2 novos paradigmas para a inteligencia policial
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS
PÓS-GRADUAÇÃO EM MONITORAMENTO AMBIENTAL E INTELIGÊNCIA COMPETITIVA
NOVOS PARADIGMAS PARA A INTELIGÊNCIA POLICIAL: ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE OS
MODELOS DE ESTADO, POLICIAL E COMPETITIVA
VLADIMIR DE PAULA BRITO
MANAUS 2006
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS
PÓS-GRADUAÇÃO EM MONITORAMENTO AMBIENTAL E INTELIGÊNCIA COMPETITIVA
VLADIMIR DE PAULA BRITO
NOVOS PARADIGMAS PARA A INTELIGÊNCIA POLICIAL: ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE OS MODELOS DE ESTADO,
POLICIAL E COMPETITIVA.
Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Monitoramento e Inteligência Competitiva da Universidade Federal do Amazonas, como requisito para a obtenção do título de Especialista em Monitoramento e Inteligência Competitiva.
Orientadora: Profª.Drª. Célia Regina Simonetti Barbalho
MANAUS
2006
T833m BRITO, Vladimir de Paula. Em busca de
um novo paradigma para a inteligência
policial: análise comparativa entre a
inteligência de estado, policial e
competitiva. / Vladimir de Paula Brito. –
Manaus: UFAM, 2006.
161 p. ilust.
1. Inteligência Competitiva 2. Inteligência
de Estado 3. Inteligência policial.
Resumo
Argumenta que as organizações de inteligência brasileiras, em particular as policiais, passam por uma mudança de paradigma, em que o combate às organizações criminosas, utilizando-se das técnicas de inteligência vem adquirindo importância. Expõe a necessidade dos organismos de inteligência policial se apropriarem de outras técnicas e processos de trabalho que sejam oriundos de outros segmentos, como a inteligência de Estado e a competitiva. Analisa um conjunto de técnicas de coleta e análise disponíveis, concluindo ao apontar as possibilidades de aprendizado para as instituições de segurança do Estado, mediante a adoção de praticas utilizadas pela inteligência competitiva.
Palavras chave: Inteligência de Estado; Inteligência policial; Inteligência
de segurança; Inteligência competitiva.
Abstract
In this work is presented that Brazilian intelligence organizations, mostly the police forces, are passing through a paradigm change. The use of intelligence techniques applied to combat criminal organizations has become essential. It analyzes the increasing necessity of processes and methods improvement by applying ideas inherited from other knowledgement areas like intelligence of State and competitive intelligence. Besides, it also considers the available analysis and collection techniques and points to the learning possibilities for State security institutions in adopting ideas and practice used at competitive intelligence. Keywords: Intelligence of State; Police intelligence; Intelligence of security; Competitive intelligence.
Lista de tabelas
Tabela 2 - Problema de inteligência x necessidade do usuário – I.C.. 53
Tabela 3. Análise comparativa entre inteligência clássica, policial e I.C. 63
Tabela 4. Categoria de coleta x uso analítico. 65
Tabela 5. Emprego da coleta pelos organismos estatais x I.C. 66
Tabela 6. Análise comparativa dos produtos de inteligência. 81
Tabela 7. Valores agregados em produtos e serviços de informação. 127
Listas de siglas
ABIN Agência Brasileira de Inteligência.
CIA Central Intelligence Agency.
FBI Federal Bureau of Investigation.
FBIS Foreign Broadcast Information Service
GCHQ Government Communications Headquarters.
Mossad Instituto para Inteligência e Operações Especiais
NRO National Reconnaissance Office.
NSA National Security Agency.
SIS Secret Intelligence Service.
SNI Serviço Nacional de Informações. ESG Escola Superior de Guerra. SFICI Serviço Federal de Informações e contra-informação. SAE Secretaria de Assuntos Estratégicos. DIA Defense Intelligence Agency. NRO National Reconnaissance Officer.. DOPS Delegacia de Ordem Política e Social da Polícia Federal.
Sumário
Introdução........................................................................ 11
CAPITULO I ...................................................................... 17
A atividade de inteligência estatal................................. 17
1.1. Inteligência: origem, conceitos e evolução. ....................... 18
1.1.1. Controle estatal da informação...................................................... 20
1.1.2. Conceituação de inteligência de Estado ....................................... 22
1.1.3. Campos da inteligência de Estado ................................................ 25
1.1.4. Origem da inteligência policial....................................................... 27
1.2. Inteligência governamental.................................................. 28
1.2.1. Inteligência de segurança nos EUA .............................................. 29
1.2.2. Inteligência de Estado no Brasil .................................................... 30
1.2.3. Inteligência policial no Brasil ......................................................... 33
1.3. Novos paradigmas para a inteligência policial................... 34
1.3.1. Transformações e mudanças institucionais .................................. 34
1.3.2. Evolução técnica e conceitual ....................................................... 37
CAPITULO II ..................................................................... 40
Atividade de inteligência competitiva ........................... 40
2.1. Inteligência: origem, conceitos e evolução ........................ 41
2.1.1. Origens e conceitos....................................................................... 41
2.1.2. Gestão da informação ................................................................... 43
2.1.3. Gestão do conhecimento............................................................... 44
2.1.4. Diferenças e similitudes................................................................. 45
2.1.5. Inteligência competitiva como opção técnico-conceitual............... 47
9
CAPITULO III .................................................................... 50
Análise Comparativa....................................................... 50
3.1. Ciclo de inteligência ............................................................. 50
3.2. Requerimento ....................................................................... 52
3.2.1. Definição do problema de inteligência x necessidades do usuário53
3.3. Planejamento ........................................................................ 54
3.4. Coleta .................................................................................... 58
3.4.1. Tipos de coleta .............................................................................. 60
3.4.2. Dimensões de coleta ..................................................................... 65
3.4.3. Classificação de fontes de informação.......................................... 67
3.5. Processamento..................................................................... 69
3.5.1. Colação.......................................................................................... 70
3.5.2. Evolução ........................................................................................ 70
3.6. Análise................................................................................... 72
3.6.1. Processo de análise ...................................................................... 72
3.6.2. Doutrina de análise........................................................................ 74
3.6.3. Produtos informacionais de análise............................................... 78
3.6.4. Análise de alvo e organizacional ................................................... 84
3.6.5. Análise especulativo-evolutiva ou preditiva................................... 85
3.6.6. Fenômenos convergentes e divergentes ...................................... 86
3.6.7. Categorias de análise preditiva ..................................................... 88
3.7. Métodos de análise............................................................... 91
3.7.1. Tipos de análise lógica .................................................................. 92
3.7.2. Processo de afirmação x argumentação ....................................... 94
3.7.3. Análise de forças atuantes ............................................................ 97
3.7.4. Análise de alvo e organizacional ................................................. 105
Estrutura......................................................................................................... 105
Função ........................................................................................................... 109
Processo ........................................................................................................ 111
3.7.5. Análise quantitativa...................................................................... 113
Tipos de ferramentas ..................................................................................... 113
Tipos de informações quantitativas ................................................................ 115
3.7.6. Análise de cenários ..................................................................... 117
3.7.7. Similaridade das técnicas de análise .......................................... 120
10
3.8. Disseminação ..................................................................... 121
3.8.1. Apresentação dos pontos essenciais .......................................... 121
3.8.2. Dimensões dos produtos de inteligência..................................... 122
3.8.3. Conteúdo ..................................................................................... 123
3.8.4. Características............................................................................. 124
3.8.5. Apresentação............................................................................... 124
3.8.6. Cliente.......................................................................................... 125
3.8.7. Valor agregado ............................................................................ 126
3.9. Formação do profissional de inteligência ........................ 130
3.9.1. Formação do coletor.................................................................... 130
3.9.2. Formação do analista .................................................................. 132
CAPITULO IV ................................................................. 136
Conclusão...................................................................... 136
4.1. Contribuições à inteligência policial................................. 138
4.1.1. Utilização intensiva do processamento e da análise de informação............................................................................................................... 138
4.1.2. Sinergia no desenvolvimento e utilização de técnicas de análise............................................................................................................... 141
4.1.3. Dinamismo no funcionamento e influência nas decisões............ 143
4.1.4. Maximização do uso de fontes abertas de informação ............... 144
4.1.5. Controle de qualidade na coleta e análise .................................. 145
4.1.6. Gestão dos recursos informacionais ........................................... 146
4.1.7. Sistema de gestão do conhecimento .......................................... 147
4.1.8. Análise de estimativas e cenários futuros ................................... 149
4.1.9. Construção de um sistema de alerta antecipado ........................ 151
4.2. Considerações finais.......................................................... 153
Referências.................................................................... 155
11
Introdução
Percebeu-se, desde logo que o tempo parecia acelerado, e as informações, portanto, precisavam acompanhar esse ritmo. Novos partidos, novas associações, manifestações de rua, greves. Tornava-se necessária uma comunicação mais ágil, cotidiana, mais operante: o telégrafo. A inteligência – conjunto de procedimentos empregados para coletar, processar, e disseminar informações sobre movimentos sociais que pudessem atentar contra a segurança do Estado e a ordem política e social – deveria ser mais eficiente.
Luiz Reznik1 A polícia faz parte do sonho popular, uma polícia humanizada e justa, educada e inteligente, eficiente e sem cumplicidade, que já se esboça aqui e ali, mas que ainda é rara.
Luiz Eduardo Soares2
O uso de recursos e conceitos de inteligência pelas instituições de
segurança pública já remonta há algumas décadas no Brasil. No entanto, como
o modelo de inteligência policial no país era voltado para as disputas políticas,
tais recursos técnicos e conceituais foram centralmente utilizados para
perseguir os supostos inimigos internos dos governantes que estariam no
poder, secundarizando o que seria o papel principal de uma instituição policial
em uma sociedade democrática, que é o combate às organizações criminosas.
Com o advento da redemocratização no país, da Constituição Federal de
1988, das eleições diretas para todos os níveis, da implementação de
1 Democracia e segurança nacional: a polícia política no pós-guerra. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. 2 Cabeça de porco. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.
12
concursos públicos e da liberdade de imprensa, dentre uma série de outros
fatores, cada vez mais emergem esquemas de corrupção permeando a
máquina do Estado, para os quais a sociedade exige providências. Entretanto,
se uma sociedade democrática possibilita identificar a herança de corrupção e
descaso para com a estrutura do Estado, também permite, em tempos de
globalização econômica, sociedade digital e conflitos globais, a atuação dos
grupos organizados que rapinam o erário. Faz-se importante ressaltar que a
atuação de tais organizações criminosas é muito mais sofisticada do que há
algumas décadas, sendo que muitas vezes “[...] por seu caráter sorrateiro,
esses problemas só podem ser contidos por meio de uma eficaz atuação dos
serviços de Inteligência de diversos países” (GODOY, 2005, p.09). No entanto,
enquanto o Estado é ainda limitado pelas fronteiras nacionais, pela lentidão de
seus processos e pela ausência de recursos financeiros, o crime organizado
não. Conforme satiriza Robinson (2001, p.19).
Enquanto vivemos num mundo onde uma filosofia de soberania do século XVII é reforçada por um modelo judiciário do século XVIII, defendido por um conceito de combate ao crime do século XIX que ainda está tentando chegar a um acordo com a tecnologia do século XX, o século XXI pertencerá aos criminosos transnacionais.
Colocadas diante dessa realidade, as instituições policiais, em particular
o Departamento de Polícia Federal, tem buscado conformar uma estratégia de
atuação que demonstre aptidão para lidar com um mundo tão desafiador e
hostil. Uma medida que vem sendo aplicada com sucesso são as operações3
de inteligência policial (FORTES, 2006, p.28), que estão sendo realizadas
nacionalmente, principalmente nos últimos dois anos. Contudo, um grande
desafio tem sido o de modificar uma concepção de inteligência construída
3 Mais informações sobre o balanço das operações da Polícia Federal dos anos de 2003 até junho de 2006, são encontradas na revista Carta Capital, n.408, bem como na revista Istoé, n.1925.
13
sobre alicerces de repressão social e política, em que os ditos inimigos do
regime eram os alvos a serem acompanhados, e transformá-la em uma
estrutura que vise atuar sobre processos em que existam atuações criminosas
como o desvio de verbas públicas, o tráfico internacional de drogas ou os
crimes digitais. Cabe salientar que a atuação sobre processos criminosos,
sobretudo quando estes são globais, exige um conjunto de competências
pouco vivenciadas pelo Estado.
Entretanto, um dos grandes desafios para se remodelar a concepção de
inteligência ainda predominante no Brasil, uma vez que tais conceitos e origens
da atividade de inteligência ainda são obscuros para a sociedade brasileira, é à
busca de novos referenciais sobre tal atividade. Segundo Bessa (2004, p.53):
No Brasil – Devido às deformações sofridas ao longo do regime militar e à falta de estudos e discussões sérias sobre os seus reais objetivos – a Inteligência ficou marcada negativamente como uma atividade policialesca, voltada para intrigas e perseguições de adversários políticos do regime, e que colocava em um plano inferior os interesses do Estado e da sociedade.
Conforme se percebe, a palavra inteligência sofre o estigma dos anos de
repressão militar, sendo identificada com o ataque às liberdades individuais e
direitos políticos, atentando, portanto, contra a construção da democracia.
Como primeiro passo para a mudança e aprimoramento da atividade de
inteligência policial, faz-se importante resignificar o sentido histórico da referida
atividade, definindo claramente tais conceitos. Existe a necessidade da
utilização dos recursos oriundos da área de inteligência, mas não se sabe bem
precisamente o que seja inteligência.
Além da definição de conceitos e história, outra tarefa de fundamental
importância visando à mudança de objetivos da atividade de inteligência de
Estado no Brasil é a identificação e assimilação de novas técnicas de coleta e
14
análise de informações, que possam ser empregadas no combate ao crime
organizado e que estejam sendo aplicadas em outros países, com tradição
democrática ou em outros tipos de organizações, como as empresas. Cabe
lembrar que o ferramental técnico utilizado pelas agências de inteligência em
uma democracia, obedecendo à Constituição e o Estado de direito, são bem
diferentes dos empregados em um regime ditatorial, em que as garantias e
liberdades individuais são anuladas e na qual a ação do Estado não encontra
limites regulatórios.
Portanto, ao elencar-se definições sobre a atividade de inteligência,
visando à referida mudança de sua atuação, é essencial considerar também
que tal atividade, como ramo ativo do saber, vem criando novas categorias
conceituais e funcionalidades, tal como a inteligência competitiva. Área esta
que tem acrescentado contribuições específicas ao campo como um todo e
pode contribuir com novos procedimentos para a inteligência policial.
Neste sentido, cabe destacar que dentre a identificação de novas
referências técnicas no campo da inteligência, um modelo que vem se
desenvolvendo nas últimas décadas é o da Inteligência Competitiva4, que
busca transformar dados em informação e informação em conhecimento,
monitorando um ambiente externo, extremamente competitivo no mundo em
que vivem e prosperam as empresas (SANTOS, 200?, p.01), e que poderia
portanto propiciar uma notável contribuição aos desafios postos para estruturar
e implementar a atividade de inteligência policial, focada em uma realidade
dinâmica e na necessidade de combater organizações sofisticadas e com
ligações globais.
4 Em pesquisa publicada pela revista Carta Capital, nº409, tem-se uma análise da presença da I.C. dentro de grandes empresas bem como, sob a óptica dos executivos, da efetividade desta.
15
Contudo, para podermos considerar as práticas oriundas da inteligência
competitiva que possam ser empregadas no modelo estatal, em particular a
inteligência policial, é importante que seja feita uma análise comparativa entre
tais áreas de forma a identificar claramente aquilo que cada novo ramo da área
oferece de inovador, evidenciando o seu emprego e aplicabilidade.
Levando em conta tal contexto, este trabalho monográfico procurou
desenvolver uma conceituação da atividade de inteligência, mediante análise
de literatura, bem como sua evolução histórica, com o intuito de constituir os
fundamentos necessários para efetuar uma análise comparativa entre os ramos
clássicos da atividade de inteligência e o relacionamento à competitividade, de
forma a identificar ferramentas e práticas que possam ser utilizadas nas
crescentes atividades de combate ao crime organizado, que vêm sendo
desenvolvidas no Brasil.
Buscou-se no primeiro capítulo, precisar o conceito de inteligência, sua
origem histórica e sua evolução ao longo do tempo. Em seguida se busca
localizar o surgimento de instituições de inteligência de Estado e policial no
Brasil, bem como o atual momento de mudança de paradigmas e a
necessidade de se buscar o estado da arte em termos técnicos identificando
processos úteis em outros países, principalmente os Estados Unidos, bem
como a partir de técnicas empregadas nas organizações, mediante a
inteligência competitiva.
No segundo capítulo são trabalhados os conceitos de inteligência
competitiva, gestão da informação e gestão do conhecimento, no âmbito das
organizações, apresentando-se a I.C, como um aporte válido de novos
conhecimentos para emprego do Estado.
16
No terceiro capítulo, tomando os preceitos das agências governamentais
clássicas como fundamento, uma vez que “[...] a inteligência de Estado é a
matriz de todos os outros tipos serviços de inteligência” (CARDOSO, 2005,
p.164), são analisados os principais conceitos e processos utilizados pelos
organismos de inteligência de Estado, principalmente a norte-americana, sendo
os mesmos comparados com a inteligência policial e competitiva. Utilizou-se
como método a elaboração de quadros comparativos, relacionando os
processos de inteligência de Estado, policial e competitiva, de forma a entender
as características e práticas similares, bem como as diferenças.
No quarto capitulo são apontadas conclusões do presente trabalho,
recomendando a relevância do emprego de técnicas de I.C. por parte das
instituições policiais de inteligência, sendo elencado um conjunto de
recomendações e possibilidades.
17
CAPITULO I
A atividade de inteligência estatal
Durante milhares de anos, reis rainhas e generais dependeram de comunicações eficientes de modo a governar e comandar seus exércitos. Ao mesmo tempo, todos estavam cientes das conseqüências de suas mensagens caírem em mãos erradas, revelando segredos preciosos a nações rivais ou divulgando informações vitais para forças inimigas.
Simon Singh5
O monopólio da informação (pelo menos de alguns tipos de informação) era um meio de alcançar o monopólio do poder.
Peter Burke6
Ao discutirmos as características da atividade de inteligência sobre a
óptica dos governos, se faz importante que caracterizemos seu processo de
evolução histórica, de forma a que se identifiquem as raízes do modelo
atualmente vigente.
Não basta que se caracterize o presente papel dos organismos de
inteligência, como um elo descontínuo na relação espaço/tempo. Ao
pensarmos novos modelos e novos processos para tais setores
governamentais, principalmente para os órgãos policiais, ao repensarmos o
5 Passagem do livro: O livro dos códigos. Rio de Janeiro: Record, 2001. 6 Passagem do livro: Uma história social do conhecimento: de Gutenberg a Diderot.
18
futuro, devemos fazê-lo sobre os alicerces do passado e as necessárias
mudanças do presente.
Além disso, se faz necessário que entendamos o modelo de inteligência
predominante, no caso o norte americano, bem como os efeitos desta visão
sobre a sociedade de brasileira e suas instituições de segurança.
1.1. Inteligência: origem, conceitos e evolução.
A atividade de inteligência está relacionada aos primórdios da civilização
humana e do surgimento do Estado. A necessidade de se conhecer as
intenções e ações do outro sempre foi decisiva para a sobrevivência ou o
desaparecimento de reinos e grupos organizados. Se o uso da força foi
indubitavelmente uma das molas mestras da história econômica e social da
humanidade, as informações necessárias para se saber quando a utilizar,
como, onde e por que, sempre estiveram relacionadas a capacidade dos
estadistas em compreenderem o ambiente em que viviam e o momento
oportuno para intervir sobre este.
Ao identificar as origens da atividade de inteligência, tem-se como um
dos primeiros registros históricos quando da jornada dos hebreus no deserto
em busca de Canaã, a terra prometida, quando “Disse o Senhor a Moisés:
Envia homens que espiem a terra de Canaã, que eu ei de dar aos filhos de
Israel” (BIBLIA, Números 12,13). Por esta passagem bíblica se percebe que a
necessidade de conhecer o adverso é inerente às atividades governamentais,
no caso em questão a conquista da terra sagrada pelo povo hebreu.
19
Outro registro histórico do emprego de informação para a tomada de
decisão ocorre com Sun Tzu (2002, p.134), grande estadista e general chinês,
que viveu há cerca de quinhentos anos antes de Cristo que afirmava:
O meio pelo qual governantes, sábios e generais sagazes se moveram e conquistaram outros, pelo qual suas realizações ultrapassaram as massas, foi o conhecimento acurado. O conhecimento acurado não pode ser obtido de fantasmas e espíritos, inferido dos fenômenos ou projetado a partir das medidas do Céu, mas deve ser obtido dos homens, porque é o conhecimento da verdadeira situação do inimigo.
Em certo sentido, o acesso e controle da informação, em um mundo em
que esta era rarefeita, portanto em pequena quantidade e possível de ser
controlada, sempre foi visto de forma estratégica pelo Estado.
Ao longo dos séculos diversos são os exemplos da utilização da
atividade de inteligência para prover os governos de informações que
permitissem a sua sobrevivência política, econômica e militar.
No entanto, além de se precaver das ações de outros Estados
beligerantes, os governos de então, em geral ditatoriais, também se
interessavam em coletar e armazenar informações sobre a população
governada (BURKE, 2003, p.110), muitas vezes populações subjugadas pela
força, buscando efetividade no controle desta. Isto permite inferir que desde os
primórdios da atividade de inteligência, ela surge com um forte viés repressivo,
em que a informação era utilizada para reprimir povos descontentes, muitas
vezes governados por déspotas, legislando em interesse próprio, desassociado
dos interesses de Estado ou da sociedade.
Percebe-se então que uma característica marcante do princípio do
emprego da atividade de inteligência é sua utilização não somente para
espionar o governo inimigo, como também para controlar o acesso da
20
população governada a informação, bem como para promover controles
sociais.
Todavia, com a evolução histórica e econômica da humanidade e o
decorrente aumento substancial de informações disponíveis, os organismos de
inteligência passaram a se especializar na procura por informações críticas
para os governantes, geralmente informações essas de difícil obtenção, uma
vez que o controle e captura de todas as informações, tornou-se uma
impossibilidade devido ao volume exponencial destas.
1.1.1. Controle estatal da informação
Como se observa a partir do descrito acima, tomando como exemplo as
primeiras civilizações, como a suméria ou a egípcia, pode-se afirmar que as
informações disponíveis eram poucas, e a circulação das mesmas vagarosa,
permitindo aos governos de então que não fossem delimitadas áreas de
atuação ou limites de interesses nas informações que o Estado coletava. Não
existia a distinção entre informação classificada ou oficial e aquela de amplo
domínio público, sendo todas elas consideradas como de propriedade do
Estado. Foi somente com o surgimento dos primeiros jornais e revistas ao
longo dos séculos XVI e XVII, com liberdade de publicação e opinião, que se
propiciou o estabelecimento de categorias de informações de domínio público,
portanto disponíveis a toda a sociedade, ou aquelas classificadas, restritas aos
governantes e seus órgãos de controle. (HERMAN, 1996, p.11).
Nesta direção, sob o prisma do Estado moderno, com o surgimento da
imprensa de Gutenberg, das primeiras universidades e do substancial aumento
de dados disponíveis à sociedade, a definição da inteligência passou por uma
21
mudança de sentido, deslocando-se da busca de todas as informações
disponíveis para a obtenção de algumas fundamentais.
Tal mudança se deve, em parte, ao surgimento das primeiras
democracias e as conseqüentes limitações que estas imporiam ao amplo
controle informacional dos governos, bem como a conseqüente incapacidade
material dos primeiros Estados em dispor de meios, em escala suficiente, para
o controle sobre toda a população residente em seus limites territoriais. De fato,
“[...] na prática, (os governos) coletavam informações para responder a
problemas ou crises específicas, como sedição, pestes e guerra” (BURKE,
2003, p.110). Deste modo, o perfil das primeiras organizações de inteligência
que então surgiam foi balizado pela busca de informações não disponíveis em
meios tradicionais tais quais os livros e jornais, criando-se uma estrutura
institucional voltada para a obtenção do dado que o inimigo ou adversário
tentava deliberadamente esconder. Teve-se como decorrência de tais
mudanças o desenvolvimento de uma ampla gama de técnicas e métodos
especializados exclusivos do campo da inteligência (CLARK, 2004, p.13).
Outro elemento delimitador da atividade de inteligência, nos primórdios
do Estado moderno, foi às implicações de cunho tecnológico no tocante a
coleta de dados e sua análise. De pouco adiantava o acompanhamento de
diversos temas informacionais se os mesmos não chegassem à mesa do
tomador de decisões a tempo, o que frequentemente acontecia. Como
exemplo, Keegan destaca a questão das informações obtidas para uso militar
que, muitas vezes não conseguiam ser repassadas para os generais visando o
desfecho da batalha.
No mundo medieval, a obtenção de informações em tempo real era intrinsecamente difícil, exceto para distâncias muito curtas.
22
Simplesmente não era possível levá-las adiante do avanço das tropas inimigas com velocidade suficiente. (KEEGAN, 2006, p.32).
Todavia, em se considerando as limitações expostas pelo autor acima
citado, a evolução tecnológica, também associada ao mesmo movimento de
transformações econômicas da sociedade, que impossibilitaram o controle
estatal da informação, mudando a atividade de inteligência, por outra via
permitiram ampliar substancialmente as possibilidades de coleta e organização
da informação por parte do Estado, bem como de disponibilização desta em
tempo real.
A partir das transformações econômico-tecnológicas que direcionaram a
atividade de inteligência para o arquétipo atual, faz-se importante definir os
modernos conceitos de inteligência estatal, fazendo notar, conforme já
observado, que como implicação das mudanças citadas, estes são marcados
tanto pela procura por informações de difícil obtenção, quanto pela
necessidade de se conhecer o inimigo e pelo uso intensivo de tecnologia da
informação.
1.1.2. Conceituação de inteligência de Estado
Para vários estudiosos dos campos da Ciência da Informação e
Administração, por exemplo, o conceito de inteligência é determinado pelo
conjunto de processos aplicados à informação, sendo essa avaliada “[...] como
uma coleção de informações filtrada, destilada e analisada” (ROEDEL, 2005,
p.80), se constituindo em produto final utilizável. Também existem estudiosos
do campo dos chamados intelligence studies como Godson (1995, p.01), que
definem inteligência a partir de sua origem, ou seja, como “[...] a informação
que é adquirida, explorada e protegida pelas atividades de organizações
especificamente estabelecidas pra este propósito”. Deste modo a inteligência é
23
determinada, conseqüentemente, a partir das instituições de Estado, que a
desenvolvem.
Segundo o dicionário Oxford (OXFORD DICTIONARY, 2000, p.676),
inteligência é determinada pelo tema investigado e a forma em que este é
coletado, sendo considerada como a “[...] informação secreta que é coletada
sobre um País estrangeiro, especialmente um País inimigo”. Percebe-se que,
por esta definição, inteligência envolve temas estratégicos, lida com
informações de difícil obtenção, possui como foco os adversários ou inimigos e
é obtida sem o consentimento destes.
No entanto, conceitualmente vem se delineando um olhar predominante
sobre a inteligência de Estado, levando em conta sua origem em um cenário de
recursos escassos e aumento exponencial do volume de informações, que a
definiria, por conseguinte, como a ação desenvolvida por organizações
peculiares para suprir necessidades de conhecimento dos governos em áreas
vitais à sua sobrevivência, como guerras e rebeliões. Terreno este que seria
conceituado como do conflito, de enfrentamento entre as partes, sejam estas
idéias ou interesses. (CLARK, 2004, p.13).
Pode-se caracterizar então que os organismos de inteligência estatais
buscam reduzir a incerteza em um conflito entre Estados, ou entre o governo e
a sociedade, obtendo informações que o oponente trabalha propositalmente
para impedir ou negar o acesso, tal como o número de tropas envolvidas em
uma batalha ou as decisões estratégicas de um governo. De modo amplo,
inteligência pode ser sintetizada como a busca das informações negadas ou
protegidas pelo adversário aos interesses do Estado.
24
Cabe ressaltar mais uma vez que, a opção pela busca do segredo deu-
se também pela impossibilidade técnica de controlar todas as informações,
uma vez que da Antiguidade clássica e o mundo medieval, com os seus
poucos repositórios informacionais, para a sociedade moderna, tem-se uma
explosão informacional, que forçou o Estado a fazer escolhas e estabelecer
prioridades.
Evidentemente existem informações importantes disponíveis na
imprensa ou publicações acadêmicas dos países democráticos, dentre muitas
outras fontes abertas ao público em geral. Não obstante, para trabalhar a
coleta de informações amplamente disponíveis não seria necessária a
edificação de uma estrutura voltada para a busca do segredo, para o dado que
é ocultado ou distorcido propositalmente. Cepik (2003, p.109) bem conceitua
essa visão, ao definir que:
Inteligência lida com o estudo do “outro” e procura elucidar situações nas quais as informações mais relevantes são potencialmente manipuladas ou escondidas, em que há um esforço organizado por parte de um adversário para desinformar, tornar turvo o entendimento e negar o conhecimento. Os chamados serviços de inteligência de segurança (security intelligence) têm muitos alvos puramente domésticos, mas mesmo estes compartilham a condição de “outro” aos olhos do arcabouço constitucional e da ordem política constituída.
Como se observa, inteligência relaciona-se à aquisição de dados de
difícil obtenção por meios convencionais e que, como conseqüência, exigem
para a sua obtenção o desenvolvimento de rotinas específicas, o que demanda
instituições especializadas, quais sejam, as citadas agencias de inteligência.
A título de ilustração, sob o enfoque da Ciência da Informação, tema
que será abordado posteriormente, também se encontra uma visão semelhante
sobre a diferenciação da inteligência de Estado, por vezes denominada
25
espionagem, em relação à inteligência aplicada aos interesses empresariais,
denominada inteligência competitiva. Conforme Choo (2003, p.201):
Os custos econômicos e políticos combinados da espionagem industrial ou de outro tipo de roubo clandestino de informação não podem ser justificados quando comparados com os benefícios da recolha de inteligência a partir de fontes abertas.
Como conseguinte, nota-se que sob o prisma do Estado existe
legitimidade para o uso de meios clandestinos para a obtenção de informações,
em dissonância das demais organizações da iniciativa privada, que deve ater-
se aos meios legalmente permitidos, de fontes abertas a fim de produzir sua
própria inteligência. O foco das organizações estatais é a busca do segredo e
para tal se estruturam seus serviços de inteligência, como veremos a seguir.
1.1.3. Campos da inteligência de Estado
Sob o prisma das transformações da atividade de inteligência, tem-se
outra característica importante, como desdobramento institucional da procura
pelo conhecimento negado, que é a definição de quatro campos distintos de
atuação em inteligência, a saber (GODSON, 1995, p01):
a. Coleta: que consiste na obtenção de informações que sirvam ao
dirigente do Estado, muitas vezes por meios clandestinos;
b. Análise: cuja tarefa relaciona-se ao processamento da informação
obtida por uma ou mais fontes de coleta, e sua disponibilização
como produto final;
c. Contra-inteligência: definida como a proteção dos segredos de
Estado e a tentativa de manipular os serviços de inteligência
adversários em proveito próprios;
d. Ações encobertas: cujo propósito consiste em tentar influenciar
eventos em outros países, sem revelar o seu próprio envolvimento.
26
Outro recorte conceitual da moderna atividade de inteligência é o cenário
em que esta ocorre, ou seja, os ambientes externos e internos. Enquanto a
inteligência no ambiente externo se relaciona com a obtenção de dados sobre
outros países e seus governos, principalmente informações relativas a
questões políticas, militares e de segurança, a inteligência relativa ao ambiente
interno consiste na atividade dentro do próprio país, em que se busca
neutralizar as ações de organizações de inteligência estrangeiras, bem como
proteger as informações internas da nação, principalmente sobre o governo e
seu serviço de inteligência (KEEGAN, 2006, p.395). Em resumo, enquanto a
inteligência externa busca identificar e fornecer as informações necessárias
aos governantes e militares de altas patentes para que os mesmos lidem com
as ameaças ao Estado e sua população, a inteligência interna ou de
segurança, que compreende a contra-inteligência, busca impedir que outros
governos, mediante seus próprios serviços de inteligência, ou inimigos internos,
tenham acesso a informações que comprometam a segurança do Estado
(CEPIK, 2003, p. 57).
Cabe destacar novamente que “[…] intelligence is about ‘them’, nor ‘us’;
it is not self-knowledge”7 (HERMAN, 1996, P.34). Mesmo no campo da
segurança interna, que muitas vezes trabalha com alvos domésticos, a
inteligência de Estado tem tais alvos como outsiders, como o outro, à medida
que possam significar ameaça ao Estado ou a sociedade (HERMAN, 1996,
p.34).
7 Inteligência é sobre ‘nós’, não ‘eles’; não é autoconhecimento. (Tradução nossa).
27
1.1.4. Origem da inteligência policial
Um outro aspecto relevante a ser abordado, para permitir a ampla
compreensão do processo de construção das principais definições da
inteligência de Estado, é a investigação das atividades que deram origem ao
modelo atual desta. Como exposto anteriormente, tendo como elemento
impulsionador a busca do dado negado, segundo HERMAN (1996, 16-32) e
CEPIK (2003, p.91-102) foram três as atividades que constituíram-se como as
fontes históricas originárias das atuais organizações de inteligência. Tais fontes
foram:
a. A diplomacia, como elemento de coleta de informações no
exterior a partir de embaixadas ou representações diplomáticas;
b. A guerra, como necessidade de conhecer as ações do inimigo,
suas intenções e a localização física de suas tropas;
c. O policiamento e inteligência de segurança, que buscava
neutralizar os conspiradores contra os governos vigentes.
Levando em consideração tais fontes informadoras da inteligência de
Estado, pode-se ponderar que a inteligência executada pelas polícias e
agências de segurança interna, teve em sua origem uma forte abordagem
repressiva, no qual a atividade de inteligência era desenvolvida subordinada a
interesses dos segmentos sociais que estavam no poder e não a partir de
interesses de Estado. Afirma Cepik (2003, p.99) que:
As origens das atuais organizações de inteligência de segurança remontam ao policiamento político desenvolvido na Europa na primeira metade do século XIX, decorrente da percepção de ameaça representada por movimentos inspirados na Revolução Francesa e pelo nascente movimento operário anarquista e socialista.
Nota-se que os movimentos sociais, cujas posições atualmente, estando
sob a óptica de uma sociedade democrática, são consideradas como
28
diferenças políticas salutares a uma democracia, quando da origem da
atividade de inteligência eram enquadrados no campo dos inimigos de Estado,
sendo tratados enquanto tal.
Com o decorrer do tempo as ameaças originadas pelo receio de que
outras revoluções francesas ocorressem diminuíram, sendo substituídas,
porém, por outros inimigos como o anarquismo e o comunismo. No entanto a
atividade policial como um todo e a inteligência em particular passaram por
uma transformação, como pode ser observado na exposição a seguir:
Becoming more professional, with the emergence of the criminal investigation department, the application of scientific techniques to the problems of detection, apprehension, surveillance of and storage of information about criminal areas and populations8. (HERMAN, 1996, p.19-20).
Como nos diz Herman, a atividade de inteligência policial passou a se
utilizar de instrumentos científicos, não mudando, entretanto, sua doutrina
sobre os inimigos internos.
Não obstante a referida profissionalização e evolução de meios técnicos
aplicados à atividade de inteligência policial e segurança interna, ao longo do
século vinte ainda se verificou uma grande ênfase na coleta de informações
sobre o inimigo interno, que para as operações policiais, ainda se misturam aos
inimigos do regime político vigente.
1.2. Inteligência governamental
Neste tópico analisaremos os modelos de inteligência predominantes,
bem como sua origem e evolução nos Estados Unidos e no Brasil.
8 Tornando-se mais profissional, com a emergência do departamento de investigação criminal, a aplicação de técnicas científicas para problemas de detecção, obtenção, vigilância e guarda de informação sobre áreas criminais e populações. (Tradução nossa).
29
1.2.1. Inteligência de segurança nos EUA
Como potências predominantes da modernidade capitalista, a Inglaterra
e principalmente os Estados Unidos, constituíram os modelos de inteligência
vigentes. Tais modelos são edificados em consonância com o padrão
observado de inteligência voltada para o combate ao suposto inimigo interno e
impulsionado pelo ambiente de enfrentamento entre americanos e soviéticos
no pós-segunda Guerra Mundial, quando praticamente todas as atividades de
inteligência policial nos países ocidentais foram impactadas pela doutrina
americana de contenção do comunismo e dos referidos inimigos internos.
Faz-se importante ressaltar que com a potencialização do inimigo
soviético, o combate aos adversários do regime, que sempre existira, ganhou
um forte reforço ideológico, com a justificativa da contenção dos comunistas.
Sigilos telefônicos, movimentações financeiras, encontros pessoais, tudo foi
acompanhado pelo Estado, sob a égide do combate à ameaça soviética.
Para se ter a magnitude das implicações sob o cidadão comum, a partir
do prisma das liberdades individuais, pode-se citar como exemplo as grandes
dificuldades enfrentadas atualmente pelo governo dos Estados Unidos para
estruturar um sistema de inteligência nacional integrando as milhares de
instituições policiais do País (GELLER, MORRIS, 2003, p.253), na tentativa de
evitar outros ataques terroristas como o de 11 de setembro de 2001, uma vez
que a sociedade americana exerce uma grande pressão sobre as polícias, a
partir da década de setenta, mediante denúncias em jornais, manifestações
públicas e ações jurídicas, na medida em que estas instituições colecionavam
indiscriminadamente informações sobre milhares de cidadãos americanos, pelo
30
simples motivo destes terem diferenças políticas com seus governantes.
Conforme afirma Carter (2002, p.41):
Controversies have surrounded law enforcement intelligence because of past instances where the police maintained records of citizen’s activities that were viewed as suspicious or anti-American, even though no crimes were being committed. This, of course, violates fundamental constitutional guarantees and offends the American sense of fairness with respect to government intrusiveness. Unfortunately, the boundary is not precise regarding the types of information the police can collect and keep. Some legal guidelines appear contradictory and the application of law to factual situations is often difficult. Beyond the legal ramifications, early intelligence initiatives by the police typically lacked focus, purpose, and process. Important lessons can be learned from these historical experiences that provide context and guidance for law enforcement intelligence today. 9
Como resultado das pressões da sociedade civil, a legislação
americana passou a determinar que a coleta de informações sobre os cidadãos
americanos fosse centrada em processos, ou seja, em um evento criminal, e
não nos indivíduos, de forma desconexa. De fato, somente se podem coletar
informações sobre um cidadão americano a partir do momento que exista
razoável suspeita de que o mesmo esteja envolvido em uma ação criminosa,
preservando-se assim o direito democrático de diferença de opiniões e
posições políticas, elemento basilar de qualquer regime democrático.
1.2.2. Inteligência de Estado no Brasil
No caso do Brasil, as atividades de inteligência de segurança e policial
também se desenvolveram sobre a óptica da vigilância sobre os eventuais
9 As atividades de inteligência policial tem sido permeadas por controvérsias devido a experiências passadas, quando a polícia mantinha dados das atividades dos cidadãos que eram consideradas suspeitas ou anti-americanas, mesmo que nenhum crime tivesse sido cometido. Isto evidentemente viola garantias constitucionais fundamentais e ofende o senso americano de justiça com respeito à intromissão governamental. Infelizmente o limite referente às informações que a polícia pode coletar e manter não é preciso. Alguns preceitos legais parecem contraditórios e a aplicação da Lei em situações reais é geralmente difícil. Além das ramificações legais, às primeiras iniciativas de inteligência policial tipicamente faltavam processo, propósito e foco. Importantes lições podem ser aprendidas dessas experiências históricas que provêm direcionamento e contextualização para a Inteligência das forças de segurança atuais. (Tradução nossa).
31
dissidentes políticos dos governos vigentes, em que a diferença de opinião era
criminalizada. Tanto a inteligência de Estado, quanto a policial implementaram
diversas atividades visando acompanhar adversários do regime, bem como
muitas vezes efetuar a eliminação física dos mesmos.
Em relação à origem da atividade de inteligência clássica no Brasil, esta
remonta seu surgimento ao ano de 1956, ambientada pela doutrina norte
americana da guerra fria e sobre a égide da Escola Superior de Guerra – ESG,
mediante a criação do Serviço Federal de Informações e Contra-informação –
SFICI. Tal serviço, “[...] a partir dos dogmas paranóicos da Guerra Fria”
(FIGUEIREDO, p.56, 2005), nasceu com o claro foco na busca do suposto
inimigo interno. Na verdade o ativamento do SFICI se relaciona, em grande
parte, à pressão exercida pelos americanos, que tinham como política
privilegiada para as Américas, a estruturação de tais órgãos nos países da
América Latina visando combater o segmento de esquerda de tais países
(ANTUNES, 2002, p.48). Conforme caracteriza Martchenko (2004, p.76):
Na América do Sul, a origem e o desenvolvimento das principais estruturas de Inteligência sofreram forte influência da doutrina norte-americana. Sob o apanágio da contenção do Movimento Comunista Internacional, essas organizações foram fortemente marcadas e, em alguns casos, funcionaram como sucursais do sistema norte-americano em prol dos seus interesses estratégicos, com reflexos nos campos político e econômico.
Corroborando com a visão acima, ao analisar a estrutura do órgão,
quando de sua criação, tem-se mais uma dimensão de seus evidentes
propósitos, conforme nos conta Figueiredo (2005, p.66):
Seguindo os modelos propostos por Washington, o SFICI foi dividido entre quatro subseções: Exterior, Interior, Segurança Interna e Operações. As duas últimas eram as mais importantes. A subseção de Segurança Interna (SSSI) tinha uma larga incumbência, desde descobrir espiões de países hostis que atuavam no Brasil até levantar informações sobre partidos políticos, órgãos de administração pública e entidades de classe. Ou seja, para a SSSI, os inimigos estrangeiros, os organismos de Estado e sociedade civil organizada eram tudo uma coisa só: alvos a serem vigiados.
32
Em 1964, com o golpe militar, o SFICI transformou-se em Serviço
Nacional de Informações – SNI, aprofundando ainda mais o foco da instituição
na caça ao citado inimigo interno, entendendo-se como estes os partidos de
esquerda e adversários do regime militar.
Durante a ditadura militar, entre 1964 e 1985, o SNI adquiriu a dimensão
de um Ministério e tornou-se o braço informacional privilegiado do regime no
combate aos subversivos, alimentando com informações as instituições
encarregadas diretamente da repressão política. (FIGUEIREDO, 2005, p.221).
Com o fim do SNI, pelo menos formalmente, surgiu um conglomerado de
siglas representando a atividade de inteligência, tal como a Secretária de
Assuntos Estratégicos – SAE, até que, em 1999, foi sancionada a lei que
estabeleceu o atual sistema de inteligência e a Agência Brasileira de
Inteligência – ABIN. Tais iniciativas legais acerca da atividade de inteligência
herdam o estigma da relação com “[...] tortura, corrupção, violação dos direitos
humanos e liberdades civis” (ANTUNES, 2002, p.30), no entanto a legislação
aprovada e as ações pesquisadas da agência (ANTUNES, 2002, p.202), ainda
dão à dimensão de que o acompanhamento das questões internas, sobretudo
no que tange aos movimentos sociais (VIDIGAL, 2004, p.09) é destaque na
atuação do órgão. Figueiredo (2005, p.528) corrobora com este pensamento ao
afirmar que:
No governo Lula, o serviço secreto continuou procurando detectar entre a população local quem eram e como agiam os responsáveis pelos males sociais. Entre os alvos estavam os sem-terra, os lideres de movimentos de moradia popular e os candidatos a Lula na área sindical.
Por esta leitura, apesar das mudanças de governo, poucas alterações se
efetuaram sobre a lógica de atuação da inteligência de Estado brasileira,
33
continuando esta centrada, aparentemente, no acompanhamento da vida
política interna do País.
1.2.3. Inteligência policial no Brasil
Conforme anteriormente abordado, outra vertente do campo da
inteligência desenvolvida no Brasil, sob o prisma da segurança interna, foi à
inteligência policial. Mais antiga que os organismos de inteligência clássica,
como o SFICI, a atividade de inteligência nas instituições policiais brasileiras,
também foram criadas sobre o recorte de polícia política, cujo objeto de
atuação seria “[...] o conhecimento, a classificação e o controle – e a
repressão” (REZNIK, 2005, p.24) dos segmentos sociais considerados inimigos
do regime político.
Em 1933 foi criada a Delegacia Especial de Segurança Política e Social
– DESPS, sob a direção do getulismo, sendo em 1944 transformada em
Divisão de Polícia Política e Social – DPS, como parte do Departamento
Federal de Segurança Pública - DFSP. De sua origem, em 1933, até 1964 o
DPS atuou como órgão centralizador da inteligência acerca dos inimigos do
regime, repassando tal tarefa ao SNI no início do regime militar (REZNIK, 2004,
p.26), transformando-se apenas em uma delegacia dentro do Departamento de
Polícia Federal – DPF, criado em 1964 em substituição ao DFSP.
Com o fim da ditadura militar, em 1985, a Constituição de 1988 e os
avanços democráticos desta, tais como eleições diretas, fortalecimento do
Ministério Público e regulamentação dos concursos públicos, iniciou-se uma
série de mudanças institucionais na estrutura do DPF, que, enquanto
instituição, passou a assumir determinados valores democráticos que se
34
associaram às mudanças relativas à atividade de inteligência nos países
democráticos, a exemplo dos Estados Unidos.
Tal processo de mudanças no DPF adquiriu dimensão pública e maior
volume em meados de 2002, na medida em que, conforme já abordado, o
órgão iniciou uma série de ações de inteligência visando o combate ao crime
organizado, que teve como resultado o desencadeamento de operações por
todo o Brasil, atingindo atores de dentro do regime como políticos, empresários
e funcionários públicos com postos elevados. Se tais segmentos não eram
afetados dantes, uma vez que a polícia combatia os inimigos políticos do
governo vigente, quando ela passou a atuar sob uma perspectiva republicana,
a lógica se modificou, começando a estar a inteligência policial “[...] a serviço
dos valores que uma sociedade democrática inscreveu em suas leis”
(MONJADERNET, 2002, p.294).
Contudo, tais mudanças nos objetivos institucionais, trouxeram em seu
bojo a necessária mudança de paradigmas técnicos, ou seja, das ferramentas
e métodos empregados no processo de inteligência.
1.3. Novos paradigmas para a inteligência policial
1.3.1. Transformações e mudanças institucionais
É possível que o contexto atual possa ser considerado como um
momento de transformação institucional em que o foco da atividade de
inteligência interna, sobretudo no âmbito da inteligência policial, esteja
deixando de tratar como adverso ou como inimigo, os distintos setores sociais
que compõem a sociedade brasileira, e esteja sendo focado na composição de
35
um serviço voltado para a segurança do Estado e da sociedade como um todo.
Nesta direção, Reznik (2005, p.26) argumenta que:
O que está em questão hoje é um processo de reinstitucionalização de um serviço de inteligência ou de uma polícia política. [...] A democracia no pós-guerra estava constrangida pela guerra fria. Neste contexto os comunistas eram inimigos internos, enquadravam-se numa lei de segurança por serem ‘antinacionais’. O MST, [...] pode vir a servir como a atualização desse procedimento num quadro de novas exclusões para os critérios de pertencimento adequado à nação e ao exercício da cidadania.
Para o autor o contexto atual apresenta contradições que podem apontar
mudanças significativas sobre o foco da atividade de inteligência interna e,
sobretudo, em relação ao critério utilizado para eleger os inimigos internos do
país.
Ao analisar-se, nas últimas décadas, todo o processo evolutivo da
atividade de inteligência no Brasil e no mundo, bem como a expansão dos
sistemas desta citada área, infere-se que o Brasil esteja acompanhando um
movimento global em que, ultrapassada a temática do suposto inimigo
comunista, a missão dos serviços de inteligência interna (security intelligence)
esteja migrando do policiamento político para novas responsabilidades, como o
contraterrorismo e o combate ao crime organizado, com suas facetas de
fraudes financeiras, narcotráfico, crime do colarinho branco, lavagem de
dinheiro, etc. (CEPIK, 2003, p.102). Sob este prisma, corrobora com esta visão
Vidigal (2004, p.10), apontando que:
O crime organizado, em especial o tráfico de drogas e o contrabando de armas, as atividades financeiras ilegais, entre as quais a lavagem de dinheiro, são objetos da preocupação dos governos e representam um desafio para os Serviços de Inteligência de qualquer país. Incontestavelmente, um eficaz Serviço de inteligência, capaz de prover as informações necessárias, é a melhor arma para o combate ao crime organizado.
Desta forma, aponta-se o grande potencial para a atividade de
inteligência ser utilizada a serviço do combate ao crime organizado.
36
Considerando-se as competências da atividade de inteligência na busca de
informações sigilosas e de difícil obtenção, a utilização de tais aptidões,
intrínsecas aos serviços secretos, para o enfrentamento das organizações
criminosas complexas que permeiam o Estado, é um mecanismo que não
somente pode ser eficaz no enfrentamento de fato das referidas organizações,
como também é uma tarefa que ajuda a reinstituir o propósito dos serviços de
inteligência policial, apontando um novo rumo para essa atividade.
Cabe ressaltar que com o advento do crime organizado e da
globalização econômica, o uso de instrumentos, por parte dos governos, que
permitam a coleta de provas e a identificação de criminosos, sem que estes
tenham ciência de estarem sendo investigados e criem mecanismos de defesa,
são essenciais à própria sobrevivência do Estado. Assim sendo, uma
abordagem para a inteligência policial deve atuar:
[...] na prevenção, obstrução, identificação e neutralização das ações criminosas, com vistas à investigação policial e ao fornecimento de subsídios ao Poder Judiciário e ao Ministério Público nos processos judiciais. Buscam-se informações necessárias que identifiquem o exato momento e lugar da realização de atos preparatórios e de execução de delitos praticados por organizações criminosas, obedecendo-se aos preceitos legais e constitucionais para a atividade policial e as garantias individuais. (GONÇALVES, 2003, P.12)
Sob este viés, a inteligência policial utilizaria seu conjunto de técnicas e
ferramentas para combater as organizações criminosas que ameaçam o
funcionamento da sociedade democrática, sob o estrito cumprimento das leis
vigentes em um Estado de Direito. A partir de tais elementos constituir-se-ia
como uma oportunidade histórica de se colocar as agências de inteligência a
serviço desta mesma sociedade e não de grupos dominantes. Todavia, para
mudar de fato os objetivos políticos, também se faz necessário modificar o
referencial técnico empregado, constituindo-se tal tarefa um grande desafio.
37
1.3.2. Evolução técnica e conceitual
Ao se pensar na necessidade de mudança do objeto de atuação da
atividade de inteligência policial, em que este objeto se desloca do
enfrentamento com as oposições políticas aos governos vigentes e
movimentos sociais descontentes, migrando seu foco para o combate a
organizações criminosas que dilapidam o Estado e toda sociedade, também
serão necessárias mudanças nas técnicas e conceitos empregados pela
inteligência de Estado e policial para enfrentar este novo inimigo.
No momento em que os indivíduos são tratados como cidadãos e não
como inimigos de Estado, os mesmos passam a receber uma série de
garantias legais que outrora os serviços de inteligência, particularmente as
polícias, não tinham que observar ao coletar e analisar dados. Evidentemente é
muito mais fácil e rápido para o governo obter informações fornecidas por meio
de tortura, escutas clandestinas ou infiltrações de agentes, do que observando
os pressupostos legais balizados pela Constituição de 1988.
No entanto, atualmente o combate às organizações criminosas é muito
mais desafiador do que a repressão política desenvolvida anteriormente, uma
vez que tais organizações permeiam todos os segmentos sociais, do
empresário ao trabalhador, bem como todas as vertentes políticas, de partidos
esquerda aos de direita, sendo ramificada muitas vezes em nível internacional,
o que dificulta sobremaneira a localização de seus componentes e, sobretudo,
a coleta de provas sobre as atividades criminosas destes. Cabe observar como
particularidade que:
[...] a Inteligência Policial é, em suma, voltada para a produção de conhecimentos a serem utilizados em ações e estratégias de polícia judiciária, com escopo de identificar a estrutura e áreas de interesse da criminalidade organizada, por exemplo. (GOMES, 2006)
38
Ou seja, na medida em que a polícia vem assumindo um novo papel em
uma sociedade democrática, a mesma se diferencia dos demais ramos da
inteligência pela necessidade da coleta de provas. No terreno da persecução
criminal não basta que se saiba, é necessária a prova do delito.
Considerando-se a necessidade de obter provas, pode-se afirmar que
um dos grandes paradigmas vividos pelos serviços de inteligência no Brasil é o
de estabelecer mecanismos para enfrentar organizações sofisticadas e
perigosas com instrumentos de coleta e análise de informações que respeitem
os direitos individuais dos cidadãos nacionais que, em tese pelo ordenamento
jurídico vigente, são inocentes até que se prove o contrário.
Neste sentido, um dos instrumentos fundamentais à evolução técnica
da inteligência policial no Brasil para adequar-se às necessidades funcionais
das novas demandas postas, como abordado acima, é o levantamento,
mediante análise de literatura, da evolução dos processos em inteligência
desenvolvidos no restante do mundo, sobretudo em países democráticos, bem
como em outros segmentos organizacionais, que não o Estado, tal como a
inteligência aplicada a áreas econômicas, como o meio empresarial.
Também é importante compreender a inteligência como um conjunto de
segmentos, além da inteligência de Estado e policial, sendo essencial analisar
outras aplicações da atividade que vem se destacando nas últimas décadas e
que podem acrescentar conhecimento técnico ao conjunto disponível das
agencias de Estado.
Um exemplo trata-se do uso de informação voltada para o
desenvolvimento do setor produtivo, em que as técnicas oriundas do campo da
inteligência, ora denominada inteligência competitiva, são aplicadas no
39
fornecimento de informações que subsidiem a tomada de decisão, impactando
nos resultados obtidos pelas organizações. Considerando-se que as empresas
privadas historicamente têm uma série de restrições ao acesso e obtenção de
informação, que as instituições de inteligência estatal não possuem, estas
primeiras desenvolveram instrumentos para maximizar a utilização das
informações disponíveis, geralmente obtidas a partir de fontes abertas ao
público, que não precisam de autorização legal para sua utilização. Neste
sentido a referida Inteligência Competitiva – I.C. pode representar novas
experiências que podem ser utilizadas pelas instituições de combate ao crime,
a exemplo do uso de fontes abertas, ou seja, fontes cujo acesso não sofre
restrição legal, sendo o acesso franqueado a sociedade.
40
CAPITULO II
Atividade de inteligência competitiva
(...) tratar o termo [inteligência competitiva] fazendo a ligação correta com suas origem também esbarra em outro problema cultural brasileiro, pois estaremos nos referindo à atividade de inteligência de Estado, que remete, na mente de muitos brasileiros, ao período de repressão militar e ao antigo Serviço Nacional de Informações – SNI.
Elaine Marcial10
Faz-se importante que se entendam as origens de inteligência
competitiva - I.C., seus principais conceitos e sua evolução para, mediante a
identificação de novas possibilidades técnicas e metodológicas oriundas dessa
área, se possam apontar caminhos possíveis para o desenvolvimento da
atividade de inteligência policial.
Como se percebe pela descrição a seguir, a área de I.C. apresenta um
conjunto de conceitos que podem trazer acréscimos significativos aos modelos
vigentes no Estado.
10 Trecho do artigo: O perfil do profissional de inteligência competitiva e o futuro dessa atividade no Brasil. In: Gestão estratégica da informação e inteligência competitiva. p.242-270. São Paulo: Saraiva, 2005.
41
2.1. Inteligência: origem, conceitos e evolução
2.1.1. Origens e conceitos
À medida que a inteligência produzida nas organizações pode agregar
conhecimento novo para ser utilizado pelo Estado em seu novo objeto de
atuação, o combate ao crime organizado, faz-se importante precisar que os
conceitos relativos à utilização da informação existem sob a égide das
organizações empresariais.
Primeiramente cabe considerar que como a atividade de inteligência é
oriunda do Estado, observa-se que a base teórica de I.C. “[...] tem origem na
atividade de inteligência militar e de Estado, adaptada para a realidade das
organizações” (MARCIAL, 2005, p.242), o que legitima considerar a I.C. como
uma das disciplinas componentes do espectro conceitual do campo da
inteligência.
Conforme define Roedel (2005, p.77):
[...] inteligência competitiva é entendida como um processo sistemático de coleta, tratamento, análise e disseminação da informação sobre a atividade dos concorrentes, fornecedores, clientes, tecnologias e tendências gerais de negócios, visando subsidiar a tomada de decisão e atingir as metas estratégicas da empresa.
De fato, sob este espectro, a I.C. é definida pelo acompanhamento do
ambiente externo à organização, bem como pelo emprego de rotinas
específicas, como a coleta, análise e disseminação de informações, que a
diferencia de outras áreas do conhecimento.
Outra visão que reforça a similaridade teórica de I.C. com a inteligência
clássica é o acompanhamento externo, bem como a utilização de processos
específicos de inteligência. Tarapanoff (2004, p.08) argumenta que além de
acompanhar o ambiente externo da organização, a I.C. se caracteriza também
42
pela capacidade de analisar a informação coletada, avaliando-a, e em seguida
implementando mudanças no curso de ação, desenvolvendo “[...] novos
conceitos e estratégias” (TARAPANOFF, 2004, p.08). Com efeito, além do
processo, a I.C. envolve informação que seja acionável, que possa ser utilizada
pelo tomador de decisão para buscar moldar a realidade aos propósitos
organizacionais.
Ao discutir inteligência separadamente do contexto estatal, também se
pode ponderar o porquê das organizações voltadas para o mercado terem
assumido a atividade de inteligência com o enfoque competitivo. Neste sentido
as respostas se apresentam como óbvias. Em primeiro lugar, historicamente a
iniciativa privada sempre buscou referências organizativas nos governos, afinal
estes são compostos por organizações milenares. Os primeiros modelos de
burocracia surgiram do Estado, sejam com as civilizações egípcias e sumérias
ou mesmo, posteriormente, com o Império Romano, portanto nada mais natural
que o mercado continue a perceber o Estado como um referencial, mesmo que
às vezes negativo. Em segundo lugar, o momento econômico e social atual é
ímpar. A globalização econômica tem perpassado mercados, economias
nacionais e empresas com um profundo aporte de transformações econômicas.
São tantas as mudanças, tão rápidas e profundas, que a capacidade de leitura
do ambiente em que se opera e a constante adaptação às mudanças se
tornaram vitais para a sobrevivência institucional. Conforme pontua Brito (2001,
p.12):
À medida que as economias se abrem para os capitais e produtos mundiais, a necessidade de competitividade entre os capitalistas é cada vez maior. Ganha quem tiver o melhor produto, com o melhor preço, entregue rapidamente. Com esse fenômeno, empresas passam a deslocar-se constantemente pelo globo, em busca de condições produtivas mais vantajosas, como a redução do custo da mão-de-obra ou da matéria prima. No marco de uma disputa econômica cada vez mais global, cuja velocidade dos processos é
43
enorme, a informação passa a ser um instrumento basilar na busca do lucro, e as ferramentas que ajudam a fazer trafegar a informação, como a Internet, adquirem um novo valor econômico.
A partir da exposição do autor, pressupõe-se que a capacidade de
perceber as mudanças locais e globais e formular políticas e projetos para
estas não se resumem a uma simples escolha, mas a uma imperativa
necessidade. Como não privilegiar e incrementar o tratamento e a utilização da
informação, se todo o sistema produtivo atual cada vez mais se encontra
balizado “[...] em torno de princípios de maximização da produtividade baseada
em conhecimentos”? (CASTELLS, p.226, 1999).
Visando sobreviver mantendo a competitividade em um cenário de
competidores mundiais, no qual a disputa por mercados locais ocorre cada vez
mais internacionalmente, e em que a obtenção de informações sobre as
necessidades dos clientes, as capacidades dos funcionários ou as ações dos
competidores são fundamentais, uma vez que empresas líderes de mercado
podem ser constantemente ameaçadas por produtos oriundos de pequenas
empresas, cuja existência sequer era conhecida, é que não somente a I.C.
como também uma série de atividades relativas ao conhecimento surgiram e se
desenvolveram buscando instrumentalizar as organizações para lidar com a
informação. Dentre tais atividades destacam-se a gestão da informação e a
gestão do conhecimento.
2.1.2. Gestão da informação
No tocante à gestão da informação – G.I., esta tem como objetivo
maximizar a utilização da informação disponível dentro da empresa, “[...] de
forma a habilitá-la a aprender e a adaptar-se ao seu meio ambiente em
mudança” (CHOO, 2003, p.283). A gestão da informação, segundo Choo
44
(2003), seria composta pelas etapas de: 1. identificação de necessidades
informacionais; 2. aquisição de dados; 3. organização e armazenamento; 4.
desenvolvimento de produtos e serviços; 5. distribuição e utilização. Cabe
ressaltar que ao abordar produtos de G.I., a ação recai para o fornecimento de
informação relevante (CHOO, 2003, p.285) aos usuários, o que não implica
análise de tais informações como parte do produto, uma vez que a análise
poderá ser feita pelo próprio cliente.
2.1.3. Gestão do conhecimento
Outra temática informacional relevante para as organizações é a gestão do
conhecimento – G.C., que tem como foco “[...] gerenciar o conhecimento formal
e informal em uma organização” (MORESI, 2001, p.9). A G.C. objetiva
apropriar-se do conhecimento informal ou tácito, leia-se: opiniões, experiências,
suposições, decisões, etc., transformando-o em explícito e compartilhando-o
com toda a organização. Já sistema de gestão do conhecimento é entendido
como um
[...] conjunto de práticas distintas e interligadas visando melhorar o desempenho organizacional por meio de produção, retenção, disseminação, compartilhamento e aplicação do conhecimento dentro das organizações e na relação destas com o mundo exterior. (BATISTA, 2004, p.08).
No entanto, para Choo (2003), além da construção do conhecimento
envolvendo a partilha da informação tácita transformada em explícita, e a
administração destes processos em um sistema, a G.C. também compreende
os momentos de criação de significado em que os indivíduos de uma
organização oferecem um sentido comum ao que acontece no ambiente e à
tomada de decisões, onde a organização busca reduzir a incerteza de um
45
contexto em constante mutação “[...] criando regras, premissas e programas de
desempenho” (CHOO, 2003, p.51).
2.1.4. Diferenças e similitudes
Dentro desta visão, as três abordagens da informação, G.I., G.C., e I.C.,
se complementariam, visando a criação de significado que permitiria uma
interpretação comum do ambiente, determinando os objetivos e propósitos para
a conversão do conhecimento que, por sua vez, “[...] leva à inovação na forma
de novos produtos ou novas competências” (CHOO, 2003, p.51), o que implica
escolhas táticas e estratégicas para a organização, que utilizará “[...] regras e
premissas destinadas a simplificar e legitimar seus atos” (CHOO, 2003, p.51)
quando da tomada de decisões.
Percebe-se que I.C. se diferencia da gestão da informação e gestão do
conhecimento, devido o foco no ambiente externo e, sobretudo, na entrega de
produtos informacionais que envolvam alto valor agregado mediante análise.
Corroborando com essa visão, sob o prisma das empresas:
Ao pensarmos em inteligência, remetemo-nos imediatamente à capacidade das organizações (entre elas as unidades de informação) de monitorar informações ambientais para responder satisfatoriamente aos desafios e oportunidades que se apresentam continuamente. Pode-se dizer que a inteligência visa, principalmente, a imprimir um comportamento adaptativo à organização, permitindo que estas mudem e adaptem seus objetivos, produtos e serviços, em resposta a novas demandas do mercado e a mudanças no ambiente. (TARAPANOFF, 2000, p.91).
Neste sentido infere-se o foco da autora na necessidade da informação
coletada e disponibilizada, dentro da lógica de I.C., ser aplicável à realidade da
empresa, ou seja, que a informação possa ser utilizada para moldar a
organização às mudanças da realidade.
Como se percebe, portanto, mais do que coleta em fontes abertas de
informação, a I.C. envolve a necessidade de fazer com que a quantidade de
46
informação disponível para a coleta possa vir a produzir algum sentido para a
organização. Como decorrência, a I.C. apresenta um diferencial em relação à
G.C. e G.I., uma vez que não se resume em organizar coleções de informações
mas conforme já abordado, a coletar, organizar e analisar as mesmas,
subordinando o produto de tais informações analisadas às necessidades da
organização. De acordo com Cardoso Júnior (2003, p.18):
Os profissionais de inteligência competitiva coletam, analisam e aplicam, legal e eticamente, informações relativas às capacidades, às deficiências e às intenções de seus concorrentes, e monitoram os acontecimentos do ambiente competitivo geral (como concorrentes antes desconhecidos que surgem no horizonte ou novas tecnologias que podem alterar tudo). O seu objetivo: obter informações que subsidiem o processo de tomadas de decisões estratégicas e que possam ser colocadas para colocar a organização empresarial na fronteira competitiva dos avanços.
Diante o exposto pelo autor, é possível afirmar que a I.C. tem se
consolidado como uma ligação entre o cotidiano dinâmico e as necessidades
estratégicas da organização, em que um elemento retro-alimentaria o outro,
permitindo que a empresa tenha uma estratégia clara e que esta não se
transforme em um dogma se justapondo a realidade, não considerando as
mudanças nesta. Dentro desta lógica pode-se deduzir que a I.C. se
caracterizaria pelo vínculo entre o planejamento estratégico e as atividades
informacionais de coleta, tratamento e disseminação da informação (SANTOS,
200?, p.4).
Assim, as organizações que atualmente procuram inovação e
competitividade buscam a junção de informações gerenciadas e organizadas
com foco para o negócio, com um sistema “[...] que combina acesso, análise e
interpretação da informação” (REZENDE, 2002) mediante a Inteligência,
procurando assegurar também a incorporação do conhecimento produzido
como produto a partir da gestão do conhecimento.
47
2.1.5. Inteligência competitiva como opção técnico-conceitual
A experiência de empresas como Petrobrás ou Microsoft11 em gerir e
utilizar a informação, produzindo inteligência, vem demonstrando como as
organizações privadas em conjunto com o meio acadêmico estão
desenvolvendo uma série de iniciativas visando melhor administrar e utilizar a
informação.
Mediante tais experiências, podemos inferir que a junção dos conceitos
de G.I., G.C. e I.C. representa uma ampla gama de inovações e avanços no
aspecto da obtenção, tratamento e utilização da informação que o Estado, no
marco da inteligência clássica e policial, ainda não tenha refletido.
Levando em conta, conforme anteriormente abordado, a evolução da
área de inteligência ao longo do tempo, particularmente o surgimento da I.C. e
sua aplicação bem sucedida dentro das organizações, seria natural por parte
do Governo e de suas instituições, uma pequena inflexão buscando analisar
aquilo que a inteligência voltada para o mercado possa ter trazido de novo e
dinâmico para esta área do conhecimento, de modo a viabilizar aplicações
destes avanços em suas atividades.
Conforme foi abordado anteriormente, a I.C. pode contribuir com
técnicas e conceitos no tocante ao trabalho com fontes abertas, bem como com
ferramentas e instrumentos de análise de mercado que as agências de
inteligência do Brasil possivelmente não estão familiarizadas, sobretudo as de
cunho policial, uma vez que até a promulgação da Constituição de 1988, era
possível a utilização de vários instrumentos para a obtenção de informações,
11 A experiência de gestão da informação da Microsoft está relatada no livro A Empresa na velocidade do pensamento, de Bill Gates.
48
tal como o uso de interceptações clandestinas, que na conjuntura atual não são
mais legal e socialmente permitidos.
Entretanto, tais estudos ainda são inexistentes, sendo percebidos
poucos autores ou instituições interessadas em verificar a aplicabilidade de
técnicas oriundas da I. C., G.C. ou G.I., em organizações com tradição anterior
em inteligência clássica ou policial.
Dois autores, Campos e Soares (2003), parecem perceber a I.C. como
um campo conceitual útil às instituições policiais, afirmando que:
O objetivo típico de um projeto de Inteligência Competitiva é monitorar a circunscrição na qual a Unidade Policial está inserida, através da captura do conhecimento incorporado em documentos – memorandos, relatórios, apresentações, artigos e assim por diante – e colocá-lo num repositório onde possa ser facilmente armazenado, recuperado, tratado e disseminado. Portanto, Inteligência Competitiva é o resultado da análise de dados e informações coletados do ambiente que envolve a Unidade Policial e que irão embasar a tomada de decisão, pois geram recomendações que consideram eventos futuros e não somente relatórios para justificar decisões passadas. (CAMPOS; SOARES, 2003, p.37)
Contudo, mais do que monitorar o ambiente em que as organizações de
inteligência estatal se inserem, conforme pontuam os autores, a I.C.,
consolidada pelas necessidades competitivas das empresas em tempos de
globalização econômica, pode apresentar uma série de inovações no tocante a
obtenção, tratamento, organização, análise e disponibilização da informação
que, avaliadas comparativamente com os métodos tradicionais das agências
estatais, denotem a possibilidade destas adquirirem novas práticas e
consequentemente, terem acesso a inovações úteis às mudanças institucionais
necessárias, apontadas por este trabalho.
No momento que a sociedade busca resignificar o sentido de inteligência
interna e policial, focando as competências informacionais do Estado no
combate aos verdadeiros inimigos da nação, tal como o crime organizado e
49
não na perseguição política de seus cidadãos, cabe o desafio de validar a
utilização dos conceitos observados até o momento no campo da inteligência
competitiva, mediante análise comparativa, com a inteligência de Estado,
permitindo que a atividade de inteligência governamental seja aprimorada em
suas ferramentas conceituais, maximizando sua efetividade no combate às
organizações criminosas que, de fato, ameaçam a sociedade brasileira.
Adotando algumas categorias para efeito de apreciação comparativa,
tais como coleta e análise, procurar-se-á, nos tópicos a seguir, identificar
similaridades e diferenças entre inteligência clássica, policial e competitiva, de
forma a apontar possibilidades de utilização de novas ferramentas teóricas, de
modo a ser possível identificar novas práticas que tenham sido acrescidas ao
terreno da inteligência pelas empresas, bem como por órgãos governamentais
de outros países, que possam ser utilizadas a serviço de toda sociedade.
50
CAPITULO III
Análise Comparativa
É difícil que uma pessoa se conheça se não conhecer os outros.
Miyamoto Musashi12
Ao efetuarmos uma análise entre as características da inteligência
clássica, policial e competitiva, inicialmente far-se-á necessário identificar os
tópicos a serem comparados. Neste sentido, é primordial entendermos o
significado do ciclo de inteligência, uma vez que este conceito de processo e
suas etapas são considerados como um dos alicerces conceituais da área de
inteligência.
Em seguida abordaremos algumas etapas fundamentais do processo de
inteligência, constituindo-se as mesmas como os momentos da definição de
requisitos, planejamento, coleta, análise e disseminação.
3.1. Ciclo de inteligência
Por ciclo de inteligência compreende-se uma seqüência de etapas em
que se decompõem os processos da atividade de inteligência, sendo que elas
irão variar de acordo com a definição conceitual utilizada. A visão
tradicionalmente empregada pelo Federal Bureau of Investigation – FBI, uma
12 O livro dos cinco anéis. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000.
51
das polícias federais norte americanas (CARTER, 2004, p.65) bem como por
várias outras agências governamentais daquele país (CLARK, 2004, p.14)
determina seis momentos dentro do ciclo de inteligência, que seriam:
a. Requerimento, em que o cliente demanda suas necessidades
informacionais, sendo as mesmas traduzidas em requerimentos;
b. Planejamento, direção, em que a equipe estabelece metas de
coleta e análise, bem como os formatos de disponibilização do
produto para o cliente e o tempo necessário para tal;
c. Coleção, coleta, em que a informação é coletada a partir de vários
mecanismos de obtenção diferentes;
d. Processamento, envolvendo o agrupamento, organização da
informação coletada;
e. Análise, que extrairá padrões, significados, inferências e
constatações tendo como base o conjunto de informações
coletadas sobre dado tema;
f. Disseminação. Consiste na disponibilização do produto
informacional ao cliente.
Cabe observar, conforme mencionado anteriormente, que tais etapas
podem ser subdivididas ou agrupadas, segundo o que percebemos na
definição empregada por Lodi (2005, p.133) ou por Marcial (2005, p.244) em
que as etapas seriam resumidas a quatro momentos compostos por: 1-
Planejamento e direcionamento; 2- Coleta; 3- Análise; 4- Disseminação.
No entanto, abordaremos neste trabalho as etapas de coleta e análise,
uma vez que tais etapas são consideradas (CEPIK, 2003, p.34), (HERMAN,
1996, p. 39) como os elementos basilares do ciclo de inteligência.
52
Buscaremos a seguir definir as etapas de coleta e análise, bem como
identificar características e especificidades relativas à inteligência clássica,
policial e competitiva.
3.2. Requerimento
Os clientes de inteligência, sejam os mesmos governantes, juízes ou
empresários, têm como característica principal a necessidade por informações
para a tomada de decisões, todavia nem sempre conseguem sintetizar suas
demandas informacionais em conceitos claros e objetivos. Muitas vezes
efetuam demandas genéricas, que dificultam as etapas posteriores de coleta e
análise, e como decorrência gerando produtos informacionais dispendiosos e
inúteis ao usuário. Portanto, o momento inicial do ciclo de inteligência é
decisivo, pois é quando as necessidades de cliente são transformadas em
requerimentos. Um dos mecanismos fundamentais para a obtenção das reais
necessidades dos usuários é a utilização de entrevistas, em que se tenta
identificar um roteiro de questões. KRIZAN recomenda como ponto de partida:
The “Five Ws” — Who, What, When, Where, and Why— are a good starting point for translating intelligence needs into requirements. A sixth related question, How, may also be considered. In both government and business, these questions form the basic framework for decisionmakers and intelligence practitioners to follow in formulating intelligence requirements and devising a strategy to satisfy them13. (1999, p.13).
Uma vez identificado o quê, quem, quando, onde, por que e como, se
adquire uma base para o início das fases posteriores.
13 As cinco indagações: o quê, quem, quando, onde, e por que, são um bom ponto de partida para o processo de transformação de necessidades em requerimentos. Uma sexta indagação relacionada, como, também deve ser considerada. Tanto no governo quanto no ambiente empresarial, essas questões compõem um ferramental básico para os tomadores de decisão e os profissionais de inteligência seguirem na formulação dos requerimentos de inteligência, bem como no desenvolvimento de uma estratégia para satisfazê-los. (Tradução nossa).
53
Como se observa, não existe diferença alguma na utilização desta etapa
do ciclo de inteligência, entre as agências de Estado e a I.C. Se as demandas
são diferentes, as técnicas empregadas para obtê-las são as mesmas.
3.2.1. Definição do problema de inteligência x necessidades do usuário
A partir de um modelo proposto por KRIZAN (1999, p.14), se percebe as
diferenças entre o problema de inteligência e as necessidades do usuário, ou
seja, quais respostas este realmente necessita para que a inteligência
produzida seja realmente acionável. Muitas vezes o cliente não sabe precisar
suas reais necessidades.
Faz-se notar que, conforme comentado, apesar das diferenças no objeto
da ação de inteligência, os instrumentos e indagações para identificar as
demandas do usuário não se diferenciam entre as agências de Estado e a I.C.
Cenário governamental
Problema de inteligência
Quem
O que
Quando
Onde
Por que
Como
Um presidente de outro país.
Recusa em permitir a inspeção de locais com enriquecimento de urânio.
Agora. Proveniente de vários meses.
País X Desconhecido. Motivação pode ser relacionada ao desenvolvimento de armamento atômico.
Impedindo o acesso de inspetores e destruindo o equipamento de monitoramento.
Necessidades de inteligência
Quem
O que
Quando
Onde
Por que
Como
54
Presidente da república.
Deseja informações sobre o presidente do País X.
Agora. Com atualização continua.
Palácio de Governo.
Conhecer a base de poder e as intencionalidades.
Mediante todos os recursos de coleta e análise.
Tabela 1 - Problema de inteligência x necessidade do usuário. Fonte: adaptação de Krizan (1999).
Cenário empresarial
Problema de inteligência
Quem
O que
Quando
Onde
Por que
Como
Companhia X.
Reorganiza o departamento de produção.
Subitamente. Mercado saturado.
Desconhecido.
Desconhecido.
Necessidades de inteligência
Quem
O que
Quando
Onde
Por que
Como
Presidente da companhia Y.
Deseja saber por que e como a companhia X efetuou as mudanças.
Agora. Com atualização continua.
Escritório da presidência.
Determinar se a nova estrutura propicia vantagem competitiva à empresa concorrente.
Mediante coleta e de fontes abertas e relatórios confidenciais.
Tabela 2 - Problema de inteligência x necessidade do usuário – I.C.. Fonte: adaptação de Krizan (1999).
3.3. Planejamento O planejamento, dentro do ciclo de inteligência, busca estabelecer meios
para transformar as necessidades informacionais identificadas no momento do
requerimento, em produtos de inteligência que atendam as necessidades do
cliente.
É mediante o planejamento que se assegura que a inteligência
produzida será utilizável, uma vez que o produto estará em conformidade com
55
as necessidades identificadas anteriormente, a partir do emprego de
instrumentos e processos adequados, por profissionais com características
próprias para a tarefa, e principalmente no prazo correto. Cabe uma ressalva.
É muito comum que um grande número de projetos não se tornem viáveis
justamente por não serem planejados de forma adequada. Com a inteligência,
dada sua complexidade, não é diferente. Portanto o planejamento é essencial
ao sucesso da atividade.
Durante o processo de planejamento deverão ser previstos um conjunto
de etapas, tais como:
a. Lapso temporal. Em um primeiro momento é fundamental a
definição do tempo utilizado para o ciclo de inteligência, de forma
que a entrega da análise produzida possa ser útil ao decisor. Uma
vez que a inteligência é empregada para subsidiar a intervenção
no mundo real, a mesma deve estar disponível ao usuário do
sistema de forma que ainda possa ser empregada. Nesse sentido,
as etapas devem seguir um cronograma que se atenha
rigidamente ao propósito estabelecido. Evidentemente os prazos
irão variar de acordo com a necessidade, levando-se em conta
inclusive se os eventos acompanhados são táticos ou
estratégicos, e se dizem respeito ao que está acontecendo agora
ou mesmo se tentam prever o que irá acontecer.
b. Plano de coleta. Nesta etapa se efetuará a descrição de quais os
recursos de coleta de informações serão utilizados em
determinado projeto. Como recurso metodológico, se prescreve a
elaboração de uma lista de evidências esperadas, fazendo a
56
correlação entre os recursos de coleta mais úteis para cada tipo
de evidência comparados aos itens da lista (KRIZAN, 1999, p.21).
O mais importante da confecção de uma relação de objetivos de
coleta e os meios para efetuá-la é evitar dois extremos em
relação à aquisição de dados. Por um lado tende-se a empregar
vários meios de obtenção de dados, resultando em um volume
exagerado de informações inúteis e provocando um decorrente
gargalo processual para filtrá-las, e por outro se tem a famosa
visão em túnel, em que se utilizam poucos meios para obter um
tipo de informação, em que se teria mais efetividade aplicando um
conjunto de instrumentos. É também no momento do
planejamento da coleta que se estabelece o tempo para efetuar a
mesma e os tipos de coleta prioritários. Como inteligência deve
ser empregável pelo cliente, é pouco producente a coleta de um
conjunto de dados que não sejam mais relevantes ao usuário do
sistema. Inteligência deve ser acionável. Outro aspecto a ser
determinado é o formato em que o conjunto de dados coletados
será entregue para análise. As distintas fases do ciclo de
inteligência devem dialogar entre si. Quando os formatos de
bancos de dados, planilhas ou relatórios são incompatíveis, o
tempo perdido com adequações é grande, o que pode afetar
substancialmente o prazo para entrega do produto, e
conseqüentemente a utilidade para o tomador de decisão da
inteligência produzida.
57
c. Necessidades de processamento. Uma vez coletados os dados
brutos, nesta fase serão designados os tipos de ferramentas
utilizados para processar os dados, bem como os processos
necessários para filtrá-los, agrupá-los, organizá-los e adequá-los
às demais informações anteriormente armazenadas em uma
coleção temática. Esta etapa envolve um considerável volume de
horas de trabalho e dedicação da equipe de inteligência, sendo
necessário o planejamento adequado para que se processe
corretamente a informação coletada, permitindo que a mesma
possa ser analisada. Se os processos não forem bem definidos,
comumente muitos dados, que seriam informações relevantes,
tendem a serem perdidos em meio a uma infinidade de dados
colhidos.
d. Técnicas de análise. Levando-se em conta o tipo de coleta
planejada, se identificarão quais as técnicas podem ter mais
efetividade para serem empregadas na análise da coleção de
informações que será composta. Como observaremos no decorrer
deste trabalho, existe uma ampla gama de possibilidades e
ferramentas, variando de acordo com o tipo de dado coletado e o
tipo de produto analítico produzido.
e. Formatos para disseminação. Em paralelo à identificação das
ferramentas a serem empregadas para análise, se deve identificar
em quais formatos o produto analítico será entregue ao usuário.
Cabe ressaltar que as necessidades do usuário são o elemento
central neste momento. Se o usuário precisa de uma informação
58
que possa ser sintetizada em uma frase, ou de um relatório em
profundidade de centenas ou milhares de páginas, o produto deve
ser adequado ao formato necessário. Ao se identificar o formato,
também se deve determinar o tipo e nível de linguagem
empregada. A compreensão no nível cognitivo do cliente, além de
suas características culturais, é primordial. Quando se fornece um
relatório de inteligência, o objetivo é a efetiva assimilação do
mesmo pelo tomador de decisões, e não o de impressionar o
referido cliente com os termos rebuscados, ou com os
conhecimentos acadêmicos do analista. Se o relatório não é
compreendido não é utilizável, não sendo, portanto, acionável.
À medida que se termine o planejamento inicial, deve se considerar
conforme observado acima, que o processo de inteligência é um ciclo, uma vez
que funciona de maneira contínua, sendo, portanto necessária a constante
adequação dos modelos planejados, as novas demandas apresentadas pelas
necessidades do cliente. Assim como todo modelo teórico ainda não
submetido ao crivo da realidade, é comum a necessidade de precisar os
instrumentos utilizados no decorrer do ciclo de inteligência.
3.4. Coleta Por coleta entende-se a atividade de obter dados e informações sobre
determinada temática relevante às necessidades do cliente. Tal coleta,
composta por entrevistas, pesquisas em bases de dados, acesso a periódicos,
dentre outros meios, resulta na conformação de uma coleção de informações
sobre dado assunto (CLARK, 2004, p.65) que, por sua vez, será a matéria
prima para a atividade de análise.
59
Uma parcela significativa da atividade de inteligência relaciona-se a
obtenção e coleta de dados. Com os significativos avanços tecnológicos
atualmente disponíveis, tais como satélites geoestacionários, máquinas
fotográficas digitais, bancos de dados de patentes e a própria internet, a coleta
e o armazenamento de informações tornou-se acentuadamente mais fácil.
Todavia, sob o prisma governamental:
O volume de dados brutos e informações primárias coletadas é muito maior do que os relatórios efetivamente recebidos pelos usuários finais. Segundo uma estimativa dos anos 1980, somente 10% das informações coletadas chegariam a sair dos muros dos sistemas de inteligência. (CEPIK, 2003, p.35).
Tem-se, portanto, o paradoxo entre a possibilidade da composição de
amplas coleções, constituídas a partir do emprego massivo de tecnologia da
informação, e a aquisição de informações que não serão sequer analisadas,
levando-se em conta o montante de dados coletados e a necessidade da
intervenção humana para processá-las.
Se existe bastante similaridade entre a inteligência de Estado para com
a inteligência competitiva, em relação ao montante de informação disponível
em tempos de sociedade da informação, sob o prisma da amplitude dos meios
de coleta disponíveis, percebe-se que o Governo tem uma série de dispositivos
legais, sobretudo nos países desenvolvidos como os Estados Unidos, que lhe
permite diversificar amplamente as fontes de coleta. Cabe observar que, dado
o volume de recursos para obtenção de informações disponíveis ao Estado,
este criou áreas especializadas em determinados tipos de coleta de
informação, criando também, como demonstra a experiência americana,
agências especializadas em tais meios de coleta.
60
3.4.1. Tipos de coleta
Atualmente os distintos segmentos de obtenção de dados por parte dos
governos são agrupados nas seguintes disciplinas de coleta (CEPIK, 2003,
p.35; CLARK, 2004, p.99; HERMAN, 1996, p.61):
a. Humint (human intelligence14): Inteligência obtida a partir de
fontes humanas, entendendo-se por isso: entrevistas, ligações
com outras agências, obtenção clandestina de informações, rede
de contatos, obtenção de segredos técnicos. Segundo Herman
(1996, p.63), existe uma escala de relevância em relação às
informações obtidas por meios humanos que, do instrumento de
coleta menos sensitivo e relevante, ao mais sensitivo e relevante
teria a seguinte seqüência: 1. observadores casuais, especialistas
e peritos; 2. refugiados; 3. contatos comerciais; 4. interrogatório
de prisioneiros de guerra; 5. Informantes clandestinos ocasionais;
6. oponentes políticos, exilados e governos alternativos; 7.
traidores ou espiões; 8. agentes de inteligência produzindo
informes locais. Como se observa, a inteligência originada nos
indivíduos envolve desde a simples observação casual até
mesmo o emprego de espiões. São exemplos de instituições de
humint: CIA e o DIA nos Estados Unidos, o Mossad em Israel, a
Abin no Brasil e o SIS na Grã-bretanha.
b. Sigint (signals intelligence15): Inteligência obtida pela
interceptação de comunicações humanas e sinais digitais, bem
como pela eventual decodificação ou descriptação dos mesmos.
14 Inteligência humana. Tradução nossa. 15 Inteligência de sinais. Tradução nossa.
61
Compreende as interceptações de comunicações telefônicas,
rede de computadores (internet) e comunicações por rádio.
Possui uma escala de relevância (HERMAN, 1996, p.71) em
relação às informações obtidas que, do instrumento de coleta
menos relevante ao mais relevante teria a seguinte seqüência: 1.
localização do local da transmissão, mensuração dos parâmetros
de sinal16; 2. análise de tráfico, possibilitando a reconstrução do
layout de comunicações e a identificação das estações que lhe
deram origem; 3. deciframento ou criptoanálise, consistindo em
quebrar os códigos de criptografia do adversário pelo acesso ao
conteúdo de suas comunicações sem que o mesmo saiba. Cabe
ressaltar que a inteligência de sinais envolve: 1. a comint
(communications intelligence17), baseada na interceptação de
comunicações e inteligência eletrônica; 2. a elint (electronic
intelligence18), envolvendo as emissões de sinais oriundas de
equipamentos de comunicações sem a interação humana. São
exemplos de instituições que praticam sigint: A NSA, nos EUA e a
GCHQ na Grã-Bretanha.
c. Imint (Imagery intelligence19): Inteligência derivada da obtenção e
interpretação de imagens fotográficas e multiespectrais. Tais
imagens obtidas por meio de uma câmera fotográfica, passando
pelo espectro de um radar e até mesmo por um satélite espacial.
16 A mensuração dos parâmetros de sinal é um dos instrumentos fundamentais a conceito de guerra eletrônica, em que mediante tais detecções, se obteria informações sobre o tipo de equipamento que emitiria o sinal em questão, permitindo a distinção entre emissões hostis, e amigáveis. 17 Inteligência de comunicações. Tradução nossa. 18 Inteligência eletrônica. Tradução nossa. 19 Inteligência de imagens. Tradução nossa.
62
Considerando-se o custo envolvendo a utilização de satélites,
atualmente poucos países possuem agências com esta finalidade.
Como exemplo de instituição deste segmento pode-se citar a
NRO e a Central Imagery Office, ambas pertencentes ao governo
dos EUA.
d. Masint (measurement and signature intelligence20): Inteligência
procedente da mensuração técnica e científica de sinais térmicos,
sísmicos, magnéticos, dentre outros, de forma a localizar a origem
geográfica de tal sinal, bem como a identificar o equipamento que
lhe deu origem. Não existem organizações voltadas
exclusivamente para tal fim;
e. Osint (open sources intelligence21): Inteligência oriunda de fontes
abertas a todo o público, tais como jornais, periódicos, banco de
dados, documentários, entrevistas, teses e pesquisas
acadêmicas, grupos de discussão na internet, sites
especializados, etc., sendo que tais fontes públicas podem ser
impressas ou eletrônicas. Existem pesquisadores (COSTA, 2002,
p.26) que afirmam que os operadores de inteligência podem
encontrar até noventa e cinco por cento das informações
necessárias a uma organização mediante o emprego de fontes
abertas.
Utilizando-se das categorias governamentais como referência
comparativa entre a inteligência clássica, policial e competitiva, tem-se o
seguinte quadro:
20 Inteligência de mensuração de assinaturas. Tradução nossa. 21 Inteligência de fontes abertas. Tradução nossa.
63
Tipo Inteligência de
Estado Inteligência policial
Inteligência competitiva
Humint
Utiliza todos os meios
disponíveis. Pode empregar espiões,
informantes pagos e agentes infiltrados,
bem como da aplicação de
interrogatório a prisioneiros de guerra
e/ou exilados.
Utiliza todos os meios legalmente disponíveis mediante autorização
judicial. Pode empregar informantes
pagos e agentes infiltrados, bem como aplicar interrogatórios
a pessoas investigadas e/ou presas.
Utiliza-se de rede de contatos, cooptação de ex-funcionários e entrevistas pessoais, sendo criminalizado a espionagem ou o
suborno.
Sigint
Utiliza todos os meios
disponíveis22. Envolvendo
interceptação de: telecomunicações,
internet e radiocomunicação.
Utiliza todos os meios disponíveis mediante autorização judicial.
Envolve interceptação de: telecomunicações,
internet e radiocomunicação.
Restringe-se ao acompanhamento do correio eletrônico dos
funcionários da própria empresa.
Não pode efetuar a interceptação de comunicações e
sinais.
Imint
Utiliza todos os meios
disponíveis, o que significa imagens de
diversos tipos de satélites, vídeo,
fotografia, imagens de radar, bem como
imagens eletroópticas.
Utiliza parcela significativa dos meios
disponíveis, como fotografia e vídeo,
além de imagens de satélite à medida que sejam necessários.
Utiliza imagens obtidas de satélites
comercialmente disponíveis, bem como imagens de
vídeo e fotografias.
Masint
Utiliza todos os meios disponíveis, incluindo
sensores remotos, sensores locais,
inteligência eletrônica, telemetria, inteligência de radar e geofísica, sensores nucleares,
dentre outros.
Exceto em casos excepcionais, não se utiliza dos meios de
masint.
Não se utiliza dos meios de masint.
22 No Brasil a ABIN não possui autorização legal para efetuar interceptação de telecomunicações ou de comunicações eletrônicas, sendo privativo as policiais judiciárias tal prerrogativa.
64
Osint
Utiliza todos os meios disponíveis, inclusive
a gravação sistemática de
programas televisivos, o monitoramento de
periódicos e o armazenamento de
sites da internet.
Utiliza todos os meios disponíveis,
necessários às operações policiais, inclusive a gravação
de programas televisivos, a aquisição
de periódicos, e o armazenamento de
sites da internet.
Utiliza todos os meios disponíveis, principalmente o
acompanhamento de periódicos técnicos e econômicos, bases
de dados de patentes e trabalhos
científicos.
Tabela 3. Análise comparativa entre inteligência clássica, policial e I.C. Fonte: O autor.
Conforme se constata no tocante à coleção de dados e informações, a
inteligência de Estado e policial possuem grande vantagem sobre a inteligência
competitiva, uma vez que o próprio Estado, em nome da segurança da nação,
permite uma série de prerrogativas quanto a obtenção de informações que não
consente a sociedade civil, chegando a considerar-se o serviço secreto como
“a instituição que oficialmente atua fora da lei” (FIGUEIREDO, 2006, p.13).
Corroborando com esta visão, sob o prisma da I.C, Marcial (2005, p.247) afirma
que:
O que basicamente diferencia a atividade de inteligência da espionagem são as práticas legais e éticas de obtenção de dados e pedaços de informação. São considerados, por exemplo, métodos não éticos e ilegais: o grampo telefônico e de e-mail, a compra ou roubo de informações e documentos sigilosos de uma organização, a mentira a respeito da sua identidade, a infiltração de pessoas nas organizações concorrentes, entre outros.
Além das restrições legais e éticas impostas ao restante da sociedade,
os governos detêm uma série de recursos tecnológicos e grande amplitude de
atuação. Contudo, se o Estado possui várias possibilidades no terreno da
coleta de informações, cabe ponderar que vários instrumentos até pouco tempo
eram disponíveis somente aos governos, atualmente, com o barateamento
tecnológico, também tais serviços são fornecidos para toda a sociedade. Um
bom exemplo é o das imagens efetuadas por satélites que, até algumas
65
décadas era de utilização exclusiva do Estado e atualmente, com o lançamento
de centenas de satélites comerciais, encontram-se amplamente utilizadas por
vários segmentos organizacionais.
3.4.2. Dimensões de coleta
Além da dimensão dos diversos tipos de coleta citados acima, os
mesmos referenciam-se basicamente a quatro dimensões, envolvendo
pessoas, objetos, emanações e registros. Independentemente do rol de
disciplinas de coletas, as mesmas levantarão informações das citadas
dimensões.
Ao objetivarmos obter informações sobre indivíduos e conceitos, objetos
e produtos, emanações de objetos ou processos e registros e documentos
gerados pela atividade humana ou por sua tecnologia, não empregaremos
necessariamente somente um meio de coleta. Conforme veremos abaixo, os
meios de coleta de informações poderão atender a mais de uma dimensão,
sem perder suas especificidades.
Categoria de coleta x uso analítico
Dimensão Disciplina de coleta e atributos
Uso analítico
Pessoas HUMINT. Análises de especialistas, pesquisas acadêmicas, informações de técnicos, relatos de participantes ou pessoas presentes em dado evento.
Transferência de conhecimento original; referência informacional para os outros tipos de coleta.
66
Objetos IMINT. Provê a descrição de características físicas de equipamentos, materiais ou produtos, tais como texturas, composição, tamanho e aspectos específicos.
Fornece a base para análises objetivas, pautadas em condições, origens ou propósitos humanos.
Emanações MASINT, IMINT. Detecta fenômenos naturais ou de origem humana, tais como energia eletromagnética, temperatura de equipamentos, impressões digitais e resíduos químicos e materiais, dentre outros.
Permite análises técnicas e científicas de eventos.
Registros IMINT, SIGINT. Coleta registros simbólicos sejam esses orais ou escritos, ou registros não simbólicos, tais como emanações eletromagnéticas de mecanismos de comunicações ou fotografias.
Pesquisa, informações sobre pesquisas e eventos, traduções.
Tabela 4. Categoria de coleta x uso analítico. Fonte: adaptação de Krizan (1999).
Fazendo uso das dimensões abordadas, percebe-se que as mesmas
aplicam-se tanto à inteligência de Estado, quanto à I.C., constituindo-se como
categorias universais. Faz-se importante salientar mais uma vez, que se
apresenta mais um exemplo da proximidade conceitual entre as agências
governamentais e I.C., uma vez que, apesar das amplas possibilidades de
coleta permitidas ao Estado, os fundamentos da ação de coleta, bem como o
escopo do universo coletado são os mesmos. Segue uma análise comparativa
demonstrando as correlações:
Comparação entre o emprego da coleta pelos organismos
estatais x I.C. Dimensão Informação provida Governo I.C.
67
Pessoas Revelações inadvertidas ou propositais fornecidas em encontros casuais, eventos oficiais ou no relacionamento com informantes.
Diplomata estrangeiro.
Um profissional de outra empresa, em um congresso de negócios.
Objetos Características físicas e funcionais de um item, discernidas mediante exame físico ou visual.
Equipamento militar.
Produtos e componentes.
Emanações Informações sobre a identidade e as atividades do meio que deu origem.
Interceptação de um teste nuclear.
Traços químicos em um rio que circunda uma fábrica concorrente.
Registros Evidências de existência e acontecimentos, bem como as características dos alvos acompanhados.
Imagens, telemetria, documentos e comunicações.
Literatura disponível sobre um tema de pesquisa ou o desenvolvimento de um produto.
Tabela 5. Emprego da coleta pelos organismos estatais x I.C. Fonte: adaptação de Krizan (1999).
Como se observa, embora os instrumentos técnicos variem
acentuadamente entre os organismos estatais e as organizações, os conceitos
que fundamentam os diversos tipos de técnicas empregadas são basicamente
os mesmos.
3.4.3. Classificação de fontes de informação
Cabe observar que se o Estado tem acesso a mais fontes de
informações, por outro tanto a I.C., tanto quanto a própria inteligência policial,
68
tendem a classificar melhor as fontes que utilizam, facilitando a diferenciação
de informações relevantes (ROEDEL, 2005, p.79), (MANNING, 2003, p.386),
dentro de um grande montante de informações inócuas coletadas. Ao
empregar o conceito de fontes, tais organizações as classificam em:
a. Fontes primárias. São informações obtidas diretamente da
origem, sem modificação do conteúdo, a exemplo dos relatórios,
discursos, entrevistas, etc., ou seja, de relatos originais que não
sofreram nenhum tipo de intervenção ou processamento,
excetuando-se as elaborações do autor do referido documento.
b. Fontes secundárias. São as fontes que alteram a informação
original, como é o caso dos jornais, revistas, livros, bases de
dados, internet, etc., uma vez que a informação original, obtida na
fonte primária, serve de subsídio para a elaboração de um novo
documento.
c. Fontes terciárias. Consiste na sumarização ou compilação de
fontes secundárias, tal qual um catálogo ou uma enciclopédia.
Utilizando-se de tais conceitos, a I.C. e a inteligência policial têm a
possibilidade de diferenciar o nível de confiabilidade e segurança das fontes
que utilizam, em detrimento da inteligência de Estado que não trabalha com
tais categorias (CLARK, 2004, p.108).
Um exemplo da importância da classificação de fontes é o fato de que
nos Estados Unidos, na esfera judicial, não se pode utilizar uma testemunha
para provar o que uma terceira pessoa haveria dito, tendo em vista que para a
justiça americana a mensagem que atravessa muitos pontos intermediários não
possui credibilidade (CLARK, 2004, p.109). Outra circunstância, no âmbito da
69
inteligência de Estado, na qual a ausência de classificação de fontes provoca
danos é a tradução de artigos e relatórios em língua estrangeira, uma vez que
elas tendem a serem tratadas como documentos originais, no entanto são
bastante comuns erros de tradução e interpretação que mudam completamente
o sentido original, incorrendo para que a etapa posterior de análise parta de
falsas premissas.
Cabe ponderar também que, com o grande volume de informações
disponíveis em rede atualmente, a diferença qualitativa e quantitativa das
informações com que trabalha a I.C. dentro de grandes corporações
multinacionais em relação a agências de inteligência da maior parte dos países
do mundo, exceção feita as grandes potências como os EUA e a China, tende
a ser similar, uma vez que obterão dados das mesmas fontes.
3.5. Processamento
A etapa de processamento de informações coletadas, possivelmente é o
momento que envolve o maior volume de trabalho no âmbito do ciclo de
inteligência, uma vez que é quando os dados brutos recém adquiridos serão
adequados às necessidades do analista.
São exemplos de atividades que compõem o processamento de
informações: a descrição dos elementos localizados em uma imagem de
satélite, tais como escolas, hospitais, companhias concorrentes ou estradas; a
tradução de textos, artigos ou livros, produzidos em língua estrangeira,
ambientando os mesmos ao contexto cultural local; a degravação de diálogos
em tapes de áudio/vídeo, permitindo a leitura do que um palestrante falou
sobre determinado produto ou inovação científica.
70
3.5.1. Colação Uma outra etapa do processamento é a da colação, que consiste na
formatação dos dados em padrões, como os campos de uma planilha
eletrônica, ou a estrutura modelo de um relatório, agrupando os mesmos com
outras informações anteriormente colhidas, mediante o emprego de categorias
conceituais comuns. Um exemplo desta fase é a inserção de informações em
um banco de dados geral, indexando os registros inseridos de acordo com os
temas a que se relacionam.
3.5.2. Evolução Mais um aspecto referente ao processamento é a verificação da
consistência dos dados coletados em relação aos objetivos de inteligência
propostos e as conseqüentes necessidades de análise. Existem três
inferências que devem ser feitas no momento da evolução:
a. Confiabilidade. É obtida mediante a análise das informações
anteriores obtidas pela fonte em questão. Se um fornecedor de
informações se mostrou confiável anteriormente, existe uma
tendência a que venha se mostrar novamente. Contudo, a
informação deve ser avaliada principalmente por seus méritos,
independente de sua origem.
b. Proximidade. Envolve a proximidade física de uma fonte para com
a informação coletada. Evidentemente, quanto mais vinculada ao
centro de determinados acontecimentos, mais condições de
transmitir informações relevantes e confiáveis estará a fonte. Por
outro lado, quanto mais elos a informação perpassar antes de ser
obtida, maior a probabilidade da mesma sofrer alterações durante
71
o percurso. Portanto, a exemplo dos métodos de I.C., uma fonte
primária será mais relevante que uma secundária.
c. Apropriação. Procura-se identificar o grau de autoridade sobre
determinado tema, da fonte originária da informação. Uma revista
científica relatando uma nova descoberta sobre biotecnologia,
sabendo-se que os periódicos acadêmicos são extremamente
criteriosos em suas publicações, tende a ser uma informação
mais credenciada do que um artigo com o mesmo tema
encontrado em um semanário especialista em bastidores de
programas televisivos. Neste tópico deve-se considerar ainda os
seguintes elementos ao efetuar-se uma caracterização:
1. Plausibilidade. Refere-se às condições ambientais para
determinar se a informação é falsa ou verdadeira. Em
determinadas circunstâncias uma informação pode ser
plausível e em outras não.
2. Conseqüência. A informação está em consonância com um
conjunto de conhecimentos que o analista possui sobre o
alvo de inteligência em questão.
3. Suporte. Os dados obtidos reforçam determinada
abordagem, uma vez que outro método de coleta ou outra
fonte forneceram informações semelhantes.
Uma vez processadas as informações, estas por sua vez tornam-se
disponíveis para a próxima etapa do ciclo de inteligência, a análise.
72
3.6. Análise
O conceito de análise de inteligência relaciona-se com a avaliação de
evidências e indicadores, relativos a temas e problemas, produzindo relatórios
e informes voltados para o cliente final, o tomador de decisão. Cabe ressaltar
também que é durante o processo de análise que “[...] a informação é colocada
em um formato adequado para a decisão tática e estratégica” (SANTOS, 200?,
p.86), podendo ser utilizada pelo usuário.
A análise, dentro do ciclo de inteligência, é a atividade em que menor é a
diferença entre as agências de inteligência governamental e as demais
organizações, públicas ou privadas, uma vez que se fundamenta no campo da
pesquisa acadêmica. “Neste sentido, o “ethos” profissional da atividade de
análise de inteligência e suas regras de produção de conhecimento são os
mesmos que governam qualquer outra atividade de pesquisa” (CEPIK, 2003,
p.53). Assim sendo, como veremos ao observarmos o processo e a doutrina
de análise adotada por agências de inteligência de Estado, tais processos não
se diferenciam significativamente dos mecanismos de controle de qualidade
utilizados nas pesquisas acadêmicas ou projetos de negócios, visando auferir
legitimidade em seus resultados.
3.6.1. Processo de análise
Decompondo o processo de análise, a partir da óptica governamental,
constata-se também que as fases do mesmo coadunam-se com os
mecanismos de controle de trabalhos científicos encontrados nas
universidades. Segundo a literatura corrente, a análise é composta por uma
seqüência de etapas (HERMAN, 1996, p.100; DCAF, 2003, p.15), que
envolveriam a:
73
a. Obtenção: rotina abarcando a captura de registros ainda não
estruturados de informação, ou seja, a obtenção de fragmentos
de informações que ainda serão contextualizadas na medida em
que tenham validade;
b. Evolução: verificação da confiabilidade da fonte e credibilidade da
informação, de forma a que a mesma mereça crédito para ser
analisada;
c. Análise: identificação dos fatos significantes, comparando os
mesmos com fatos anteriores ou concomitantes e tendo como
decorrência o delineamento de conclusões, mesmo que parciais;
d. Integração: Inclusão da informação analisada em um padrão mais
amplo daquelas que foram colecionadas anteriormente sobre
dado tema;
e. Interpretação: mediante os fatos relevantes identificados,
assinalar o impacto dos mesmos nos acontecimentos do futuro.
Assim, para a doutrina governamental, existe a análise de inteligência a
partir do momento em que a informação fornecida quando da coleta é
adquirida, julgada confiável, significada, permitindo conclusões, contextualizada
em um padrão mais amplo e por fim interpretada nos elementos de
previsibilidade para o presente/futuro que seu sentido possa fornecer. Pode-
se caracterizar, portanto, que para o Estado o processo de análise exige que a
informação seja processada e integrada em um contexto mais amplo, de forma
a permitir compreensões mais abrangentes do que o simples entendimento de
um momento da realidade descrito em um relatório.
74
Contudo, ao observar as fases que compõem a análise, com destaque
para etapas como a reinserção do produto informacional em uma coleção
informacional mais ampla, constatamos que as citadas fases são bastante
semelhantes aos mecanismos utilizados nas demais organizações, tais como o
controle de fontes, que compõem a bibliografia de um trabalho acadêmico, ou o
crivo de especialistas externos que podem participar de uma banca de
mestrado. Reforçando as similaridades, aponta Barbalho (2003, p.10):
(...) a geração de conhecimento cientifico permite a movimentação no espaço e tempo, viabilizando a manipulação de hipótese e variáveis que explicitam a realidade, sendo dela retirada a explicação para aquilo que se estudou e devendo retornar a ela como um conhecimento mais apurado sobre as questões investigadas.
Neste sentido, o trabalho Científico manipula teses e hipótese para
posteriormente reinserir o novo conhecimento em um sistema mais amplo, tal
qual o descrito nas etapas de análise acima.
3.6.2. Doutrina de análise
Outra questão relevante quanto ao processo de análise é a que envolve
os elementos considerados necessários para que a mesma obtenha isenção e,
sobretudo, legitimidade para com o cliente. Sob este viés a Herman Kant
School for Intelligence Analysis (DAVIS, 200?, p.09), órgão formador dos
analistas de inteligência da CIA, a principal instituição de inteligência norte
americana, estabelece uma série de premissas visando a qualidade das
informações que em muito se assemelham aos itens de controle de qualidade
encontrados em empresas. Tais itens são:
a. Foco nas necessidades do tomador de decisão, fornecendo
análises, levando em conta a agenda de acontecimentos do
cenário econômico-social em que o cliente está envolvido, bem
75
como o quesito temporalidade, uma vez que a informação deve
servir para moldar a realidade e não para registrar a história.
Outro aspecto digno de nota é o de que os produtos de
inteligência devem levar em consideração a curva de aprendizado
do usuário, de forma a que o mesmo tenha condições cognitivas
de utilizar o produto que recebe;
b. Atuação impessoalizada e apartidária, em que os produtos de
inteligência estão a serviço das funções e cargos e não dos
indivíduos que ocupam os mesmos;
c. Rigor intelectual. A informação deve ser avaliada quanto a
credibilidade e diagnosticada quanto a erros despercebidos;
d. Esforço consciente para evitar influências no processo de análise,
em que se evita chegar a conclusões que o cliente deseja em
detrimento do que acontece de fato na realidade;
e. Abertura para outras avaliações, de forma a permitir, sobretudo
quando o tema analisado é amplo e complexo, que a posição
assumida em um relatório de inteligência possa levar em conta
todas as possíveis vertentes de um assunto;
f. Utilização sistemática de especialistas externos, visando não
restringir as abordagens empregadas na análise dos temas
apenas sob a égide dos modelos utilizados pela equipe de
inteligência. A interação com professores universitários,
pesquisadores e executivos, resguardando-se o sigilo quando
este for necessário, é fundamental ao processo de análise;
76
g. Responsabilidade coletiva pelas avaliações. A análise, sempre
que possível deve ser produto de equipe, sendo apresentada e
defendida junto ao cliente a partir da visão predominante na
equipe;
h. Comunicação clara e efetiva das análises e julgamentos. Para o
tomador de decisão, comumente ocupado, sintético quer dizer
melhor, no entanto deve-se observar a clareza nos julgamentos. A
utilização de termos tais como pode ou deve, necessita de
cuidados uma vez que permite a indução a erros;
i. Honestidade na admissão dos desacertos. A admissão de falhas
de análise é fator fundamental para a manutenção da
credibilidade junto ao cliente, além do que, mediante análise de
equívocos podem-se aprender lições fundamentais.
Vê-se que tais itens relacionam-se basicamente ao atendimento das
necessidades do cliente, mediante o prazo correto, com a linguagem adequada
e, sobretudo, com o rigor quanto à pertinência e veracidade das informações
prestadas.
Também dentro da perspectiva da busca da efetividade ao atendimento
ao cliente da análise de inteligência, Krizan (2003, p.103; 1999, p.20) propõe os
seguintes momentos:
a. Antecipação. Consiste no permanente contingenciamento das
necessidades informacionais do usuário, em que se busca
antecipar suas necessidades;
77
b. Tempestividade. O produto de inteligência deve ser entregue
enquanto ainda é acionável, ou seja, enquanto o cliente pode tirar
vantagens da inteligência produzida;
c. Precisão. Os produtos de inteligência devem ser desenvolvidos
visando evitar erros técnicos, falhas de percepção e ações de
desinformação desenvolvidas por terceiros;
d. Objetividade. Todos os julgamentos contidos no relatório de
análise devem ser avaliados constantemente para que se evitem
dualidades, distorções deliberadas e manipulações para promover
interesses pessoais;
e. Usabilidade. Todos os produtos de inteligência devem ser
formatados visando à facilidade de compreensão do leitor e a
aplicação imediata. Os relatórios disponibilizados devem levar
em conta as capacidades do usuário para receber, compreender,
manipular, proteger e armazenar o produto;
f. Relevância. A informação deve ser selecionada, organizada e
disponibilizada de acordo com as demandas do cliente, de forma
a que possa trazer conseqüências e ter significado para o
contexto em que o usuário atua.
Mencionando parte dos quesitos acima, Tarapanoff (2004, p.05)
acrescenta mais um elemento como instrumento de garantia de qualidade as
demandas do cliente, a:
g. Completeza, em que toda a informação necessária à tomada de
decisão estaria disponível ao usuário.
78
Nesta seqüência de quesitos, também se percebe a similaridade com os
itens relativos ao controle de qualidade, amplamente empregados nas
organizações, objetivando a garantia de seu elevado nível nos produtos
fornecidos.
3.6.3. Produtos informacionais de análise
A inteligência clássica possui alguns produtos informacionais, que,
levando em conta os predicados abordados acima relativos ao processo e
doutrina de análise, visam atender as demandas dos tomadores de decisão, no
caso das agências de Estado, os altos escalões governamentais.
Resguardando-se as especificidades da coleta de inteligência governamental
que trabalha, como já exposto, a partir da obtenção do dado negado, visando
“[...] derrotar um inimigo, antecipar-se a crises diplomáticas, compreender o
fluxo logístico de uma organização criminosa, planejar a defesa nacional,
apoiar operações militares etc.” (CEPIK, p.79), percebe-se que o segmento de
análise, gera produtos em formatos semelhantes aos encontrados nas demais
organizações públicas ou privadas. Se os interesses organizacionais são
diferentes, os métodos para trabalhar e disponibilizar a informação possuem
bastante semelhança.
Segundo o modelo adotado pela CIA (TEITELBAUM, 2004, p.28), os
produtos de inteligência estariam divididos em quatro categorias que se
coadunam com o arquétipo indicado por Herman (1996, p.105):
a. Relatório corrente: compreendendo o acompanhamento do que
aconteceu recentemente e do que acontece agora. Possui nível
tático, uma vez que descreve o momento atual sem maiores
aprofundamentos. É disseminado a partir de sumários executivos;
79
b. Relatório básico-descritivo ou de pesquisa: relacionando-se a
pesquisas de médio ou longo prazo, em geral envolvendo temas
transnacionais tais como terrorismo, proliferação de armas de
destruição em massa, tendências econômicas mundiais, bem
como organizações criminosas e lavagem de dinheiro. É
disseminado mediante o emprego de relatórios especiais,
memorandos e relatórios de inteligência;
c. Relatório especulativo-evolutivo ou de estimativa: lida com a
tentativa de prever o que deve ou pode acontecer. Produz para o
tomador de decisão, cenários que relacionam a conjuntura atual
com o futuro, seja este próximo ou distante. É considerado o
produto de inteligência de Estado mais importante, uma vez que
permite ao governante tentar antever o futuro. É fornecido como
relatório de estimativas de inteligência;
d. Inteligência de alerta: funciona como um alarme preventivo contra
eventuais ameaças à segurança ou interesses nacionais, sendo
tais ameaças em nível tático, como ataques terroristas,
hostilidades iminentes, insurgências, dentre outros, e em nível
estratégico, como o desenvolvimento de novas tecnologias por
adversários, permitindo que o Estado que atue para impedir tais
acontecimentos. É disponibilizado mediante mensagens em
tempo real.
Cabe salientar que tais produtos informacionais possuem um recorte em
nível estratégico, pesquisando capacidades e planos do adversário e
desenvolvendo cenários do futuro, bem como em nível tático, oferecendo
80
suporte a administração de crises ou a execução de planos (CLARK, 2004,
p.156). Contudo, mais uma vez se percebe que os modelos em que a
inteligência é distribuída por parte das agências de Estado são idênticos aos
utilizados em I.C. ou dentro das universidades e empresas. De acordo com
Herman (1996, p.100):
Immediate reporting is rather like good-quality daily journalism or radio news service, and the other extreme – long-term intelligence production – resemble the general run of research. All-source intelligence practitioners are much the same as analysts anywhere: specialists in subjects, working at speeds with the job, with the aim (normally) of product for distribution. Security intelligence is slightly different; those who seek to detect espionage and terrorism are more like detectives than the journalist or researchers who produce accounts and forecast of situations and subjects23
Sob o viés de Herman, a atividade de inteligência se relaciona ora com a
atividade de jornalismo, em que se obtêm informações sobre eventos e temas
de uma determinada conjuntura, ora com a atividade de pesquisa e
investigação científica, com as tarefas características de aprofundamento em
temas tecnológicos, econômicos e sociais mediante a utilização de métodos
científicos. Todavia, a observação do autor indica também que mesmo a
temática de inteligência policial e de segurança, em que este vincula à
atividade de um detetive, relaciona-se tanto ao jornalismo quanto à pesquisa
científica, uma vez que ambos necessitam investigar o meio para obter
informações. Vê-se mais uma vez que a atividade de análise de inteligência de
Estado em muito se assemelha à empregada em I.C.
23 O relatório corrente é mais semelhante ao jornalismo impresso ou aos programas de notícias transmitidos por rádio de boa qualidade, e o outro extremo – os produtos de inteligência estratégica – assemelham-se as pesquisas acadêmicas comuns. Analistas de inteligência são parecidos com os demais analistas: são especialistas em temas, trabalham de forma rápida, com o propósito (normalmente) de entregar o produto para distribuição. Inteligência de segurança é um pouco diferente do que estes, porque busca detectar espionagem e terrorismo parecendo-se mais com detetives do que com jornalistas ou pesquisadores que produzem teorias e previsões de situações e temas. (Tradução nossa).
81
Ao compararmos os diversos produtos de inteligência quanto a sua
utilização por parte da inteligência clássica, policial e competitiva, tem-se o
seguinte panorama:
Tipo de relatório
Inteligência de Estado
Inteligência policial Inteligência competitiva
Corrente
Produz resumos diários para o presidente da
república, dentre outros
mandatários.
Produz resumos de
acontecimentos criminosos, bem
como a síntese de denúncias,
encaminhados para o judiciário e o
Ministério Público.
Produz resumos
diários para executivos de
grandes empresas.
Básico- descritivo
Produz relatórios em profundidade,
fornecidos ao alto escalão, sobre temas como conflito entre países,
desenvolvimento econômico e armamento
nuclear, dentre outros.
Produz relatórios em profundidade,
fornecidos ao poder judiciário, e ao
Ministério Público, sobre organizações
criminosas, tráfico de armas e drogas, terrorismo, ou
lavagem de dinheiro, dentre outros. É
consubstanciado pela coleta de provas
contra os envolvidos.
Produz relatórios em profundidade,
fornecidos a diretoria, sobre mercados
emergentes, relações comerciais, balança comercial, flutuação do câmbio, dentre
outros.
Especulativo- evolutivo
Produz cenários e visões de
futuro, fornecidos aos gestores, sobre temas
como globalização econômica,
primazia militar, organizações multilaterais, dentre outros.
Denominado análise criminal,24 produz
cenários e visões de futuro, fornecidos aos
gestores de segurança, sobre
temas como globalização
econômica, controle de fronteiras,
evolução de grandes organizações criminosas.
Produz cenários e visões de futuro, fornecidos aos dirigentes das organizações,
versando sobre globalização
econômica, acordos comerciais, evolução
econômica, organizações multilaterais e
possibilidades de
24 Sobre análise criminal ver artigo de Jorge Luiz Dantas, denominado: as bases introdutórias da análise criminal na inteligência policial, em que o autor relaciona e diferencia análise de inteligência e análise criminal.
82
investimentos, dentre outros.
Alerta antecipado
Fornece ao presidente
informações sobre possíveis
agressões militares, ataques terroristas, dentre
outros.
Fornece ao Ministro de Estado e ao
sistema judiciário informações sobre ataques terroristas, conflitos fundiários, grandes assaltos, fugas de presos,
dentre outros.
Fornece ao diretor informações sobre
novas alianças comerciais,
mudanças repentinas na política
econômica, dentre outros.
Tabela 6. Análise comparativa dos produtos de inteligência. Fonte: o autor.
Conforme se percebe no quadro comparativo acima, em que pesem as
diferenças dos temas que são objetos de análise, os instrumentos empregados
são similares na inteligência clássica e policial e na I.C, não obstante algumas
sutis diferenças de nomenclatura de produtos informacionais, como é o caso da
inteligência policial que denomina o relatório de análise especulativo-evolutivo
como análise criminalística (DANTAS, 2005).
Outro recorte acerca dos tipos de inteligência produzida provém da
inteligência policial norte-americana, que apresenta três categorias de
inteligência “[...] relevantes para a polícia” (MANNING, 2003, p.392), onde se
teria a seguinte tipologia:
1. Inteligência prospectiva. São informações coletadas antes de um
crime ou problema, tendo como suporte a análise de alvos ou
eventos. Tem como base a busca da “[...] compreensão da
natureza, da aparência e da freqüência do fenômeno a ser
controlado” (2003, p.392). Tal categoria assemelha-se a análise
de estimativas, uma vez que trabalha em torno da intervenção
sobre acontecimentos futuros.
83
2. Inteligência retrospectiva. Resulta dos processos cotidianos do
funcionamento da instituição, fornecendo informações sobre
prisões, mandados em aberto, indiciados, registro de entradas e
saídas do país, dentre outras. É paralela aos relatórios correntes
e básico-descritivos da inteligência de Estado, uma vez que
mediante informações atuais se tem subsídios para caracterizar a
conjuntura criminal, por exemplo, ou uma determinada
organização criminosa.
3. Inteligência aplicada. Busca associar suspeitos ou organizações
conhecidas com acontecimentos recentes de autoria
desconhecida. Assemelha-se mais à etapa de processamento de
inteligência, do que propriamente um produto analítico.
Em que pese a tipologia de inteligência proposta acima, é possível
concluir que a mesma se encontra representada nos produtos e processos de
inteligência de Estado, uma vez que eles agrupam todos os tipos de
inteligência produzidos, sendo conceitualmente mais consistentes. Percebe-se
também que paira uma confusão entre produtos e processos, quando
constatamos que a categoria de inteligência aplicada mais se assemelha,
conforme observado, ao processo analítico em si do que a um produto de
inteligência específico.
Outros aspectos a serem observados ainda são os nomes dos produtos
de inteligência, que também irão variar de acordo com a origem do processo
analítico (FARIAS, 2005, p.79). Se o relatório for o produto das percepções de
um indivíduo, no caso o analista, o mesmo receberá o nome de apreciação, em
detrimento do nome estimativa, utilizado para representar as percepções de
84
futuros oficiais da organização, comumente fruto do trabalho integrado de
vários indivíduos.
3.6.4. Análise de alvo e organizacional
Uma dimensão que também perpassa todos os produtos informacionais
de inteligência é o da análise das organizações. Uma vez que ela trabalha com
a eleição de alvos dos quais se almeja obter informações, estes se
materializarão em conjuntos de indivíduos que compõem as citadas
organizações devendo, portanto, serem estudados em seu conjunto
organizacional, sejam estas instituições militares, de Estado, partidos políticos,
cartéis de drogas ou empresas concorrentes.
Cabe ressaltar que em determinados casos o acompanhamento de um
indivíduo ou alvo pode ser considerado também o de uma organização, à
medida que tal indivíduo tenha um papel primordial na estrutura avaliada, como
é o caso de um presidente da República, diretor de empresa ou mesmo o chefe
de uma organização criminosa. Ao analisar as organizações, as mesmas
deverão ser observadas sob um viés tridimensional (CLARK, 2004, p.216), em
que as dimensões são: estrutura, função e processo, entendendo-se que:
a. Estrutura: são os componentes de uma organização, em
particular as pessoas e os relacionamentos humanos entre estas.
b. Função: são os resultados produzidos pela organização, ou seja,
a sua finalidade e os seus objetivos.
c. Processo: é a seqüência de atividades e conhecimento
necessários a produção dos resultados esperados.
Mediante a análise de alvo ou organização, é possível Identificar forças
e fraquezas em nível tático ou estratégico; projetar ou prever transformações
85
de forças por sobre a organização analisada, pensando mudanças em eventos
e roteiros de processos; bem como mapear informações sobre o alvo, de forma
que em uma disputa comercial, criminal ou militar, seja mais fácil à subjugação
do adversário.
3.6.5. Análise especulativo-evolutiva ou preditiva
Quando discutimos os produtos oriundos do processo de análise
produzidos pelas agências governamentais, bem como suas similaridades para
com os produtos informacionais de I.C., faz-se importante destacar e avaliar
em profundidade a inteligência denominada de estimativas, preditiva ou de
cenários, uma vez que a mesma é considerada o segmento mais importante da
atividade de análise de inteligência (HERMAN, 1996, p.106).
A importância de tentar prever o futuro, evidentemente diz respeito à
possibilidade de, em o conhecendo, moldá-lo de acordo com os interesses
políticos dos dirigentes do Estado ou da organização. Eis onde reside a
diferença deste campo da análise de inteligência de Estado para com os
demais. Saber o que acontece agora é o instrumento para reagir a crises,
conhecer o amanhã é onde reside a possibilidade de evitar o conflito. Sob este
prisma, Clark (2004, p.163) argumenta que:
Describing a past event is not intelligence analysis, it is history. The highest form of intelligence analysis -- the form desired by policymakers and executives -- requires structured thinking that results in a prediction of what is likely to happen. True intelligence analysis is always predictive.25
Por esta ótica, vemos que a inteligência de estimativa tende a ser o
segmento de maior relevância e amplitude sob o prisma dos governos, bem
25 Descrever um evento passado não é análise de inteligência, é história. A mais elevada forma de análise de inteligência, a forma desejada por políticos e executivos, requer pensamento estruturado que resulta em uma previsão do que provavelmente está para acontecer. Verdadeira análise de inteligência é sempre preditiva. Tradução nossa.
86
como das demais organizações. Ao considerarmos o contexto de profundas
mudanças e instabilidades características do processo de globalização,
conclui-se que a posse de instrumentos para mensurar o futuro atualmente é
um elemento primordial na estratégia de sobrevivência de qualquer
organização, seja esta uma empresa multinacional ou o próprio governo.
3.6.6. Fenômenos convergentes e divergentes
Faz-se importante afirmar que tentar prever o futuro é
consideravelmente mais complexo do que descrever o passado ou o presente.
Quanto maior é o horizonte do futuro descrito, maiores são as possibilidades de
erros de previsão. No entanto, mais importante do que o resultado da análise
de estimativas, é a identificação de processos e tendências políticas,
econômicas e sociais engendrados, uma vez que ao se identificar padrões
relevantes, a inteligência fornece aos tomadores de decisões instrumentos para
agir sobre o futuro, atuando inclusive para acelerar ou reverter as tendências
detectadas. Neste sentido, o objetivo do relatório de inteligência de estimativas
não é o de meramente tentar prever um futuro que deverá necessariamente
ocorrer, mas sim de identificar as principais forças atuando sobre este
permitindo que a organização intervenha sobre tal futuro para moldá-lo de
acordo com os seus próprios interesses, portanto modificando-o.
Dado o escopo de curto, médio e longo prazo da análise preditiva, existe
uma sÉrie de subprodutos de inteligência dentro deste tema, com
características bastante distintas. Entretanto, antes de considerarmos as
subcategorias de análise de estimativas, cabe considerar quais fenômenos
podem ser analisados e quais não podem. De acordo com Clark (2004, p.163)
para propósitos preditivos utiliza-se o termo fenômenos convergentes para
87
designar os acontecimentos que podem ser previstos e fenômenos divergentes
para identificar os eventos imprevisíveis. Ainda segundo o autor, os eventos
convergentes são governados pelas leis de causa e efeito, apresentando
padrões que permitem analisar conseqüências. Como fenômenos previsíveis
têm-se eventos gerais como guerras, mudanças na taxa de câmbio ou a venda
de empresas, por exemplo. Já os fenômenos imprevisíveis ou divergentes
relacionam-se a ocorrências individuais que, por serem únicas não seguem
padrões, como é o caso do momento de um ataque terrorista. Também pode-
se relacionar os fenômenos convergentes a análise macro, em que se
observam acontecimentos e tendências de grande envergadura e por isso
mesmo facilmente detectáveis, enquanto os fenômenos divergentes
relacionam-se a acontecimentos micro, particulares. Conforme argumenta o
estratego Musashi (MUSASHI, 2000, p.48):
O que é grande percebe-se com facilidade; o que é pequeno, nem tanto, nem sempre. Resumindo: é difícil que grandes grupos de homens troquem de posição, e por isso seus movimentos podem ser percebidos sem problema. Já uma pessoa sozinha pode mudar de opinião num segundo, e assim seus movimentos não são fáceis de prever.
Conforme aborda o autor, os movimentos individuais são muito mais
fáceis de serem executados, no entanto, difíceis de serem previstos, já as
ações de uma sociedade que, para modificar uma direção podem levar anos ou
décadas, justamente pela vagareza de movimentos permite sua identificação.
Tomemos como exemplo o citado ataque terrorista. É possível prever os
fenômenos convergentes ou de causa e efeito que provocaram o surgimento
de organizações que praticam terrorismo, bem como as nações que serão alvo
dos ataques de tais organizações. Também é possível ter indicações de
quando as organizações que empregam o terrorismo acumularam mais
88
condições objetivas como homens, armamento e financiamento, para realizar
seus ataques, no entanto, entramos no campo dos fenômenos imprevisíveis,
ou divergentes, quando tentamos prever eventos aleatórios como o dia em que
um homem portando explosivos irá decidir explodir com os mesmos dentro de
um restaurante ou qual o vôo que será lançado sobre um prédio.
3.6.7. Categorias de análise preditiva
Uma vez que dado evento seja passível de ser previsto como fenômeno
convergente, este poderá ser analisado a partir de um horizonte de tempo, em
que serão fornecidas ao tomador de decisão previsões balizadas por um tema
e um lapso temporal.
Contudo, ao elaborarmos qualquer tipo de análise preditiva tem-se como
passo fundamental a identificação das forças atuantes sobre o processo
investigado. A identificação de tais tendências envolve compreender as
referidas forças com atuação predominante até o presente, as que irão
predominar ao longo de determinado tempo e as novas que possam surgir
(CLARK, 2004, p.166). Sob este prisma considera-se que existam três
categorias de análise preditiva, com distintos graus de complexidade (CLARK,
2004, p.184), sendo a saber:
a. Extrapolação: É o produto de análise preditiva considerado mais
simples, uma vez que não prevê mudança das forças envolvidas
em um cenário, nem a presença de novos entrantes. Baseia-se
somente na observação do passado para determinar o que irá
acontecer em seguida. Comumente é utilizada para análises de
curto prazo, uma vez que eventos de média e longa duração
necessariamente contarão com mudanças na correlação das
89
forças atuantes, bem como a entrada de novos atores. É
considerada uma asserção sobre o futuro;
b. Projeção: Ao contrário da extrapolação que é uma asserção sobre
o futuro, a projeção e a previsão são consideradas análises
probabilísticas, uma vez que trabalham com possibilidades de
futuros e, portanto, tratam necessariamente com a geração de
cenários alternativos. No tocante a projeção, esta assume que as
forças atuantes em um cenário irão variar em sua correlação ao
longo do tempo, no entanto não irão surgir novas forças. É
considerado um método mais efetivo do que o de extrapolação
para médio prazo, uma vez que as mudanças de tendências são
quase uma constante na história humana.
c. Previsão: Envolvendo a análise de probabilidades, a previsão
trabalha com cenários de longo prazo, em que necessariamente a
correlação entre as forças irá se modificar como também surgirão
novos entrantes com novas tecnologias e organizações. Busca
identificar a relação e simbiose entre tendências e eventos que
possam originar contextos inovadores. A análise de previsão é
utilizada preferencialmente para a construção de futuros
alternativos de longo prazo.
Mediante esses três tipos de análise preditiva, se comporá perspectivas
de acontecimentos de curto prazo e visões de futuro de médio e longo prazo.
Observando mais uma vez a diferença entre esses instrumentos, como os
distintos graus de complexidade dos mesmos, apresenta-se o caso da indústria
de informática durante a década de 1980.
90
Nos anos oitenta a IBM ostentava a primeira posição na indústria de
tecnologia da informação e apostava no segmento de computadores de grande
porte. Utilizando a análise preditiva por extrapolação, estabelecer a perspectiva
de ganhos da IBM para o ano seguinte era relativamente fácil, uma vez que
vários indicadores econômicos não se modificavam aleatoriamente. Com o
emprego de técnicas de projeção, se pôde tentar prever que o segmento de
grandes computadores perderia espaço para microcomputadores, não obstante
o fato de que identificar uma alteração na relação entre as forças atuantes era
algo bem mais complexo de se efetuar, uma vez que o modelo computacional
das décadas de 1950, 1960 e 1970 era baseado no processamento
centralizado, ou seja, no computador de grande porte. No entanto, mesmo com
a aplicação de técnicas de previsão, imaginar que esse cenário se modificaria
radicalmente com o surgimento de novas forças tais como o advento da
internet comercial em meados de 1994, um evento aleatório, era quase uma
impossibilidade. Contudo, apesar das dificuldades inerentes ao processo, para
qualquer organização pública ou privada, a mera existência de um cenário que
cogitasse tais mudanças seria de um valor inestimável.
É importante destacar que a análise de previsão é considerada tão
relevante no terreno da inteligência de Estado que a CIA26 disponibiliza para o
público em geral relatórios (CIA, 2006) com o desenvolvimento de cenários
sobre as perspectivas para o mundo, com amplo espectro de tempo.
Evidentemente tais cenários são desenvolvidos sob o prisma norte-americano,
contudo não deixa de ser bastante ilustrativo quanto à relevância dada pela
26 Um bom exemplo é o relatório da CIA: como será o mundo em 2020, em que a citada agência perscruta cenários de possíveis futuros.
91
maior potência do planeta no tocante a necessidade de tentar vislumbrar o
futuro e consequentemente moldá-lo segundo seus próprios interesses.
Em seqüência ao estudo da análise preditiva, faz-se necessário ressaltar
a similaridade, quando do campo da análise, entre os produtos e métodos
empregados por parte das organizações de inteligência de Estado para com as
organizações que utilizam a I.C. Como parte do objetivo deste trabalho, uma
vez apontados os produtos da análise de inteligência cabe identificar os
métodos utilizados nas distintas etapas analíticas, determinando-se também a
origem de tais métodos.
3.7. Métodos de análise
Ao se considerar os distintos momentos do processo de análise,
conforme abordado acima, percebe-se que tais etapas analíticas empregam
vários métodos e técnicas objetivando identificar padrões e acontecimentos
atuais, bem como a correlação de forças que moldarão o futuro. Conforme
abordado ao longo deste trabalho, verifica-se que várias ferramentas
conceituais empregadas na análise de inteligência têm sua origem nas áreas
de Administração, Engenharia e Ciência da Informação, sendo
consequentemente encontrados na I.C.
A identificação de tais métodos de análise, em sua maioria oriundos da
I.C. pode significar, conforme a premissa desta pesquisa, a possibilidade de
renovação e ampliação dos instrumentos utilizados na atividade de inteligência
de segurança brasileira, habilitando o Departamento de Polícia Federal a
avançar ainda mais em suas ações de combate ao crime organizado. Nesta
direção, decomporemos as várias etapas da atividade de análise avaliando as
diversas técnicas utilizadas.
92
3.7.1. Tipos de análise lógica
Antes de empregar qualquer ferramenta o analista selecionará
mentalmente instrumentos lógicos com que avalia o objeto ou acontecimento
em questão, de forma a construir um raciocínio analítico, que lhe permitirá
chagar a conclusões, mesmo que parciais materializadas em um relatório.
Existem basicamente quatro instrumentos lógicos, aplicáveis ao processo de
análise (KRIZAN, 1999, p.30), sendo os mesmos a indução, dedução, abdução
e método científico. Trabalharemos tais conceitos a seguir:
a. Dedução. No processo de dedução, se parte de um
acontecimento geral e universal para o particular, enquadrando o
mesmo em tal sistema. Tomemos como exemplo uma afirmação
de que todos os homens são mortais. João é homem, portanto é
mortal. Em relação à análise, a mesma utiliza tal mecanismo em
poucas ocasiões (KRIZAN, 1999, p.31), uma vez que é raro o
acompanhamento de sistemas fechados. Comumente a lógica
dedutiva é aplicada em raciocínios matemáticos, encontrados em
coletas de Imint e Sigint.
b. Indução. A indução funciona de forma oposta a dedução, pois
parte de acontecimentos isolados para estabelecer verdades
universais. Como exemplo do raciocínio indutivo tem-se: João
morreu, Sofia morreu, Luiz morreu, bem como todo universo
humano observado, logo todos os homens são mortais. O
processo indutivo de buscar generalizações a partir da
observação de determinadas premissas é bastante empregado
quando da análise de inteligência, contudo se deve considerar
93
que as conclusões indutivas podem com freqüência levar ao erro,
pois generalizações de premissas verdadeiras podem apontar
falsas conclusões (TEIXEIRA, 2006). Bertrand Russell nos brinda
com um exemplo irônico, ao relatar o caso de um peru que por
receber milho todos os dias estaria equivocado em imaginar que
no dia 24 de dezembro também receberia, uma vez que seu
destino é a panela.
c. Abdução. Envolve o desenvolvimento de hipóteses na tentativa de
explicar eventos, a partir de evidências pouco familiares à
questão. A indução se diferencia da abdução, uma vez que essa
considera uma situação plenamente explicada, faltando ao
analista tão somente à articulação de conclusões em forma de
relatório, enquanto a hipótese é mais frágil, colocando-se no
terreno da possibilidade, que ainda deve ser validada mediante
algum mecanismo. Ou seja, as hipóteses são utilizadas para
explicar acontecimentos pouco freqüentes e ainda não
observados anteriormente.
d. Método científico. Consiste no momento em que o analista tenta
identificar plausibilidade nas hipóteses anteriormente
selecionadas, mediante o emprego de mecanismos que simulem
e reproduzam a realidade observada, permitindo a repetição da
mesma a partir de simulações. Todavia, cabe observar que no
terreno das relações humanas esse método é falho, destoando de
seu rigor científico no campo das ciências exatas, contudo
94
permite ao menos tentativas de aproximação dos processos
acompanhados, legitimando constatações e inferências.
A partir das hipóteses levantadas quando da abdução, o analista
empregará diversas técnicas com base científica, visando identificar situações
ou acontecimentos. Algumas técnicas são descritas a seguir.
3.7.2. Processo de afirmação x argumentação
O processo de afirmação x argumentação é uma das técnicas de análise
que permeia todos os produtos informacionais da atividade de inteligência.
Basicamente consiste em dois momentos. No primeiro, se extrai das
informações em análise o seu significado central, que é apresentado na forma
de afirmações e suposições, conformando uma síntese dos dados para, em um
segundo momento, partindo das premissas que compõem a afirmação original
sintetizada, analisar tais dados, os correlacionando, e expandindo o
conhecimento contido nos mesmos construindo, como decorrência, uma
argumentação que sustentará as afirmações feitas originalmente.
No decorrer do processo de afirmação x argumentação, as premissas
contidas na primeira serão modificadas por diversas vezes, pois tenderão a ser
alteradas por novos dados acrescidos ao longo da coleta ou mesmo pela
melhor compreensão dos dados já coletados que, à medida que são juntados
com outros fragmentos de informações passam a produzir um novo sentido.
Contudo, torna-se claro que existe uma sinergia entre a afirmação e a
argumentação, em que uma etapa afeta a outra de maneira decorrente, até que
se chegue, tal qual uma espiral, a um ponto em que o cenário ou processo de
análise consiga preencher as lacunas e se estabilize, gerando inteligência.
95
Cabe observar ainda que a afirmação de hipóteses também recebe o
nome de síntese ou fusão, (CLARK, 2004, p.32) sendo considerado o momento
em que o analista constrói um modelo mental, sintetizando o conjunto de
informações disponíveis. Por análise entende-se a etapa em que são extraídas
informações do conjunto de dados que deu origem às hipóteses propostas,
buscando-se provas que justifiquem o modelo proposto, que o modifiquem ou
mesmo o refutem completamente.
Existe um conjunto de técnicas para a construção de premissas ou
modelos, bem como para análise de dados. Algumas serão destacadas a
seguir:
a. Listas de comparação. São listados paralelamente os argumentos
favoráveis e desfavoráveis a um determinado tema em análise, de
forma que se comparem os benefícios e malefícios de
determinado curso de ação ou acontecimento;
b. Curvas. Análise em um gráfico, com as retas x e y se cruzando,
que, mediante a inserção de valores possibilita a identificação do
desempenho de uma atividade ao longo do tempo, bem como
permite a construção de inferências sobre o futuro, a partir da
extrapolação de tendências;
c. Benchmarking. Permite a comparação das práticas e processos
de duas ou mais organizações.
d. Padrões estatísticos. Mediante o emprego de técnicas estatísticas
se pode avaliar padrões de consumo de drogas de acordo com a
época do ano, a evolução de gastos militares de determinados
96
países ou mesmo a evolução de uma empresa concorrente em
determinado segmento de mercado, por exemplo.
e. Evolução cronológica. Busca relacionar a evolução de
determinadas atividades a partir da dimensão tempo.
f. Evolução geoespacial. Mediante o emprego de mapas,
geralmente a partir de softwares de geoprocessamento, se
agregam dados que permitem inferências sobre mudanças em
padrões geográficos, tais como alterações em utilização de
determinadas pistas de pouso clandestinas ao longo de um ano.
Também se utilizam os softwares CAD/CAM27 para a construção
de maquetes virtuais, que servem para descrever uma estrutura
física em análise.
g. Modelo entidade-relacionamento. Muito empregado em análise de
sistemas de informação para representar processos. Permite a
representação de pessoas, lugares, coisas e eventos,
denominadas como entidade, e suas diversas interações entre
tais entidades, que recebem o nome de relacionamento.
h. Análise de rede e ligações. Utilizada na década de 1940 pela
Polícia de Los Angeles, nos Estados Unidos, permite a análise de
vínculos entre pessoas, contas bancárias, telefones, veículos,
dentre outros quesitos, permitindo a visualização das ligações em
um software gráfico. É uma das ferramentas mais utilizadas pelos
organismos de inteligência policial de todo o mundo, existindo
27 CAD: computer aided design. Computador auxiliando o design. (Tradução nossa). CAM: computer aided modeling. Computador auxiliando a modelagem. (Tradução nossa).
97
diversos produtos disponíveis. É descrita com mais detalhes no
tópico abaixo.
i. Mapas conceituais. Com o auxilio de softwares especialistas28,
são listados conceitos e efetuadas ligações entre os mesmos,
sendo assinalado como atributo em cada ligação um ou mais
termos que dão sentido à mesma. À medida que novos termos
vão surgindo a temática abordada vai sendo aprofundada.
3.7.3. Análise de forças atuantes
Um dos primeiros objetivos da análise de inteligência, seja esta corrente,
tática ou estratégica, é o de identificar as forças presentes em um determinado
evento e a correlação entre as mesmas. Com este objetivo são utilizadas as
seguintes técnicas:
a. Modelo das cinco forças de Michael Porter. Desenvolve um
modelo de análise baseado na disputa entre atores de um mesmo
segmento. Por ter sua origem relacionada à área de negócios,
trabalha com a concorrência entre empresas semelhantes, ou
seja, que atuam no mesmo nicho de mercado. Segundo Costa
(2002, p.59) as forças de Porter são compostas por: 1- Entrantes
potenciais, que podem significar uma ameaça mediante a
aplicação de novas tecnologias, preços ou serviços; 2-
Compradores, que afetam o negócio uma vez que tenham grande
poder de negociação, dado o volume de compras, bem como o
reduzido número de clientes para se vender; 3- Substitutos, que
representam a predominância de tecnologias ou serviços 28 Um software muito utilizado para a construção de modelos mentais é o cmaptools, sendo distribuído gratuitamente no sítio: http://cmap.ihmc.us/.
98
análogos sobre o mercado em questão; 4- Fornecedores, que
afetam a empresa mediante o poder de barganha que tenham
para ditar os preços de venda de insumos; 5- Concorrentes na
indústria, determinando o grau de rivalidade e competitividade no
segmento analisado. As forças de Porter são amplamente
aplicadas na área de I.C, na expectativa de caracterizar os
cenários atuantes sobre um mercado bem como os novos
entrantes.
b. Fatores críticos do sucesso. Oriundo da Ciência da Informação
e da Administração, o conceito relaciona-se à identificação das
“[...] características, as condições ou as variáveis que devem ser
monitoradas e gerenciadas pela organização para que ela fique
bem posicionada em seu ambiente de competição” (BEUREN,
2005). Sob este viés, os fatores críticos de sucesso buscam
mapear junto aos clientes, sejam estes gestores de empresas ou
de Estado, os distintos fatores que afetam um determinado
segmento, determinando graus de relevância aos mesmos e
estabelecendo uma pontuação média que será agrupada em uma
matriz, o que facilita identificar as forças que serão monitoradas
pela organização, permitindo que esta se posicione
adequadamente em seu ambiente de atuação. Com este
ferramental é possível delinear corretamente as necessidades
informacionais da organização, além de identificar a relação de
forças envolvendo tecnologia, conhecimentos e habilidades que
sejam fundamentais à sobrevivência da organização. Ainda
99
segundo Beuren et al (2005), com os fatores críticos de sucesso
têm-se a possibilidade de “[...] priorizar a enorme quantidade de
informações coletadas e empregadas em um sistema de
inteligência competitiva”, de forma a racionalizar a análise e coleta
de inteligência.
c. Método Delphi. Tendo origem na Rand Corporation29, Estados
Unidos, na década de cinqüenta, tal método objetiva identificar as
forças e tendências que atuarão sobre o futuro, mediante o
emprego de um grupo de especialistas que debaterão os temas
propostos e serão levados para argumentação entre o próprio
grupo a fim de construir um consenso de idéias. O Delphi prevê
(SALLES-FILHO, 2001, p.154) a comunicação estruturada, o
anonimato dos participantes, o retorno destes após cada etapa do
processo interativo e a construção de respostas estatísticas
fundamentadas na equipe. Segundo Salles-Filho (2001, p.155):
A base do método envolve um questionário que é elaborado por uma equipe de coordenação (monitores ou facilitadores) e enviado a um grupo de especialistas participantes previamente selecionados. Assim que estes retornam, a equipe coordenadora contabiliza as respostas, elabora um novo questionário e envia os resultados e as questões revisadas aos mesmos participantes para uma nova interação. Os especialistas têm então a oportunidade de rever suas opiniões à luz das de outros participantes, em anonimato, fornecendo um novo julgamento, agora revisado. O processo se repete até que se atinja um estado estacionário, isto é, o consenso.
Além da identificação do consenso sobre as forças que estarão
presentes no futuro, conforme aponta o autor, com o método
Delphi também se registram as diferenças entre os especialistas,
o que permite a obtenção de informações valiosas ao 29 Organização acadêmica sem fins lucrativos que desenvolve pesquisas em temas relativos à inteligência e segurança de Estado, dentre outros temas, para o governo norte-americano. Mais informações são encontradas no sítio: http://www.rand.org.
100
planejamento de cenários. Além disso, com a evolução do debate
é possível detectar quais são os pontos chaves para a evolução
até um dado futuro, permitindo a localização dos elementos
primordiais a serem acompanhados.
d. Análise SWOT. Desenvolvida como mecanismo para auxiliar a
pesquisa e inovação a partir da Harvard Business School (HILL,
1997, p.46) durante a década de 1960, a análise de SWOT,
denominação em inglês para Forças (Strengths), Fraquezas
(Weaknesses), Oportunidades (Opportunities) e Ameaças
(Threats), busca identificar essas quatro forças ou fatores centrais
que atuam sobre a uma organização, em seu segmento ou nicho
de mercado, sendo que a análise de forças e fraquezas procura
destacar as capacidades da organização através de suas
características internas e a análise de oportunidades e ameaças
relaciona-se aos planos e observa o ambiente externo da
organização. No campo da inteligência, a análise SWOT também
é empregada para identificar as capacidades e planos de
organizações adversárias (CLARK, 2004, p.158), sejam estes em
nível tático ou estratégico. A aplicação da SWOT ocorre a partir
da elaboração de uma tabela matriz em que são listados os itens
relativos aos quatro temas descritos. Com a caracterização da
relação entre as forças arroladas tem-se uma base para efetuar o
planejamento estratégico ou a montagem de cenários.
e. Filtro de forças Kalman. Oriundo da área de engenharia, essa
metodologia é utilizada para o levantamento do estado presente e
101
a mensuração da ação de forças atuando sobre ele, de forma a
se tentar buscar um estado futuro (CLARK, 2004, p.166). O filtro
de forças Kalman é uma aproximação quantitativa, utilizado em
projetos de engenharia a partir de álgebra avançada, no entanto
também é utilizado de forma qualitativa por agências de
inteligência como a CIA. Basicamente a técnica consiste em se
estabelecer um quadro de forças do momento presente e movê-lo
para um cenário de futuro, baseado em um provável quadro de
forças envolvidas. Essa técnica se utiliza amplamente dos
conceitos de extrapolação, projeção e predição. O filtro de
Kalman tem as seguintes etapas para aplicação: 1- Identificam-se
as forças que atuaram e vêm atuando sobre uma determinada
entidade; 2- Em seguida trazemos para o presente as forças que
localizamos no passado, de forma a se observar variações no
peso das mesmas sobre os eventos e assumimos que as forças
não irão mudar, extrapolando-as para um primeiro cenário futuro;
3- É feita uma projeção, estimando que ocorram mudanças
comuns em algumas forças ao longo do tempo; 4- É realizada
uma previsão, iniciando-se a partir da projeção e estimando novas
forças que atuarão sobre a entidade em análise; 5- Determina-se
o futuro mais plausível, baseado na análise do conjunto de forças
dos três momentos anteriores de extrapolação, projeção e
previsão, buscando-se identificar forças atuantes, forças que
perderam significado, bem como novos entrantes. Como se
observa, mais do que para prever um cenário, o filtro é um
102
instrumento para caracterizar a ação das forças ao longo de uma
linha temporal.
f. Análise de forças síntese/análise. Esta técnica determina as
principais forças a serem analisadas, bem como a interação entre
as mesmas ao longo do tempo, envolvendo as etapas de
localização daquelas existentes, verificação de como elas estão
mudando e em qual direção, bem como em que ritmo. Por fim, no
momento da previsão o analista deve identificar novas forças que
surgem no cenário. Sob o prisma da inteligência de Estado
(CLARK, 2004, p.168) consideram-se como as principais forças
as dimensões políticas, econômicas, de poder militar e
psicossociais, já no “mundo dos negócios” (CLARK, 2004, p.168)
as categorias são: política, economia, tecnologia e sociedade. O
método de síntese análise é considerado um dos instrumentos
analíticos mais antigos da humanidade, sendo encontrado
inclusive no livro “A arte da guerra”, de SUN TZU30, no capítulo
em que discorre sobre a lei moral (As leis e a organização social
vigente), o comandante (Virtude da liderança do Estado), os céus
(entendido como fatores climáticos), a terra (compreendendo
distâncias e aspectos geográficos) e o método e disciplina
(compreendido como a análise da estrutura do Exército). Segundo
Clark (2004) o processo de análise por este método envolve a
resposta à seguinte seqüência de questões: 1- Quais forças
afetaram a entidade (organização, situação, indústria ou área
30 General e estrategista chinês viveu há cerca de 500 anos, antes de cristo, tendo escrito o livro: A arte da guerra, obra esta conhecida como o primeiro tratado de estratégia militar da história da humanidade, bem como a primeira referência a atividade de inteligência de Estado.
103
técnica) nos últimos anos?; 2- Quais são as cinco ou seis forças
predominantes?; 3- Como se espera que as forças elencadas
afetem a entidade nos anos vindouros?; 4- Quais são as cinco ou
seis forças que predominarão no futuro?; 5- Quais as principais
mudanças na correlação de forças entre o presente e o futuro
estimado?; 6- Quais as implicações dessas diferenças a partir da
mudança de forças para a entidade em análise? A partir dos
resultados dessa seqüência de questões deve-se trabalhar a
análise das forças adaptativas e das novas.
g. Benchmarking. Oriundo da área de negócios e I.C., é uma
ferramenta que busca, mediante análise comparativa com os
líderes de determinado ramo da indústria, identificar as melhores
práticas em um determinado segmento econômico. Assim sendo:
[...] busca-se identificar as melhores práticas das indústrias de um setor específico a fim de determinar padrões de desempenho em relação principalmente a: satisfação do consumidor, motivação e satisfação do funcionário, participação de mercado, retorno sobre ativos e, em nível operacional, melhoria de processos. Enfim, o benchmarking é uma oportunidade da empresa aprender com as melhores práticas de outra empresa e, assim, melhorar seu desempenho em alguns aspectos ou como um todo. (AFONSO, 2003, p.04).
Como se percebe, o Benchmarking nada mais é do que um
mecanismo para análise de processos e produtos, em que se
procura efetuar comparações com os outros. No terreno da
inteligência de Estado, tal técnica é correntemente empregada na
avaliação das capacidades dos oponentes, sendo utilizada para
identificar assimetrias de desenvolvimento tecnológico,
simplificação de técnicas para construção de armas, comparação
104
de foco estratégico, aquisição de tecnologia desenvolvida pelo
adversário e análise de quantidade versus qualidade.
h. Inferência Bayesiana. Tendo origem na estatística, no segmento
de teoria da decisão, possui como característica a valoração
numérica dos elementos de incerteza presentes em uma dada
conjuntura, buscando, mediante a aplicação de tais valores,
equações estatísticas para identificar cenários probabilísticos. A
análise bayesiana apresenta os seguintes momentos:
A especificação estrutural envolve a identificação dos elementos do problema de decisão, isto é os eventos incertos, as alternativas possíveis, os parâmetros desconhecidos e as relações estruturais relacionando estes elementos. Os critérios para comparação das conseqüências associadas as varias alternativas devem possibilitar ao decisor uma certa racionalidade ou coerência no processo decisório (HEDIBERT; MIGON, 2002, p.24).
Levando em conta tais etapas na atividade de inteligência, o analista
irá assinalar “[...] probabilidades para as principais hipóteses de
interesse” (FISK, 1970), especificando valores para probabilidades
condicionais, tendo como inferir julgamentos sobre as hipóteses
centrais baseado em análises quantitativas. A inferência bayesiana é
o instrumento central para a construção de modelos de árvore de
decisão. Cabe observar que a CIA se utiliza da técnica de inferência
bayesiana desde a década de sessenta, como mecanismo para a
elaboração de análise de forças em um dado cenário.
Com tais métodos, dentre outros não citados neste trabalho, é possível
identificar a correlação de forças posta em um determinado evento ou
organização, para posteriormente aplicar outros métodos analíticos de acordo
com o produto esperado.
105
3.7.4. Análise de alvo e organizacional
Conforme abordado neste trabalho, as análises de alvo são elaboradas
a partir do trinômio: estrutura, função e processo, sendo utilizadas uma série de
ferramentas para tal. Dentre a relação de instrumentos de análise destacam-se:
Estrutura
Ao se analisar uma estrutura, se busca identificar o tamanho da
organização e sua coerência com a missão proposta, a efetividade da
organização na persecução de seus propósitos para, por fim observar o
relacionamento entre as pessoas e grupos a partir da hierarquia organizacional.
São utilizados os seguintes mecanismos:
1. Análise de dimensão e capacidade:
a. Benchmarking: permite a comparação entre organizações com
missões similares, tornando possível observar se o tamanho e
capacidade da organização dificultam os objetivos mais do
que promovem os mesmos.
b. Curva de Laffer: Possibilita a análise da capacidade produtiva
e processual de uma organização, a partir do cruzamento
entre valores contidos em dois eixos gráficos, x e y. A título de
exemplo, se utiliza tal técnica para medir a capacidade de um
governo em taxar sua população elevando impostos, em
comparação com um nível X por cento de impostos, que
provocará um efeito decrescente na arrecadação. Melhor
dizendo, em um determinado momento os impostos podem
ficar tão elevados que o custo da sonegação destes seja visto
pelos cidadãos como menor do que o seu pagamento.
106
2. Análise da efetividade da estrutura.
a. Análise de tipos de estrutura. Prevê a identificação do tipo de
estrutura político-econômica em que a organização está
inserida, como por exemplo democracia ou ditadura,
monarquia ou presidencialismo, ou sob o prisma econômico,
modelos protecionistas, liberais, economias planificadas ou
abertas às leis de mercado. Outro aspecto que deve ser
observado é da própria estrutura organizacional da instituição
em questão, em que o poder pode ser concentrado em poucas
pessoas, e a gestão é centralizada em uma diretoria executiva
ou na pessoa de um presidente ou descentralizada, em que
existem várias instâncias de gestão e decisão, com vários
grupos decisórios dentro da organização.
3. Análise de rede. Prevê o estabelecimento de nós representando
pessoas e o uso de ligações entre os nós para identificar os
vínculos formais (hierárquicos) e informais (de relacionamento
pessoal e de afinidade). Tal metodologia é amplamente
empregada em estudos de Ciências Sociais visando identificar
comportamento organizacional. Em inteligência, cuja análise
frequentemente é generalista, os nós vão além de pessoas,
também são compostos por organizações, lugares ou coisas.
Historicamente a análise em rede tem sido aplicada pela
comunidade de inteligência do governo dos Estados Unidos para
acompanhar alvos tais como grupos terroristas e traficantes de
drogas. No entanto nos últimos anos a I.C. tem feito uso intensivo
107
desta técnica para identificar relações entre empresas, bem como
entre prestadores de serviços individuais. A análise de rede
possui os seguintes níveis:
a. Redes sociais. Neste nível os indivíduos são considerados
atores e são representados por nodos, sendo que o
relacionamento entre os mesmos, justificado por eventos, é
que caracterizam a relação. Somente se efetua o vínculo de
um ator para com outro se este for sustentado por algum
elemento de coleta tal como uma parceria estratégica,
reuniões de negócios, constantes telefonemas e mensagens
eletrônicas, dentre outros. Tais redes podem ser compostas
pela relação entre dois atores, bem como pelo relacionamento
entre um grande número destes. A análise de redes sociais
envolve dois conceitos chaves, que são:
1- centralidade, em que se busca identificar a relação
de poder dentro de uma organização mediante a
análise de vínculos entre os atores, presumindo que os
atores com mais vínculos sejam os mais importantes,
uma vez que: a. Têm mais possibilidades de escolhas,
em detrimento de atores com poucos vínculos e,
portanto, presumivelmente, com poucas opções
disponíveis; b. Possuem uma maior audiência dentro da
organização, pois podem ter a atenção de um maior
número de indivíduos; c. Servem como intermediários,
108
a partir do momento em que se tornam elo entre outros
atores que não possuem contato pessoal.
2- equivalência, em que se procura identificar os
indivíduos que possuem um papel único, sem
correspondência com outros pares ou com um número
reduzido de possíveis substitutos. Neste quesito são
identificados: a. os atores insubstituíveis ou com
poucos substitutos; b. os atores que possuem
monopólio em determinadas questões para os demais
nós da rede; 3. os atores que tem funções equivalentes,
ou não, em outro segmento de negócios.
b. Redes generalizadas. Na análise de redes gerais os alvos
serão as pessoas, organizações, lugares e objetos. Neste tipo
de análise o objetivo é identificar padrões ocultos, como
contas bancárias para lavagem de dinheiro ou rotas de
transporte de drogas, por exemplo. A análise de relações
generalizadas tende a se focar na rede, considerando os nós
como organizações ou pessoas que compõem as mesmas.
Cabe ressaltar ainda que, no tocante à análise de rede, social ou
generalizada, as mesmas são consideradas como o principal
instrumento para se lidar com sistemas complexos, na medida em
que atuam ”[...] emprestando um valor agregado ao trabalho
investigativo que está fora do alcance prático da cognição
humana normal” (DANTAS, 2006, p.11), existindo, como
109
decorrência uma dinâmica para utilização intensiva de
ferramentas baseadas em computador31.
Função
A análise de função é preditiva, uma vez que envolve a observação
comportamental de uma determinada organização ou indivíduo, visando
antever suas ações futuras a partir do comportamento passado. As perguntas
que se buscam responder com a análise funcional são, por exemplo: Como o
alvo irá reagir em uma determinada situação? Como tende a pensar? Por quais
caminhos irá seguir? Para responder esse tipo de questionamento é levado em
contas três dimensões do processo decisório abordadas a seguir:
1. Dimensão racional.
Teoria dos jogos32. Tal técnica é utilizada para analisar as
probabilidades disponíveis em uma situação, confrontadas com as
dificuldades da implementação de cada possibilidade, buscando
assim a melhor relação custo versus benefício.
Princípio da incerteza. Estabelece variáveis de análise, uma vez que
o analista ao investigar racionalmente uma questão pode alterar o
resultado da mesma. Como exemplo, tomemos um investidor no
mercado de ações que ao considerar se compra ou vende suas
ações gera um efeito sobre o mercado, de valorização ou
desvalorização que altera o ambiente analisado.
31 Um bom exemplo de software para análise de relacionamentos é o Analista Notebook, da I2, que é fornecido para vários órgãos de inteligência do mundo todo, inclusive do Brasil. Maiores informações podem ser encontradas no sítio: http://www.i2group.com. 32 John Von Neumann e Oskar Morgenstern apresentaram tal teoria no livro: Theory of games and economic behavior. Princeton: Princeton University Press. 1980.
110
Cabe observar que quando se trabalha com a análise racional,
Clark (2004, p.225) alerta que se deve levar em conta o fato de que o
ser humano tende a fazer escolhas consideradas apenas razoáveis,
sem esgotar todas as alternativas postas em um sistema, ou seja, se
um determinado indivíduo precisa comprar comida, este não irá
verificar todos os estabelecimentos comerciais existentes em uma
grande cidade para em seguida escolher o mais adequado.
Comumente o sujeito, ao escolher, irá trabalhar com apenas algumas
alternativas, levando em conta itens como proximidade, tamanho do
estabelecimento ou experiência anterior.
2. Dimensão cultural.
Contexto cultural. Identificam-se valores culturais centrais relativos ao
ambiente em que o alvo ou a organização em análise está inserido,
buscando localizar valores, crenças, normas, condutas e
comportamentos (CLARK, 2004, p.227).
Hierarquia de necessidades de Maslow. Segundo Maslow (CLARK,
2004, p.229) o homem possui um conjunto seqüencial e hierárquico
de necessidades que uma vez satisfeitas permitem que se passe
para a próxima, tal qual quando se sobe uma escada. Tais
necessidades seriam em ordem de importância: 1. necessidades
fisiológicas, como alimentação e habitação; 2. segurança, no tocante
a estar livre de sofrer violência; 3. inserção social, no sentido de
relações sociais e amizades; 4. estima no que diz respeito a auto-
estima bem como a consideração de terceiros; 5. Auto-atualização,
111
representando a ambição pelo desenvolvimento econômico, social e
cultural.
3. Dimensão emocional.
Teste de temperamentos de Kersey. Tendo sua utilização se
originado na I.C., consiste no enquadramento do indivíduo em um
determinado perfil de personalidade, mediante tabulação de
características comportamentais, sendo que cada perfil possui um
padrão comportamental distinto, o que permite projetar ou prever as
reações humanas de acordo com seu perfil de comportamento. São
quatro grandes grupos de temperamentos (KURI, 2004, p.70)
delineados: 1. racionais, tendendo a se utilizar da razão e de
modelos mentais abstratos; 2. guardiões, caracterizando-se pelo
conservadorismo e pelo zelo para com as instituições existentes; 3.
artesãos, tendo como mote a procura de emoções fortes e a fuga de
atividades rotineiras; 4. idealistas, que são movidos pelo
aperfeiçoamento pessoal e a auto-realização.
Processo
O processo se presta a analisar as etapas que compõem o ciclo de
desenvolvimento de um programa implementado por determinada organização.
Clark (2004, p.232) propõe os seguintes mecanismos para avaliar processos:
1. Desenvolvimento de projeto. Consiste na elaboração de uma
matriz em que se mensura o número de pessoas envolvidas,
versus o resultado, de forma a se identificar o coeficiente de
membros em um trabalho para que o mesmo chegue a bom
112
termo. Mediante tal técnica também se pode identificar atrasos e
idiossincrasias no trabalho.
2. Análise de risco. É um processo composto pela identificação de
riscos associados a um programa em que se tenta medir as
conseqüências e efeitos deles para, então, se identificar ações
alternativas para a redução de exposição da organização a tais
contingências. A Rand Corporation desenvolveu uma
metodologia para estimativa para análise de risco de atentados
terroristas (WILLIS, 2005 p.06) que trabalha com a observação
dos seguintes conceitos: 1. ameaças, entendidas como a
probabilidade de um alvo sofrer um ataque de uma forma
específica durante um determinado período de tempo; 2.
vulnerabilidade, compreendida como a probabilidade de
ocorrência de danos a um alvo por um tipo de ação, durante um
lapso temporal; 3. conseqüências, definida como a magnitude dos
danos causados a um determinado alvo, a partir de um tipo de
ação em um horizonte de tempo. O risco é calculado pela
fórmula: risco = ameaças x vulnerabilidades x conseqüências.
Portanto, ele representa nada mais do que as conseqüências
esperadas de ações que causem danos, considerando-se a
probabilidade de que tais ações aconteçam e de que sejam bem
sucedidas.
3. Análise comparativa ou benchmarking consiste em comparar
modelos e processos, já tendo sido exposta anteriormente.
113
3.7.5. Análise quantitativa
Também existe um conjunto de técnicas analíticas baseadas em
instrumentos quantitativos para mensurar a realidade. Tais procedimentos
envolvem a análise de um grande volume de dados e registros, de forma a que
sejam identificados padrões, permitindo inferências futuras.
Com o desenvolvimento da tecnologia da informação, a utilização de tais
técnicas quantitativas vem sendo amplamente empregada nas empresas
privadas, como mecanismos de suporte a decisão, mediante o emprego de
ferramentas específicas.
Tipos de ferramentas
Destacam-se os seguintes tipos de ferramentas:
a. Data Warehouse33. Consiste na migração de dados do ambiente
operacional da empresa para um sistema em que os mesmos serão
formatados para receberem processos de análise. É, portanto um banco
de dados que consolida dados obtidos a partir dos vários bancos de
dados mantidos pelas unidades organizacionais, permitindo uma visão
histórica e sintetizada das informações. Com os dados carregados neste
grande repositório, os analistas podem obter informações variadas, do
tipo: As vendas de passagens aéreas diminuíram, nos meses de janeiro
dos últimos seis anos? Qual a média de visitas que um cliente faz em
uma página na Internet, antes de efetuar a compra? Qual a média de
idade dos clientes de uma administradora de cartão de crédito, versus a
média de consumo? Ou seja, com o data warehouse têm-se acesso a
vários dados contidos na organização, ou adquiridos no ambiente, que
33 Armazém de dados. (Tradução nossa).
114
permitam identificar padrões e ocorrências externas, sem que se afete o
ambiente operacional da empresa/instituição, uma vez que as consultas
são feitas sobre um sistema cuja finalidade é apenas subsidiar a análise.
b. Data mining34. É um aplicativo de análise de informações que, mediante
algoritmos matemáticos, busca estabelecer padrões de dados,
minerando-os, a partir da análise de um banco de dados ou de um data
warehousing. A vantagem da utilização de uma ferramenta como esta
reside no fato de ser automatizada, não dependendo diretamente da
intervenção humana. Neste sentido, além de efetuar um grande volume
de consultas, por não envolver a figura de um analista, tende a fazer
ligações baseadas em quesitos matemáticos, sem o preconceito que
acompanha o olhar humano. Como resultado das inferências
automáticas, se obtém padrões genéricos, improváveis de serem
construídos pelas abordagens de um indivíduo, úteis tanto para uma
empresa perceber potenciais para promoções de seus produtos, como
para o Estado se defender de eventuais ataques. Um possível emprego
dessas informações seria a descoberta via prospecção automática de
dados, de um modelo resultante, em que a título de exemplo, clientes
jovens, recém casados, que comprem um veículo, e seis meses depois
comprem outro, possam receber propostas promocionais de uma
revenda de automóveis apresentando promoções para atrair a fidelidade
desse perfil de clientes, ou de um banco estabelecendo uma nova
modalidade de financiamento. Contudo, o emprego de tais consultas
automatizadas também tem se expandido no terreno da inteligência para
34 Mineração de dados. (Tradução nossa).
115
segurança nacional. Com a identificação automática de padrões, se
pode descobrir contas correntes utilizadas para lavar dinheiro do
narcotráfico, ou mediante a própria diferenciação dos padrões normais
de comportamento humano, encontrar um imigrante ilegal, um espião ou
terrorista, a partir de uma circunstância atípica, em que um indivíduo
viaja de avião do México em direção a França, depois se desloca para o
Canadá e em seguida toma um vôo até os Estados Unidos, em um
período de dois dias, o que poderia demonstrar uma tentativa de impedir
a localização de sua origem.
Tipos de informações quantitativas
Os principais usos no terreno da inteligência das técnicas de análise
quantitativa são:
a. Registro de patentes. Diversos sites na Internet disponibilizam extensas
bases de patentes, informando o autor, a empresa desenvolvedora, data
de registro e publicação, bem como os dados sobre a temática abordada
na patente. Mediante a análise quantitativa de tais registros, é possível
constatar quais áreas tecnológicas vêm se desenvolvendo ao longo do
tempo, bem como quais empresas e países se destacam em termos de
tecnologia. Com essas informações, se pode tanto competir com as
empresas de ponta, construindo tecnologias similares, como também
observar a tecnologia desenvolvida por países rivais para emprego
militar, ou mesmo quais os eventuais fornecedores de tecnologia para
grupos criminosos.
b. Controle de artigos científicos. Várias bases de dados são especialistas
no fornecimento de artigos publicados em periódicos científicos. A partir
116
da análise quantitativa desses artigos, se pode localizar tecnologias e
conceitos emergentes, que ainda se tornarão produtos ou doutrinas,
bem como os centros de excelência em cada país. Tais informações
permitem não somente inferir os setores de pesquisa estratégica em
desenvolvimento, bem como as tecnologias promissoras, como também
o fornecimento de tais conhecimentos para terceiros.
c. Transações financeiras. Com a aplicação de técnicas de análise
quantitativa sobre informações de movimentações financeiras, tanto um
banco pode identificar a melhor oferta de produtos financeiros para seus
clientes, quanto o governo pode identificar processos de lavagem de
dinheiro oriundo de crimes, bem como movimentações suspeitas,
localizando instituições financeiras que sirvam como fachada de
organizações criminosas.
d. Web warehouse35. Com o armazenamento de dados relativos às
páginas visitadas por um usuário ou a partir de um determinado
computador, se pode rastrear a navegação na Internet de um indivíduo,
ou de uma comunidade de usuários de determinados produtos ou
serviços. De acordo com Stasiu (2003, p.03).
As funções primárias de um web warehouse são identificação, catalogação, recuperação, armazenamento e análise da informação (disponível em forma de texto, som, imagem, vídeo, gráficos, objetos multimídia, etc) através de tecnologia Web, com a finalidade de auxiliar na busca de informações específicas de interesse do usuário.
A partir desse processo, o analista de informações tanto pode identificar
padrões de consumo de um cliente, personalizando o seu atendimento
35 Armazém de dados da Web. (Tradução nossa).
117
no ambiente web36, como sob o prisma do Estado, também pode tentar
identificar todas as pessoas que visitam regularmente sites de pedofilia,
ou de grupos islâmicos radicais.
3.7.6. Análise de cenários
Uma vez efetuada a identificação das forças presentes em uma dada
conjuntura ou estimada a composição de tais forças em um futuro, será
necessária a construção de cenários.
Seu surgimento, enquanto área de pesquisa, remonta ao segmento de
inteligência de Estado norte americano, que fundou a Rand Corporation na
década de cinqüenta com tal propósito. Considerada uma atividade
extremamente complexa, a Rand “[...] estendeu duas atividades para os
campos da sociologia, meteorologia e política” (MARCIAL, 1999, p.11) de
forma a ampliar o escopo das forças que compõem uma conjuntura observada.
Apesar de atualmente ser amplamente empregada por empresas privadas, a
atividade de produção de cenários é característica basilar da atividade de
inteligência, conforme podemos observar com o relatório da CIA: como será o
mundo em 2020 (2006), bem como pelo cenário produzido pela inteligência
brasileira, denominado Cenários exploratórios do Brasil 202037 (1997).
Um cenário é definido como “[...] uma descrição detalhada e
internamente consistente daquilo que o futuro poderá vir a ser” (LODI, 2005,
p.128), sendo construído mediante informações qualitativas e quantitativas que
36 Considerando que o ambiente web tende a ser impessoal, a utilização desse tipo de ferramenta pode ser um grande elemento de vantagem competitiva. Um bom exemplo é o da empresa Amazon, com o endereço: http://www.amazon.com, que utilizando-se de um conjunto de tecnologias baseadas em data mining e web warehouse, permite visitas personalizadas de seus clientes, uma vez que o ambiente virtual identifica o usuário, ou o computador deste e personaliza a página de acordo com as preferências demonstradas pelo usuário nas visitações ou compras anteriores. 37 Tal cenário foi desenvolvido pela Secretária de Assuntos Estratégicos - SAE, que deu origem a ABIN, a atual Agência Brasileira de Inteligência.
118
analisam a correlação de forças ao longo do tempo em um dado ambiente.
Como bom instrumento de inteligência o cenário é elaborado centralmente para
subsidiar a tomada de decisões.
Os cenários são agrupados como normativos e exploratórios (MARCIAL,
1999, p.33; BEZERRA, 2005, p.94), a partir da observação de sua natureza.
Entendem-se como cenários normativos ou burocráticos aqueles que
apresentam futuros desejados. Tal cenário é construído como um objetivo
organizacional, apontando para sua realização, a necessidade de superação
de desafios e metas. Em um primeiro momento se apresenta o futuro desejado
e posteriormente são discutidos os mecanismos para que se alcance tal futuro.
A indagação presente no cenário normativo é: Que tipo de futuro se deseja ter?
Para que se inicie em seguida a análise de mecanismos para a concretização
de tal futuro. Por cenário exploratório tem-se a apresentação de futuros
possíveis ou prováveis em um dado sistema. Diretamente associado à
identificação de forças por extrapolação, projeção e previsão, este cenário
apresenta dois subgrupos, sendo: a. os extrapolativos, em que o futuro é o
prolongamento sem surpresas do presente; b. os múltiplos, em que o futuro
apresenta mudanças de forças ou ruptura das mesmas com o surgimento de
novos fatores.
No tocante ao número de cenários, recomenda-se que não se ultrapasse
a prospecção de quatro cenários, uma vez que “[...] apesar do futuro ter um
número de possibilidades infinitas de acontecimentos, torna-se improdutivo
tentar explorar todas essas possibilidades” (MARCIAL, 1999, p.34). Também
se deve evitar a produção de três cenários, de forma a que se evite a indução
ao erro de considerar o cenário intermediário como o que de fato ocorrerá.
119
As etapas para construção de cenários (CLARK, 2004, p.179) são
compostas pelos seguintes momentos:
a. Definição do problema. Consiste na identificação de quais
questões se pretende resolver. Considerando-se que o futuro é
composto por milhares de possibilidades, o foco nas indagações
centrais é fundamental.
b. Identificação de forças que afetam o problema. É a incorporação
ao cenário da etapa de trabalho anterior, em que se identificam as
forças atuantes em um determinado evento. As principais forças,
de acordo com o que foi abordado anteriormente, são: dinâmicas
sociais, tendências econômicas, políticas e tecnológicas. Nesta
etapa as forças são analisadas isoladamente e em seu conjunto,
de forma a se verificar sinergias entre as mesmas.
c. Identificação de possíveis soluções. Nesta etapa se fará a
escolha da metodologia para o desenvolvimento do cenário,
efetuando-se a partir das tendências chaves identificadas no
momento anterior, a construção de cenários mais ou menos
favoráveis aos interesses da organização.
d. Localizar a melhor solução. É o momento em que se apresenta
ao decisor uma avaliação do melhor futuro possível, bem como a
estimativa de ações que possam levar a organização até lá.
Por fim, uma vez elaborado, o cenário enquanto produto de inteligência,
passa a necessitar da atividade de coleta de inteligência, de forma a monitorar
alguns quesitos informacionais fundamentais, conseguindo com isso evoluir
aqueles propostos. Conforme afirma Marcial (1999, p.39) “[...] para a
120
construção de bons cenários nesse novo ambiente competitivo, torna-se
importante a constante incorporação dos resultados da monitoração ambiental
aos estudos de futuro”. Portanto, considerando-se as mudanças típicas de uma
sociedade globalizada, de pouco vale a construção de um cenário como
referência de futuro se o mesmo não for objeto de constante análise, de forma
a que se evolua as caracterizações neles contidas. Cabe lembrar que para a
atividade de inteligência, o cenário comporá um produto informacional
devendo, portanto, estar submetido ao ciclo de requerimento, coleta e análise,
característicos desta área do conhecimento.
3.7.7. Similaridade das técnicas de análise
Com a observação do conjunto de técnicas de análise apresentados
acima, percebe-se que as metodologias para análise de inteligência
empregada pelos órgãos de Estado são acentuadamente similares ao
ferramental utilizado em I.C. Mais do que a utilização de modelos comuns, se
faz notar um processo de sinergia intelectual, em que ora a I.C. fornece as
técnicas que são prontamente adotadas pelas instituições governamentais, ora
as instituições de Estado fornecem tais técnicas e o segmento de inteligência
empresarial e competitiva faz pronto uso dessas.
Como conseqüência dessa sinergia, observamos que a pesquisa e,
sobretudo a aplicação de novos procedimentos à atividade de inteligência, tem
sido muito grande. Quando um segmento de inteligência, como a I.C., passa a
utilizar uma técnica antes empregada exclusivamente por outro, como a CIA, o
Mossad ou o MI-5, possibilita o desenvolvimento de tal processo, de forma que,
posteriormente a mesma voltará a ser utilizada pela agência originária, no
entanto com mais aperfeiçoamentos oriundos do crivo de outros setores. Com
121
isso evidencia-se um grande desenvolvimento na atividade de análise de
inteligência
Cabe observar que, uma parcela significativa deste processo interativo é
originária da interação entre profissionais de análise de inteligência que, no
modelo americano, recebem uma formação semelhante, muitas vezes nas
mesmas escolas, como veremos a seguir.
3.8. Disseminação
A disseminação é o ponto em que as demandas do usuário, que foram
apresentadas no momento do requerimento, encontram-se com o mesmo
novamente, ou não, a depender da identificação anterior adequada de suas
necessidades e do formato em que estas sejam disponibilizadas como
produtos informacionais. A etapa da disseminação da informação é um
momento crítico, pois mesmo com um produto de qualidade, ao não se
identificar a melhor abordagem para a entrega, o que deveria ser inteligência
torna-se mais uma pilha de papéis armazenados. A partir do objetivo de
garantir que a inteligência solicitada realmente chegue às mãos do tomador de
decisões de forma a que possa ser utilizada, apresentam-se alguns aspectos
importantes de serem abordados.
3.8.1. Apresentação dos pontos essenciais
A disseminação dos produtos de inteligência, deve levar em conta as
necessidades do usuário, e não o desejo do analista de demonstrar todo o
esforço contido no processo de análise. Comumente o usuário de inteligência
necessita chegar a conclusões rapidamente, e neste sentido os produtos de
inteligência não podem se constituir como um enigma a ser decifrado, decifra-
122
me ou te devoro. Um bom produto de inteligência precisa ser claro, conciso,
conclusivo e livre de jargões técnicos ou detalhes inúteis.
Faz-se importante pontuar que o relatório de inteligência, conforme a
demanda pode e deve ter diversos graus de profundidade, permitindo ao
cliente que avance na leitura do mesmo ou não, de acordo com suas próprias
necessidades. Contudo, nem sempre o decisor tem tempo, paciência ou
necessidade de ler em profundidade, análises de inteligência de dez mil
páginas, preferindo muitas vezes, de acordo com a credibilidade anterior dos
produtos de inteligência, observar um sumário executivo de dez páginas e
considerar os resultados contidos no mesmo.
3.8.2. Dimensões dos produtos de inteligência
Ao se disponibilizar produtos de inteligência, existe um conjunto de
configurações que devem ser observadas, ressalvando-se os interesses e as
demandas do usuário, e consequentemente a aplicabilidade da informação
fornecida. Apresenta-se o seguinte quadro de possibilidades:
Dimensões dos produtos de inteligência
Categoria Dimensão Exemplos
Assunto Biográficos, econômicos, geográficos, militares, políticos, científicos, tecnológicos, sociológicos, organizacionais, meios de transporte e comunicações.
Conteúdo
Intenção de uso. Pesquisa, análise corrente, estimativas, apoio operacional, ciência e tecnologia e alerta antecipado.
Prazo Curto/longo termo, aproveitamento de oportunidades, rotina/prioridade.
Características
Periodicidade Quando necessário/planejado, preposição do analista/demanda do usuário.
123
Abrangência Reduzida/ampla, detalhado/sumarizado, básico/exaustivo.
Mídia Papel/digital, escrito/oral, vídeo. Apresentação
Formato Formal/informal, textual/gráfico.
Relacionamento com o produtor
Intencional/incidental, interno/externo, neófito/experto.
Cliente
Método de distribuição
Interno/externo, direto/indireto, focal/abrangente.
Tabela 7. Dimensões dos produtos de inteligência. Fonte: adaptação de Krizan, 1999.
3.8.3. Conteúdo
Conforme abordado na etapa do requerimento, o conteúdo de um
produto de inteligência deve ser negociado com o usuário deste. Tanto o tema
deve ser bem delimitado, no início do processo, quanto às novas possibilidades
que venham a surgir, à medida que se obtém a confiança e parceria do cliente,
devam ser exploradas em comum acordo. Considerando-se a premissa de que
inteligência para ser considerada enquanto tal deva ser acionável, não adianta
se produzir compêndios de informações se as mesmas não serão em momento
algum empregadas.
Além do objeto temático da ação de inteligência, deve-se levantar com o
tomador de decisões suas pretensões para com a informação obtida. Conforme
abordado anteriormente, existem diversos produtos de inteligência visando
atender a uma ampla gama de demandas, que vão da identificação de
ameaças imediatas, passando por relatos descrevendo a conjuntura atual e
chegando até mesmo à tentativa de se estimar o futuro. De acordo com a
aplicação da inteligência, se terá um estilo analítico e um formato documental.
124
Identificar as reais necessidades do usuário quanto à utilização da informação
é tão importante quanto saber o tema que o mesmo deseja acompanhar.
3.8.4. Características
As principais características de um produto de inteligência envolvem o
prazo, a periodicidade e a abrangência do mesmo. O prazo relaciona-se com a
temporalidade envolvendo a elaboração do relatório, que pode ser diário, ou
mesmo o resultado de um esforço de vários anos. Também relaciona-se com o
aproveitamento de oportunidades, priorizando determinadas ações, em
detrimento de outras. Por periodicidade se tem a origem da demanda, que
pode ser uma preposição do analista diante de um cenário recém identificado,
bem como uma demanda do usuário, a partir de lacunas de conhecimento.
Relaciona-se também à periodicidade, a verificação se um dado projeto de
inteligência foi planejado ou se é originado da necessidade de entender e
responder a um evento novo. A abrangência determina o grau de cobertura de
um tema, que poderá ser superficial, amplo, especializado, aprofundado,
conjugando esses quesitos de acordo com as necessidades do tomador de
decisões.
3.8.5. Apresentação
A forma com que as análises de inteligência são apresentadas pode
variar de acordo com a mídia utilizada como suporte físico da informação, bem
como com o formato gráfico e redacional. Com a evolução tecnológica,
produtos de inteligência são construídos não somente sobre papel, como
também a partir da produção de vídeos, gráficos e modelos relacionais,
gravações e slides, bem como mediante suporte digital em ambiente de
125
Intranet corporativa, de forma a que os usuários tenham constante acesso aos
produtos disponíveis. Faz-se relevante observar que as transformações
tecnológicas características de uma sociedade da informação, permitem um
grande intercâmbio de dados entre várias organizações de inteligência38, sejam
as mesmas da esfera estatal ou das organizações, compartilhando em tempo
real, informações relevantes. Além do suporte físico, outro aspecto que irá
variar de acordo com as preferências do cliente é o grau de formalidade do
documento, que pode ser textual ou gráfico, tendo características mais formais
ou informais.
3.8.6. Cliente
A proximidade com a organização ou o cliente demandante da
inteligência é fundamental. A interação com esse, não somente no momento da
identificação das necessidades informacionais transformadas em
requerimentos, como também ao longo de todo o ciclo de inteligência é um
aspecto garantidor da satisfação do usuário no momento da disseminação da
inteligência produzida. Também derivam do ambiente de relacionamento com o
demandante as características do produto disponibilizado posteriormente. O
relacionamento com o solicitante é afetado a partir de quesitos, tais como: se o
relacionamento entre as partes é freqüente ou ocasional, se o usuário é
externo ou interno à organização de inteligência, ou se as referidas partes
possuem uma compreensão do assunto a ser identificado em níveis muito
diferentes de profundidade, dificultando ou facilitando o diálogo.
38 Conforme abordado neste documento, a comunidade de inteligência de Estado dos EUA atualmente encontra-se incumbida de um grande projeto envolvendo a partilha de informações, bem como a rapidez no acesso às mesma.
126
3.8.7. Valor agregado
Também sob o prisma das necessidades do cliente, Choo (2003, p.78)
argumenta que existe uma cadeia de valor dos produtos informacionais, que
são agrupados em seis categorias conceituais, a partir de produtos e serviços
informacionais:
127
Critérios do utilizador
Valores acrescentados Características e exemplos de valores acrescentados.
Folhear Índice dos materiais Formatação Mapas e catalogações
Interface Ajuda na utilização do serviço, mediante interface amigável e tópicos de ajuda.
Ordenação
Agrupamento da informação por assunto, data, etc.
Facilidade de utilização
Acesso físico Entrega de documentos impressos, para fácil leitura.
Acesso intelectual
Indexação, permitindo a recuperação do tema procurado. Sistema de gestão de bases de dados, facilitando o acesso.
Ligação
Referência a outra informação relacionada.
Precisão
Ordenação dos temas. Descrição detalhada de elementos
Redução de ruído
Seletividade Entrada de informação seletiva
Exatidão Transmissão isenta de erros
Abrangência Cobertura exaustiva
Atualidade
Informação recente Vocabulário de acesso reflete uso corrente
Credibilidade
Confiança na qualidade constante do serviço
Qualidade
Validade Solidez dos dados fornecidos
Proximidade em relação ao problema
Sensível as necessidades específicas de pessoa/problema
Flexibilidade
Múltiplas possibilidades de manipulação dos dados
Simplicidade
Os dados mais transparentes e relevantes são selecionados para apresentação
Adaptabilidade
Estímulo Atividades que realçam o perfil do serviço
Redução de tempo
Velocidade de resposta
Redução de custos
Redução de gastos para os usuários.
Tabela 7. Valores agregados em produtos e serviços de informação. Fonte: Adaptação de Choo; 2003.
128
Ainda, segundo o autor (2003, p.79), as referidas categorias teriam os
seguintes papéis:
a. Facilidade de utilização. Envolve a diminuição do grau de
dificuldade para manipulação de um produto ou serviço
informacional, mediante instrumentos que facilitem o uso do
produto, tais como índices de assuntos, formato adequado ao
usuário, facilidade de acesso ao documento e disponibilização do
mesmo em suportes físicos digitais e analógicos. Quanto mais fácil
é para o cliente ter acesso ao conteúdo informativo, rompendo a
embalagem do produto, mais o referido produto possui valor
agregado neste quesito.
b. Redução de ruído. Refere-se à eliminação de informação
irrelevante ao usuário, tendo o foco nas necessidades
informacionais deste. É importante também que o resultado da
análise seja corretamente indexado, permitindo o acesso
informacional do usuário, bem como indicando outras fontes de
referencia, à medida que o cliente tenha interesse em pesquisas
sobre temas correlatos. Quanto mais o produto da análise for
focado nos interesses demandados do tomador de decisão,
impedindo que o mesmo se perca em temas não relevantes, mais
se agrega qualidade ao citado material.
c. Qualidade. Este quesito relaciona-se a “excelência geral do
produto” (2003, p.79), incluindo a ausência de erros, mediante a
exatidão, pelo grau de profundidade temática, correspondente às
expectativas do usuário, pela busca do estado da arte do tema em
129
análise, de forma a que propicie atualidade. Outra abordagem
relevante é o fornecimento de informações que demonstrem a
solidez dos dados coletados, permitindo que o cliente veja o
produto de inteligência com credibilidade e consequentemente
possa utilizar o mesmo com segurança.
d. Adaptabilidade. Vincula-se às condições que o produto de
inteligência tem de “responder as necessidades e circunstâncias
dos utilizadores nos seus ambientes de trabalho” (2003, p.79). Ou
seja, o resultado do processo analítico deve ser conseqüência do
atendimento dos requerimentos iniciais do cliente, bem como da
tentativa de responder de forma dinâmica a realidade mutável, pois,
a mesma quando se altera, já que o mundo tende a ser dinâmico,
modifica como conseqüência, várias das solicitações apresentadas
originariamente, quando do início do ciclo de inteligência. Além de
acompanhar a conjuntura do assunto em pesquisa, outro elemento
fundamental é a constante interação com o tomador de decisões,
de forma a precisar com o mesmo as alterações de demandas
informacionais.
e. Redução de tempo e custos. Envolve basicamente a rápida
resposta dos requerimentos do usuário e na tentativa de mensurar
os recursos economizados a partir do emprego da inteligência
fornecida.
Cabe observar que uma importante contribuição da I.C. para com os
demais ramos de inteligência, é a constante preocupação em se tentar
identificar o grau de empregabilidade da inteligência fornecida ao usuário.
130
3.9. Formação do profissional de inteligência
Ao se observar a formação do profissional de inteligência, sob o prisma
da busca das similaridades e diferenças entre a inteligência de Estado, policial
e I.C., constata-se que existem diferenças entre as etapas de coleta e análise,
que necessitarão de profissionais com habilidades diferentes. Enquanto o
coletor terá características únicas, de acordo com o ramo de coleta em que
esteja envolvido, o analista tende a ser um profissional intercambiável entre as
agências ou mesmo os diversos tipos de inteligência.
3.9.1. Formação do coletor
Observa-se que o coletor de informações de inteligência tende a ser um
especialista, dominando os recursos específicos utilizados para determinado
tipo de coleta. Cabe observar que tais mecanismos de coleta, muitas vezes
restritos ao governo (KRIZAN, 1999, p.23), tendem a ter características únicas.
Tomemos como exemplo destas especificidades de coleta as agências
de inteligência de Estado, como a norte-americana NSA e sua congênere
britânica a GCHK, que têm como função interceptar as telecomunicações do
mundo todo, e da NRO, que coleta imagens de satélites de todo o globo,
formando coleções de dados para utilização das forças armadas e dos
analistas de inteligência nos EUA. Tais agências utilizam métodos singulares,
com aplicação intensiva de alta tecnologia, grande investimento financeiro e,
sobretudo, com barreiras para terceiros mediante limitações legais para que
outras organizações, que não o Estado, possam efetuar este tipo de coleta.
Possivelmente as características de coleta de inteligência nessas
agências somente encontrem similaridade em outras organizações congêneres
existentes em outros países. Mesmo as agências de inteligência que trabalham
131
com coleta humana, como a CIA, a ABIN ou o Mossad39, no âmbito externo, ou
as agências de segurança interna e policial, como o FBI ou a Polícia Federal,
exigem uma série de competências por parte de seus operadores, que além de
muito específicas, são ilegais quando executadas por terceiros.
[...] a coleta de informações exige outro tipo de habilidades que, em boa parte, dependem da forma como a informação vai ser buscada: no exterior, ou no próprio país, através do exame de documentos, de entrevistas pessoais, por infiltração nos órgãos ou grupos a serem investigados, através de informantes, do interrogatório de presos, de maneira ostensiva ou encoberta, etc. A definição das qualificações dos coletores de informações será dada em função das necessidades identificadas. Cursos específicos – que incluirão inclusive técnicas relativas aos métodos que serão utilizados pelos coletores e prática de equipamentos disponíveis para a coleta de informações – são indispensáveis. É importante que os selecionados conheçam os parâmetros éticos fixados pela agência para a sua atuação. (VIDIGAL, 2004, p.34).
Neste sentido, evidencia-se a existência de significativas diferenças na
atividade de coleta de inteligência de Estado e policial para com a inteligência
competitiva, tendo em vista as especificidades daquela destinada a inteligência
de Estado.
Contudo, cabe ressaltar que se as diferenças processuais são muitas,
sob o ponto de vista da diversidade dos instrumentos de coleta permitidos aos
governos. Sob o viés da usabilidade de tais mecanismos, a proximidade entre a
I.C. e a inteligência de Estado irá aumentar em um futuro próximo. Atualmente
as informações disponíveis a todo o público, denominadas fontes abertas, e
matéria prima básica de I.C., estão ocupando um grande espaço na coleta de
inteligência governamental, existindo uma dinâmica por parte das organizações
de inteligência governamental em ampliar a coleta de fontes abertas e
maximizar sua utilização a partir, inclusive, do exemplo que oferecem as
técnicas de coleta utilizadas em I.C.
39 O Mossad, é a agencia de espionagem e contra-terrorismo do governo de Israel, sendo conhecida como uma das agências de humint mais bem sucedidas no campo da inteligência governamental.
132
Uma expressão da tendência do aumento da utilização das fontes
abertas é a recomendação, por parte comissão de investigação das falhas que
ocasionaram os atentados de 11 de setembro nos EUA (2005, p.377), para que
o governo norte-americano crie um diretório dentro da CIA, cuja tarefa
específica será a coleção de fontes abertas. Ao considerarmos que já existe
nos EUA uma agência exclusivamente para tal fim, a FBIS, a criação de mais
um serviço nesta área constitui uma evidente indicação da relevância que as
informações oriundas das citadas fontes abertas vem adquirindo em tempos de
sociedade da informação, Internet e Google.
À medida que prospere essa tendência, certamente existirá um
movimento de convergência entre os atributos necessários a um coletor de I.C,
em relação aos profissionais de coleta pertencentes às organizações oficiais,
aproximando ainda mais tais perfis.
3.9.2. Formação do analista
No tocante à atividade de análise, percebe-se uma grande similaridade
entre a inteligência de Estado e policial e a inteligência competitiva. Conforme
observamos no decorrer deste trabalho, quase todas as técnicas empregadas
no momento da análise são comuns aos diversos tipos de inteligência, sendo
que parte considerável dos meios empregados pelos órgãos de Estado, tem
sua origem nas universidades e no ambiente empresarial.
Constata-se ainda, que o analista de inteligência assemelha-se a um
pesquisador (HERMAN, 1996, p.100) especializado em determinadas áreas do
conhecimento, tais como história ou geopolítica. Para o analista importa pouco,
sob o prisma técnico, se os dados com que trabalha foram obtidos mediante a
chantagem de informantes, a interceptação de uma mensagem eletrônica ou
133
mesmo o simples acesso a um banco de dados. As características profissionais
que permanecem fundamentais são: compreensão a fundo do tema em estudo,
conhecimento de várias técnicas de análise, bem como o manuseio de
ferramentas tecnológicas e o domínio de línguas estrangeiras. De acordo com
o que argumenta Vidigal (2004, p.33):
Sem dúvida, o analista de informações é o que exige a maior gama de conhecimentos para o exercício de sua tarefa. Conhecimentos de ciência política, sociologia, psicologia, história, etc – em síntese, uma sólida cultura geral – parecem requisitos indispensáveis. É necessário aliar uma grande capacidade de leitura à reflexão. O analista, na grande maioria das vezes, não é formado pelos Órgãos de Inteligência; ele é recrutado já com as qualificações essenciais, só necessitando ser orientado paras as peculiaridades do Serviço de Inteligência e sobre os parâmetros estabelecidos pela Política Nacional de Inteligência.
Em assim sendo, o analista pode ser considerado como um profissional
de amplo emprego, podendo adaptar-se às especificidades do Estado, das
polícias ou das organizações privadas. Corrobora com esta abordagem o
processo de formação de analistas desenvolvido pelas universidades norte-
americanas, em que se prepara um profissional generalista. Um exemplo é o
curso de graduação em análise de inteligência, desenvolvido pela Mercy Hurst
College: institute for intelligence studies40, cuja abordagem curricular trabalha
disciplinas de inteligência clássica, tais como: a história da atividade de
inteligência americana, teoria política, geopolítica, segurança nacional, e
terrorismo, com matérias de cunho técnico como: introdução à pesquisa e
análise, investigação financeira e macroeconomia, juntamente com temas de
I.C., tais como: inteligência competitiva e inteligência competitiva avançada.
40 O curso denomina-se: research/ intelligence analyst program, e visa atender a analistas de inteligência governamental bem como empresas privadas, tendo como foco a segurança nacional, inteligência policial, combate ao terrorismo e inteligência competitiva. Mais informações no endereço: http://www.mciis.org.
134
Todavia, embora em uma realidade distinta da americana, no Brasil
também se detectam exemplos no âmbito da formação profissional,
demonstrando o entrançamento entre I.C. e a inteligência clássica e policial,
como é o caso do curso de especialização em inteligência de Estado e
inteligência de segurança pública, ofertado pela Fundação Escola Superior do
Ministério Público de Minas Gerais – FESMP/MG41, onde o primeiro tópico
estudado aborda a inteligência clássica, a produção do conhecimento e a
inteligência competitiva.
No entanto, não somente as universidades privadas americanas ou
brasileiras têm incluído a I.C. em sua grade curricular. As próprias
organizações de inteligência de Estado o têm feito. No caso da CIA42, a
formação de seus analistas envolve também o estudo de inteligência
competitiva (DAVIS, 200?, p.09), como uma das disciplinas obrigatórias.
Outro movimento por parte do governo americano tem sido o de
desenvolver análises comparativas (KRIZAN, 1999), visando obter as melhores
práticas desenvolvidas em I.C., com a finalidade de aperfeiçoar a formação de
seus analistas de inteligência.
Como exposto, percebe-se que existe uma convergência de perfis
profissionais entre o analista de Estado e o analista oriundo da I.C., em que a
formação dos mesmos, resguardando-se as especificidades de cada atividade,
caminha em um mesmo sentido. Tal convergência tende a propiciar um amplo
grau de sinergia, que tem permitido o avanço da atividade de análise,
41 Informações adicionais são encontradas no endereço: http://www.fesmpmg.org.br/curso_inteligencia.htm. 42 A Herman Kant School for Intelligence Analysis (DAVIS, 200?, p.09), é o órgão formador dos analistas de inteligência da Central Intelligence Agency – CIA
135
sobretudo quanto à diversificação de técnicas utilizadas com este fim, como
observamos ao longo deste trabalho.
136
CAPITULO IV
Conclusão
[…] the process of intelligence is easy; good intelligence is hard43.
Mark M. Lowenthal44.
Mediante análise desenvolvida neste trabalho, percebe-se que a I.C. e a
inteligência de Estado têm apresentado uma série de contribuições técnicas à
inteligência de segurança e policial, proporcionando variadas práticas úteis à
atividade de combate ao crime organizado no Brasil.
Em um momento de transformações institucionais, em que está posta a
necessidade da alteração do paradigma acerca dos objetivos da inteligência
policial, a utilização de novas técnicas representa a chance de se
instrumentalizar um novo fazer policial. Se o primeiro grande desafio posto é a
mudança de foco da atividade de inteligência de segurança e policial, migrando
do acompanhamento de movimentos sociais e de adversários políticos dos
governantes, para o combate às organizações criminosas que lesam o Estado
e a sociedade, sem dúvida alguma o segundo desafio é a instrumentalização
43 O processo de inteligência é fácil, boa inteligência é difícil. (Tradução nossa). 44 Extraído de: Bringing intelligence about: practitioners reflect on best practices. Washington: Joint Military Intelligence College. 2003.
137
técnica para fazê-lo. Não basta o simples desejo de combater o crime
organizado, uma vez que não se tenha o emprego de meios efetivos para
transformar as aspirações em realidade. Neste sentido, tão desafiador quanto
mudar os propósitos institucionais é criar instrumentos para lidar com desafios
nunca dantes enfrentados.
De fato, pela primeira vez na história do Brasil, estão sendo efetuadas
operações de combate ao crime organizado, a partir da Polícia Federal, em que
juízes, policiais e políticos corruptos, bem como empresários criminosos, estão
sendo afetados diretamente. Tais organizações possuem mecanismos
sofisticados para burlar o controle do Estado, a exemplo da lavagem de
dinheiro, da participação de funcionários públicos corruptos, do grande poder
econômico, do emprego de ameaças, da transposição das fronteiras nacionais,
dentre outros quesitos. Neste sentido, o aprendizado de novas técnicas de
inteligência, oriundas da inteligência governamental de outros países ou das
organizações, a partir da I.C., representa um passo primordial na consolidação
dos novos rumos de combate ao crime organizado no Brasil.
Como observa-se, diversas são as contribuições feitas ao estado da arte
no terreno da inteligência, a partir de agências de Estado, ou das organizações
privadas e universidades. Tais ferramentas, métodos e processos, se
absorvidos pelo Estado, significam a concretização de um novo momento na
conjuntura brasileira de avanço na construção da democracia. Em consonância
com isso, apresentaremos a seguir um conjunto de contribuições, alicerçadas
no decorrer desta monografia, visando indicar alguns pontos de aprendizado,
dentre vários possíveis, que permitam ao Estado fortalecer seus procedimentos
técnicos de combate às organizações criminosas.
138
4.1. Contribuições à inteligência policial
Nesta direção apresentaremos a seguir um conjunto de contribuições
processuais e metodológicas:
4.1.1. Utilização intensiva do processamento e da análise de informação
Ao contrário das organizações de Estado, ou da I.C., as instituições
responsáveis pela inteligência policial no Brasil tendem a subutilizar o momento
do processamento e análise de informações, deixando de maximizar sua ação,
uma vez que uma parcela significativa do que é coletado tende a não ser
aproveitada.
Com a proliferação de recursos de tecnologia da informação, além das
várias disciplinas de coleta permitidas ao Estado, tende-se a obter um volume
significativo de dados, contudo os mesmos não são processados
adequadamente e consequentemente não chegam sequer a serem analisados
e inseridos em um contexto mais amplo.
Contudo, por outro viés, percebe-se um grande enfoque das
organizações de inteligência estatais americanas quanto à necessidade de
investir e aprimorar o processo de análise, observando-se a mesma ação em
I.C. De acordo com o que observa Carter (2004):
Pieces of information gathered through the collection process are not intelligence. Rather, intelligence is the knowledge derived from the logical integration and assessment of that information and is sufficiently robust to enable law enforcement to draw conclusions related to particular crime45. (2004, p.63).
45 Pedaços de informações obtidas através do processo de coleta não se constituem como inteligência. Mais, inteligência é o conhecimento derivado da integração lógica e avaliação da informação e é suficientemente robusta para habilitar as organizações policiais a chegar a conclusões a respeito de determinado crime. (Tradução nossa).
139
Consequentemente, sob o olhar do autor não se pode considerar
inteligência a simples coleta de fragmentos de dados, sem que exista a junção
desses em uma coleção informacional, que mediante o processo analítico
venha a produzir um sentido mais amplo, possibilitando a identificação de
padrões de ocorrências, características organizacionais, processos e
indivíduos, que de forma isolada passariam despercebidos. Em suma, a visão
oficial do governo dos EUA acredita que “the key factor that transforms
information to intelligence is analysis46” (CARTER, 2004, p.57), não se
caracterizando como atividade de inteligência a simples coleta de dados e
informações.
Outra expressão da importância da atividade de análise dentro das
organizações de inteligência de Estado norte americanas é a ênfase no
incremento a esta atividade, sendo determinado como a maior prioridade do
Diretor Nacional de Inteligência, dentre as várias medidas de reestruturação
recomendadas pela Comissão de avaliação de capacidades dos Estados
Unidos obstruírem a utilização de armas de destruição de massa (2005, p.388).
Além disso, a CIA, principal agência de humint americana, possui um Diretório
específico para análise em sua estrutura, cuja única função é analisar as
informações obtidas por outros órgãos de inteligência, bem como por seu
diretório de operações. No caso do FBI, o mesmo, além de catalisar a doutrina
de análise de inteligência nas demais agências policiais americanas,
empregando-a intensivamente no combate ao crime organizado, está
aumentando ainda mais o enfoque nesta atividade, criando um setor de análise
46 O fator chave que transforma informação em inteligência é o processo de análise. (Tradução nossa).
140
estratégica, no diretório de inteligência, bem como novas posições de analistas
nos grupos de investigações de campo (2004, p.454).
No tocante à inteligência competitiva, a mesma relevância se observa
em relação ao papel da análise, haja visto inclusive o volume de técnicas
abordadas neste trabalho oriundas de I.C. relativas ao tema em questão. A
bem da verdade, como as organizações privadas são pautadas por um
ambiente extremamente competitivo, em que a existência organizacional
depende da capacidade de “[...] decifrar as forças e dinâmicas no meio
ambiente externo que moldam o futuro e que leiam o seu impacto na
organização” (CHOO, 2003, p.299), o ciclo de inteligência como um todo e o
processo analítico em particular são elementos basilares para a identificação
de características presentes, bem como de tendências futuras. Cabe observar
que o investimento de I.C. nas ferramentas de análise também pode ser
explicado pelo aumento exponencial de informações disponíveis em diversos
formatos de domínio público, e que a coleta sem a sistematização e avaliação
pode transformar imensas coleções de dados em simples amontoados de
símbolos alfanuméricos, uma vez que a existência da informação depende da
interação humana, e o conhecimento útil à organização irá, em boa medida
depender da capacidade analítica desta. Um bom exemplo do investimento das
organizações privadas em processamento de informações e inteligência
organizacional são os sistemas de armazéns de dados, abordados neste
trabalho, que portam um imenso volume de dados da organização para o
ambiente analítico.
Como se constata, um dos grandes passos que as organizações de
inteligência policial brasileiras devem dar é o investimento massivo em análise
141
de inteligência. Não basta criar mecanismos para coletar e armazenar
informações, ou mesmo compartilhar as mesmas, se não existir um ambiente
organizacional propício para que as informações possam de fato ser utilizadas,
gerando produtos que permitam combater organizações criminosas existentes,
ameaças externas à segurança nacional, além de instrumentalizar os gestores
do Estado com mecanismos para prevenir a ocorrência criminosa.
4.1.2. Sinergia no desenvolvimento e utilização de técnicas de análise
É premente a necessidade de interagir com outros setores de
inteligência, bem como com as organizações privadas e a universidade, de
forma a sempre desenvolver o estado da arte no terreno das técnicas de
análise.
Quando observamos as técnicas de inteligência empregadas atualmente
nos Estados Unidos, na Inglaterra, ou mesmo no Brasil, constata-se que existe
uma forte convergência de práticas entre I.C. e inteligência clássica,
principalmente em relação à análise, em que por vezes torna-se difícil
identificar qual área deu origem à determinada prática e onde ela se
desenvolveu.
Tomando como exemplo o desenvolvimento de cenários, o mesmo,
como já vimos, é um conceito elaborado pela RAND Corporation em meados
da década de 1950, sendo originalmente considerado um produto de
inteligência de Estado, relacionado ao relatório especulativo-evolutivo ou de
estimativa. No entanto, a utilização de tais cenários pelo próprio Estado foi
fortemente influenciada pela experiência bem sucedida da Shell, cujo nicho
mercadológico é o petróleo, e que mediante o emprego bem sucedido de
142
cenários conseguiu antecipar a cartelização dos preços na década de 1970,
com o decorrente aumento do valor do barril, bem como prever a crise na
cotação do produto durante a década de 1980. A partir da experiência da Shell
e de outras empresas, o uso de cenários se popularizou em diversas
organizações, inclusive no Governo, que lhe deu origem.
Mais uma prática que evidencia a sinergia entre I.C. e a inteligência
governamental são as técnicas de benchmark, cuja origem remonta ao meio
empresarial, mas que, entretanto tornou-se amplamente empregada na análise
de inteligência de Estado e de segurança, como instrumento de comparação da
evolução das tecnologias de armamentos ou a mensuração do estágio de
desenvolvimento de organizações criminosas.
Esse processo interativo entre o ambiente acadêmico, empresarial e
governamental, no segmento de inteligência, mais do que propiciado a cópia de
experiências bem sucedidas, tem permitido o surgimento de sinergias em
processos, como o caso das citadas técnicas de cenários ou de benchmark,
que trazem como saldo uma evolução de qualidade e não apenas de
quantidade, em que o resultado obtido representa mais do que a mera soma
das partes. Em seu bojo, esse processo de intercâmbio tem acelerado ainda
mais a evolução do saber nesta área de conhecimento.
Podemos concluir, portanto, que a exemplo da CIA, ou de diversas
instituições acadêmicas que formam analistas de inteligência, conhecer e
interagir com a I.C. não somente é importante como pode ser caracterizado
como fundamental para o desenvolvimento da atividade de inteligência. Aliás,
ambos os segmentos, Estado e I.C., necessitam do aprendizado comum.
143
4.1.3. Dinamismo no funcionamento e influência nas decisões
Observando as organizações que utilizam a I.C. para galgar posições
nas acirradas disputas de mercado, as instituições de inteligência policial têm
que ganhar agilidade nas respostas ao cliente, bem como credibilidade ao fazê-
lo.
Em consonância com a afirmação acima, a I.C. possibilita um outro tipo
de aprendizado de práticas relevantes para o campo estatal, que é o trabalho
em equipe e a fluidez de processos. Ao contrário das grandes organizações de
inteligência do governo, com estrutura e culturas extremamente hierárquicas,
em que os indivíduos são extremamente ciosos de sua posição funcional e
exigem o cumprimento de uma série de protocolos e processos, as equipes de
trabalho de I.C. se beneficiam de seu tamanho reduzido e da cultura das
organizações privadas, geralmente voltadas para o lucro. É mais fácil para um
analista de I.C. ter acesso ao processo decisório em uma empresa e
recomendar um curso de ação, do que o seu congênere dentro do Estado. Tal
diferença provavelmente é devida a um conjunto de fatores tais como: a cultura
vigente em várias empresas de pragmaticamente premiar idéias que dêem
retorno financeiro; a agilidade das pequenas equipes de I.C. em aproveitar
oportunidades, e a experiência operacional, comum a muitos profissionais da
inteligência competitiva, o que se traduz em experiência e, sobretudo
credibilidade para emitir opiniões/sugestões. Conforme ilustra Clark (2004,
p.06), é pouco provável que um analista da CIA tenha suficiente autoridade
profissional para orientar um general a mover seus batalhões para uma dada
posição ou a uma secretaria de Estado que ordene a seu embaixador o
estabelecimento de relações diplomáticas com rebeldes de Botswana. No
144
entanto, muitas oportunidades são perdidas e tragédias acontecem devido a
essas dificuldades.
O exemplo de I.C. indica: a utilização de pequenas equipes
multidisciplinares, a necessidade de experiência operacional por parte dos
analistas e a necessidade de acesso imediato aos níveis decisórios sem muitos
elos de intermediação.
4.1.4. Maximização do uso de fontes abertas de informação
Em relação à coleta de informações, em que a I.C. possui uma série de
limitações legais de acesso a dados se comparada às instituições
governamentais, também existe um potencial de aprendizado para os órgãos
estatais. Quando se considera que o ambiente de coleta de inteligência
competitiva é restrito as fontes abertas, e que as empresas e organizações
sobrevivem e praticam inteligência, podemos supor que a utilização de tais
fontes vem sendo maximizada.
Cabe observar, conforme anteriormente abordado, que já existe um
movimento por parte do Estado em aumentar a coleta nas referidas fontes,
dado o volume de informações disponíveis ao público, sejam pagas ou
gratuitas.
Considerando-se que a I.C. se desenvolve e sobrevive a partir da
utilização cotidiana de tais instrumentos, presume-se que o estudo detalhado
de sua obtenção e utilização possa significar o aprendizado de novos
processos para o Estado, de maneira a utilizarem-se adequadamente tais
mecanismos, que tendem a ser subutilizados, tendo em vista a diversidade de
fontes que a inteligência policial dispõe.
145
4.1.5. Controle de qualidade na coleta e análise
Um aspecto extremamente relevante à atividade de inteligência policial é
a qualidade dos dados obtidos e dos relatórios disponibilizados. Como
discutido anteriormente, uma peculiaridade dessa referida atividade é a de que
as informações produzidas além de informarem o cliente, na maioria das vezes
são utilizadas como meios de prova.
Dentro desta perspectiva, vimos alguns mecanismos utilizados pelas
instituições de inteligência clássica e competitiva como meio de garantia de
qualidade no produto final. Tais como, no momento da coleta, a classificação
de fontes de informação, em primárias, secundárias e terciárias, e a doutrina de
análise, que estabelece uma série de quesitos validando os relatórios de
inteligência antes de remetê-lo ao cliente, tais como, foco nas necessidades do
tomador de decisão, atuação impessoalizada e apartidária, rigor intelectual,
esforço consciente para evitar influências no processo de análise, abertura
para outras avaliações, utilização sistemática de especialistas externos,
responsabilidade coletiva pelas avaliações, comunicação clara e efetiva das
análises e julgamentos, honestidade na admissão dos desacertos e os quesitos
de antecipação, tempestividade, precisão, objetividade, usabilidade, relevância,
completeza.
Apesar de a inteligência policial ter técnicas para auferir qualidade a
seus produtos, os instrumentos utilizados em inteligência clássica e competitiva
representam um acréscimo bem vindo, que deve ser utilizado.
146
4.1.6. Gestão dos recursos informacionais
Utilizando-se intensivamente dos recursos e conceitos de gestão da
informação, as organizações de inteligência policial podem maximizar a
utilização das coleções de informações que possuem.
Um dos grandes desafios das organizações de inteligência de Estado é
a gestão das coleções de informações que são obtidas pelos diversos meios
técnicos de coleta. Considerando-se o grande volume de dados, a questão de
como geri-los torna-se essencial, uma vez que estes tendem a aumentar
exponencialmente. Cabe notar que a capacidade das organizações de
inteligência em produzir boas análises, sobretudo de longo prazo, relaciona-se
diretamente a qualidade da coleção disponível. No momento em que inexistam
coleções organizadas, inexistem informações acessíveis, e, portanto,
objetivamente é o mesmo que não se possuir a referida informação.
A complexidade do problema é demonstrada pelo relatório do governo
dos EUA, a partir do citado diagnóstico da Comissão de avaliação de
capacidades dos Estados Unidos obstruírem a utilização de armas de
destruição de massa (2005), acerca das falhas dos serviços de inteligência que
propiciaram o ataque terrorista de 11 de setembro de 200147. No citado ataque
já existiam no sistema de informações dos órgãos de inteligência americano,
principalmente a CIA e o FBI, várias pistas desconexas, mas que em conjunto
demonstrariam claramente a intenção e o tipo de ataque. Contudo, como tais
informações se encontravam dispersas em vários sistemas, com várias mídias,
e diversos mecanismos de organização e recuperação, mesmo existindo
fisicamente, não estava disponível aos tomadores de decisão no momento 47 No referido ataque, imputado à rede terrorista Al Qaeda, três aviões comerciais foram atirados contra prédios americanos, no caso as duas torres do World Trade Center e o prédio do pentágono, provocando a morte de aproximadamente três mil pessoas.
147
oportuno. Se ponderarmos que inteligência se caracteriza pela disponibilização
de informação acionável, portanto utilizável, verificamos que as referidas
informações não se tornaram acionáveis a tempo, o que demonstrou
claramente as falhas no sistema de inteligência americano no tocante à
gerência da informação coletada. Como aprendizado, as agências de
inteligência dos EUA estão desenvolvendo um ambicioso programa de
integração de dados e plataformas tecnológicas, de forma a padronizar os
mecanismos de organização e disponibilização das informações coletadas.
Em relação à inteligência policial no Brasil, mais importante ainda são a
adoção de tais medidas, uma vez que os sistemas de informações de
inteligência brasileiros são totalmente fragmentados e desconexos,
impossibilitando uma mínima integração de dados e informações que o Estado
tenha armazenado.
Novamente a experiência oriunda de I.C. pode ser apresentada como
uma alternativa. A partir da utilização das técnicas de gestão da informação,
como várias organizações já o fazem cotidianamente, e de acordo com o
demonstrado em tópico específico desta monografia, se pode maximizar a
organização da informação bem como a disponibilização da mesma para
análise e para os tomadores de decisões.
4.1.7. Sistema de gestão do conhecimento
Outra lacuna dos órgãos estatais de inteligência diz respeito ao emprego
de técnicas para gerir o conhecimento disponível dentro da organização. Uma
das grandes dificuldades consiste em transformar o conhecimento tácito, ou
seja, o conhecimento adquirido com a experiência cotidiana, em conhecimento
148
explícito, seja este escrito ou verbalizado, de maneira que o mesmo possa ser
compartilhado e conseqüentemente utilizado por outrem.
Um exemplo das deficiências dos organismos de inteligência policial
neste quesito é o desenvolvimento e gestão de contatos. É comum que um
indivíduo possua uma série de relacionamentos pessoais, desenvolvidos ao
longo da vida profissional, a partir do órgão em que trabalha. Contudo, uma vez
que tais relacionamentos não são incorporados ao patrimônio informacional da
organização, tendem a se perder com o afastamento, transferência ou
aposentadoria do referido funcionário.
Mais uma demonstração da necessidade de gerir o conhecimento se dá
com o aprendizado de tarefas que envolvam a experiência cotidiana de
profissionais. Muitas vezes um analista de inteligência desenvolve um conjunto
de procedimentos e metodologias próprias para chegar a algumas conclusões
analíticas. Tais procedimentos surgiram a partir da necessidade de resolver
problemas no dia a dia, que até poderiam ter sido enfrentados anteriormente
por outro analista, mas uma vez que não foram explicitados foram perdidos
para a organização. Esse analista possui um valioso conjunto de informações
pessoais, contudo, se tais informações não forem explicitadas para os demais
analistas, tendem a se perder, do ponto de vista organizacional. Uma
passagem do projeto segurança pública para o Brasil (2002), bem ilustra esse
problema:
É verdade, os policiais sabem muito, sobretudo os mais experientes, tanto os investigadores da Polícia Civil, quanto os policiais militares, responsáveis pelo policiamento ostensivo. Entretanto, o que eles sabem está guardado em suas consciências e em suas memórias individuais. Quer dizer, todo esse patrimônio de conhecimentos está disperso e permanece inacessível. ( 2002, p.27)
149
Existe uma série de iniciativas por parte de instituições de administração
pública federais, direta e indireta, em implantar modelos de gestão do
conhecimento (BATISTA, 2004, 2005), a exemplo das iniciativas do Ministério
da Justiça. Entretanto a atividade de inteligência se ressente de um projeto
direcionado aos setores que trabalham desenvolvendo operações de
inteligência, em particular a inteligência policial, tendo em vista as
características específicas de tais processos, como é o caso do sigilo.
4.1.8. Análise de estimativas e cenários futuros
Faz-se necessário que a inteligência policial diversifique e amplie os
produtos de inteligência que fornece, a exemplo das organizações de
inteligência de Estado, como a CIA, de forma a atender várias especificidades
informacionais que atualmente se encontram preteridas.
Um exemplo relevante se dá a partir da inteligência de Estado, em que
diversos produtos informacionais são elaborados. São disponibilizados
resumos correntes de conjuntura, relatórios temáticos aprofundados, alertas
antecipados e análises de estimativas, estando contido nestas últimas a
elaboração de cenários.
Tal diversidade permite ao tomador de decisão um conjunto de
instrumentos bastante diversificado que lhe assessoram. Contudo, no tocante à
inteligência policial, não existe ainda uma disponibilização desta variedade de
produtos para os indivíduos que estão ocupando postos de direção.
Na conjuntura atual são produzidos relatórios temáticos, cujo assunto é
a organização criminosa em questão, objetivando subsidiar as operações de
inteligência policial. Também são confeccionados relatórios diários sobre os
principais acontecimentos criminais no país, informando aos gestores o que
150
acontece do cotidiano. Todavia, os produtos envolvendo análise de estimativas,
que no terreno da análise policial relacionam-se à criminologia, não são
elaborados periodicamente, sendo desenvolvidos, quando o são, muitas vezes
por iniciativa de pequenas equipes e não como demanda institucional.
A ausência de cenários e estimativas relativas ao crime organizado,
sobretudo no âmbito federal, dificulta o planejamento governamental tático e
estratégico, atrapalhando a elaboração de políticas públicas de médio e longo
prazo voltadas para a área. Cabe ponderar que os recursos públicos são
escassos, e a correta aplicação destes em ações que tenham maior
probabilidade de resultados satisfatórios pode fazer uma significativa diferença
para a sociedade. De acordo com Sherman (2003, p.244):
Um chefe de polícia, como um médico chefe estaria muito mais preocupado com as análises do crime, especialmente as cadeias de causalidade e tendências epidemiológicas emergentes. Um chefe de controle do crime atacaria tais cadeias de causalidade onde houvesse um ponto vulnerável.
Tal visão do autor corrobora a necessidade de focar a ação do Estado
em ações centrais, no caso as cadeias de causalidade, mediante a análise de
tendências, de forma a não dispersar o emprego de recursos orçamentários.
Contudo, a prevenção do cometimento de crimes torna-se uma atividade
praticamente impossível, uma vez que não se conte com a elaboração de
padrões de ocorrências, permitindo a indicação de regiões onde as incidências
sejam elevadas, bem como o tipo de delito praticado, de forma que as
instituições de segurança pública responsáveis possam tomar medidas
preventivas. Um relato interessante sobre a utilização de estimativas de
ocorrência criminosa vem da polícia de Minneapolis, EUA, onde se descobriu
em 1986, mediante a análise de 323 mil chamados, que “um pequeno número
de lugares produziu a maior parte dos crimes da cidade” (SHERMAN, 2003,
151
p.196). No caso, apenas 3% dos locais produziram 50% das demandas para a
polícia. Além disso, se descobriu também que 5% dos endereços da cidade
provocaram 100% dos chamados para crimes de autoria desconhecida. Em
decorrência desse tipo de análise de estimativas, em que se pode tentar
antever os fenômenos futuros a partir da análise do passado, o Estado
maximiza sua ação intervindo onde interessa. Certamente, constatações
análogas podem ser feitas a crimes contra o Estado, como o desvio de verbas
públicas.
Neste sentido, a produção de estimativas sobre a ação e evolução de
grupos organizados que atuam desviando recursos públicos, traficando drogas,
armas e seres humanos, ou mesmo assaltando bancos, pode significar a
possibilidade de o Estado agir antes do cometimento do dano, que muitas
vezes pode ser irreversível.
4.1.9. Construção de um sistema de alerta antecipado
Outro serviço informacional característico da inteligência de Estado e da
I.C., mas ausente da produção de inteligência policial brasileira, é a confecção
de alertas, antecipando ameaças à sociedade e à segurança nacional.
Ao longo do tempo, são muitos os exemplos históricos das
conseqüências de falhas de um sistema de alerta antecipado, no tocante à
segurança nacional, como é o caso do ataque terrorista de 11 de setembro de
2001, em que não se conseguiu impedir a colisão de três aviões contra prédios
americanos, ou mesmo do ataque surpresa japonês a base americana de Pearl
Harbor em 1941, provocando a entrada dos EUA na segunda guerra mundial.
Da mesma forma existem exemplos históricos do emprego positivo do
alerta antecipado, que impediram sérios ataques à segurança nacional, como
152
foi o caso da identificação dos mísseis de longo alcance soviéticos instalados
em Cuba, com vistas a possíveis ataques aos Estados Unidos.
Em um mundo globalizado e interconectado, repleto de conflitos globais,
a necessidade de se identificar oportunidades e ameaças é uma tarefa
fundamental dos organismos responsáveis pela segurança do Estado ou pela
sobrevivência de uma determinada empresa. As ameaças são múltiplas,
podendo ser econômicas, militares, sociais, tecnológicas ou políticas, bem
como em nível tático, em que ocorrem ações imediatas, como um atentado ou
estratégicas, em que ações atuais significarão ameaças futuras (DAVIS, 2002,
2003).
No caso brasileiro, apesar da aparente distância dos cenários de conflito
entre as organizações islâmicas fundamentalistas contra os EUA e aliados, tal
distância não é garantia de que o Estado nacional não venha a sofrer ações na
citada guerra. Na verdade, cogita-se que o Brasil possa vir a sofrer ataques,
principalmente em alvos locais norte americanos, israelenses ou europeus, na
medida em que o recrudescimento da disputa em outras áreas torne difíceis
tais ataques nessas regiões, ou mesmo como demonstração de onipresença
pelo mundo (DINIZ, 2004).
Neste sentido, cabe ressaltar ainda que existem diversas outras
ameaças estratégicas pairando sobre o Estado brasileiro, sejam essas no
ambiente externo, com a guerra civil colombiana, o fornecimento de gás da
Bolívia48, ou os enfrentamentos entre esquerda e direita na Venezuela, como
48 O governo brasileiro foi pego de surpresa pela nacionalização das empresas que exploram o gás natural boliviano, dentre elas a Petrobrás, uma empresa estatal. Tal acontecimento, desenvolvido durante o ano de 2006, além de afetar o patrimônio do Estado, também afeta a economia uma vez que a Bolívia é o principal e praticamente único fornecedor de gás natural para o mercado brasileiro. Observa-se que vários indicadores da referida nacionalização já
153
no ambiente interno com as ações do crime organizado, a exemplo dos
ataques do PCC49 em São Paulo.
Contudo, a necessidade de se estruturar um serviço de alerta
antecipando envolvendo o sistema de segurança pública e particularmente os
órgãos de inteligência policial, pode ser apontado como premente. Os modelos
disponíveis, baseados na inteligência clássica e na competitiva, podem e são
excelentes parâmetros para estruturação de tais processos.
4.2. Considerações finais
Esse trabalho buscou identificar as raízes da atividade de inteligência
brasileira, bem como identificar sua evolução até o presente momento, com as
operações de inteligência realizadas pela Polícia Federal, apontando a
ocorrência de um singular movimento de mudanças de paradigma, em que a
sociedade repactua a função de uma polícia judiciária, buscando construir uma
instituição cidadã. Dentro deste prisma, não basta tão somente constatar a
necessidade de mudanças, como também apresentar o instrumental técnico
para fazê-lo. Neste sentido, em um segundo momento do trabalho, foi
apresentado um conjunto de técnicas e conceitos de inteligência que podem
ser instrumentos valiosos no sentido de fortalecer a dinâmica de
transformações, a partir do desenvolvimento e aperfeiçoamento da prática do
dia a dia das operações de inteligência policial.
Se, conforme descreve Mir (2004, p.425):
estavam postos, uma vez que tal tema era item do programa de vários candidatos a presidente da república boliviana. 49 O Primeiro Comando da Capital – PCC, organização criminosa formada por presidiários realizou uma série de ataques a policiais e órgãos públicos em São Paulo, durante o ano de 2006, com o objetivo de negociar concessões por parte do Estado. Tanto em sua violência, quanto no tocante a organização e extensão dos ataques, o governo foi pego de surpresa, conseguindo reagir alguns dias mais tarde.
154
[...] Uma polícia democrática, desmilitarizada, preventiva, étnica e pacificadora se transformaria automaticamente num inimigo interno formidável para o Estado; com sua prática universal e legalista, seguimento estrito e inflexível do cumprimento da lei por todos os cidadãos quebraria a secular impunidade de setores públicos e privados. (2004, p.425).
Pode ser que com avanços tais como a mudança de paradigma das
organizações de inteligência policiais, em se consolidando o atual caminho de
combate ao crime organizado e enfrentamento da corrupção dentro do Estado,
estejamos dando mais alguns saltos em direção à utopia erigida por Mir, de se
ter uma polícia a serviço de toda a sociedade de fato, e não somente à
disposição de uma elite que a utiliza pra reprimir a diferença, mantendo os
miseráveis se matando em sua própria indigência, e sequer tocando nos
grandes criminosos que dilapidam o Estado, roubam o patrimônio público,
eternizam as desigualdades sociais e seqüestram a esperança de um futuro
menos injusto.
155
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