aplicando metáforas físicas no repertório coral

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Metáforas e regência

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  • Linguagens - Revista de Letras, Artes e Comunicao ISSN 1981-9943 Blumenau, v. 5, n. 2, p. 153-166, mai./ago. 2011

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    APLICANDO METFORAS FSICAS NO REPERTRIO CORAL

    APPLYING PHYSICAL METAPHOR IN CHORAL REPERTORY

    Roberto Fabiano Rossbach

    Mestre em Musicologia pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)

    Professor do curso de graduao em Artes-Msica da Universidade Regional de Blumenau (FURB)

    Professor da Escola de Msica do Teatro Carlos Gomes de Blumenau

    Regente da Orquestra da FURB e da Orquestra Preldio do Teatro Carlos Gomes de Blumenau

    [email protected]

    RESUMO

    Neste artigo, objetiva-se demonstrar a aplicao de metforas no repertrio coral, como um

    recurso didtico para o ensaio, na compreenso e memorizao de sensaes fsicas,

    auxiliando na resoluo de problemas tcnicos apresentados pelas obras. Os exemplos

    musicais citados partem da experincia concreta da aplicao deste recurso didtico em dois

    coros comunitrios da cidade de Blumenau, com os quais este autor desenvolveu a atividade

    de regncia e direo artstica durante treze anos.

    Palavras-chave: Metforas. Canto coral. Educao musical coral. Repertrio coral. Regncia

    coral.

    ABSTRACT

    This paper has the aim to show the metaphors use in choral repertory, as a didactic appeal to

    the assay, on comprehension and physical sensations memorizing, helping to solve technical

    problems on the works. The musical examples here presented are part of true experiences of

    these didactic appeals in two common chorals of Blumenau, where the author had developed

    the regency activity and artistic direction for thirteen years.

    Key-words: Methaphors. Choral songs. Choral musical education. Repertory choral. Choral

    regency.

    1 INTRODUO

    A utilizao de metforas no ensino de msica pode ser um recurso didtico

    interessante para o professor e auxiliar na compreenso de conceitos abstratos. muito

    comum a utilizao deste recurso, muitas vezes, de forma inconsciente por parte do professor,

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    no ensino de instrumentos musicais, como mostrou a pesquisa do professor Renato Mr, da

    Universidade Regional de Blumenau (FURB), em sua dissertao de mestrado: Metforas no

    Ensino de Instrumentos Musicais, de 2004.

    No que se refere voz cantada ou, mais especificamente, ao canto coral, o

    entendimento de determinados conceitos pode se tornar complexo. A utilizao da metfora

    para explicar determinada habilidade pode se tornar um recurso ainda muito abstrato,

    principalmente pelo fato de que os coros em atividade na regio de Blumenau so formados

    basicamente por cantores amadores.

    A utilizao de metforas fsicas, sugerida por Ramona Wis em um artigo de 1999*,

    traduzido por Edson Carvalho em 2003, pode ser um recurso didtico muito eficiente para o

    desenvolvimento de questes relacionadas tcnica vocal e sua aplicao no ensaio do

    repertrio coral.

    Durante o trabalho com dois coros comunitrios da cidade de Blumenau (SC) foram

    realizados vrios concertos com os dois grupos, com um repertrio individual e em conjunto.

    Os dois coros realizaram, entre 1994 e 2006, concertos com instrumentistas convidados,

    apresentando um repertrio de pequena mdia dificuldade tcnica e interpretativa, sendo

    alguns exemplos considerados pelo grupo como desafios a serem enfrentados. A utilizao do

    recurso das metforas foi elemento decisivo para a realizao do repertrio proposto.

    Neste artigo, sugere-se a utilizao de algumas metforas fsicas que foram aplicadas

    a um repertrio especfico, apresentando as dificuldades tcnicas a serem resolvidas, ensaiado

    pelos dois grupos de Blumenau.

    2 AS METFORAS

    Da a poca de Aristteles at o sculo XIX, as discusses sobre metforas estavam

    inseridas nos tratados de retrica. No tempo de Aristteles, a metfora era vista como uma

    teoria da substituio, ou seja, a substituio do nome de um objeto pelo nome de outra coisa.

    Na retrica clssica, a metfora era vista como um desvio na significao das palavras e, no

    sculo XX, ela aparecia em uma grande quantidade de publicaes sobre este tema. Segundo

    Mr (2004), as teorias sobre metforas desenvolvidas, principalmente na segunda metade do

    * O artigo de Ramona Wis foi publicado originalmente na edio de 1999 do Choral Journal, pginas 25-33, e traduzido

    por Edson Carvalho em 2003, para a Revista Canto Coral, que uma publicao da Associao Brasileira de Regentes de

    Coros.

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    sculo XX, deslocaram a metfora de seu assentamento meramente lingustico para uma

    concepo epistemolgica, ou seja, deixou de ser vista como um desvio da linguagem para

    assumir uma funo cognitiva essencial (MR, 2004, p. 22).

    Algumas fronteiras entre linguagem literal e linguagem metafrica vm sendo

    dissipadas, colocando a prpria linguagem e os signos como sendo elementos metafricos.

    Assim, os posicionamentos que se alternavam sobre a concepo da realidade, o objetivismo e

    o subjetivismo, do lugar a uma sobreposio de verdades no excludentes que constitui uma

    terceira posio perante a realidade (MR, 2004, p. 22).

    As duas tendncias antagnicas na concepo da realidade so discutidas por Lakoff

    e Johnson (2002), ante a polarizao formada pelo objetivismo e subjetivismo, propondo uma

    terceira viso. Segundo estes autores, o sistema conceptual humano metafrico por natureza,

    no havendo verdade inteiramente objetiva, incondicional ou absoluta.

    Eles identificam que existem aqueles que aceitam a verdade absoluta sem

    questionamento, na qual uma coisa significa exatamente o que eu quero que ela signifique,

    nem mais nem menos (LAKOFF; JOHNSON, 2002, p. 93), e existem outros que aceitam a

    viso romntica em que cada indivduo cria a sua prpria realidade, sem qualquer restrio

    (LAKOFF; JOHNSON, 2002, p. 294).

    As ideias de Lakoff e Johnson contriburam para a ruptura do paradigma que

    deslocou a metfora do enfoque objetivista para um enfoque epistemolgico, relacionando a

    linguagem e a cognio com a concepo que os seres humanos tm da realidade (MR,

    2004, p. 40).

    A elaborao de uma metfora dentro de ambientes de educao no constitui apenas

    um acessrio argumentativo com funes retricas, mas sua compreenso indispensvel no

    processo de formao do conhecimento e serve como ferramenta para superar limitaes

    cognitivas, levando em considerao a comunidade onde ocorrem os atos discursivos (MR,

    2004).

    Em 2004, Mor pesquisou como eram utilizadas as metforas no ensino de

    instrumentos musicais na fala de professores de uma escola de msica de Blumenau. Na

    pesquisa foram utilizadas abordagens e conceitos com a viso do discurso em suas conexes,

    com a cognio, a subjetividade e as emoes. Uma das formas de classificar a interpretao

    musical relacion-la s questes que envolvem processos fsicos. Outra forma abrange

    conceitos e ideias da compreenso que o intrprete tem da pea musical, cujos aspectos so

    considerados, pelos professores de msica, aspectos tcnicos e musicais.

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    Na referida pesquisa, observou-se a utilizao de metforas que abrangem desde

    aspectos abstratos e conceptuais at aspectos concretos da realidade fsica, sendo estes ltimos

    particulares e que servem especificamente ao ensino de cada instrumento. Foi possvel

    perceber que os professores utilizam metforas aliadas a explicaes literais e demonstraes

    prticas com o objetivo de, segundo MR (2004), ressaltar alguns aspectos que o professor

    deseja destacar, seja para corrigir procedimentos ou para apresentar aspectos tcnicos e

    musicais (p. 90).

    2.1 AS METFORAS FSICAS

    Como salienta Mr (2004), os aspectos concretos da realidade fsica so particulares

    ao ensino de instrumentos musicais, no qual explicaes literais esto aliadas a demonstraes

    prticas sendo, ento, experincias fsicas.

    Como complementao da abordagem de Mr (2004) sobre a utilizao de metforas

    no ensino de instrumentos, Ramona Wis (1999) salienta que a utilizao de metforas verbais,

    em um ensaio de coro, por exemplo, apresenta limitaes como ferramentas de ensino,

    ocasionando m compreenso do verdadeiro significado da metfora:

    os cantores podem muito facilmente interpretar mal as palavras, no importa quo

    pitorescas ou criativas elas sejam. Construa a frase pode significar, para um corista, fazer um grande crescendo, enquanto para outro pode significar cantar bem

    ligado. Referncias tidas como universais podem acionar vrias imagens mentais e

    resultados distintos. Alm disso, palavras no produzem ao de forma automtica,

    mesmo nos melhores grupos corais. Sem alguma coisa concreta, na qual possam se

    concentrar os coristas com frequncia se desligam do regente, perdem a ateno, ou

    participam de forma mnima da atividade em questo (WIS, 1999 apud

    CARVALHO, 2003, p. 06, grifo do autor).

    Lakoff e Johnson tambm partem do princpio de que os conceitos esto

    fundamentados nas experincias fsicas para organizar o nosso pensamento mais abstrato.

    Segundo estes autores, a nossa experincia com substncias e objetos fsicos propicia outra

    base para a compreenso (LAKOFF e JOHNSON, 2002, p. 75).

    Ramona Wis prope a utilizao de metforas fsicas no ensaio coral, baseado em

    gestos para o desenvolvimento de habilidades vocais e da compreenso musical (WIS, 1999

    apud CARVALHO, 2003, p. 07). A autora ento conceitua que uma metfora fsica

    qualquer gesto ou movimento capaz de levar essncia da ideia musical e envolver os

    cantores de uma forma concreta e corporal (WIS, 1999 apud CARVALHO, 2003, p. 07).

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    3 EXPERINCIA COM DOIS COROS DE BLUMENAU (SC)

    A seguir relata-se a experincia deste autor com um trabalho de regncia coral

    realizado, durante treze anos, com dois coros de uma mesma comunidade. O primeiro grupo

    era ligado a uma sociedade de caa e tiro, o segundo grupo era integrante da comunidade

    luterana, estabelecida no bairro Testo Salto, na cidade de Blumenau (SC). O coro ligado

    sociedade de caa e tiro, j com mais de noventa anos de existncia, era formado por cantores

    mais velhos, estando a sua grande maioria na mdia dos cinquenta e cinco anos de idade, com

    alguns na casa dos setenta e cinco anos. O segundo grupo era formado por indivduos entre

    quinze e trinta e sete anos, sendo que alguns possuam conhecimentos bsicos de msica,

    tendo sido musicalizados na infncia.

    Anualmente, os dois grupos realizavam apresentaes individuais, com repertrio

    diversificado. No final de cada ano, organizava-se um concerto em conjunto, com a

    contratao de instrumentistas, realizando um programa mais tradicional e de maior

    dificuldade. Os ensaios durante o ano dividiam-se entre preparao do repertrio individual,

    para atender as apresentaes durante o ano, e a preparao deste concerto em conjunto.

    No preparo do repertrio destes concertos, que exigia tecnicamente muito dos

    cantores e que os mesmos consideravam como um desafio bom de ser enfrentado, sempre foi

    necessria a utilizao de diversas estratgias didticas. Dentre elas, a utilizao de recursos

    de udio para ensaios de naipes, retiros para a concentrao dos trabalhos e tambm a

    integrao dos cantores. Somava-se a isso um trabalho de preparao tcnica do grupo,

    mediante as dificuldades apresentadas pelo repertrio desafiador. Assim, contribuiu muito

    para o sucesso do trabalho a utilizao de metforas fsicas para a compreenso de

    determinados elementos apresentados pelo repertrio escolhido, no que diz respeito tcnica

    vocal.

    3.1 APLICAO DE METFORAS FSICAS NO REPERTRIO CORAL

    Wis (1999 apud CARVALHO, 2003) sugere uma lista de repertrio de gestos, com

    descrio, aplicao e benefcios da utilizao de metforas fsicas no ensaio coral. No

    preparo dos concertos de final de ano dos dois coros comunitrios de Blumenau citados

    anteriormente foram aplicadas algumas metforas fsicas, especialmente nos ensaios de

    carter mais tcnico. Algumas metforas foram baseadas na lista elaborada pela autora

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    supracitada. Entretanto, com o transcorrer dos ensaios, o regente dos coros passou a elaborar

    algumas estratgias prprias, utilizando as metforas especficas para a soluo de problemas

    tcnico-vocais apresentados pelo repertrio escolhido.

    Uma das peas escolhidas foi um Gloria, do compositor clssico Joseph Haydn

    (1732-1809), para coro e acompanhamento de piano. Esta pea inicia com um unssono em

    todos os quatro naipes, em que apresentado o texto inicial Gloria in Excelsis Deo. (Fig. 1).

    Estes dois primeiros compassos, devido ao ritmo e variao do texto, exigem que o coro

    cante de forma bem articulada. Wis (1999) prope a metfora fsica golpes de carat, na qual

    o grupo dever cantar e fazer movimentos rpidos de carat com as duas mos colocadas

    verticalmente em frente ao corpo, a fim de que o cantor entenda que a passagem deve ser

    cantada da forma mais articulada possvel.

    Figura 1: Gloria (comp. 1-2) - Joseph Haydn

    Em obras vocais muito lentas, muitas vezes, ocorrem problemas de preciso rtmica

    por dificuldades de sustentar as notas longas e manter a intensidade ou energia durante a frase

    musical. Para auxiliar na sensao da subdiviso das notas longas, sugere-se que se bata

    palmas leves com as mos, marcando as menores subdivises da frase. Uma sugesto de

    aplicao desta metfora fsica no repertrio coral pode ser o primeiro movimento da obra do

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    Perodo Barroco Italiano, Magnificat de Antonio Vivaldi (1678-1741), conforme mostrado na

    figura 2. Este trecho da obra apresenta um adagio que exige do cantor, alm de uma preciso

    nas notas longas, a manuteno da energia sonora da linha meldica.

    Figura 2: Magnificat (comp. 1-4) - Antonio Vivaldi

    Em obras que exigem abertura da boca, principalmente nas vogais e, a e u, desejando

    que o som no seja rasgado ou aberto demais, pode-se colocar o dorso da mo com os

    dedos virados para baixo nas mandbulas e, assim, estimular a soltura do queixo. Aliando esta

    metfora fsica a outros enunciados metafricos como cante como o b tche do gacho ou

    cante como Tim Maia, que possua uma qualidade vocal baseada no relaxamento da laringe,

    tambm auxiliaram na compreenso da sonoridade com espao solicitada ao coro no ensaio da

    pea sacra Laudate Omnes Gentes de autor desconhecido (fig. 3).

    Figura 3: Laudate Omnes Gentes (comp. 1-4) Autor Desconhecido

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    Uma grande dificuldade para coros amadores a realizao de obras polifnicas do

    repertrio do sculo XVI, em que a questo mtrica fica em segundo plano e a frase musical,

    subjugada pelo texto, se torna a mais importante a ser enfatizada. No Sicut Cervus de

    Giovanni Perluiggi da Palestrina (1525/6-1594), mostrada na figura 4, o tema principal,

    identificado pelas setas, caminha em todas as vozes e em nenhum momento se funde

    homofonicamente entre os naipes. Para enfatizar e chamar ateno para as entradas dos

    naipes pelo prprio naipe ou pelos outros, pode-se pedir para que os cantores levantem da

    cadeira ou levantem o brao ao apresentarem o tema.

    Figura 4: Sicut Cervus (comp 1-17) - G. P. Palestrina

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    Outro momento de grande dificuldade de realizao para o coro, e um momento

    crucial e importante, diga-se de passagem, so as terminaes com as consoantes, em especial

    o s. Na obra citada acima (Sicut Cervus), o ltimo acorde do coro termina com um longo

    melisma sobre a palavra Deus, terminando sobre a slaba us com uma fermata (fig. 5). Para

    criar uma terminao precisa, especialmente de consoantes como o problemtico s, Wis

    (1999) sugere bater levemente com o dedo indicador de uma mo na palma da outra no

    momento da terminao do som e juntar rapidamente o polegar e o indicador no momento da

    terminao.

    Figura 5: Sicut Cervus (comp. 52-58) - G. P. Palestrina

    O hino da coroao Zadok the Priest, de Georg Friedrich Haendel (1685-1759), para

    coro e rgo, inicia com uma longa introduo do rgo em um constante crescendo, que

    conduz as frases para uma grande exploso na entrada do coro, exigindo muita energia,

    projeo e preciso no ataque (fig. 6). Para conseguir clareza nesta entrada e criar um bom

    som unssono e focalizado no naipe, a sugesto que o coro lance um dardo imaginrio para

    um ponto focal sua frente e, assim, adquira a preciso e a energia necessrias.

    Para enfatizar uma entrada ou destacar uma pausa pode-se bater o p no tempo

    especfico desejado. No dcimo segundo movimento do Gloria de Antnio Vivaldi (1678-

    1741) aparece uma frase em contraponto ao tema principal (fig. 7). O movimento inicia com o

    naipe dos baixos no tema principal, seguido do soprano em uma segunda ideia em

    contraponto, com uma subdiviso em quartos de tempo, iniciando com uma pausa. Esta pausa

    deve ser enfatizada para ocorrer uma entrada precisa do naipe, o que torna possvel utilizar a

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    metfora fsica da batida do p na pausa em questo. Aps a apresentao dos dois temas em

    contraponto destes naipes citados, o mesmo ocorre com o contralto no tema principal e o

    tenor no tema secundrio, da mesma forma, o tema secundrio, que est subdividido, e

    iniciando com a referida pausa, aparece durante todo o restante da pea.

    Figura 6: Zadok the Priest (comp. 1-3 e 23-26) - G. F. Haendel

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    Figura 7: XII Cum Sancto Spiritu (comp. 1-6) - Gloria - Antonio Vivaldi

    As sugestes de Ramona Wis podem suscitar a criao de outras metforas fsicas

    para o ensaio coral no decorrer do trabalho e, tambm, na medida em que aparecem as

    dificuldades no repertrio. Desta forma, outras ideias fizeram parte do ensaio das obras

    realizadas com os dois grupos de Blumenau. Entre os compassos 40 e 48 do primeiro

    movimento do Gloria de Antnio Vivaldi (1678-1741), aparece uma longa frase nos quatro

    naipes, com cromatismos descendentes que facilmente comprometem a afinao, caso os

    cantores no atentem para a manuteno do apoio da voz (fig. 8). A metfora fsica sugerida,

    aplicada com timo resultado, foi cantar a frase cromtica descendente, ao mesmo tempo

    elevando a mo com a palma virada para cima, estabelecendo uma conduo de direo

    contrria linha meldica. Esta estratgia pode auxiliar na manuteno da afinao.

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    Figura 8-I: Gloria in excelsis Deo (comp. 40-48) - Gloria - Antonio Vivaldi

    Quando necessrio manter a afinao em peas a capella, ou seja, sem

    acompanhamento instrumental, e conseguir a manuteno do apoio da voz em finais de frase

    como a pea do Perodo Colonial Brasileiro Domine Jesu, de Manuel Dias de Oliveira (1745-

    1803) (fig. 9), pode-se utilizar a seguinte metfora fsica: puxar um fio de cabelo com o

    polegar e o indicador para cima, tentando desta forma, manter o som suspenso sem deixar

    cair o apoio.

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    Figura 9: Domine Jesu (comp. 1-6) - Manuel Dias de Oliveira

    4 CONSIDERAES FINAIS

    Na comunicao musical entre os agentes que fazem msica ocorre a utilizao de

    metforas como, por exemplo, cair o tom, som suspenso, som frouxo etc. Observa-se que a

    utilizao de metforas fsicas, ou apenas conceptuais, perfeitamente comum num ensaio

    coral, mesmo sem que se perceba sua utilizao. Levando em conta a utilizao de

    elaboraes metafricas como recurso de linguagem, auxiliando no ensino de instrumentos

    musicais como ocorre na pesquisa de Mr (2004), supe-se que a utilizao de metforas

    fsicas como recurso didtico no ensaio coral pode ser muito mais eficiente pela sua

    caracterstica fsica. Elaborar uma metfora, aliando esta a um gesto corporal, pode deixar

    mais fcil a compreenso da habilidade a ser trabalhada, em especial com cantores leigos.

    Na integrao da tcnica vocal com o repertrio pode-se utilizar as metforas fsicas

    para desenvolver ou fundamentar aspectos tcnicos da obra a ser ensaiada. As metforas

    fsicas podem ser elementos concretos para desenvolver no somente as habilidades tcnicas

    em si, mas tambm a pronta resposta dos cantores, ao se lembrarem dos gestos fsicos

    trabalhados durante os ensaios, no momento da realizao do repertrio.

    O sucesso do trabalho com os coros de Blumenau sempre foi coroado com as

    grandes apresentaes de final de ano, organizadas pelo grupo, sendo um desafio, na opinio

    dos prprios cantores, a motivao nos encontros semanais para os ensaios, com certeza,

    momentos importantes para o alcance dos objetivos. Isso corrobora a afirmao de Figueiredo

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    (1990) de que no se pode perder de vista que a performance o reflexo de um momento

    anterior o ensaio e se ela no bem sucedida, algo est insuficiente na compreenso ou na

    preparao do grupo (p. 3). Figueiredo (1990) tambm considera que a tcnica vocal pode

    ser entendida como um recurso na aprendizagem coral. Tem por objetivo facilitar a realizao

    vocal alm de desenvolver os vrios mecanismos fsicos envolvidos no ato de cantar (p. 7).

    Alm disso, necessria a perfeita integrao do trabalho vocal com o repertrio para que os

    resultados sejam satisfatrios.

    REFERNCIAS

    CARVALHO, Edson. Metforas Fsicas no Ensaio Coral: uma abordagem baseada em gestos

    para o desenvolvimento de habilidades vocais e da compreenso musical. Revista Canto

    Coral. Publicao Oficial da Associao Brasileira de Regentes de Coros. Braslia, ano II, n.

    2, 2003.

    FIGUEIREDO, Srgio Luiz Ferreira de. O ensaio coral como momento de aprendizagem: a

    prtica coral numa perspectiva de educao musical. Porto Alegre, 1990. Dissertao

    (Mestrado em Msica), Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

    LAKOFF, George; JOHNSON, Mark. Metforas da vida cotidiana. So Paulo: Educ, 2002.

    MR, Renato. Metforas no ensino de instrumentos musicais. Blumenau, 2004. Dissertao

    (Mestrado em Educao), Universidade Regional de Blumenau.