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UNIVERSIDADE PAULISTA
FABIANA FERNANDES DE SOUZA
MARIA IZABEL FERNANDES DE SOUZA
AS FIGURAS DE LINGUAGEM EM ROMEU E JULIETA
DE WILLIAM SHAKESPEARE
SANTOS
2010
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UNIVERSIDADE PAULISTA
FABIANA FERNANDES DE SOUZA 7194854
MARIA IZABEL FERNANDES DE SOUZA 9565396
AS FIGURAS DE LINGUAGEM EM ROMEU E JULIETA
DE WILLIAM SHAKESPEARE
Orientadora: Profª Cybelle Croce Rocha Crane
SANTOS
2010
Trabalho de conclusão de curso para
obtenção do título de graduação em
Letras apresentado à Universidade
Paulista – UNIP.
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FABIANA FERNANDES DE SOUZA 7194854
MARIA IZABEL FERNANDES DE SOUZA 9565396
AS FIGURAS DE LINGUAGEM EM ROMEU E JULIETA
DE WILLIAM SHAKESPEARE
Aprovado em:
BANCA EXAMINADORA
____________________________/__/__
UNIVERSIDADE PAULISTA – UNIP
____________________________/__/__
UNIVERSIDADE PAULISTA – UNIP
____________________________/__/__
UNIVERSIDADE PAULISTA – UNIP
Trabalho de conclusão de curso para
obtenção do título de graduação em
Letras apresentado à Universidade
Paulista – UNIP.
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Dedicamos este trabalho aos nossos familiares e amigos, pela paciência e por nossa falta de tempo e por todo o apoio nessa nova etapa que está para se concluir.
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AGRADECIMENTOS
Agradecemos primeiramente a Deus pela oportunidade e pela força obtida
durante o curso. Aos nossos familiares pela compreensão, muitas vezes deixados
em segundo plano e mesmo assim sempre nos apoiando e dando o suporte
necessário para que esse objetivo fosse concluído. A nossa professora e orientadora
Cybelle, por colaborar e nos ajudar no desenvolvimento de nossas idéias, assim
como todos os professores sempre determinados a nos transmitir conhecimento e
sabedoria, com o propósito de nos tornar profissionais, seja na educação ou outra
área de nossa escolha, dentre muitas que o curso nos proporciona.
Enfim, agradecemos também a todos os colegas de classe pelo apoio e
companheirismo colaborando tanto direta como indiretamente para a conclusão de
mais uma etapa de nossas vidas.
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RESUMO
Romeu e Julieta é uma das obras mais conhecidas da literatura universal. Seu escritor, William Shakespeare, é considerado um dos melhores dramaturgos de todos os tempos. Com a sua linguagem rebuscada e singular, suas obras são, mesmo após 400 anos de existência, estudadas arduamente. Isto se dá pelo fato de que, cada vez que são lidas, suas obras apresentam novas mensagens e mistérios para serem pesquisados. As Figuras de Linguagem estão presentes em praticamente todas as páginas de suas obras, e também em Romeu e Julieta, que são discutidas neste trabalho. São identificadas as comparações, metáforas, antíteses, paradoxos e sinestesias, explicando os sentidos que as figuras trouxeram para cada frase analisada. Os passos metodológicos deste trabalho foram iniciados com a leitura da obra, a vida do autor, sua época, sua linguagem, e posteriormente, de acordo com a leitura de toda a base que foi possível encontrar, a análise propriamente dita das figuras na obra. O resultado desta análise é apresentado de acordo com as seguintes seções: Introdução – quais são os objetivos e o conteúdo deste trabalho; A Literatura Inglesa – com um breve resumo da literatura na época em que Shakespeare escreveu suas peças; William Shakespeare – uma pequena biografia do autor e suas obras; Romeu e Julieta – o resumo da obra, suas características de linguagem e a tradutora que foi escolhida para a análise deste trabalho; A Linguagem Literária – uma introdução do tema Figuras de Linguagem com suas definições e seu uso; E ainda, As Figuras de Linguagem em Romeu e Julieta – onde é possível encontrar a análise das figuras na obra.
Palavras-Chave: Romeu e Julieta. William Shakespeare. Figuras de Linguagem.
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ABSTRACT
Romeo and Juliet is one of the best-known works of all literature. Its writer, William Shakespeare, is considered one of the best playwrighters of all times. With its flowery and singular language, his works are studied hard even after 400 years of existence. This is due to the fact that, every time it is read, the piece shows new messages and mysteries to be searched. Figures of speech are presented in nearly every page of his works, we will focus on Romeo and Juliet in this paper. It is identified the comparisons, metaphors, antitheses, paradoxes, prosopopeias, hiberbaton, and explained the meanings they brought the figures to each sentence analyzed. The methodological steps of this work started with the reading of the work, looking over the author's life, his times, his language, and later, according to the reading of the entire base that could be found, the actual examination of the figures in work. The result of this analysis is presented in this work in accordance with the following sections: Introduction - making clear what are the objectives and content of this work; The English Literature - with a brief summary of the literature at the time Shakespeare wrote his plays; William Shakespeare - a short biography of the author and his works; Romeo and Juliet - this section is the summary of the work, the characteristics of language and the translator of the work that was chosen for the analysis of this work; The Literary Language - an introduction to the teme Figures of Speech with their definitions and usage; And yet, the figures of speech in Romeo and Juliet - where you can find the analysis of the figures in the work.
Key-words: Romeo and Juliet. William Shakespeare. Figures of Speech.
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SUMÁRIO
Resumo.....................................................................................................................07
Abstract.....................................................................................................................08
Lista de Figuras.........................................................................................................11
Introdução..................................................................................................................12
I – Conceito de Literatura................................................................................14
1.1 A Literatura Inglesa....................................................................................14
II – William Shakespeare…………………………………………………………16
2.1 Vida............................................................................................................16
2.2 Obra...........................................................................................................17
III – Romeu e Julieta........................................................................................19
3.1 Tradutora: Barbara Heliodora....................................................................19
3.2 Resumo.....................................................................................................20
3.3 Estruturação do texto: Comédia/Tragédia.................................................22
3.4 Linguagem.................................................................................................23
3.4.1 Poética.........................................................................................23
IV - A Linguagem Literária..............................................................................26
4.1 A Linguagem Figurada.............................................................................26
4.2 Figuras de linguagem: Definição e Uso....................................................28
4.2.1 Figuras de Som............................................................................28
4.2.2 Figuras de construção ou de Sintaxe...........................................29
4.2.3 Figuras de Palavras ou de Pensamento......................................31
V - As Figuras de Linguagem em Romeu e Julieta........................................35
5.1 Análise.......................................................................................................35
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Conclusão...................................................................................................................49
Anexos........................................................................................................................51
Referências Bibliográficas..........................................................................................55
Bibliografia..................................................................................................................57
1
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1........................................................................................................51
FIGURA 2........................................................................................................52
FIGURA 3........................................................................................................52
FIGURA 4........................................................................................................53
FIGURA 5........................................................................................................54
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INTRODUÇÃO
William Shakespeare, dramaturgo inglês, tem a maioria de suas peças como
objeto de muitos estudos em todo o mundo. Sua linguagem é singular e a cada
leitura ou apresentação pode-se descobrir algo novo ou uma nova mensagem. Isto
impulsiona cada vez mais estudá-lo e tentar entender o que este autor quis dizer,
justificando assim, a escolha do tema.
A linguagem das peças Shakesperianas do século XV são de grande
dificuldade de compreensão aos leitores da atualidade, mas não para as platéias
originais, pois para estes era uma linguagem coloquial1 e cotidiana2. Além disso,
prevalecia à característica original do autor, por vezes trazendo a neologia à tona,
fazendo com que a linguagem ficasse mais rebuscada e com certas codificações
que o receptor acompanhava de imediato, mas, porém quando essas codificações
são analisadas e interpretadas com mais atenção, pode-se compreender todos os
possíveis significados que o autor quer expressar.
Romeu e Julieta consiste nesta arte de expressão de difícil acesso e
interpretação para a atualidade, tendo em cada trecho uma nova figura de
linguagem a ser decodificada. O objetivo deste trabalho remete então a análise e
interpretação desta obra em decorrência de sua linguagem que cria novas relações
entre as palavras e estabelece associações inesperadas e até mesmo estranhas,
para que seja possível compreender o seu conteúdo.
No capítulo I e II consiste na apresentação resumida da história da literatura
inglesa tendo como base a época que Shakespeare viveu e escreveu suas peças, e
ainda, a vida e a obra do autor, tal como também, a separação dos períodos em que
suas peças se dividiram. E ainda, informa o momento histórico em que a obra mais
amada do autor (HELIODORA, 2009, pg. 128), Romeu e Julieta, foi escrita. Além de
várias informações como a sua sinopse, linguagem utilizada e fontes textuais e
estruturação do texto. Já o capítulo III fornece uma análise da linguagem figurada
em textos literários, definições e usos das figuras de linguagem mais utilizadas e
1 Referência ao uso espontâneo da língua.
2 Que ocorre diariamente.
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ainda uma identificação da linguagem que Shakespeare usou em suas obras. As
figuras linguagens mais utilizadas pelo autor na obra estudada são descritas e
analisadas no Capítulo IV, sendo elas: comparações, metáforas, antíteses,
paradoxos, prosopopéias e hibérbatos, interpretando cada mensagem expressa
figuradamente, tendo como escolha, as mais abordadas pelo autor, no decorrer dos
Atos.
Este trabalho é elaborado utilizando a metodologia de pesquisa explorativa e
dissertativa em livros para mostrar e ilustrar a vida do autor, sua obra e sua
linguagem, além disso, fundamentar-se nas definições e usos de cada Figura de
Linguagem.
De acordo com Richard Eyre (2000, pg.16) “A vida da peça está na
linguagem”, portanto é apresentado um trabalho com o objetivo de se aprofundar na
linguagem figurada de Shakespeare em Romeu e Julieta e tudo que se esconde por
detrás da mesma para que haja uma melhor compreensão de sua estrutura e
conteúdo.
14
1. CONCEITO DE LITERATURA
William Shakespeare faz parte da Literatura Inglesa. Para que seja possível
analisar este autor é necessário entender o que foi a literatura de seu tempo, o que
ocorreu historicamente e como isto afetou seus escritos.
De acordo com Burgess (2008), Literatura é a arte expressa por palavras,
aceitando inúmeras flexões e sentidos. Um longo período foi preciso até a
organização de códigos linguísticos e associações de infinitas expressões, para que
pudessem surgir as primeiras representações gráficas. Muitas informações foram
encontradas através de registros, símbolos e desenhos, até enfim, surgir o texto
escrito e daí em diante as ideias, e os sentimentos mais profundos que viríamos a
chamar de Literatura.
“A Literatura é parte fundamental da cultura dos povos civilizados. A cultura é tudo o que deriva do convívio humano, da interação do homem com seu universo físico e espiritual. Ela não faz parte da natureza, é o que o homem produz em termos de constatações, informações, comportamentos, religiosidade, hábitos, usos e costumes... e artes. Todos esses dados são transmitidos de geração para geração”. (OLIVEIRA, pg. 09, 1999)
1.1 A Literatura Inglesa
A Literatura Inglesa é a literatura escrita em inglês. Um autor de outra
nacionalidade, conhecendo a língua inglesa, poderá escrever uma obra literária em
inglês e assim fazer parte da mesma. Com isto, esta literatura não se refere a uma
nacionalidade de um povo específico, mas sim ao uso da língua. A arte da literatura
é a parte que explora a língua nacional e qualquer um pode contribuir para os
escritos literários. (BURGESS, 2008)
“Este trono real, esta ilha imperial Esta terra de majestade, este lar de Marte,
Este outro Éden, meio-paraíso, Esta fortaleza construída pela própria Natureza
Contra a doença e a mão da guerra, Esta feliz criação dos homens, este pequeno mundo,
Esta pedra preciosa no mar prateado, Que serve no ofício de um muro,
Ou como um fosse que defende uma casa, Contra a inveja dos inimigos que têm menos terra,
Esta história abençoada, esta terra, este império, esta Inglaterra.” (Descrição de Shakespeare da Inglaterra de seus dias. Tradução de Rozakis,
2002, pg. 13)
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Nesta passagem, Shakespeare descreve qual era a sua visão sobre seu país,
a Inglaterra de seu tempo, avançando em todos os sentidos, como: economia, artes
e política. Durante o período de 1485 até 1625 na Inglaterra – sendo este o tempo
histórico de Shakespeare – existiram vários movimentos3 e períodos4, como
(ROZAKIS, 2002, pg. 14-15):
Renascença ou Renascimento que teve inicio na Itália no século XIV,
chegando à Inglaterra nas últimas décadas do século XV. Este movimento
serve para designar o ‘florescimento da arte, do conhecimento e da literatura.’
Este foi o movimento e o período em que Shakespeare viveu, tornando-se
então o que mais o influenciou na questão de escrita, forma e temas.
A Época Elizabetana - Dentro da literatura inglesa existe um dos maiores
movimentos já visto nessa literatura, o chamado Teatro Elizabetano
(Isabelino) ou Teatro Renascentista Inglês. Inicialmente escrito para os
nobres, fora conhecido como o drama elizabetano, sendo encenado em
lugares especiais, mas logo ganhariam as ruas, tornando-se popular, e assim,
fazendo se si próprio um medidor social, pois nas apresentações atraia
pessoas de todas as classes: de príncipes a camponeses. Mas, com o passar
do tempo obteve uma péssima reputação. Geralmente seus temas eram a
moralidade junto com tabus sociais, como: sexo, morte ou loucura, e tendo
como exemplo o tipo de peça desta época, a obra deste trabalho, Romeu e
Julieta, pois são dois jovens de catorze anos que decidem se casar e fugir de
casa. Eram de grande qualidade as peças feitas e realizadas neste período,
além disso, a sua intenção era de aproximar os personagens fazendo-os
semelhante aos espectadores, com dúvidas, problemas e triunfos. Com isto,
conseguindo assim, emocionar a todos até os dias atuais. Este foi o período
que marcou a grande ascensão da literatura inglesa dentro da renascença,
pois a Rainha Elizabeth decidiu investir nas artes, reunindo grandes artistas
de todos os tipos e, é claro, grandes escritores. A maioria das peças desta
época são dedicadas a ela.
3 União de vários escritores para criar um novo estilo.
4 Espaço de tempo, época, fase.
16
2. WILLIAM SHAKESPEARE
William Shakespeare (FIGURA 1) nasceu em 23 de abril de 1564, em
Stratford-upon-Avon (FIGURA 2/3). Foi o terceiro filho do casal John e Mary, porém
o primeiro a sobreviver à infância.
2.1 Vida
Não se tem muitos registros oficiais sobre Shakespeare, o pouco que se
sabe, é baseado em biografias já existentes. (HOLDEN, 2001, pg.21) Não existem
registros oficiais sobre sua vida. Para obter informações sobre William, deve-se
recorrer a biografias sobre o autor.
Shakespeare teve uma vida financeira estável até seus 12 anos, quando seu
pai, que fabricava bolsas e luvas de couro, mas faliu. Foi obrigado a interromper
seus estudos e trabalhar, para ajudar no sustento da família. (HOLDEN, 2001, pg.
52) Desde criança não teve uma vida fácil, pois foi obrigado a interromper seus
estudos e ajudar no sustento da família. Em agosto de 1581, com 18 anos,
encontrou Anne Hathaway, de 26 anos, com quem se casou, provavelmente em
1582, e alguns meses depois, sua esposa já estava grávida. Tiveram três filhos,
Susanna em 1583, e os gêmeos Judith e Hamnet em 1585 (MOURTHÉ, 2007, pg.
15).
Não existem documentos oficiais de quando ele partiu para Londres, porém
estima-se que tenha sido em 1587, com a trupe “Homens da Rainha”, que estava
em Stratford para apresentações. (HOLDEN, 2001, pg. 88). Trabalhou em um
açougue, e em pouco tempo começou a trabalhar no teatro. Teve diversas
oportunidades de interpretar papéis secundários e até substituir atores em papéis
mais importantes. Dessas oportunidades de ator, começou a escrever suas próprias
peças e assim, iniciou-se como dramaturgo. Algumas de suas peças foram
representadas em Londres a partir de 1592 (HOLDEN, 2001, pg. 95).
Documentos e registros atestam que William tornou-se rico, era sócio do Globe
Theatre (FIGURA 4), casa onde eram representadas as peças. E ainda comprou a
segunda maior casa de Stratford em 1597, a New Place (HOLDEN, 2001, pg. 160).
Depois de alguns anos, já muito cansado, resolveu se desligar do Globe e
voltar para sua cidade, onde sua família o esperava. Passou seus últimos anos de
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vida, entre idas e vindas para Londres e Stratford. Já escrevia muito pouco, somente
peças pequenas, e sua ultima obras dizem ser colaborações (HOLDEN, 2001, pg.
241).
William Shakespeare ainda viu suas filhas casarem antes de morrer. Ele morreu
em 23 de abril de 1616, dia de seu aniversário. O motivo de sua morte ainda é um
mistério. Seus restos mortais foram sepultados em Stratford-upon-Avon, na Holy
Trinity Church.(HOLDEN, 2001, pg. 258)
“Não foi Shakespeare considerado sempre uma figura tão simbólica. Foi ator e dramaturgo numa época em que nem atores nem o teatro tinham importância ou prestígio. A idéia de ser êle o gênio supremo da raça inglesa só surgiu depois de decorrido um século de sua morte. Desde então, porém, firmou-se ela de tal maneira que nenhum estudante deixa de fazer um estudo detalhado de pelo menos uma de suas peças.”( HARRISON, 1966, pg.7)
Durante sua vida, não teve o tão sonhado reconhecimento. Um século depois
de sua morte até os dias atuais, ele é considerado um gênio da literatura.
Influenciando estudantes a fazer estudos aprofundados sobre suas obras.
2.2 Obra
Suas obras marcaram época, a grande maioria ficou muito conhecida. São
obras rebuscadas, de linguagem mais complexa, mas que mesmo assim, ainda
fazem sucesso nos dias atuais.
As obras de Shakespeare podem ser divididas em 3 partes:
A primeira vai de 1590 à 1602, escreveu comédias, dramas e tragédias, no
estilo renascentista.
A segunda fase de 1603 à 1610, ele escreve comédias amargas e tragédias
grandiosas, quando está no seu auge produtivo.
A última fase de 1611 à 1616, marcada pelo lançamento de peças que têm o
final conciliatório.
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ANO / FASE 1ª Fase 2ª Fase 3ª Fase
1587 - 1592 Os dois cavalheiros de Verona ; Henrique VI – parte I, II e III; Tito Andrônico
1593 -1594 A comédia dos erros; A megera domada; Trabalhos de amor perdidos
1594 - 1595 Sonho de uma noite de verão; Os mercadores de Veneza; Romeu e Julieta; Ricardo II
1596- 1597 Henrique IV; Alegres comadres de Windsor
1598 - 1599 Muito barulho por nada; Como gostais; Júlio César
1600 - 1601 Hamlet
1601-1608 Tudo bem quando termina bem
1604 Otelo; Medida por medida
1605 Rei Lear
1606 - 1607 MacBeth; Antônio e Cleópatra
1607 - 1608 Coriolano
1610 -1611 Conto de inverno
1611 A Tempestade
1612 - 1613 Henrique VIII
1613 Dois Nobres Parentes
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3. ROMEU E JULIETA
Romeu e Julieta (do inglês Romeo and Juliet ) é uma obra escrita por volta de
1591 e 1595 por William Shakespeare, tornando-se posteriormente, uma das obras
mais famosas do autor e toda a literatura universal.
3.1 Tradutora: Barbara Heliodora
Há inúmeros tradutores de Romeu e Julieta como Jean Melville ou Maria José
Martins, e para este trabalho foi selecionada uma das melhores tradutores do gênero
para poder ser feita a análise: Heliodora Carneiro de Mendonça. Nascida no Rio de
Janeiro – RJ em 1923 é a autoridade máxima quando se trata de William
Shakespeare no Brasil, tendo representado o país em congressos internacionais. Foi
condecorada pela Academia Brasileira de Letras com a medalha João Ribeiro que
homenageia aqueles que tenham se destacado e notabilizado no âmbito cultural.
Tradutora, crítica, ensaísta e professora de teatro na UNI-RIO até a sua
aposentadoria em 1985 e, posteriormente, na Universidade de São Paulo onde
leciona e defende sua tese de doutorado “A Expressão Dramática do Homem
Político em Shakespeare”. Sempre se dedicou a tradução tendo em seu nome
inúmeras traduções deste autor, e para este trabalho foi escolhida sua tradução de
Romeu e Julieta.
A maior preocupação da autora na tradução deste livro foi o de tornar o texto
mais próximo e autêntico possível daquele do autor, mantendo o ritmo e a música
tão presente no teatro, além de tentar preservar todas as rimas, o que foi um grande
desafio, pois principalmente, em Shakespeare, nas suas primeiras peças, “o
percentual de rimas é bastante alto, seja ela alternada5 ou parelha6, o que se torna
particularmente complexo.” (HELIODORA, 2009, pg. 11). Uma das mudanças que a
autora fez foi mudar o ‘tu’ para ‘você’ tão usado no português brasileiro. ‘You’ ficou
traduzido dependendo do modo de quem fala e com quem fala, com o fim de
respeitar a hierarquia dos personagens. Heliodora preservou tudo o que foi possível
do texto original, suas mensagens e linguagem, tornando assim, uma das mais
próximas e melhores traduções da peça.
5 O primeiro verso rima com o terceiro, e o segundo com o quarto (abab).
6 O primeiro verso rima com o segundo, e o terceiro com o quarto (aabb).
20
3.2 Resumo
Após pesquisa em várias traduções da obra Romeu e Julieta foi elaborada um
resumo pelas autoras deste trabalho que segue abaixo.
“Duas casas, iguais em seu valor, Em Verona, que a nossa cena ostenta,
Brigam de novo, com velho rancor, Pondo guerra civil em mão sangrenta.
Dos fatais ventres desses inimigos Nasce, com má estrela, um par de amantes,
Cuja derrota em trágicos perigos Com sua morte enterra a luta de antes.”
(Shakespeare, de acordo com a tradução de Barbara Heliodora, 2009, pg.131)
A peça começa com um desentendimento entre os serviçais das duas
famílias, Capuleto e Montecchio, em uma praça de Verona. O Príncipe de Verona,
cansado de tantas brigas, anuncia que se houver mais algum tipo de desavença
entre as famílias, será punido com morte aquele que for o responsável. No mesmo
dia, os Capuletos, organizam um baile em sua casa. Páris, um jovem nobre,
conversa com Capuleto a respeito de noivar com sua filha Julieta, mas Capuleto diz
apenas que Julieta é muito nova para casar, mas que ele tem a permissão de ir à
festa aquela noite para tentar conquistá-la. A Senhora Capuleto e a Ama tentam
persuadir Julieta a aceitar a corte de Páris. Romeu, influenciado pelo primo Benvólio
e pelo amigo Mercúcio, decide ir à festa de penetra, pois está apaixonado por
Rosalina, a quem não corresponde o seu amor e é uma das sobrinhas de Capuleto.
Contudo, ao chegar à festa, Romeu vê Julieta e apaixona-se perdidamente e ela
corresponde. Após a festa, Romeu pula o muro dos Capuletos para conversar com
Julieta e declarar seu amor, mas ao chegar lá, ouve escondido as juras desta, que
apesar de todo o ódio existente entre as duas famílias, também o ama. Eles
decidem se casar. Romeu pede ajuda de Frei Lourenço para celebrar secretamente
o casamento, e este, na esperança que a união dos dois filhos reconciliasse as duas
famílias, decide ajudá-los, casando-os no dia seguinte. Teobaldo, primo de Julieta,
procura Romeu para um duelo, pois achou de grande ofensa o rapaz ir à casa de
seu Tio e ainda sair de lá às escondidas. Romeu não aceita o duelo, pois agora
considera Teobaldo seu companheiro, já que conseguiu se casar com Julieta.
Mercúcio não entende o porquê de Romeu não aceitar o duelo, e decide lutar em
21
seu lugar. Na luta, ele é gravemente ferido e Romeu revolta-se com a morte do
amigo, querendo vingança contra Teobaldo, matando-o. O Príncipe de Verona
decide exilar Romeu, alertando-o que se ele voltasse a Verona, seria morto.
Capuleto imaginando que a dor de Julieta se deve à morte do primo decide casá-la
com Páris imediatamente, e ameaça deserdá-la quando esta se recusa. Na mesma
noite, antes de partir, Romeu entra escondido no quarto de Julieta, estando toda a
noite com ela, consumando assim o casamento. No dia seguinte, Julieta vai visitar
Frei Lourenço para pedir sua ajuda e não se casar com Páris. O Frei lhe dá um
pequeno frasco com um conteúdo que, bebido, faz com que a pessoa entre em
coma profundo, diminuindo os batimentos e todas as funções do corpo, parecendo
assim que está morta, e promete enviar um mensageiro até Romeu, fazendo com
que este retorne a cidade na mesma hora em que Julieta voltar a acordar, para que
pudessem assim fugir juntos. Na noite do casamento, Julieta toma todo o conteúdo
do frasco, e ao descobrirem que está ‘morta’, colocam-na na gripta da família.
Contudo, a mensagem não chega a Romeu, e seu criado Baltazar, ao ver Julieta na
cripta, decide ir avisá-lo do acontecimento ao pensar que Julieta está
verdadeiramente morta. Romeu compra um veneno mortal de um Boticário e decide
voltar à cidade para ver Julieta. Ao chegar lá, percebe que Páris também está no
local. Já angustiado e acreditando que Romeu fosse um vândalo, eles lutam. Romeu
mata Páris e segue até Julieta, onde acreditando que está morta, ele toma o veneno.
Julieta acorda de seu sono, e vê Romeu morto ao seu lado e se desespera, pegando
o punhal que este carregava e acaba matando-se também. As duas famílias chegam
ao local e Frei Lourenço conta toda a história dos dois amantes a eles, e pela morte
dos filhos, todos se reconciliam.
Toda a história passa em menos de uma semana, deixando a imprudência
dos adolescentes à mostra, e este é sempre um dos primeiros temas que vem a
mente dos críticos e pesquisadores. Há muito julgamento por parte destes em
relação a esta obra, pois em decorrência deste tema deixam claro que não é a
melhor peça de Shakespeare. Por outro lado, a trama mostra o descaso dos pais
dos amantes com o bem comum na cidade, não se importando em dar um fim à
briga, a esta guerra civil, para que não houvesse mais rebeliões entre os dois lados
da cidade. Este tema já é mais bem visto pelos críticos, como uma denuncia a uma
política autoritária não-declarada entre as famílias, pois nem ao certo se sabe o
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motivo de todo esse confronto. De acordo com Heliodora, (2009, pg. 128) embora
com todas as opiniões dos críticos de que esta não é a melhor nem a mais
consagrada peça de Shakespeare, poucos irão contestar de que é a mais amada.
Romeu e Julieta consiste em grande originalidade de escrita e em sua trama,
mas Shakespeare não foi o primeiro a contar a história dos dois amantes. Para
escrever a peça, ele se baseou em um conto da Itália chamado “A trágica história de
Romeu e Julieta” de Arthur Brooke publicado em 1562 e posteriormente em prosa
como “Palácio do Prazer” por William Painter em 1582 (KERMODE, 2000, pg. 83).
Shakespeare juntou estas duas obras e criou Romeu e Julieta (FIGURA 5),
expandindo alguns personagens, como Mercúcio e Páris, para dar mais consistência
a história e deixá-la mais longa. Além de mudar a postura da peça, pois Brooke não
concordava com a atitude dos amantes, já Shakespeare, aprova, e em toda a peça,
luta, para que todo o esforço dos dois não seja em vão. Com isso, ao final da peça,
apesar do mal entendido ter matado os dois jovens, há a reconciliação das famílias,
tornando-se então um aprendizado para estas - pondo fim na guerra civil e naqueles
que colocam seus interesses individuais a frente do bem comum - e não aos dois
jovens em si (HELIODORA, 2004, pg. 42).
3.3 Estruturação do texto: Comédia/Tragédia
A famosa história sobre a briga entre as famílias Capuleto e Montecchio
descende de uma tradição da antiguidade de romances trágicos. O autor usufruiu
deste gênero, a tragédia, fundindo-o com a comédia, para conseguir escrever a obra
e torná-la mais tensa, para que pudesse prender a atenção do público. No começo
da peça o gênero da comédia se sobressai, mudando drasticamente para a tragédia
após a morte de Mercúcio. (SHAPIRO, 1964, p. 498).
Esta separação pode ser percebida pela drástica mudança de tom na
linguagem, de acordo com os personagens. Por vezes, uma se sobressai à outra,
mantendo este ritmo da peça, onde existe a surpresa, logo após vem a tristeza, e
novamente a esperança. Este tom conseguia manter preso mais de dois mil
espectadores à suas peças. (HELIODORA, 2009, pg.9).
Shakespeare, com esta junção, consegue manter a concentração do público,
sempre deixando no ar a possibilidade dos amantes conseguirem ficar juntos
23
(comédia), mas tendo também as dificuldades, como o extravio da carta para
Romeu, ou a morte de Teobaldo que fez com que Romeu fosse exilado (tragédia).
Com todos estes fatores, o autor consegue elevar os dois tipos textuais, mesclando
o melhor de cada um e usando a seu favor. (HALIO,1998, pg. 20).
3.4 Linguagem
Foi direcionado ao teatro que Shakespeare escreveu suas peças. Esta era
sua intenção: que o público entendesse o que era dito ou contado, pois só assim a
peça poderia ser levada a diante, sem que o este se perdesse no enredo. Ao
contrário do que muitos afirmam, Shakespeare usou a linguagem mais moderna de
seu tempo, sempre preocupado em ser entendido por todos, pois suas peças, por
serem populares, atraiam todos os tipos de públicos. (HELIODORA, 2009, pg. 9)
Seguindo a afirmação de Heliodora, (2009, pg.9) “a imensa riqueza da obra
dramática de Shakespeare não se expressa jamais em hermetismo7 ou em erudição
recôndita8”, assim, sua linguagem para a época era natural e moderna. Com o
passar do tempo o inglês evoluiu, mudou e se transformou, tornando-se muito
diferente do atual, e este é o motivo da confusão dos leitores atuais terem a
impressão de que sua linguagem era de difícil acesso. Além disso, sempre existiu a
neologia na linguagem do autor. Muitas vezes a pressa para terminar suas peças –
pois esta era um produto, onde ele ganhava a sua vida – fazia com que
Shakespeare não conseguisse encontrar imediatamente a palavra para expressar o
que queria, e com isso, inventava, ‘estas foram sempre tão bem inseridas em seu
contexto que sua compreensão seria fácil’ (HELIODORA, 2009, pg.9).
3.4.1 Poética
Romeu e Julieta é uma peça singular, pois foi a única vez que o autor
escreveu uma tragédia/comédia lírica, sendo a peça com mais rima do gênero das
tragédias: tem 15,5% de texto rimado. (HELIODORA, 2004, pg.42- 43). A peça
caminha com seus versos brancos9 na maioria das vezes, com muitos destes sendo
7 Característica do é difícil de compreender. Obscuridade.
8 Um vasto conhecimento de leitura, mas que está oculto.
9 Versos brancos são versos que possuem métrica, mas não rima.
24
em pentâmetro iâmbico10, mas a linguagem escolhida vai de acordo com as
características do personagem (HALIO, 1998, pg. 51). O Príncipe tem sua fala mais
rebuscada e formal, Frei Lourenço busca as formas do sermão e da síntese, já a
Ama sendo unicamente coloquial com versos brancos. Romeu cresce ao decorrer da
peça tornando-se muito mais versado com a ação (HALIO, 1998). A peça abre com
um soneto shakesperiano11 recitado pelo Coro, a além destas, existe ainda outras
formas poéticas como a rapsódia12 em um dos diálogos de Mercúcio e a elegia13 em
Páris. Destacando sempre, o primeiro diálogo que ocorre com Romeu e Julieta, pois
tem suas primeiras catorze linhas a forma de um soneto14:
Romeu Se a minha mão profana esse sacrário,
Pagarei docemente o meu pecado;
Meu lábio, peregrino temerário,
O expiará num beijo delicado.
Julieta Bom peregrino, a mão que acusas tanto
Revela-me um respeito delicado;
Juntas, a mão do fiel e a mão do santo,
Palma com palma se terão beijado.
Romeu Os santos não têm lábios, mãos, sentidos?
Julieta Ai, têm lábios apenas para a reza.
Romeu Fiquem os lábios, como as mãos, unidos;
Rezem também, que a fé não os despreza.
Julieta Imóveis, eles ouvem os que choram.
Romeu Santa, que eu colha o que os meus ais imploram.
Nestes versos, há a presença de metáforas religiosas, onde Romeu compara
Julieta a uma santa, introduzindo-a neste mundo, e esta entra em sua brincadeira
10
Pentâmetro Iâmbico é uma métrica utilizada em poesia e em drama de versos com cinco pares de sílabas. É o ritmo que estas podem ter em cada verso de acordo com a tonacidade das sílabas tônicas e não tônicas. 11
Soneto shakesperiano: três quartetos e um dístico (grupo ou estrofe de dois versos). 12
Rapsódia é uma justaposição, de escassa unidade formal de melodias populares e de temas conhecidos, extraídos com frequência de óperas e operetas. 13
Elegia é um poema de tom melancólico e triste. 14
Poema de 14 versos com forma fixa.
25
continuando com as metáforas. Não há uma regra de sequência para as figuras de
linguagem aparecerem em Romeu e Julieta, mas a presença destas estão em todas
as páginas.
26
4. A ARTE LITERÁRIA
“A literatura é uma arte, a arte da palavra, isto é, um produto da imaginação criadora, cujo meio específico é a palavra, e cuja finalidade é despertar no leitor ou ouvinte o prazer estético.”
(COUTINHO,1968)
Qualquer tema pode servir de inspiração à literatura, o autor pode descrever a
realidade não só direta como indiretamente através de um plano imaginário e
também inventá-la, o que chamamos de ficção, o mesmo também pode relatar fatos
reais, acrescentando emoção ao texto, através da estética das palavras, não é
necessário criar novas palavras, mas sim estabelecer uma nova relação entre elas.
Assim, ao trabalhar com as palavras, o artista literário busca uma expressão mais
formal em sua linguagem – o ritmo, o estilo, a forma – visando proporcionar ao leitor
um maior prazer emocional.
4.1 A Linguagem Figurada na Literatura
Diariamente as convive-se com uma grande variedade de textos, cada um
com seu estilo próprio, porém todos possuem uma finalidade específica, seja uma
bula de remédio, um jornal, uma propaganda ou até mesmo legendas de um filme. O
emprego do estilo em um texto pode ter grande influência na construção do seu
sentido. Diante dessa diversidade de textos, além da mensagem a ser transmitida,
percebe-se que alguns dão mais valor às palavras e suas combinações entre si de
maneira sugestiva15 ou conotativa16, necessitando assim o leitor de um maior grau
de interpretação.
Esses recursos são geralmente mais utilizados na literatura, diferindo-a das
demais manifestações artísticas pela sua forma de expressão, no entanto, não é
apenas por representar-se pela escrita que todo e qualquer texto pode ser
considerado de caráter literário.
15
Que sugestiona 16
Sentido translato ou subentendido
27
Para Platão & Fiorin (2009, p.351) No texto literário, o escritor não apenas
procura retratar o mundo, mas recriá-lo nas palavras, de modo que, nele, importa
não apenas o que se diz, mas como se diz”.
O que se vem a concluir é que esse tipo de texto é caracterizado por um
arranjo especial de palavras, sua função é apresentar os fatos de forma diferente,
enfatizando ou amenizando aspectos da realidade, por isso há uma grande
diferença entre um texto de um manual de instruções e um texto literário; entre uma
notícia de jornal e uma página de romance.
Observa-se também que o autor, ao elaborar uma mensagem a ser
transmitida, precisa decidir sobre o que vai se manifestar (referente), que sistema de
sinais vai utilizar (código) e como chegar à mensagem em si (canal). Como propõe
Terra & Nicola (2004, p.11) no esquema a seguir:
→ →
Para Koch & Elias (2008, p.10) “o texto é visto como um simples produto da
codificação de um emissor a ser decodificado pelo leitor/ ouvinte, bastando a este,
para tanto, o conhecimento do código utilizado”, portanto conclui-se que por sua
seleção e combinação de palavras o texto literário pode tanto vir a provocar a
estranheza do leitor pela forma como é escrito como também o interesse do mesmo
pela mensagem transmitida como o crítico Jonathan Culler ressalta:
“Muitas vezes se diz que a ‘literariedade’ reside, sobretudo, na organização da linguagem que torna a literatura distinguível da linguagem usada para outros fins. Literatura é linguagem que coloca em primeiro plano a própria linguagem: torna-a estranha, atira-a em você – ‘Veja! Sou a linguagem’! – assim você não pode se esquecer
EMISSOR
REFERENTE
MENSAGEM
CÓDIGO
CANAL
C
CANAL
DESTINATÁRIO
28
de que está lidando com a linguagem configurada de modos estranhos”. (Culler, 1999)
Quando o emissor enfatiza a elaboração de um texto, pode-se dizer que
nessa mensagem predomina a função poética da linguagem, o predomínio desta
função, seja na prosa ou no verso, está voltado para o sentido conotativo da língua,
trabalhando a criação ou alteração do significado real. Como afirma Roman
Jakobson (2000, p.128) “A função poética não é a única função da arte verbal, mas
tão-somente a função dominante”, esse tipo de recurso é utilizado quando a
intenção do autor está voltada para a própria mensagem, quer na estrutura, quer no
estilo da linguagem utilizada.
No trabalho com esse tipo de linguagem, o autor procura usufruir mais de sua
imaginação, muitas vezes faz associações de imagens com o intuito de tornar o
texto mais criativo e original, utilizando palavras que assumam diversos sentidos.
Esse rebuscamento do texto literário geralmente é obtido com o uso da Linguagem
Figurada ou Figuras de Linguagem.
4.2 Figuras de Linguagem: Definição e Uso
A linguagem figurada se opõe à linguagem simples, na qual os elementos da
língua são desviados de seu uso normal, criando uma nova linguagem. Segundo
Campedelli & Souza (2000), figuras de linguagem são construções que transformam
o significado das palavras, seja para tirar delas maior aproveitamento da mensagem
ou para construir uma mensagem nova, e elas estão classificadas em: Figuras de
Som, Figuras de Construção ou Sintaxe e Figuras de Palavras ou Pensamento.
4.2.1 Figuras de som
Após analisar as teorias de Sacconi e Campedelli & Souza, pode-se dizer
que esse tipo de figura reforça a imagem que se quer transmitir através da
organização ou repetição proposital de palavras, de forma a assemelhá-las à sons
29
produzidos por animais, objetos, fenômenos da natureza ou até mesmo por
pessoas.
Dentre as figuras de som mais difundidas estão: Aliteração, Assonância,
Paranomásia e Onomatopéia.
Exemplos:
Aliteração
Romeu – “Quem chamou meu nome foi minha alma.”17
Assonância
Minha menina, miúda, pequenina.(NEO)
Paranomásia
A vossa, a nossa e a bossa nova.(NEO)
Onomatopéia
Julieta - “Pst! Romeu! Pst!”18
4.2.2 Figuras de construção ou de sintaxe
Denominam-se figuras de construção ou sintaxe as quais interferem na
estrutura gramatical do texto, a omissão de um pronome, a ausência ou excesso de
conjunções, inversão de termos na oração dentre outros. Para Campedelli & Souza
as figuras assim classificadas são: Elipse, Zeugma, Hipérbato, Polissíndeto,
Assíndeto, Anáfora, Anacoluto, Pleonasmo, Gradação, Apóstrofe e Silepse.
Exemplos:
Elipse
“Fui!” (NEO)
17
Ato II – Cena II – Linha 163 18
Ato II – Cena II – Linha 157
30
Zeugma
Romeu – “Eu não comprei veneno, comprei cura.”19
Hipérbato
Romeu - “Longas são as tristes horas.”20
Polissíndeto
Julieta – “Não é pé, nem mão, nem braço, nem feição, nem parte alguma de
homem algum.”21
Assíndeto
“Ele me beija, fala, volta, trabalha.”(NEO)
Anáfora
Mercúcio – “Adeus, velha senhora; Adeus senhora, senhora, senhora,”22
Anacoluto
“Eu, poucas pessoas são dignas de atenção. (NEO)
Pleonasmo
Mercúcio – “Gente tem olhos para olhar, e que olhem”23
Gradação
“Senti receio, medo, pavor.”(NEO)
Apóstrofe
Romeu – “Ó qualquer coisa que nasce do nada.”24
Silepse
19
Ato V – Cena II – Linha 85 20
Ato I – Cena I – Linha 151 21
Ato II – Cena II – Linha 40 22
Ato II – Cena IV – Linha 116 23
Ato III – Cena I – Linha 46 24
Ato I – Cena I – Linha 168
31
“A torcida ficou furiosa e invadiram o campo.”(NEO)
4.2.3 Figuras de palavras ou de pensamentos
Segundo Nicola & Infante (1995, p.441) “A figura de palavra consiste na
substituição de uma palavra por outra, isto é, no emprego figurado, simbólico, de
uma palavra por outra quer por uma relação muito próxima, quer por uma
associação”.
Este tipo de figura de linguagem transmite ao leitor mensagens que tornam-se
belas pela arte das palavras, as quais necessitam de interpretações mais profundas
e que enriquecem o texto.
Dentre as figuras assim denominadas, as de uso mais comum e que
produzem maior efeito estão: Comparação, Metáfora, Catacrese, Metonímia,
Antítese, Paradoxo, Eufemismo, Perífrase, Hipérbole, Ironia, Prosopopéia e
Sinestesia.
Exemplos
Comparação
Romeu -“E no rosto da noite tem um ar como uma rica jóia em orelha
etíope.”25
Metáfora
Romeu – “Julieta é o Sol.”26
Catacrese
“Pé da mesa, braço do sofá.” (NEO)
Metonímia
“Estou lendo Shakespeare.” (NEO)
25
Ato I – Cena I – Linha 41 26
Ato II – Cena II – Linha 3
32
Antítese
“Trata muito de ódio, e mais de amor...”27
Paradoxo
“Ó amor odiento, ódio amoroso.”28
Eufemismo
Julieta – “Um veneno lhe deu descanso eterno.”29
Perífrase
“ Estou na cidade maravilhosa” (NEO)
Hipérbole
“Já falei mais de mil vezes.” (NEO)
Ironia
“Essa cômoda está tão limpa que dá para escrever com o dedo.” (NEO)
Prosopopéia
Frei Lourenço - “Antes que o olho do céu venha queimar.”30
Sinestesia
“Ouço vozes doces.” (NEO)
Sendo assim, foram escolhidas algumas das figuras de linguagem já
mencionadas, juntamente com suas respectivas definições e usos para análise na
obra Romeu e Julieta.
Comparação
Segundo Campedelli & Souza (2000) é uma figura que consiste em
assemelhar dois elementos a partir de uma característica comum, o conteúdo de
27
Ato I – Cena I – Linha 166 28
Ato I – Cena I – Linha 167 29
Ato V – Cena III – Linha 164 30
Ato II – Cena III – Linha 1
33
uma comparação exige no mínimo um termo a ser comparado, um termo
comparante, um termo comparativo e um ponto de comparação.
Nessa figura de linguagem é obrigatória a presença de um termo comparativo
(como, feito, que nem, tão...quanto, etc), um elo entre o termo comparado e o termo
comparante, o que a diferencia da metáfora.
Metáfora
Aristóteles (1966) considerava a metáfora como “a rainha das figuras”,
enquanto para Campedelli & Souza essa figura de linguagem “consiste na
semelhança entre a idéia a ser definida e a idéia que com ela se relaciona”, ou seja,
é o resultado de uma analogia mental, a semelhança real ou imaginária entre dois
sujeitos. Pode-se também dizer que trata-se de uma comparação, na qual o termo
comparativo é implícito.
Antítese/ Paradoxo
Segundo Terra & Nicola (2004, p.243) a antítese “consiste na aproximação de
palavras que se opõe pelo sentido”, ou seja, é o emprego de duas ou mais palavras
de sentidos opostos, expressando contraste.
Para Campedelli & Souza (2000) o que diferencia a antítese do paradoxo é o
fato de o primeiro aproximar idéias opostas e o segundo idéias absurdas. Como se
pode concluir a partir da exemplificação dada acima: “amor X ódio” apesar de
palavras de sentidos completamente opostos, quando não usados simultaneamente
na mesma frase classificam-se como antítese, todavia ao atribuir uma qualidade
contrastante a um substantivo, associando idéias contraditórias, tornando-as até
mesmo absurdas em relação a mesma realidade, torna-se um paradoxo, com foi
exemplificado anteriormente.
Prosopopéia
34
De acordo com Campedelli & Souza (2000, p.616) prosopopéia é “a
personificação ou animismo de seres que não são humanos”, ou seja consiste em
atribuir características humanas a animais ou objetos
Hipérbato
“Hipérbato ou inversão é a alteração da ordem direta dos termos na oração,
ou das orações no período” (SACCONI,1991), no entanto, a forma como são
organizados esses termos não altera a significação da mensagem que se pretende
transmitir, esse tipo de figura é muito utilizado para ressaltar uma idéia, valorizando
as palavras através da transposição das mesmas.
35
5. AS FIGURAS DE LINGUAGEM EM ROMEU E JULIETA
Sei que estou falando de tema banal e surrado - a saber, figuras de linguagem. Porém o banal do qual fugimos por ser banal é por vezes mais brilhante que o novo arrivista, se nos dermos ao trabalho de espanar a poeira. (Convention and Revolt in Poetry, John Livingston Lowes. Tradução de Heliodora, 2006, pg. 03)
Ao decorrer desta etapa estão analisadas as figuras de linguagem escolhidas
da obra e suas respectivas interpretações, na ordem cronológica da estória, pois
suas explicações necessitam do contexto.
5.1 Análise
São inúmeras as figuras de linguagem que se pode encontrar nesta obra.
Cada vez lida, a impressão é de que surgem mais figuras. Seria possível identificar
todas elas e analisar, mas foram escolhidas as principais de cada Ato.
Existe no começo das peças de Shakespeare um Coro que dá aos
espectadores um breve resumo ou algum comentário da peça que irão assistir. Na
abertura de Romeu e Julieta é possível ler o seguinte verso:
Linha 5
“Nasce, com má estrela, um par de amantes.31”
Já neste começo é possível sentir a presença da metáfora que esta frase
representa e do que pode vir a ser, num primeiro momento, a peça. ‘Má estrela’ é
interpretada como ‘Má sorte’, em decorrência de toda a história dos dois
personagens principais. ‘Estrela’ pode ser interpretada também, como destino, luz,
regimento ou família.
Outro clássico exemplo de metáfora vem de uma fala do Príncipe Escalo:
Linha 70
“Maus cidadãos, inimigos da paz,
Que profanais com aço o sangue irmão!32”
31
Prólogo – Coro 32
Ato I – Cena I
36
Na passagem ‘que profanais com aço o sangue irmão!’ identifica-se a luta de
espadas entre os cidadãos e os serviçais das famílias, que consequentemente
ferem-se. ‘Irmão’ pois, convivem entre si, no mesmo lugar, mas brigam sem
entender o porque, afinal não é possível identificar a causa da inimizade das duas
famílias. Estas características mostram a má conduta de pessoas que compram
brigas alheias, na ignorância de pensar que há necessidade de escolher um dos
lados.
Seguindo as metáforas, Benvólio em uma de suas passagens afirma:
Linha 107
“Minha senhora, já bem antes que o sol
Olhasse na janela do oriente,
Estando inquieto, sai para andar,
E ali no bosque, sob os sincómoros
Que crescem a oeste da cidade,
Assim bem cedo eu encontrei seu filho. 33”
Segundo Spurgeon (2006) é possível notar que são grandes as metáforas
sobre o sol, luz, dia e principalmente sobre o amanhecer, como surge neste verso.
“Antes que o sol olhasse na janela do oriente’ nada mais significa do que um breve
momento anterior daquele ao nascer do sol.
Linha 182
“O amor é fumo de um suspiro em chama
Que faz brilhas os olhos de quem ama;” 34
No trecho que segue, faz-se uma analogia do sentimento 'amor' com o 'ato de
fumar', temos, portanto, uma metáfora explicita. Interpretando, pode-se afirmar que
como consequência, os olhos da pessoa se espelham na chama que queima.
33
Ato I – Cena I 34
Ato I – Cena I
37
Linha 77
“A fina flor do verão de Verona.”35
Neste verso a Senhora Capuleto se refere ao Paris como ‘fina flor do verão’.
Usa o adjetivo para tentar persuadir Julieta a casar com ele, fazendo-lhe elogios de
como este era lindo, simpático, rico, uma ‘fina flor’, atribuindo-lhe características de
uma pessoa nobre, bela e sutil. 'Verão', no caso, significa a positividade, a alegria e
o calor.
Linha 40
“Ela é que ensina as tochas a brilhas,
E no rosto da noite tem um ar
Como uma rica jóia em orelha etíope.”36
Romeu ao se declarar seu amor compara sua amada com chamas e jóias,
afirma que o brilho destas são insignificantes diante de Julieta que brilha muito mais
a noite. Neste caso, a figura de linguagem que mais se sobresai é a comparação,
mas existe também a presença da prosopopéia em 'rosto da noite', no qual é
utilizado a figura humana, para descrever um fenômeno da natureza, pois noite não
possui rosto.
Linha 185
“E o que mais? Critério na loucura,
Trago de fel que preserva a doçura.”37
Percebe-se que o personagem se identifica com a loucura, pois embora o
amor traga infortúnios e mágoas (fel) o mesmo mantém sua pureza e ingenuidade
(doçura). Expressando ideias contraditórias, sendo assim uma antítese.
Linha 45
35
Ato I – Cena III 36
Ato I – Cena V 37
Ato I – Cena I
38
“Cada angustia reduz uma outra dor:
Alegre-se com a dor que hoje reclama,
O desespero cura a dor menor.”38
Neste verso Frei Lourenço tenta explicar a Romeu que por mais que exista
uma dor passada - seu amor por Rosalina - é para este se alegrar com a nova 'dor' -
seu amor por Julieta - pois este, afinal, é correspondido, apesar de todos os
problemas familiares. As palavras 'alegre-se' e 'dor' instituidas na mesma frase
formam uma antítese.
Linha 133
“Nasce o amor desse ódio que arde?
Vi sem saber, ao saber era tarde.
Louco parto de amor houve comigo,
Tenho agora de amar meu inimigo.”39
Na passagem acima Romeu se refere ao sentimento por Julieta(amor) e ao
sentimento pela família Capuleto(ódio). Há, portanto, a presença da figura Antítese,
onde dois termos, completamente opostos, fazem parte de uma mesma ideia. Existe
uma enorme contradição neste verso. Romeu sempre diz em suas falas como existe
tanto ódio dentro do amor, e do amor tanto ódio. Acaba se vendo dentro da própria
ideia que sempre pregou, sem saber ao menos o motivo do ódio, que é o que leva à
destruição dos dois personagens.
Linha 166
“Trata muito de ódio, e mais de amor
Ó amor odiento, ódio amoroso,
Ó qualquer coisa que nasceu do nada!
Ó densa leveza, séria vaidade,
Caos deformado de bela aparência
Pluma de chumbo, fumaça brilhante
Fogo frio, saúde doentia,
38
Ato I – Cena II 39
Ato I – Cena V
39
Sono desperto que nega o que é!
Esse amor sem amor é o que eu sinto.”40
Nestes versos prevalece o uso da figura paradoxo, pois há o contraste de
idéias atribuindo qualidades a sentimentos contrários como em, ‘amor odiento’ e
‘saúde doentia’. É possível, também, identificar algumas antíteses, que contém o
mesmo sentido contraditório, mas sua escrita difere-se: ‘Trata muito de ódio, e mais
de amor.’ Esta passagem se refere a Romeu exemplificando o relacionamento das
duas famílias, pois tão contrário são aqueles que não tem motivos para odiar, mas
mesmo assim o fazem.
Linha 151
“Longas são as tristes horas...” 41
Linha 48
“Se já amei antes? Não. Tenho certeza;
Pois nunca havia eu visto tal beleza.” 42
Em cada excerto acima, evidencia-se a presença de um hipérbato, ou seja,
uma inversão de termos, no qual o sujeito encontra-se deslocado no meio da
oração. Sendo assim a frase em sua sequência usual seria:
Pois, eu nunca havia visto tal beleza.
As tristes horas são longas.
Observa-se no texto a ocorrência de características humanas atribuídas à
sentimentos, processo o qual é classificado como Prosopopéia na fala abaixo de
Benvólio, primo de Romeu:
Linha 160
“Pena que o amor tão lindo na aparência,
Seja na verdade cruel e rude.”43
40
Ato I – Cena I – Linha 166 41
Ato I – Cena I – Linha 151 42
Ato I – Cena V – Linha 48 43
Ato I – Cena I – Linha 160
40
No verso o personagem se refere ao sentimento 'amor' como algo falso, pois
mostra em sua 'aparencia' algo que não é, como uma máscara.
Linha 44
“Ora, uma chama apaga outra chama,
Cada angústia reduz uma outra dor:
Alegre-se com a dor que hoje reclama,
Desespero cura a dor menor.
Pegue nova infecção no seu olhar
Que o seu veneno a outra há de matar.” 44
Neste verso Frei Lourenço tenta explicar a Romeu que por mais que exista
uma dor passada - seu amor por Rosalina - é para este se alegrar com a nova 'dor' -
seu amor por Julieta - pois este, afinal, é correspondido, apesar de todos os
problemas familiares. As palavras 'alegre-se' e 'dor' instituídas na mesma frase
formam uma antítese.
Linha 188
“No leste, a luz já deixa o céu rajado;
O negror, ébrio, corre pra escapar
Das rodas de Titã, que vai passar.”45
No trecho acima a figura encontrada é a metáfora, pois este se refere ao
nascer do sol. Ao dizer ‘leste’ e ‘luz’ o personagem se refere ao amanhecer, tanto
quanto em ‘negror’ e ‘ébrio’ para a noite que está terminando.
Linha 1
“Zomba da dor quem nunca foi ferido.
Que luz surge lá no alto, na janela?
Ali é o leste, e Julieta é o Sol.
Levante-se, Sol, faça morrer a Lua
Ciumenta, que já sofre e empalidece
44
Ato I – Cena II 45
Ato II – Cena II
41
Porque você, sua serva, é mais formosa.
Não a sirva, pois assim ela a inveja!
Suas vestais têm trajes doentios
Que só tolas envergam. Tire-as fora.
És a minha dama, oh, és o meu amor!
Se ao menos o soubesse!
Ela fala e nada diz. O que significa?
Seus olhos falam, eu vou responder.
Que pretensão! Não é para mim que falam.
Duas estrelas, das mais fulgurantes,
‘Stando ocupadas, pedem aos seus olhos
Que brilhem na alta esfera até que voltem.
E se ficassem lá, e elas no rosto?
O brilho de sua face ofuscaria
Os astros como o dia ofuscaria a chama:
Por todo o ar do céu, com tal fulgor
A luz de seu olhar penetraria
Que as aves cantariam, como se fosse dia!
Como ela curva o rosto sobre a mão!
Quem em dera ser luva pra tocar
Aquela face.” 46
No trecho acima são identificadas as metáforas e prosopopéias. Romeu
compara Julieta ao Sol, deixando clara a sua admiração por sua beleza que irradia
luz e brilha na noite, sendo assim então uma metáfora, para, em contra partida, citar
a Lua que se diz ‘ciumenta’ e ‘sofre e empalidece’ ao ver Julieta. Neste caso é a
prosopopéia, que também é visível no trecho ‘Seus olhos falam’, o qual faz uma
analogia com as estrelas e os olhos de sua amada.
Linha 130
“Só pra ser franca e dá-la novamente;
Eu só anseio pelo que já tenho.
46
Ato II – Cena II
42
Minha afeição é como um mar sem fim,
Meu amor tão profundo: mais eu dou
Mais tenho, pois ambos são infinitos.” 47
Há nítidos exemplos de comparação, ambos no mesmo excerto, onde
identifica-se pela presença do termo comparativo ‘como’ em: ‘Minha afeição é como
um mar sem fim’, comparando a afeição de Julieta a imensidão de um mar. E ainda
em ‘Meu amor tão profundo’, retornando a ideia do mar, comparando-os em
profundidade. É possível entender este trecho como uma alusão a idade de Julieta,
por esta ser muito jovem e ao sentir algo mais forte a primeira vez, exagera ao se
auto avaliar.
Linha 1
“Antes que o olho do céu venha queimar,
Pro dia, alegre, o orvalho secar,
Tenho de encher esta cesta com os odores
Que vem das ervas e do mel das flores.
A terra, filha da natureza, é sua cova:
O que ela enterra o seu ventre renova;
E como é vária a prole que dela vem,
Vemos quando mama em seu seio.
Há filhos com virtudes excelentes;
São todos bons, mas todos diferentes.
É grande e forte a graça que é encontrada
Na virtude que à planta e erva é dada.
Não há nada tão vil no que aqui vem
Que a terra não lhe dê sequer um bem;
E nem nada é tão bom que, exagerado,
Não caia em perversão e atraia o fado.
A virtude é um vício, mal gerida;
E o vício, vez por outra, salva a vida.”48
47
Ato II – Cena II 48
Ato II – Cena III
43
No início da estrofe encontra-se explícito um exemplo de prosopopéia, em
‘olho do céu’, pois os olhos são órgãos, e neste caso então atribuídos a um
fenômeno da natureza. Seguindo o raciocínio da estrofe, Frei Lourenço pronuncia
uma metáfora onde ‘olho do céu vem queimar, pro dia, alegre, o orvalho secar’, e
refere-se, novamente, ao amanhecer.
Linha 87
“A união que acaba de propor
Pode fazer do ódio puro amor.”49
Observa-se no texto acima, a presença da figura de linguagem antítese com
as palavras ‘ódio’ e ‘amor’. Frei Lourenço se refere à briga entre as famílias, quando
Romeu o procura para celebrar seu casamento às escondidas. O Frei logo deduz
que esta união poderia acabar com todo o conflito e rivalidade existentes.
Linha 1
“Batiam nove quando a ama foi
Prometendo voltar em meia hora.
Talvez não o tenha encontrado. É impossível.
Ela é capenga. Os arautos do amor
Devem ser rápidos como o pensar,
Muito mais do que a luz que vem do sol,
Ao expulsar as sombras das colinas.
Por isso as pombas atraem o amor,
E cupido, o veloz, tem duas asas.
O sol já está no píncaro mais alto
Deste dia, e das nove até as doze
São três horas, mas ela não voltou.
Se tivesse o ardor da juventude
Ela iria voar como uma bola
Minha fala ela diria ao meu amor,
E a dele a mim.
49
Ato II – Cena III
44
Mas os velhos parecem mais defuntos:.
São pesados de chumbo, e sem assunto.”50
Encontra-se neste trecho, tanto comparações quanto metáforas, em ‘os
arautos do amor’ Julieta metaforicamente refere-se à ama, que faz papel de
mensageira até Romeu, mas em ‘Devem ser rápidos como o pensar’ a mesma critica
sua lentidão e diz que deve ser tão rápida como o pensamento para levar a
mensagem, usando uma comparação explícita para tal.
Linha 6
“Se unir nossas mãos com benção santa,
Que a morte, que devora o amor, ataque:
Pra mim basta poder chamá-la minha.”51
Romeu, com linguagem metafórica, faz alusão à morte: mesmo que esta os
vença, a real importância para ele é ‘chamá-la minha’, ou seja, que Julieta seja
eternamente sua.
Linha 9
“E violento prazer tem fim violento,
E morre no esplendor, qual fogo em pólvora,
Consumido num beijo. O mel mais doce
Repugna pelo excesso de delícia
Que acaba perturbando o apetite.
Modere-se, pro amor poder durar;
A pressa atrasa como a lentidão.”52
Frei Lourenço faz uso de uma comparação implícita, no caso, atos
impensados são como ‘fogo em pólvora’, e ainda em outra, agora, explicitamente ‘A
pressa atrasa como a lentidão’, pelo termo comparativo ‘como’. Esta fala está
presente em seu discurso no casamento secreto de Romeu e Julieta. O Frei percebe
50
Ato II – Cena V 51
Ato II –Cena VI 52
Ato II – Cena VI
45
que os amantes avançam depressa demais nesse relacionamento, portanto ele se
expressa através de metáforas para explicar aos dois que seria melhor ter
moderação quanto ao sentimento: ‘Violento prazer tem fim violento’.
Linha 71
“Serpente oculta pela flor de um rosto!
Que dragão tem morada tão bonita?
Belo tirano, angélico demônio,
Corvo-pomba, carneiro feito lobo!
Matéria vil do mais divino aspecto!
Oposto do que tanto pareceu!
Santo maldito, vilão homorável!
Oh, natureza, o que houve no inferno,
Se ao coroar a fronte de um demônio,
Usaste carne tão celestial?
Que livro assim tão sórdido já teve
Capa tão linda? Como pode o engano viver em tal palácio?”53
Distingui-se dentre o texto acima, uma seguida série de paradoxos, dentre
eles: ‘Angélico demônio’, ‘corvo-pomba’ e ‘Santo maldito’. Julieta se pronuncia desta
forma, pois acabou de receber a notícia de que seu primo Teobaldo foi morto pelas
mãos de Romeu. Neste caso então, ela pergunta a si mesma como pode admirar
tanto alguém que acaba de matar um de seus familiares.
Linha 94
“Tome este vidro e, quando já deitada,
Tome o liquido todo nele contido.
Sentiras logo correr por suas veias
Um gélido torpor, pois o seu pulso
Não baterá mais, por ficar então suspenso:
Nem calor nem arfar mostrarão vida.
O róseo dos seus lábios vai sumir,
53
Ato III – Cena II
46
Virando cinza, e a janela dos olhos
Se fechará o dia, como na morte,
Co’esse falso aspecto de cadáver
Vais aparentar a frieza da morte
Permanecerás assim por dois dias
Pra depois despertar, como de um sonho.”54
Na passagem de Frei Lourenço, onde este explica a Julieta o efeito que o
veneno provocará em seu corpo, nota-se o uso de comparações explicitadas por seu
termo comparativo ‘como’: ‘Se fechará o dia, como na morte’ e ‘Pra depois
despertar, como de um sonho.’ Com isso, ele explica que ela apresentaria todas as
características da morte e após algum tempo despertaria como se tivesse apenas
dormido.
Linha 82
“Tudo aquilo pra festa encomendado
Agora em funeral é transformado:
Nossa música em dobre melancólico,
Nossa boda feliz em triste enterro,
Nossos hinos agora são lamentos,
Nossas grinaldas hoje são coroas
E tudo transformou-se em seu contrário.” 55
Capuleto em seu último pronunciamento direcionado a morte de sua filha,
refere-se metaforicamente ao antigo casamento de Julieta com Paris que não foi
realizado e transformado em enterro. ‘Tudo aquilo pra festa encomendado, agora em
funeral é transformado’ pertence ao grupo dos hipérbatos, o mesmo em linguagem
denotativa, seria: Tudo aquilo encomendado pra festa é transformado em funeral
agora.’
Linha 101
“Querida Julieta,
54
Ato IV – Cena I 55
Ato IV – Cena V – Linha 82
47
Por que tão bela ainda? Devo crer
Que a morte etérea está apaixonada,
E que o esquelético monstro a prende aqui
Pra, neste escuro, ser a sua amada?
Só por medo que sim ficarei contigo
E jamais do negror deste palácio
Ei de partir. Aqui permanecerei
Com os vermes, seus criados.
Aqui mesmo eu ei de repousar
E libertar da maldição os astros
A carne exausta. Olhos, um olhar
Braços, último abraço! E voz, oh lábios,
Portal do alento, solene com este beijo
Pacto eterno com a Morte insaciável.
Vem, meu caminho amargo, insosso guia.
Piloto insano atira neste instante
Contra as rochas a barca desgastada.
Ao meu amor! Honesto boticário
Rápida é a droga. E assim, com um beijo, morro.” 56
Romeu, inconformado com a ‘falsa morte’ de Julieta despede-se desta,
elogiando-a através de metáforas, onde admira sua beleza, pois mesmo ‘morta’
ainda permanece bela e viva. E assim ele se despede e suicida-se com o veneno.
Linha 163
“Um cálice na mão do meu amor?
Um veneno lhe deu um descanso eterno.
Malvado! Nem sequer uma gotinha
Para eu segui-lo? Vou beijar-lhe os lábios;
Pois que talvez neles reste algum veneno
Que restaure minha antiga morte
56
Ato V – Cena III
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Que lábio quentes!
[...]
Quem é? Depressa! Ah, lamina feliz!
Enferruja em meu peito, pra que eu morra!”57
Nesta fala Julieta se pronuncia pela última vez, antes de se suicidar com a
adaga de Romeu. Existe a presença da metáfora numa passagem da fala, em
‘descanso eterno’, referindo-se a morte de Romeu. Há a presença de prosopopéia
no verso ‘Ah, lamina feliz!’, dando características humanas ao objeto.
Linha 309
“Uma paz triste esta manhã traz consigo;
O sol, de luto, nem quer levantar.
Alguns terão perdão, outros castigo;
De tudo isso há muito o que falar.
Mas triste historia nunca aconteceu
Que esta, de Julieta e seu Romeu.” 58
Pode-se observar a ocorrência de uma prosopopéia na estrófe, na qual
atribui-se ‘tristeza’ à ‘paz’, e ainda ‘luto’ ao ‘sol’ fazendo referência à morte do casal.
Há, também, um caso de hipérbato no que se diz ‘de tudo isso há muito o que falar’
que organizando os termos da oração, ficaria: ‘Há muito o que falar de tudo isso.’
Esta estrófe são os últimos versos da obra, recitados pelo Príncipe Escalo ao falar
sobre o trágico fim da estória. Este pronuncia o discurso às famílias para que os
mesmos tenham consciência da própria intolerância com o próximo. E ao fim dos
fatos ocorridos, as famílias se reconciliam em memória aos filhos.
57
Ato V – Cena III 58
Ato V – Cena III
49
CONCLUSÃO
Romeu e Julieta, umas das mais famosas obras do dramaturgo inglês William
Shakespeare, por suas inúmeras possíveis interpretações, linguagem rebuscada,
combinações e repetições de palavras, enfatiza a mensagem a ser transmitida,
remetendo o leitor a análise e decodificação de seu significado artístico e literário.
Portanto, observa-se que existe a ocorrência de uma linguagem confusa para a
compreensão de leitores não habituados a este tipo de expressão.
A problemática consiste na forma de escrita de Shakespeare, a qual vem a
atribuir à obra uma leitura atraente e ao mesmo tempo complexa à épocas
posteriores à sua. A elaboração de seu enredo não se limita a uma única
interpretação. O objetivo não é somente priorizar detalhes comuns da vida cotidiana
dos personagens mas também salienta e, concomitantemente, abrange um arranjo
de palavras minuciosamente organizadas.
No decorrer da peça, o autor faz uso de uma linguagem conotativa, e é
evidente a identificação de um grande número de figuras de linguagem do primeiro
ao último Ato em quais foram analisadas as mais frequentes e de melhor ênfase:
Comparações, Metáforas, Antíteses, Paradoxos, Prosopopéias e Hipérbatos. Estas
figuras, nada mais são do que “artifícios” que podem tanto transformar palavras para
produzir um maior efeito ao texto, quanto construir uma mensagem nova.
Torna-se indispensável uma segunda, ou até mesmo várias leituras de
Romeu e Julieta, pois além de conhecer a estória apresentada é necessário que o
leitor chegue o mais perto possível da intenção do autor. Cada palavra utilizada,
cada entonação, contêm seu significado essencial para o entendimento de seu
sentido, assim a cada releitura é identificado algo que antes tenha passado
despercebido.
Diante disto, conclui-se que, o foco de discussão não é o que o autor escreve,
mas sim, como este escreve. Para ele o importante é atingir a emoção do receptor,
50
aguçando-a, apresentando os fatos de forma a diferenciar, abrandar ou ressaltar os
aspectos da realidade, e isto é o que o distingue dos demais autores.
De acordo com a análise da obra apresentada neste trabalho de monografia,
torna-se possível e relevante um estudo mais aprofundado da linguagem utilizada e
do objetivo pretendido a alcançar com esta, cuja intenção é fazer com que o público
sinta a emoção da estória, interaja com ela, através de uma linguagem de estilo
próprio, a incomparável linguagem de Shakespeare.
.
52
FIGURA 2
Casa de Stratford-upon-Avon onde Shakespeare nasceu.
FIGURA 3
Casa de Stratford-upon-Avon onde Shakespeare nasceu
55
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