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A RACIONALIDADE NA EXPLICAÇÃO DARWINIANA DA ORIGEM DAS ESPÉCIES HALINA MACEDO LEAL Universidade Federal de Santa Catarina ANNA CAROLNA KREBS PEREIRA REGNER Universidade Federal do Rio Grande do Sul/CNPq ABSTRACT The Origin of Spectes by Charles Darwin is a landmark in the history of Biology It laid down the foundattons for the modern theory of evolution and influenced several areas of the Natural History as well as other fields of inquiry The Origin of Species brings In the theory according to which Natural Selectton has been the most importam means, although not the only one, of mokication and production of new species In N ature The novelty of Darwin's way of ctrguing in exposing and de fending his theory can be seen in the methods, and explanatory patterns and strategtes he creates and makes use of in the Origin of Spectes These tomes bear on those that have been fundamen- tal to the Philosophy and History of Science, lace the ones re- lated to the role of theory and method, the ways of generattng and applying concepts, and the patterns of explanatton In sei ence These questtons, in turn, lead us te, thtnk about the con- cept that is in the background of ali dtscusstons on sctence — the concept of scienttfic rattonality Usually, it is understood in terms of a cognitive faculty, an attitude, or a value This way of understandtng rattonality recetves a richer treatment ui Dar- wtn's work, pointing to a network of multiple and tnteractive meanings ° Principia, 3 (2) (1999), pp 213-56 Pubhshed by Editora da UFSC and NEL - Epistemology and Logic Research Group, Federal University of Santa Catanna (UFSC), Branl

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A RACIONALIDADE NA EXPLICAÇÃODARWINIANA DA ORIGEM DAS ESPÉCIES

HALINA MACEDO LEALUniversidade Federal de Santa Catarina

ANNA CAROLNA KREBS PEREIRA REGNERUniversidade Federal do Rio Grande do Sul/CNPq

ABSTRACT

The Origin of Spectes by Charles Darwin is a landmark in thehistory of Biology It laid down the foundattons for the moderntheory of evolution and influenced several areas of the NaturalHistory as well as other fields of inquiry The Origin of Speciesbrings In the theory according to which Natural Selectton hasbeen the most importam means, although not the only one, ofmokication and production of new species In N ature

The novelty of Darwin's way of ctrguing in exposing and defending his theory can be seen in the methods, and explanatorypatterns and strategtes he creates and makes use of in the Originof Spectes These tomes bear on those that have been fundamen-tal to the Philosophy and History of Science, lace the ones re-lated to the role of theory and method, the ways of generattngand applying concepts, and the patterns of explanatton In seience These questtons, in turn, lead us te, thtnk about the con-cept that is in the background of ali dtscusstons on sctence — theconcept of scienttfic rattonality Usually, it is understood interms of a cognitive faculty, an attitude, or a value This way ofunderstandtng rattonality recetves a richer treatment ui Dar-wtn's work, pointing to a network of multiple and tnteractivemeanings

° Principia, 3 (2) (1999), pp 213-56 Pubhshed by Editora da UFSC and NEL -Epistemology and Logic Research Group, Federal University of Santa Catanna(UFSC), Branl

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1 Introdução

No decorrer da Origem das Especies i Darwin desenvolveuma argumentação a favor da teoria que afirma ser a sele-ção natural o principal, embora não clusivo, meio de mo-dificação em função do qual novas especies são produzidasna Natureza O autor procura explicar como ocorre a pro-dução de novas formas organicas a partir de formas anterio-res, ou seja, como espectes originam-se de outras especiesDarwm, apresenta, assim, diferentes versões dessa proble-matica, mostrando a seleção natural sob diferentes enfoquesque explicam como (1) ocorrem as adaptações de uma partedo organismo a outra, de um ser orgânico a outro, (2) asvariedades (espectes nascentes) se transformam em especiesverdadeiras e distintas (as quais, na maioria dos casos, dife-rem efetivamente multo mais entre si que as variedades deuma mesma especie), (3) fotmam-se grupos de especies queconstituem o que se denomina gêneros distintos (que dife-rem mais uns dos outros que as especies do mesmo gênero)

A questão da "racionalidade" nas explicações cientificasencontra-se, como e de se esperar, necessariamente vincula-da a dos procedimentos e estrategias que constituem a tare-fa explicativa da ciência Nesse sentido, ao buscar determi-nar em que consiste a "racionalidade" na explicação darwi-mana, nosso primeiro passo sera examina-la a luz de 2 A"racionalidade" dos padrões explicativos da Origem das Es-pecteç, a partir de um exame da estrutura geral da Origemdas Espeaes, dos fundamentos da teoria darwmiana, dosconceitos darwinianos de "causa" e de "explicação," bemcomo dos padrões explicativos apiesentados por Darwin emsua obra mestra A seguir, em 3 A "racionalidade" a partirdos usos e significados de "razão" e/ou cognatos na Origemdas Especies, a "racionalidade" depreendida do esforço expli-cativo darwiniano e examinada atraves dos varios significa-

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dos que esse conceito exibe, tal como referido e usado aolongo do texto Por fim, em 4 A "racionalidade darwinia-na" da Origem das Especies, sera visto como, nos dois niveisde analise anteriores, encontra-se a "novidade" da raciona-lidade darwiniana, num conceito de "racional-idade Interati-va 5)

No que se refere ao primeiro momento, sera destacada aestrutura recorrente da argumentação darwiniana, no duplosentido de (1) exibir, no argumento geral que estabelece oPrincipio de Seleção Natural como o mecanismo pelo qualnovas especies são produzidas na nattgeza, uma mutua de-pendência entre premissas e conclusão, e de (2) expor asdiferentes etapas argumentativas atraves de sucessivas pro-jeções e retomadas, que fogem a linearidade argumentativahabitual das estruturas dedutivas A estrutura em questão(2 1) remete a um novo tipo de racionalidade explicativa, aser detectada tanto no exame dos fundamentos da teoria(2 2), de sua estrutura conceituai basica, incluindo não so osconceitos especificos a teoria, como as multiplas acepções de"causa" (2 3) e de "explicação" de que se vale Darwin naarticulação de sua moldura logico-conceitual e que tomacorpo num elenco diversificado de procedimentos explicati-vos (2 4) Chamaremos essa racionalidade de "interativa,"como tal operando tanto em nivel definitorio quanto nodos procedimentos cognitivos que atuam na estruturaçãodo argumento ao longo da obra Essa racionalidade traba-lha com os termos de que dispõe de modo a defini-los mu-tuamente, agindo a definição de um termo na compreensãoda definição de outro, e articula as relações entre os diferen-tes conceitos e contextos argumentativos do "um longo ar-gumento" da Origem das Especies numa peculiar relaçãotodo-partes, que as integra entre si e em relação ao todo, demodo comparativo, recorrente e projetivo, num gradualavanço de inteligibilidade

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No que se refere ao segundo momento, a busca e analisede "razão" e cognatos no texto darwiniano revela, inicial-mente, os sentidos usuais de razão como "faculdade" (3 1) ede "produto" (3 2) do exercido dessa faculdade, provendo"fundamento para crenças" (3 3) De um exame mais cuida-doso, porem, emerge uma "racionalidade" com multiplos einovadores aspectos, em que os significados habituais nãopodem ser considerados independentemente das suas rela-ções uns com os outros, apesar das diferentes enfases quepossam ocorrer nos diferentes contextos especifico do textodarwiniano Essa "racionalidade" fundamenta tanto cren-ças, suposições e hipoteses, quanto duvidas a respeito des-sas, sendo, por sua vez, fundamentada por diferentes ele-mentos, tais como evidências fatuais (cadeia de fatos), auto-ridade cientifica, consenso da comunidade cientifica e prin-apios gerais do pensamento Em sua dupla condição, de seraquilo que fundamenta e que e passivel de fundamentação,a "racionalidade darwiniana" provê um elenco de razões quefoge as visões tradicionais Essa novidade e integração designificados aflora de modo especial no conceito de razãocomo "explicação" (3 4), com seus mulnplos aspectos intera-gindo em diferentes planos explicativos e nives de objetosde investigação e conhecimento

A novidade da "racionalidade darwiniana" examinadanos momentos anteriores (2 e 3), nos levara, em 4, a desta-car seu carater não-linear, permitindo definir relações dotipo todo-partes de uma maneira peculiar, com a determi-nação do significado do todo pelas partes e das partes a par-tir do todo, constituindo um conhecimento que e adquiridoe progride não por força de sua acumulação atraves da apli-cação de um metodo uma) para varias contextos cogniti-vos, mas pela flexibilidade dos padrões explicativos a queessa radonalidade da lugar, atenta a necessana contextuah-zação de seus objetivos, procedimentos e alcances teoncos

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A Raconalidade na Explica çao Darwunana 217

2 A "racionalidade" dos padrões explicativos daOrigem das Espécies

2 1 Estrutura geral da obra

Analisando-se a ai gumentação darwmiana a favor da sele-ção natural como sendo o mecanismo atraves do qual se daa descendência com modificação e, assim, a evolução, e pos-sivel depreender um procedimento cognitivo recorrente,presente de maneira frequente na Origem das Especies Talprocedimento permite entender a estrutura da obra, nãocomo linear, sucedendo-se por etapas independentes entresi, mas como exigindo um caminho de ida e vinda e de in-teração entre os varios contextos explicativos

Na sua argumentação, o autor considera alguns pnnapi-os que sei vem de premissas das quais a seleção natural etirada como conclusão Tais principios são o principio mal-thusiano (mais individuos nascem do que podem sobrevi-ver), o principio da luta pela existência (os mdividuos lutampelas condições de vida), 2 o principio da variação (os indivi-duos variam), o principio da variação em aptidão (os indi-vtduos não apenas variam, mas as diferenças em variaçãodeixam alguns mais aptos que os outros) e o principio dahereditariedade (as variações são transmitidas aos descen-dentes)

Nesse primeiro momento, e possivel afirmar que Dar=desenvolve uma argumentação dedutiva, na medida emque, se as premissas forem verdadeiras, a conclusão tambemo sera, mas não no sentido de independencia conceituaientre premissas e entre premissas e conclusão 3 Pois o con-ceito de luta pela existencia, como afirma o proprio Dar=no terceiro capitulo da Origem das Espectes, e usado numsentido amplo Nesses termos, o principio da luta pela exis-

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tênaa inclui, abriga no seu significado, o principio de varia-ção, o principio de variação em aptidão, o principio mal-thusiano e mesmo o principio de hereditariedade Pois aluta pela existencia e um quadro que envolve amplas rela-ções de dependência e nessas relações entram as questões donascimento de um numero de mdividuos maior do que onumero dos que podem sobreviver (principio malthusiano),da variação, da variação em aptidão e da descendência,conforme pode ser visto na definição apresentada por Da-rwm na Origem das Espectes (Dar= 1993, p 90)

Há uma relação de dependência entre as premissas, namedida em que ate mesmo o principio malthusiano, paraser premissa do argumento, tem que ganhar um sentidodarwiniano, um sentido voltado para a luta pela existência,a partir da qual novas e aperfeiçoadas formas são produzi-das E possivel, então, afirmar que, ao mesmo tempo emque a luta pela existência e constituida por relações queincluem variação, variação em aptidão, as questões envolvi-das no principio malthusiano e hereditariedade, a variação,a variação em aptidão e o principio malthusiano adquiremsua significação propna no contexto darwiniano O princi-pio de hereditariedade, embora tenha uma formulação quenão dependa dos outros, desempenha seu papel no argu-mento como parte integrante desse amplo quadro O qua-dro da luta pela existencia o inclui, por assim dizer, comoum de seus elementos

Assim, o procedimento cognitivo que se realiza na com-preensão da estrutura geral do argumento e um procedi-mento no qual se deve considerar as relações entre as pre-missas que levam a seleção natural como conclusão Talprocedimento é recorrente, ou seja, cada principio, para seruma premissa do argumento, deve estar relacionado comoutro principio que, pode-se dizer, delimita seu significadoOs principios vão, desse modo, definindo-se mutuamente

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E nesses termos que não ha, propriamente, na argumen-tação de Darwm, mdependencia conceituai entre as premis-sas e nem mesmo entre as premissas e a conclusão Pois apropria ideia de luta pela existencia (premissa do argumen-to) engloba a ideia de seleção natural, de preservação dasvariações uteis, em seu quadro (conclusão do argumento),de modo que a luta pela existência precisa da seleção natu-ral, enquanto descrição de um mecanismo que a torna obje-tiva Ou seja, a luta pela existência precisa de uma traduçãooperacional que e dada pela seleção natural, a qual permiteaplica-la empiricamente Caso não houvesse a possibilidadede aplicabilidade empirica, a luta pela existencia seria ape-nas uma ideia, uma concepção não-efetivada

Nesse ambito, pode-se dizer que a conclusão e parte defi-nitoria das premissas, assim como as premissas a definem Oprocedimento cognitivo recorrente nos remete, desse modo,a uma racionalidade interativa, ou seja, que trabalha comos termos de que dispõe de modo a defini-los mutuamente,agindo a definição de um termo na compreensão da defini-ção de outro

2 2 Fundamentos da tema darwmtana

De um exame dos fundamentos da teoria darwiniana, apartir de um exame do papel da domesticação atraves douso da analogia e das comparações na estruturação da ar-gumentação de Darwm, encontramos procedimentos argu-mentativos relevantes para a defesa de sua tese Tais proce-dimentos permitirão uma analise dos processos cognitivos aiatuantes que, por sua vez, permitirão uma analise de aspec-tos relevantes para a determinação da racionalidade na ex-plicação darwiniana

A grande força cognitiva do exame da domesticação estanas seguintes situações (1) proporcionar conteudo para a

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analogia entre o estado de domesticação e o estado de Na-tureza, (2) proporcionar um apelo ao familiar, funcionandocomo um recurso pedagogico, (3) proporcionar uma situa-ção de teste para a questão da seleção natural

A analogia e definida por Darwin no glossario de suaobra como sendo a semelhança de estrutura proveniente defunções semelhantes e ai aplicada a identificação de estrutu-ras analogas em seres vivos Mas pode tambem ser usadacomo um processo explicativo que serve para comparar oque ocorre em diferentes estados, como o da domesticação(onde atua a seleção pelo homem) e o da natureza (ondeopera a seleção natural), por força da semelhança de estru-tura entre ambos estados provenientes de funções seme-lhantes nele desempenhadas por seus elementos constituti-vos Que Darwin ve na analogia também um modo de raci-ocinar ou estabelecer inferências, como base/suporte paracrença ou racioanio baseado em similaridades funcionais deestados ou situações que estejam sendo comparadas, ou nareferência a fatos e casos "analogos," e muito claro, ao longode todos os seus capaulos, inclusive em seu capitulo conclu-sivo, onde abundam as referências a visões "analogas" e araciounio/juizo "por analogia" Pode-se mesmo dizer que autilização de "analogia," "analogo" e "analogico" para desi-gnar similaridades biologicas predomina apenas no capituloXIV, onde trata dos casos de classificação, morfologia eembriologia De resto, predomina amplamente sua utiliza-ção como modo de raciocionar ou estabelecer bases pararaciounios e juizos, servindo, assim, de procedimento cog-nitivo/explicativo O apelo a "analogia" desempenha funçãocentral não apenas nas cruciais relações entre o estado dedomesticação (seleção pelo homem) e o de natureza (seleçãonatural), mas em outros momentos decisivos da teoria,como no seu tratamento da imperfeição dos registros geolo-gicos (capítulo X)

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A Racional idade na ExplIcaçao Darunntana 221

Com tal centralidade na argumentação darwiniana, aanalogia serve de "ponte" para passar do estado domesticopara o estado natural, sendo ai utilizada não como um sim-ples recurso retórico, mas logico Pois estabelece que tiposde relações (de consequência, de dependencia, etc ) são de-terminantes quando se compara certos estados de coisas,permitindo o estabelecimento de um modelo logico-conceituai proprio com o qual a racionalidade trabalharaE, nesses termos, não simplesmente um processo ilustrativo,mas, sim, cognitivo, pois atraves dela ha uma pretensão deaquisição do conhecimento com conteudos logicos e objeti-vos Ha, assim, ja de início, no processo explicativo realiza-do pela Origem, espaço para recursos como o da analogia,que, pelo uso que deles faz Darwin, ganham um status cog-nitivo e explicativo do qual não desfrutam habitualmentenas analises tradicionais das estruturas argumentativas

O modo como se efetiva a comparação entre o estado dedomesticação e o estado natural, via analogia, nos reporta aquestão da luta pela existencia, na medida em que, ao seconsiderar a domesticação como provendo um modeloanalogico, e possivel afirma-la como permitindo investigar aforça da seleção natural na Natureza que, por sua vez, eretratada como luta pela existência Mas, para admitir quese trata de um caso de analogia, ou seja, de admissão dasemelhança de estrutura pela semelhança de funções, nosreportamos a um procedimento que recorre a outras etapasda argumentação de modo projetivo Pois, para compararanalogicamente o estado de domesticação e o estado selva-gem, e preciso recorrer a noção de luta pela existencia (capi-tulo III), contendo a noção de Natureza, que carrega consi-go a noção de seleção natural O que proporciona funda-mento à analogia e uma visão de Natureza que, uma vezalcançada, permite retomar a questão da domesticação e,então, entender seu papel na argumentação darwiniana

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Nesse contexto, chega-se a uma racionalidade que tra-balha em termos de recorrência e comparações Pois a pro-pria disposição dessas noções, no texto darwiniano, apre-senta-se de tal modo que as questões da domesticação e doestado de Natureza, tratadas nos dois primeiros capitulos daOrigem das Especies, são justificadas pela noção de luta pelaexistência, tratada no terceiro capitulo da obra A visão deNatureza em termos de luta pela existência justifica tanto afunção analogica da domesncação, como pode justificar apropna domesticação como situação de teste

A luta pela existência justifica a função analogica dadomesticação, na medida em que serve de fundamento paraa analogia Pois cria uma exigência de mudança, de adapta-ção e de sobrevivência de determinadas formas em detri-mento de outras, expressando um análogo do processo sele-tivo realizado pelo homem na domesticação, e justifica apropna domesticação como situação de teste para a hipoteseda selação natural como mecanismo pelo qual novas especi-es são produzidas na Natureza Isso porque a visão ampla deNatureza, encerrada no conceito de luta pela existência, vaipermitir entender o estado de domesticação como uma es-pecie de nicho dentro de um quadro maior da Natureza

Assim, o exame dos fundamentos da teoria darwinianarevela uma argumentação estruturada por etapas nas quaisse tem que ir e vir Nessa estruturação, parte-se do primeirocapitulo, passando-se para o segundo e, então, chegando-seao terceiro capitulo, obtem-se elementos que permitem vol-tar aos capitulos antecedentes e entende-los O que mostrauma narrativa argumentativa não-linear (que se encontraao longo de toda obra), a qual se expressa em termos demutua definição de suas principais noções constituintes

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A Raconalzdade na Explica çao Darwtmana 223

2.3 O conceito darwiniano de "causa"

O conceito darwiniano de "causa" pode ser associado a va-rias significações que permitem entender "causa," num pri-meiro momento, como uma entidade com uma dimensãoobjetiva que existe independentemente de ser conhecidaNesses termos, e um meio, agencia ou poder de modificaçãoou de produção de certos acontecimentos na NaturezaNum segundo momento, "causa" pode ser entendida nostermos de uma regularidade, ordem ou não-chance, levan-do, assim, a uma visão de Natureza como "sistema" (dotadade autonomia, de principios proprios de determinação)

O conceito darwmiano de "causa" exibe uma dupla di-mensão, duplicidade essa igualmente presente no conceitodarwiniano de Natureza Primeiramente, a Natureza podeser entendida, enquanto um "poder em ação," como seleçãonatural Esse poder, entendido causalmente, opera "aperfei-çoando," o que sugere uma "causalidade teleologica" ope-rando, em termos de fins e funções, naturalmente e gradu-almente no aperfeiçoamento dos seres Nesse sentido, a "so-brevivência do mais apto" seria o fim maior do sistema

Mas essa dimensão do conceito de Natureza remete àconsideração do todo, da Natureza (como "sistema") e detodas as suas relações, que não se reduzem a esse poder deaperfeiçoamento Pois, a partir do momento em que ha umaforça (causa) que atua num ser, permitindo o aperfeiçoa-mento, esse aperfeiçoamento ocorrera levando-se em contaa natureza do organismo e as condições exteriores nas quaistal organismo esta inserido, cujas relações tambem compor-tam explicações nos termos usuais de causalidade "não-teleologica " A seleção natural seria um dos principios, ain-da que privilegiado, desse sistema de relações

Tais considerações levam a pensar numa determinada vi-são de Natureza, que reporta a uma luta pela existência, a

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qual, por sua vez, reporta ao processo de seleção natural Enesse ambito que, ao se relacionar seleção natural, luta pelaexistência e a visão de Natureza apresentada pelo autor,temos a seleção natural (noção central de toda a Origem dasEspeaes) definida em termos de luta pela existência e essa,em termos de uma visão de Natureza que e dada, algumasvezes, como sendo a propria seleção natural Assim, seleçãonatural, luta pela existência e Natureza são conceitos que,nas suas definições, se englobam

A luta pela existência, usada no sentido amplo, comoDarwin acentua, funciona como "causa," como condiçãonecessaria e suficiente da transformação de variedades (es-pecies nascentes) em especies verdadeiras e distintas, deadaptações que ocorrem nos organismos e da formação degrupos de especies (gêneros), enquanto a "norma" que pre-side o curso "natural" dos eventos 4 Nesses termos, nãopode haver luta pela existência sem que tais resultadosocorram, nem tais resultados ocorrerão sem a luta pela exis-tência Tal relação se da porque o resultado esta contido napropria condição, isto e, os resultados descritos, que consti-tuem o que se chama de seleção natural, somente fazemsentido se entendidos nos termos do proprio conceito deluta pela existência O amplo quadro da luta pela existênciaoferece um crrteno para se estabelecer a utilidade da varia-ção, que envolve a questão da aptidão, das variações a se-rem preservadas e das variações a serem eliminadas

Há, assim, uma relação causal, não no sentido de inde-pendência descritiva entre causa e efeito como fenômenosdistintos e sequencialmente apresentados E possivel esta-belecer distinções, afirmando que a luta pela existência é otodo e aquilo que se descreve com a seleção natural e umaparte desse todo E possivel descrever o efeito (seleção natu-ral) e não o todo (luta pela existência), ou descrever o todosem destacar esse efeito particular, mas não é possivel ter o

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A Racionalidade na Explica çao Darwintana 225

sentido para o que se descreve como luta pela existencia(causa) e o sentido para o que se descreve como seleção na-tural (efeito) de forma independente

Esse ponto acentua a questão da relação todo-partesEssa relação, na argumentação darwiniana, não e segmenta-ria, ou seja, somente entre partes, mas e, sim, uma relaçãodo todo com as partes que o constituem, não de maneira ase entender o todo sem as partes e vice-versa, mas de ma-neira tal que o todo defina as partes e estas o definam - oque conduz a uma racionalidade interativa e recorrente, nosentido de operar em ligação, conexão e englobamento determos

2 4 Os padrões explicativos darwinianos

De uma analise do conceito darwiniano de "explicação" edos padrões explicativos encontrados na Origem das Espect-es, e possivel depreender uma multiplicidade explicativa quese mostra, em diferentes contextos, de diferentes maneiras,não expressando, nesses termos, um padrão rigido

A "explicação" darwmiana pode ser entendida princi-palmente como (1) compreensão do significado dos fatos,no sentido de que esclarece fatos segundo determinadasvisões teoricas, (2) dar razões, tais como fatos e principios,estudos, autoridade cientifica, valores e condições sociais epsicologicas, para a sustentação/corroboração de crenças,suposições e expectativas, (3) busca da(s) causa(s), (4) umlongo argumento que se expressa atraves de argumentosdedutivos e raciocimos de probabilidade, (5) um conjuntode procedimentos e estrategias argumentativas utilizadospara a sustentação do argumento Assim, os criterios parauma explicação ser considerada eficaz são (1) assinalar ra-zões para tornar a ocorrência de determinado acontecimen-to algo inteligível, simples e regular, (2) permitir predizer

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situações, (3) inferir padrões de comportamento, (4) permitira propria determinação de quais sejam os fatos relevantespara serem explicados, e (5) responder a dificuldades e obje-ções

E possivel, então, inferir, da multiplicidade conceituai de"explicação," uma multiplicidade de padrões e niveis expli-cativos Ha explicações causais em termos de regularidadesque expressam leis (causa englobando uma serie de fatores)ou explicações em termos de tendências (do que deve serrealizado, podendo não o ser) Ha explicações que dão con-ta de fatos, principios, padrões comparativos e crenças (mo-dos de ver) Ha explicações teleologicas, dadas em termos demeios, fins, resultados e propositos

Mas a "explicação" darwiruana pode, tambem, ser carac-terizada por certos procedimentos e estrategias argumenta-tivas presentes numa multiplicidade de contextos explicati-vos que, por sua vez, conduzem a uma racionandade multi--pia e contextuai E nesse âmbito que procedimentos taiscomo observação e experimento, estudo de "casos exempla-res," diagramas, ilustrações, comparações, analogias e usode metaforas, e estrategias argumentanvas, tais como apeloao familiar, apelo a ignorância, comparação de questões(procura apresentar sua teoria como a melhor alternativaexplicativa), tratamento de dificuldades e objeções a teoria,exploração de evidencias favoraveis as afirmações apresen-tadas e jogo do atual e do possivel, dão suporte e poder ex-plicativo a teona darwiniana como um todo, permitindo asustentação das afirmações do autor

Essa multiplicidade explicativa faz, então, com que ospadrões explicativos interajam com o contexto em que es-tejam sendo aplicados Assim, o procedimento cognitivo ase realizar, para a compreensão daquilo que se quer expli-car, e um procedimento em que ha a interação do sujeitorealizador do processo cognitivo com o contexto em que

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A Raaoncdtdade na Explicaçao Darwiniana 227

esta sendo explicado determinado fenômeno Isso remete aum processo racional interativo e contextual que nos con-duz a multiplicidade da raaonandade e das "razões" que sãooferecidas, caracterizando essa raaonandade em termos deum balanço de "razões"

3 A "racionalidade" a partir dos usos e significados de"razão" e/ou cognatos na Origem das Espécies

A sexta edição da Origem das Espectes não apresenta ne-nhuma ocorrência do termo "racionalidade " A presenteanalise visa, portanto, a exploração de "razão," "desarrazoa-do," "razoavelmente," "raciocinio" e "racional" que, no textode Darwm, expressam um total de cento e oito ocorrenaase permitem a apreensão da "racionalidade" ai existente

Nesse âmbito, da identificação e exame de tais termos, epossivel compreender "racionalidade" como não revelando,aparentemente, nenhum traço novo Apresenta-se, em ter-mos de "razão," como faculdade (que envolve raciocimo,pensamento, opinião, julgamento, reflexão, deliberação),como produto (resultado de uma atividade ou operação darazão como faculdade), como fundamento de crenças (pro-duzido pela "faculdade racional" ou por fatores que funda-mentam a ação dessa faculdade) e como a explicação ofere-cida (articulação dos elementos da razão como faculdade eda razão como produto) A depreender-se das propnas pa-lavras darwinianas, "razão" apresenta-se como

• Faculdade de deliberar, de interferir sobre algo medi-ante reflexão, de avaliar e estabelecer um argumento

How unconsciously many habitual actions are performed, indeednot rarely in direct opposition to our conscious will l Yet theymay be modified by the will or reason ' (Darwin 1993, p 318)

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• Produto de uma faculdade que pode trabalhar emconjunto com a imaginação para discussão do funda-mento de nossas crenças

But supposing for an Instant, m this and other such cases, thatthe record of the first appearance and disappearance of the spe-cies was complete, which is far from the case, we have no reasonto believe that forms successively produced necessanly endure forcorresponding lengths of time 6 (Dar= 1993, p 467)

Nota-se que e necessario supor, no sentido de imaginaruma dada situação ("que o registro do primeiro aparecimen-to e desaparecimento das especies foi completo"), toma-lacomo verdadeira e, a partir dai, chegar a uma conclusão emque tal suposição e descartada A razão trabalha, assim,conjuntamente com a imaginação, fornecendo um produtoque, no caso, examina o fundamento das crenças

• Explicação do porque, da causa de dado fenômeno

We can somenmes see the reason why one tree will not take onanother, from differences in their rate of growth, In the hardnessof their wood, In the penod of the flow or nature of their sap,&c, but In a multitude of cases we can assign no reason whatever 7 (Dar= 1993, p 376)

• Fundamento de uma crença

With stenle neuter insects we have reason to believe that modifications m their structure and fertility have been slowly accumu-lated by natural selection 8 (Darwm 1993, p 380)

A analise desses significados permite a apreensão do con-ceito de racionalidade na Origem das Especies, na medida emque afloram de trechos do texto darwiniano e se revelam

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A Raaonctliclade na Explwaçao Dartunnana 229

como necessariamente relacionados, apresentando a "racio-nalidade darwiniana" atraves de multiplos aspectos Essessignificados não podem ser considerados independentemen-te das suas relações uns com os outros, mas podem uns eoutros se apresentar, em contextos especificos do texto dar-=lano, como predominando sobre os demais Essa pre-dominancia, que permite com que se destaque um significa-do ao inves de outros, e um modo de privilegiar um começode analise que, aprofundada, nos revela a rede explicativadarwiniana e um conceito multiplo e interativo de raciona-lidade

A "racionalidade" dai depreendida fundamenta tantocrenças, suposições e hipoteses, quanto duvidas a respeitodessas, sendo, por sua vez, fundamentada por diferenteselementos, tais como evidências fatuais (cadeia de fatos),autoridade cientifica, consenso da comunidade cientifica eprinapios gerais do pensamento Ao mesmo tempo, porem,apresenta-se como condição do estabelecimento desses fun-damentos

Dessa caracteristica da "racionalidade," de fundamentar eser fundamentada, surge a particularidade do enfoque dar-=lano O movimento conceituai da "racionalidade darwi-mana" apresenta uma rede que mostra a preeminência deum todo definido pela sua relação com as partes que o cons-tituem As partes são os multiplos significados de "raciona-lidade" no conceito darwiniano Essa relação revela umadependência entre esses multiplos significados Cada signifi-cado abriga, na sua conceituação, os demais, na medida emque fazem parte do todo expresso pela definição de "racio-nalidade " Essa dependencia mostra um movimento concei-tuai não-linear, recorrente, que retoma e projeta em novoscontextos os significados envolvidos, revelando procedi-mentos de interação e mutua definição conceituai O con-ceito de racionaltdade sera constituido por esses significados

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e suas relações Por outro lado, esses significados depende-rão do conceito de racionalidade como um todo, pois suadeterminação dependera daquela interação e mutua defini-ção

Ha, desse modo, uma ligação e enol obamento de termosque interagem em diferentes planos explicativos e que per-mitem a afirmação de diferentes niveis de objetos de inves-tigação e conhecimento Das palavras de Darwm, depreen-de-se isso

Reason tens me, that if numerous gradations from a simple andimperfect eye to one complex and perfect can be shown to exist,each grade being useful to its possessor, as is certainly the case,and if such variations should be useful to any animal underchanging conditions of life, then the difficulty of beheving that aperfect and complex eye could be formed by natural selection,though insuperable by our imagmation, should not be considered as subverswe of the theory 9 (Darwin 1993, p 228)

Nota-se, do trecho acima, que "razão" surge como umafaculdade que estrutura um certo radocinio O exercidodessa faculdade da-se atraves de sua ação com outras facul-dades cognitivas, como a imaginação E possivel, assim,depreender uma relação razão/imaginação que exprimeuma possivel ação conjunta de ambas e a chegada a umaconclusão que tem como suporte ultimo a "razão," mas quenão desconsidera a ação da imaginação como podendo con-tribuir ao processo cognitivo As conotações que tal açãoconjunta confere a "razão" como faculdade tambem contri-buem para as conotações que "razão" recebe como "produ-to," no caso, o propno rama= estruturado, como "fun-damento de crenças," na medida em que tal radocinio per-mite a sustentação de um dado ponto de vista, e como "ex-plicação," na medida em que e exibida a relação entre ofundamento e a crença e o propno produto (radocinio) es-

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A Rac-tonaltdade na Explica çao Darwtntana 231

clarece, explica determinado fenômeno E expressa, dessemodo, a relação do todo (conceito de racionalidade) e daspartes (significados constituintes do conceito)

E nesse contexto que se procura, a seguir, caracterizar es-ses significados (a saber, razão como faculdade, produto,explicação e fundamento de crenças), procurando-se mos-trar o que exprimem e como se relacionam entre si

3.1 "Razão" como faculdade

A "faculdade racional" em Dar= expressa uma forte ten-dencia de trabalho junto a memona e a imaginação, permi-te reações emotivas, como a admiração, e pode estar presen-te, de um certo modo ou "numa pequena dose," em animaisinferiores Dar= expressa isso de maneira ostensiva, comoe possivel observar nos trechos a seguir

"Razão" expressa uma faculdade que, conjuntamentecom a memona (faculdade de reter ideias), permite ao seupossuidor pesar argumentos a favor e contra determinadateoria que esteja sendo defendida O "pesar » argumentos,conduz, em ultima analise, a uma noção de comparação deargumentos (a favor e contra determinada teoria)

When thus marshalled, they make a formidable array, and as itforms no part of Mr Mivart's plan to gwe the vanous facts andconsiderations opposed to his conclusions, no shght effort of reason and memory is left to the reader, who may wish to weigh theevidence on both sides 1 ° (Darwin 1993, p 275)

"Razão" expressa uma relação com a imaginação, mos-trando como tais faculdades vão se comportar, ou seja,mostrando a ação conjunta de ambas de maneira a permitircom que se chegue a uma conclusão intehgivel, com a razãodirigindo a imaginação

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To arrive, however, at a just conclusion regarding the formanonof the eye, with ali its marvellous yet not absolutely perfect characters, it is indispensable that the reason should conquer theimagination 11 (Darwin 1993, p 231)

"Razão" se apresenta como uma faculdade que permitecomparações e, atraves da formação de juizos, permite aavaliação dessas comparações, alem de conduzir a reaçõesemotivas, como a admiração

If our reason leads us to admire with enthustasm a multuude ofinimitable contrivances in nature, this same rectson teus us,though we may easily err on both sides, that some other contnvances are less perfect i ' (Dar= 1993, p 257)

"Razão" se mostra como julgamento, no sentido de for-mação de juizos, presente ate mesmo em animais inferiores("even with animais low in the scale of nature"), expressan-do uma condição "natural," onde ha uma diferença de"grau" (dose) entre os seres, e proporcionando uni entendi-mento tacto, não sendo apenas um exercia.° formal de es-clarecimento de relações, mas algo que esta difuso ("butevery one understand what is meant") na avaliação-e-resposta a uma dada situação

( ) every one understands what is meant, when it is said that Insnnct impeis the cuckoo to migrate and to lay here eggs in otherbtrds' nests An actton, which we ourselves require expenence toenable us to perform, when performed by an animal, more especially by a very young one, without expenence, and when performed by many individuais in the same way, without theirknowing for what purpose it is performed, is usually said to beinstinctive But I could show that none of these characters areuniversal A httle dose of judgment or reason, as Pierre Huberexpresses it, often comes into play, even with animais low in thescale of nature 13 (Dar= 1993, p 318)

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A Raconalidade na Explicacao Dartunuana 233

E possivel afirmar, da analise das palavras de Darwm,que a "faculdade racional" trabalha em conjunto com a fa-culdade imaginativa, não no sentido de correção dos atosimaginativos, mas no sentido de consideração desses atospara o todo argumentativo que permite a sustentação ourejeição de uma teoria e desencadeia um processo de aquisi-ção do conhecimento A "faculdade racional" darwinianarevela-se, assim, como a faculdade atraves da qual se conce-be o objeto, percebendo-o com os "olhos" da imaginação A"faculdade racional" se mostra, nesses termos, como umafaculdade que permite "ver" as coisas

Essa faculdade e, em principio, uma faculdade humanaque permite o conhecimento Mas, o modo como o permite,revela um elenco de atividades que podem ser comuns aohomem e aos animais considerados inferiores na escala danatureza (por exemplo a atividade de julgar) Extraimos issoclaramente do trecho citado acima, onde Dar= afirma"A bule dose of judgment or reason, as Pierre Huber ex-presses ft, often comes into play, even with animais low Inthe scale of nature " Não se defende uma igualdade de des-envolvimento dessa faculdade em homens e animais inferio-res, mas não se deixa de considerar a possibilidade de talfaculdade revelar-se em ambos, ainda que nem sempre demaneira completa, mostrando-se como uma condição "na-tural" ao homem como ser biologico

3 2 "Razão" como produto

A "faculdade racional," por sua vez, oferece, como produtode sua atividade, "razões" diversas que permitem uma me-lhor definição do que seja tal faculdade, assim como estapermite uma melhor caracterização do que são e do queexpressam essas "razões" Dos exemplos abaixo, e possivelextrair diferentes =eis de "razões" que revelam essa mutua

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interação ("faculdade racional"/"razões") que, por sua vez,conduz a interação desses significados com os significadosde "razão" como fundamento de crenças e como explicação

No fixed law seems to determine the length of time dunng whichany single species or any single genus endures There is reason tobelieve that the extinction of a whole group of species is gener-ally a slower process than their production if their appearanceand disappearance be represented, as before, by a vertical lime ofvarying thickness the lime is found to taper more gradually at itsupper end, which marks the progress of exterminatton, than atits lower end, which marks the first appearance and the early increase In number of the species H (Darwin 1993, 450)

"Razão," no presente trecho, apresenta-se como suportepara a sustentação de um dado ponto de vista, com base emtoda uma elaboração teorica Essa elaboração teonca mos-tra-se como um produto de uma certa faculdade Esse pro-duto, ao permitir a sustentação de um ponto de vista, surgecomo um fundamento racional que permite a explicação deum dado fenômeno Ha, nesses termos, a interação facul-dade/produto/fundamento/explicação

As "razões" podem ser gerais e vagas e, mesmo assim,permitirem a explicação de determinados fenômenos Nota-se que, para assinalar tais "razões" (vagas e gerais), e neces-sana uma faculdade que as reconheça como tal, estando oentendimento destas (razões) condicionado ao entendimen-to da faculdade então ligada a elas

Except by assigning such general and vague reasons, ‘7, e cannotexpiam why, in many quarters of the world, hoofed quadrupedshave not acquired much elongated necks or other means forbrowsing on the higher branches or trees is (Dar= 1993, p281)

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A Raaonandade ?Ia Explwaçao Darwiniana 235

Ha, como e possivel depreender dos trechos acima, umaestreita ligação entre "faculdade racional"/"razões " Poiscompreende-se as "razões," na medida em que estas intera-gem com a "faculdade racional," sendo necessana uma cons-tante recorrência, para o entendimento dessas "razões," aosignificado de "razão" como faculdade Esse significado e,por sua vez, melhor elucidado, vendo-se o significado dosseus produtos (razões) Ha, assim, uma rede de ligações queinclui a mutua definição das partes envolvidas

Nesses termos, e possivel afirmar que o entendimento do"produto racional" darwiniano esta condicionado ao enten-dimento do significado da "razão" como faculdade, bemcomo que, na elucidação da relação entre faculdade e pro-duto, este revela-se, por sua vez, condição de inteligibilidadede tal faculdade

Depreende-se, assim, das palavras darwinianas, um con-ceito de racionalidade que expressa uma rede significativaO produto surge de uma atividade da "faculdade racional"Ao mesmo tempo, serve de fundamento de crenças e hipo-teses, revelando que, tanto a definição de "razão" como fa-culdade quanto a definição de "razão" como fundamento decrenças e hipoteses são parte essencial para a caracterizaçãodo "produto racional," pois este somente e entendido se forconsiderado na perspectiva de uma atividade (por exemploa atividade de reconhecimento de algo da "faculdade racio-nal") Mas tal faculdade e entendida no âmbito do que pro-duz, sendo, portanto, definida na perspectiva desse produ-to Ha, novamente, a interação e a recorrência no movi-mento conceituai dos significados que expressam a "racio-nalidade darwiniana " Essa interação se mostra não somen-te no significado da "razão" como produto, onde as propnas"razões" permitem a interação e fundamentação de diferen-tes contextos explicativos, mas no significado de "razão"

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como faculdade, fundamento de crenças e explicação, sendoexpressa, novamente, uma mutua definição de significados

3 3 "Razão" como fundamento de crenças

O "fundamento racional" darwiniano e produzido pela "fa-culdade racional" ou por fatores que fundamentam a açãodessa faculdade, revelando, mais uma vez, a interação erecorrência no movimento conceituai da racionalidadepresente

A compreensão do significado de "razão" como "funda-mento de crenças" torna-se possivel no momento em que talfundamento e entendido como elemento constituinte dosignificado de "razão" como "faculdade," "produto" e "expli-cação," e como resultado da interação desses significadosentre si e com toda rede argumentativa darwmiana Essemovimento conceituai revela-se no instante em que, daanalise da faculdade/produto/explicação racionais darwini-anos, extraimos o fundamento de crenças como produto daação da "faculdade racional," como se observa abaixo

Mr Istdore Geoffroy Saint I-lilaire, in his lectures delivered1850 (of which a Resume appeared in the `Revue et Mag De Zoolog Jan 1851), bricfly gives hts reason for believing that specrfic characters "sont fixes, pour chague espece, tant qu'elle seperpetue au miheu des memes circonstances ils se modifient,les circonstances ambiantes viennent a changer " 1" (Darwin 1993,p 13)

Extrai-se, do presente trecho, "razão" como produto deuma atividade, da "faculdade racional," de inferir pnncipi-os' que regem a ocorrência de propriedades observaveis elevam a sustentação de determinado ponto de vista Essa"razão," por sua vez, e estabelecida pela "faculdade racio-

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A Raaonalidade na Explicaçao Darattntana 237

nal," que a ve como fundamentando aquele principio e le-vando a sustentação de um certo modo de ver

E nesses termos que, no momento em que se entende o"fundamento racional" como um produto, esse (fundamen-to) carrega consigo toda a rede de relações que mantem coma faculdade da qual e produto Essa faculdade, por sua vez,relaciona-se com as diversas "razões" oferecidas por Darwin,revelando-as (razões) como uma simples criação dessa facul-dade ou como o reconhecimento de algo "dado," enquantoprovendo um fundamento para a crença que provê a expli-cação Dos trechos abaixo, se extrai isso

As several of the reasons which have led me to thts belief [refere sea crença de que as dtkrentes raças de pombos domesacos descendemdo pombo torcad are in some degree applicable in other cases, Iw ill here bnefly given them If the several breeds are not varienes, and have not proceeded from the rock pigeon, they musthave descended from at least seven or eight abonginal stocks, fora is impossible to make the present domestiL breeds by thecrossing of any lesser number how., for instance, could a pouterbe produced by crossing two breeds unless one of the parentstocks possessed the charactenstic enormous crop ? ' (Darwin1993,p 42)

"Razões" podem ser entendidas, no presente trecho,como um produto de uma operação do entendimento quereconhece nos fatos que lhes são dados uma fundamentaçãogeral a vanos casos, abarcando vanos contextos, permitin-do, assim, uma ligação entre esses contextos Essas "razões"podem ser entendidas como um produto, na medida em queha toda uma operação, uma elaboração teorica que permitea chegada a uma certa conclusão Desse modo, pode-se di-zer que essas "razões" são expressas em termos de elabora-ções teoricas, servindo, assim, de "fundamento racional"

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que, por sua vez, pode ser entendido como a "explicação"oferecida

From these several reasons, namely the improbability of manhaving formerly made seven or eight supposed species of pigeonsto breed freely under domesticanon, theses supposed speciesbeing quite unknown in a wild state, and their not having become anywhere feral, these species presenting certam very abnormal characters, as compared wigh alia other Columbidae,though so like the rock pigeon in most respects, - the occasionalreappearance of the blue colour and vanous black marks In alithe breeds, both when kept pure and when crossed, and lastly,the mongrel offspring being perfectly fernle 19 (Darwin 1993, p46)

As varias "razões" elencadas por Darwm., como e possivelobservar na passagem acima, são o produto de toda umaoperação teorica (envolvendo comparações) que, conjugadaa evidencias fatuais, permite ao autor afirmar a improbabi-lidade da ocorrência de certos fenômenos de maneira fun-damentada

There is reason to beheve that King Charles' spaniel has beenunconsciously modified to a large extent since the time of thatmonarch 20 (Dar= 1993, p 54)

No trecho acima, "razão" surge como fundamento deuma crença, atraves de evidências indiretas

Como se observa das passagens acima, as "razões," ex-pressas por evidências fatuais, elaborações teoricas e evidên-cias indiretas, revelam a mutua definição dos significadosque constituem a "racionalidade darwiniana," a saber, razãocomo faculdade/produto/fundamento/explicação de cren-ças, enquanto da interação desses significados aquelas "ra-zões" recebem maior elucidação

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A Ractonaltdade na Explicas.ao Daminiana 239

E nesses termos que o "fundamento racional" revela,novamente, a mutua definição dos significados da "raciona-lidade darwmiana "

3 4 "Razão" como explicação

A explicação darwiniana expressa a articulação da "faculda-de racional" e do "produto racional" darwinianos, revelan-do, mais uma vez, uma racionalidade que se apresenta comomultifacetica e interativa

O entendimento do significado de razão como "explica-ção" so e possivel no momento em que se considera a "ra-zão" como faculdade, produto e fundamento de crençasPois, para "faculdade" e "produto" serem articulados e resul-tarem numa "explicação" inteligtvel, deve ser estabelecidauma relação entre ambos (faculdade/produto), de tal modoque seja possivel tomar esse produto como fundamento ex-plicativo de uma crença e apontar ao fundamento, dadopela "faculdade racional," para esse produto enquanto ele-mento explicativo

E nesses termos que a explicação darwmiana exprime asrelações e caracteristicas de faculdade/produto/ fundamen-to, estando esses significados contidos na conceituação de"explicação" como compreensão do significado dos fatos,busca da(s) causa(s), oferecimento de razões, um longo ar-gumento, um conjunto de procedimentos e estrategias ar-gumentativas Ao mesmo tempo, essa conceituação se apre-senta como condição de inteligibilidade dos significados daracionalidade em termos de faculdade/produto/ fundamen-to, enquanto os articula e permite a clareza de suas funçõese de suas relações, entre si e com outros elementos da redeargumentativa da teoria de Darwm

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Assim, a "razão," enquanto "explicação," expressa emtermos de articulação faculdade/produto, e depreendida daspalavras de Darwin, como

• Permitindo o esclarecimento do porquê, da causa dedeterminados fenomenos

Our ignorance of the ian s of vananon is profound Not tn onecase out of a hundred can we pretend to assign any reason whythis or that part has vaned But whenever we gave the means ofmstituting a companson, the same laws appear to have acted Inproducmg the lesser chfferences bem een vanenes of the samespecies, and the greater differences between spectes of the samegenus ' I (Darwm 1993, p 209)

No presente trecho, depreende-se "razão" como explica-ção do porque, da causa de determinado fenomeno aconte-cer, "razão" exprimindo, nesses termos, um fator causal ex-presso em termos de lei, ainda que, na maioria das vezes,nossa ignorância sej a profunda quanto a essa lei

• Buscando esse esclarecimento atraves de meios natu-rais, não sobrenaturais, dados a luz de uma concep-ção, de um modo de ver

It v, ould be difficult to give any ranonal explananon of the affinmes of the bhnd cave animais to the other mhabitants of thetwo contments on the ordmary view of ther mdependent creanon ' (Darwm 1993, p 180)

• Supondo a ação de causas ou condições determinantes,ainda que desconhecidas

He [refere se a A De Candolle] specifies above a dozen characters which may be found varying even on the same branch,

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A Racionalzdade na Explica çao Daruintana 241

somenmes accordmg to age or development, somenmes withoutany assignable reason (Darwm 1993, p 75)

• Fundamentando crenças

We have every reason to beheve that many of these doubtful andclosely alhed forms have permanently retamed then charactersfor a long ume 24 (Darwm 1993, p 70)

O modelo da explicação darwimana e o da explicaçãocausal

Over ali these causes of Change, the accumulative acnon of Selection, whether apphed methodically and quickly, or unconsciously and slowly but more effictently, seems to have been thepredommant Power 2 (Darwm 1993, p 64)

Accordmg to the ordmary view of each species having beendependently created, we should have to attnbute this similantyin the enlarged stems of these three plants, not to the vera causaof commumty of descent, and a consequent tendency to varya hke manner, but to three separate yet dosely related acts ofcreation 26 (Darwm 1993, p 201)

A "explicação causal" darwiniana mostra a interação dossignificados de "explicação de causas," "explicação baseadaem faculdade natural" e "fundamento de crenças" Pois, aexplicação por causas fortalece os significados de explicaçãocomo fundamento de crenças, bem como o de explicaçãobaseada em faculdade natural Esses dois ulnmos significa-dos de explicação permitem, baseando-se numa faculdadenatural, a integração dessa explicação com os demais signi-ficados que expressam a "racionalidade darwimana " Nessestermos, a "razão" como explicação expressa uma não-linearidade, uma recorrência que permite a interação dassignificações de explicação entre si com a "razão" como fa-

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culdade, produto e fundamento de crenças O que mostra,novamente, uma mutua definição de significados e umaligação que expressa uma rede de "razões" que desempenhapapel fundamental no entendimento da teoria de Darwin

4 A "racionalidade darwirnana" da Origem dasEspécies

A partir da analise feita dos padrões explicativos darwinia-nos da Origem das Espeaes, onde o autor mostra dificulda-des e pontos que fortalecem sua teoria, explorando, em dife-rentes níveis, a aceitação de suas afirmações, e do examedos usos e significados de "razão" e/ou cognatos, e possivelextrair uma "racionalidade" que, pode-se dizer, e inovadora— uma racionalidade multipla, multifacetica, interativa erecorrente

Num primeiro momento, a "racionalidade" depreendidados padrões explicativos da obra em questão, dada em ter-mos de procedimentos cognitivos, exibe a estrutura de umargumento, permitindo o estabelecimento de principios(premissas) dos quais se deduz uma conclusão Permite tam-bem o reconhecimento das relações possiveis desses princi-pios (premissas) com a conclusão deles obtida e a conforma-ção da experiencia a ideias que a tornam inteligivel E nessesentido que a "racionalidade darwmiana" age no estabele-cimento de relações, não apenas no sentido de independen-cia e linearidade, mas sobretudo no sentido de recorrência emutua definição das partes relacionadas

Essa "racionalidade," atraves do excrucio de sua capaci-dade latente de captar elementos da experiência e "mani-pular" tais elementos de acordo com o contexto em queserão aplicados, permite a aquisição de conhecimentoNuma argumentação, essa "racionalidade" permitira a reali-zação de um processo comparativo de visões e, nesse proces-

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A Raaonalidade na Explicaçao Darmniana 243

so, atuara concatenando, realizando inferências, determina-ções e seleções de elementos relevantes, permitindo predizerdeterminadas situações e padrões de comportamento

A "racionalidade darwiniana," ao permitir o estabeleci-mento de relações não-lineares, permite definir relações dotipo todo-partes de uma maneira peculiar - de definição, dedeterminação do significado do todo pelas partes e das par-tes a partir do todo Trabalha com um modelo logico-conceituai refletido no enfoque proprio que se encontra nasua abordagem de questões tais como "explicação" e "causa-lidade," e permite a aquisição de conhecimento, não nosentido de um conhecimento cientifico acumulado pela suaobtenção atraves de um metodo ume° para varios contex-tos cognitivos, mas no sentido de um conhecimento quevaria e se modifica de acordo com o contexto de teorização,de analise e de pesquisa em que se insere

A "racionalidade" dos padrões explicativos darwmianospermite tambem uma atividade com adequação teorico-fatual, não no sentido simples de comparação de uma teoriacom uma experiencia, mas no sentido de permitir procedi-mentos cognitivos que comparam teorias entre si, experien-cias entre si e tambem teorias e experiencias entre si

Ha "razões" logicas e empiricas que são consideradas noâmbito proprio de diferentes estruturas, mas estas não sãoas unicas "razões" consideradas por Dar= Da analise detoda sua estrutura argumentativa e do conceito de raciona-lidade dai extraido, e possivel afirmar que a perspectiva dar-winiana sugere uma nova interpretação do que sejam "boasrazões" Ha uma multiplicidade de "razões," tais como con-senso da comunidade cientifica e apelo a autoridade cienti-fica — Dar= constantemente referindo-se a reputadosexperimentadores e filosofos naturais com trabalhos queprovêem apoio a sua teoria, apelo ao familiar e a simplifica-ção do trabalho

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Unnl becoming acquainted with these facts [refere se a fenomenos de cruzamentos e observações embnologicas], I was unwillingto beheve in the frequent early death of hybnd embryos, for hybnds, when once bom, are generally healthy and long hired, aswe see In the case of the common mule 27 (Darwm 1993, p 382)

When the views advanced by me in this volume, and by MrWallace, or when analogous views on the ongin of species aregenerally admitted, we can dimly foresee that there will be a considerable revolution In natural history Systematists will be ableto pursue their labours as at present, but they will not be incessantly haunted by the shadowy doubt whether this or that formbe a true species This, I feel sure and I speak after experience,will be no shght rehef 28 (Darwm 1993, p 643)

E capacidade de superar e relativizar dificuldades que seapresentam a teoria

As according to the theory of natural selecnon an interminablenumber of intermediate forms must have existed, linking together ali the speaes in each group by gradations as fine as areour existing varienes, a may be asked Why do we not see theselinking forms ali around us 7 Why are not ali organic beingsblended together in an inextricable chaos ? With respect to existing forms, we should remember that we have no right to expect (excepting in rare cases) to discover directly connecting linksbetween them, but only between each and some extinct andsupplanted form Even on a wide area, which has dunng a longperiod remained continuous, and of which the chmatic andother conditions of life change insensibly in proceedmg from adistnct occupied by one species into another distnct occupied bya closely allied speaes, we have no just nght to expect often tofmd mtermediate vai-ienes in the intermediate zones For wehave reason to beheve that only a few species of a genus ever undergo change, the other species becoming utterly extmct andleaving no modified progeny Of the speaes which do change,only a few within the same country change at the same time,and ali mochficanons are slowly effected 1 have also shown that

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A Racional idade na Explzcaçao Darwzniana 245

the intermechate vaneties which probably at first existed in theintermechate zones, would be hable to be supplanted by the ailied forms on either hand, for the latter, from existing in greaternumbers, would generally be modified and improved at a quickerrate than the intermediate varieties, which existed in lessernumbers, so that the Intermechate vanenes would, in the longrun, be supplanted and exterminated 29 (Darwin 1993, pp 616-617 )

It can hardly be supposed that a false theory would expiam, In sosansfactory a manner as does the theory of natural selectton, theseveral large classes of facts above specified It has recently beenobjected that this is an unsafe method of arguing, but it is amethod used in judging of the common events of life, and hasoften been used by the greatest natural philosophers 30 (Darwin1993, p 637)

This chfficulty [refere se a produção de insetos neutros], thoughappeanng insuperable, is lessened, or, as I believe, disappears,when it is remembered that selection may be apphed to the family, as well as to the individual, and may thus gain the desiredend ' (Darwin 1993, p 354)

• Todas essas "razões" podendo ser entendidas, nessestermos, como "boas razões"

A analise dos usos e significados de "razão" e/ou cogna-tos confirma e reforça as caracteristicas da "racionalidade"depreendida dos padrões explicativos presentes na Origemdas Especies, revelando-a, igualmente, como multifacetica,interativa e recorrente, com "razões" multiplas, não somentelogicas e empiricas, mas diversificadas, englobando elabora-ções teoricas, apelo a autoridade cientifica, atitudes e proce-dimentos de cientistas

Tal "racionalidade" apresenta multiplos significados que,relacionados entre si, revelam um movimento conceituaionde ha um estabelecimento de relações que se apresentam

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como não-lineares Um movimento onde essa "racionalida-de" volta-se sobre si mesma num procedimento de interaçãoe mutua definição dos significados que a constituem

A "racionalidade darwiniana" depreendida dos usos e sig-nificados de "razão" e/ou cognatos re,,e1 a sua peculiaridadenão somente por ser apreendida por uma multiplicidade designificados, mas por apresentar essa multiplicidade comorelacionando-se de maneira propna, atraves de movimentosinterativos Esses movimentos de interação, englobando amutua definição de significados, são possiveis na medida emque se entende a "racionalidade darwiniana" como expres-sando uma rede de relações que permite variações de pers-pectiva dos significados que a compreendem, dependendodo contexto explicativo em que estão sendo aplicados,como se observa nos trechos a seguir De diferentes etapasda argumentação darwiniana, depreende-se o significado de"razão" ora predominando como faculdade ora como pro-duto, fundamento ou explicação

When we no longer look at an organic being as a savage looks ata ship, as something wholly beyond his comprehenston., whenwe regard every production of nature as one which has had along history, when we contemplate every complex structure andinstinct as the summing up of many contrivances, each useful tothe possessor, in the same way as any great mechanical invention is the summing up of the labour, the experience, the reason,

and even the blunders of numerous workmen, when we thusview each organic being, how far more interesting — I speakfrom experience — does the study of natural history become!'(Darwin 1993, p 645)

No trecho acima, "razão" pode ser apreendida, num pri-meiro momento, como uma faculdade que permite, Junta-mente com "o trabalho, com a experiência e erros de nume-rosos operanos," a aquisição de conhecimento e possibilita

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A Raaonalidade na Explica çao Darwtmana 247

grandes descobertas que tornam o estudo da historia natu-ral mais interessante

I see no reason to lima the process of modification, as now explained, to the formanon of genera alone " (Darwin 1993, p158)

E possivel depreender "razão," do trecho acima, comoum produto de uma atividade de reflexão acerca de evidên-cias explicativas, produto este que impõe limite explicativo auma hipotese, determinando as condições de ocorrencia deum fato ou processo

On the confines of its geographical range, a change of constaunon with respect to chmate would clearly be an advantage to ourplant, but we have reason to beheve that only a few plants oranimais range so far, that they are destroyed exclusively by thengour of the chmate 34 (Darwin 1993, p 106)

Depreende-se "razão," acima, como fundamento paracrer

But heredaary diseases and some other facts make me behevethat the rule has a wider extension, and that, when there is noapparent reason why a peculianty should appear at any particularage, yet that a does tend to appear In the offspring at the samepenod at which it first appeared in the parent " 5 (Dar= 1993, p32)

"Razão," acima, pode ser entendida como explicação,ainda que oculta, que permite o esclarecimento do porquê,da causa de determinados fenomenos

Essas variações contextuais de predommancia de signifi-cados são possiveis, na medida em que esses significados sãoentendidos no ambito do "todo" expresso pelo conceito de"racionalidade darwiniana" que, por sua vez, e entendido

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no ambito de sua relação com esses significados Essa rela-ção mostra uma argumentação em rede, onde ha a relaçãotodo-partes em termos de interação e recorrência que per-mite a sustentação da teoria de Darwin

E nesses termos que se diz ser a "racionandade darwinia-na," depreendida tanto dos padrões explicativos da Origemdas Especies como dos usos e significados de "razão" e/oucognatos, multipla, multrfacetica, interativa e recorrente

5 Conclusão

No presente trabalho, procurou-se analisar a racionalidadena explicação darwiniana da Origem das Especies, tendo emvista a peculiaridade e importância do conceito darwinianonos estudos sobre racionandade cientifica

Tal analise tentou salientar a relevância da "racionalida-de darwiniana," na medida em que o conceito de racionali-dade então extraido permite uma reflexão acerca de diferen-tes propostas de conceituação da racionalidade cientificaEsse conceito, na maioria das vezes, e tomado como pressu-posto tacitamente assumido e entendido, mas, num examemais profundo, observa-se que sua compreensão envolvevarios aspectos que levam a divergenaas quanto ao querealmente seja

Nesses termos, a obra A Origem das Especies, alem decontribuir de maneira significativa para o campo da Histo-ria Natural, com todo seu aparato argumentativo, contribuisignificativamente para a compreensão do que pode ser con-siderado "racional " O modo darwiniano de defender a teo-ria exposta, com diferentes padrões e estrategias argumenta-tivos, e muito rico filosoficamente, pois permite a extraçãode um conceito de "racionalidade" que se oferece como situ-ação de teste para diferentes propostas de analise da aenaacomo um empreendimento "racional "36

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A Ractonalidade na Explica çao Dartutmana 249

Referências

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— 1964 The Ongin of Species Cambndge, Mass , e Lon-dres Harvard University Press

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Regner, A C KP 1995 A Natureza Teleologica do Princi-pio Darwiniano de Seleção Natural — A articulação doMetaftsico e do Epistemologico na Origem das EspectesTese de doutorado não-publicada Universidade Fede-ral do Rio Grande do Sul, Porto Alegre

— 1998 "Argumentos Retoncos na Ciência RepensandoAnstoteles " Eplsteme, 3 (7)

— 1998 "A Estrutura do Argumento Darwiniano umaCritica ao Modelo Classico de Explicação" (Conferên-

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250 Ha/ma M Leal e Atina Carolina I< P Regner

cia apresentada na Universidad Nacional de Quilmes,Quilmes, Argentina, 2 de novembro de 1998, manus-crito)

— 1999 "The Structure of the Darwinian Argument in theOrkgm of Species — a Critique to its Hypothetical-Deductive Reconstruction.s " (Trabalho apresentado noInternational Society for the History, Philosophy, andSocial Studies of Biology, 1999 Meetmg — Oaxaca,Mexico, 7 a 14 de julho de 1999)

— 2000 "A Seleção Natural Darwiniana Discutindo aJustificativa de um Principio" (Trabalho apresentadono Primeiro Simposio Internacional Principia, promovi-do pelo NEL - Nucleo de Epistemologia e Logica, daUFSC, de 9 a 12 de agosto de 1999, em Florianopolis )

KeywordsOngin of Speaes, Darwiman rationality,Darwmian concept of explanation,scientific rationality, scientific explanation

1-latina Macedo LealDepartamento de Filosofia, UFSC

Caixa Postal 476, 88010-970, Florianopolis, SC, BrasilE-mail halma lezaz com br

Anna Carolina Krebs Pereira RegnerDepartamento de Filosofia, IFCH, UFRGS

PPG em Psicologia Social e Institucional e GrupoInterdisaplinar em Filosofia e Historia das Ciencias - ILEA

E-mail aregner@portoweb com br

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A Racionalidade na Explicaçao Darwunana 251

Notas

A edição utilizada, Darwm 1993, agrega as correções e adiçõesda sexta edição inglesa da Origem das Especies, datada de 1872, aultima revisada por Charles Darwin — as passagens citadas foramtraduzidas pelas autoras, sendo delas todos os grifos2 O principio malthusiano e o principio de luta pela existenciasão tambem referidos conjuntamente como a "doutrina de Mal-thus" ou o segundo aparece, em varias reconstruções, supondo oprimeiro

Uma analise detalhada dessa questão e oferecida em Regner1999

Darwin admite que variações flutuantes, sem afetar o bem-estarda espeae, tornem-se fixas independentemente da ação da seleçãonatural, que so age sobre variações utes ou prejudiciais (Darwm1993, pp 274-75) Todavia, a sobrevivencia da especie e, assim,de sua descendencia modificada, depende de sua adaptação , aqual resulta da ação da seleção natural

Não raramente, quão inconscientemente muitas ações habituaissão, na verdade, executadas na direção oposta a nossa vontadeconsciente ! No entanto, elas podem ser modificadas pela vontadeou razão6 Mas supondo, por um instante, neste e em outros casos seme-lhantes, que o registro do primeiro aparecimento e desapareci-mento das espeaes foi completo, o que esta longe de ser o caso,nos não temos razão para crer que formas sucessivamente produ-zidas necessariamente resistam por extensões de tempo corres-pondentes

Algumas vezes, nos podemos ver a razão porque uma arvorenão se sobrepõe a outra, pelas diferenças nas suas taxas de cres-cimento, na dureza de suas madeiras, no periodo de fluxo e natu-reza da seiva, etc, mas, numa multidão de casos, não podemosassinalar qualquer razão

Com insetos esteres, nos temos razão para crer que modifica-ções nas suas estruturas e fertilidade tem sido lentamente acu-muladas pela seleção natural (T A)

A razão me diz que, se numerosas gradações de um olho simplese imperfeito para um olho complexo e perfeito podem ser mos-tradas como existentes, cada gradação sendo uni ao seu possui-

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dor, como e certamente o caso, se, alem disso, o olho semprevariar e as variações forem sempre hereditanas, como e, igual-mente, certamente o caso, e se tais variações devem ser uteis paraqualquer animal sob condições vanaveis de vida, então a dificul-dade de crer que um olho perfeito e complexo possa ser produzi-do pela seleção natural, embora insuperavel para nossa imagina-ção, não deveria ser considerada como subversiva a teoria10 Quando assim trabalhadas, elas (contestações reunidas por MrSaint-George Mivart contra a teoria da seleção natural) formamum formidavel conjunto, e como não faz parte do plano de MrMivart dar os vanos fatos e considerações opostos as suas conclu-sões, não deixa a seu leitor, o qual pode dese j ar pesar a evidenciade ambos os lados, nenhum esforço de razão e memona (T A )11 Para chegar, entretanto, a uma exata conclusão com respeito aformação do olho, com todos os seus maravilhosos e não absolu-tamente perfeitos caracteres, e mdispensavel que a razão devaconquistar a imaginação12 Se nossa razão nos leva a admirar com entusiasmo uma multi-dão de inigualaveis engenhos na natureza, esta mesma razão nosdiz, no entanto, que nos podemos facilmente errar em ambos oslados, que alguns engenhos são menos perfeitos13 ( ) qualquer um entende o que e expresso quando e dito que oinstinto impele o cuco a migrar e por ovos em ninhos de outrospassaros Uma ação, que a nos proprios requer experiencia paraexecutar, quando executada por um animal, mais especialmentepor um jovem animal sem expenencia, e quando executada pormuitos individuos do mesmo modo, sem conhecer o seu proposi-to, e usualmente dita ser instintiva Mas eu poderia mostrar quenenhum desses caracteres e universal Uma pequena dose dejulgamento ou razão, como expressa Pierre Huber, frequentemen-te entra em jogo, mesmo com animais inferiores na escala danatureza14 Nenhuma lei fixa parece determinar a duração do tempo emque qualquer especie ou qualquer genero permanece Ha razãopara crer que a extinção de todo um grupo de especies e geral-mente um processo mais lento do que sua produção, se o seuaparecimento e desaparecimento for representado, como antes,por uma linha vertical de espessura vanavel, a linha afila-se mais

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A Rctaonaltdade na Explica çao Darwinzana 253

gradualmente para sua extremidade superior, que marca o pro-gresso do exterminio, do que para sua extremidade inferior, quemarca o primeiro aparecimento e o crescimento inicial no nume-ro de especies15 Exceto por assinalar razões tão gerais e vagas, nos não podemosexplicar por que, em muitas partes do mundo, muitos quadrupe-des ungulados não adquiriram pescoços alongados ou outro meiopara pastar em galhos mais altos ou arvores16 Mr Isidore Geoffroy Samt-Hilaire, na sua conferencia proferi-da em 1850 (da qual um resumo apareceu na Revue et Mag DeZoolog Jan 1851), da, brevemente, sua razão para crer que ca-racteres espeaficos "são fixados para cada espece, enquanto seperpetuarem no meio das mesmas circunstancias e se modificamse as condições ambientes tendem a mudar"17 Tomando-se "caracteres especificos são fixados para cada espe-cie, enquanto se perpetuarem no meio das mesmas circunstanci-as e se modificam se as condições ambientes tendem a mudar"como o principio então inferido18 Como varias das razões que me conduzem a esta crença [refere-se a crenças de que as diferentes raças de pombos domesticosdescendem do pombo-torcaz] são, em algum grau, aplicaveis emoutros casos, eu as darei, aqui, brevemente Se varias raças nãosão variedades e não procedem do pombo-torcaz, elas devemdescender de ate sete ou oito raças originais, pois e impossivelproduzir as atuais raças domesticas pelo cruzamento de qualquernumero menor como, por exemplo, produzir um pombo papo-de-vento pelo cruzamento de duas raças, a não ser que um dostipos originais apresente o enorme papo caracteristico?19 Destas varias razões, a saber - a improbabilidade de o homemter antigamente produzido, no estado domestico, sete ou oitosupostas espeaes de pombos para se reproduzirem livremente, -estas supostas especies serem totalmente desconhecidas no estadoselvagem e não terem se tornado, em lugar algum, selvagens, -estas especies apresentarem certos caracteres muito anormaisquando comparados com todos os outros columbideos, emborase assemelhem ao torcaz na maioria dos aspectos, - o reapareci-mento ocasional da cor azul e de varias marcas pretas em todas asraças, tanto quando permanecem puras como quando cruzadas,

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e, finalmente, a prole de mestiços ser perfeitamente fertil20 Ha razão para crer que o spamel do Rei Charles tem sido in-conscientemente amplamente modificado desde o tempo daquelamonarquia21 Nossa ignorancia das leis da variação e profunda Nos nãopodemos, num caso em cem, pretender assinalar qualquer razãopor que esta ou aquela parte tem variado Mas quando nos da-mos os significados do estabelecimento de uma comparação, asmesmas leis parecem ter agido na produção de menores diferen-ças entre variedades da mesma especie, e maiores diferenças entreespecies do mesmo genero22 Seria dificil dar qualquer explicação racional das afinidades dosanimais cegos das cavernas para os outros habitantes dos doiscontinentes sobre a visão ordmaria de suas criações independen-tes23 Ele [A de Candolle] especifica cerca de uma duzia de caracteresque podem ser encontrados variando no mesmo galho, algumasvezes conforme a idade ou desenvolvimento, algumas vezes semqualquer razão assinalavel24 Nos temos toda razão para crer que muitas destas formas duvi-dosas e intimamente associadas tem permanentemente fixadoseus caracteres por um longo tempo25 De todas essas causas de Mudança, a ação acumulativa da Se-leção, seja aplicada metodica e rapidamente, ou inconsciente elentamente, mas mais eficientemente, parece ter sido o Poderpredominante26 De acordo com a visão ordmaria de cada especie tendo sidoindependentemente criada, devemos atribuir essa similaridadenos estames alongados dessas tres plantas não a vara causa dacomunidade de descendencia, e, consequentemente, a uma ten-dencia a variarem de modo similar, mas a tres separados, emboraproximamente relacionados, atos de criação22 Ate tornar-me familiarizado com estes fatos [refere se a feno-menos de cruzamentos e observações embriologicas], eu não que-ria crer na frequentemente prematura morte de embriões de hi-bridos, pois hibridos, quando nascem, são geralmente saudaveis elongevos, como vemos no caso da mula28 Quando as visões expostas por mira neste volume e por Mr _

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A Racionandade na Explica çao Darunnlana 255

Wallace, ou quando visões analogas sobre a origem das especiesforem geralmente admitidas, poderemos vislumbrar que haverauma consideravel revolução na historia natural Os sistematistasserão capazes de perseguir seu trabalho como o fazem presente-mente, mas não serão incessantemente assaltados pela sombra daduvida de se esta ou aquela forma e uma especie verdadeira Isto,estou certo certo e falo da minha expenenda, não sera um aliviopequeno29 Como, de acordo com a teoria da seleção natural, um numerointerminavel de formas intermedianas devem ter existido, conec-tando todas as especies em cada grupo, atraves de gradações tãofinas quanto as nossas variedades existentes, pode-se perguntarPor que não vemos essas formas intermedianas a nossa volta ? Porque não estão todos os seres organicos misturados num caosinextricaveP A respeito das formas existentes, devemos lembrarque não temos o direito de esperar (exceto em raros casos) desco-brir elos diretamente conectando-as, mas apenas elos entre cadaforma existente e alguma forma extinta e suplantada Mesmonuma grande area que tenha permanecido continua por um lon-go penodo e cujas mudanças, chmancas e outras, tenham corridoinsensivelmente de um distrito ocupado por uma especie a outro,ocupado por outra especie intimamente aliada a primeira, nãotemos o direito de esperar frequentemente encontrar variedadesintermedianas em zonas intermedianas Pois temos razão paracrer que apenas umas poucas especies de um genero sofrem mu-danças, as outras especies tornando-se literalmente extintas e nãodeixando descendencia modificada Das especies que se modifi-cam, apenas poucas, num mesmo terntono, mudam ao mesmotempo e todas as mudanças são lentamente operadas Tambemmostrei que as variedades intermedianas que provavelmente vi-veram, inicialmente, nas zonas intermediarias, seriam capazes deserem suplantadas por formas aliadas de um lado ou de outro,pois as ultimas, por existirem em maior numero, seriam geral-mente modificadas e aperfeiçoadas numa taxa mais rapida do queas variedades intermedianas, que existiriam em menor numero,de modo que as variedades intermedianas, a longo prazo, seriamsuplantadas e exterminadas30 Dificilmente pode-se supor que uma teoria falsa explicaria, de

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maneira tão sansfatoria como a teoria da selecão natural o faz, asdiversas e amplas classes de fato acima especificadas Foi recen-temente objetado que este não e um metodo seguro de argumen-tar, mas este e um metodo usado ao julgar os eventos da vidacomum e tem sido frequentemente usado pelos maiores filosofosnaturais31 Essa dificuldade [refere-se a produção de insetos neutros], em-bora parecendo insuperavel, e amenizada ou, como creio, desapa-rece Quando lembramos que a seleção pode ser aplicada a fami-lia, assim como ao individuo, e pode então alcançar o fim desej a-do32 Quando deixamos de olhar para um ser organizado como umselvagem olha para um navio, como alguma coisa completamentealem da sua compreensão, quando olhamos toda produção danatureza como tendo uma longa historia, quando contemplamostodas as complexas estruturas e instintos como uma sintese demuitos engenhos, cada um util ao seu possuidor, da mesma ma-neira que qualquer grande invenção mecanica e a sintese do tra-balho, da expenencia, da razão, e de erros de numerosos operan-os, quando contemplamos assim cada ser organizado, quão maisInteressante — falo por expenencia — se torna o estudo da histo-ria natural?33 Eu não vejo razão para limitar o processo de modificação, comoagora explicado, apenas para a formação de generos

Nos confins do seu habitat geografico, uma mudança de consti-tuição com respeito ao clima seria, claramente, uma vantagempara nossa planta, mas nos temos razão para crer que apenasalgumas plantas ou animais habitam em locais tão longmquosque sej am destruidos, exclusivamente, pelo rigor do clima

Mas doenças hereditanas e alguns outros fatos fazem-me crerque a regra tem uma ampla extensão e que, quando não ha razãoaparente para que uma peculiaridade deva aparecer em qualqueridade particular, ela tende, contudo, a aparecer na prole nomesmo penodo em que ela primeiro apareceu nos pais'As autoras agradecem ao CNPq pelo apoio financeiro concedi-do a elas no penodo de elaboração do presente artigo