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ASPECTOS ESTRUTURAIS RELACIONADOS AOS DEPÓSITOS DE TURFA NO PLANALTO DA SERRA DO TABULEIRO Edison Ramos Tomazzoli 1 ; Marcelo Accioly Teixeira de Oliveira 1 ; Rafael Bento Paulino 1 1 Depto. de Geociências, UFSC ([email protected] ) ________________________________________________________________________________________ Abstract. The geometry of peat deposits at the summits of the Serra do Tabuleiro State Park is partialliy determined by the pattern of the joints of the local bedrocks. This pattern also controls the surface and subsurface hydrologic regime of these rocky areas, where shallow soils evolve together with peat deposits. The joints dates form the Proterozoic and had been reactivated during the Cenozoic, under distensional tectonic regimes related with the uplift of the Serras do Leste Catarinense range. These joints are quite well visible at the regional scale, as foto-lineaments delineated over remote images (satellite and aerial). This study presents preliminary results associated with the structural analysis of the local fracture assemblies. The relationship between joint direction (azimuth) and peat bog depth is stressed. This relationship is considered as a very important data for Quaternary studies in the area, as the local peat bog depths seem to indicate the best potential spots for palinologic analysis and paleoenvironmental interpretation. Palavras-Chave: Fraturas; Turfeiras; Quaternário. 1. Introdução A Serra do Tabuleiro (Figura 1) é constituída por superfícies plano-onduladas descontínuas, separadas por profundos vales e canyons, controlados por falhamentos (Figura 2). No topo dos planaltos, falhas e fraturas tendem também a condicionar as direções e o padrão da drenagem superficial e sub- superficial. Este controle se estende ainda sobre a geometria dos depósitos turfáceos que ali ocorrem. Estes depósitos estão sendo mapeados com o intuito de cadastrar áreas com potencial para a obtenção de registro polínico quaternário. Com efeito, resultados preliminares revelam fino registro polínico associado a mudanças paleoambientais na área de estudo (Behling, inédito). Estes resultados, associados ao mapeamento estrutural, estão sendo utilizados para a valorização da área de topos do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro (Oliveira 2003). Figura 1 – Mapa de localização da Serra do Tabuleiro, com a delimitação do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro Neste trabalho é feita, a descrição e a análise geométrica dos fraturamentos que

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ASPECTOS ESTRUTURAIS RELACIONADOS AOS DEPÓSITOS DE TURFA NO PLANALTO DA SERRA DO TABULEIRO

Edison Ramos Tomazzoli1; Marcelo Accioly Teixeira de Oliveira1; Rafael Bento Paulino1

1Depto. de Geociências, UFSC ([email protected])________________________________________________________________________________________Abstract. The geometry of peat deposits at the summits of the Serra do Tabuleiro State Park is partialliy determined by the pattern of the joints of the local bedrocks. This pattern also controls the surface and subsurface hydrologic regime of these rocky areas, where shallow soils evolve together with peat deposits. The joints dates form the Proterozoic and had been reactivated during the Cenozoic, under distensional tectonic regimes related with the uplift of the Serras do Leste Catarinense range. These joints are quite well visible at the regional scale, as foto-lineaments delineated over remote images (satellite and aerial). This study presents preliminary results associated with the structural analysis of the local fracture assemblies. The relationship between joint direction (azimuth) and peat bog depth is stressed. This relationship is considered as a very important data for Quaternary studies in the area, as the local peat bog depths seem to indicate the best potential spots for palinologic analysis and paleoenvironmental interpretation.

Palavras-Chave: Fraturas; Turfeiras; Quaternário.

1. Introdução

A Serra do Tabuleiro (Figura 1) é constituída por superfícies plano-onduladas descontínuas, separadas por profundos vales e canyons, controlados por falhamentos (Figura 2).

No topo dos planaltos, falhas e fraturas tendem também a condicionar as direções e o padrão da drenagem superficial e sub-superficial. Este controle se estende ainda sobre a geometria dos depósitos turfáceos que ali ocorrem. Estes depósitos estão sendo mapeados com o intuito de cadastrar áreas com potencial para a obtenção de registro polínico quaternário. Com efeito, resultados preliminares revelam fino registro polínico associado a mudanças paleoambientais na área de estudo (Behling, inédito). Estes resultados, associados ao mapeamento estrutural, estão sendo utilizados para a valorização da área de topos do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro (Oliveira 2003).

Figura 1 – Mapa de localização da Serra do Tabuleiro, com a delimitação do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro

Neste trabalho é feita, a descrição e a análise geométrica dos fraturamentos que

condicionam as formas de relevo, a rede de drenagem e a geometria das turfeiras.

Figura 2 – Planaltos ou tabuleiros, separados por canyon controlado por falhamento, no alto da Serra do Tabuleiro. No plano intermediário, observa-se turfeira.

No contexto geológico/geomorfológico da Serra do Tabuleiro, as turfeiras são elementos importantes, pois estão associadas a registros polínicos que representam importantes indicadores paleoambientais quaternários. De acordo com classificação preliminar para as turfeiras do parque, o alcance ou amplitude temporal desse registro pode estar relacionado à espessura das turfeiras (Paulino 2005). Por sua vez, esta espessura pode estar relacionada à geometria das fraturas, justificando a análise estrutural tratada a seguir.

2. Aspectos EstratigráficosGeologicamente, a Serra do Tabuleiro é

constituída, dominantemente, pelo Granito Serra do Tabuleiro (conforme o descrito por Tainini et al. 1978 e Zanini et al. 1997), composto por sienogranito (predominante) e monzogranito. Datações Rb-Sr mostram idades isocrônicas de 516 ± 12 Ma para o Granito Serra do Tabuleiro (Basei 1985).

3. Estruturas Regionais

Embora as rochas graníticas apresentem-se de uma maneira geral maciças e pouco deformadas, é importante destacar que a região foi palco de, pelo menos, dois ciclos de atividade tectônica pronunciada, um Neoproterozóico e outro no Mesozóico, esse último relacionado à fragmentação do Gondwana e abertura do Oceano Atlântico. Reativações neotectônicas, embora difíceis de serem avaliadas, já foram reportadas (Tomazzoli and Pellerin, 2001).

As estruturas mais comuns são falhas, fraturas e, menos frequentemente, zonas de cisalhamento rúpteis e rúpteis-dúcteis com poucos centímetros de espessura, sub-verticais ou de alto ângulo, que aparecem como fotolineamentos em imagens aéreas.

Na figura 3 é apresentada imagem Landsat, canal 4, da Serra do Tabuleiro e do maciço do Cambirela, datada de 26/05/2001, realçada com stretch linear com saturação. Foi feita na imagem vetorização dos principais fotolineamentos. Para o georreferenciamento, processamento (stretch) da imagem e vetorização dos fotolineamenteos, utilizou-se o programa IDRISI 32.

A partir do mapa de fotolineamentos obtido foi confeccionado o diagrama de setores ou diagrama de rosetas (Figura 4), utilizando-se o programa Rock Works.

Com o intuito de comparar os dados estatísticos representados pela medição de fotolineamentos (Figura 4) com os dados de campo, foi confeccionado diagrama de roseta com medições de campo de falhas e fraturas (Figura 5), utilizando bússola, com a declinação magnética registrada.

Figura 3 – Fotolineamentos (linhas azuis) vetorizados sobre imagem Landsat, banda 4, realçada por stretch linear, na região da Serra do Tabuleiro. A área de ocorrência das turfeiras estudadas está delimitada pela linha branca.

Observando-se o diagrama de roseta da figura 4, elaborado a partir do mapa de fotolineamentos, verifica-se que as direções agrupam-se nas seguintes classes: Az 0o-5o; Az 20o-25o; Az 70o-85o; Az 310o-315o e Az 335o-340o. Admite-se que os esforços compressivos máximos (σ1) estejam orientados segundo a direção norte-sul. Segundo este modelo de deformação neoproterozóica, as fraturas Az 0o-5o corresponderiam a fraturas T, as de Az 20o-25o a fraturas R (Riedel), as de Az 335o-340o a fraturas R’(anti-Riedel), as de Az 70o-85o a fraturas P e as de Az 310o-315o a fraturas X. As fraturas Az 20o-25o não devem corresponder a fraturas T, pois exibem rejeito direcional sinistral e desenvolvem estriações sub-horizontais nos planos de falha.

Na figura 5 é apresentado o diagrama de roseta elaborado com as medidas de campo de falhas, fraturas e zonas de cisalhamento rúpteis-dúcteis, cujas atitudes são dominantemente sub verticalizadas. Apesar do pequeno número de medidas, observa-se que as direções coincidem, em termos gerais, com as dos fotolineamentos, exeto as de Az 50o-55o, que não são expressivas como fotolineamentos ou não puderam ser visualizadas devido a condições de geometria de iluminação desfavoráveis no dia e hora da tomada da imagem Landsat. As fraturas que agrupam-se segundo a direção Az 280o-285o foram, provavelmente, geradas em outro evento tectônico.

4. Estruturas relacionadas às turfeiras

Nas áreas de topo de tabuleiro, no domínio dos chamados campos de altitude, a cobertura pedogenética é escassa e pouco espessa, predominando em muitos locais, afloramentos de extensas lajes graníticas. Nessas áreas, as turfeiras de altitude estão, muitas vezes, posicionadas em depressões condicionas por fraturas do embasamento rochoso.

Na figura 6 é apresentado o diagrama de roseta elaborado a partir das medidas de direções dessas fraturas e alinhamentos que condicionam a geometria das turfeiras. Observa-se que as direções predominantes são: Az 10°-20°, Az 80°-90° e Az 300°-310°, coincidentes com as principais direções dos diagramas das figuras 4 e 5.

Figura 4 - Diagrama de roseta elaborado com medidas de fotolineamentos.

Figura 5 - Diagrama de roseta elaborado com medidas de campo de falhas e fraturas.

Figura 6 - Diagrama de roseta elaborado com as medidas de fraturas e fotolineamentos que condicionam a geometria das turfeiras. As classes de maior freqüência estão indicadas. Classes de 10°; número total de medidas: 23.

O diagrama da figura 7 procura mostrar a relação entre as profundidades das turfeiras e a direção da fratura/fotolineamento que condiciona sua geometria. Observa-se que as turfeiras mais profundas são as relacionadas a fraturas de azimute 70°-80°, 140°-150° (correspondente ao Az 320°-330°), 170°-180° e 10°-20°.

Por outro lado, a profundidade da turfeira pode estar relacionada, também a sua extensão em área. O diagrama da figura 8 mostra a relação entre as profundidades máximas das turfeiras e sua área. Observa-se discreta tendência de as turfeiras mais extensas apresentarem profundidades maiores.

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10° a 20°

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80° a 90°

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110° a 120°

110° a 120°

140° a 150°

160° a 170°

170° a 180°

Prof

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(cm

)

Figura 7 - Diagrama mostrando as profundidades das turfeiras relacionadas às direções dos alinhamentos que condicionam sua geometria. Dados extraídos de Paulino (2005).

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Área da turfeira (m2)

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Figura 8 - Diagrama mostrando a relação entre as profundidades máximas das turfeiras e sua extensão em área. Dados extraídos de Paulino (2005).

5. Discussão e Conclusões

O estereograma da figura 9 foi elaborado com as atitudes espaciais de estrias de falha, medidas em campo, em seus respectivos planos representados pelos pólos e grandes círculos. Observa-se que os esforços compressivos (sigma 1), determinados segundo

Turner and Weiss (1963), são sub-horizontais e orientam-se segundo a direção geral norte-sul, confirmando o modelo proposto na figura 4. Admite-se que essas estruturas tenham sido geradas por esforços compressionais, no Neoproterozóico.

Figura 9 - Estereograma de atitudes espaciais de estrias, em seus planos de falha correspondentes. No diagrama estão indicadas as orientações de Sigma 1 (=11o para Az180o ), Sigma 2 (=67o para Az 63o) e Sigma 3 (=21o

para Az 270o).

A presença de um enxame cerrado de diques básicos, pouco a leste da área estudada, chamado Enxame de Diques Florianópolis, com idade cretácea (Raposo et al. 1998), inseridos, preferencialmente, nas fraturas Az 20º- 25º, indica que essas fraturas teriam sido reativadas como fraturas T (de distensão) durante o Evento Sul-Atlantiano. Esse novo campo de tensões do Mesozóico, com σ1 orientado segundo Az 20o-25o, foi responsável pela reativação de outras fraturas pré-existentes. Reativações cenozóicas dessas fraturas foram muito importantes, uma vez que foram estruturadas pelo processo de soerguimento da Serra do Tabuleiro e Serras do Leste Catarinense no Terciário. Reativações quaternárias já foram registradas em localidade

próxima, no vale do Rio Vargem do Braço (Tomazzoli and Pellerin 2001, op. cit.).

Essas reativações cenozóicas fizeram que fraturas fechadas, originalmente geradas sob condições compressivas (como é o caso das fraturas de azimute 20°-30°, 70°-85°, 300°-340° das figuras 3 e 4) fossem reativadas como fraturas abertas, portadoras de veios de sílica e de importantes mineralizações de fluorita, no sul do estado (Bastos Neto et al. 1997). No topo do planalto da Serra do Tabuleiro, observou-se que esses fraturamentos abertos condicionaram o alojamento e a geometria de turfeiras.

6. Referências

BASEI, M.A.S. 1985. O Cinturão Dom Feliciano em Santa Catarina. São Paulo. 185p. Tese de Doutoramento, Inst. de Geociências, Universidade de São Paulo.

BASTOS NETO, A.C., HUBER, G.H. and SAVI, C.N. 1997. Depósitos de fluorita de Segunda Linha Torrens (Mina 2) e Cocal, sudeste de Santa Catarina. In: Schobbenhaus et al. Principais Depósitos Minerais do Brasil, vol. IV. DNPM-CPRM-MME, Brasília, p. 537-553.

GAMA, A.M.R.C. 1998. Diagnóstico Ambiental do Município de Santo Amaro da Impteratriz (SC) – Uma Abordagem Integrada da Paisagem. Florianópolis, 249p. Dissertação de Mestrado, Departamento de Geociências, UFSC.

OLIVEIRA, M. A. T. 2003. Valorização ambiental e turística dos Campos Gerais através de sua História Natural: Parque Estadual da Serra do Tabuleiro. 24p. Projeto de Pesquisa. Departamento de Geociências, Universidade Federal de Santa Catarina/FAPESC, Florianópolis.

PAULINO, R.B. 2005. Mapeamento e caracterização de turfeiras na Serra do

Tabuleiro, Parque Estadual da Serra do Tabuleiro (SC). 37p. Trabalho de Conclusão de Curso, Departamento de Geociências, UFSC.

PONTELLI, M.E., PELLERIN, J.R.G.M. and TOMAZZOLI, E.R. 2000. Morfodinâmica e estratigrafia relativa aos depósitos aluviais da Bacia do Rio da Vargem do Braço. In: II SIMPÓSIO NACIONAL DE GEOMORFOLOGIA, 2000, Campinas, SP. Anais... Campinas, v. I, p.198.

RAPOSO, M.I.B., ERNESTO, M. and RENNE, P.R. 1998. Paleomagnetism and 40Ar/39Ar dating of the early Cretaceous Florianópolis dike swarm. Physics of the Earth and Planetary Interiors. Vol 108-4, pp275-290.

TOMAZZOLI, E. R. and PELLERIN, J. R. G. M. 2001. Evidências de Neotectônica no Vale do Rio Cubatão, SC. In: VIII Congresso da ABEQUA, 2001, Imbé - RS. Boletim de Resumos, 2001. v. único. p. 307-308.

TRAININI et al. 1978. Projeto Vidal Ramos-Biguaçu: Relatório Final. Porto Alegre. CPRM/CNEN. 70P. (inédito).

TURNER, F. J. and WEISS, L.E. 1963. Structural Anailysis of Metamorphic Tectonites. McGraw-Hill Book Co., Inc., 545p.

ZANINI, L.F.P., BRANCO, P.M., CAMOZZATO, E. and RAMGRAB, G.E. 1997. Programa de Levantamentos Geológicos Básicos do Brasil - Folhas Florianópolis e Lagoa. Brasília. MME/SMM, 223p.