blacking, john - movimento e significado

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Universidade Federal de Santa Catarina Centro de Filosofia e Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social Antropologia da Arte – ANT 3153004 Profº Dr. Rafael José de Menezes Bastos Resenha Aluno: Rafael Mondini Bueno Matrícula: 201500256 - BLACKING, John. Movimento e Significado: A dança na perspectiva da Antropologia Social. In: CAMARGO ANTUNES, Gisele Guilhon (org). Antropologia da Dança I. Florianópolis: Insular, 2013, p. 75-86. Na abertura do artigo, Blacking enfatiza que a dança, apesar de não ter a importância comunicacional que possui a linguagem, não foi suplantada por esta como forma de expressão, sugerindo já de abertura uma crítica a associações entre o pensamento estrutural e a forma da dança, algo que concretizará em algumas páginas. Neste prêambulo, ele ainda menciona a importância que a inclusão da dança no processo pedagógico – e portanto uma espécie de educação para o movimento – teria para fechar o golfo que separa os praticantes da dança de seus analistas, intelectuais, críticos e notadores. Vale ressaltar que, neste ponto, John Blacking simplesmente deixa de mencionar a imensa variedade de danças que não são de apresentação – no caso, danças de participação, segundo as definições propostas por Nahachewsky (1995) –, que sem dúvida compartilham tanto uma similar capacidade de educação corporal em relação as danças chamadas de acadêmicas, quanto uma miríade de problemáticas extremamente relevantes para os estudos das ciências humanas relacionados à dança, incluindo aí a tensão causada pela dicotomia movimento e significado que é objeto do texto. Então o autor inaugural sua argumentação assinalando que uma aproximação com a Antropologia Social poderia beneficiar a dança no sentido de aproximar os praticantes dos intelectuais, ao propor soluções para problemas que já perseguiam a história da dança há tempos. Retomando a origem das associações entre forma da dança e linguagem no estruturalismo saussureano, Blacking recorre à sociolinguística – esse campo-meio-de- campo – para apresentar um argumento contextualista que visa colocar em xeque os pressupostos da linguística estrutural desde a própria linguística, dispensando recorrer à dança para articular sua crítica. Ao considerar que os estudos em dança devem tratar tanto da linguagem que a descreve quanto de seus aspectos formais próprios, ou seja, o contexto geral da performance, o autor sugere que, portanto, todas as formas locais de entender e descrever esta manifestação corporal de problemática definição teriam de tratar de etnoteorias. Inevitavelmente, tal proposta em algum momento teria que lidar com o problema das formas de registro da dança, sejam elas a gravação em vídeo, as fotografias still ou

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resenha

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  • Universidade Federal de Santa Catarina Centro de Filosofia e Cincias Humanas

    Programa de Ps-Graduao em Antropologia Social Antropologia da Arte ANT 3153004

    Prof Dr. Rafael Jos de Menezes Bastos

    Resenha

    Aluno: Rafael Mondini Bueno Matrcula: 201500256

    - BLACKING, John. Movimento e Significado: A dana na perspectiva da Antropologia Social. In: CAMARGO ANTUNES, Gisele Guilhon (org). Antropologia da Dana I. Florianpolis: Insular, 2013, p. 75-86.

    Na abertura do artigo, Blacking enfatiza que a dana, apesar de no ter a importncia comunicacional que possui a linguagem, no foi suplantada por esta como forma de expresso, sugerindo j de abertura uma crtica a associaes entre o pensamento estrutural e a forma da dana, algo que concretizar em algumas pginas. Neste prambulo, ele ainda menciona a importncia que a incluso da dana no processo pedaggico e portanto uma espcie de educao para o movimento teria para fechar o golfo que separa os praticantes da dana de seus analistas, intelectuais, crticos e notadores. Vale ressaltar que, neste ponto, John Blacking simplesmente deixa de mencionar a imensa variedade de danas que no so de apresentao no caso, danas de participao, segundo as definies propostas por Nahachewsky (1995) , que sem dvida compartilham tanto uma similar capacidade de educao corporal em relao as danas chamadas de acadmicas, quanto uma mirade de problemticas extremamente relevantes para os estudos das cincias humanas relacionados dana, incluindo a a tenso causada pela dicotomia movimento e significado que objeto do texto.

    Ento o autor inaugural sua argumentao assinalando que uma aproximao com a Antropologia Social poderia beneficiar a dana no sentido de aproximar os praticantes dos intelectuais, ao propor solues para problemas que j perseguiam a histria da dana h tempos. Retomando a origem das associaes entre forma da dana e linguagem no estruturalismo saussureano, Blacking recorre sociolingustica esse campo-meio-de-campo para apresentar um argumento contextualista que visa colocar em xeque os pressupostos da lingustica estrutural desde a prpria lingustica, dispensando recorrer dana para articular sua crtica. Ao considerar que os estudos em dana devem tratar tanto da linguagem que a descreve quanto de seus aspectos formais prprios, ou seja, o contexto geral da performance, o autor sugere que, portanto, todas as formas locais de entender e descrever esta manifestao corporal de problemtica definio teriam de tratar de etnoteorias.

    Inevitavelmente, tal proposta em algum momento teria que lidar com o problema das formas de registro da dana, sejam elas a gravao em vdeo, as fotografias still ou

  • alguma das infindveis propostas de notao coreogrfica existentes. Blacking, ao considerar em 1983 impossvel o trabalho com estes registros sem levar em conta o contexto em que foram tomados, certamente se alinha a Van Zile (1982) e lana bases para sugestes como a de Tomko (1999), j que ambas defendem a relevncia no s da tomada de registros do contexto da dana, mas tambm que os atores envolvidos participem, na medida do possvel, da construo de uma notao que reflita os valores considerados importantes dentro do sistema de determinada dana. No fim da primeira parte de sua crtica, ele volta a atacar discursos que falam de um inconsciente da dana, ao assinalar que est claro que o ato de danar um discurso no-verbal, portanto atraente para explicaes que recorrem a estruturas profundas da psique humana como tbua de salvao.

    Na seo seguinte, Blacking coloca que duas possiblidades norteavam a pesquisa em dana poca: a que admitia que a conjuno entre a dana, como significante, e seu contexto, como gerador de significado, se constitui como um processo de significao; e a que advoga pela dana como uma expresso formalizada de sentimentos, cuja organizao objetiva afetar a ao humana. Logo, ele afirma que ater-se a estas divises a ferro e fogo realiza uma separao que tanto danosa para os praticantes das danas de apresentao, que podem ter que lidar com crticas que pesam para algum dos dois lados dessa dicotomia, quanto para a prtica etnogrfica, que pode aprisionar suas descries num poo de relativismo ou num evolucionismo cultural que s proveitoso para aqueles que, tal como Curt Sachs (1943), pretendem escrever uma Histria Universal da Dana na qual a dana ocidental acadmica a eptome da dana1. Por outro lado, como j mencionado, Blacking defende a equivalncia metodolgica entre as etnoteorias sobre dana para que possa ser dada a largada de uma cincia da dana. Alm disso, afirma que a cincia da dana deve se constituir como uma cincia processual, se voltando para os processos e atores envolvidos na constituio do contedo da apresentao. Assim, a intelectualidade estadunidense e europeia da dana poderia iniciar seus estudos em dana comeando por serem menos etnocntricos.

    Para encerrar o artigo, ele afirma que uma resoluo da problemtica movimento-significado poderia trazer a luz uma proposta coerente da relao entre a execuo coreogrfica e a oscilao de sentimentos que precipitada pela srie de movimentos. Com isso, seria possvel educar mais apropriadamente as emoes das pessoas para as presses da vida no sculo XXI.

    Como ressalta Grau (1993), o impacto da obra de John Blacking nas pesquisas em antropologia da dana no Reino Unido foi significativo, apesar de juntamente com seu legado, terem persistido alguns dos problemas inerentes sua proposta metodolgica. Ao ressaltar a assimetria entre as etnoteorias coreolgicas dos estudados e aquelas das comunidades dos observadores, salta aos olhos o problema para notao coreogrfica que constitui essa assimetria, um tema que me interessa, pois concordo com o autor no sentido da importncia do envolvimento dos atores na produo do registro. Por outro lado, como j salientado, Blacking favorece plenamente as danas de apresentao em detrimento das danas de participao. Certamente h etnoteorias dentre os praticantes de danas de participao, assim como h nelas tambm um grande potencial explorado por muitos de

    1 Apesar do volume sobre dana de Sachs, por conta das ressalvas de Youngerman (1974), ser visto com desconfiana, j tempo que seja feita uma reviso de sua obra, ciente das deficincias em seu argumento.

  • seus praticantes, para o bem ou para o mal, diga-se de passagem na educao sentimental de uma populao.

    Referncias:

    GRAU, Andre. John Blacking and the Development of Dance Anthropology in the United Kingdom. Dance Research Journal, v. 25, n. 2 (set-dez 1993), p. 21-31.

    NAHACHEWSKY, Andriy. Participatory and Presentational Dance as Ethnochoreological

    Categories. Dance Research Journal, v. 27, n. 1 (mar-mai 1995), p. 1-15. SACHS, Curt. Historia Universal de la Danza. Buenos Aires: Centurin, 1943. TOMKO, Linda J.. Dance Notation and Cultural Agency: A Meditation Spurred by Choreo-

    Graphics. Dance Research Journal, v. 31, n. 1 (mar-mai 1999), pp. 1-4. VAN ZILE, Judy. Seeking Notation Solutions. Dance Research Journal, v. 14, n. 1/2 (1981-1982),

    pp. 53-54. YOUNGERMAN, Suzanne. Curt Sachs and his heritage: a critical review of World History of

    the Dance with a survey of recent studies that perpetuate his ideas. CORD News, v. 6, n. 2, 1974, p. 6-24.