1. filosofia geral e problemas metafísicos
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Cursos de Especializao para o quadro do Magistrio da SEESP
Ensino Fundamental II e Ensino Mdio
Rede So Paulo de
FilosoaGeraleProb
lemasMetafsicos
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Sumrio
1. A Filosofa e a perplexidade .......................................................4
1.1 - A inrcia do hbito.............................................................................5
1.2 - Preconceitos e esteretipos .................................................................6
1.3 - Coragem e honestidade intelectuais ...................................................7
2. Os problemas flosfcos ............................................................92.1 - A primordialidade dos problemas flosfcos nas vrias reas da
Filosofa ....................................................................................................9
2.2 - A problematicidade das questes flosfcas .....................................11
3. O problema do mtodo na flosofa ..........................................133.1 - Difculdade para se ormular um mtodo na Filosofa ..................... 13
3.2 - Componentes subjetivos do mtodo flosfco ................................. 17
3.3 - Componentes objetivos do mtodo flosfco................................... 22
4. Filosofa e Ensino da Filosofa .................................................28
4.1 - Trs tipos de atividade flosfca ...................................................... 28
4.2 - A relevncia da Histria da Filosofa no ensino da Filosofa ............32
4.3 - A relevncia da abordagem temtica no ensino da Filosofa 33
Bibliografia ............................................................................ 3 6Ficha da Disciplina: ................................................................ 3 7
sumario
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1. A Filosofa e a perplexidadeO espanto/perplexidade como origem da episteme
A primeira grande tese a ser desenvolvida e compreendida a seguinte: o sentimento de
perplexidade, de espanto, sempre oi e continua sendo a origem da episteme(e em particular da
Filosoa). Esse o sentimento de se surpreender, de se admirar, com o ato de as coisas serem
como so, ou ocorrerem como ocorrem, e de se perguntar por que ser que elas so assim, e no
de outro modo, e ocorrem do modo como ocorrem e no de outro. Um exemplo, : por que ser
que o vidro transparente, e no opaco como a madeira ou o tijolo? Por que razo ele quebra
com acilidade, ao invs de ser mais resistente, como outros materiais?
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1.1 - A inrcia do hbito
No dia-a-dia no temos muita ocasio de experimentar esse sentimento, e isso por ora de
alguns atores que bloqueiam sua emergncia. So eles: o hbito, o costume, os preconceitos, osesteretipos, o apego s idias recebidas e o receio de questionar coisas aceitas. Em contraste
com isso, podemos discernir sobre as condies que avorecem, que promovem, o apareci-
mento desse sentimento bem-vindo. Elas so descritas abaixo.
No se deixar dominar pela inrcia do hbito. O hbito, embora seja em geral uma coisa van-
tajosa, pois sem ele teramos que estar sempre reaprendendo as coisas e as habilidades, tem o
inconveniente de gerar uma impresso alsa de conhecimento. Para neutralizar esse inconve-
niente, preciso vencer a tendncia para se comportar segundo a inrcia do hbito, do cos-
tume. Suponha que eu saiba que a lmpada do meu quarto est queimada. Mesmo sabendo, o
hbito me az agir mecanicamente, e az com que, ao entrar no quarto, eu acione de um modo
maquinal o interruptor de luz. O problema que essa ao maquinalse d tambm, e muito
reqentemente, em nossa conduta intelectual. Todos ns temos essa tendncia a agir, sica e
intelectualmente, em conormidade com o hbito.
Portanto, uma primeira condio para trilhar o caminho da episteme, portanto da Filosoa, procurar desvencilhar-se da inrcia do hbito. Somente vencendo a inrcia do hbito podemos
azer uma pergunta sobre determinado objeto como se estivssemos vendo-o pela primeira
vez. Por exemplo, ns estamos habituados a ver a chama sem azer muitas perguntas, porque
a chama algo que vemos, e com que convivemos, desde criana. Mas, no momento em que
olhamos a chama com esprito investigador, passamos a contempl-la com outros olhos, e isso
nos leva a reetir sobre ela, a nos perguntar por que ela queima, ao invs, por exemplo, de pro-
vocar ccegas; a priori a chama poderia provocar ccegas ou acariciar, mas a experincia nosmostra que ela queima, o que ento nos leva a perguntar pela razo desse calor que queima.
O esprito investigador do cientista e do lsoo se liberta do habitual, do costumeiro, e desse
modo consegue olhar para o objeto como se estivesse vendo-o pela primeira vez, e se pergunta:
que coisa essa, de onde vem, por que assim e no de outro modo?
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1.2 - Preconceitos e esteretipos
Coragem e honestidade intelectual. Este um segundo elemento propcio a gerar o senti-
mento de perplexidade. uma predisposio e uma coragem de nos desprendermos de nossasopinies quando suspeitamos que estas possam no ser corretas. Assim como vencer a inrcia
do hbito no cil, tambm no cil admitir que estamos enganados. No cil admitir
que nossa opinio, s vezes arraigada, no tem o undamento que pensvamos que tivesse.
Por que isso dicil? O que az de ns o que somos um conjunto de vrias coisas: herana
gentica, herana cultural, e as crenas que temos, sejam elas actuais ou valorativas; tudo isso
parte do que somos; ou seja, uma boa parte do que somos est nas crenas mais ortes e mais
permanentes que temos. Elas ormam nossa identidade pessoal, nossa identidade psquica e
social. Assim sendo, abandonar essas crenas, ou algumas delas, signica abdicar um pouco
da nossa identidade pessoal, da pessoa que somos. Da a diculdade de romper com elas. Re-
conhecer que estamos errados, que nossas crenas no tm bom undamento, signica renun-
ciarmos parte de nossa identidade. Questionar e rever crenas religiosas, ideologia poltica,
iderio prossional, etc, algo gerador de crise de identidade. Desse modo, compreende-se
que seja dicil para algum abandonar suas crenas mais ortes.
No entanto, necessrio ter essa predisposio de admitir que podemos estar errados, que
nossas crenas podem no ter undamento, que aquilo em que acreditvamos , ao contrrio
do que pensvamos, bem discutvel ou mesmo also. Um bom nome para essa predisposio :
coragem intelectual. De ato, a coragem muitas vezes necessria para reconhecer-se, perante
os outros e perante si prprio, como (redondamente) equivocados. Com eeito: o que vem a
ser essa coisa que chamamos genericamente de coragem? Podemos dizer que ela consiste na
predisposio para enrentar resolutamente uma realidade adversa ou perigosa, de qualquernatureza que ela seja, em vez de ugir dela. Podemos dizer, ento, que a coragem intelectual
a disposio de admitir para si mesmo a ora de evidncias contrrias s prprias crenas, o
que s vezes dicil. preciso coragem para admitir erros, s vezes erros sobre todo um con-
junto de crenas nossas. Por que preciso coragem? Porque admiti-los no interior de uma
comunidade de interessados, composta por colegas e/ou estranhos , numa situao pblica,
declarar-se errado, e s vezes redondamente errado; ora, uma consso mais ou menos pblica
de erros importantes, embora tenha seu lado meritrio, tambm, em dierentes graus, semprepenosa e diminuidora do auto-conceito.
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1.3 - Coragem e honestidade intelectuais
Predisposio para se livrar de preconceitos e esteretipos. O preconceito, seja ele racial, sexual,
religioso, esttico, ou losco, uma opinio que carece de undamento. um julgamentosem base na realidade, na lgica, na experincia. Os preconceitos so idias prontas, so res-
postas prontas.
Preconceito no prerrogativa de pessoas tolas, de pessoas burras ou despreparadas: todos
ns, inteligentes ou no, honestos ou no, temos preconceitos. Todos ns temos uma orte
propenso para uma viso tendenciosa, uma viso unilateral de ns mesmos e dos grupos a
que pertencemos. Essa condio diculta o exerccio da episteme, diculta a experincia do
sentimento e perplexidade, porque o preconceito o tipo da atitude que tem uma resposta
pronta. Ele um inimigo insidioso, porque est presente em ns sem que, muitas vezes, pos-
samos perceb-lo.
O que podemos azer para detectar o preconceito em ns prprios? Como agir para nos
livrarmos da priso dos preconceitos? Em primeiro lugar, preciso identic-los.
Um grupo social em que as pessoas que o integram s convivem entre si, e evitam a con-
vivncia com pessoas de outros grupos, tende a alimentar o preconceito contra outros grupos.
A distncia sica e a ausncia de interao com pessoas dierentes s aro crescer o precon-
ceito contra estas, ao passo que a proximidade sica e a interao social tendero a minimizar,
ou mesmo, diluir tal preconceito. Ter contato mais ou menos regular com grupos sociais die-
rentes do nosso uma oportunidade de nos libertarmos de preconceitos e adquirir sobre esses
grupos distantes idias mais corretas, menos distorcidas e preconceituosas.
Vamos a um exemplo ilustrativo. Na ocasio da guerra dos Estados Unidos contra o Taleb,no Aeganisto, uma cantora americana, de 23 anos, oi enviada para l representando um or-
ganismo internacional numa visita de boa vontade s mulheres aegs. Da convivncia com a
sociedade eminina aeg, essa representante americana extraiu experincias e observaes so-
bre as mulheres e as amlias aegs que depois veio a apresentar em depoimento na televiso.
Foi um depoimento sincero, que expressava um sentimento de identicao e simpatia para
com as mulheres aegs, porque dizia ela no undo e em grande parte elas so, em suas vidas
amiliares, em seu amor com os lhos, em seu o cuidado com a casa, em sua dedicao e pro-teo da vida conjugal, muito semelhantes s mulheres ocidentais. As mulheres aegs oram
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apresentadas no depoimento como basicamente semelhantes s mulheres de nosso mundo
mais civilizado. Com toda a certeza, essa moa americana no teria essa viso e no traria um
depoimento dessa natureza se no tivesse ultrapassado a distncia sica que a separava daquele
outro mundo, e no tivesse passando l um certo perodo de tempo, convivendo e interagindocom as mulheres aegs. Proximidade sica e interao social acabaram derrubando idias
preconceituosas.
Com isso j temos uma compreenso melhor do que alimenta o preconceito: ns temos
preconceito contra os dierentes. A dierena um ator que parece atuar por si prprio. Ns
temos, de ato, uma tendncia a simpatizar com os semelhantes e a nos sentirmos perturbados
com o que dierente, com o que tem comportamento dierente do nosso. O dierente tende ater um eeito de agresso sobre ns. Uma opo ou preerncia sexual dierente da socialmente
padronizada, tende a agredir. No entanto, e tomando como exemplo a homossexualidade, o
conhecimento baseado em atos mostra que, com exceo da dimenso sico-ertica, o relac-
ionamento aetivo homossexual indistinguvel do heterossexual. Nesse caso, tambm, a prox-
imidade e o conhecimento dos atos tendem a minar o preconceito, enquanto que a distncia
e a desinormao tende a reor-lo.
Falamos de preconceitos, mas tambm de esteretipos. Um esteretipo tambm umaidia pr-ormada, e um retrato distorcido e exagerado de algo. Exemplos: esteretipo da boa
aluna, da boa me, do poltico, do aluno de cincias humanas da UNESP.
O esteretipo uma imagem distorcida que exagera as caractersticas do estereotipado
em direes que seguem emoes desavorveis de quem estereotipa. Os esteretipos, assim
como os preconceitos, so tpicos estudados em Psicologia Social. Eles uncionam como uma
maneira de darmos vazo s nossas reservas ou mesmo hostilidade contra um grupo, em parte
marcando nossa identidade por contraste com o dierente. Mas, o que interessa que os es-
teretipos e os preconceitos so uma rede cultural na qual vivemos, porque crescemos inadver-
tidamente com eles, e eles nos aprisionam, uma vez que bloqueiam o caminho que nos leva
experincia do sentimento de perplexidade/espanto que d origem episteme.
Lembro que tudo o que dissemos at agora vlido para todas as modalidades da episteme,
e no apenas para a Filosoa. Vamos agora nos concentrar especicamente nesta ltima, e
examinar seus problemas e depois o mtodo para trabalh-los e buscar respostas a eles.
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2. Os problemas flosfcos
2.1 - A primordialidade dos problemas flosfcos nasvrias reas da Filosofa
De incio, a melhor maneira de caracterizar as questes da Filosoa enumer-las, pura e
simplesmente; ou seja, dar exemplos dessas questes. Aqui vo vrios deles: o que democra-
cia, justia, verdade, liberdade, virtude, etc.? Essas questes so chamadas conceituaise dierem
das seguintes: que mais importante, a segurana da coletividade ou a liberdade individual?Noutras palavras, nas ocasies em que uma delas conita com a outra, qual deve prevalecer?
Quais so os limites da intererncia do Estado na vida particular dos indivduos? Por outro
lado, em que consiste a superioridade do Belo sobre o Feio? Isto , em que, exatamente, o belo
melhor do que o eio? O homem realmente livre, tem de ato livre arbtrio? Ou toda ao
humana est submetida a uma causao orte, com uma causa provocando uma ao, esta pro-
vocando outra e assim por diante, como bolas de bilhar se movimentando e azendo as outras
se movimentarem? Se esse princpio da causao universal (ou determinismo causal) vige, ser
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que h lugar para a liberdade individual? Noutras palavras, a liberdade humana compatvel
com o determinismo? Outra questo: quais so as unes principais da linguagem humana, e
quais so as relaes entre linguagem e pensamento, e entre linguagem e ao? Quais so as
relaes que os processos mentais mantm com os estados e processos do crebro?
Exemplos na losoa moral: que critrios devemos usar para distinguir o moralmente certo
do moralmente errado? Ser que o certo e o errado so percebidos por intuio ou por um
senso moral interior e irredutvel, ou, ao contrrio, existe um critrio articulvel, ormulvel,
que se possa comunicar entre as pessoas? O que , exatamente, conduzir-se de um modo tico,
e conduzir-se de um modo antitico?
Todo mundo acha que o certo e o errado existem. Mas, ao aprovarmos um comportamentoe louv-lo, ou criticar um outro e atac-lo, estamos nos baseando em que critrios?
Para ser mais especco: como que voc sabe que eticamente louvvel, por exemplo,
ajudar uma pessoa necessitada numa situao em que o seu interesse individual aria voc
simplesmente ignor-la? Por que eticamente condenvel, e mesmo repugnante e covarde,
para qualquer um de ns, maltratar gratuitamente uma velhinha indeesa caminhando sozinha
num terreno baldio? Que , . Mas a pergunta : em que critrio nos baseamos para azer essejulgamento severo? Responder a essa questo de um modo claro e convincente bem mais
complexo, incerto e trabalhoso do que muitas pessoas imaginam.
Mas, se quisermos, podemos tentar evitar a reexo a respeito dessas coisas. Algum pode
simplesmente dizer: Eu sei quando algo certo ou errado. Minha educao amiliar me ori-
entou quanto a isso. Sei que certas coisas so corretas e que devo az-las, e sei quais coisas so
incorretas e no devo azer. No entanto, o grande problema que, nesta questo de certo e
errado, outras pessoas, igualmente inteligentes e honestas, divergem, e s vezes muito, de nos-sas opinies.
Por exemplo, o incesto, a relao amorosa/sexual entre pais e lhos, um tabu. uma
proibio orte na grande maioria das sociedades, mas no em todas; h sociedades em que o
incesto no eticamente condenvel. A pergunta : quem que tem razo neste caso quanto
ao certo e o errado? Para os cristos existe uma orma de responder: a proibio est, explicita
ou implicitamente, na Escritura e a Escritura a palavra revelada de Deus, de modo que nada
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do que ela permite errado e tudo o que ela probe incorreto. Dessa orma os adeptos do
cristianismo justicam suas posies ticas. Porm, para quem no tem religio, ou tem uma
religio muito diversa, essa justicativa no serve para nada, e com isso a pergunta pelo porque
da proibio permanece no-respondida; neste ponto que comeamos a losoar e vemos oquanto dicil oerecer uma resposta convincente a essa pergunta; nesse ponto, noutras pa-
lavras, que experimentamos o sentimento de perplexidade, que nos causa uma certa surpresa e
desconorto, e nos motiva para a busca de uma soluo para o problema.
2.2 - A problematicidade das questes flosfcas
Os problemas da Filosoa so personagens absolutamente centrais nela e em toda a suaHistria, desde o comeo, na Grcia. Perguntemo-nos agora sobre a relao entre o problema
losco (e sua centralidade) e o espanto como origem da Filosoa. Em todas as questes
que nos ormulamos, a perplexidade, quando ela existe, sempre a respeito de qual seria a res-
posta satisatria para elas. No caso, por exemplo, da questo da liberdade e do determinismo,
a perplexidade vem do seguinte: de um lado, seria muito complicado e incmodo rejeitar o
princpio do determinismo, e, tambm, seria quase impensvel negar que o homem seja dotado
de liberdade; por outro lado, parece ortemente que o determinismo conita mesmo com aliberdade. Ento, como sair dessa?
Podemos ormular a relao reerida acima do seguinte modo: um problema, e s um prob-
lema, o que gera espanto ou perplexidade; com eeito, nada capaz de provocar espanto/
perplexidade a no ser uma problema, uma questo.
O que um problema? A coisa mais simples que se pode dizer a respeito dele a seguinte
armao, banal: um problema ormulvel, na linguagem, em uma sentena interrogativa.Se no or ormulvel numa sentena interrogativa, no problema. Mas, para s-lo, so ne-
cessrias mais coisas, reeridas abaixo.
Algo decisivo a respeito do problema losco o interessepor ele. Voc se d conta de que,
por alguma razo, esta ou aquela questo tem a ver com voc, com seus interesses, com sua
personalidade. Ora, sabemos que vrias coisas so ensinveis, mas o interesse (por uma coisa
ou outra) no uma dessas coisas. verdade que ele pode, mediante iniciativas, ser encorajado,
aumentado, diminudo. Mas no pode ser implantado numa pessoa, no pode ser ensinado a
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ela. Quando ele existe, existe; quando no existe, no existe.
Outra coisa decisiva que a pessoa, o lsoo ou aprendiz de lsoo, tem de vivenciar a
situao como problema, isto , sinta necessidade de resolv-lo. Por exemplo, se acontece umacoisa muito inslita, incomum, mas a respeito da qual eu sou mais ou menos indierente, ela
no vai ser um problema para mim. preciso que esse acontecimento incomum, alm de ser
incomum, provoque em mim uma necessidade emocional de busca de explicao para ele.
Para ser genuinamente problema ele tem de provocar, no sujeito, uma necessidade emocional
de busca de soluo. Essa necessidade interior de se buscar uma resposta undamental, e ela
vem do ato de que um problema que permanece pendente, no-resolvido, por isso mesmo
incomoda at que receba uma soluo; uma questo interessante como que pede para serrespondida, e no se completa at que o seja, um pouco com um gesto que se inicia pede para
ser completado. Esta situao bem descrita por dois lsoos recentes, Karl Popper, para
quem um problema losco unciona como algo que perturba ou desequilibra o psiquismo
do sujeito, e Gilbert Ryle, que sugere que um problema losco unciona como um distr-
bio no sistema da pessoa e que pede para ser eliminado. E ele eliminado justamente com a
produo de uma resposta satisatria para a questo.
Se imaginarmos uma pea de teatro que conte a histria da Filosoa, vericaremos quenela vrias coisas importantes so, no entanto, relativamente passageiras: o caso das escolas
loscas racionalismo, empirismo, idealismo, materialismo, espiritualismo e dos prprios
lsoos; nenhum desses o personagem principal da pea. Eles aparecem em determinados
momentos, depois somem, e s vezes reaparecem para depois desaparecerem novamente. Mas
h dois personagens que, esses sim, aparecem o tempo todo e, por essa razo, entre outras, so
os personagens centrais da Filosoa e de sua Histria: um o problema/questo/tema los-
co, de que acabamos de alar, e o outro o mtodo utilizado no tratamento daqueles, do qualalaremos agora.
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3. O problema do mtodo na flosofa
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3.1 - Difculdade para se ormular um mtodo naFilosofa
Vamos aceitar, com Karl Marx2, que o homem s pe problemas que ele capaz de resolver
de um modo ou de outro, seja dissolvendo os problemas - mostrando, por exemplo, que so
alsos problemas ou mostrando que ns no precisamos resolver esses problemas para chegar
aos objetivos que ns queremos seja solucionando-os diretamente. Bem, se todos os prob-
lemas so solucionveis, de uma maneira ou de outra, ento deve ser possvel discernir alguns
procedimentos recorrentes adotados na resoluo deles. O conjunto desses procedimentos
constituiria o ncleo do mtodo de resoluo daqueles problemas.
Ocorre, no entanto, que no caso em que os problemas so loscos, surgem algumas
diculdades, uma das quais a seguinte. Se ns j tivssemos um bom nmero de prob-
lemas loscos resolvidos, na opinio da maioria dos estudiosos, ns poderamos, com base
na resoluo eita, tentar descrever quais oram os procedimentos de mtodo que levaram
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soluo deles. Mas, inelizmente, ao que parece,
no temos nenhum, ou quase nenhum, problema
losco substantivo resolvido na opinio con-
sensual da comunidade dos lsoos. Isso dicultabastante as coisas, em contraste, por exemplo, com
o que ocorre no caso das epistemesmais slidas, as
cientcas. Isso diculta comear a dar uma res-
posta mais objetiva questo de qual seja o m-
todo em Filosoa.
Mas talvez existam algumas verdades univer-salmente aceitas em Filosoa (quer dizer, aceitas
por quase todos), em particular em metaflosofa
que a reexo sobre a prpria Filosoa. Enu-
meremos algumas dessas verdades.
A primeira a tese de que a origem da losoa
est na perplexidade, no espanto. Uma segunda :
as interrogaes/questes/problemas da Filosoaso pelo menos to importantes quanto, e talvez
at mais importantes do que, as respostas que
oram e tm sido dadas a elas. Uma terceira que
a superao do que se pode chamar ignorncia ignara, isto , a ignorncia que pensa que sabe e
no sabe e que se ope ignorncia douta(em latim, docta ignorantiae que consiste no recon-
hecimento da ignorncia de muitas coisas), sendo esta superao condio indispensvel para
ascender ignorncia douta e para se percorrer o caminho de encontrar solues para os prob-lemas loscos. Uma quarta tese que a Filosoa, enquanto estudo de determinadas inter-
rogaes e tentativa de respond-las, precisa apoiar-se na sua histria escrita, sua historiogra-
a, alimentar-se desta de um modo vital. A historiograa um discurso que expe e interpreta
as obras loscas, situando-as em um desenvolvimento histrico que revele as continuidades,
as rupturas, as inuncias, o nascimento e renascimento de escolas, etc. Uma quinta tese e de
que no se pode ensinar a losoa, se esta entendida como um corpo de doutrinas subscritas
pela comunidade dos lsoos, j que esse corpo simplesmente no existe; s se pode ensinar a
2. Karl Heinrich Marx nasceu no dia 5 de maio de
1818, em Trveris, na Alemanha e morreu em 14 de
maro de 1883, em Londres, na Inglaterra. conhe-
cido por ser o fundador da doutrina comunista mo-
derna e foi tambm um intelectual e revolucionrio.Marx foi um estudioso que ingressou na Universida-
de de Bonn para estudar direito em 1835. Por inu-
ncia de seu pai, acabou transferindo-se para a Uni-
versidade de Berlim, alguns anos mais tarde, onde
teve contato com a obra do professor e lsofo Ge-
org Wilhelm Friedrich Hegel. Interessado, o jovem
voltou-se para a rea da losoa, onde mais tarde
concluiu um doutorado. O pensamento de Karl Marx
afetou radicalmente a histria poltica da humanida-
de e at hoje um dos mais conhecidos de todoo mundo. Inuenciado por lsofos como Imannuel
Kant e pelo prprio Hegel, e com a colaborao de
seu amigo Friedrich Engels, Marx foi autor da teoria
marxista. Trata-se, substancialmente, de uma crti-
ca ao sistema capitalista, que no se limita apenas
teoria, tentando uni-la prtica e, por causa disso,
cando conhecida tambm como teoria do socia-
lismo cientco. Alm disso, Marx foi o criador de
termos que repercutiram em posteriores discusses
nas sociedades, como a mais-valia. (Acesso em
01/09/2010 no endereo:
http://www.karlmarx.com.br/biograa-marx.htm
http://%20http//www.karlmarx.com.br/biografia-marx.htmhttp://%20http//www.karlmarx.com.br/biografia-marx.htm -
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losoar. E a ltima tese a de que em Filosoa, como em qualquer outra orma de episteme,
deve-se cultivar o enoque racional e desinteressado na produo e ormulao das hipteses e
dos princpios a serem demonstrados ou deendidos.
Assinalei acima uma diculdade para se ormular o mtodo em losoa. Uma outra dicul-
dade a seguinte. Parece haver uma inseparabilidade entre a prtica metodolgica do lsoo
e sua doutrina substantiva. Se dois lsoos dierem muito um do outro no que diz respeito
doutrina, provavelmente vai haver uma divergncia to grande quanto ao mtodo que ca
invivel pensar uma metodologia que ambos aceitem. Para dar um exemplo. O lsoo (e tam-
bm psiclogo) William James3 (1842-1910), americano, undador do pragmatismo, arma
que a histria da losoa , numa grande medida, a histria de um conito de temperamentoshumanos. Ora, o temperamento no reconhecido como uma razo, a qual tem de ser rela-
tivamente impessoal, para poder sustentar adequadamente as concluses. O temperamento
do lsoo algo muito pessoal, e segundo James
atua muito mais ortemente do que as premissas
apresentadas como objetivas e impessoais. James
tem uma viso pragmatista, e no racionalista nem
empirista nem cienticista, da Filosoa. Vejam
que a conana na utilizao de uma metodologia
depende de se exclurem certas vises da Filosoa,
como esta de James, que a tornam demasiado pes-
soal e subjetiva.
Quem tem essa viso pragmatista da Filosoa no pode estar de acordo com algum que
pensa, por exemplo, que a losoa deve ser ruto de um intelecto comprometido com procedi-
mentos que no dependam da subjetividadede cada um. Uma concepo deste ltimo tipo deendida, por exemplo, por Bertrand Russell4(1872-1970), matemtico, lsoo, educador
e ativista de causas sociais. Dele o seguinte trecho alis, semelhante a um outro, de Ni-
etzsche5, que citarei em seguida sobre esse assunto: Os lsoos, desde Plato a William
James permitiram que suas opinies sobre a constituio do Universo ossem inuenciadas
pelo desejo de edicao. Sabendo, ou julgando saber, quais crenas tornariam os homens mais
virtuosos, eles inventaram argumentos, alguns dos quais bem alaciosos, para provar que essas
crenas so verdadeiras. Subjacente a esse pensamento est a crena de que possvel produziruma losoa objetiva.
3. JAMES, William. (1842-1910). Filsofo e Psiclo-
go estadunidense, em 1875 foi o primeiro a ministrar
um curso de Psicologia no mundo. Sua obra Princ-
pios de Psicologia constitui um clssico da rea at
hoje. James foi um dos formuladores e defensores
da losoa pragmatista, a qual ele apresenta emobra intitulada Pragmatismo. Mais informaes so-
bre o lsofo podem ser encontradas no endereo:
http://pt.wikipedia.org/wiki/William_James
(acessado em 01/09/2010).
http://pt.wikipedia.org/wiki/William_Jameshttp://pt.wikipedia.org/wiki/William_James -
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Eis agora o trecho de Friedrich
Nietzsche (1844-1900):Para ex-
plicar como um lsoo chegou
s suas mais remotas armaesmetasicas, sempre bom e
sbio se perguntar que morali-
dade ou edicao visada por
essa metasica. Em conormi-
dade com isso, no acredito que
um impulso ao conhecimento
tenha sido o pai da losoa,mas acredito, ao contrrio, que
um outro impulso apenas em-
pregou o conhecimento e um
also conhecimento como in-
strumento. O outro impulso,
de que o texto ala, a vaidade;
Nietzsche chama os grandes l-soos do passado de monstros de vaidade. No texto de Russell com certeza o de Nietzsche
tambm, talvez ns temos um pensamento que aproveitvel para quem quer deender uma
posio da losoa como uma episteme respeitvel no mesmo nvel, pelo menos, que muitas
outras, e criticar aquela posio do subjetivismo temperamentalista de William James. Temos
a, portanto, duas grandes posies contrrias, e claro que vai ser impossvel voc reunir es-
ses dois grupos de lsoos e tentar azer com que eles cheguem a algum acordo a respeito do
mtodo em Filosoa, dada essa inseparabilidade, que parece existir, entre a teoria e a prticado mtodo, de um lado, e a doutrina substantiva do outro. Essa ento mais uma diculdade
para se responder a questo de qual o mtodo em Filosoa.
Mas esqueamos um pouco essas diculdades e tentemos dizer algo de positivo sobre o
mtodo em Filosoa. Vou enumerar o que, por alta de melhor nome, chamarei de componentes
subjetivos e componentes objetivosdo mtodo em Filosoa.
4. RUSSELL, Bertrand. (1872-1970) foi um dos mais importantes pen-
sadores ingleses do sculo XX. Assim como outros contemporneos,
Russell criticou o idealismo ingls de Francis Bradley e John Mactaggart
preponderante no nal do sculo XIX, restaurando, em um certo sentido,
a tradio empirista. Rusell foi responsvel por introduzir o pensamento
de Gottlob Frege (1848-1925) aos lsofos ingleses, especialmente no
que se refere s ferramentas providas pela lgica matemtica. Um de
seus principais objetivos era detalhar a relao entre os objetos abstratos
e a experincia. Alm de sua extensa produo intelectual nas reas de
Filosoa e Lgica, ele produziu obras sobre poltica, moral, educao,
religio, dentre outros temas.
5. NIETZSCHE, Friedrich. (1844-1900), lsofo e llogo alemo conhe-
cido pela fora conceitual de seu pensamento e pela qualidade literria
de suas obras. No incio de seu percurso intelectual foi inuenciado pelo
pensamento de Schopenhauer, o que se reete em seu primeiro livro O
Nascimento da Tragdia (1872). Nessa obra, Nietzsche considera que
a tragdia grega uma forma artstica de salvao e associou a tragdia
grea s peras de Wagner. Em vrios trabalhos, como Alm do Bem e do
Mal (1886), adota o mtodo da losoa s marteladas em relao a con-
cepes religiosas e ticas (particularmente a crist), defendendo uma
valorao (e reavaliao) de todos os valores. Nietzsche continua sendo
um dos mais inuentes lsofos alemes no pensamento contemporneo.
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3.2 - Componentes subjetivos do mtodo flosfco
Nos componentes subjetivos vou distinguir duas coisas: um elemento tico, e um outro que
vou chamar de elemento temperamental. No que diz respeito ao primeiro, estou pensando, porexemplo, numa reexo eita para Claude Bernard (1818-1878), siologista, mdico e pen-
sador da cincia. Ele arma que o cientista, antes de entrar em seu laboratrio, tem de tomar
uma atitude importante, que a de desprender-se dos preconceitos e das idias recebidas. Ora,
esse um esoro que podemos, com propriedade, caracterizar como tico.
O lsoo dever estar comprometido com as normas ou regras do jogo losco. Quais
so essas normas ou regras? Essas normas mandam que o lsoo, ou o aprendiz de lsoo,
ponha o seu amor verdade e seu empenho em chegar ao conhecimento, acima, digamos as-
sim, de quaisquer outros amores seus, em si mesmos legtimos, que possam conitar com esse
primeiro amor. Ento, na medida em que voc se apresenta, aos outros e a si mesmo, como
lsoo, como genuinamente lsoo, voc implicitamente estar azendo, digamos, um ju-
ramento prossional que, embora no seja pblico ou registrado em ata, nem conste ormal-
mente de instrumentos jurdicos, muito signicativo e poderia ser enunciado, por exemplo,
nos seguintes termos: Prometo, na medida de minha capacidade, pr o interesse pela descobe-
rta da verdade e pela sua justicao acima de qualquer outro interesse meu que possa conitar
com ele. E promessa, mesmo inormal, dvida; isto , o sujeito tem uma obrigao, para com
a comunidade de seus interlocutores, de agir em conormidade com essa promessa. Esse ,
portanto, o componente tico que tem de estar presente no carter e na conduta intelectual do
pesquisador em geral, talvez mais particularmente em cincias humanas, e mais ainda nessa
orma de epistemeque se chama Filosoa. Esse o componente tico e nele que reside a car-
acterstica da epistemede ser desinteressada, reerida no incio do artigo.
Vamos agora ao componente de temperamento. H, nesse amor verdade nesse amor que
ama mais a verdade do que a prpria doutrina que se tem num certo momento da vida um
elemento que no tico, e que estou chamando de temperamental. Ele consiste em se iden-
ticar emocionalmente com o que h de mais excitante nesse jogo que o jogo da verdade,
o jogo de buscar a verdade jogo no qual voc marca gol quando encontra a verdade ou algo
prximo dela, e marca gol contra quando deende o erro porque deseja que ele osse a verdade.
Suponhamos que, num jogo amador e amistoso de utebol, voc marque um gol agindo em
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desacordo com as regras do jogo. Pois bem, assim como nessa situao no tem graa ganhar
do adversrio roubando, por exemplo, marcando gol com a mo sem que o juiz veja, tambm
no tem graa esse o elemento puramente temperamental, psicolgico, isto , extra-moral
no tem graa deender uma proposio terica, uma tese sabendo que voc est escondendodos outros, e possivelmente de voc mesmo, evidncias contrrias a essa proposio, ou que
voc est como que abricando evidncias avorveis a ela. Com esse comportamento seu, o
jogo perde justamente o que ele tem de mais essencial, de mais excitante, que a nica grande
razo de ele ser disputado.
De onde vm a convenincia e a necessidade de se enatizarem esses elementos ticos e tem-
peramentais? Vm do ato de que h oras poderosas, dentro de ns mesmos, que agem insid-iosamente numa direo contrria a eles. Essas oras oram objeto de ateno de uma tradio
de pensamento que se constituiu na Europa continental na poca moderna. Ela se chama a
vertente dos moralistas ranceses, e comea com Michel de Montaigne, no sculo XVI, passa
pelo sculo XVII, com La Rocheoucauld6 e Blaise Pascal7 (que , por sinal, uns dos gigantes do
pensamento ocidental), percorre o sculo XVIII com La Bruyre, Chamord, Vauvegnargues
e outros, e tem continuadores no sculo XIX e mesmo no sculo XX. Essa tradio pensou
os atores internosque atuam como obstculos tanto ao cultivo do temperamento sintonizado
com o que h excitante nas regras do jogo da verdade, quanto adoo de condutas em con-
ormidade com a norma tica de no abricar evidncias, no ocultar elementos desavorveis
opinio prpria, etc. Essas oras so de ato poderosas, da a necessidade de se enatizar tanto o
lado tico quanto o lado temper-
amental dessa coisa que se chama
o amor da verdade, o apreo pelo
saber, a losoa (Aproximada-
mente, em grego soa e lo
se traduzem respectivamente por
sabedoria e amante de.
Com a ajuda dessa tradio,
reitamos ento sobre esses a-
tores internos. Entre os traos de
temperamento que prejudicam o
6.Franois, Duque de La Rochefoucauld (1613-1680) Filsofo francs.
La Rochefoucauld foi um dos introdutores, e certamente o maior cultor do
gnero de mximas e epigramas, divertimento social que ele transformou
em gnero literrio, escrevendo textos de profundo pessimismo. Seu mais
famoso livro, Reexes ou sentenas e mximas morais, apareceu pelaprimeira vez em 1664. At a quinta edio do livro, La Rochefoucauld foi
condensando suas mximas, ao mesmo tempo em que abrandava o tom,
restringindo o seu amargor. Esprito custico, amargurado, ele atribui ao
amor-prprio um papel preponderante na motivao das aes humanas.
Todas as qualidades da nobreza - as falsas virtudes - tm a mov-las o
egosmo e a hipocrisia, atributos inerentes a todos os homens. Segundo
La Rochefoucauld, a necessidade de estima e de admirao est por trs
de toda manifestao de bondade, sinceridade, gratido. Ele um pessi-
mista desencantado com o gnero humano.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Franois_de_La_Rochefoucauld
http://pt.wikipedia.org/wiki/Fran%E7%AF%A9s_de_La_Rochefoucauldhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Fran%E7%AF%A9s_de_La_Rochefoucauld -
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exerccio do amor ao saber, guram o amor-
prprio (num certo sentido desse termo) e a
vaidade. Ouamos Pascal a respeito de um e
de outro: A natureza do amor-prprio, desseeu humano, de amar apenas a si e no con-
siderar a no ser a si. Mas ele no vai conse-
guir impedir que esse objeto que ele ama seja
cheio de deeitos e de misria. Ele quer ser
grande, ele se v pequeno; ele quer ser eliz,
ele se v miservel; ele quer ser pereito, ele se
v cheio de impereies; ele quer ser objetode amor e de estima dos homens, e ele v que
seus deeitos no merecem seno a averso e o
desprezo deles. Esse embarao em que ele se
encontra produz nele a paixo a mais injusta
e criminosa que se possa imaginar, porque ele
concebe um dio mortal contra essa verdade
que o repreende e que o convence de seus de-eitos. Ele desejaria aniquil-la, e no poden-
do destru-la nela prpria, ele a destri, tanto
quanto ele pode, no seu conhecimento dela...
Isto , ele toma todo o cuidado em cobrir os
seus deeitos aos olhos dos outros, e aos seus
prprios olhos (grio meu). Essa descrio
que o autor az do amor-prprio a descriode algo que est arraigado na natureza hu-
mana e que no poupa ningum, conorme se
inere desta outra passagem dele: H die-
rentes graus dessa averso pela verdade, mas
pode-se dizer que ela est em todos os homens em algum grau, porque ela inseparvel do
amor-prprio. Pascal tambm inclui a todos ns, inclusive a ele prprio, entre as vtimas in-
telectuais desse outro inimigo interno insidioso que a vaidade: A vaidade est to arraigada
7. PASCAL, Blaise (1623-1662) Filsofo, matemtico,
fsico e literato francs contemporneo de Descartes.
Desde menino se interessou por matemtica e publi-
cou seu primeiro tratado sobre o tema com 16 anos
de idade. Aos 18 anos comeou a construo de um
mecanismo capaz de realizar as quatro operaes
aritmticas, obtendo sucesso depois de dez anos de
tentativas. Fsico experimental, realizou a clebre ex-
perincia de Torricelli sobre a possibilidade do vcuo
na natureza, contrariando, desse modo, teses sobre
a continuidade da matria defendidas por Descartes.
Como menino prodgio, aos 12 anos trabalhava por
conta prpria com base nos Elementos, de Euclides.
Ele tambm inventou a seringa e a prensa hidrulica.
A partir de 1651 comea a sofrer graves problemas de
sade que permanecero at sua morte prematura.
Sua principal obra losca foi publicada postumamen-
te sob o ttulo Pensamentos. Trata-se de fragmentos de
textos de diferentes tamanhos em torno e inmeros te-
mas (tais como a natureza do conhecimento, da moral,
da metafsica, da religio, entre inmeros outros). , mas
que se considera como parte do material que Pascal
utilizaria para elaborar uma Apologia da religio cris-
t. Parte de seus trabalhos nesta poca diziam res-
peito aos fundamentos do clculo das probabilidades.
Passou por uma experincia religiosa que levou-o a
freqentar o mosteiro jansenista em Port-Royal. Ajudou
os jansenistas em sua disputa com os jesutas, escre-
vendo anonimamente Cartas Provinciais (1656-7), que
ajudaram a abalar signicativamente o prestgio e au-
toridade dos jesutas. Seus Pensamentos, publicados
postumamente em 1670, estabeleceram seu inuente
princpio do intuitivismo, que ensinava que Deus pode-
ria ser experimentado atravs do corao, e no da
razo.Para uma breve bibliograa de Blaise Pascal,
consulte o endereo
http://educacao.uol.com.br/biograas/ult1789u647.jhtm,
Acessado em 01/09/2010.
http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u647.jhtm,http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u647.jhtm, -
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no corao do homem, que um soldado, um criado, um cozinheiro, um carregador, se vangloria
e quer ter seus admiradores, e os lsoos tambm querem ter. E aqueles que escrevem contra
tambm querem ter a glria de terem escrito bem, e aqueles que os lem querem ter a glria de
t-los lido. E eu que escrevo isso talvez tenha essa vontade tambm. E, podemos e devemosacrescentar, ns outros que escutamos essas palavras de Pascal ns outros, quer dizer, eu que
escrevo isso e vocs que me lem tambm talvez tenhamos essa vontade.
Estas reexes se alinham com outras, que mostram quanto poderosas so as oras subje-
tivas e psicossociais que bloqueiam o cultivo do temperamento amante das regras do jogo e do
senso de obrigao e de obedincia a elas.
Mais tarde, e mais ou menos no mesmo esprito, escreveu Arthur Schopenhauer8: Essalosoa universitria, carregada de uma centena de interesses e mil comprometimentos diver-
sos, caminha usando rodeios e avanando por caminhos tortuosos sem jamais perder de vista
o temor do Senhor, a vontade do ministrio, as exigncias do editor, o avor dos estudantes e
a boa amizade dos colegas. Schopenhauer do sculo XIX, o que nos az ver que essa uma
temtica recorrente; e isso s acentua a importncia, para o lsoo e o cientista tanto quanto
para os aprendizes de lsoo e de cientista, de se protegerem contra esses obstculos internos
poderosos. Da a necessidade de se insistir sobrea importncia de se educar o esprito, de educar
a sensibilidade, para que cultivemos tanto o gos-
to pelas regras do jogo da verdade, quanto a dis-
posio de se obrigar a agir em conormidade com
o preceito que manda colocar o amor da verdade
acima de outras possveis inclinaes conitantes
com ele, o que no raro muito dicil, e s vezestalvez mesmo impossvel, de se azer.
Um parnteses. Temos aqui trs lsoos do
passado, um do Sculo XVII, o rancs Pascal, e os
outros dois, os alemes Schopenhauer e Nietzsche,
do sculo XIX. Ocorre que quanto mais o tempo
passa o tempo das ltimas quatro ou cinco dca-
8. SCHOPENHAUER, Arthur. (1788-1860). Fil-
sofo alemo cuja principal obra O Mundo como
Vontade e Representao (1818). Leitor de Kant,
Schopenhauer parte da metafsica kantiana segun-
do a qual o mundo externo construdo por nossa
mente atravs de representaes (ou idias). Dife-
rentemente de Kant, porm, no considera que as
coisas em si mesmas estejam alm de nosso al-
cance. Para ele, a natureza do mundo a vontade,uma fora irracional sem nalidade ou direo. A
vontade seria o princpio ltimo de tudo e um impul-
so jamais inteiramente satisfeito. Neste mundo, re-
pleto de dor e sofrimento, a arte e a contemplao
esttica minimizam o impacto dessa fora cega no
destino humano. O reconhecimento da cegueira da
vontade gera uma moral pessimista, mas que pela
contemplao tica da vontade permite a compai-
xo e a renncia, em moldes semelhantes moral
budista (que tanto inuenciou seu pensamento).
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das tanto mais ca patente a atualidade deles, especialmente talvez a de Nietzsche e a de
Pascal. Mas no caso deste pensador rancs a atualidade mais surpreendente e admirvel
do que no dos dois alemes: estes, e Nietzsche mais do que Schopenhauer, nos so bem mais
prximos, no s no tempo, mas culturalmente. J Pascal era contemporneo de Descartes, eviveu a maior parte de sua vida na primeira metade do sculo XVII, um sculo j remoto e
culturalmente muito contrastante com o nosso, o que torna ainda mais admirvel a grande
atualidade que ele tem, tanto como lsoo moral, quanto como lsoo da mente com suas
reexes sobre a imaginao e os traos de temperamento e de carter e tambm como pen-
sador do conhecimento humano.
Duas palavras sobre a relao entre o componente tico e o componente temperamental.Primeiro, no h uma distino completa entre os dois: um ou outro elemento de um deles
pode ser tambm elemento do outro. Por exemplo, a coragem intelectual, de que alei no Tpico
3.3 do Tema 1, est includa na rea ronteiria entre o componente temperamental e o com-
ponente tico, com um p num deles e o outro p no outro. Com eeito, a coragem parece
exigir tanto um temperamento condizente, quanto um apropriado senso de dever. Segundo,
a prtica da dimenso tica indispensvel; ou seja, o exerccio da dimenso temperamental
no basta por si s. No basta a vantagem da virtude temperamental, mesmo quando ela existe
num grau elevado. E o exerccio do primeiro, do tico, grandemente acilitado pelo cultivo
do temperamento que seja mais ou menos naturalmente amante das regras do jogo, amante
do jogo limpo Ou seja, o trao temperamental tem de gurar no equipamento com o qual o
investigador empreende a busca de respostas aceitveis para as questes loscas, mas ele no
suciente.
O trao temperamental e o componente tico so mais importantes ateno para isso
onde se tem menos controle cientco, tanto na ormulao quanto na deesa de hipte-ses. Sem a quanticao e os conceitos da matemtica e da lgica, que inclusive algumas
disciplinas humanas, como a Economia, utilizam sem os procedimentos experimentais, que
certas psicologias usam, e sem o sosticado aparato tecnolgico posto a servio das cincias
biolgicas e biomdicas, da astronomia, sem isso tudo o ato que ns, lsoos, dependemos
daquelas duas condies num grau bem maior do que nas modalidades da episteme em que h
recursos daqueles tipos. Ento esse bip um suporte undamental para a sustentao, ainda
que relativa, da busca do saber em Filosoa e na maior parte das cincias humanas. Dentro das
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humanidades, a Filosoa que precisa deles mais desesperadamente. Por exemplo, a cincia
poltica trabalha com dados quantitativos (por exemplo, com resultados de eleies), embora
esses dados sejam sujeitos, eles prprios, a serem interpretados diversamente por dierentes
estudiosos. Ou seja, o praticante da episteme losca precisa ser mais virtuoso, no que dizrespeito quelas duas qualidades, do que os praticantes das demais modalidades da episteme.
Estou alando, portanto, da posse de um equipamento, que inclui elementos intelectuais, emo-
cionais e ticos, que parte de um discurso do mtodo para bem conduzir o intelecto e procu-
rar, se no a verdade na Filosoa, pelo menos evitar o erro nela.
3.3 - Componentes objetivos do mtodo flosfco
Encerrada a reexo sobre as condies subjetivas, entro na considerao das condies que,
por alta de termo melhor, chamei de objetivas. Voltemos tese segundo a qual os problemas
da Filosoa so mais importantes do que as respostas a eles. possvel deender essa tese com
pelo menos duas ou trs boas razes, mas isso no ser eito aqui. Apenas registro a respeito o
testemunho de dois lsoos, um dos quais Bertrand Russell, j mencionado antes. Escreve
ele: Em losoa o que importante no so tanto as respostas que so dadas, mas antes as
questes que so colocadas. A esse respeito a Escola de Mileto merece a ama que tem. Asrespostas que essa Escola deu sobre a constituio do mundo sico hoje soam inantis para
ns, mas permanecem as perguntas que eles oram capazes de azer, bem como o mtodo que
eles utilizaram para respond-las. O outro o alemo Karl Jaspers9 (1883-1969), que oi tam-
bm um psiquiatra inuente. Ele escreveu: Filosoa signica ir a caminho, seguir, continuar,
suas questes so mais essenciais do que as respostas, e toda resposta se converte numa nova
questo.
Reitamos novamente sobre as questes -loscas. Observe-se que elas so interessantes
intrinsecamente, isto , nelas mesmas. As pessoas
que cuidam de respond-las, querem simples-
mente querem encontrar respostas para elas.
Esse parece ser um desejo mais ou menos natu-
ral. Mas, conorme oi desenvolvido mais atrs,
um problema losco no denido como tal
9. JASPERS, Karl. (1883-1969) Jaspers, foi um dos
principais pensadores existencialistas do sculo
XX. Para ele: a existncia humana e o incomensu-
rvel que a envolve so sobretudo experimentveis
em situaes consideradas como limite, nomea-
damente o fracasso, a culpa ou a morte. Defende
igualmente que na comunicao com os outros
que a liberdade humana se realiza plenamente.
(http://historiaeciencia.weblog.com.pt/arqui -
vo/006221.html, Acesso em 01/09/2010). Para
maiores informaes sobre este autor, visitar o site
http://pt.wikipedia.org/wiki/Karl_Jaspers.
http://%28http//historiaeciencia.weblog.com.pt/arquivo/006221.html,http://%28http//historiaeciencia.weblog.com.pt/arquivo/006221.html,http://%28http//historiaeciencia.weblog.com.pt/arquivo/006221.html,http://pt.wikipedia.org/wiki/Karl_Jaspershttp://pt.wikipedia.org/wiki/Karl_Jaspershttp://%28http//historiaeciencia.weblog.com.pt/arquivo/006221.html,http://%28http//historiaeciencia.weblog.com.pt/arquivo/006221.html, -
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(isto , como problema) independentemente de
um sujeito particular. Um lsoo espanhol con-
temporneo, Julin Maras10, nascido em 1916, es-
creveu sobre isso e armou que no basta o assimchamado problema vir numa orma interrogativa
e versar sobre um assunto dito losco. Por ex-
emplo, O que a liberdade?, Como se concil-
iam liberdade individual e controle social? pre-
ciso, alm disso, que aquilo que se pergunta tenha
com a pergunta uma relao visceral tal que essa
interrogao lingstica se torne um problema vi-tal para ele, um problema mesmo, no sentido de
incomod-lo, de ser um obstculo que ele tem de
transpor para continuar no caminho. Quer dizer,
o assim chamado problema tem de ter uma real
problematicidade. Esse um elemento que az o problema interessante, que torna a questo
losca interessante. As questes da Filosoa esto entre as questes tericas que mais orte-
mente despertaram, e continuam despertando, o interesse dos seres humanos; so questes queestes colocaram em diversos momentos do passado, e insistem em continuar colocando hoje.
Boa parte do que chamamos Filosofa consiste, portanto, em levantamento de certas
questes e tentativa de respond-las; a Filosoa se apresenta como levantadora de questes,
como claricadora de questes, como modicadora de questes, como crtica de questes, e
como investigadora do relacionamento dessas questes umas com as outras e com o momento
sociocultural em que elas se ormulam. Vamos pensar, ento, na Filosoa como um certo con-
junto de questes, e nossa pergunta : qual seria o mtodo para investigar essas questes? Diz
um interessante lsoo ingls, Isaas Berlin (nascido em 1909 e morto em 1997), pensador
poltico e historiador das idias: Uma marca das questes loscas esta, que voc no sabe
bem onde olhar para buscar uma resposta; ou seja, voc no sabe como proceder exatamente
para chegar a uma resposta, entre outras coisas por no se tratar de uma questo cientca, ex-
perimental ou no. E continua ele: Quando no existe um mtodo estabelecido para se azer
algo, voc az o que pode. Voc simplesmente tenta resolver paciente e esoradamente.
10. MARIAS, Julin. (Julin Marias Aguilera 914-
2005). Filsofo espanhol discpulo de Jos Or-
tega y Gasset. Estudou losoa na Universidade
de Madrid nos anos da Repblica (1931-1936) [o
autor refere-se Repblica espanhola anterior guerra civil que culmina, em 1939, com a ascenso
de Franco ao poder], onde foi aluno de Ortega y
Gasset, Zubiri, Gaos y Garca Morente [alguns dos
mais renomados pensadores espanhois do sculo].
En 1941 publica a primeira edio de sua Historia
da Filosofa, que foi muito difundido. En 1948 fun-
da junto com Ortega o Instituto de Humanidades de
Madrid. En 1951 apresentou ante a Universidade
de Madrid sua tese doutoral, intitulada A metafsica
do conhecimento em Gantry. Foi fecundo escritor e
conferencista.
http://www.losoa.org/ave/001/a064.htm acesso
em 01/09/2010.
http://www.filosofia.org/ave/001/a064.htm%20acesso%20em%2001/09/2010http://www.filosofia.org/ave/001/a064.htm%20acesso%20em%2001/09/2010http://www.filosofia.org/ave/001/a064.htm%20acesso%20em%2001/09/2010http://www.filosofia.org/ave/001/a064.htm%20acesso%20em%2001/09/2010 -
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A Filosoa assim concebida, isto , como o estudo de certos problemas, pensada, portanto,
essencialmente como uma atividade, e no como um corpo de proposies armadas como
verdadeiras, como, por exemplo, a Aritmtica e a Geograa. Encontramos a Filosoa assim
concebida em autores to dierentes como Ludwig Wittgenstein (1889-1951) e Julin Maras,sendo o primeiro um pensador austraco naturalizado britnico, para quem a Filosoa uma
atividade de teraputica intelectual que visa livrar-nos de males doutrinais. Para Maras, que
nesse ponto segue seu mestre Ortega y Gasset, um outro espanhol, a Filosoa um quehacer
(um aazer), ou seja, um azer mais do que qualquer outra coisa.
O mtodo, ento, qual seria? Em conormidade com o que oi dito antes, ele teria de ser um
mtodo para a atividade de estudar e trabalhar essas questes. Seria um mtodo, primeiro, paramelhor detectar questes que vale a pena levantar, no sentido de que vai ser ecundo levant-
las em um dado momento em que elas devero encontrar repercusso. Segundo, para azer
avanar nossa compreenso desses temas e questes, bem como da histria de seu surgimento,
ressurgimento e transormaes soridas ao longo do tempo, de seu relacionamento com a
histria passada, e da interligao desses temas com elementos no-loscos do momento
histrico. Terceiro, um mtodo que nos guie em como melhor se abrir a inuncias reticado-
ras de nossa viso atual da problemtica, e de sua atualidade ou no.
Nesse quadro, h uma disciplina que passa a ocupar um lugar especial na teoria do mtodo
losco, e ela a Filosoa da Linguagem. Por que isso? Pelo seguinte. De um modo geral,
prudente, metodologicamente, apoiar-se no mais prximo para se conhecer o mais distante, no
mais concreto para se conhecer o mais abstrato, no mais amiliar e observvel para se conhecer
o menos amiliar e no-observvel. Sendo assim, uma idia que parece boa observar a lingua-
gem, estudar a linguagem, que anal de contas o instrumento com o qual ns losoamos;
nosso instrumento no o telescpio, nem o microscpio, nem qualquer outro produto deavanos tecnolgicos. A linguagem eita de comportamentos verbais, de aes lingsticas,
e a idia analisar esses comportamentos e aes, com vistas a aprender a direcion-los para
melhor pensar as questes loscas.
Nesse terreno, uma das coisas que oi eita reetir sobre o que se chama erro categorial,
e avanos oram eitos a. Um erro categorial ocorre quando voc conunde categorias die-
rentes, ou de nveis dierentes: voc pe numa categoria um objeto que no pertence a essa
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categoria, e ns somos levados a isso pela linguagem, pelo que podemos chamar de armadilhas
da linguagem, que nos induzem ao erro, que nos ludibriam, nos eneitiam. Um exemplo. A
linguagem inclui substantivos como mente, conscincia. Ora, muitos substantivos denotam
objetos, entidades. Ento passamos a subentender que,do mesmo modo que o objeto denotado por mesa ex-
iste, tambm deve existir um objeto, uma coisa, deno-
tado por mente, por conscincia. Ocorre, no entanto,
que duvidoso que esses objetos existam; o que parece
existir so processos mentais e no a mente, proces-
sos conscientes tambm processos pr-conscientes,
processos inconscientes e no a conscincia; mas atendncia , deixando-se eneitiar pelos substantivos,
supor que existam, como entidades, a mente, a con-
scincia, e outras coisas. Ento, a partir da existncia
de substantivos que so reais, sim, mas so uma re-
alidade lingstica substantivamos a coisa, no nvel
da realidade, isto , inventamos uma espcie de sub-
stncia a que a palavra se reere. Ou seja, de tanto alara mente, a conscincia, acabamos por acreditar que
existe uma coisa, um objeto, uma entidade, reerida
pela palavra.
Esse tipo de contribuio oi trazida por lsoos
como Gottlob Frege11, tambm lgico e matemtico
(1848-1925). Ele via a tarea da Filosoa como a de
romper com o domnio da palavra sobre o esprito,
tema ecoado na obra de Wittgenstein12, para quem o
ncleo do exerccio da Filosoa libertar-se do eitio,
do eneitiamento, da linguagem. Ento, parece que a
Filosoa da Linguagem uma disciplina metodolgi-
ca primeira. Freqentemente o exerccio da losoa
da linguagem claricar conceitos, mas no se trata de
11.FREGE, Gottlob. (1848 - 1925) Matemtico
alemo que concentrou seus estudos na lgica.
Frege foi o primeiro a formular com preciso
a diferena entre varivel e constante, assim
como o conceito de funo lgica, a idia de
uma funo de vrios argumentos, o conceito
de quanticador. A ele se deve uma conceitua-
o muito mais exata da teoria aristotlica sobre
sistema axiomtico, assim como uma clara dis-
tino entre lei e regra, linguagem e metalingua-gem. Ele autor da teoria da descrio e quem
elaborou sistematicamente o conceito de valor.
Mas isto no tudo, pois todas estas coisas so
apenas produtos de um empreendimento muito
maior e fundamental, que o inspirou desde suas
primeiras pesquisas: uma investigao das ca-
ractersticas daquilo que o homem diz quando
transmite informao [por meio da linguagem
natural] por meio de juzos (http://www.geoci-
ties.ws/hi_eventos/Logica-frege.html Acessoem 01/09/2010).
12. WITTGENSTEIN, Ludwig. (1889-1951) -
lsofo de origem austraca, engenheiro de for-
mao. Wittgenstein se aproximou da losoa
graas s leituras que fez de textos de Gottlob
Frege e Bertrand Russell sobre a lgica mate-
mtica. No Tratado Lgico-Filosco (1922),
Wittgenstein considera necessrio solucionar
os problemas relacionados com o signicado
das armaes simples ou contingentes, uma
vez que boa parte dos problemas loscos
decorreria, segundo ele, de confuses trazidas
tona pela ambigidade prpria da linguagem
comum. Para ele, um dos objetivos da Filoso-
a dissolver os falsos problemas atravs de
uma claricao dos conceitos. Sua segunda
grande obra, Investigaes Filoscas (1953),
adota uma perspectiva pragmtica ao analisar
os denominados jogos de linguagem em seu
contexto.
http://www.geocities.ws/hifi_eventos/Logica-frege.htmlhttp://www.geocities.ws/hifi_eventos/Logica-frege.htmlhttp://www.geocities.ws/hifi_eventos/Logica-frege.htmlhttp://www.geocities.ws/hifi_eventos/Logica-frege.html -
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azer claricaes lingsticas sem interesse substantivo para a epistemelosca. No se trata,
tampouco, meramente de claricar o discurso do senso comum. Trata-se de tomar as idias
e o vocabulrio do senso comum apenas como um ponto de partida para uma compreenso
analtica elaborada. Vamos dar exemplos desse tipo de pergunta que losocamente rel-evante. O que um direito humano? Somos naturalmente dotados de direitos, ou os direitos
so uma atribuio convencional? A liberdade, no sentido da Filosoa da Ao, um trao
que se descreve como se descreve, por exemplo, o comportamento agressivo? Ou no? A
liberdade, no sentido da Filosoa Poltica, tem a natureza de um direito que o sujeito tem? Ou
um trao actual? no exame dessas questes, e das implicaes delas, que a Filosoa da
Linguagem ajuda, ou pode ajudar. Ento a linguagem de ato e isso um ponto pacco
orientadora e desorientadorado intelecto. um instrumento do acerto quando se acerta, e doerro quando se erra. Ora, o conhecimento desse instrumento, dos seus meandros, de suas ar-
timanhas, de suas unes, permitiria, podemos acreditar, promover o acerto e prevenir o erro.
O tratamento do que chamei de condies subjetivas e objetivas constitui uma reexo so-
bre o mtodo, sobretudo em cincias humanas e, em especial, em Filosoa. Sobre o mtodo z
uma reexo que tem duas partes, basicamente. Uma sobre as condies subjetivas, e a temos
uma grande e antstica contribuio da losoa europia continental, especialmente da ver-
tente dos moralistas ranceses e de seus continuadores. No que diz respeito aos componentes
objetivos, aproveitei-me de uma tradio losca de um tipo dierente da primeira, que a
Filosoa Analtica. Essas duas tradies conuem para o mesmo ponto. E no surpreende que
assim seja, porque no undo, e em ltima anlise, ambas as tradies pensaram, e esto pen-
sando, as questes da Filosoa, tanto as questes de mtodo quanto as questes substantivas.
Observao necessria
Tentar dizero que a Filosoa , e desse modo esperar transmitir a quem ouve
ou l o esprito dela, o corao e a mente dela, uma empreitada nela mesma com
uma sria limitao, mesmo que algum consiga diz-lo de um modo excepcio-
nalmente bom, ou o melhor possvel. que a Filosoa propriamente dita isto ,
aquela que praticada por aqueles que chamamos lsoos, e que no inclu nem
estudos de comentador nem histrico-loscos propriamente ditos uma ativi-
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dade, uma arte, portanto algo que envolve o cultivo de determinados interesses e
habilidades. E, como toda arte, ela no suscetvel de ser explicada apenas por meio
de discurso. necessrio, para se ter dela uma explicao menos abstrata, maisconcreta e aproundada, que seapratique; preciso que o dizer de quem explica se
combine intimamente com o azer losco, com a atividade flosoante ainda
que em nvel do aprendiz de lsoo daquele para quem a explicao est sendo
dirigida. Suponhamos que algum osse explicar/descrever, para um grupo de dan-
arinos, todos os passos e a coreograa de uma dana no-amiliar. Uma maneira
seria az-lo apenas discursivamente, digamos com grande preciso vocabular e
riqueza de detalhes. Uma outra maneira seria combinar a primeira com exibio deotograas, com a exibio de um vdeo, ou, melhor ainda, com a encenao ao vivo
pelos praticantes dela. Com isso, os ouvintes/espectadores teriam da nova dana
uma compreenso boa, mas limitada. A compreenso mais completa e aguda da
platia viria com a combinao do anterior com a atividade de seus componentes
em tentar praticar a prpria dana objeto da explicao. Embora losoa e dana
sejam coisas muitssimo dierentes, h um importante e decisivo elemento comum
entre elas, que serem ormas de arte (ao menos no sentido amplo, mas algunsdiriam que no s nele). Na segunda trata-se de arte de movimentar e controlar
o corpo, de criar e executar movimentos associados com o ritmo e a melodia da
msica. Na primeira se trata-se da arte de levantar uma questo nestes ou naqueles
termos (ou de abster-se de levant-la, quando se julgar epistemicamente inapro-
priado az-lo), da arte de buscar respostas e avali-las, da arte de argumentar (ou
de abster-se de az-lo quando se pressente que j se chegou ao inargumentvel,
ao axiomtico). As teorias num caso e as instrues no outro esto ambas nos liv-ros, no discurso, mas somente incluindo o exerccio da arte possvel comear a ter
uma compreenso mais realista e aproundada do objeto que est sendo explicado.
As consideraes deste pargrao nal tm conseqncias (construtivas) para os
estudiosos no campo do comentrio losco e no da histria das idias loscas.
Apresentarei algumas consideraes a respeito na prxima unidade.
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4. Filosofa e Ensino da Filosofa
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4.1 - Trs tipos de atividade flosfca
Podemos distinguir trs reas de investigao dos prossionais universitrios da Filosoa: a
losoa propriamente dita - isto , aquilo que os lsoos azem e produzem - o comentrio
de obras loscas aqui entendido de modo a incluir estudos que no entram nos detalhes
das ligaes da obra comentada com a literatura losca anterior e/ou posterior e a histria
da losoa aqui entendida no sentido, menos abrangente que o habitual, de estudos que
contam o itinerrio das idias e doutrinas no tempo e no espao, examinando, portanto, o
surgimento e desenvolvimento desta ou daquela doutrina ou escola num determinado lapso
de tempo, s vezes maior as vezes menor. Essas trs modalidades so, em graus bem dierentes,
distintas umas das outras, embora as duas ltimas sejam usualmente conundidas sob a de-
nominao histria da losoa.
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Quando se examina o ensino dessa matria, necessrio azer a tripartio acima, uma vez
que as motivaes e as habilidades a serem ensinadas so especcas de cada uma delas. Cursos
para a ormao de lsoos sero muito distintos de cursos para a ormao de comentadores,
e estes, por sua vez, dieriro em boa medida dos de ormao de historiadores.
Parece inegvel que um sistema (regional, estadual ou nacional) de cursos universitrios
de Filosoa uso esta palavra com a inicial maiscula para designar o conjunto das trs mo-
dalidades deve ter idealmente como objetivo a ormao dos trs tipos de estudiosos, e no
apenas de um ou dois deles. Ou seja, quando um determinado sistema de ensino no est a-
zendo isso, ento ele deve ter a orte preocupao de passar a az-lo. E tal proposio decorre
da importncia e indispensabilidade dessas trs reas, coisas que, nos limites deste artigo, dareicomo assentes, isto , aceitas sem necessidade de argumentao aqui.
No me ocuparei neste trabalho com o importante tema do ensino da histria da loso-
a, nem do comentrio losco. Meu oco ser o ensino da losoa, ou da losoa propria-
mente dita, bem como a situao de tal ensino na universidade brasileira.
Na maior parte das reas do conhecimento h, no que diz respeito ao seu ensino, uma duali-
dade, a da atividade e a do contedo produto dela: este vem a ser o corpo de teses e proposiesmetodolgicas mais ou menos consensualmente aceitas na comunidade dos investigadores, e
a atividade a de azer essa cincia, isto praticar os mtodos e gerar os resultados na orma
de um corpo de leis, de teses ou de hipteses. Por exemplo, o ensino da sica pode abranger
tanto ensinar as teorias aceitas quanto a arte de pesquisar, de se tornar um sico, neste ou
naquele campo dessa rea. Ocorre que em losoa sabido que no existe um corpo de teses
nem aproximadamente aceitas como verdadeiras numa comunidade adequadamente ampla de
estudiosos; pelo contrrio, a losoa chama a ateno pelo volume de controvrsia e desacordo
tanto em temas substantivos quanto em questes metodolgicas. Uma vez que em losoa
no h nem metodologia nem teoria substantiva minimamente aceitas para serem transmiti-
das e ensinadas, o que sobra para ser ensinado uma atividade, que a de levantar questes,
discuti-las e buscar respostas para elas, na esperana de num uturo se chegar a um grau satis-
atrio de acordo e consenso. Portanto, a dualidade pedaggica que existe em graus dierentes
na verdade, muito dierentes nas cincias, simplesmente inexiste em losoa. Portanto, o
que existe para ser ensinado uma atividade, a do losoar. Da que ensinar losoa venha a
ser, essencialmente, ensinar a losoar, ou seja, ensinar a arte de losoar.
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Ao dizer isso, no estou evidentemente enunciando nada de novo; muito pelo contrrio,
estou rearmando aquilo que j oi dito no passado e continua a ser lembrado. O nome ao
qual essa tese est mais amosamente associada , naturalmente, o de Kant, que a arma e a
enatiza, em particular na Crtica da Razo Pura(no nal, na Arquitetnica da razo pura) eno pequeno livro Lgica.
Um lsoo algum que pratica uma certa atividade; isto , ele se dene muito mais
pela atividade que az, e que o insere no conjunto dos outros lsoos, isto , de pessoas que
praticam a mesma atividade, do que pelos produtos doutrinrios particulares de sua atividade.
Desse modo, podemos dizer que um curso que se proponha a ormar lsoos vai encarar seus
alunos como aprendizes de lsoo. Assim senso, o aprendiz de losoo vai ser um aprendiz daarte de losoar.
De que maneira teria lugar o aprendizado da atividade de losoar? Em primeiro lugar, o
estudante de losoa no vai aprender a losoar a no ser que ele tenha sua disposio, ini-
cialmente, duas coisas importantes. Uma que haja entre os docentes de seu curso proessores
que ministrem cursos loscos propriamente ditos, isto , que oeream ao longo de todo
o perodo aprendizado cursos propriamente losco-temticos. Estes cursos, bom obser-
var, no precisam ser necessariamente aqueles em que o ministrador exponha suas doutrinasprprias neste ou naquele campo da losoa. Pode ser que seja assim, e desejvel que algu-
mas vezes assim seja, mas no necessrio que o curso seja dessa natureza para que ele seja
losco-temtico no sentido em que estou usando a expresso. O que ela tem de ter mini-
mamente, para ser losca, o seguinte: ela tem de por e manter no centro das atenes o
interesse pelos temas, pelas questes; o espetculo central ser o do levantamento de questes
temticas, de claricao delas, e de discusso das respostas que oram, ou podem ser, dadas
a elas. Cursos temticos nesse sentido nos quais guras histricas e doutrinas vo entrar deum modo essencial, mas somente na medida em que contribuem para a reexo sobre essas
questes - so absolutamente essenciais. Se o estudante passa todo o seu curso de graduao
sem ter cursos temticos, ministrados no estilo de um lsoo e no de um historiador das id-
ias ou de um comentador de obras, muito dicil que ele venha a ter alguma idia adequada
do que aprender losoa, do que aprender a losoar; ele certamente no ter nenhuma
idia minimamente precisa e prounda do que ser um aprendiz de losoo (a menos, claro,
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que ele aa esse aprendizado por ele mesmo, ora do projeto didtico-pedaggico de seu
curso). O seu currculo, e o modo como o currculo praticado, precisam por a discusso de
temas no centro do curso.
Tratemos de gurar em algum detalhe como isso se passaria. O proessor, o qual precisamos
supor ser algum que conhece a arte de losoar, tem de ser tambm um mestre na arte de
ensinar a losoar. Ele prope temas, talvez de preerncia temas clssicos ou semi-clssicos,
porque a mais cil encontrar um conjunto de textos do passado e contemporneos sobre
aqueles temas; cada um desses textos tem de ser apropriado para, em conjunto com os demais
textos, ornecer material adequado para que o aprendiz se exercite e se desenvolva numa pri-
meira dimenso da arte do losoar. Que dimenso essa, exatamente? a da discusso deum problema, isto , da busca de procedimentos para claricar os termos em que o problema
colocado, e de caminhos para compreender em proundidade as respostas, inclusive as res-
postas conitantes entre si, e avaliar-lhe os mritos e demritos relativos. Qualquer iniciativa
que aumente nossa compreenso de um problema losco, bem como das diculdades em
resolv-lo satisatoriamente e da acilidade de incorrer em erros, por si s az parte valiosa do
aprendizado da losoa. De ato, este ltimo est longe de se maniestar apenas nas habili-
dades de ormulao de teorias que julgamos aceitveis. Como arma acertadamente Popper
no Precio de sua obra Conjecturas e Reutaestrazer luz nossos erros nos permite entender
as diculdades do problema que estamos tentando resolver. assim que passamos a conhecer
melhor nosso problema.
Sem estas duas coisas, um tema e um conjunto de textos apropriados, no h como
proceder para tentar ormar lsoos. Precisa haver em um curso de losoa lsoos que
ministrem regularmente disciplinas centradas em temas e que utilizem a literatura do passado
na medida em que ela pode contribuir tanto para a compreenso do problema quanto para adiscusso das solues para ele. preciso trazer a noo de problema, de tema, para o centro
do palco, para o centro de nossa ateno. Com eeito, boa parte da importncia da pesquisa
em losoa e do seu ensino reside no interesse que tm para a vida individual e grupal dos
homens as questes, notadamente as grandes questes, que ela estuda, isto , na relevncia des-
sas questes para a vida na terra dos homens. Precisamos estar, e permanecer, em contacto
prximo e tangvel com a problemtica prpria que , podemos dizer, o corao da losoa,
e desse modo sentir as pulsaes desse corao, isto , vivenciar o problema em ser carter
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interessante, relevante, palpitante. Sem esse contacto vivo, cultivado e regular com a prob-
lemtica, permaneceremos estranhos losoa. Para isso, precisamos conjugar o estudo dos
lsoos do passado com o interesse crucial pelos problemas, para poder exercitar a intelecto
na reexo pessoal sobre temas, e poder ter a possibilidade de contribuir para o debate los-co contemporneo.
4.2 - A relevncia da Histria da Filosofa no ensino daFilosofa
Examinemos mais de perto o modo como a histria da losoa, sua historiograa e a litera-
tura de comentrio interviriam no ensino do losoar. O mestre-lsoo, que um estudioso
de temas/problemas/conceitos da losoa, est numa dependncia grande e inescapvel dos
pensadores do passado, e tambm da literatura historiogrca sobre eles Esta dependncia se
maniesta em vrios pontos, alguns mais bvios outros menos. Entre os menos bvios gura
o seguinte. no convvio meditado com a literatura do passado, recente ou no, que o l-
soo retira parte do interesse ativo pelos temas e da energia intelectual usada em seu trabalho.
Ora, isto particularmente importante quando se trata de aprender a losoar; o aprendiz de
lsoo precisa conviver com os autores do passado, e tambm do presente, precisa l-los ha-
bitualmente para, entre outras coisas, ajudar a desenvolver e manter vivo seu prprio interesse
pelas questes; se no, muito dicil sustentar esse interesse. De ato, e em consonncia com
o que oi observado mais atrs, em boa medida o interesse pela losoa o interesse pelas
questes/temas dela. O aprendiz de estudioso de temas loscos est nessa dependncia:
ele necessita se perceber e se descobrir como algum que partilha com grandes pensadores do
passado (e tambm com os do presente) os interesses temticos que so os seus prprios; sem a
percepo desse compartilhamento resulta em parcialmente enraquecida a energia intelectual
necessria para manter vivo o interesse pelas questes da losoa.
Um outro ponto pedaggico-ormador importante no convvio com textos clssicos que
o aprendiz, na medida em que trabalha uma temtica recorrendo a uma variedade de vises
alternativas (por exemplo, em Filosoa Poltica, Aristteles, Maquiavel, Locke, Hobbes, Rous-
seau, Montesquieu, Marx), ter oportunidade de descobrir algo muito precioso para ele, que
so as anidades ou a alta de anidades dele com esta ou aquela escola de pensamento. A
descoberta e o cultivo dessas anidades, bem como a interlocuo com os ans e com os dis-cordantes, so undamentais para estimular o prosseguimento do estudo nesses temas.
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Quando se ala em histria da losoa e comentrio losco, pensa-se logo na anlise e
explicao de texto, no paciente trabalho lgico e semntico de compreenso e exegese dos
textos. A disciplina da anlise de texto um meio necessrio e muito importante para todos
os que trabalham com Filosoa, inclusive para o aprendiz de lsoo. Ela coloca aquele que apratica bem numa situao privilegiada para entender corretamente os textos e azer utilizao
desse entendimento, no s em estudos de histria da losoa, mas tambm no empreendi-
mento de investigao temtica. O prossional da Filosoa ou um lsoo, ou um comenta-
dor, ou um historiador das idias (ou uma combinao destes), e em qualquer desses casos est
crucialmente envolvida, embora talvez em graus variveis, a anlise e explicao cuidadosas de
textos. Assim sendo, o estudante de Filosoa, a includo o aprendiz de lsoo, precisa de
um treinamento continuado em anlise de texto, e mais ainda que os de outras reas das cin-cias humanas, j que aquilo com que ele vai sempre estar lidando so sempre textos, os quais
requerem uma habilidade para o seu entendimento que o estudante est longe de ter quando
entra na universidade.
4.3 - A relevncia da abordagem temtica no ensino daFilosofa
Examinemos agora a situao do ensino da Filosoa na universidade brasileira. A implan-
tao dos cursos universitrios de Filosoa no Brasil, inicialmente de graduao, caracterizou-
se inicialmente pela rejeio generalizada e indiscriminada, por motivos que no mencionarei
aqui, dos manuais, tanto de losoa quanto de histria da losoa. No que diz respeito a esta
ltima, isso consistiu na substituio desses manuais pelo estudo direto de textos originais e
reqentemente no idioma original, especialmente nos cursos ministrados nos anos de 1960 e
1970. Isso oi, naturalmente, um grande avano, uma grande contribuio que devemos credi-tar s primeiras geraes de proessores de Filosoa no Pas. O estudo das obras no original
veio acompanhado de uma concepo de anlise de texto rigorosa, a mais isenta possvel, na
poca associada ao estruturalismo. Como resultado disso, em poucas dcadas ormou-se no
Pas um corpo de docentes/pesquisadores com grande conhecimento de todas as principais
lnguas estrangeiras losocamente importantes, e com um nvel de competncia verdadeira-
mente internacional no gnero do comentrio de obras loscas.
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Ocorre, no entanto, que esse gnero acabou ocupando praticamente todo o espao que nos
departamentos universitrios deveria ser destinado Filosoa como um todo, tanto no que diz
respeito ao contedo dos cursos de graduao, e mais tarde de ps-graduao, quanto ao da
pesquisa produzida. Com isso, os estudos propriamente de losoa, e tambm os de histriadas idias loscas, simplesmente no oram implantados na universidade. Esse regime, car-
acterizado pelo domnio generalizado, nos cursos de graduao e de ps, do comentrio de
obras, com a excluso quase total do gnero losco e do histrico no sentido estreito, vou
cham-lo de regime do comentarismo.
Este regime, que tem sido praticado durante muitas dcadas e continua vigente, constitui,
obviamente, uma violao da proposio, enunciada no incio deste trabalho, de serem o en-sino e a investigao em losoa (propriamente dita) um dos objetivos essenciais do cultivo
universitrio da Filosoa.
O comentarismo o principal ator que tem entravado a atrasado o aparecimento na uni-
versidade brasileira de uma reexo losca original regular e consistente. O ensino e a pes-
quisa em Filosoa j nasceram assim, e assim continuam at hoje. Portanto, o passado, com
essa deormao comentarista, ainda est conosco quase que em sua inteireza; ele constituiu
como que um pecado original, que, como tal, oi sendo transmitido de gerao para geraode proessores.
Nesse regime do comentarismo no h lugar para o elemento de interesse pelo objeto da
losoa, pelo tema, pelo problema. Uma vez que a origem da losoa est no espanto, na
perplexidade, ento a esperana de que a reexo losca tenha nalmente sua plena ori-
gem e desenvolvimento na universidade brasileira vai precisar esperar at que o interesse pela
temtica e problemtica loscas deixe de ser bloqueado e suocado pelo regime do comen-
tarismo. Com eeito, espanto e perplexidade so experincias eitas em relao com problemas
loscos, e no em relao a obras que vo ser objeto de comentrio.
Esta situao anmala e crnica tem, elizmente, gerado um descontentamento crescente
entre proessores e estudante de Filosoa no Brasil. E, na verdade, este descontentamento
uma das coisas mais valiosas que temos agora, tanto mais que ele vem acompanhado do desejo
de mudana, de reorma. Esses portadores do desejo de mudana, de reorma losca, so
neste momento um contingente muito p
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