capitalismo questao social encarceramento

25
1 CAPITALISMO, QUESTÃO SOCIAL E AS FORMAS DE ENCARCERAMENTO: UM ESTUDO SOBRE O CENTRO POP CAPITALISM, SOCIAL ISSUES AND THE FORMS OF INCARCERATION: A STUDY ON THE POP CENTER. Sara Conceição de Paula 1 RESUMO Este trabalho tem por objetivo identificar os elementos do Centro de Referência para a população em situação de rua (Centro Pop) que o fazem correspondente a uma forma de encarceramento. O estudo se fundamenta nos trabalhos de Loïc Wacquant (2011) e Augusto (2010), mas, sobretudo, nos apostes marxistas, fundamentais na elucidação da gênese do problema em questão. Para alcançar o objetivo proposto, este trabalho faz uma análise descritiva-crítica do Centro pop a partir de três documentos oficiais do governo: a Pesquisa Nacional sobre a população em situação de Rua”, as Orientações Técnicas e informações disponíveis no site do MDS. Neste sentido, os três objetos permitem que se explorem alguns argumentos: (1) hostilidade externa e afinidade interna; (2) falácia da superação das desigualdades por meio do desenvolvimento; (3) continuum institucional; (4) aspecto voluntariado do encarceramento. Palavras-chave: população em situação de rua. Encarceramento a céu aberto. Centro Pop. ABSTRACT This work aims to identify the elements of the reference Center for street population (Centro Popd) that make corresponding to a form of incarceration. The study is based on the work of Loïc Wacquant (2011) and Augusto (2010), but above all in bet Marxists, fundamental in the elucidation of the genesis of the problem in question. To achieve the proposed objective, this work makes a descriptive analysis-critical Centro Pop from three official documents of the Government: the national survey on the street population, "the technical guidance and information available on the website of the MDS. In this sense, the three objects allow you to explore some arguments: (1) external and internal affinity hostility; (2) fallacy of overcoming inequalities by means of development; (3) institutional continuum; (4) voluntary aspect of incarceration. Keywords: Street population. Incarceration in the open. Centro Pop. 1 Graduada em Administração pela UFJF.

Upload: dudu-ribeiro

Post on 03-Sep-2015

14 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

Capitalismo, questão social encarceramento.

TRANSCRIPT

  • 1

    CAPITALISMO, QUESTO SOCIAL E AS FORMAS DE ENCARCERAMENTO:

    UM ESTUDO SOBRE O CENTRO POP

    CAPITALISM, SOCIAL ISSUES AND THE FORMS OF INCARCERATION: A STUDY

    ON THE POP CENTER.

    Sara Conceio de Paula1

    RESUMO

    Este trabalho tem por objetivo identificar os elementos do Centro de Referncia para a

    populao em situao de rua (Centro Pop) que o fazem correspondente a uma forma de

    encarceramento. O estudo se fundamenta nos trabalhos de Loc Wacquant (2011) e Augusto

    (2010), mas, sobretudo, nos apostes marxistas, fundamentais na elucidao da gnese do

    problema em questo. Para alcanar o objetivo proposto, este trabalho faz uma anlise

    descritiva-crtica do Centro pop a partir de trs documentos oficiais do governo: a Pesquisa

    Nacional sobre a populao em situao de Rua, as Orientaes Tcnicas e informaes disponveis no site do MDS. Neste sentido, os trs objetos permitem que se explorem alguns

    argumentos: (1) hostilidade externa e afinidade interna; (2) falcia da superao das

    desigualdades por meio do desenvolvimento; (3) continuum institucional; (4) aspecto

    voluntariado do encarceramento.

    Palavras-chave: populao em situao de rua. Encarceramento a cu aberto. Centro Pop.

    ABSTRACT

    This work aims to identify the elements of the reference Center for street population (Centro

    Popd) that make corresponding to a form of incarceration. The study is based on the work of

    Loc Wacquant (2011) and Augusto (2010), but above all in bet Marxists, fundamental in the

    elucidation of the genesis of the problem in question. To achieve the proposed objective, this

    work makes a descriptive analysis-critical Centro Pop from three official documents of the

    Government: the national survey on the street population, "the technical guidance and

    information available on the website of the MDS. In this sense, the three objects allow you to

    explore some arguments: (1) external and internal affinity hostility; (2) fallacy of overcoming

    inequalities by means of development; (3) institutional continuum; (4) voluntary aspect of

    incarceration. Keywords: Street population. Incarceration in the open. Centro Pop.

    1 Graduada em Administrao pela UFJF.

  • 2

    INTRODUO

    O presente trabalho tem por objetivo identificar os elementos do Centro de Referncia

    Especializado para a populao em situao de rua (Centro Pop) que o fazem correspondente

    a uma modalidade de encarceramento a cu aberto. Entende-se como encarceramento uma

    prtica que, pautada no monitoramento e controle, na hostilidade externa e afinidade interna,

    reproduz a lgica de segregao da priso. O estudo ser fundamentado nos trabalhos de Loc

    Wacquant (2011) e de Augusto (2010) que se debruam em apontar o desenvolvimento da

    prtica de encarceramento nos guetos e periferias, mas, sobretudo, nos apostes marxistas,

    identificando-os como elementos fundamentais na elucidao do problema em questo.

    Os projetos sociais correspondem um dos principais pilares do governo brasileiro

    presentes nos discursos oficiais como fator de primazia de ao poltica (BRASIL, 2011a).

    Para a populao em situao de rua, o Plano Nacional de Assistncia Social (PNAS)

    desenvolveu o Centro Pop, um centro especializado responsvel pelo atendimento que atua no

    mbito da proteo especial (BRASIL, 2010a). A nfase principal do projeto pauta-se na

    reinsero do indivduo atravs de programas que em conjunta com outros projetos j atuantes

    do governo, como o Sistema nico de Assistncia Social, o SUAS (BRASIL, 2010a). O

    Centro Pop torna-se um canal de desenvolvimento de tcnicas e juno de profissionais de

    variadas reas que se empenham em orientar, em todo o territrio nacional, a gesto do

    Centro Pop e a oferta qualificada do servio (BRASIL, 2011, p. 3). Os principais objetivos

    pronunciados so o reestabelecimento dos vnculos familiares, higiene bsica, alimentao,

    cursos profissionalizantes entre outros (BRASIL, 2010a).

    Neste cenrio, identificado que, ao menos nos discursos, os projetos sociais situam

    uma dicotomia diante da prtica historicamente exercitada. Paralelamente promoo do

    Centro Pop e sua lgica de insero social, no Brasil, o trato com esta populao possui

    relatos brutais de hostilidade e extermnio histricos. Esta populao envolvida como

    vtimas em relatos de hostilidade e tambm como agentes de violncia entre os prprios em

    vivncia de rua. Aes como espancamento, extermnio, prticas homofbicas e

    envenenamento so comumente temas de denncia de violncia a esta populao (BRASIL,

    2011b).

    Enquanto por um lado h a priso e represso, os projetos sociais, em especial o Centro

    Pop, entram como alternativa de reinsero social. Estes dois mecanismos consolidam duas

    propostas de atuao que, a partir de uma observao inicial de seus discursos, se configuram

    como distintas. Contudo, coexistem no mesmo contexto de reproduo. Conforme Wacquant

    (2011), a priso e os projetos de reinsero possuem elementos de sintonia podendo ser

  • 3

    consideradas, um continuum institucional no qual uma necessariamente vinculada

    existncia do outro. Os campos de concentrao a cu aberto e os programas sociais,

    conforme a suposio sustentada neste trabalho, apresentam similaridades que empenham em

    manter indivduos na condio de assujeitados (AUGUSTO, 2010), e ainda, representam uma

    prtica indispensvel a uma sociedade estruturada sob a explorao e opresso.

    Desse modo, cabe ao objetivo deste trabalho discutir em que aspectos o Centro Pop se

    assemelha s modalidades de encarceramento a cu aberto partindo da problematizao da

    questo social como uma contradio inerente ao modo de produo capitalista.

    Com a inteno de apresentar maiores possibilidades de discusso a respeito do Centro

    Pop, este trabalho se basear em uma anlise dos documentos emitidos pelo governo

    brasileiro que do direcionamentos para as prticas e desenvolvimento do Centro Pop. Eles

    so: (a) a Pesquisa Nacional sobre a populao em situao de Rua (BRASIL, 2008); (b)

    Orientaes Tcnicas: Centro de Referncia Especializado para Populao em Situao de

    Rua (Centro Pop) e Servio Especializado para Pessoas em Situao de Rua (BRASIL,

    2011a); e, (c) informaes disponveis no site do MDS (BRASIL, 2010a) voltado

    apresentao do Centro Pop e polticas pblicas relacionadas.

    A pesquisa possui carter descritivo-crtico, sobretudo porque busca situar o objeto do

    estudo na totalidade do modo de produo capitalista considerado como universalidade para a

    sociabilidade presente. Compreende-se, portanto, o Centro Pop como um elemento

    constitutivo de uma totalidade concreta, que no um 'todo' constitudo por 'partes'

    funcionalmente integradas. Antes, uma totalidade concreta inclusiva e macroscpica, de

    mxima complexidade, constituda por totalidades de menor complexidade (NETTO, 2011,

    p. 56). Pode-se dizer, tambm, que se trata de uma totalidade estruturada e articulada

    (idem, p. 56-57), mas tambm dinmica (ibidem, p. 57). A partir disso, a compreenso do

    Centro Pop se revela em conexo com o modo de produo capitalista. Apenas dessa forma se

    pode atravessar a aparncia de se considerar tal objeto como mera poltica de um Estado

    racional em busca de proteo ao vulnervel.

    O trabalho almeja contribuir para ampliao dos estudos de encarceramento ligados aos

    projetos sociais apresentando como premissa enftica o modo de produo capitalista. Outro

    aspecto de estmulo proposta deste trabalho a escassez de estudos desenvolvidos com a

    temtica da populao em situao de rua constituindo uma lacuna bibliogrfica expressiva.

    Ainda que seja possvel encontrar abordagens que no consideram em sua explicao a

    produo e a reproduo do capitalismo como categorias relacionadas pobreza (PEREIRA,

    2009).

  • 4

    Embora este trabalho elabore uma crtica ao programa social, cabe de forma introdutria

    considerar que o Centro Pop consiste em umas das poucas alternativas no Brasil de oferecer a

    populao em situao de rua, no mnimo, os direitos fundamentais de proteo garantidos

    pela constituio. Portanto, almeja descortinar o papel efetivo do programa nos processos de

    construo social e busca a crtica da estrutura de sociabilidade em que o programa se

    estabelece e que o modela. O papel deste estudo, partindo das aspiraes de Marx,

    apresentar uma crtica realidade inescrupulosa da prtica social dada e imposta,

    inescrupulosa no sentido de no temer os resultados nem os conflitos com os poderes

    estabelecidos (MARX, 2010, p. 71).

    A QUESTO SOCIAL E A POPULAO EM SITUAO DE RUA

    Apesar de muito difundido na sociedade, a expresso questo social comporta

    significados distintos e no apresenta semanticamente uma s compreenso (NETTO, 2001).

    Embora a expresso questo social no esteja evidente nos textos de Marx, a compreenso e

    determinaes apresentadas na Lei geral da acumulao capitalista na crtica economia

    poltica, oferecem um ncleo essencial para descortinar a gnese e o fenomeno da questo

    social (SANTOS, 2012). Segundo Netto (2001) e Santos (2012), as indicaes de utilizao

    do termo questo social so de emprego recente e data a tentativa de expressar os impactos

    causados pela onda industrializante iniciada na Inglaterra. Seu marco histrico est

    relacionado a um conjunto de fenmenos sociais que, incluindo o pauperismo, mas tambm

    se reproduzindo para alm dele se conceitua como gnese da questo social (SANTOS,

    2012, p. 28).

    A conceituao da questo social, para Santos (2012) se d em duas bases importantes.

    A primeira base a compreenso que esta no corresponde desigualdade e pobreza

    indistintamente, mas sim quelas que tm sua existncia fundada pelo modo de produo

    capitalista (SANTOS, 2012, p. 28). Corresponde a uma pobreza e escassez que cresce

    medida que a riqueza aumenta:

    Pela primeira vez na histria registrada, a pobreza crescia na razo direta em

    que aumentava a capacidade social de produzir riquezas. Tanto mais a

    sociedade se revelava capaz de progressivamente produzir mais bens e

    servios, tanto mais aumentava o contingente de seus membros que, alm de

    no ter acesso efetivo a tais bens e servios, viam-se despossudos das

    condies materiais de vida de que dispunham anteriormente (NETTO,

    2001, p. 42).

  • 5

    Na socialmente produzida relao capitalista, a condio do trabalhador consiste na

    venda da prpria fora para multiplicar a riqueza alheia ou para a autovalorizao do

    capital. Ou seja, a acumulao de misria corresponde acumulao do capital (MARX,

    1996b, p.274). Assim, o pauperismo constitui o asilo para invlidos do exrcito ativo de

    trabalhadores e o peso morto do exrcito industrial de reserva (Idem, p.273).

    Expropriados dos meios de produo, os trabalhadores foram obrigados a vender sua

    fora de trabalho ao capitalista, na circulao no mercado frente ao fortalecimento do capital

    comercial e industrial (REZENDE, 2011). No como resultado de um livre processo de

    escolhas, mas por necessidade de sobrevivncia (MARX, 2004).

    Esse proletariado livre como os pssaros no podia ser absorvido pela manufatura

    nascente com a mesma velocidade com que foi posto no mundo (MARX, 1996b, p. 356).

    Assim, muitas pessoas, privadas da dinmica de produo, pela lgica da oferta, dedicaram-se

    esmola, ao furto e vadiagem. Para manter o nvel de oferta de fora de trabalho sempre

    elevada, e consequentemente, salrios baixos, foram desenvolvidas diversas leis contra os

    vagabundos vlidos. Penalidades como duros aoites, espancamento com correntes, prticas

    de mutilao, trabalho escravo e execuo eram penas comuns aos inimigos do Estado que

    se recusavam a trabalhar (idem). O proletariado se v privado do ideal de Igualdade e

    Liberdade para ser subjulgado Lei da Oferta e Demanda, sob a tica de maximizao do

    lucro por parte do empregador, o possuidor dos meios de produo (BRANCO, 2006). Ele

    s pode trabalhar com sua permisso, portanto, s pode viver com sua permisso (MARX,

    2012, p.25).

    A segunda base de conceituao que a escassez socialmente produzida, que gera o

    pauperismo, no comporta a totalidade da expresso da questo social (SANTOS, 2012). Ela

    tambm fruto das relaes sociais estabelecidas e seus desdobramentos sociopolticos. Em

    uma anlise que desconsidera estes dois fatores, tornariam os processos histricos

    emdescries mecnico-evolutivas que minimizam o papel dos sujeitos polticos organizados

    neste tipo de transformao social (SANTOS, 2012, p.49). Do mesmo modo, esta viso

    reduziria a possibilidade de superao do modelo de explorao vigente retirando dos homens

    sua capacidade de construtores da histria.

    Outro aspecto importante ao tratar a conceituao da questo social que, segundo

    NETTO (2001), a expresso carrega em si um processo de ressignificao o qual desvinculou

    seu significado concreto e causas. No processo complexo e dialtico, a classe dominante,

    diante da ameaa de substituio para uma nova forma scio estrutural, fez com que as

    questes da condio de vida dos trabalhadores em misria fossem consideradas. Para Vila-

  • 6

    Maior (2013) o capitalismo sofreu uma transformao no sentido de aderncia aos direitos

    sociais. Caso assim no procedesse, incorreria em revolues fatais para o sistema de

    produo vigente. Os direitos sociais tornaram-se parte do capitalismo na composio de uma

    transformao conservadora. Os conservadores, que outrora apresentavam abertamente a

    necessidade da superpopulao trabalhadora e sua pobreza, migram de posicionamento para

    um espao nebuloso e mstico. A partir de ento, se neutralizam as lutas sociais que militavam

    contra o estado de pobreza e davam margens a outros meios de estruturao da sociedade

    inserindo a temtica cada vez mais nos discursos conservadores pronunciados.

    Percebe-se uma mistificao da prpria expresso questo social que agora

    expressamente desvinculad(a) de qualquer medida tendente a problematizar a ordem

    econmico-social estabelecida (NETTO, 2001, p.44). Para Netto, trata-se de combater as

    manifestaes da questo social sem tocar nos fundamentos da sociedade burguesa. Tem-se

    aqui, obviamente, um reformismo para conservar (idem).

    Desta maneira, a acentuada desigualdade, desemprego, fome, doenas, penrias e

    desamparo passaram a ser apresentadas como caractersticas naturais de toda e qualquer

    ordem social. Doravante a partir desta compreenso, entende-se questo social e os projetos

    sociais como pilares da prpria construo do modo de produo capitalista e sua reproduo.

    E sobre esta configurao mistificada a servio do capital, se identifica os elementos de

    disciplinalizao do trabalhador e de encarceramento no Brasil.

    A QUESTO SOCIAL NO BRASIL E AS FORMAS DE ENCARCERAMENTO

    Segundo Santos (2012), h considerveis desafios em destacar peculiaridades da

    questo social no Brasil, pois consiste em um campo de pesquisa aberto onde h a

    necessidade de pesquisas de esforo coletivo. Por esta razo, o que cabe a este trabalho

    apresentar pontos de partida que balizem as discusses sobre os aspectos da questo social

    brasileira com as formas de encarceramento para indivduos em vivncia de rua. A questo

    social no Brasil aderente ao pensamento conservador. Isto pode ser observado na prpria

    consolidao do capitalismo brasileiro. Os avanos da questo social postulavam aderncia

    aos atrasos que favoreciam a classe hegemnica beneficiada pelo perodo colonial, tida

    como momento da acumulao primitiva no Brasil (SANTOS, 2012). O desenvolvimento do

    capitalismo trouxe refuncionalidades s dinmicas j imperantes. Algumas apresentadas como

    liquidadas pela prpria experincia histrica como a prtica latifundiria. Este aspecto fez

    com que o processo de modernizao do Brasil no incorporasse a populao o que deu

  • 7

    margem a longos perodos de pobreza. Mesmo no sculo XIX, na recente abolio da

    escravatura, apesar do parque industrial ser incipiente, a questo social j se manifestava

    (PEREIRA, 2009).

    Aps a Revoluo de 1930, o Brasil apresentou impulsos de desenvolvimento

    econmico concentrado nas reas urbanas. Este aspecto configurou a maioria dos casos de

    pobreza a uma dimenso urbana, principalmente localizada na periferia das grandes cidades.

    A partir destes desdobramentos, a cidade passa a constituir espao do exercito de reserva,

    contribuindo para a queda dos salrios e possibilitando a rotatividade dos trabalhadores

    brasileiros. A modernizao no campo se associa grande indstria medida que representa

    um crescimento da superfcie cultivada e na diminuio da populao rural e despovoa o

    campo substituindo o campons pelo assalariado (PEREIRA, 2009, p.182).

    A principal preocupao com a questo social exorcizar a questo social de si

    mesma2 e os projetos sociais consistem nos moldes em que esta prtica se retroalimenta.

    Dificilmente o capital encontraria um arranjo mais conveniente do que aquele em que o

    partido das massas do trabalho industrial estava no governo enquanto o prprio capital

    permanecia, mais entrincheirado que nunca, no poder (MSZROS, 2004, p.143, grifo do

    autor).

    Por meio de um iderio reformista, a problematizao da questo social

    encaminhada para a busca de uma reforma moral do homem e da sociedade. Insere-se na

    esfera da ao moralizadora (NETTO, 2001) acompanhada de uma indispensvel imposio

    do trabalho assalariado precrio e sub-remunerado como obrigao cvica (WACQUANT,

    2011, p.104).

    A relao entre trabalhador e o detentor dos meios de produo resultaram em uma

    prtica objetiva de associao que estabeleceu um novo paradigma: o contrato social

    (ABROMOVAY, 2010; BRANCO, 2010). Indivduos iguais se associam livremente por

    meio de contratos para que seja possvel a compra e venda da fora de trabalho. A lgica das

    vontades individuais resguardou o estabelecimento da sociedade ou o Estado ideal a partir do

    isolamento do indivduo natural. Dessa forma, a liberdade e igualdade burguesa construram

    historicamente o contratualismo que consiste em uma das principais configuraes para o

    Direito Penal moderno (ABROMOVAY, 2010).

    2 A preocupao sobre os modos de exorcizar o problema de si foi identificada por Mszros (2004, p.144).

    Ele usa a expresso para dar significado a preocupao da economia poltica posterior clssica em apresentar

    uma revoluo administrativa e modernizao para o desenvolvimento que no parecia funcionar na realidade.

  • 8

    O isolamento do indivduo natural, a igualdade e a liberdade burguesa tornam-se

    estruturas de dominao da ordem do capital. As noes do Direito Penal articulam em favor

    da individualizao da responsabilidade pelos desdobramentos dos sujeitos (ABROMOVAY,

    2010). O Estado respalda uma responsabilidade individual irrestrita e possui,

    concomitantemente, uma irresponsabilidade coletiva (poltica) (WACQUANT apud

    ABROMOVAY, 2010, p.12). Colocando o delito como o resultado de uma deciso livre

    tomada a partir de uma comparao entre vantagens e ganhos, no sofre interferncias das

    reflexes sobre condies e contradies da sociedade. Tais aspectos se tornam elementos da

    ditadura sobre o pobre que desconsidera a desigualdade entre os homens ocorrida no processo

    histrico da construo do capitalismo.

    Percebe-se ento (...) uma punio demasiada crua, tendente ao brbaro, mas no

    condenao do que motivou ao crime (MENEGAT, 2010, p.208). A racionalidade penal

    moderna apresentada de forma natural e dogmtica por meio da importao do vocabulrio

    agressivo de controle do crime e programas adequados para dramatizar o renascido rigor

    moral e a severidade penal das autoridades (WACQUANT, 2011, p.176). E louva os

    vencedores pelo seu vigor e por sua inteligncia, e fustiga os perdedores da luta pela

    existncia [econmica], apontando suas falhas de carter e suas deficincias de

    comportamento (ABRAMOVAY, 2010, p.21, [acrscimo meu]).

    Com relao ao moral, a populao em situao de rua representa um segmento no

    qual este aspecto se manifesta com veemncia. Historicamente, se desenvolveu uma

    separao entre o mendigo verdadeiro, bom e necessitado e o falso mendigo, vagabundo e

    pecador. Esta separao contribuiu para a propagao do fenmeno de estigmatizao da vida

    nas ruas: ou so perigosos ou merecedores de caridade. Neste processo, as variadas categorias

    dos habitantes de ruas foram se estreitando a uma moralidade atrelada busca de trabalho.

    Mesmo assim, o imaginrio em torno dos moradores de rua os marcou como perigosos e,

    mais contemporaneamente, como fracassados (PEREIRA, 2009, p. 184).

    Uma vez que a naturalizao dos problemas sociais estabelece nfase na moralizao,

    emerge ento um cenrio de propagao do pavor frente ao potencial delito, legitimando toda

    forma de monitoramento. J que a reinsero da populao vulnervel evidentemente no

    responde aos retornos esperados, desenvolve-se ao mesmo tempo o controle sanitrio e

    social (WACQUANT, 2011, p.112, grifo meu), elegendo viles e vtimas (MARTINEZ,

    2010).

    Neste cenrio de manuteno da ordem do capital e de segregao, a relao da questo

    social no Brasil com o encarceramento no de emprego recente. Alguns casos de segregao

  • 9

    foram considerados sries de extermnio com conivncia e aprovao do Estado, mdicos e

    sociedade (ARBEX, 2013). O maior deles foi responsvel por um genocdio de 60 mil mortos

    no hospcio de Barbacena, Minas Gerais (ARBEX, 2013). Entre os confinados, 70% no

    possuam diagnstico de doena mental. Consistiam-se massivamente de um segmento de

    indivduos em que a populao no queria ver. Realizavam trabalhos com pesadas funes

    sem remunerao, eram torturados, violentados e expostos a condies degradantes. Entre

    1969 e 1980 conforme Arbex (2013) 1853 corpos foram vendidos para universidades que no

    questionavam suas origens. As ossadas tambm eram vendidas. Nada se perdia, exceto a

    vida (ARBEX, 2013).

    Na comparao entre o Centro Pop e o Colnia, importante salientar a prtica de

    excluso, a violao da dignidade humana. O modelo Colnia tornou-se insuportvel na

    sociabilidade atual. No por uma racionalizao do Estado a favor dos direitos humanos, mas

    devido presso e denncias feitas sobre a vida no hospcio, uma das quais o identificou

    como campo de concentrao nazista. O que cabe destacar que ainda que a prtica tenha se

    aprimorado com tcnicas mais humanistas, a lgica se mantm, tentando esconder o horror

    que foi capaz de propiciar. Este episdio histrico foi fato concreto, real, objetivo tal como as

    leis sanguinrias para os vagabundos vlidos na Inglaterra descritas por Marx (1996b).

    Nos moldes da sociabilidade atual, agora no mais similares s recordaes de

    Auschwitz, a questo social conservadora no Brasil ultrapassa as dimenses da priso-prdio

    abrindo espao para as novas formas de encarceramento. Augusto (2010) destaca entre elas o

    campo de concentrao a cu aberto. Nesta categoria, o autor problematiza a disseminao de

    polticas sociais e seus projetos como componentes de um complexo de infinitas conexes de

    segregao. Apresentar o Centro Pop como campo de concentrao a cu aberto, segundo

    Augusto (2010) cabe em um ponto distinto da compreenso de zona de excluso social. No

    opera como centros de confinamentos fechados, delimitados por um espao caracterstico de

    excluso, mantidos fora de um certo centro. Pelo contrrio, caracteriza-se como uma

    tecnologia de controle disposta no prprio territrio utilizando-se de pessoas que convivem

    sob um mesmo regime de governo e habituadas por uma administrao do territrio por seus

    habitantes. Possui uma tnica de carter inclusivo, entretanto amplia as formas de

    encarceramento (PASSETTI, 2006 apud AUGUSTO, 2010, p. 178). O campo de

    concentrao

    [...] se realiza, tambm nas relaes estabelecidas entre as pessoas que

    convivem sob um mesmo regime de governo, respeitando-o e produzindo

    prticas de assujeitamento que as imobilizam, no por uma imposio

  • 10

    externa, e, sim por um desejo profundo e voluntrio em se manter na

    condio de assujeitados (AUGUSTO, 2010, p.178, grifo meu).

    percebido, a partir das consideraes de Augusto (2010, p.178), uma forte ligao

    entre o campo de concentrao a cu aberto e a necessidade de aderncia aos preceitos do

    governo - entende-se ordem vigente. Requer respeito e sujeio de carter voluntrio. O

    indivduo, por educao, tradio, costume conhece as exigncias daquele modo de

    produo (MARX, 1996b, p.358); assimila sua situao como um problema passvel de

    submisso aos programas sociais e procura a reinsero (ou insero). Mas sem

    primeiramente realizar uma sujeio ausente de questionamentos das causas das

    desigualdades socialmente produzidas. Augusto (2010) deixa claro que esta prtica

    imobiliza-os. Restando, em nome de uma reinsero, a participao da vida prisional

    expandindo-a para alm do crcere (AUGUSTO, 2010).

    Aparece, ento, uma nova diagramao da ocupao do espao das cidades,

    em que polticas de tolerncia zero e de penas alternativas se combinam,

    ampliando o nmero de pobres e miserveis visados, capturados e

    controlados, compondo uma escala mais ou menos rgida de punies,

    deixando inalterados a cifra negra e os dispositivos de seletividade.

    Consolida-se uma nova prtica do confinamento a cu aberto, e o sistema

    penal mais uma vez se amplia, dilatando os muros (PASSETTI, 2006, p.94

    apud AUGUSTO, p.179).

    Cabe considerar pontos importantes da expresso reinsero (ou insero). At o

    momento, este trabalho apresentou duas formas pontuais sobre ela. A primeira diz respeito

    pronunciada pelos projetos que compreende uma suposio vaga de reinsero social. A

    segunda corresponde ao que de fato objetiva, no complexo carcerrio que vai alm da priso

    prdio e na disciplinalizao do trabalho subremunerado. A expresso reinsero utilizada

    nos discursos dos projetos traz consigo uma contradio em seu discurso. A questo no se

    o indivduo est sendo reinserido ou no (no caso, na sociedade). Mas, que tipo de reinsero

    se prope, ou ainda, reinsero onde ou do qu? Ser disponibilizado aos indivduos acesso,

    reinsero aos meios de produo ou o que se pretende reinseri-lo na prtica de explorao

    das camadas mais rudimentares do exercito reserva?

    A partir disso, possvel identificar que o prprio discurso de reinsero s permitido

    a partir do assujeitamento ordem do capital, pois qualquer reinsero do indivduo

    monitorado e controlado como mo de obra barata, de baixa qualificao que

    obrigatoriamente se submete a qualquer tipo de trabalho.

    Destaca-se uma relao entre questo social e encarceramento a cu aberto, como

    tambm entre os projetos de reinsero e as manobras de manuteno da ordem vigente.

  • 11

    Portanto, compreender o Centro Pop como instrumento de encarceramento consiste em fris-

    lo no s como coexistente s prticas de ostracismo, mas movidos pelo mesmo princpio e

    finalidade.

    CENTRO POP COMO CAMPO DE CONCENTRAO

    Com intuito de averiguar se o Centro Pop faz correspondncia s formas de

    encarceramento a cu aberto foram analisados documentos oficiais do governo brasileiro

    relacionados ao objeto de estudo. Eles so: (a) a Pesquisa Nacional sobre a populao em

    situao de Rua (BRASIL, 2008) se refere descrio do perfil socioeconmico da

    populao em situao de rua; (b) as Orientaes Tcnicas: Centro de Referncia

    Especializado para Populao em Situao de Rua (Centro Pop) e Servio Especializado para

    Pessoas em Situao de Rua (BRASIL, 2011a) que, por sua vez, oferece direcionamentos

    para assistentes sociais na implantao do Centro Pop; e, (c) as informaes disponveis no

    site do Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate fome (BRASIL, 2010b) voltado

    apresentao do Centro Pop e polticas pblicas relacionadas de aspectos constitucionais. A

    escolha desses documentos remete a relevncia que seu contedo possui para a compreenso

    do funcionamento e estruturas do Centro Pop, mesmo considerando que suas diretrizes no

    sejam plenamente alcanadas em todas as aplicaes do programa.

    A Poltica nacional para populao em situao de rua possui marco em 2009 e passou a

    ter amparo do Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate fome (MDS) no ano de

    2010 (BRASIL, 2011a). Tal poltica foi resultado de um conjunto de esforos e deliberaes

    com incio principalmente na Lei n 11.258 de 2005 que, no pargrafo nico do Artigo 23 da

    Lei Orgnica de Assistncia Social LOAS, inclui a prerrogativa de que, na organizao dos

    servios da Assistncia Social, devero ser criados programas destinados s pessoas em

    situao de rua (BRASIL, 2010b). Como consequncia, o Decreto s/n, de 25 de outubro de

    2006 instituiu o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI). Com objetivo de desenvolver

    estudos e, a partir deles, apresentar propostas de polticas pblicas para a incluso social da

    populao em situao de rua (BRASIL, 2010b, s/p). A partir destes direcionamentos e do

    prprio desenvolvimento da PNAS, a populao em situao de rua pode utilizar variados

    servios disponveis de acordo com a demanda ou violao de direito sofrido (BRASIL,

    2011). H servios exclusivos a esta populao. Eles so o Servio especializado de

    abordagem social; o Servio especializado para pessoas em situao de rua (Centro Pop); o

    Servio de acolhimento institucional e o Servio de acolhimento em repblica.

  • 12

    O Centro Pop consiste em uma unidade de referencia estratgica no SUAS,

    representando o objetivo da Poltica Nacional para a populao em situao de rua. Ele realiza

    a incluso de seus usurios no Censo SUAS e corresponde consultoria nacional para o

    aprimoramento da implantao e qualificao do processo de assessoramento e

    acompanhamento (BRASIL, 2011, p.14).

    A respeito do perfil da populao em situao de rua, suas principais caractersticas, de

    acordo com a pesquisa nacional realizada em 2008, que so predominantemente do sexo

    masculino, negros, com baixos nveis de renda3. Apenas 4% dos entrevistados sabem ler e

    escrever. composta predominantemente por trabalhadores, 70,9%, e apenas 15,7% pedem

    dinheiro como principal meio para a sobrevivncia. A maioria possuem parentes na cidade

    onde se encontram, 51,9%, mas poucos mantm contatos com eles (38,9%) (BRASIL, 2008).

    As principais razes para estarem em situao de rua so o alcoolismo/drogas (35,5%);

    seguido pelo desemprego (29,8%) e desavenas com pai/me/irmos (29,1%). Os dados

    apresentam que a maioria costuma dormir na rua, 69,6%, e um grupo relativamente menor

    costuma dormir em abrigos ou outras instituies (22,1%), j 8% dos entrevistados alternam

    (BRASIL, 2008).

    Argumento 1: Hostilidade externa e afinidade interna

    Desde Foucault compreendido que priso no se define apenas como o espao ou

    instituio responsvel em castigar e corrigir, mas tambm se refere a uma poltica. A

    poltica de defesa da sociedade contra o que ela no suporta (AUGUSTO, 20010, p.176).

    Desse modo, a crtica priso pode sair de uma retrica que alimenta e diversifica sua

    continuidade, para colocar outros questionamentos diante da expanso das modalidades de

    crcere (idem, p.175).

    O socilogo Wacquant (2008 apud AUGUSTO, 2010) levanta semelhanas entre os

    crceres e as maneiras em que a sociedade acaba de aprisionar membros dos quais ela no

    deseja contato. Neste contexto, o autor classifica o gueto como uma rea de segregao

    etnorracial imposta, que funciona para confinar e controlar, ao mesmo tempo em que se

    torna, para seus habitantes, um instrumento de integrao e proteo. Possui ento uma

    relao entre hostilidade externa e afinidade externa (WACQUANT apud

    ABRAMOVAY, 2010 p.32). O gueto reproduz e duplica a priso, construindo outro lugar de

    3 Esta descrio apresenta apenas os principais dados, devido a isso, algumas categorias no completam os

    100%. Para maiores detalhamentos do perfil, ver os resultados no Sumrio Executivo Pesquisa Nacional sobre a

    Populao em Situao de Rua (2008, p.6).

  • 13

    excluso. Usa do confinamento que anlogo ao de uma instituio total que desindividualiza

    e estigmatiza.

    Esta prtica pode ser equiparada hostilidade externa que segrega os indivduos em

    vivncia de rua em espaos parte da sociedade (afinidade interna). Neste cenrio de

    segregao, alm de perpetuar no morador de rua a figura do delinquente, tambm levanta

    para si um grande vilo mobilizando o combate das causas para estar em situao de rua, que

    retiram a ateno do modo de produo. Entretanto, so poros sintomticos que tambm

    foram identificados no quadro de vulnerabilidade dos trabalhadores na gnese da questo

    social na consolidao do capitalismo ingls. Quanto mais vulnervel o indivduo se torna,

    mais suas estruturas de sociabilidades so comprometidas (MARX, 1996b; SANTOS, 2012).

    Parecem no perceber que, como apresentado no perfil da populao em situao de rua

    (BRASIL, 2008), a maioria, 70,9% so trabalhadores. Conforme Santos (2012, p.38) a

    precariedade de condies de moradia e trabalho repercutem amplamente nos valores

    estruturantes de sociabilidade.

    Wacquant (2011) destacou que a relao com o desemprego e a precariedade

    profissional severamente julgada. H uma sobrecondenao a nvel individual que s

    evidencia a vulnerabilidade do trabalhador que caminha livremente de forma dupla: livre

    dos meios de produo e livre para alienar sua fora de trabalho (MARX, 1996a, 1996b).

    Caso o trabalhador no queira se inserir nesses moldes ou as dinmicas da economia tornem

    escassos os postos de trabalho para o segmento de baixa qualificao, as prticas de

    encarceramento incidem na disciplina dos pobres, segregando-os. A ligao entre pobreza e

    encarceramento possui conexes alarmantes na Europa:

    [...] Metade das pessoas encarceradas na Frana ao longo do ano de 1998

    tinha um nvel de educao primria (contra 3% que tinham feito estudos

    universitrios), e pode-se estimar que entre um tero e metade delas no

    tinham emprego na vspera de sua priso; alm disso, um prisioneiro entre

    seis se encontra sem domiclio fixo. Na Inglaterra, 83% dos prisioneiros so

    oriundos da classe operria, 43% abandonaram a escola antes dos 16 anos

    (comparados aos 16% da mdia nacional); mais de um tero estava sem

    trabalho no momento de sua deteno e 13%, sem teto. (WACQUANT,

    2011, p.115)

    Nos Estados Unidos, pesquisas apontam que o fato do indivduo estar desempregado

    torna-o mais suscetvel ao agravamento na determinao da pena mais do que ser negro.

    Diminui tambm as possibilidades de liberdade condicional ou antecipada (WACQUANT,

    2011). No Brasil, conforme os dados sobre o perfil do Centro Pop, a realidade no muito

    diferente.

  • 14

    Grfico 1: Populao em situao de rua segundo experincias de impedimento de entrada em

    locais ou para realizao de atividades, 2007-8

    Fonte: Pesquisa Nacional sobre a Populao em Situao de Rua (Dados da Amostra), Meta/MDS, p.13. 2008.

    Nota: As colunas no totalizam 100% pois a informao foi coletada em quesito de marcao mltipla.

    Os dados apontam somente os impedimentos sofridos e desconsideram as no tentativas

    dos indivduos de entrarem em determinados estabelecimentos por acreditarem que

    provavelmente no sero bem aceitos (BRASIL, 2008). As presses de hostilidade externa

    manifesta as expresses do tirar de vista. Esta prtica se estabeleceu com o trato dos pobres

    alocando-os parte das mais variadas formas. A proposta dos projetos de interveno

    anteriores ao Centro Pop para populaes vulnerveis no Brasil, na maioria dos casos,

    retirava-os da rua em seu sentido mais simplista.

    Em So Paulo, por exemplo, conforme o jornal Le Monde Diplomatique Brasil

    (TEIXEIRA; MATSUDA 2012), as prticas pblicas eram baseadas na higienizao e

    estigmatizao. Segundo pesquisa realizada no projeto Tecer Justia, chegaram ao ponto de

    aumentar exponencialmente, a populao carcerria. Cerca de 40% das prises em flagrante

    efetuadas pela Guarda Civil Metropolitana (GCM) atingiam pessoas em situao de rua e,

    quase metade, usurios de crack. A maioria era de presos em carter provisrio, o que fazia da

    priso uma espcie de acolhimento temporrio.

    Tais consideraes frisam que, devido os paradigmas proeminentes da produo social

    capitalista, os indivduos historicamente explorados so penalizados pela prpria situao

    econmica. E sobre isso estabelecida hostilidade externa que tenciona na direo da

    afinidade interna segregada, parte. Esta prtica legitima as prticas habituais de

    encarceramento.

    Argumento 2: A falcia da superao das desigualdades por meio do desenvolvimento

    A PNAS foi direcionada para permitir a padronizao, melhoria e ampliao dos

    servios de assistncia no pas (BRASIL, 2010a, s/p). Neste contexto, o Centro Pop

  • 15

    possibilitaria o monitoramento e avaliao dos trabalhos sociais desenvolvidos e os resultados

    alcanados (BRASIL, 2011a). Tal posicionamento remete a compreenso que o problema

    social uma questo de gerenciamento, de tcnicas e no do modo operante de produo

    vigente. Mszros (2004) denuncia esta tendncia que parte de uma abordagem anti-histrica

    adequada ao processo de naturalizao carregada da iluso de temporariedade. A eliminao

    dos males sociais, na medida em que sua existncia era reconhecida, foi confinada

    estritamente ao trabalho gradual do progresso cientfico como nica soluo possvel (para

    no dizer admissvel) (MSZROS, 2004, p. 254).

    O pressuposto do progresso cientfico gradual por sua contrariedade, conforme

    apresentada por Mszros (2004), seletiva e lenta no que diz respeito s desigualdades

    sociais. No Brasil, este aspecto evidenciado no prprio marco histrico da poltica nacional

    de assistncia social que s no ano de 2010 teve amparo do MDS (BRASIL, 2011a). O Centro

    Pop apenas avana incorporando estes pressupostos, uma vez que consiste na

    institucionalizao dos objetivos da poltica nacional para a populao em situao de rua

    (BRASIL, 2011a).

    Segundo os documentos, o Centro Pop est fundamentado na busca pela igualdade de

    direitos que articulam esforos em torno da conquista de liberdade democrtica e justia

    social (BRASIL, 2011a, p.13). Nesta busca, conforme o manual de prticas do Centro Pop

    (BRASIL, 2011a), surgiu novas demandas de conscientizao anteriormente negligenciadas.

    Assim o:

    [...] agravamento das questes sociais e as altas taxas de desemprego

    registradas nos anos 80 ampliaram-se as demandas por acesso a sade,

    educao, assistncia social e trabalho e renda. Nesse cenrio, o acelerado

    crescimento das cidades exigia investimentos em infraestrutura, transporte,

    saneamento bsico, energia eltrica e habitao, polticas que os movimentos

    sociais passaram a reivindicar, na perspectiva da garantia de acesso e

    enfrentamento das iniquidades observadas na realidade brasileira. A no

    incorporao, pela produo capitalista, da fora de trabalho disponvel

    na sociedade gerou uma massa de trabalhadores, um excedente das classes

    subalternizadas, pessoas que migraram das zonas rurais, pessoas com baixa

    ou nenhum escolaridade e qualificao profissional. Jogada margem do

    desenvolvimento e do acesso a bens e servios, uma parcela significativa

    dessa populao passou a buscar as ruas das cidades como sua nica forma

    de sobrevivncia (BRASIL, 2011a, p.13,14, grifos meus).

    possvel identificar que o texto acima assume a existncia de um desenvolvimento

    seletivo. Mas no compreende o carter de seletividade como resultado de uma estrutura

    socialmente produzida. Portanto, naturaliza-a dando indcios de uma compreenso de meios e

    recursos limitados. No texto exposto, se identifica a apresentao de um vnculo entre

  • 16

    agravamento das questes sociais e as altas taxas de desemprego. Mas a relao exposta

    limitada. Aponta como problemas os processos intrnsecos produo capitalista, mas no

    considera o prprio como o eixo articulador. E ainda, as relaes expostas no documento

    relacionadas ao apontamento das causas dos problemas sociais no considera a superao em

    nenhuma hiptese do capitalismo. Limita-se a identificar como problema as dificuldades na

    no incorporao dos trabalhadores na produo e no na prpria produo. Compreende-se

    que tratar tais problemas neste procedimento tende a promover compreenses equivocadas da

    relao do capitalismo com a questo social que destoam transformao social anulando-a.

    Cabe destacar que os documentos consideram desenvolvimento equivalente ao

    desenvolvimento do capitalismo. E isso se estabelece na relao afirmada no acesso a bens e

    servios. Propem uma reinsero sem que se altere a explorao entre homens, ou seja,

    mantendo intactas as causas que produzem a vulnerabilidade. condio necessria ao modo

    capitalista para a produo que exista uma parcela significativa de indivduos que no

    conseguem sobreviver caso no vendam sua fora de trabalho (MARX, 1996b). So escravos

    de sua carncia dos meios para produzir.

    A partir desse excerto se pode observar que a questo social tornou-se

    eminentemente reformar para manter (NETTO, 2001), ou uma revoluo passiva

    (SANTOS, 2012, p.112). Se possvel, tentando minimizar os custos democrticos

    decorrentes do padro civilizacional alcanado pela luta de classes, especialmente nas

    sociedades euros-ocidentais (SANTOS, 2012, p.112).

    Portanto, percebido na definio disponvel pelo MDS (BRASIL, 2010a) que a PNAS

    no se prope a eliminao dos problemas sociais j que no combate suas efetivas causas.

    Muito menos se ocupa a identific-las. Seu campo de atuao se limita a uma poltica de

    reduo de danos espera do desenvolvimento tecnolgico. Mais ainda: de controle, de

    seletividade, de monitoramento que incide sobre a populao como campo de concentrao a

    cu aberto. Seu foco est na melhoria dos servios prestados, visto que no altera a condio

    de vulnerabilidade destes. O reformismo para manter ter conivncia com o capitalismo,

    permitindo que a ditadura sobre o pobre e a disciplinalizao do trabalho se reorganize no

    poder, independente das sua formas.

    Argumento 3: A prtica do monitoramento e do controle

    O confinamento e monitoramento foram identificados por Augusto (2010) nas periferias

    brasileiras do Rio de Janeiro a partir dos estudos de Loc Wacquant,. O autor problematiza a

    prtica desenvolvida por polticas sociais e ONGs que se esmeram em abordar indivduos

  • 17

    antecipando a ocorrncia do que historicamente se considera crime. O objetivo dos projetos

    para ele o controle e monitoramento dos indivduos considerados infratores em potencial.

    Com relao aos projetos sociais destinados aos jovens em vulnerabilidade das favelas

    do Rio de Janeiro, o autor aponta como o processo monitorado para que tais jovens no

    invadam os grandes centros. O autor cita caractersticas desta gesto que geralmente

    estabelece parceria entre empresas envolvidas em um discurso de Responsabilidade Social

    que financiam diversas ONGs em pontos latentes da cidade anteriormente definidos atravs

    de um mapeamento de rea de risco. O autor descreve a atuao desta forma:

    Dito de maneira muito sistemtica, essas ONGs atuam da seguinte maneira:

    estabelecem-se em um bairro ou regio previamente identificado (a) como

    rea de risco ou vulnervel, buscando antecipar qualquer possibilidade de

    mobilidade dos jovens oferecendo cursos de informtica, de desenho, de

    padeiro [...] para ocupar o jovem habitante daquela regio, com o objetivo de

    que ele no venha a se tornar um infrator. Se, mesmo assim, ele pego

    praticando o chamado ato infracional, nesse mesmo lugar que cumpre a

    medida (AUGUSTO, 2010, p.178, 179).

    Uma das prticas de monitoramento instalada na criao do Centro Pop, alm do espao

    de controle que os coloca parte, o Cadastro nico para Programas Sociais do Governo

    Federal (Cadnico) onde a populao em situao de rua deve ter seus dados includos.

    O objetivo relaciona-se diferenciao e ao encaminhamento. Permite um

    acompanhamento individual e/ou familiar, encaminhamentos monitorados tornando vivel a

    avaliao do trabalho desenvolvido e resultados alcanados. Este aspecto ltimo

    correspondente ao que para Augusto (2010) aumenta o nmero de pessoas envolvidas no

    complexo sem que estejam ao menos condenadas. o monitoramento do possvel crime.

    Nestas medidas, compreendido que a estrutura do Projeto Centro Pop similar a

    uma rea de segregao. coerente com as complexas redes desenvolvidas como tecnologia

    de controle que opera no mais em lugares de confinamento fechados e/ou apartados de um

    fora, nem mesmo por uma delimitao territorial em relao ao centro (PASSETTI apud

    AUGUSTO, 2010, p178). Mas, enquanto instrumento cabvel de monitoramento e controle se

    assemelha a um espao de crcere.

    Os projetos sociais e o direito penal, enquanto regidos pelo capital constituem

    elementos nulos em si mesmos nos objetivos que afirmam ideologicamente realizar. So

    reativos e superficiais medida que tratam as consequncias dos problemas e no as causas

    originrias. O projeto Centro Pop, assim como os de propostas semelhantes, reagem como

    instrumentos de monitoramento e controle e um objetivo alcanado: mistificam todo

    conflito social para que a ordem do capital seja mantida atravs da antecipao das classes

  • 18

    dominantes aos movimentos reais ou potenciais das classes subalternas (SANTOS, 2012,

    p.112).

    Argumento 4: Complexo de programas e o Continuum Institucional

    Wacquant (2011) e Augusto (2010, 2009) compreendem os projetos sociais como um

    complexo carcerrio industrial que correspondem a uma extenso da administrao do

    encarceramento. O indivduo monitorado vive em um complexo administrvel constitudo

    pelas prises e projetos sociais. E sob estes espaos demarcados ele caminha: com sua

    liberdade e igualdade, migra de um para o outro em um ciclo sem fim. medida que a

    ditadura sobre os pobres se instaura, desdobra-se a pena de recluso em modalidades de

    encarceramentos que so por sua vez conectados por fluxos de segurana, preveno e

    controles siderais planetrios (AUGUSTO, 2010, p.180). Ao tornar tais conceitos questo

    da populao em situao de rua, possvel identificar na pesquisa nacional (BRASIL, 2008)

    as principais instituies de fluxo no Brasil entre os anos de 2007 e 2008:

    Grfico2: Populao em situao de rua segundo histrico de internao em instituies, 2007-8

    Fonte: Pesquisa Nacional sobre a Populao em Situao de Rua (Dados da Amostra), Meta/MDS, p.8, 2008.

    No grfico2 est distribudo o conjunto de programas disponveis acessados pela

    populao em situao de rua com dados relativos ao ano de 2007 e 2008. Todas estas

    instituies possuem carter de internao e, conforme os dados da pesquisa, mais da metade

    dos entrevistados utilizou pelo menos uma delas (BRASIL, 2008). Estes modelos de

    internao possuem carter de ostracismo baseados na hostilidade externa e afinidade interna

    conforme apresentado nos argumentos anteriores.

    O encarceramento a cu aberto no diz respeito a somente um tipo de programa de

    carter segregare pautado no monitoramento e controle. A categoria refere-se a uma juno

    de dispositivos de internaes (instituies e programas) que, duplicadores da priso,

    ampliam o sentido de crcere para uma rea de atuao maior (AUGUSTO, 2010;

    WACQUANT, 2011). Diz respeito a diferentes organizaes que, relacionadas, proporcionam

  • 19

    um complexo carcerrio (WACQUANT, 2011), ou como Augusto (2010), um campo de

    concentrao a cu aberto. E a mesma populao circula em circuito quase fechado de um

    polo a outro desse continuum institucional (WACQUANT, 2011, p.107).

    Atualmente, com a quebra de alguns programas, se reconfiguram novos. Mais

    sistematizados e elaborados. A figura1 corresponde aos nveis de programas sociais

    destinados a populao de rua e seus graus de complexidade.

    Figura 1: Programas sociais para a populao em situao de rua - 2009

    Fonte: Tipificao Nacional de servios socioassistenciais (BRASIL, 2009).

    A figura apresenta como ncleo a populao em situao de rua e, em torno, uma srie de

    camadas de programas sociais que passam a envolv-la a partir dos direcionamentos da

    PNAS. Especficos a eles, quatro programas incluindo o Centro Pop. Os demais, de mdia e

    baixa complexidade dependem da necessidade e demanda do usurio. Cabe ressaltar as ONGs

    distribudas nas cidades que aumentam significativamente o nmero de instituies

    envolvidas nesta cerca de internaes.

    Argumento 5: O aspecto voluntariado do encarceramento nos projetos sociais

    Conforme apresentado, semelhantemente s consideraes de Wacquant (2011) e

    Augusto (2010), o Centro Pop tambm se assemelha construo de outro espao de

    excluso. E juntamente com os demais programas, se configura como um campo de

    concentrao a cu aberto. Porm caracterizado por uma aderncia, a priori, voluntria de

    seus usurios, a qual Augusto (2010), utilizando a expresso de Foucault, denomina

    assujeitamento. Por um carter voluntrio, os indivduos se submetem s instituies que

    estendem a compreenso de ostracismo. Esta prtica se torna possvel graas ao papel

  • 20

    educativo e orientador da assistncia social que possui esta configurao desde a Revoluo

    Industrial (PEREIRA, 2009).

    O principal projeto oferecido populao em situao de rua orientado pela PNAS

    implica na retirada por convite ou abordagem dos locais onde no so bem vindos. So

    realocados em espaos de recreao equipados por uma srie de acompanhamentos que vo

    desde acompanhamento psicolgico at atividades ldicas (BRASIL, 2011a). Estas

    caractersticas foram apresentadas por Augusto (2010, p.179, grifos meus):

    Ao pensar a partir de minsculos programas como esses, e lembrar que estes

    sempre se desdobram em uma srie de programas sociais e de segurana

    pblica, que objetivam imobilizar as pessoas tidas como carentes ou

    vulnerveis, temos uma poltica do campo de concentrao a cu como

    investimento ininterrupto em manter uma determinada parte da

    populao quieta e feliz.

    A questo da assujeio voluntariedade dos usurios um elemento indispensvel

    nas discusses de encarceramento a cu aberto e projetos sociais nas estruturas de

    sociabilidades brasileiras. E neste processo, o elemento destacvel a fala de reinsero ou

    insero social realizada pelos programas. Este discurso oculta dos indivduos as reais causas

    da vulnerabilidade dos mesmos. Assim, a condio de explorao se mantm a despeito das

    irrisrias melhorias na qualidade de vida.

    A partir de uma analogia ao estudo de Augusto (2010), os projetos desenvolvidos no

    Centro Pop no fazem relao direta aos cortios ou bairros populares, mas sim a uma

    organizao de conteno de grupos despossudos e desonrados. Usa do confinamento que

    anlogo ao de uma instituio total que estigmatiza e, assujeitado, o indivduo segue

    aprisionado.

    Este trabalho entende este processo correspondente internalizao da ideologia

    dominante. E por esta prtica, naturaliza os problemas resultantes da produo social

    capitalista. Convence que o princpio por ele fomentado se baseia na igualdade, e assim,

    mantm salvo a desigualdade, a explorao entre os homens. E dessa forma, como ideologia,

    oculta pelo discurso de insero o ostracismo que se instala e se reconfigura. Cabe ao

    indivduo, pressionado pela ao moral sujeitar-se s medidas socioeducativas que

    geralmente correspondem a cursos profissionalizantes. Esta discusso tambm se insere no

    maior desafio do programa. Lidar com as pessoas que resistem s internaes e no se

    submetem sujeio evidencia o imaginrio coletivo. Novamente se apresenta no mendingo

    verdadeiro, trabalhador, aquela figura desaventurada, mas que aceita o programa. E do outro

    lado se tem o falso mendigo, vagabundo, que se torna categoricamente um bandido.

  • 21

    A questo social no consiste em uma fase, estgio ou momento transitivo do

    capitalismo. Mas sim uma caracterstica indissocivel. No se exclui a questo social

    conservando-se o capitalismo (NETTO, 2001). Portanto, a liberdade e igualdade, principais

    aparatos da cidadania, nos moldes que se instala, so expresses polticas da ordem do capital

    e operam um ofuscamento radical das consequncias do modo de produo capitalista. So,

    portanto braos hbeis que configuram e so reconfigurados para manter solidificada a base: a

    propriedade privada dos modos de produo.

    CONSIDERAES FINAIS

    O objetivo deste trabalho foi discutir em que aspectos o Centro Pop se assemelha s

    modalidades de encarceramento a cu aberto partindo da problematizao da questo social

    como uma contradio inerente ao modo de produo capitalista. Conforme observado, o

    Centro Pop mantm a separao da sociedade do que ela considera indesejvel e age como

    disciplinador do trabalho subqualificado na produo social capitalista.

    O projeto constitui um dos inmeros programas de monitoramento e controle destinados

    a esta populao que opera no paradigma que perpetua a dinmica entre hostilidade externa e

    afinidade interna. A juno destes configura um complexo de segregao que faz jus ao papel

    de ostracismo: expande e desenvolve o conceito da priso para alm-prdio.

    A partir dos aportes marxistas, se compreende que a questo social se refere pobreza

    e desigualdade fundada pelo modo de produo capitalista (no a indistinta) e tambm ao

    fruto dos conflitos sociopolticos entre trabalhadores e detentores dos meios de produo

    (SANTOS, 2012). E como resultado da luta de classes, na tentativa de manter o capitalismo,

    que a expresso questo social apossada pelo discurso conservador que, ao invs de

    denunciar os resultantes da explorao capitalista, naturaliza-os. Conforme Netto (2001, p.44)

    a questo social passa a ser expressamente desvinculada de qualquer medida tendente a

    problematizar a ordem econmico-social estabelecida. Neste aspecto, ampliando os

    horizontes do conceito de vulnerabilidade, independente de sua intensidade, ela mantm. O

    trabalhador submisso vulnerabilidade porque tudo que lhe cabe a venda da prpria fora

    de trabalho, ficando suscetvel s oscilaes de qualificao e aprimoramentos que muitas

    vezes lhe so privado. O indivduo explorado vulnervel, pois no pode produzir sem a

    permisso do que detm os meios de produo (MARX, 1996b).

  • 22

    A populao em situao de rua so as pessoas nas quais operam os limites alarmantes

    da explorao do trabalho, expressando objetivamente os resultados da produo de riqueza

    que produz a extrema pobreza em proporo semelhante.

    Na formulao do programa Centro Pop, foi identificada tendncia de colocar as

    desigualdades e problemas sociais espera do desenvolvimento cientfico absorvidos pelos

    ganhos do aprimoramento do sistema capitalista. Ignorando que todo avano cientfico no

    neutro, mas avana em funo da explorao para enriquecimento do capital (MESZAROS,

    2004).

    Outro aspecto da questo social resultante da naturalizao diz respeito penalidade

    do pobre. A racionalidade penal moderna incide na crena da individualidade e recai no pobre

    desconsiderando um histrico de explorao. E louva os vencedores pelo seu vigor e por sua

    inteligncia, e fustiga os perdedores da luta pela existncia, apontando suas falhas de

    carter e suas deficincias de comportamento (op. cit.). O pobre, a favela, o morador de rua

    se torna a fonte da violncia sendo indispensvel seu monitoramento. Os documentos

    norteadores dos projetos de assistncia social pouco trazem sobre as origens da questo social

    e suas consequncias na sociabilidade. Limitam-se as discusses sobre prticas de gesto,

    aprimoramentos de tcnicas de controle dos resultados (BRASIL, 2011a; BRASIL, 2010b).

    Conclui-se, com relao ao carter mistificador da questo social, que este

    indispensvel na assujeio dos indivduos de forma voluntria aos espaos de confinamento.

    Na sociedade capitalista, a incidncia da priso sobre os pobres se mantm; independente da

    forma que assume. Corresponde disciplina ao trabalho subqualificado, como variaes da

    Lei dos pobres da Inglaterra. As demais ONGs promovidas para a populao de rua, caso

    possuam aspectos de hostilidade externa e afinidade interna resultando em aes de controle e

    monitoramento, podem ser inseridas como elementos do complexo carcerrio que duplicam a

    priso e constri outro lugar de excluso. Usa do confinamento e estigmatiza.

    A partir dos resultados obtidos neste trabalho, outras questes se envolvem

    problemtica. Uma delas norteada pelos questionamentos de Augusto (2010, p.180):

    considerando a questo social mistificada como aparato tecnolgico de campo de

    concentrao a cu aberto, que impacto pode causar o fim imediato das internaes?

    Augusto (2010) pretende em seu trabalho acabar com as instituies de internatos para

    jovens. Esta pretenso pode ser aplicada ao Centro Pop se mantida a ordem do capital?

    Conforme Wacquant (2008 apud Abromovay, 2010) uma das caractersticas da priso a

    relao entre afinidade interna e a hostilidade externa. Como um elemento constituinte de um

    campo de concentrao, o Centro Pop tambm apresenta esta relao. Mas, nesta balana,

  • 23

    qual dos elementos traria menor dano a esta populao? A situao de rua e sua extrema

    vulnerabilidade frente hostilidade ou o internato baseado no assujeitamento em um crcere

    expandido que os imobiliza?

    Acredita-se que cada passo do movimento real mais importante que uma dzia de

    programas... (MARX, 2012). O que no reduz o papel do Centro Pop como recurso ltimo

    uma vez que a questo social no pode ser negligenciada. A partir da concluso do vnculo

    entre questo social e o modo de produo capitalista, se reduz o espao de atuao restando

    apenas uma que seja de fato efetiva: a superao da ordem do capital.

    Portanto, este trabalho insiste na busca pela superao, certamente de carter objetivo,

    da produo social capitalista, apresentando populao em situao de rua as contradies

    da aparncia e essncia das estruturas que se impe. Como um caminho para tal, o papel deste

    trabalho apresentar o Centro Pop no como uma evoluo da incorporao dos direitos

    sociais ao capitalismo, mas descortina-lo na compreenso do que realmente . Constataes

    por este caminho tm como finalidade compreender o que determinadas instituies

    representam na sociedade capitalista e na sua manuteno. Evidencia as contradies dos

    discursos ideolgicos que aprisionam, mas que se apresentam enfatizando a liberdade e

    igualdade social.

  • 24

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    ABRAMOVAY, P. V. Depois do grande encarceramento. In: ABRAMOVAY, P. V;

    MALAGUTI,V. (org.). Seminrio Depois do Grande Encarceramento. Rio de Janeiro:

    Revan, 2010.

    ARBEX, D. Holocausto Brasileiro. 3.ed. So Paulo: Gerao Editorial, 2013.

    AUGUSTO, A. Para alm da priso-prdio: as periferias como campos de concentrao

    a cu aberto. In: Seminrio Depois do Grande Encarceramento ABRAMOVAY, P. V;

    MALAGUTI,V. (org). Rio de Janeiro: Revan, 2010.

    ____________. Poltica e polcia: medidas de conteno de liberdade: modulaes de

    encarceramento contra os jovens na sociedade de controle. Dissertao (Mestrado em

    Cincias Sociais)---Faculdade de Cincias Sociais,Universidade Catlica de So Paulo, So

    Paulo, 2009.

    BRANCO, R. C.A questo social na origem do capitalismo: pauperismo e luta operria na teoria social de Marx e Engels. Dissertao (Mestrado em Servio social).

    Faculdade de Servio Social, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil,

    2006.

    BRANDO, C. O debate da questo social: Notas para uma anlise crtica do Servio

    Social. In: XIX SEMINARIO LATINOAMERICANO DE ESCUELAS DE TRABAJO

    SOCIAL. El Trabajo Social en La coyuntura latinoamericana: desafos para su formacin,

    articulacin y accin profesional. Universidad Catlica Santiago de Guayaquil. Guayaquil,

    Ecuador. 4-8 de octubre 2009.

    BRASIL. Conselho Nacional de Assistncia Social (CNAS). Tipificao Nacional de

    servios socioassistenciais n119. Braslia, DF: Dirio da Unio 25 de nov. de 2009.

    BRASIL. Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate a Fome. Secretaria

    Nacional de Renda e Cidadania. Secretaria Nacional de Assistncia Social. SUAS e

    Populao em situao de rua. Centro Pop Institucional. 2010a. Disponvel em:

    Acesso em: 18 set. 2013.

    BRASIL, Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome. Normativas para o

    Centro Pop. 2010b. Disponvel em: . Acesso em: 27 de dez. 2013.

    BRASIL. Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome. Departamento de

    proteo especial. Orientaes Tcnicas: Centro de Referncia Especializado para Populao

    em Situao de Rua (Centro Pop) e Servio Especializado para Pessoas em Situao de Rua.

    SUAS e Populao em Situao de Rua. v. 3. Braslia, DF: Secretaria Nacional de Assistncia Social, 2011a. (ISBN: 978-85-60700-58-5)

    BRASIL. Ministrio do Desenvolvimento Social e combate Fome. Pesquisa Nacional

    sobre a populao em situao de rua. Braslia, DF: Secretaria Nacional de Assistncia

    social, 2008. Disponvel em:

    . Acesso em: 10

    dez. 2013.

    BRASIL. Ministrio do desenvolvimento Social e Combate a Fome. Secretaria

    Nacional de Renda de Cidadania. Secretaria Nacional de Assistncia Social. Instruo

    Operacional Conjunta Senarc/SNAS/MDS n02. de 22 de novembro de 2010. Orientaes aos

    municpios e ao Distrito Federal para a incluso de pessoas em situao de rua no Cadastro

    nico. Braslia, 2010c.

  • 25

    MARTINEZ, M. Populismo punitivo, maiorias e vtimas. In: Seminrio Depois do

    Grande Encarceramento. ABRAMOVAY, P. V; & MALAGUTI,V. (org.). Rio de Janeiro:

    Revan, 2010.

    MARX, K. 1918-1883. Crtica do programa de Gotha. So Paulo: Boitempo, 2012.

    _________. Grundrisse. So Paulo: Boitempo, 2011.

    _________. O capital. Crtica da Economia Poltica. Processo de produo do capital.

    So Paulo: Crculo do Livro, 1996a. (Os Economistas, volume I).

    _________. O capital. Crtica da Economia Poltica: Processo de produo do capital.

    So Paulo: Crculo do Livro, 1996b. (Os economistas, volume II).

    _________. Manuscritos econmico-filosficos. So Paulo: Boitempo, 2004.

    MSZROS, A. O poder da ideologia. So Paulo: Boitempo Editorial, 2004.

    NETTO, J. P. Cinco notas a propsito da questo social. Temporalis, Braslia, ano 2, n. 4, p. 41-49, jul./dez. 2001.

    NETTO, J. P. Introduo ao estudo do mtodo de Marx. So Paulo: Expresso Popular,

    2011.

    REZENDE, T. D. H. A relao-capital em as funes do executivo de Chester Barnard.

    Trabalho de Concluso de Curso. Faculdade de Administrao e Cincias Contveis.

    Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2011.

    PEREIRA, V. S. Expresses da questo social no Brasil e populao de rua: notas para

    uma reflexo. In: Libertas. Faculdade de Servio Social, Juiz de Fora, v.9, n.2, p.173-195.

    jul./dez. 2009.

    TEIXEIRA, A.; MATSUDA, F. Feios, sujos e malvados. In: Jornal Le Monde

    Diplomatique Brasil, So Paulo, p.12-13, mar.2012. Disponvel em:

    . Data de acesso: 01 de jan. de 2014.

    VILA-MAIOR, P. Cidadania, capitalismo e direitos sociais. In: Democracia e Justia.

    __________. Universidade Fernando Pessoa. 2013. Portugal. Disponvel em iTunes U.

    WACQUANT, L. As prises da misria. 2.ed: Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

    WODD, E. M. A origem do capitalismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001