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ARTE PÚBLICA NA ERA DA CRIATIVIDADE DIGITAL ATAS DO COLÓQUIO INTERNACIONAL 2017 PUBLIC ART IN THE DIGITAL CREATIVITY ERA INTERNATIONAL CONFERENCE PROCEEDINGS 2017 Eds. José Guilherme Abreu · Laura Castro VOLUME II

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ARTE PBLICA NA ERA DA CRIATIVIDADE DIGITALATAS DO COLQUIO INTERNACIONAL 2017

PUBLIC ART IN THE DIGITAL CREATIVITY ERAINTERNATIONAL CONFERENCE PROCEEDINGS 2017

Eds. Jos Guilherme Abreu Laura CastroVOLUME II

ARTE PBLICA NA ERA DA CRIATIVIDADE DIGITALATAS DO COLQUIO INTERNACIONAL 2017 (VOL.I E VOL.II)PUBLIC ART IN THE DIGITAL CREATIVITY ERAINTERNATIONAL CONFERENCE PROCEEDINGS 2017 (VOL.I E VOL.II)JOS GUILHERME ABREU; LAURA CASTRO [EDS.]

Universidade Catlica Editora . PortoRua Diogo Botelho, 1327 | 4169-005 Porto | Portugal+ 351 22 6196200 | [email protected] | www.uceditora.ucp.pt

Coleo e-book Coordenao grfica da coleo Olinda MartinsCapa Olinda Martins Imagem capa Duarte SilvaPaginao do miolo ngela Monteiro Data da edio dezembro 2017Tipografia da capa Prelo Slab / PreloISBN 978-989-8835-38-3

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NDICE | CONTENTS VOLUME II

V ARTE E TECNOLOGIA || ART AND TECHNOLOGY 272

21. CAIXA DE MSICA - O ESPAO TECNOLGICO E A ARTE PBLICA 275 Jos Vasco Carvalho, Lus Gustavo Martins 22. GREENRAY TAPEERIA LASER 286 Andr Rangel

23. DO CINEMA EXPANDIDO AO ESPAO AUMENTADO NA PRODUO ARTSTICA - UM CASO DE ESTUDO NO ESPAO URBANO 299 Ivo Teixeira, Pedro Tudela, Miguel Carvalhais

24. ARTE PBLICA: O GESTO URBANO NA REPRESENTAO DO IMAGINRIO COLETIVO 316 Slavisa Lamounier, Paulo Ferreira-Lopes

25. ART CREATIVITY VERSUS COMPUTER MODELS 326 Daniel Verney

26. WHEN URBAN PRACTICES ARE IMMERSED IN THE DIGITAL LANDSCAPE OF THE CITIES. THE CASE-STUDY OF GRAFFITI MAP OF AMADORA 335 Catarina Valente, Helena Elias

27. SYNDYN ARTE, DESPORTO E ENTRETENIMENTO 341 Andr Rangel

28. SAM SISTEMA DE ARTE E MEDIA 355 Diana Costa

VI ARTE E PATRIMNIO || ART AND HERITAGE 362

29. EFEMERIDADE VS. MEMRIA NOVOS PROCESSOS DE PATRIMONIALIZAO DA STREET ART 365 Alice Nogueira Alves

30. O CHAFARIZ DE S. DOMINGOS: VENTURAS E DESVENTURAS DE UMA OBRA DE ARTE COMUNITRIA 375 Jos Ferro Afonso

31. UMA ESCALA PARA JOO CUTILEIRO. (DE A EL-REI DOM SEBASTIO AO MONUMENTO AO 25 DE ABRIL) 387 Mariana Mata Passos

32. NOTAS PARA UM MAPA DA ARTE PBLICA JUNQUEIRIANA. O BUSTO DE JUNQUEIRO EM FREIXO DE ESPADA CINTA 391 Henrique Manuel Pereira

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33. O PAPEL DO AZULEJO NA REGENERAO URBANA DA DOCA DOS OLIVAIS, EM LISBOA: DA EXPO 98 AO PARQUE DAS NAES 396 Ins Leito

34. DA MISTURA PARA TEMPURA, OU COMO A ARTE CONTEMPORNEA (EM ESPAO PBLICO) NO PODE SER PATRIMNIO S POR SER CONSIDERADA ARTE 414 Rui Macrio Ribeiro

35. MUSEU DO CONVENTO DO BOM SUCESSO: PODE UM MUSEU DE ARTE ANTIGA SER CONTEMPORNEO? 437 Sofia Ferreira Rodrigues

36. EL CONSERVADOR Y LA ERA DIGITAL. CASO DE ESTUDIO: YOUTUBE 445 Alicia Adarve Marn, Salom Cuesta Valera, Salvador Muoz Vias

37. ANALISANDO O FUTURO DO PATRIMNIO MUSICAL CONTEMPORNEO NACIONAL. UM INQURITO SOBRE AS PRTICAS DE PRESERVAO DOS COMPOSITORES NACIONAIS 453 Andreia Nogueira, Rita Macedo, Isabel Pires

38. BLOCKING, VINYL OFFSET Y LA PERVIVENCIA DE LAS IMPRESSIONES DE TNER SECO 462 Ester Antn Garca, Sara Ruiz de Diego, Salvador Muoz Vias

39. AVALIAO DE RISCO DE DUAS OBRAS DE ARTE PBLICA. OS CASOS DE ESTUDO DAS ESCULTURAS EU ESPERO (FERNANDA FRAGATEIRO) E AFONSO DE ALBUQUERQUE (DIOGO DE MACEDO) 470 Guilhermina Cadeco, Eduarda Vieira

40. THE IMPACT OF THE EVOLUTION OF MODERN TECHNOLOGY ON PUBLIC GLASS ART 482 Parinaz Faghihi, Fernando Quintas, Teresa Almeida

PROGRAMA ARTSTICO || ARTISTIC PROGRAMME 491

NOTAS BIOGRFICAS || BIOGRAPHICAL INFORMATION 496

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V ARTE E TECNOLOGIA V ART AND TECHNOLOGY

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V ARTE E TECNOLOGIA || ART AND TECHNOLOGY

INTRODUO || INTRODUCTION

Reunindo intervenes artsticas concebidas a partir de dispositivos digitais e de processos e recursos tecnolgicos, nesta seco foram apresentadas reflexes tericas e estudos de casos, agregando contri-butos nacionais e internacionais. Assim, foi analisada a relao entre a arte, como atividade criativa e as tcnicas de criao de software. Foi discutida a construo de novas interaes das comunidades locais no espao virtual tecnolgico e a Interatividade de obras como a Tapearia de Luz. Ou o Cinema Expandido e os novos modelos de interao que promovem a participao do pblico. Ou a catalogao, compara-o e categorizao de gestos e expresses dirias, como meio para entender composio corporal e representatividade social. Foi debatido o Graffiti Map of Amadora e o modo como as novas tecnologias permitem ao pblico interagir com os trabalhos. Foi descrito o Syn-Dyn, um jogo artstico que converte os praticantes em performers de um espetculo audiovisual desportivo. Foi, finalmente, conhecido o proces-so e a experincia de criao de imagens virtuais enquanto Arte Pblica, atravs de um Sistema de Arte e Media (SAM).

As problemticas abordadas incidiram sobre a descontinuidade dos processos criativos, colocando em paralelo a alternncia entre fases contnuas e quebras de continuidade na criao artstica e na constru-o de software (algorithms vs leaps). Ou sobre as dificuldades de vria natureza que a tecnologia digital coloca quanto ao acesso e participao das comunidades nos projetos de arte pblica; sua interpreta-o e sua conservao. Ou sobre o modo como o pblico faz parte do espao expositivo, tornando a sua participao numa manifestao artstica coletiva, sendo convidado a agir e a alterar parte do trabalho artstico, enquanto se submete a uma experincia espacial. Debateu-se, por meio da anlise do movimento, a composio do gesto expressivo, a capacidade comunicacional e a representatividade social da narra-tiva gestual. Discutiram-se as afinidades entre Visual Culture e Street Art e as tenses entre Public Art e Street Art. Refletiu-se sobre a metodologia reanalisada, repensada e redesenhada para responder s necessidades de cada novo momento no processo de investigao. Analisou-se o que SAM proporciona como interveno artstica no territrio fsico, como meio para a participao dos cidados na produo artstica, assumindo-se como elo entre arte, interao, tecnologia e vida.

Registam-se em seguida algumas das teses que nesta rea foram propostas e desenvolvidas:

O tema da descontinuidade determinante para o reconhecimento de imagens e padres, sendo os limites das formas (cor ou outras propriedades visuais) descontinuidades, cuja anlise tem vindo a ser desenvolvida pela inteligncia artificial. Em GreenRay a experincia o elemento comum aos seres humanos que nela participam. Para o artista a experincia configura uma inteno, presente em todas as fases de materializao da obra, desde a sua conceo at ao seu acontecimento. Pessoas que usavam uma praa como local de passagem, passaram a us-la, durante dias de perfor-mance, como local de encontro e de contemplao. Numerosas redes pem em contacto curadores, empresrios culturais, financiadores, artistas e pblico numa relao cclica.E alguns dos contributos originais/pessoais apresentados: Mudana de paradigma cientfico, atravs do qual a cincia se torna capaz de considerar de forma mais relevante o psiquismo e o mundo virtual. Identificao de problemas de obsolescncia da tecnologia de realidade sonora aumentada num caso especfico de arte pblica e proposta de soluo. Conscincia aumentada: os participantes experienciam a experincia do artista, que experiencia como a sua experincia experienciada pelos participantes, fazedores tambm da prpria experincia.

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Fruio do Espao Pblico como experincia imersiva. Aplicao da tecnologia de motion capture a uma investigao exploratria sobre o papel social do gesto quotidiano. Agregando artistas, o curador e a instituio, o Graffiti Map of Amadora resulta numa abordagem inova-dora para a produo artstica contempornea. Conceito de esttica urbana orientado para o exterior dos circuitos artsticos convencionais e dos discur-sos artsticos tericos. Dotado da sua prpria especificidade, o SAM um instrumento de onde podemos extrair o seu lado ldi-co, de entretenimento, bem como uma certa leveza gerada ao facilitar a acessibilidade.

Jos Guilherme Abreu Laura Castro(Editores)

INTRODUCTION

In this section are brought together reflections and case studies from national and international sources focussing on artistic interventions that were designed on digital devices or through technological process-es and resources. Thus the relationship between art, as creative activity, and the techniques of software creation is investigated. The construction of new interactions between local communities in the virtual technological sphere and the interactivity of works such as the Tapearia de Luz are discussed. Cinema Expandido and other new models of interaction that promote audience participation are explored. The cat aloguing, comparing and categorizing of every day gestures and expressions as a means of under-stand ing body composition and social representation is examined. The Graffiti Map of Amadora and the way in which new technologies allow the public to interact with artworks was discussed. The artistic game Syn-Dyn, which turns participants into performers in an audiovisual sport-spectacle, was described. Lastly, the process and experience of creating virtual images as Public Art through a System of Art and Media (SAM) was understood.

The issues addressed converge on the notion of the discontinuity in creative processes, and place side by side the alternation between continuous phases and breaks in continuity in artistic creation and in the construction of software (algorithms vs leaps). There is a discussion of the difficulties of varying nature that digital technology faces in terms of allowing communities to access and participate in public art projects, regarding both its interpretation and its preservation. The way in which the public becomes part of the ex-hibition space, mere participation turning into collective artistic manifestation, being invited to act and alter the artistic work while being submerged in a spatial experience is explored. Through an analysis of move-ment, the composition of expressive gesture, the communicative capacity and the social representation of gesture were debated. The affinities between Visual Culture and Street Art and the tensions between Public Art and Street Art were discussed. The re-analysed, re-thought through and re-designed methodol-ogies necessary to respond to the needs of every new moment in an investigative process were reflected on. What SAM has to offer, in terms of artistic intervention in the physical plane, as a means of enabling citizen participation in artistic production through its role as link between art, interaction, technology and life was analysed.

Some of the theories that were suggested and developed in this area are mentioned below:

The topic of discontinuity is a determining factor in the recognition of images and patterns, as it is the edg-es of discontinuous shapes (marked by their colour or by other visual properties) that has been the subject of analysis by artificial intelligence. In GreenRay it is the experience which is the common factor between the human beings that participate in it. For the artist experience constitutes an intention, present in all phases of production of the artwork, from its conception to its completion. People who usually use a town square as a transitory space soon learn to use it, during days of perfor-

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mance, as a place to meet and contemplate. Many networks place curators, business people involved in the cultural industries, financiers, artists and the public in a cyclical relationship.Some of the original/personal contributions that were presented: There has been a paradigm shift in science, whereby science has become more open to considering the relevance of the psyche and the virtual world. Problems of obsolescence of the augmented audio reality technology of a specific piece of public art have been identified and solutions proposed. Augmented conscience: participants experience the experience of the artist, who in turn experiences how his experience is experienced by the participants, who are themselves the authors of their own experience. The enjoyment of the Public Space as an immersive experience. The application of motion capture technology and an exploratory investigation into the social role of the everyday gesture. Bringing together artists, curator and institution, the Graffiti Map of Amadora proved to be an innovative approach to contemporary artistic production. An urban aesthetic concept that is not directed at conventional artistic circuits or theoretical artistic discussions. Endowed with its own particularity, SAM is an instrument that has a playful, entertaining side, as well as a certain lightness designed to facilitate accessibility.

Jos Guilherme Abreu Laura Castro(Editors)

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CAIXA DE MSICA - O ESPAO TECNOLGICO E A ARTE PBLICA

JOS VASCO CARVALHOCITAR - EA, UCP - Centro de Investigao em Cincia e Tecnologia das Artes;

Escola das Artes, Universidade Catlica Portuguesa

LUS GUSTAVO MARTINSCITAR - EA, UCP - Centro de Investigao em Cincia e Tecnologia das Artes;

Escola das Artes, Universidade Catlica Portuguesa

ABSTRACT

This paper describes the development process that was used in Caixa de Msica: a sound sculpture that occupies the real and virtual space. This project explores the potential of using a virtual augmented reality technology as booster for human activity and interaction in public space. This artistic intervention installed in the public sphere of Paredes, uses a mobile interface as mediator that serves as window to the virtual space, where an augmented reality application completes the sculptural public art object. In this article we present the premises to work in the virtual technological space and we intent to de-mon strate its links and problems in the public art context. We identified in this text the relevance of the concept place in the artistic construction and the impact of the technological solutions in the conceptual proposal and implementation of different artistic movements.

KEYWORDS

Public Media Art; Augmented Realty; Sound Art.

RESUMO

Este artigo descreve o processo de criao e produo da obra Caixa de Msica: uma escultura sonora que ocupa o espao real e virtual.A obra explora o potencial do uso da tecnologia de realidade aumentada virtual como amplificadora da experincia no espao pblico.Esta interveno artstica instalada na cidade de Paredes, utiliza um interface mediador (um telemvel) que serve de janela para o espao virtual onde uma aplicao de realidade virtual aumentada completa o objecto escultrico.Neste artigo apresentamos as relaes do espao virtual tecnolgico na arte demonstrado as suas liga-es e problemticas na arte pblica. Identificamos neste texto a relevncia do processo de construo da pea artstica na integrao e cons-truo do lugar e o impacto das solues tecnolgicas na proposta conceptual e de implementao de diferentes correntes artsticas.

PALAVRAS-CHAVE

Media Art Pblica; Realidade Aumentada; Arte Sonora.

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INTRODUO

Este texto prope uma reflexo sobre o conceito de arte pblica centrado nas comunidades, nas suas pro-blemticas identitrias e a forma como constroem novas interaes no espao virtual tecnolgico atravs da obra artstica Caixa de Msica.As diferentes vivncias das sociedades contemporneas que se agrupam em grandes comunidades fsi-cas como a urbe, veem primeiro nas artes pblicas (Seldes, 1956) e agora nos espaos de intercmbio e iterao de meios tecnolgicos como a ps-web 2.0 (Barassi & Trer, 2012) novas plataformas de rela-o, interpretao e fruio dos diferentes espaos pblicos.

O uso da tecnologia ocupa uma significativa parte do nosso quotidiano. Esta relao diria e de proximi-dade com ferramentas que proporcionam a duplicao da realidade, como o Second Life, ou que alteram os paradigmas de relacionamento interpessoal, como as redes sociais, apresenta uma popularidade j disseminada.

A experincia mediada leva massificao de objetos facilitadores do uso e interao tecnolgica, tablets, telefones inteligentes, computadores portteis, multiplicando valncias e propondo novas formas de inte-rao funcionais, ldicas e artsticas.

Surgem neste contexto correntes artsticas que adoptam os novos meios como potenciadores da expe-rincia do espao. Neste artigo vamos discutir as problemticas associadas ao uso de tecnologia na arte pblica e propor uma metodologia de desenvolvimento artstica baseada no contexto de uma pea de arte sonora de realidade aumentada.

TECNOLOGIA NA ARTE PBLICA

As tecnologias multimdia, pelo conjunto de especificidades e imprevisibilidades com que se deparam, vivem com dificuldade no espao pblico e o seu planeamento estruturado ainda residual. Steve Dietz identifica cinco premissas de evoluo que abrem novas perspectivas para a utilizao de tecnologia no espao pblico: a dimenso fsica e poder da computao, a massificao de redes e sistemas de conec-tividade, a geo-referenciao e monitorizaes ambientais, a colocao de grandes ecrs ou adaptao de fachadas, adaptao e aumento da robustez do equipamento urbano, (Dietz, 2009) s quais podemos acrescentar a simplificao de uso da tecnologia e a necessidade de produo de novos contedos que a massificao dos objetos mediadores proporciona.

A arte pblica, apesar de dispor de novos meios de apresentao e novas premissas tcnicas, mantm a ligao s problemticas conceptuais que acompanham a arte pblica contempornea, como a criao de identidade e participao integradora das comunidades.

Neste abrir de paleta da tecnologia surgem duas camadas de espaos: o espao fsico e o espao virtual. sua unio em camadas e uso, artstico ou quotidiano, Frauke Behrendt atribui a designao de espaos hbridos, que afirma surgirem do uso de meios digitais no espao pblico (Behrendt, 2010).

Apresentam-se nestes espaos hbridos de construo tecnolgica dialticas entre o virtual e real, entre esferas pblicas e privadas, entre o local e o global.

A participao uma preocupao central na construo da arte pblica e o acesso determinante na relao entre espaos. A tecnologia limita o acesso experincia da obra , aplicando arte pblica tecnolgica a distino entre uso e acesso proposta por Cristovo Valente (Abreu, 2005), e considerando que a obra hbrida na sua camada tecnolgica se posiciona na esfera do espao colectivo, com acesso partilhado de propriedade privada.

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Na arte pblica o espao possui um conjunto de caractersticas fsicas e de dimenso condicionadoras do seu usufruto, mas, por definio, a arte pblica proporciona uma experincia de livre acesso ao pblico do espao. No espao virtual necessrio um objecto mediador que permita o acesso atravs de sistemas de partilha coletiva embora privados e com custos de aquisio e uso. Esta condicionante determina que na obra tecnolgica o acesso fsico ao local possa no ser suficiente para experimentar por inteiro o pro-posto pelo artista digital, ser sempre o utilizador a decidir o acesso ou no ao contedo artstico.A participao no est apenas condicionada propriedade, a arte pblica sofre de limitaes de imposi-o fsica, de conservao, perenidade e de interpretao social-cultural com a envolvente (Abreu, 2013). Os espaos virtuais da obra refletem tambm todas estas problemticas de interpretao, limitao e conservao, em duas caractersticas principais da tecnologia: a estrutura de produo dos contedos e do seu usufruto.

Como podemos refletir na tabela 1 as condicionantes fsicas da arte pblica possuem problemticas para-lelas, mas diretamente relacionveis nos respetivos conceitos.

O vandalismo uma das principais problemticas do espao na arte pblica que encontra paralelo no espao tecnolgico, na problemtica da invaso e mau uso do espao, algo corrente, com ataques aos sistemas e programas centrais atravs de vrus informticos.

A conservao e perenidade fsica so outra problemtica partilhada no espao tecnolgico. Rafael Hem-mer afirma que a tarefa de manuteno da operao fluida da arte digital possui tantas variveis, que a conservao no espao virtual uma tarefa descurada (Hemmer, 2015).

Outra das problemticas da conservao traduz-se na obsolescncia do objecto e na disrupo provocada pelas crescentes e sistemticas atualizaes de programas que, por um lado, limitam o tempo de vida do espao virtual e, por outro, dificultam a conservao dos meios de acesso obra digital.

Tabela 1.

A interpretao do espectador na arte pblica reflete problemticas diferenciadas como as idiossincrasias pessoais com as correntes artsticas ou com os mtodos de produo e simblica do objecto. No espao tecnolgico as problemticas de interpretao possuem a mesma fundao mas so amplificadas pela camada extra de dificuldade que o objecto e a sua aprendizagem acarretam. A interpretao condicio-nada por novos objetos mveis em permanente lanamento que obrigam a uma constante aprendizagem de novos cdigos de programao e uso.

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As condicionantes que caracterizam as correntes artsticas tecnolgicas possuem relaes diretas identi-ficadas com a construo da arte pblica e as caractersticas envolventes do espao. O som no espao uma dessas caractersticas relacionveis a arte e a paisagem sonora partilham outro relevante conjunto de relaes conceptuais com as artes digitais pblicas, das quais podemos destacar a efemeridade e a ubiquidade da apresentao.

A caracterstica de ubiquidade que a tecnologia adquiriu proporciona a utilizao do espao total, ainda antes da massificao dos telemveis como interface, permitindo diferentes possibilidades e experincias com espaos virtuais.

So disso exemplo os projetos site specific de arte sonora e construtores da paisagem sonora como Tra-ce de Teri Rueb (Rueb, 1999) que usava uma mochila com um gps e um computador porttil para lanar poemas diferentes ao longo do percurso de um parque natural em British Columbia, ou o projecto Sound Mapping de 1998 (Mott, Raszewski, & Sosnin, 1998) de Ian Mott, Mark Raszewski e Jim Sosnin que usava malas com gps, computadores e comunicao via rdio, para explorar uma composio sonora, passo a passo.

Com o aumento de potencialidades e massificao do telemvel, este afirma-se como interface preferen-cial das correntes artsticas que usam os espaos hbridos e que Martha Landly apresenta como arte pblica mvel (Landly, 2009).

A arte pblica mvel conhece um contexto de classificao e definio por autores como (Landly, 2009), Larissa Hjorth (Hjorth, 2015), Adriana de Souza (Souza, 2006), Tofts (Toft, 2010), que afirmam e dis cutem afinidades entre a media art, a locative art e a arte mvel. Estes autores apresentam o foco da arte mvel no dilogo entre os media mveis e o contexto urbano, no qual esta corrente artstica mostra a vivncia diria dos espaos, a experincia multimeios e o apelo aos diferentes sentidos, focada na mobilidade e participao do espectador.

No contexto da partilha de contedos mvel e da criao de espaos virtuais, surge a tecnologia de reali-dade aumentada, pensada para acrescentar informao digital experincia e envolvente de um deter-minado utilizador no espao fsico (Bimber & Raskar, 2005).

Este processo digital, que pretende amplificar a experincia numa perspectiva funcional e ldica, apresen-ta-se como uma ferramenta de grande potencial artstico.

Com a tecnologia de realidade aumentada aplicada aos smartphones surgem projectos artsticos, dos quais a primeira interveno relevante est identificada em 2010, numa exposio que os artistas Mark Skwarek e Sander Veenhof propem ao MoMA (Geroimenko, 2014). No ano seguinte, e como consequn-cia desta interveno, os autores da proposta e a maioria dos artistas participantes apresentam o AR Art Manifesto que define um caminho especfico para a arte, atravs deste meio tecnolgico (Geroimenko, 2014). Este manifesto propunha especificidades como a ubiquidade desta corrente artstica pelo poten-cial de aplicao global, mencionava a ligao entre espao real e virtual e afirmava a cultura de realidade aumentada como o ponto de partida para a participao total do espectador na obra (Torres, 2016).

Trabalhos de 2011, como Outside Inside de Tamiko Thiel ou Batling Pavilions de Sander Veenhif, apresen-tam-se como consequncia deste manifesto e permitem ao usurio editar no s o acesso, como alterar a sua experincia, sendo que, no caso de Batling Pavilions, era permitido ao espectador apagar parte da obra apresentada.

A arte de realidade aumentada encarada, no manifesto, como ativista e subversiva, por ser uma ferra-menta que no necessita de permisses pblicas ou polticas para ocupar os espaos e que acrescenta informao ao conceito das obras, de natureza ambiental, poltica, mas tambm funcional.

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CAIXA DE MSICA

Caixa de Msica um pea artstica que se posiciona no cruzamento entre a arte de realidade aumentada e a arte pblica. Neste projeto, o estudo do espao e a sua relao com o lugar so determinantes na estrutura conceptual da pea.

Figura 1 - Escultura Caixa de msica na Rua Jos Magalhes.

O projeto Caixa de Msica surgiu num contexto abrangente de interveno artstica designado circuito de arte pblica de Paredes e refletiu a vontade poltica do municpio de intervir no espao atravs do pla-neamento e regenerao pela arte. Foram propostos pela curadoria do circuito vinte e trs espaos para interveno, para os quais foi realizado o levantamento histrico e funcional.

Partindo deste estudo, foi escolhido, para a instalao do projeto, um espao na rua Doutor Jos de Ma-galhes, pelas suas dimenses, caractersticas histricas e funes do edificado.

O edifcio, composto por trs corpos principais, cuja data de construo remonta a 1780, recebeu ao longo da sua histria funes centrais na povoao, desde casa de justia, cadeia e capela. Atualmente as suas funes so administrativas e educacionais e este desencontro entre a natureza arquitectnica do edificado e a sua funo, apresentou-se como uma oportunidade conceptual para o espao virtual. Ali est instalada uma Academia de Msica, com funes pedaggicas e promotora de sensibilidade artstica, que nos pareceu aprisionada no interior do conjunto arquitectnico austero de uma antiga cadeia e pelourinho. A metodologia de criao e desenvolvimento da pea de arte sonora aumentada obedeceu a uma con stru-o centrada na integrao de conceitos sociais de construo da paisagem sonora (Brown & Muhar, 2004), com a proposta regeneradora e participativa da arte pblica (ARMAJANI, 1995), com a ubiquida-de e uso de espao fsico e virtual da arte pblica mvel (Landly, 2009) e, finalmente, com a funcionalidade e efemeridade proposta na obra artstica de realidade aumentada (Geroimenko, 2014).

ARQUITETURAMETODOLOGIA DE IMPLEMENTAO

Para integrar os mtodos definidos nestes quatro quadros conceptuais e artsticos inspiradores desen-volvemos uma proposta metodolgica demonstrada na Figura 2 onde explicitamos o processo de elabora-o, desde a conceptualizao, construo e apresentao da obra Caixa de Msica.

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Figura 2 - Processo de elaborao de pea de realidade sonora aumentada.

O processo inicia-se com o estudo pormenorizado do programa de intervenes a desenvolver, proposto pela curadoria do circuito de arte pblica de Paredes.

A proposta apresentada aos criadores foi o mote para o estudo dos locais. Partindo da condio prvia de implementar um projeto de cariz tecnolgico, foi selecionado o espao respeitando aspectos de natureza conceptual, funcional e estticos.

No espao da rua Doutor Jos de Magalhes, a modernidade do objecto e a tecnologia a implementar apresentavam-se totalmente divergentes do contexto que ali se presenciava no momento.

O arranjo urbanstico presente proporcionava a sensao de ligeiro abandono do espao pblico, reflectido em equipamento urbano datado e um bar de apoio, encerrado.

PROCESSO DE CONCEPTUALIZAO

Identificado o local, a proposta avanou em dois sentidos: na identificao das caractersticas do espao e na contextualizao do lugar.

ESPAODeu-se incio ao levantamento exaustivo de todas as condicionantes e caractersticas fsicas do espao. Foi realizada a documentao fotogrfica e vdeo verificando materiais e disposies no espao.

Nesta fase, identificou-se a composio visual que o pavimento em calada possua e que evidenciava a tentativa prvia de mostrar a funo musical do edifcio, atravs de elementos de comunicao no seu exterior representados por uma pauta de msica.

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Realizou-se a anlise sonora do espao com registo e recolhas do local durante todo o dia.

LUGARNa identificao do lugar, a pesquisa procurou definir a respectiva identidade, memria e funcionalidade, na perspectiva de quem o frua e habitava. Foram realizadas pesquisas online e de arquivo acerca do lugar, complementadas por doze entrevistas realizadas em torno do espao pblico.Foi nesta fase equacionada a ideia da academia como caixa de msica operada pelos fruidores do lugar e a pea avana conceptualmente pela limitao de repetio e crculo, representados nas caixas de msica.

PROCESSO DE CONSTRUO Definida a ideia matriz, o processo passa pela experimentao e por ensaios de forma; escala; materiais; tecnologias; inter-relao entre o espao fsico e o espao virtual.

OBJETO FSICOProduziu-se a definio da escultura pela observao das relaes de forma, escala, materiais e ocupao do espao. Foram desenvolvidas vrias propostas e comparados valores estticos e conceptuais, atravs da construo de maquetas da escultura a implementar, a duas dimenses e a trs dimenses.

OBJETO VIRTUALO espao virtual aumenta a realidade e confere pea fsica a funcionalidade de uma caixa de msica, sendo nesta fase definida toda a tecnologia e acesso ao espao virtual.A definio sonora virtual avana pela inter-relao de construo do objeto fsico pois a imagem j presen-te no espao de uma pauta musical integra a produo do contedo sonoro no espao virtual.

APRESENTAOComo resultado obtemos o cruzamento de duas realidades, a fsica e a virtual, que, no ponto de interseo, proporcionam uma nova experincia no espao fsico que lhe acrescenta elementos artsticos, identitrios e participativos no espao virtual.

IMPLEMENTAO

Para responder ao desafio conceptual de trazer a academia de msica para o seu espao exterior e pro-duzir a pea de realidade aumentada, articulamos trs meios distintos de produo artstica: a implemen-tao fsica da escultura, a produo dos contedos multimdia e a programao do meio mediador para o espao virtual.

ESTRUTURA FSICAPara a componente escultrica fsica optamos pela colocao de uma escultura em ferro lacado, cuja representao se identifica com uma caixa de msica estilizada, composta por 3 corpos interligados, com a dimenso total de 250 cm de largura, por 210 cm de comprimento, por 290 de altura. Esta escultura foi dimensionada com o objectivo de se impor na leitura arquitectnica e urbana do espao, colocada em destaque e com visibilidade de todos os pontos da praa. A sua posio relaciona-se diretamente com a configurao de uma pauta de msica j presente na pavimentao do local. Esta pauta representa as no-tas iniciais da 9 Sinfonia de Beethoven e assume preponderncia conceptual, ao fazer a ligao ao espao sonoro virtual e ao contribuir para uma integrao da escultura na leitura do espao fsico.

CONTEDO MULTIMDIA Para a mediao entre componente fsica e virtual do espao foi escolhido o uso de tecnologia mvel de realidade aumentada que possibilita a visualizao dos contedos multimdia propostos pela escultura sonora virtual produzida.

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Figura 3 - Quatro vistas da modelao tridimensional da escultura Virtual no software Maya.

A escultura virtual foi implementada realizando uma rplica da escultura fsica, na aplicao de produo de elementos visuais tri dimensionais Maya. Modelar este elemento em trs dimenses pelo software permitiu executar sete vdeos com o movimento e a perspetiva espectveis da pea, em sete posies distintas do espao. Estes vdeos, para alm de mostrar o movimento previsvel de uma caixa de msica, incorporam a reproduo musical, em ciclo contnuo, da 9 sinfonia de Beethoven.

ESPAO VIRTUAL

Tendo produzido o contedo artstico a ocupar o espao virtual foi escolhida a aplicao Junaio para janela mediadora entre o espao fsico e o espao virtual.

Esta aplicao usava os contedos atravs de um sistema de canais geo-referenciados ou de leitura de imagem que estavam disponveis no servidor da aplicao, com o nome de Mentaio Cloud.

Esta aplicao apresentava um conjunto de vantagens em relao criao de uma aplicao autnoma, desde logo: a capacidade multiplataforma e multi-sistemas; usar uma interface de programao(API) ba-seada em Arel, linguagem que permitia programao em tecnologias web comuns como html5 e javascipt; ser uma das trs principais plataformas de realidade aumentada, data da apresentao.

Para a interpretao da tecnologia pelo usurio do espao foi colocada na pea e nos materiais informa-tivos da obra um endereo grfico(qrcode) com um conjunto de instrues simples, de acesso ao espao virtual. A leitura do endereo digital grfico(qrcode) pela cmara ao vivo do sistema mvel interpretava, atravs do Junaio, o canal a usar naquele espao. Este reconhecimento executava na Mentaio Cloud, via internet, um pedido de descarga da componente virtual do projeto para a aplicao local no sistema mvel do Junaio.

Completada esta descarga de dados, a aplicao incorporava o canal no Junaio local que, pela deteco da semelhana de pontos com cada uma das dezasseis imagens referncia, despoletava os contedos multimdia.

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Figura 4 - Vista da escultura virtual em funcionamento por telemvel.

Os contedos multimdia eram compostos por um conjunto de sete vdeos, de sete perspectivas especfi-cas do objeto escultrico, que iniciavam as imagens vdeo e sons sincronizados pela aplicao.

A componente virtual da pea era apresentada atravs da aplicao que, ao ser estimulada pelo usurio com o percorrer do espao fsico, identificava a imagem de entrada da cmara do sistema mvel, elabora-va um processo de reconhecimento de semelhana entre a imagem ao vivo e a gravada como referncia, e, ao identificar a similitude da imagem, iniciava cada um dos sete vdeos produzidos para serem visualiza-dos em sobreposio da escultura no espao fsico e da escultura em movimento no espao virtual (como ilustra a figura 4).

RESULTADOS

Por anlise de observao crtica podemos apresentar os resultados dividindo-os em trs grupos a saber:

IMPACTO OPERACIONALA escultura de realidade aumentada respondeu proposta conceptual, tcnica e tecnolgica, de interven-o apresentada curadoria do circuito de arte pblica de Paredes.

O uso da metodologia de concepo da pea permitiu a sua criao, execuo e finalizao, tendo sido completado o propsito que nos propnhamos de deslocar a academia de msica para o espao. Esta pea, pela modernidade esttica visvel na forma, escala e posicionamento no espao, impem uma leitura mais relacional e menos austera.

A metodologia permitiu a implementao da tecnologia como complemento da metfora artstica e permi-tiu acrescentar contedos virtuais experincia sonora e musical no espao. A pea esteve em funciona-mento pleno integrando realidade aumentada ao objecto fsico durante trinta e sete meses.

IMPACTO TECNOLGICOPara o uso de tecnologia na arte pblica foram identificados um conjunto de resultados que demonstram a dificuldade de conservao e perenidade do espao virtual.

Ao longo dos trinta e sete meses de apresentao foram atualizadas quatro verses dos principais siste-mas operativos mveis e centenas de sistemas mediadores diferentes foram apresentados no mercado.

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Foi escolhida uma aplicao de livre uso (junaio), multiplataforma que sofreu cinco atualizaes funcionais alterando resolues de exibio e funcionamento em vrias plataformas. O uso de uma aplicao programvel que permitisse um acesso de multiplataforma revelou um conjunto de virtudes e defeitos identificados a saber: como resultados positivos para a experincia, podemos con-firmar que a aplicao permitiu o acesso a um maior nmero de sistemas mveis e sistemas operativos, mantendo um nvel de eficincia de uso considervel, comparado com as exigncias de produzir uma apli-cao prpria para cada plataforma e cada atualizao de sistema operativo.

Nas vantagens encontrmos a promoo pblica que a aplicao Junaio produzia junto dos seus milhares de utilizadores na sua interface grfica pela aproximao geo referenciada da pea.

A aplicao possua uma api e um sdk de fcil utilizao, pois usava linguagens web, a obrigar ao progra-mador a um nvel menos exigente de competncias de programao para a eficincia de resultados.

Como contrariedade, o desenvolvimento de uma aplicao por uma empresa de software base onde se corre a nossa aplicao permite imprevistos que a aplicao prpria no tem. A conservao foi efmera e a obsolescncia radical pois a empresa que desenvolvia o software foi adquirida e o novo proprietrio decidiu finalizar o desenvolvimento da aplicao, no caso especfico com a agravante de desligar todo o sistema de usurios j implementados em dezembro de 2015.

IMPACTO SOCIALA interveno pblica associada execuo da pea permitiu reativar os servios de bar no local e o movi-mento e usufruto do espao pela populao foi aumentado. O projeto esteve nomeado para a nona edio do prmio nacional multimdia da APMP 2013 na categoria Arte e Cultura.

CONCLUSES

A escultura Caixa de Msica na sua componente fsica est instalada desde Novembro de 2012 na cidade de Paredes a sua componente virtual terminou em Dezembro de 2015. Esta apresentao permitiu reti-rar concluses sobre o acrescentar de experincia no espao pblico, o uso da tecnologia na arte pblica, as metodologias de implementao, e permanncia do espao virtual.

Ao produzir uma escultura de larga escala, com pretenso de perenidade e baixa manuteno identificou-se a tecnologia de realidade aumentada como uma alternativa com necessidades especficas de manuten-o e conservao exigentes no objectivo de acrescentar o elemento funcional caixa de msica. Esta alternativa causou surpresa e despertou curiosidade para com a tecnologia nas trs apresentaes pblicas realizadas por ns.

A escultura virtual a operacionalizar deve ter valor de escala visual maior que o objecto fsico como meio de mitigar as diferentes resolues que os diferentes sistemas mveis dispem.

Para trabalho futuro, est em desenvolvimento uma aplicao que, numa primeira fase, reintroduzir o funcionamento do espao virtual da escultura e albergar novo contexto sonoro e musical.

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AGRADECIMENTOS

Esta Investigao foi financiada pela Fundao para a Cincia e Tecnologia (FCT) by FCT. Bolsa SFRH/BD/71416/2010.

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GREENRAY TAPEERIA LASER

ANDR RANGEL

CITAR - Centro de Investigao em Cincia e Tecnologia das Artes, UCP

RESUMO

Tapearia de luz laser, interactiva que mistura escultura, arquitectura, instalao e performance. O "tear" designado para urdir este "tecido" utiliza o principio da reflexo mltipla, produzindo uma trama visual, cuja aparncia modificada pela movimentao da audincia, que ao participar nesta experincia artstica co-laborativa, se torna co-criadora da obra.

Obra de arte interactiva analgica, que no utilizou processamento digital, mas que, se apresentou como nova configurao ptica e ambiental, bem como referncia da arte contempornea ps digital. Computar sem computador, e calcular mais rpido do que o computador, apresentou-se como hiptese contrastante e de teor crtico sociedade computadorizada e digitalizada da actualidade.

PALAVRAS-CHAVE

Arte Pblica; Interaco; Luz.

ABSTRACT

Interactive laser light tapestry that merges sculpture, architecture, installation and performance. The loom designed to weave this fabric uses the multiple reflections principle, producing a visual web, whose appearance is modified by audience movement that, while participating in this collaborative artistic experi-ence, becomes co-author of the artwork.

Interactive analog artwork, didnt use any digital processing, but its presented as a new optical and ambien-tal configuration and also as a reference to post-digital contemporary art. To compute without computer, and to calculate faster than a computer, seemed a theoretical criticism and contrasting hypothesis to the actual digital and computerised society.

KEYWORDS

Public Art; Interaction; Light.

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Figura 1 - GreenRay.

INTRODUO

GreenRay um espao urbano limiar, de transio entre um espao exterior e um espao interior. Em GreenRay, o esprito urbano, livre e rebelde associado ideia de movimento, controle e preciso procura reunir tribos urbanas em lugares no convencionais. GreenRay permite a apropriao de locais urbanos, tirando partido de equipamentos, obstculos e arquitectura. Trata-se de uma interveno limpa, que no requer infra-estruturas especiais e no tem impacto negativo permanente na paisagem, factor que denigre a imagem de expresses urbanas como o graffiti. GreenRay experincia urbana, utiliza infra-estruturas urbanas como cenografia e cidados como performers e espectadores, pelo que, aponta possibilidades futuras para a cidade e para a arte urbana.

GreenRay aumenta o espao onde ocorre, os participantes controlam a luz desse espao e consequente-mente a sua paisagem. um projecto espacial na forma de arte de rua, pblica, misturando tecnologia e comunidade. GreenRay motiva a reutilizao de espaos urbanos, conferindo-lhes temporariamente uma nova funo: serem simultaneamente locais para interaco social e exibio artstica.

A obra GreenRay apresenta-se como conceito de esttica urbana orientado para o exterior dos circuitos artsticos convencionais e dos discursos artsticos tericos. A obra acontece fora dos espaos do museu, da galeria ou do atelier, e existe na relao estabelecida com o local onde apresentada, promovendo uma abordagem esttica a esse mesmo local. Esta obra, parafraseando Hawkins (2012), relaciona-se com geografia, prtica artstica baseada em stios e que se integra nos seus contextos sociais. O stio social, incluindo a sua comunidade, so sujeito, material e a audincia da prpria obra.

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GreenRay espao de explorao sensorial, em que a presena do corpo e os seus sentidos so indispen-sveis compreenso da experincia artstica, que, no se limitando a um acto intelectual, apreendida pela complexa percepo do corpo como um todo (Hawkins, 2010). Enquanto espao de agncia distribu-da, esta obra intermedia pode facilmente ser identificada como, o que McCormak (2004) considera, local para pensar as relaes entre corpos, conceitos e materiais de vrios tipos. GreenRay afirma a equidade de meios, porque considero que os corpos, os conceitos e qualquer material so meios no contexto da arte e do design. Assim, actualizei a identificao de McCormak, considerando GreenRay apenas como local para pensar a relao entre meios.

No mbito da fundamentao escrita que explicita o processo de concepo e elaborao de GreenRay, oportuno fazer, neste artigo, uma discusso sucinta sobre a experincia, o gesto e o espao no contex-to desta obra, pois esta, simultaneamente, resulta em espao e gesto, modela espao e gesto e utiliza o espao e o gesto como meios.

GREENRAY

GreenRay1 um tecido "tapearia" de luz laser, apresentado como obra intermedia interactiva. O "tear" designado para urdir a trama de feixes laser, constitui-se de dois espelhos paralelos entre si, colocados no cho, em posio vertical. Utilizando lasers verdes com um comprimento de onda de 532nm e o principio da reflexo mltipla, esta obra produz uma trama visual, plana, paralela ao cho - a 10cm deste - cuja apa-rncia modificada pela movimentao da audincia, que sendo desafiada a participar nesta experincia artstica colaborativa, se torna co-criadora da obra. Para a audincia trata-se simultaneamente de uma ex-perincia artstica e de uma actividade fsica. Esta obra nasceu da vontade de conceber e produzir um obra de arte interactiva analgica, que no utilizasse processamento digital (computador), mas que, ao mesmo tempo, se pudesse apresentar como uma nova configurao ptica e ambiental, bem como referncia da arte contempornea ps digital2.

Figura 2 - Participaco da audiencia em GreenRay.

Um dos objectivos na meta-concepo desta obra foi a sua fcil e intuitiva utilizao pela audincia, que pode interagir com a composio artstica desenhando diferentes padres participando na constituio de um interface (com o corpo humano e o seu movimento) que no requer alfabetizao. Em GreenRay

1 http://3kta.net/3greenray.php2 Alenxenberg (2011) define o termo ps digital: "Postdigital (adjective) Of or pertaining to art forms that address the humanization of digital technologies through interplay between digital, biological, cultural, and spiritual systems, between cyberspace and real space, between embodied media and mixed reality in social and physical communication, between high tech and high touch experiences, between visual, haptic, auditory, and kinesthetic media experiences, between virtual and augmented reality, between roots and globalization, between autoethnography and community narrative, and between web-enabled peer-produced wikiart and artworks created with alternative media through participation, interaction, and collaboration in which the role of the artist is redefined." (p. 10)

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constata-se um fenmeno de comunicao no verbal (Mohammadi e Vinciarelli, 2010) em que as emo-es, sentimentos, intenes e atitudes sociais dos membros da audincia so percebidos pelos restantes membros pelas expresses faciais, gestos e posturas dos primeiros. Como tal, GreenRay tambm um laboratrio social, que provoca socializao.

Figura 3 - Socializaco provocada em, e por, GreenRay.

Dando o controle ao pblico este torna-se performer da obra artstica responsvel pela finalizao da con-cepo. Quando a audincia cria ou (de)forma o contedo da obra de arte, transforma-se de receptor em fornecedor/emissor principal. Como processo e como discurso, GreenRay tambm investiga as relaes entre o artista e a sua audincia, propondo uma configurao informal que encoraja a audincia a partici-par, interagir e desfrutar da obra sem ser pressionada por mensagens ou posies ideolgicas. Apagando a diviso e potenciando a conexo entre artista e audincia, esta obra junta as dimenses do fazer e do experinciar.

Figura 4 - Aparncia da obra transformada pela audiencia.

O algoritmo que integra, e , a obra, tem como entrada, como varivel, a posio e o movimento do corpo de cada membro da audincia, o que assegura a indeterminao do resultado. Mas o movimento de cada membro da audincia tambm resultado, portanto sada do sistema. A obra GreenRay interaco en-tre seres humanos provocados por uma configurao de feixes de laser provocatria. Simultaneamente, tambm a interaco desses mesmos seres humanos com o conjunto de feixes de laser. Trata-se de uma interaco hbrida entre meios. Entre seres humanos, como meios; e entre seres humanos e feixes de luz, ambos considerados meios. Os seres humanos e os seus gestos so a obra. A luz e o seu fluxo, controlado pelos gestos dos seres humanos, a obra. Os feixes de luz sem os seres humanos e estes sem

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os feixes de luz, no possibilitam a obra. No algoritmo de GreenRay, as 'entradas' so 'sadas' e as 'sadas' so 'entradas', tratam-se de hbridos de entradas e sadas. Os feixes laser so resultado, sada, output, mas simultaneamente constituem o prprio interface e portanto entrada, input do sistema, do algortmo (Rangel 2015). Trata-se de dinmica intermedia que transforma em hbridos os seus meios.

Porque a viso e a nossa prpria existncia dependem da luz, a ateno da investigao prtica, de que resultou GreenRay, focou-se principalmente em tecnologias que permitem transformar a aparncia de um espao respeitando toda a arquitectura existente. A luz um meio que permite tal transformao.

EXPERINCIA

Uma das maiores motivaes na criao de GreenRay foi proporcionar experincia aos participantes em vez de criar objectos que possam ser trocados e possudos. Enquanto caso de estudo, em GreenRay a experincia o elemento comum aos seres humanos que nela participam. Para o artista a experincia uma inteno e est presente em todas as fases de materializao da obra, desde a sua concepo at ao seu acontecimento. Para ele o carcter experimental constante pois a obra resulta precisamente da inter-relao das experincias feitas com distintos meios materiais, tcnicos, processuais, conceptuais, humanos, entre outros. A construo da experincia influnciada pelo trabalho experimental do artista que proporciona aos participantes a experincia da obra e simultaneamente de a ultimar. Ou seja os parti-cipantes experienciam a obra enquanto audincia mas tambm participam activamente na aco de fazer a obra, na sua finalizao. Por sua vez, o artista s pode experienciar o acontecimento da obra quando esta experienciada pelos participantes. Neste sentido, pode-se afirmar que existe uma certa reciprocidade da experincia: o artista proporciona uma experincia aos participantes, que, por sua vez, proporcionam a experincia ao artista. Ou seja, os participantes experienciam a experincia do artista, que experiencia como a sua experincia experienciada pelos participantes, que so tambm fazedores da prpria expe-rincia (Rangel 2015).

Numa poca de evidente declnio, por via do crescimento inspito, de valores consumistas duma sociedade capitalista auto-destrutiva3, em que a atraco e a valorizao da posse de objectos (que rapidamente se tornam obsoletos e desvalorizados) quase massificada, a produo de experincias, mesmo que efme-ras, contraria esta tendncia e refora com optimismo a ideia de que 'somos o que fazemos', em detrimen-to da ideia de que 'somos o que temos' ou 'somos o que possumos'. De certa forma, GreenRay revela um posicionamento poltico fundado num princpio filosfico: 'Fazer em vez do Possuir'.

No universo literrio so referidos diversos tipos de experincia como experincia fsica, mental, emocio-nal, espiritual, religiosa, esttica, sexual, virtual, entre muitas outras. Arsenault e Bonenfant (2012), consi-deram que a 'experincia pode ser dividida entre as suas vrias dimenses, tais como a tcnica (techne), a tica (ethos), a esttica (aisthtikos), etc.' Por sua vez, cada uma destas dimenses pode ainda ser divi-dida em mltiplas outras dimenses. Por exemplo Gallese e Di Dio (2012) consideram que 'a experincia esttica est conotada como um estado estratificado aonde se podem distinguir diversas dimenses' associadas s diferentes formas de relacionamento com os objectos, como 'mera observao, atitude esttica, apreciao/avaliao esttica e julgamento esttico'. Mas, para Arsenault e Bonenenfant, 'estas dimenses [tcnica, tica e esttica] no podem ser imaginadas separadamente dos seus efeitos e fun-es, combinadas como um todo inseparvel que define o sentido da vida'.

No o objectivo deste artigo dissecar, separar e categorizar as possveis formas ou dimenses de ex-perincia. A Experincia um continuo, hibrdo que no se consegue delimitar pois tem tanto de ambguo como de abrangente. A experincia de um 'expert', a experincia de ver um oceano pela primeira vez ou a experincia de misturar materiais, que no haviam antes sido misturados, encontram-se em extremos de um espectro multi-dimensional e tm distintos valores semnticos. A experincia constante da vida. Os

3 Denomina-se de auto-destrutiva dada a tendncia que a sociedade capitalista tem em destruir valores existentes para poder 'vender' novos valores.

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membros do colectivo austraco 'Monochrome' (2005), criadores do manifesto 'Experiencia a experincia'4 consideram que "tudo est relacionado como experincia. [ ] tudo tem de ser experiencivel ou apresen-tado como 'experincia'."

De acordo com Varela (1991), que considerava os processos de conceptualizao como sendo motivados pelas estruturas da experincia corprea, Hall (2010) sustenta que a evoluo est mais relacionada com as nossas escolhas atravs da experincia do que com melhoramentos atravs da adaptao. Experincia sinnimo de conhecimento e de aprendizagem. Schinkel (2010), para quem a experincia percepo ou imaginao, aproxima a experincia esttica ao considerar a esttica como a experincia dos senti-dos. A experincia tambm potenciadora de conhecimento, para Giannetti (n.d.) a 'aquisio de conheci-mento, educao e cultura so dependentes das experincias de vida individuais'. Murdoch (2001), parece salientar a importncia do contexto e da experincia de grupo na aprendizagem quando afirma que '[a]prendemos ao atendermos a contextos, o vocabulrio desenvolve-se pela ateno prxima a objectos, e s podemos compreender os outros se de alguma maneira partilharmos os seu contextos.'

Assim, GreenRay pode ser considerada como contexto para experincia de grupo. Em GreenRay os parti-cipantes so confrontados com um meio/contexto novo, pronto a experimentar e para o qual no tinham qualquer instruo prvia. Ou seja, as obras em questo tambm so contextos de interaco social.

NEURNIOS ESPELHO

GreenRay afirma-se como experincia potenciadora de conhecimento e de sociabilizao. No final do scu-lo XX, um grupo de neurofisiologistas da Universidade de Parma considerou existirem neurnios que tanto so activados num indivduo quando observa outro a executar uma aco ou quando o prprio indivduo executa essa mesma aco. Este grupo de investigadores denominou a sua descoberta como 'mirror neurons'5 ou 'neurnios espelho', precisamente por serem uma espcie de reflexo interno das aces dos outros. Esta descoberta foi rpidamente associada aprendizagem de linguagem, de motricidade, socia-bilidade e a processamentos emocionais.

De forma a sustentar a relao do tema 'neurnios espelho' com a obra GreenRay, bem como a potn-cia desta enquanto experincia geradora de conhecimento, convm tecer outra considerao: GreenRay tambm um arranjo espacial, ocupa espao e como tal implica o movimento e a motricidade dos partici-pantes. Gallesse e Di Dio afirmam a noo fundamental da natureza motora da experincia e reforam-na: ' atravs do movimento que os elementos disponveis no espao podem ser conectados, que os objectos podem ser extrados do seu fundo e percepcionados, que as representaes e significado podem ser for-mados e articulados' (p. 688). Especialistas como Fogassi e Ferrari6 (2007) afirmam que 'os neurnios espelho so uma classe de neurnios do cortex pr-motor' denominados 'neurnios motor' e que o prprio sistema (neuronal) motor estar relacionado com a evoluo da linguagem. No caso da obra GreenRay, o movimento dos participantes um componente integral da experincia que a obra, logo, existe a induo recproca de activao dos 'mecanismos espelho' (neurnios espelho) dos participantes. Conforme Galles-se e Di Dio afirmam a 'activao do mecanismo espelho para aco tipicamente induzida pela observa-o de aces em curso, a sua relevncia para a experincia esttica durante a contemplao de obras de arte estticas pode ser insignificante' (p. 692).

No seu estudo Gallesse e Di Dio, que identificam a activao dos 'mecanismos espelho' como 'mecanismos de ressonncia encorporada', sugerem que estas ressonncias tambm aconteam durante a observa-4 Experience the experience - http://www.monochrom.at/experiences/5 Para uma iniciao ao tema sugere-se a consulta dos seguintes endereos: http://pt.wikipedia.org/wiki/Neurnio_espelho e https://en.wikipedia.org/wiki/6 Estes especialistas tentam justificar a hiptese de que diversos componentes da linguagem humana, incluindo alguns aspectos da fonologia e da sintaxe, possam estar embebidos nas propriedades organizacionais do sistema motor e que um conhecimento mais profundo deste sistema pode ajudar a explicar como evoluiu a linguagem (Fogassi e Ferrari, 2007).

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o de obras de arte fixas como pinturas, esculturas, fotografias, obras arquitectnicas, etc. J Hall (2010) denomina este tipo ressonncia como 'ressonncia cintica' provocada essencialmente pelo gesto.

GESTO

GreenRay um sistema hibrido composto por seres humanos e componentes no humanos. Os com-ponentes no humanos transformam-se de objectos em sujeitos porque actuam sobre os participantes humanos levando-os a agir e a reagir. E estas aces e reaces acontecem como gestos.

Hall (2010) denomina estas aces e reaces como 'gesto interactivo' dos participantes. Isto sugere que a experincia da obra dependa mais daquilo que ela suscita do que da sua aparncia. No caso particular de GreenRay, o gesto imprescindvel dos participantes que suscitado. O gesto corporal e facial, cujo sis-tema de performance e compreenso implementado nos neurnios espelho. Acharya e Shukla (2012), consideram que a partir do neurnios espelho que a linguagem humana evoluiu.

De facto, o gesto e a imitao do gesto, so, para muitos estudiosos, a chave da aprendizagem da lin-guagem, empatia e muitos outros avanos culturais. As teorias do espelho neuronal como fundao para a evoluo da linguagem humana tm pouco mais de uma dcada. Johnson (2010), defensor da teoria da mente incorporada7, afirma que grande parte do nosso conhecimento perceptual tem origem no mo-vimento, tanto nos nossos movimentos corporais como nas nossas interaces com objectos em movi-mento. McNeil (2006) afirma que os gestos podem ser considerados como agentes de interaco social ou como 'estmulos sociais'. Azar (2005) refere que a questo fundamental na agncia da gestualidade na socializao a forma como o crebro passa da compreenso das aces, enquanto aces, para a compreenso das aces enquanto smbolos.

GreenRay, que, intencionalmente no utiliza linguagem verbal, estimula aquela que talvez seja a forma mais antiga e o meio mais primrio de comunicao humano: a gestualidade; a gestualidade do corpo no seu todo. Conforme Hawkins (2012) afirma, uma compreenso da experincia da arte no apenas um acto intelectual mas sim, a percepo complexa do corpo como um todo.

Sustentada a gestualidade como meio de sociabilizao, conclui-se que GreenRay uma experincia social e socializante. O gestos estimulados pelos componentes no humanos em cada participante, ressoam nos restantes participantes que os possam observar. A gestualidade de cada participante portanto estimula-da simultaneamente pelos componentes humanos e no humanos do sistema, numa espcie de simbiose. Convm clarificar, que no contexto especfico da obras em causa, o gesto, mais do que um resultado da obra, tambm um dos meios da obra. O gesto dos participantes um meio da obra porque actua na entrada do sistema que a integra e, simultaneamente um resultado da obra porque esta provoca esse gesto.

ESPAO

A noo de espao mereceu um estudo aprofundado no processo de concepo e materializao de GreenRay. O espao sensvel aquele que apreendido com os sentidos. A percepo espacial uma actividade exploratria mediada pelo aparato sensrio motor dos seres humanos. De uma perspectiva enactiva (No, 2002), a percepo espacial enaco resultante da fuso estrutural do organismo com o seu ambiente. Na obra GreenRay, provoca-se precisamente essa actividade exploratria em que as pro-priedades espaciais so acessveis a mais do que um sentido (viso).

7 Scarinzi (2013), resume a teroria da mente incorporada como negao da separao da mente e do corpo, que v o significado, a razo e a imaginao como incorporados e une a razo emoo. Ou seja, de acordo Scarinzi, experincia e cognio so mediadas corporeamente e dependem das capacidades sensrio-motoras dos indivduos imersos num contexto biolgico, psicolgico e cultural que interage com o ambiente numa relao de co-determinao. (Apesar da teoria da mente incorporada ser completamente actual no contexto da presente investigao, conclui-se precisamente no se tratar de uma relao de co-determinao mas sim de co-indeterminao).

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Por termos um corpo somos seres localizados espacialmente e no estado de viglia olhamos sempre para uma qualquer direco. Assim, o espao sempre presente, uma constante na vida. A forma como per-cebemos o contexto espacial que nos rodeia uma parte fundamental do nosso pensamento e compor-tamento. GreenRay, enquanto arranjo espacial, pretende implicar simultaneamente os sentidos da viso, audio e tacto da audincia, afectando as suas escolhas e comportamentos. Reflectindo um desejo para o prazer sensual, esta obra fornece uma configurao que envolve a audincia tornando-a simultaneamen-te o elemento e meio fundamental da obra de arte. O conceito de objecto artstico, explorado no mbito do desenvolvimento desta obra, implanta informao num ambiente, constituindo um espao perceptvel modelado para a presena da audincia.

Ainda dentro do estudo da noo de espao, em GreenRay apropriaram-se e cruzaram-se conhecimentos da rea da arquitectura e do design de comunicao visual, entre outros. Reutilizaram-se as prticas/teorias da relao figura-fundo, na relao slido-vazio, reafirmando: que os espaos vazios, formados pelo posicionamento de objectos, so to ou mais importantes do que os prprios objectos; que espaos tridimensionais so considerados espaos positivos quando tm uma forma definida, dando a sensao de delimitao; que espaos positivos podem ser definidos por um nmero infinito de elementos como pontos, linhas, planos, ou iluminao; que os espaos que no so explcitos mas aparentes, so considerados implcitos. Em GreenRay afirma-se a equidade do espao 'vazio' e do espao slido. Os espaos positivo e negativo so definidos por objectos: corpos humanos; pontos, nos cruzamentos dos feixes laser; linhas, que so os prprios feixes de laser; planos, definidos por grupos de feixes de laser complanares; e tambm por volumes resultantes da interaco destes objectos no espao. Por exemplo, o volume abaixo do tapete de laser e o volume acima deste ou ainda o volume delimitado pelos feixes de laser.

Foi interessante constatar que os comportamentos dos seres humanos em GreenRay foram heterge-neos. Houve pessoas que preferiram colocar o seu corpo a bloquear os feixes, alterando o padro da tapearia, outras pessoas preferiam evitar os feixes caminhando apenas nos espaos delimitados pelos mesmos. Constatou-se com a interaco destas ltimas pessoas, que apesar de estarem perante raios de laser, comportaram-se como se de arames se tratasse. Afirmando que o espao ocupado e determinado pelos feixes de laser, a sua fisicalidade e materialidade, so percepcionadas da mesma forma - convicta - que se percepcionam os volumes slidos.

Espaos urbanos so passagens, atravs das quais se movem corpos, smbolos e coisas materiais. Alguns deles tm mais carcter de limiar do que outros, alguns at se desenvolvem em fronteiras extensas (For-ns 2002).

GreenRay um espao urbano, um espao urbano limiar, um espao de passagem, de transio entre um espao exterior e um espao interior. A obra foi intencionalmente concebida como local de passagem e instalada na zona de acesso ao edifcio da discoteca Lux, de forma que quem se dirigisse entrada do edifcio era obrigatoriamente embebido no espao da obra, sendo transformado, imediatamente, em meio da obra.

MULTIPLICAO/GNESE

A ideia para a obra GreenRay nasce de forma quase 'acidental', numa noite de vero do ano de 2009, enquanto se testavam hipteses para novas configuraes pticas. Dada a disponibilidade de alguns dis-positivos laser, no laboratrio onde se desenvolveu esta obra, de forma intuitiva experimentou-se fazer incidir um feixe de luz lazer sobre um CD. Imediatamente se observaram, padres visuais curiosos provo-cados pela projeco, numa parede, da combinao de luz laser reflectida e difractada pelo CD. Apesar da curiosidade e entusiasmo temporrios, despertados pelas possibilidades visuais destes padres, a diviso do feixe luz laser - em luz reflectida e luz dispersa/difractada - e consequente perda de brilho - pois ao dividir o feixe de luz, cada feixe resultante brilha com menos intensidade - levou a que se optasse por uma configurao que em vez de dividir o feixe, o multiplicasse. A soluo foi utilizar dois espelhos planos

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paralelos. Sem se pretender discorrer sobre a importncia do espelho na humanidade e em particular na filosofia, na arte8, na matemtica e na fsica, fundamental no contexto ps-digital desta desta obra, referir a ideia de multiplicao permitida pela justaposio de pelo menos dois espelhos. No se pretende discu-tir os fenmenos do clculo ou da computao, mas, de facto, a reflexo especular mltipla do espelho, apresentou-se como uma poderosa, eficiente e instantnea forma de clculo e computao que apesar da sua simplicidade e antiguidade supera a capacidade dos mais modernos dispositivos de computao ao realizarem a mesma tarefa9. Computar sem computador, e calcular automaticamente mais rpido do que o computador, apresentou-se como hiptese contrastante, de grande teor crtico sociedade compu-tadorizada e digitalizada da actualidade. Em GreenRay, o padro gerado pela combinao de feixe de lazer e espelhos forma-se velocidade da luz. Um padro semelhante visualizado num cran, calculado por um computador, seria formado mais lentamente, dependendo, entre outros factores, da velocidade de proces-samento do computador. Este facto s seria contrariado se, hipotticamente, existissem computadores a operarem a velocidades superluminais.

Ainda em laboratrio, decidiu-se qual a forma de participao e o nvel de controle a dar audincia. Cons-trudo um prottipo de pequenas dimenses, constitudo por dois espelhos planos paralelos e um feixe de luz lazer verde, decidiu-se que os utilizadores de GreenRay poderiam, enquanto meio, participar e trans-formar a prpria obra, utilizando para tal apenas o seu corpo como obstculo ao fluxo dos feixes de laser.Considerou-se o fenmeno de reflexo mltipla como um simples processo de multiplicao iterativo. No contexto da investigao de que resultou GreenRay, cada iterao corresponde ao percurso da luz do feixe de laser reflectido, segundo a lei da reflexo especular, de um espelho at ao espelho oposto. A in-terrupo do feixe de laser por parte de um utilizador, sinnimo de interrupo da iterao do processo de multiplicao. Ao interromper o feixe de laser, o utilizador determina o 'multiplicador' e consequente-mente o padro visual que o produto da 'operao'. Teoricamente, a multiplicao matemtica pode ser descrita como um forma de adicionar uma quantidade finita de nmeros iguais. Conceptualmente e na prtica, no prottipo de GreenRay, o comprimento dos espelhos finito pelo que o numero de reflexes tambm o . Outro tipo de multiplicao - ampliao - a passagem do prottipo de pequenas dimenses para a instalao da obra em tamanho real: um tapete de luz com 8 metros de largura por 20 metros de comprimento. A concretizao do fenmeno da reflexo especular, na instalao GreenRay, em tamanho real - 8m x 20m, levantou uma srie desafios/constrangimentos que sero descritos adiante neste artigo.

Figura 5 - Modelos para o festival STRP.

8 Diversos artistas utilizam espelhos como meio nas suas obras, tanto como forma de integrao da audincia, bem como, como forma de multiplicao da imagem do real. De entre esses diversos artistas sugere-se a consulta das obras de Dan Graham, Jeppe Hein, Bojan-Sarcevic, Anish Kapoor, Ken Lum, Graham Caldwell, Olafur Eliasson, Joachim Sauter ou do colectivo United Visual Artists.9 Considere-se o exemplo clssico do Caleidoscpio, inventado no incio do sculo XIX, que tem sido revisitado e mimetizado em diversos algortmos e programas de computador para a criao e investigao de padres. O caleidoscpio gera padres 'instantaneamante' ou velocidade da luz. Um computador, com os dispositivos de visualizao apropriados pode gerar padres semelhantes, mas ser sempre sua velocidade de processamento.

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Figura 6 - Desenho tcnico para o festival Digital Graffiti.

VISIBILIDADE DO LASER

Apesar da luz, enquanto fenmeno electromagntico, se poder propagar no vazio, para que um feixe de luz 'laser' seja visvel necessria matria, por exemplo partculas de atmosfera que o reflitam. A primeira apresentao da obra GreenRay aconteceu no Cais da Pedra, em frente discoteca Lux Frgil, ao lado da estao de Santa Apolnia, no dia 22 de Setembro de 2009.

Por se tratar de uma zona ribeirinha, na margem do rio Tejo, e dadas as estatsticas anuais dos nveis de hmidade na zona, considerou-se que a humidade 'neblina' nocturna seria suficiente como meio de reflexo que desse visibilidade luz dos feixes de laser. Contudo, uma semana antes da instalao da obra, observa-ram-se mapas produzidos por modelos de previso metereolgica, que contra todas as probabilidades dos mapas estatsticos, indicavam percentagens de nebulosidade baixa, abaixo dos 5%, para a noite em que estava programada a apresentao da obra. Ou seja, por 'coincidncia', parecia tratar-se da noite mais seca do ano, quando para o sucesso e visibilidade da obra, era necessria humidade e neblina para que as linhas, de luz dos feixes laser, fossem bem visveis e definidas. Assim, e lembrando a lei de Murphy10, conhe-cendo a estatstica e sabendo que a previso poderia estar errada, optou-se por assegurar uma soluo alternativa, caso se confirmasse a baixa nebulosidade na noite da apresentao. A soluo foi considerar a utilizao de duas mquinas de hase e duas ventoinhas (para espalhar o fumo) para manter uma nebu-losidade artificial, o mais homognea possvel. As previses metereolgicas confirmaram-se e foi mesmo necessrio utilizar a alternativa de produzir nebulosidade artificial. Apesar da manuteno de uma relativa homogeneidade na densidade do fumo ser um exerccio extremamente difcil, num ambiente ao ar livre sujeito s imponderabilidades atmosfricas, como a brisa, o resultado foi assegurado. Todas as pequenas variaes na densidade do fumo foram assumidas como atributo plstico e esttico.

Figura 7 - Efeito da variao de densidade do fumo.

10 Anything that can go wrong will go wrong (Edward Aloysius Murphy cited em Spark, 2006). Traduo do autor: 'Qualquer coisa que possa correr mal, vai correr mal'.

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Por se tratar de uma obra materializada com luz, o seu impacto visual potenciado por um ambiente envolvente escurecido. O local onde aconteceu a obra GreenRay contguo ao Porto de Lisboa, local onde existem por norma e por questes de segurana luminrias muito potentes, o sucesso da apresentao da obra passou tambm pela desactivao destas luminrias que so da responsabilidade das autorida-des porturias de Lisboa. A autorizao e aco para manter as duas luminrias desligadas, durante uma noite de apresentao da obra GreenRay, foi fruto de um laborioso processo de negociao.

DO PROTTIPO AO TAMANHO REAL

Outro dos grandes constrangimentos - encarado como desafio - na implementao desta obra foi a am-pliao do prottipo de pequena escala, para a instalao da obra em tamanho real. Em laboratrio o prottipo foi construdo inicialmente, utilizando um laser verde classe IIIb de 532 nm e 150 mW. Apesar de ser uma classe de laser que j pode causar leses oculares se apontado directamente para os olhos, considerou-se que este risco seria minimizado ao colocar o feixe de laser na horizontal, a 10 cm do cho. Com dois espelhos de 42 x 5 cm colocados paralelamente, frente a frente a uma distncia de 21 cm entre si, fazendo incidir o laser num dos espelhos segundo um ngulo de 80, o fenmeno de reflexo mltipla foi eficiente, sendo que, as 12 primeiras reflexes do feixe tinham visibilidade e brilho suficientes para o resultado esttico que se pretendia. Contudo, a ampliao da instalao para tamanho real, com uma rea mais de 2000 vezes maior do que a rea no prottipo11, levantou novo desafio: a distncia a percorrer por cada feixe de laser, entre cada reflexo era cerca de 50 vezes maior. Esta maior distncia a percorrer pelos feixes laser associada aos factos de que a 'neblina'12 reduz a profundidade de penetrao do laser13 e que o brilho do feixe de laser consideravelmente reduzido aps cada reflexo (apesar de se terem con-siderado espelhos planos de baixa absoro), levou a um dos grandes desafios tcnicos deste projecto: a escolha e montagem dos mdulos laser.

Constatou-se uma necessidade de balancear constrangimentos. A 'neblina' era necessria para a boa visibilidade do laser mas, simultaneamente reduz a sua potncia ao longo do trajecto do feixe. Utilizando projectores laser mais potentes aumenta-se a distncia percorrida e visibilidade do laser na 'neblina' mas tambm se aumentam os riscos para os utilizadores. A montagem de GreenRay resulta do balano equi-librado entre a visibilidade e potncia esttica da obra com os limites da segurana dos utilizadores e a legalidade. Aps observao e investigao sobre montagens tpicas de laser ao ar livre, constatou-se que a potncia mnima necessria para a concretizao de GreenRay seriam 5 W, classe IV14, o que levou a instalao dos lasers para um nvel logstico totalmente imprevisto, no que diz respeito segurana, lei e ao custo.

Atendendo a que a obra GreenRay consistia na interaco da audincia com a tapearia de laser, mais concretamente, na interrupo dos feixes de laser pela audincia, e dada a data em que seria apresentada a instalao (Setembro 2009), final de vero, em que muitas pessoas andam por exemplo de cales ou mini saias com a pele das pernas descobertas, por questes de segurana15, optou-se por um configura-o ptica que permitisse reduzir a potncia dos feixes de laser. A soluo passou por dividir cada feixe em feixes de menor intensidade. Esta soluo teve uma dupla funcionalidade: simultaneamente dividiu e multiplicou cada feixe.

11 O prottipo com 0.42 x 0.21 metros ocupa uma rea de 0.0882 m2 a instalao real com 20 x 10 m ocupa uma rea de 200 m2.12 No caso concreto da Instalao GreenRay, a neblina seria a humidade natural mas na ausncia desta, utilizou-se neblina

artificial produzida por uma mquina de haze.13 [...]high surface waves and heavy fog decreases the depth penetration of the lasers. (Stolt & Rebenhorst, 2011).14 A classe IV a categoria mais alta e mais perigosa de lasers. Lasers desta categoria podem causar queimaduras na pele e danos irreversveis nos olhos.15 Os laser utilizados na tapearia de luz greenray tm 5W pelo que a sua utilizao implica autorizaes legais especiais de acordo com as leis em vigor nos diferentes pases.

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Utilizando um dispositivo ptico denominado gratting beam spliter16 ou divisor de feixe, cada feixe foi divi-dido em 14 feixes, ou seja multiplicou-se o nmero de feixes visveis e dividiu-se a potncia de cada laser antes deste incidir nos utilizadores ou nos espelhos. Sem se considerar a quantidade de luz absorvida pelo prprio divisor, cada um dos 14 feixes resultantes da diviso tinha um mximo de 355 mW. Desta forma, apesar de ainda ser uma potncia de laser muito perigosa para os olhos, cada um dos feixes visveis na instalao j no poderia provocar danos na pele dos utilizadores. A nvel prtico, a opo de utilizar lasers mais potentes revelou-se muito funcional e vantajosa pois para a montagem da obra s foi necessrio alinhar 8 dispositivos laser de 5W em vez dos 30 mdulos de 20 mW inicialmente previstos. Contudo, a nvel logstico, a utilizao destes laser topo de gama levantou mais uma srie de desafios. Em primeiro lugar, em Portugal, interdito o uso por particulares de dispositivos laser com mais de 5mW de potncia17

e os Laser utilizados em GreenRay so 1000 vezes mais potentes, pelo que foi necessrio contratar uma empresa especializada e autorizada a operar este tipo de laser. Em segundo lugar, em GreenRay os feixes de laser tambm incidem sobre o corpo - pernas - dos utilizadores, esta tcnica denominada nos meios profissionais da especialidade como Audience Scanning sendo proibida em alguns pases como Estados Unidos ou Sucia18. Porque a lei Portuguesa omissa em ralao projeco de laser sobre pessoas para fins recreativos, considerou-se no existir ilegalidade. Aps uma pesquisa a companhias que pudessem alugar e operar com segurana o tipo de laser necessrio materializao de GreenRay, optou-se por uma empresa Belga pois em toda a pennsula ibrica no existia qualquer companhia que possusse os recursos tcnicos e humanos que garantissem o sucesso e a segurana da instalao. Na apresentao da obra Greenray foram utilizados 8 mdulos laser de 5W divididos em 14 feixes cada, resultando em 112 feixes visveis antes da reflexo mltipla nos espelhos.

CONCLUSO

Na noite em que foi apresentada, a obra GreenRay, foi experienciada por cerca de 1400 pessoas. Alm disso, a documentao audiovisual sobre a mesma foi tambm vista por vrios milhares de pessoas. Esta documentao foi seleccionada por curadores de importantes publicaes sobre iluminao e arquitectu-ra, das quais se destacam a revista enlighter19, onde a obra GreenRay apresentada a par de obras de autores como Zaha Hadid ou United Visual Artists; e o blog do Media Architecture Institute20.

A obra despertou tambm o interesse de Vivian van Gaal, administradora da programao artstica do festival STRP21 que oficialmente dirigiu um convite para que a obra fosse instalada como portal da edio de 2010 deste festival. Por limitaes logsticas e financeiras este convite no pode ser aceite. Conforme descrito, parte desta obra constitui-se de uma abordagem escultrica/arquitectnica construda com fei-xes de laser e espelhos. Apesar de se poder tratar de mera coincidncia, e apesar de no ser a primeira obra de arte a utilizar laser ou espelhos, constatou-se que, posteriormente publicao da documentao sobre GreenRay, em Outubro de 2009, surgiram outras obras de relevo no panorama internacional, que utilizam precisamente a mesma abordagem: objectos escultricos construdos com feixes laser e espe-lhos. Destas obras destacam-se a partir de 2010 os projectos do colectivo GNI22 e em 2010 o projecto Speed of light do colectivo UVA23. Contudo, a incluso da audincia na modelao da obra em GreenRay confere-lhe uma qualidade distinta: a obra que passa de objecto a sujeito provocador, actuando sobre a audincia, levando-a a praticar aces que nunca praticariam sem as obras.

16 Informao tcnica sobre diviso de feixe laser pode ser consultada em: http://www.optometrics.com/Products/products_beam_splitters.html#Transmission%20Grating%20Beamsplitters17 O Decreto-Lei n. 163/2002 estabelece como potncia mxima de laser para comercializao e/ou uso particular os 5mW.18 A consulta de um artigo de Benner (2001) sobre segurana com laser projectado sobre a audincia foi fundamental para compreender a exequibilidade da obra GreenRay.19 http://www.enlightermagazine.com/projects/greenray-lux-fragil20 http://www.mediaarchitecture.org/green-ray-lisabon/21 http://strp.nl/nl/22 http://www.gni-projects.com/23 http://www.uva.co.uk/work/speed-of-light

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