
juntamente com uma interpretação sobre a cultura, a tradição, as belezas
naturais e os costumes do Japão. A partir do 4º ano de circulação, Made
in JAPAN abrasileirou-se, colocando em matérias de capa personagens
que simbolizam um estreito relacionamento entre os dois países. E assume
ostensivamente a realidade da mistura de etnias e acolhe na língua
portuguesa um vocabulário que legitima a presença nikkei na vida
quotidiana.
brasileiro – revista Made in JAPAN – comunidade nikkei –
identidade nikkei
O desenvolvimento econômico do capitalismo permitiu o
surgimento de veículos de comunicação que constroem novos territórios
geográficos para a sua circulação. A comunicação em rede é uma
possibilidade diariamente exercitada pelos meios de comunicação
eletrônicos, audiovisuais e internet. Especialistas apontam a agilidade e
a versatilidade dos novos meios e lembram a possibilidade de criação de
novos projetos de sociedades nesses espaços virtuais.
A agilidade de operação dos meios de comunicação permite a
criação de publicações no jornalismo impresso que atendam públicos
criados pela nova organização da sociedade. Esses veículos podem circular
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3354
55
Imprensa nikkei em língua portuguesa: o fenômeno da globalização e o caso ...
simultaneamente em um novo território formado por dois países para
populações que tem em comum a língua portuguesa e vivem em uma
cultura identificada com o Japão como é o caso do Made in JAPAN.
Trata-se de uma mudança nos territórios de circulação da língua
portuguesa, que encontra uma oportunidade de expansão. Seja no Brasil,
onde conquista leitores nikkeis não habilitados a ler os periódicos
publicados em língua japonesa. Seja no Japão, povoado por nikkeis
dekasseguis vindos do Brasil que desconhecem a língua japonesa e
precisam se comunicar para viver.
Pensamos que ao atender às necessidades da população envolvida
com a globalização da economia, projetos de comunicação podem ajudar
a construir e destruir valores em apoio à organização de novas comunidades
e novas identidades.
2. Novas perspectivas da sociedade
O estudo do processo histórico denominado de “globalização da
sociedade” é um fato da atualidade e que tem merecido múltiplas
abordagens no campo das ciências humanas. Temas recorrentes são o da
desagregação de valores e das culturas tradicionais, o da formação de
novos conceitos de espaço e de tempo, o da facilidade da adoção de uma
perspectiva planetária para empresas financeiras e produtos da tecnologia
de ponta. A perspectiva histórica registra que estão acontecendo mudanças
em todos os campos da sociedade contemporânea.
No campo das pesquisas em comunicação, verificamos que em todas
as culturas aparece a oportunidade do contato real ou virtual com novos
povos e novas experiências. A abertura para outras realidades provoca
mudanças, o que em algumas culturas significa um aumento das diferenças
e das contradições sociais e um incentivo às reações conservadoras. Ao
mesmo tempo, forma-se um campo propício para a construção de novas
identidades específicas resultantes de intercâmbios entre culturas.
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3355
56
Alice Mitika KOSHIYAMA
O Brasil é um país formado pela contribuição de imigrantes de várias origens
étnicas. Há quase cem anos, japoneses e seus descendentes participam do projeto
de construção da nação brasileira. No início da imigração as características étnicas
formavam o principal elemento diferenciador desse grupo populacional,
autodenominado de nikkeis. A contribuição deles para a cultura brasileira é
incontestável. Mas muitos descendentes de japoneses enfrentaram e alguns ainda
enfrentam uma crise de identidade sobre serem inteiramente brasileiros ou
parcialmente japoneses, ambigüidade esta favorecida pelos traços raciais.
Hoje, reconhecemos a existência de uma cultura brasileira nikkei
criada pelos descendentes de japoneses e pelos brasileiros de outras origens
étnicas em contato com as contribuições da arte, ciência e tecnologia do
Japão e suas aplicações em todo o mundo.
A leitura das publicações dirigidas ao público nipo-brasileiro mostra
que a relação de japoneses e seus descendentes com a explicitação de sua
condição nikkei é um fato. A análise da nova conjuntura histórica e com
o exame do conteúdo de revistas como a Made in JAPAN , permite-nos
examinar sua atual configuração.
3. História, globalização e comunicação
Notamos a produção de vários textos com perspectiva histórica
que tratam da globalização. Ousamos avaliar que, no campo dos estudos
de comunicação, os trabalhos que consultamos mostram alterações
significativas nas conjunturas históricas, mas o referencial que se mantém
é a permanência dos valores capitalistas na vida quotidiana.
Fernand Braudel, pesquisador de história e autor de obras
abrangendo a perspectiva da longa duração, as periodizações seculares,
captou em seus estudos o processo das mudanças e permanências das
estruturas sociais no tempo. O ritmo das mudanças na economia, na
política e na sociedade é desigual e combinado. O estudo da história de
tempo longo exige a interdisciplinaridade entre as diferentes áreas do
conhecimento para tornar possível a explicação de fenômenos que
envolvem diferentes formas de estruturas de uma sociedade: da política à
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3356
57
Imprensa nikkei em língua portuguesa: o fenômeno da globalização e o caso ...
mentalidade dominante, explica Braudel em seu texto: “História e
Ciências Sociais. A Longa Duração”. (In: Escritos sobre a História, p.
41-78)
O processo desigual das mudanças e permanências sociais explica
a coexistência da miséria com a máxima riqueza e a possibilidade de
existência do analfabetismo ao lado da ciência de ponta e da literatura
mais sofisticada. E evidencia a dificuldade de elaborar esquemas
explicativos simplistas sobre as causas dos fenômenos sociais.
Os aspectos estruturais das mudanças trazidas pelo capitalismo
estão presentes em estudos sobre a história que lembram o caráter secular
do modelo capitalista de produção e a sua permanência no tempo. Na
análise das condições da imprensa contemporânea, atestamos a pertinência
das mediações estruturais propostas.
O historiador Nelson Werneck Sodré, na introdução do seu livro
História da Imprensa no Brasil, afirma: a história da imprensa e a história
do desenvolvimento das sociedades capitalistas constituem um processo
de mudanças e de relações dialéticas. Para ele, que admite a organização
da sociedade em classes sociais, as diferenças cobrem a economia, a política
e a ideologia. Os meios de comunicação participam do sistema ideológico,
e a ideologia dominante é a ideologia da classe dominante. Na avaliação
do desenvolvimento do capitalismo, Sodré assumiu a leitura da economia
política de Karl Marx:
Houve tempo, como na Idade Média, em que não se trocava
senão o supérfluo, o excedente da produção sobre o consumo. Houve,
também, tempo em que não somente o supérfluo, mas todos os produtos,
toda a existência industrial, passaram ao comércio, e que a produção
inteira dependia da troca, de tráfico, e podia ser alienado. Este foi o
tempo em que as próprias coisas que, até então, eram transmitidas mas
jamais trocadas; dadas, mas jamais vendidas; adquiridas, mas jamais
compradas – virtude, amor, opinião, ciência, consciência, etc., – em que
tudo, enfim passou ao comércio. Este foi o tempo da corrupção geral, da
venalidade universal ou, para falar em termos da Economia Política, o
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3357
58
Alice Mitika KOSHIYAMA
tempo em que tudo, moral ou físico, tornando-se valor venal, é levado ao
mercado para ser apreciado no justo valor. (In: Nelson W. Sodré, op.
cit., p. 8)
A atualidade da análise do pensador do século XIX mantém-se,
no atual estágio de desenvolvimento da sociedade capitalista, com a
transformação possível de tudo em mercadoria. Note-se que primeira
edição da obra de Sodré é de 1966 pela Editora Civilização Brasileira e
faz parte do acervo de publicações lançadas pelo editor Ênio Silveira. A
ditadura militar perseguiu ferozmente o editor com prisões e apreensões
de obras históricas, políticas, filosóficas rotuladas de “subversivas”. O
clima de terrorismo intelectual torna compreensível porque Sodré não
mencionou o nome de Karl Marx como autor da sua citação, chamando-
o de “grande economista que foi também homem de pensamento”.
A possibilidade de tudo poder ser mercadoria é uma transformação
no campo dos valores dominantes, configurando o surgimento de novas
necessidades do ser humano, o que comprova a importância dos valores
na história.
Como acentua a filósofa Agnes Heller, o ser humano na sua
totalidade tem várias esferas que se expressam na sua vida quotidiana, na
sua organização em sociedade. No exercício de qualquer ato, o ser humano
põe em prática seus valores. Por isso a história é um processo de construção
e destruição de valores e é a partir deles que se organizam as mudanças
e permanências na vida quotidiana. (In: O Cotidiano e a História, p. 1-
15).
Na visão de um outro pensador da cultura, Antonio Gramsci, os
intelectuais orgânicos, que se vinculam às principais classes ou frações de
classe de uma sociedade são os principais agentes da organização da
cultura. A ideologia está presente em todas as relações humanas, mas
acabe aos partidos políticos orgânicos proceder a sua sistematização teórica
e prática. Na sua perspectiva, veículos de comunicação atuam como frações
de partidos. A busca da hegemonia de um grupo ou de uma classe na
sociedade implica na conservação, reforma ou eliminação de idéias e
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Imprensa nikkei em língua portuguesa: o fenômeno da globalização e o caso ...
práticas do conjunto de valores dominantes em uma sociedade também
com o uso dos meios de comunicação. (In: Os Intelectuais e a Organização
da Cultura e Maquiavel, a Política e o Estado Moderno)
Nessas condições, percebemos que a existência de um meio de
comunicação corresponde a alterações na sociedade. Ao mesmo tempo,
no processo de circulação, um meio de comunicação permite a projeção
de idéias que interferem na realidade dos seus leitores.
Assim, no capitalismo, a concretização de um projeto de comuni-
cação tem uma íntima relação com segmentos da sociedade que assimila
suas mensagens e dá-lhe sustentação material, comprando o produto e
pagando anúncios que tornam o empreendimento economicamente pos-
sível, ou dando algum suporte financeiro com verbas de patrocínio.
Ao mesmo tempo, os veículos de comunicação permitem a todos
os seus leitores, em contato com mensagens jornalísticas e/ou publicitárias,
aceitarem ou rejeitarem novas ou antigas idéias, além de formarem novas
perspectivas de mundo.
Dessa forma, projetos de comunicação ajudam a construir e/ou
destruir valores em apoio à organização de novas comunidades e novas
identidades.
4. Globalização comunicação: Made in JAPAN
O atual estágio do desenvolvimento do capitalismo permitiu o
surgimento de veículos de comunicação que constroem novos territórios
geográficos para a sua circulação. A comunicação em rede é uma
possibilidade diariamente exercitada pelos meios de comunicação
eletrônicos, rádios, televisões e internet. Especialistas apontam a agilidade
e a versatilidade dos novos meios e lembram a possibilidade de criação
de novos projetos de sociedades nesses espaços virtuais.
Com a agilidade de operação dos meios de comunicação há um
aproveitamento das empresas que se organizam em complexos mediaticos,
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3359
60
Alice Mitika KOSHIYAMA
formando grupos que trabalham simultaneamente com meios impressos
e eletrônicos. E que atendem públicos situados em novos territórios
geográficos que transcendem a fronteiras nacionais e continentais. Um
exemplo desse tipo de organização é a empresa que publica a revista
Made in Japan. Trata-se da JBC do Brasil associada a J.B.
Communication do Japão (a empresa chama-se Japan Brazil
Communication), que em agosto de 2008 mantinha site na internet,
publicava livros e várias revistas.2
A revista Made in JAPAN circula há mais de 10 anos
simultaneamente no Brasil e no Japão. É dirigida às pessoas que se
expressam em português e estão interessadas em manter a conexão entre
os dois países. O mensário atende ao público que se interessa pela
comunidade nikkei nos dois continentes.
A linha editorial da publicação aposta no desenvolvimento de
uma economia globalizada, que torna desejável a busca do êxito financeiro
de indivíduos que cultuam o trabalho e procuram um contínuo
aperfeiçoamento de sua formação pessoal e profissional. A revista divulga
a tecnologia e os negócios juntamente com a cultura, a tradição, as belezas
naturais e os costumes do Japão.
A partir do quarto ano de circulação, Made in JAPAN investiu
nos contatos interculturais, colocando em matérias de capa personagens
que simbolizam um estreito relacionamento entre os dois países.
Esta revista é resultado da criação de publicações no jornalismo
impresso que atendem públicos formados pela nova organização da
sociedade. Esses veículos podem circular simultaneamente em um novo
território formado por dois países para populações que tem em comum a
língua portuguesa e vivem em uma cultura mista identificada com o Japão
e o Brasil. É o oposto da imprensa para imigrantes japoneses que vieram
ao Brasil no século passado, principalmente nos anos anteriores à Segunda
Guerra Mundial, e apenas falavam e escreviam a língua japonesa.
Kd o texto da nota???
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3360
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Imprensa nikkei em língua portuguesa: o fenômeno da globalização e o caso ...
Made in JAPAN com o título em inglês, é o resultado de um novo
contexto social e de um novo período da história da imigração dos nikkeis.
Sem nenhum disfarce, como um produto das modernas fábricas que vem
com a etiqueta made in ... Podia ser Made in Nippon ou Made in Japão?
Nippon pareceria uma submissão ao Império. Japão seria mais brasileiro,
talvez a imagem do japonês-imigrante. Em inglês o título lembra o Japão
capitalista, reconstruído depois da Segunda Guerra Mundial, o país
voltado para grandes descobertas, empreendimentos e negócios. Sem
esquecer as tradições, a história, os costumes que identificam a nação
japonesa, mas em comunicação com os melhores desempenhos e produtos.
A propósito do título, lembramos de uma revista que circulou um
pouco antes da fundação de Made in JAPAN, e que teve poucos números,
era feita inteiramente no Brasil, e fechou por falta de publicidade. Era
escrita em português e chamava-se Japão AQUI. Parecia uma aposta
nas especificidades nipônicas, era o passado mais do que o presente, a
manutenção de uma visão de gueto para a comunidade.
Made in Japan sinaliza uma sintonia perfeita com a atualidade do
mundo nipo-brasileiro e brasileiro nipônico.
5. Made in JAPAN: as diversas faces dos nikkeis
O estudo da revista Made in JAPAN mostra a execução de um
projeto de comunicação que atua em um território formalmente composto
por pessoas inicialmente unidas pela identidade étnica.
Nos seus primeiros números, as matérias tratavam de temas como:
imigrantes japoneses e sua história e situação presente no Brasil, problemas
da aculturação dos residentes no Brasil e no Japão, cultura e civilização
com destaque para educação, pontos turísticos, produtos da tecnologia
de ponta, trabalho para dekasseguis, comportamento, artes e culinária.
No número do seu terceiro aniversário, a revista avalia suas melhores
reportagens com a reprodução de todas as suas capas mostrando que até
então seus principais temas eram majoritariamente sobre o Japão.
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3361
62
Alice Mitika KOSHIYAMA
Nos três primeiros anos de publicação, a revista apresentou uma
linguagem mais cuidadosa, procurando se ater à língua padrão e matérias
de capa sobre o Japão, prioritariamente.
A partir do quarto ano de circulação, a revista adota uma linguagem
mais coloquial e seus assuntos de capa tratam de questões do ponto de
vista do Brasil, do intercâmbio entre as duas culturas, abrindo exceção
para eventos excepcionais que envolvem a família imperial do Japão.
O conteúdo da revista oferece informações para o debate sobre o
que é realmente um nikkei: alguns não falam a língua japonesa e outros
não tem a aparência física de japoneses. O que permitiu o questionamento
do mito do ser japonês é igual a ser nikkei.
A crescente miscigenação provocou uma alteração dos tipos físicos
da juventude nikkei, com o surgimento de um novo padrão estético (ver
número 26, novembro de 1999, ano 3), promovendo a inclusão dos
mestiços legitimados em concursos de beleza patrocinado pela revista.
A afirmação de uma nova identidade fisica para os nikkeis, que
não precisavam mais ter uma fisionomia de japoneses é consagrada com
a publicação de informações sobre modelos nipo-brasileiros que fazem
sucesso no Japão com tipos formados pela mistura de raças.
A publicação de número 36, de setembro de 2000, apresenta na
capa a modelo e apresentadora de televisão no Brasil, Renata Sayuri,
que personifica um padrão de beleza feminino miscigenado.
Ao assumir a perspectiva de uma identidade nikkei com a inclusão
plena do mestiço, a revista se reposiciona quanto aos temas preferenciais:
suas áreas de cobertura buscam no Brasil suas matérias de capa e há
uma perspectiva de integração daquilo que lembra o Japão no Brasil e o
que nos lembra o Brasil no Japão.
O conteúdo jornalístico é acompanhado pela expressiva presença
de anunciantes brasileiros.
Essa abertura da revista para a nova identidade nikkei contribuiu
para firmar um público de leitores e anunciantes. Na medida em que
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3362
63
Imprensa nikkei em língua portuguesa: o fenômeno da globalização e o caso ...
toda a publicação jornalística deve seguir uma linha editorial que a distinga
de todas as outras em circulação para ser um produto viável para integrar
um segmento do mercado, Made in JAPAN firma-se empresarialmente
ao demonstrar que a comunidade nikkei é maior do que o imaginário dos
antigos imigrantes japoneses podia admitir.
Se a aparência física de um japonês deixou de ser essencial para a
identidade nikkei, temos o caminho aberto para o questionamento do
que é exatamente a comunidade nikkei.
A questão da transformação, no decorrer dos mais de dez anos da
revista, da idéia de uma identidade nikkei fechada nos japoneses e seus
descendentes com traços étnicos orientais para uma perspectiva de
identidade que abrange todos os descendentes comprova o trabalho
integrador da revista na exposição pública sobre o que são os nikkeis.
Mas, ao trabalhar a idéia de organizar uma cultura nikkei, a revista
opera com a hipótese de que a comunidade nikkei deve ser mais ampla
do que o conjunto das pessoas nikkeis. E é a partir da comunicação da
revista com o seu público que se constrói a perspectiva da comunidade
nikkei: japoneses, descendentes de japoneses e simpatizantes de qualquer
nacionalidade de tudo que é japonês, principalmente no mundo dos
negócios, da ciência e da tecnologia. Na prática, participam do mundo
nikkei todos que com eles se relacionam: dos empresários aos bolsistas de
alguma instituição japonesa, dos consumidores de produtos aos viajantes
que visitam o Japão e se encantam , como o escritor Paulo Coelho (matéria
de capa, no. 44, maio de 2001).
Um estudo da revista enquanto produto a ser vendido no mercado,
que deve compatibilizar interesses de anunciantes e dos próprios
empresários do veículo com as expectativas dos seus leitores, mostra uma
preocupação em ampliar seu público potencial buscando uma abordagem
mais ancorada nas relações Brasil-Japão.
Em relação ao campo econômico, a revista evita aprofundar os
impasses da economia japonesa. Em 2001, os leitores receberam
informações sobre as dificuldades dos dekasseguis (nikkeis que emigraram
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3363
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Alice Mitika KOSHIYAMA
para o Japão em busca de empregos) no seu dia a dia, há destaque sobre
o outro lado da prosperidade, inclusive os sem tetos, os inadaptados, as
doenças como a aids, as transgressões com relato dos crimes cometidos.
O cultivo dos aspectos apreciados no Brasil da cultura oriental,
como o zen budismo, a acupuntura, a ikebana, o origami, o bonsai, a
culinária, destaca elementos já divulgados pelo jornalismo brasileiro, mas
reforça o esteriótipo de ser uma publicação com vínculos japoneses, apesar
do abrasileiramento da publicação para mostrar o passado dos japoneses
no Brasil e o que ficou desse princípio. E dez anos depois, a revista
conseguiu mostrar os resultados da permanência dos japoneses e seus
descendentes no país. Os cem anos da imigração japonesa, comemorados
em 2008 tiveram na revista uma visão da história dos nikkeis brasileleiros,
com novas fisionomias gestadas pela miscigenação, e em busca de
perspectivas de trabalho no Japão como dekasseguis.
A revista aproveitou o sucesso de alguns temas da revista, para
propor segmentos da publicação, ao promover a criação de uma revista
de culinária japonesa, dirigida por Johny Arai, que foi deslocado da
editoria do Made in JAPAN para implantar o novo projeto e
posteriormente voltar ao comando da revista.
Acontece um perfeito entrosamento com empresas, negócios,
atividades que envolvem pessoas ou grupos identificados com os nikkeis
aqui no Brasil, que também anunciam mais a partir do quarto ano de
publicação do que no período anterior.
Procura-se atender ao publico jovem com destaque para músicos
e artistas populares japoneses. Artistas populares nikkeis brasileiros que
fazem sucesso comparecendo em programas de televisão no Brasil
coberturas e artistas brasileiros que visitam o Japão receberam coberturas
da revista a partir do terceiro ano da revista. A diagramação torna-se
mais caótica, no estilo revista para jovens nesta fase.
A publicação funciona como um espaço dos interessados na cultura
nipo-brasileira e brasileiro-nipônica, nos dois países. Ao destacar como
os nipo-brasileiros no Brasil e brasileiros residentes no Japão estão
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3364
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Imprensa nikkei em língua portuguesa: o fenômeno da globalização e o caso ...
interagindo com as culturas locais, a revista estabelece a ligação entre os
que aqui permanecem e os dekasseguis, os imigrantes nikkeis que saíram
do Brasil para trabalhar no Japão. Há uma indicação dos caminhos de
ida e volta, inclusive com anúncios publicitários, diante da imposição de
uma nova realidade que permite as pessoas ficar em trânsito, um pouco
lá e um pouco aqui.
Empresas japonesas com seus produtos são apresentados na revista
com grande destaque, a linha editorial é de estimular o consumo de
produtos de empresas japonesas, no Japão e no Brasil, principalmente
daquelas que estão instalando aqui filiais de suas empresas.
As medidas governamentais no Japão no campo da economia e
mais ainda os atos empresariais, como os do presidente imposto a Nissan
pela Renault, que despediu um grande número de funcionários (medida
inédita na sociedade japonesa!), foram mostradas, como de resto pela
imprensa internacional, como atos muito necessários e bem aceitos.
Mitos consagrados, como a família real japonesa, continuam em
destaque, como representantes da instituição imperiall
A perspectiva de dificuldades para os dekasseguis no Japão é
relatada nas reportagens, com a cobertura de um seminário organizado
para discutir as dificuldades de trabalhadores brasileiros no Japão, com
apoio inclusive de órgãos do governo japonês, ainda em 2001. Nos anos
seguintes, a revista trata os dekasseguis como seu público leitor e mantém
um contínuo trabalho jornalístico e publicitário em torno da questão ir ao
Japão para trabalhar.
Made in JAPAN explicita uma proposta para ser nikkei hoje, no
Brasil e no Japão dos dekasseguis, e oferece opções para os que se
identificam com ou os que admiram a comunidade nikkei sobre o que
fazer, aonde ir, o que comprar, a quem reverenciar, que cultos seguir, que
artistas admirar e apresenta um relato dos aspectos contraditórios da
experiência da uma sociedade globalizada.
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3365
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Alice Mitika KOSHIYAMA
6. Conclusões
Made in JAPAN é uma experiência inovadora na história do
jornalismo nipo-brasileiro.
Os mais de dez anos de vida da revista comprovam sua aceitação
pelos leitores e pelo mercado publicitário, atento a uma comunidade de
formada por consumidores ao mesmo tempo cosmopolita e voltado para
elementos que preservam sua característica nikkei.
A revista reforça os valores que sustentam o capitalismo
internacional hoje e favorecem os processos de globalização da economia
japonesa.
Made in JAPAN torna-se um projeto de comunicação bem
sucedido ao se propor organizar a comunidade nikkei em língua
portuguesa no Brasil e no Japão, contribuindo para dar-lhe visibilidade e
identidade. Mostra o quotidiano de uma comunidade que se organiza
em torno dos interesses daqueles que se identificam como nikkeis e
daqueles cujos interesses se relacionam com o desenvolvimento de aspectos
da cultura e civilização japonesas ou de origem nipônica. O que abrange
o Japão, seu povo, os imigrantes, os descendentes dos imigrantes no Brasil,
os dekasseguis no Japão e todas as pessoas ligadas a esse mundo em
atividades de relevância ideológica, política, religiosa, educacional,
governamental, empresarial, assistencial, financeira, esportiva.
Nessas condições, Made in JAPAN reorganiza a identidade nikkei
na conjuntura histórico-social em que a migração da população é uma
prática quotidiana possível para a comunidade nipo-brasileira e envolve
a miscigenação entre pessoas de raças e nacionalidades diversas, criando
tipos físicos nikkeis com traços originais.
Em síntese: a revista Made in JAPAN valoriza o projeto social e
econômico da expansão capitalista japonesa e tudo que dela se origina.
Cumpre a função de informar e fazer propaganda de marcas, personagens,
produtos, instituições, comportamentos e valores que se harmonizam com
a sua linha editorial. Mas ao mesmo tempo, cede um espaço para a
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3366
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Imprensa nikkei em língua portuguesa: o fenômeno da globalização e o caso ...
exposição de eventuais casos de fracassos de empreendimentos pessoais
que não deram certo principalmente entre os dekasseguis, o que é
totalmente compatível com um sistema capitalista, pois nele só alguns
vencem.
Enfim, trata-se de um jornalismo dos intelectuais orgânicos do
processo de globalização da economia e que promove com eficiência os
valores ideológicos do capitalismo internacional na vida quotidiana.
7. Bibliografia
Livros:
BRAUDEL, Fernand. (1978). Escritos sobre a História. Trad. J. Guinsburg e T. C. S.
da Mota. São Paulo: Perspectiva.
GRAMSCI, A. (1968). Os Intelectuais e a Organização da Cultura. Trad. C. N.
Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização.
GRAMSCI, A. (1976). Maquiavel, a Política e o Estado Moderno. Trad. Luiz Mário
Gazzaneo. 2. 3d., Rio de Janeiro, Civilização.
HELLER, A. (1989). O Cotidiano e a História. Trad. C. N. Coutinho e L. Konder. 3.
ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,.
SODRÉ, Nelson Werneck. (1977).História da Imprensa no Brasil, 2a. ed., Rio, Graal.
Periódicos:
Made in JAPAN, volumes 1-131, setembro de 1997 a agosto de 2008, revista mensal,
J.B.Communication, São Paulo.
Site:
http://www.japanbrazil.com
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Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3368
Um programa curricular de Língua
Portuguesa equilibrado
Ikunori Sumida1
Ponto de Situação
Após a abertura ao exterior preconizada com a Restauração Meiji
em 1868, os japoneses tentaram traduzir os conhecimentos acadêmicos
de outros países estrangeiros por duas vias: por um lado convidando
professores europeus para lecionarem nas escolas e nas universidades
japonesas; por outro, estudando as línguas estrangeiras para, através delas,
conhecer a estrutura política e administração desses países, sua cultura e
seus conhecimentos científicos e tecnológicos. No entanto, não houve na
altura convite para algum acadêmico português ou brasileiro participar
neste processo. Conseqüentemente não se estudava a língua portuguesa,
nem a cultura e História do Brasil e de Portugal nas universidades
1 Departamento de Estudos Luso-Brasileiros. Universidade de Estudos Estrangeiros deQuioto.
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3369
70
Ikunori SUMIDA
japonesas. O desconhecimento da língua portuguesa gerou os primeiros
problemas quando da chegada dos primeiros imigrantes japoneses ao
Brasil em 1908, pois alguns intérpretes japoneses que os acompanharam
só falavam espanhol.
Foi preciso esperar meio século desde reabertura do Japão (mais
precisamente, até 1918), quando o Prof. João Abranches Pinto veio de
Portugal para a Universidade de Estudos Estrangeiros de Tóquio lecionar
português. Contudo, só nos finais da década de 50 e durante os anos 60,
outras universidades introduziram também a língua portuguesa nos
currículos acadêmicos. No caso do Departamento de Estudos Luso-
Brasileiros (DELB) da Universidade de Estudos Estrangeiros de Quioto
(UEEQ), foi fundado na seqüência da visita do falecido Presidente do
Brasil, General Costa e Silva, em Janeiro de 1967. A sua criação ocorreu
numa época de intensa internacionalização do Japão, iniciada com as
Olimpíadas de Tóquio em 1964 (em 1968 a Varig inaugurava sua
primeira ligação direta com o Japão). Em 1971 teve início o Curso de
Mestrado em Estudos Luso-Brasileiros.
Depois de várias décadas ligado ao ensino da língua portuguesa
no Japão, considero que entre os principais objetivos que levam milhares
de japoneses a estudar esta língua se podem considerar:
1. Língua portuguesa como instrumento de comunicação: quer para a
simples comunicação com brasileiros e portugueses, quer para ingressar
no mercado de trabalho (empresas japonesas no Brasil, etc)
2. Area studies sobre América Latina: ser um brasilianista ou
latinoamericanista (nos quais eu me incluo)
3. Adquirir um diploma universitário e/ou conhecimentos intelectuais: da
mesma maneira que nem todos os formados na Faculdade de Direito
serão advogados, muitos estudantes formados pelo DELB realizam
atividades profissionais sem qualquer relação com a língua portuguesa.
Atualmente, e num contexto específico onde avulta a realidade de
cerca de 300.000 luso-falantes japoneses (resultado do fenômeno da
intensa emigração japonesa no Brasil), existem atualmente cinco
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3370
71
Um programa curricular de Língua Portuguesa equilibrado
universidades que conferem licenciaturas em língua portuguesa através
de um departamento autônomo: Universidade de Estudos Estrangeiros
de Quioto, Universidade de Osaca, Universidade de Estudos
Estrangeiros de Tóquio, Universidade de Tenri e Universidade Sofia.
Outras dezenove instituições de ensino superior ensinam o português
como segunda língua estrangeira ou disciplina de opção, comportando
na totalidade quase 2.000 estudantes de português. Tais universidades
estão dispersas por todo o território japonês.
Em maio de 2008, o DELB contava com 17 docentes e 272
alunos na faculdade, 3 alunos Curso Mestrado e 3 alunos no Curso de
Doutoramento. Os alunos apresentam a seguinte distribuição:
Primeiro ano: 67 (m. 35, f. 32);
Segundo ano: 70 (m. 42, f. 28);
Terceiro ano: 81 (m. 33, f. 48);
Quarto ano: 54 (m. 22, f. 28).
Desde que os primeiros alunos do DELB obtiveram a sua
graduação, um grande de estudantes aqui receberam obtiveram os seus
diplomas:
Em 1971: 40 (m. 36, f. 4); em 1972: 53 (m. 51, f. 2); em 1973: 33
(m.30, f.3) e mestrado 1; em 1974: 38 (m.31, f.7) e mestrado 1; em
1975: 38 (m.31, f. 7) e mestrado 2; em 1976: 62 (m.43, f.19); em
1977: 81 (m.63, f. 18) e mestrado 3; em 1978: 78 (m. 54, f.24); em
1979: 82 (m.51, f.31) e mestrado 1; em 1980: 95 (m.68, f. 27) e
mestrado 1; em 1981: 66 (m. 47, f. 19) e mestrado 1; em 1982: 94 (m.
57, f. 37) e mestrado 2; em 1983: 66 (m. 45, f. 21) e mestrado 1; em
1984: 88 (m. 59, f. 29) e mestrado 2; em 1985: 68 (m. 57, f. 11) e
mestrado 4; em 1986: 74 (m. 51, f. 23) e mestrado 1; em 1987: 70 (m.
47, f. 23); em 1988: 78 (m. 43, f. 35) e mestrado 1; em 1989: 77 (m.
47, f. 30) e mestrado 1; em 1990: 74 (m. 43, f. 31) e mestrado 3; em
1991: 92 (m. 33, f. 58) e mestrado 2; em 1992: 67 (m. 38, f. 29) e
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3671
72
Ikunori SUMIDA
mestrado 1; em 1993: 70 (m. 38, f. 32) e mestrado 1; em 1994: 62 (m.
27, f. 35); em 1995: 67 (m. 28, f. 39) e mestrado 2; em 1996: 59
(m.22, f. 37) e mestrado 1; em 1997: 66 (m. 31, f. 35); em 1998: 79
(m. 37, f. 42); em 1999: 53 (m. 17, f. 36) e mestrado 2; em 2000: 52
(m. 19, f. 33) e mestrado 2; em 2001: 54 (m. 10, f. 44) e mestrado 2;
em 2002: 77 (m. 29, f. 48) e mestrado 2; em 2003: 53 (m. 19, f. 34)
e mestrado 1; em 2004: 56 (m. 19, f. 37); em 2005: 67 (m. 34, f. 33)
mestrado 1; em 2006: 67; em 2007: 66.
O Programa Curricular do DELB
Durante a década de 90, começou sendo planeado pela
Universidade de Estudos Estrangeiros de Quioto (UEEQ) um novo
programa curricular para o Departamento de Estudos Luso-Brasileiros.
Para esta reformulação, cujo programa está em prática desde 2006, um
dos cuidados principais foi a procura de um equilíbrio na preparação dos
discentes na sua competência linguística quer em Português Brasileiro
(PB) quer em Português Europeu (PE), sem esquecer a língua
portuguesa na África e Ásia.
Em relação ao PB, a necessidade de formar japoneses para integrar
uma sociedade onde vivem mais de 300 mil cidadãos brasileiros (na sua
maioria descendentes de japoneses) responsabiliza este departamento
na preparação para saídas profissionais da licenciatura em língua
portuguesa. No âmbito do PE, o programa das disciplinas teve o cuidado
de seguir os princípios orientadores do Quadro Europeu Comum de
Referência para as Línguas.
De um modo geral, o objetivo principal do currículo do primeiro
ano é aprender o português prático e a cultura dos países lusófonos. Para
quase todos os alunos, é a primeira vez que aprendem uma língua
estrangeira que não o inglês, pois a única língua estrangeira ensinada nas
escolas públicas de ensino pré-universitário é o inglês. Todas as noções
básicas de Fonética, Morfologia e Sintaxe têm de ser adquiridas logo no
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73
Um programa curricular de Língua Portuguesa equilibrado
primeiro ano. A partir do segundo ano, os alunos do DELB estudam
não só Lingüística e Literatura, mas também temas atuais dos países
lusófonos, como Política, Economia e História. Nos cursos de
Conversação, de Compreensão Audiovisual e de Leitura de Textos em
Língua Portuguesa os alunos podem optar por docentes brasileiros ou
portugueses, de acordo com seus respectivos interesses. Com o novo
programa curricular de 2006, os alunos passaram também a contar com
o apoio das novas tecnologias em aulas de laboratório. Este projeto,
denominado CALL (Computer Assisted Language Learning) já está
integrado em todos os Departamentos da UEEQ e contou com o apoio
do Ministério da Educação do Japão.
O novo programa foi aplicado gradualmente para todos os alunos
que ingressaram no DELB desde 2006. No ano acadêmico 2008/09
todos os alunos do DELB estarão integrados no novo currículo que tem
a seguinte configuração:
Primeiro ano:
Matérias obrigatórias do DELB
Português Básico Prático I
CALL (Aprendizagem de Línguas Assistida pelo Computador)
Português I
Introdução à Conversação em Português
Leitura de Textos em Português I
Redação em Português I
Introdução à Cultura dos Países Lusófonos
Introdução à Sociedade dos Países Lusófonos
Introdução a Língua dos Países Lusófonos
Introdução à Literatura dos Países Lusófonos
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Ikunori SUMIDA
Segundo ano:
Matérias obrigatórias do DELB:
Português Básico Prático II
CALL (Aprendizagem de Línguas Assistida pelo Computador)
Português II
Conversação em Português de Nível Intermediário
Leitura de Textos em Português II
Redação em Português II
Matérias de pesquisa das especialidades:
Estudos de Temas Brasileiros Contemporâneos
Estudos de Temas Portugueses Contemporâneos
Estudos de Temas Brasileiros e Latino-americanos Contemporâneos
Terceiro ano:
Matérias obrigatórias do DELB:
Português Básico Prático III
CALL (Aprendizagem de Línguas Assistida pelo Computador)
Português III
Conversação em Português de Nível Superior
Leitura de Textos em Português III
Redação em Português III
Seminário Preliminar: Língua Portuguesa
Seminário Preliminar: Literatura dos Países Lusófonos
Seminário Preliminar: História e Cultura dos Países Lusófonos
Quarto ano:
Matérias obrigatórias do DELB:
Português Básico Prático IV
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3674
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Um programa curricular de Língua Portuguesa equilibrado
CALL (Aprendizagem de Línguas Assistida pelo Computador)
Português IV
Conversação em Português de Nível Superior
Leitura de Textos em Português IV
Redação em Português IV
Seminário: Língua Portuguesa
Seminário: Literatura dos Países Lusófonos
Seminário: História e Cultura dos Países Lusófonos
A estas disciplinas do DELB, todos os alunos têm outrasmatérias comuns a todos os Departamentos da UEEQ e umasegunda língua de opção.
Convênios
A partir de 1973, o intercâmbio acadêmico com a Universidade
Federal Fluminese foi intensificado com o estabelecimento de um convênio.
Mais tarde, com a Universidade de Brasília (UnB), a Universidade de
Coimbra e a Universidade de São Paulo (USP) foram assinados novos
convênios acadêmicos. No âmbito destes acordos, todos os anos cerca de
40 alunos do DELB prosseguem estudos mensais ou anuais em países
lusófonos.
1973 Universidade Federal Fluminense (UFF)
1985 Universidade de Brasília (UnB)
1992 Universidade de Coimbra (UC)
1996 Universidade de São Paulo (USP)
2007 Universidade de Macau (UM)
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76
Ikunori SUMIDA
Eventos
Concurso de Eloquência de Língua Portuguesa para osEstudantes Universitários Japoneses
A UEEQ organiza todos os anos o Concurso de Eloquência
de Língua Portuguesa para os Estudantes Universitários Japoneses.
É o único concurso de oratória em português em todo o Japão. Teve
início em 1983 com o apoio de várias entidades como a Embaixada
de Portugal em Tóquio, os Consulados Honorários de Portugal e a
Embaixada do Brasil no Japão. Posteriormente, começou a contar
também com a cooperação de organismos como o Instituto Camões e
a Universidade de Macau. Com o decorrer dos anos, este concurso
tem melhorado tanto em nível com em número de participantes. O
seu valor é consensualmente reconhecido dentro e fora da UEEQ,
pelo fato de desempenhar um importante papel na divulgação e na
promoção da língua portuguesa e da cultura lusófona. Aos quatro
primeiros vencedores são atribuídas quatro bolsas de estudo anuais,
duas na Universidade de Coimbra e duas na Universidade de Macau.
Certificação da Língua Portuguesa
Desde o ano 2000, o DELB funciona como Centro de Exames
do Centro de Avaliação de Português Língua Estrangeira (CAPLE),
sediado na Universidade de Lisboa. Todos os anos, dezenas de candidatos
de todo o Japão deslocam-se à UEEQ para a realização destes exames.
Também se realizam todos os anos os exames de proficiência patrocinados
pelo Governo brasileiro e organizados pela Universidade de Brasília,
Celpe-Bras.
Conclusão
Um dos aspectos mais atraentes do DELB é a possibilidade de
se conhecer o mundo lusófono através de estudos no estrangeiro,
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3676
77
Um programa curricular de Língua Portuguesa equilibrado
consagrando assim um esforço de aproximação ao resto do mundo por
intermédio da língua portuguesa. Estes estudos abrangem um vasto
território, pois incluem todo o mundo lusófono. Esta área, que se estende
aos quatro continentes, envolve Portugal, o Brasil, os países africanos de
língua oficial portuguesa (PALOP) e ainda Timor-Leste. Há várias
décadas que os professores do DELB vêm fazendo um esforço na
publicação de vários artigos sobre Linguística, Literatura e História do
mundo lusófono em periódicos acadêmicos japoneses, tais como Kenkyu
Ronso (UEEQ), Cosmica (UEEQ) ou os Anais da Associação
Japonesa de Estudos Luso-Brasileiros (AJELB), só para citar alguns
exemplos.
Referência
Bem vindos à página do DELB: 0http://www.kufs.ac.jp/Brazil/delb/index.html
DELB On Line: http://www.kufs.ac.jp/Brazil/index.html
Kyoto University of Foreign Studies: http://www.kufs.ac.jp/kufs_new/index.html
Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas: http://sitio.dgidc.min-edu.pt/
linguas_estrangeiras/Paginas/QECR.aspx
CELPE-Bras: http://www.mec.gov.br/CELPEBRAS
CAPLE: http://www.fl.ul.pt/unidades/centros/caple/index.htm
Globo internacional.
Folha de São Paulo.
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Portufone: as novas tecnologias nadidáctica do português
língua estrangeira1
Pedro Aires / Shiro Iyanaga / Eriko Muramatsu2
Introdução
Em 2003, um projecto-piloto da Universidade de Estudos
Estrangeiros de Quioto (UEEQ), apoiado financeiramente pelo
Ministério da Educação japonês, propôs a utilização das novas tecnologias
no ensino de línguas estrangeiras. No mesmo ano, tinha início o chamado
“Ensino Bilingue Simultâneo” (inglês/francês), posteriormente estendido
ao espanhol, alemão, chinês, português e italiano. O novo grupo disciplinar
criado passou a ter a denominação de CALL: Computer Assisted
Language Learning.
1 Descrição da apresentação realizada no Simpósio 25: A Língua Portuguesa no Japão, por
ocasião do SIMELP I (Primeiro Simpósio Mundial de Estudos da Língua Portuguesa),
que decorreu em São Paulo (Brasil) entre os dias 1 e 5 de Setembro de 2008.2 Departamento de Estudos Luso-Brasileiros Universidade de Estudos Estrangeiros de
Quioto.
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3679
80
Pedro AIRES / Shiro IYANAGA / Eriko MURAMATSU
Foi neste contexto, e aproveitando a reforma curricular do
Departamento de Estudos Luso-Brasileiros (DELB), que em 2006
também foram criadas as disciplinas de “CALL – Português”, integradas
nos estudos do primeiro, segundo e terceiro ano da licenciatura em Estudos
Luso-Brasileiros.
Para o primeiro ano da disciplina CALL (CALL – Português
I), pensou-se na importância do contacto inicial com a Fonética da língua
portuguesa, nomeadamente na aquisição de fonemas e na apresentação
das principais variantes do português.
Foi para responder a este desafio proposto pelo programa curricular
da disciplina “CALL – Português I” que os professores Shiro Iyanaga
(UEEQ) e Eriko Muramatsu (UEEQ) desenvolveram o manual
“Portufone”, tendo na ocasião contado com a colaboração de Gabriel
Araújo (USP) e Pedro Aires (UEEQ) para a gravação de sons de
Português Brasileiro (PB) e Português Europeu (PE), respectivamente.
Especialmente vocacionado para falantes nativos de japonês, “Portufone”
teria também de ter em conta as especificidades da estrutura fonológica
desta língua não indo-europeia.
Assim, os autores elaboraram um manual em formato de programa
informático, que apresentasse as principais noções de Fonética e Fonologia
de um ponto de vista contrastivo entre duas variantes da língua portuguesa:
Português Europeu (PE) e Português Brasileiro (PB). Um inquérito
realizado junto de 55 dos 64 alunos do primeiro ano, em Maio de 2008,
revelou que queriam aprender estas duas variantes do português.3
3 15 alunos afirmaram preferir o PB (27% da turma) e 18 o PE (33%); 21 alunos
responderam que queriam dominar ambas as variantes (38%) e apenas 1 aluno respondeu
por outra variante da língua portuguesa.
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3680
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Portufone: as novas tecnologias na didáctica do português...
Sala de CALL, com alunos do primeiro ano do Curso de Estudos
Portugueses a utilizar o Portufone.
Desafios para “Portufone”
Para se perceber os desafios a que o Portufone pretende responder,
teria de ser realizada uma comparação exaustiva entre a língua japonesa,
PE e PB. Em seguida, apresentam-se dois exemplos de interferência da
língua japonesa na aprendizagem do português como L2, problemas
esses em que o “Portufone” tenta ajudar os alunos através da explicação
da articulação dos sons (ficheiro PDF), acompanhado de demonstração
com falantes nativos (PE e PB) e exercícios de sistematização. Este
método só se tornou possível graças à disciplina CALL, com instalações
adequadas ao uso das novas tecnologias no ensino de L2.
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3681
82
Pedro AIRES / Shiro IYANAGA / Eriko MURAMATSU
Exemplo 1
Um caso interessante é a distribuição complementar do fonema /
h/ em japonês, o que provoca alguma confusão quando os alunos tentam
pronunciar o /x/ de PB4:
? ?? ?? ? ?? ?? [ ? ?? ? ?? ?? ? ?? ??
[ h ] ◯ ◯ ◯
[ ç ] ◯
/h/
? ?Φ?? ◯
Se o falante japonês entender que o “r inicial” do PB pode ser
substituído por /h/, a sua solução natural resultará numa interferência
complicada que prejudica profundamente o sistema fonológico do PB,
dificultando a comunicação. Exemplos típicos desta interferência são
representados no seguinte quadro:
5 Os autores do presente artigo referem como “PJ” a articulação da língua portuguesa com
interferência do japonês. O círculo (ï%) significa uma combinação possível.
Note-se ainda que o [f] se utiliza muito naturalmente para substituir
o /f/ do português. Assim, duas palavras distintas em português, por
exemplo ruga /xuga / e fuga /fuga /, acabariam por ser pronunciadas da
mesma maneira: [fuga]. Igualmente registe-se um facto importante de
que, na grande área central do Japão, incluindo a capital Tóquio,
confunde-se o fonema japonês /si/ [Si] e hi [çi] , resultando eventualmente
PB rato ‚ xatu ‚ rio ‚ xiu ‚ rua ‚ xua ‚ reto ‚ xEtu ‚ rota ‚ xçta ‚
«PJ» [hatu] [çiu] [ Öua] [hEtu] [ hota]
. . . . . . . . . .
. . . . .
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 10:4882
83
Portufone: as novas tecnologias na didáctica do português...
em uma pronúncia [Siu ] nos falantes japoneses oriundos desta área para
a palavra «rio / hiu/» do PB. Nesta conformidade, torna-se importante
para os docentes ter conhecimento deste problemas para ajudar numa
correcta aquisição dos fonemas da língua portuguesa.
Exemplo 2
Outro caso de interferência está relacionado com a distribuição
complementar do /s/ em japonês. Apesar da língua inglesa ser ensinada
no ensino pré-universitário, os falantes japoneses têm uma grande
dificuldade com a articulação de /si/:
Deste modo, no sistema fonológico japonês, o ponto de articulação
da sibilante muda /S/ encontra-se estreitamente ligado à vogal /i/ que se
segue imediatamente posterior a esta. Assim torna-se muito difícil para o
principiante japonês combinar a consoante sibilante [s] com a vogal /i/.
Os exemplos típicos que se verificam devido a este tipo da intervenção
encontram-se no seguinte quadro.
PB cinco / sĩku / acima / a sima / cidade / si dadʒi / «PJ» [ ʃĩku] [ a ʃima ] [ʃi daʒi]
Outros exemplos poderiam ser referidos, tal como a necessidade
de os falantes japoneses terem de separar as suas vogais /A/ em [�]/[a];
/E/ em [e]/[E] e /O/ em [o]/[ç], o que é assaz difícil, ou ainda o facto de
as vogais de PE [Æ] e [�] não existirem na língua japonesa, para além da
necessidade de saber distinguir os dois fonemas de PE [Æ] e [u], que são
percebidos como /u/ pelos falantes japoneses.
��� ��� [ �� ��� ���
[ s ] ◯ ◯ ◯ ◯ / s / [ ʃ ] ◯
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 10:0683
84
Pedro AIRES / Shiro IYANAGA / Eriko MURAMATSU
Em suma, a aplicação dos elementos existentes no repertório da
L1 a um sistema linguístico estranho pode causar grande dificuldade na
aquisição dos fonemas da L2. Estes são alguns casos de interferência
que foram tidos em consideração na produção do “Portufone”.
Portufone – O Manual
Juntamente com a bibliografia da disciplina CALL – Português
I, os alunos adquirem um CD-Rom que permite o acesso ao manual
“Portufone”, embora a sua informação esteja alojada num servidor. O
programa informático em si é muito “leve”: apenas 20 Mb de informação,
com mais de 1400 sons em flash e um manual texto em ficheiro PDF
(77 páginas com a explicação de todas as lições; o texto permite ampliação
até 6400%, para que os alunos possam ver com clareza o recém-aprendido
Alfabeto Fonético Internacional). Caso não ocorram problemas na rede
ou no servidor, qualquer computador com uma configuração média de
processador e memória pode executar este software sem qualquer
problema. A própria localização num servidor torna possível correcções
de pequenas gralhas ou acrescentos ao manual, para além de permitir o
acesso em qualquer computador com ligação à internet.
Os autores dividiram o conteúdo do “Portufone” em 23 lições,
complementado com 10 exercícios relativos às lições do manual:
1. Ortografia e pronúncia
2. Vogais
3. Acentos
4. Vogais anteriores e centrais
5. Vogais posteriores
6. Pronúncias de I/i e E/e
7. Pronúncias de 2. A/a, O/o e U/u
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3884
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Portufone: as novas tecnologias na didáctica do português...
8. Ditongos
9. Hiatos
10. Vogais nasais
11. Ditongos nasais – 1
12. Ditongos nasais – 2
13. Interferência do japonês – Vogais
14. Consoantes e suas articulações
15. Oclusivas
16. Fricativas – 1
17. Fricativas – 2
18. Interferência do japonês - Consoantes
19. Aproximantes
20. Pronúncias do «r»
21. Consoantes nasais
22. Alguns casos de assimilação
23. Entoação
Exemplo 1
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3885
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Pedro AIRES / Shiro IYANAGA / Eriko MURAMATSU
Exemplo da lição 8, com uma descrição da glide /j/ em alguns ditongos
de PE (esquerda) e PB (direita). Para além da descrição do ditongo
com o Alfabeto Fonético Internacional, os botões do lado direito de cada
exemplo reproduzem a respectiva palavra por falantes nativos.
Exemplo 2
A lição 18 pretende ajudar os alunos a superar a interferência dos fonemas
/h/ e /s/ da língua japonesa:
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Portufone: as novas tecnologias na didáctica do português...
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Pedro AIRES / Shiro IYANAGA / Eriko MURAMATSU
Exemplo 3
O exercício 4 testa os alunos para o conteúdo da lição 10 (vogais na-
sais). Ao premir no botão, os alunos ouvem a pronúncia da palavra (em
PE e PB), tendo de seguida de identificar a correcta descrição em Alfa-
beto Fonético Internacional.
Papel do professor
Numa sala de aula em que o computador parece ocupar o lugar
central, poderíamos questionarmo-nos acerca do papel do professor numa
aula de CALL, em que o manual de estudo é o programa “Portufone”.
Apesar de se reconhecer a importância das novas tecnologias no ensino
de L2, neste caso o português, a disciplina de CALL – Português I
requer a participação activa de um docente na orientação da aquisição de
fonemas, bem como na prática e aperfeiçoamento da pronúncia. É preciso
também não menosprezar a importância do contacto humano da relação
professor/aluno na orientação do ensino de L2, no esclarecimento de
dúvidas e orientação dos alunos no uso deste programa informático.
Gabriel Antunes.pmd 03-nov-2008, 09:3888
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Portufone: as novas tecnologias na didáctica do português...
Para que os objectivos de CALL – Português I sejam atingidos,
é fundamental que o docente desta disciplina domine a Fonologia de
ambas as línguas: português e japonês, assim como seja possuidor de
uma capacidade analítica de uma perspectiva contrastiva, visto que há
vários aspectos da língua japonesa que influenciam a aquisição do
português como L2.
Projectos futuros
“Portufone” foi utilizado pela primeira vez na aula de CALL –
Português I durante o ano lectivo 2007/08, no que se pode considerar
um período experimental. Os seus autores pretendem agora realizar uma
reformulação completa do portal de acesso e trabalham no sentido de
encontrar um método que permita a criação automática de contas de
acesso, pois durante o período experimental a sua atribuição era manual.
Tal poderá ficar concluído a tempo de ser parte integrante do previsto
“Portufone – Edição 2009”, complementado com uma nova edição de
exercícios.
Referência bibliográfica
Delgado-Martins, Maria Raquel (1988). Ouvir Falar. Introdução à Fonética do Português.
Lisboa: Editorial Caminho.
International Phonetic Association (1999). Handbook of the International Phonetic
Association. Cambridge: Cambridge University Press.
Iyanaga, Shiro (2005). Manual de Pronúncia do Português. Tóquio: Daigaku-Shorin.
Koizumi, Tamotsu (2003). An Introduction to Phonetics. Tóquio: Daigaku-Shorin.
Mateus, Maria Helena Mira et al. (2003). Gramática da Língua Portuguesa. Lisboa:
Editorial Caminho.
Mateus, Maria Helena and d’Andrade Ernesto (2002): The Phonology of Portuguese.
Oxford : Oxford University Press.
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Pedro AIRES / Shiro IYANAGA / Eriko MURAMATSU
Silva, Thaïs Cristófaro (1999). Fonética e Fonologia do Português. São Paulo: Editora
Contexto.
Ladefoged, P. (2001). A course in phonetics. 4th.ed. USA: Heinle & Heinle.
Ladefoged, P. (2001). Vowels and consonants. Oxford: Blackwell.
Ladefoged, P. (2003). Phonetic data analysis. Oxford: Blackwell.
Ladefoged, P., & Maddieson, I. (1996). Sounds of world’s languages. Oxford:Blackwell.
Teyssier, P. (1976). Manuel de langue portugaise. Paris: Klincksieck.
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Portufone: as novas tecnologias na didáctica do português...
Mancha 10,5 x 19 cm
Formato 14 x 21 cm
Tipologia Chelternhm Bt 12 e Poor Richard 26
Papel miolo: off-set 75 g/m2
capa: cartão supremo 250 g/m2
Impressão e acabamento VIDA E CONSCIÊNCIA
Número de páginas 92
Tiragem 1.000 exemplares
Ficha técnica
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