capítulo2 - do sexto sentido - boris cyrulnik - o homem e o encantamento do mundo

49
BORIS CYRULNIK Do Sexto Sentido o Homem e o Encantamento do Mundo [19564577 J

Upload: maria-joana-casagrande

Post on 11-Feb-2016

31 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

O homem poroso

TRANSCRIPT

BORIS CYRULNIK

Do Sexto Sentido

o Homem e o Encantamento do Mundo

III~I~IIII [19564577 J

CAPÍTULO 2

O MEIO AMBIENTE

- -

O INbIVÍDUO POROSO

A grande armadilha do pensamento é acreditar que o indiví­duo é um ser compacto. Se nos fiarmos nas aparências, é um ser vivo que já não se pode dividir, sob pena de o matarmos. O indi­víduo dividido já não existe.

Tal como as nossas palavras e os nossos pensamentos têm por função esculpir entidades e fazê-las brotar do real, dedu­zimos deste conceito que o indivíduo é um objecto coerente, fechado e separado do mundo, o que é falso: «Reivindico esta aptidão que temos todos para não sermos conformes a nós mes­mos, para não sermos um bloco homogéneo cuja personalidade estaria definitivamente fixada ... esta possibilidade de sermos atravessados por CONentes diversas e de escaparmos ao fana­tismo da identidade.»l

Se possuímos em nós a loucura de viver, devemos procurar as situações por onde seremos penetrados pelos elementos +

1 F . LAPLANIlNE, Trnnsatlantiqlle - Elltre Europe et Amérique latille, Paris, Payo!, 1994.

91

físicos, tais como a água, o oxigénio ou os alimentos; pelos ele­mentos sensoriais, tais como o tacto, a vista de um rosto ou a vocalidade das palavras; por elementos sociais, tais como a família, a profissão ou os discursos.

O indivíduo é um objecto ao mesmo tempo indivisível e poroso, suficientemente estável para ser o mesmo quando o biótipo varia e suficientemente poroso para se deixar pelletrar, a ponto de se tornar ele mesmo um bocado de meio ambiente.

Esta noção de «indivíduo poroso» explica que a hipnose, que foi comercializada como um fenómeno de feira, constitui, de facto, uma propriedade banal, portanto fundamental, do ser vivo. Há organismos, suficientemente separados para que se possam considerar indivíduos, que experimentam, apesar de tudo, a necessidade de estar juntos: estar-com para ser, pressão paradoxal do ser vivo. Porém, nem todos os organismos têm a mesma complexidade. Alguns contentam­-se em extrair energia, utilizá-la e deitar fora os detritos. Estar no meio ambiente basta-lhes para viver, tal como as plantas e as paramécias, esses animais unicelulares com grandes pestanas.

Outros organismos percebem os congéneres ou as presas como objectos altamente estimulantes. Estar-com constitui para eles um acontecimento marcante, uma sensação intensa.

Finalmente, algumas pessoas, tal como os homínidas, pos­suem a capacidade de fazer como se. Esta competência teste­munha a capacidade de agirem sobre as emoções e as represen­tações de um outro.

Estar-em, estar-com e fazer como se permitem descrever as fases da ontogénese de um bebé que, quando está-em, se deixa injectar pelo meio ambiente, quando está-com, se torna capaz de agir sobre o corpo e as emoções do outro, e quando faz como se, merece o Prémio Nobel da construção psíquica, visto que, ao utilizar posturas, mímicas e palavras, pode inter­vir sobre as representações do outro, no seu mundo psíquico. De todos os organismos, o ser humano é, provavelmente, o mais dotado para a comunicação porosa (física, sensorial e verbal), que estrutura o vazio entre dois parceiros e constitui a biologia do ligante.

92

Se se aceitar esta proposta de presença de dois ind' 'd . que estar-com necessita da

IVI uos lIgad 1 compreender a experiência d lh os pe os poros, pode-se alemão do século XVI/[ que fa se a de Mesmer, esse médico se 1 . a Irmava cu s, pe o Simples facto de rar provocando tran-E' . manter corda t d

u Imaginava este recipient s a a as a uma selha. reduzido à sua simples fu e :omo sendo um objecto técnico preendido por belas cinze;:~ao, mas, quando o vi, fui sur­A. beleza do móvel fez-me 'c uras numa linda marchetaria. plicara o problema inutilm o~preender que Mesmer com­acrescentando a elega' . d en e. Contextualizara_o em s'

nCla o séc 1 . ' I meno com a linguagem cien tífica u o ': racionalizara o fenó-plesmente se interro ar or d~ eFoca, em vez de sim­fluencia o próximo Ngo ? 1 que mlsteno um indivíduo I'n . secu o XVI/[ , -gante enquanto força material ~ ~~ se podia conceber o li­actuando sobre um outro N ; emitI a por um organismo e t~da em Viena, em 1766, Me: ese de doutoramento apresen­fIslca de Newton, assemelhara :~r, f~rtemente inspirado pela ao transporte de uma subst' . oçao de magnetismo animal cálculo, pois o fenóme anc:a entre os astros2. Foi um mau

, no era tao obs ' 1 ness~ epOca os cientistas Come av ervave e manipulável, e explicação pelo fluI'do"t ç am a exercer-se nele que a d Irrl Ou as co . - , as por Luís XVI Expll' mlssoes de peritos nomea - . caram as . f - -

naçao, e alguns denunciaram mam estaçoes pela imagi-prática imoral «perigosa o magnetismo animal como uma

.' para os cost 3 ~ue o fluido não existia cond' umes» . ~o constatarem tIa na imaginação, no não_realllIram que o fenómeno só exis-

O simples facto de t ' no sem Importância. . er escolhido _

«magnetIsmo animal» para ]' a expressao «fl uido» ou provocado em redor da se~~~ Icar o fenómeno de transe Mesmer pensava que esta forç . pe:mIte cOmpreender que <lo

ac~uava entre os homens era u;al~~lslvel .que se comunicava e propno da condição huma rça ammal, aquém do que é na.

2 L. CHERTOK H 3 F I ypnose et suggesfion Par"

. A. MESMER, in R. AMADOu Le M' ',IS, PUF, Que sais-je?, 1989 I agl1ctlsme animal ParIS' P .

, ,ayot, 1971.

93

1 r em termOS actuais da É esta a ideia que proponho reformu a .

tolo . a cognitivista4. smite en\re dois orgarusmos: e AgIúniCa substância que s: \r::'erialidade do fluido animal, e

que poderia correspo~der a m dele dentro de um esque;x:a e nimals servem-se . - d matena o olfactO. Ora, os a . ·eitar. Esta transmlssao e , o

. un° pies: atrair ou re) vimento o que e multo s . - ou\rO em mo '., b'-entre dois orgarusmos p,oe o no mundo vivo, Visa uno 1

" do efeito hipnotlCo, que, contrano , . . - de matena. lizar. d é uma transmlssao ,

Também no homem o o or 'z uma amostra da mate­. 1 com o nan i-

A uele que cheira, p~ pa enetra tal como entre os an ri~ do outro, um indiCiO q~l~ ~ olfactivo ser trezentas ~ez~s mais. O facto de o noSSO SIS e o de um cão não o impe e e menoS desenvolvido do l ue lpação olfactiva que nos penetra funcionar intensan;en.te. pa aversão, uma intenção de mdo-

ca U ma apetenCla ou uma -o porém sobretu o, provo 1 penetraça . d vimento, tal como qua quer ai ou uma amostra do od?r o

. ue o cérebro do nariZ p P _ ' viada para o cortex, ~~~:,~ informação estim~lante :a~aee:oção e da memóriaS. mas de imediato para os c!rcu~o movimento, acrescenta-se a À informação que nos poe e cordações. pode-se influenClar evocação de emoções e de reevocar, mas não se pode hlpno­com o odor, atrair, re)eltar ou, ma impulsão: palpa-se, evlta­tizar, imobilizar. O olfac:o da u ode cativar. Um pouco como -se, mentaliza-se, mas nao ~e ~ beira de uma falésia, sente~­quando se anda na montan a nas imagens que noS atraem e

. nformações nos relevos e ~e~ lado e nos rejeitam por outr~~imais com uma força e u~a

As fero monas governam os recipitam-se uns em 1-

precisão espantosas6. FOâem ~:gfncia. E no homem, parece

recção aoS outros com to a a

't do em Naissa"ce riu psycl1a1wlyste, de SAUSSURE, Cl a

4 L. CHERTOK, R. DE . Pa ot 1973, p . 25. Mesmer à Freud, parIS; I ;;be;té Paris, Odile Jacob, 199

55. bro de 1996.

5 P KARU, Le Cervetllt e a I, tia Porquerolles, etem . Seminário sobre a angus I

6 P. PAGEAT,

94

que estas moléculas, intensamente sentidas, evocam urna emoção não consciente que racionalizamos em seguida. A pe­ne\ração pelo nariz de urna feromona a\ractiva não provoca urna tornada de consciência olfactiva. Mal se pensou «Olha, isto cheira bem», a evocação provocada pela molécula induz a colo­cação em forma verbal de urna emoção e de urna recordação: «Aquele senhor faz-me lembrar o meu primo de quem eu tanto gostava, é simpático, vou falar-lhe.»? •

Com o olfacto, podemos comover e fazer agir o outro. Ao passo que com os outros órgãos dos sentidos o podemos ca­tivar, tornar a sua consciência e pô-lo na expectativa. Se cati­var o outro, por urna sonoridade, uma imagem, urna ence­nação ou urna palavra, concentro as suas actividades físicas e mel}tais na sensorialidade que organizei, em sua intenção, na sua direcção ... para o tornar! E o outro está de acordo com esta intrusão sensorial, porque é delicioso ser cativado. É um acontecimento sensorial e afectivo intenso que nos torna cúmplices daquele que nos cativa. É muito diferente de urna captura, em que o outro se apodera de nós quando nos opomos.

Durante os primeiros processos de domesticação, antes do Neolítico, que sistematizou esta dominação, os cães foram os primeiros cativados pelo homem. Fascinavam-nos tanto que se apaixonaram e se deixaram humanizar com delícia há quinze a vinte mil anos. As focas são «loucas de amOI» por nós. E não precisavam de tanta água e de peixe, poderíamos facilmente domesticá-las, só pedem isso. P~lo con\rário, a enorme maioria dos animais evita o homem e, se se pretender pô-los no jardirrrzóológico, ou comê-los, têm de ser captura­dos. Entre estes dois extremos, os camelos, os lamas e as renas gostariam muito de evitar o homem, que deve provar sem ces­sar o seu domínio sobre eles, se não fogem e regressam ao estado selvagem. Porém, como lhes excitamos a curiosidade,

7 P. BUSTANY, Reflets cérebrnux des passions, Colóquio Arte-Coração­-Cérebro, Mouans-Sartoux, Setembro de 1996.

95

seguem-nos de longe, hesitando entre a fuga e a atracção. Esta distância afectiva deu a estes animais um efeito civilizador par­ticular, visto que as civilizações da rena, do dromedário ou do lama têm tendência para migrar. Enquanto as civilizações da vaca, do cão e dos animais territoriais foram mais fáceis de sedentarizar.

O efeito civilizador do gato é particular. Chegou mais tarde às relações entre o homem e o animal. A passarela sensorial que per­mite a Iúpnose é intensa mas estreita. O animal apega-se ao local tanto como ao homem. O seu contrato amoroso é muitas vezes assinado com um escritor, porque o objecto sensorial constituído pelo homem de letras é bem acolhido num mundo de gato. O plumitivo mexe-se exactamente o suficiente para manifestar uma presença calorosa e tranquilizante, deliciosa para um gato.

São possíveis algumas passarelas sensoriais entre espécies diferentes. Organizam-se por promessas genéticas, diferentes mas compatíveis, e encontros aleatórios. São construídas com matéria olfactiva, imagens luminosas e sonoras e objectos físi­cos tais como a oferta alimentar que autoriza a carícia.

A partir do momento em que se pretende cativar o animal, o sentido do tacto toma-se um instrumento eficaz. Se o magoar­mos ao tocá-lo, cativamos a sua consciência. Não pensa em mais nada no momento em que sente uma dor, mas a estratégia não é Iúpnotizante, dado que se provoca uma reacção de defesa, de fuga ou de agressão. A boa estratégia consiste em tocar exacta­mente o suficiente para cativar sem fazer doer.

As palmadinhas de adormecimento ritualizam este fenómeno. A criança deita-se de barriga para baixo sobre os joelhos da congai" familiar, que faz um côncavo com a mão para não magoar a criança. Bate ao nível das covas sob as nádegas com força sufi­ciente, para que a criança não se possa interessar por mais nada, com um ritmo perfeito, para que a criança, cativada por este me­trónomo, espere a palmada seguinte. Em menos de um minuto, adormece. Porém, a aculturação dos gestos é tão precoce que, quando uma mãe europeia pretende utilizar este processo, a criança volta-se indignada e protesta, porque, para ela, as pal­madas de uma mãe ocidental significam uma tareia, ao passo que, por parte de uma congai~ anunciam um ritual de adormecimento.

96

Entre adultos, não se dão 1m mesmo princípio psicofisiol ' . p~ adas, mas mantém-se o sua vigilância, aproveita-se :~o. oca-se o outro para captar a e nela apoiar os dedos fim sostura para lhe pegar na mão focalizar numa única m' f a _ e.!he chamar a atenção e a ormaçao."

Tal como o olfacto do homem ' . nos escapa muitas vezes e e uma VIa de comunicação que fumes para atrair re' . que aculturamos pelos nossos per­lizar. Provoca urn'a ::~~~ o~_ ev?car, assim o tacto é fácil de uti­goroso: não se pode toca:~ ao tr°rte que o código do toque é ri­O' mínimo desvio e' m' t ou o em qualquer lugar do corpo d . . ensamente per eb 'd '. .

escodIfIcado de acordo c I o e unedIatamente apertar a mão ou a de dar

c= ~:;or~as culturais. A maneira de mudam de sentido quase ao mi~:~~de tal modo precisas que

No homem, o tacto é um canal d . turado, pois é o primeiro e comurucação muito estru­semana da vida uterina ; entrar .em funções, desde a sétima outras informações U . um~ VIa sensorial onde culminam

. . ma sonondade a f 'b OUVIdo interno é um . I ' o azer VI rar a água do , eqUlva ente de t b tudo, porque o homem ' oque na ca eça. E sobre-

de pêlos é muito sensívet Qum mdacaco nu, a pele desprovida d . uan o se toca e est ' , . o orante, a percepção é t- f a nua, tepIda e

emoção. O significado ao orte que desencadeia uma intensa adquire amplifica a emo~oe e ~:~(~e num !ugar do corpo outro, pois apoi'lf os nossos d d UI um melO de capturar o t . e os na mão ou b-oma o mesmo sentido que ac '. lh no om ro nao E anCIar- e a face

ntre o fluxo aéreo de uma s b ' . . física de um toque eX!' t u stanna olfactiva e a pressão . , s em outros me 'o informação entre dois org . I S para transportar a

. arusmos porosos As un° . " e as unagens sonoras reali I ' agens VIsuais cativarem a atenção do trzamAe~ce entes actuações a fim de . ou o. SSIm que se d . Imagem visual ou auditi d p~ e sugenr uma atenção, desencadeando va, mu a-se ~e registo: cativa-se a ver coisas invisíveis»8 co uma rep~es~'ntaçao. «A visão é a arte de

, m a con Içao de saber evocar imagens.

8 J. SWlFr, citado em F. EDEUNE J -M K p' 7: " ,. . lINENBERG P MI

le, mie du S lgn' e vis lIel P . L S . , . NGUET: Groupe , ans, e eml, 1992.

97

A audição permite, também ela, ver coisas invisíveis, com a condição de saber articular as palavras que as fazem ver.

Deste modo, a molécula move e comove, a pressão física capta tocando, ao passo que a gustação e o olfacto afloram a boca e o cérebro do nariz. Estas estimulações sensoriais imo­bilizam por um breve instante, exactamente o tempo de provo­carem um movimento de atracção ou de fuga, de cheiro ou de mastigação. O que não é o caso das imagens visuais e auditivas que captam e põem na expectativa.

A fisiologia sensorial já funciona como uma percepção se­miotizante. Os significantes visuais ou sonoros não são comple­tamente estúpidos, visto que, imediatamente percebidos, evo­cam o despercebido!

Se não acreditam em mim, peçam ao vosso chefe que lhes faça a barba. No dia seguinte de manhã, nenhum dos que estão a seu lado dará conta disso. Dirão: "Olha, tem um ar mais fres­co, mais repousado ... » Quase ninguém dirá: «Fez a barba». Pois a imagem percebida é composta de estruturas elemen­tares: barra horizontal dos olhos, barra vertical do nariz e redondo sonoro da boca. Estas percepções elementares bastam ao observador para imaginar o resto do rosto. É por isso que se podem fazer caricaturas ou desenhos. Quanto mais a per­cepção for reduzida ao essencial, mais possui um poder evo­cador. De imediato, o rosto é uma figura, tal como a do pati­nador, em que se representa o movimento que não se sente, mas se prevê. O patinador coloca-nos numa postura física e psíquica de expectativa. O nosso prazer deriva da conivência. É válido um mesmo raciocínio em relação à música: apesar de tudo, é curioso que quanto mais se conhece um trecho, mais prazer se sinta, com a condição de o músico realizar aquilo que se espera dele.

Esta percepção semiotizante está aquém da convenção do sinal, visto que, ao articular o percebido com o despercebido, se coloca na junção da matéria e da representação. Ao passo que, para passar a convenção do sinal, já é preciso habitar um mundo despercebido. Para acordar em que a sonoridade «POM» vai arbitrariamente indicar determinado fruto, é preciso que cada um dos signatários da convenção esteja apto a imaginar as re-

98

presentações do outro. Se eu a ti I de - r cu ar «POM» tod rao que esta música verbal . d' d '. os compreen-passo que, no J'ogo do «cucu m .lca etermmado fruto. Ao

», a cnança • d rosto do pai por detrás do arda ' q~~ ve esaparecer o gem desaparecida. Imagin~ e napo, vaI a procura da ima­música, tal como a figura do 't" spera-a, tal como a nota de liar reaparece subitamente P~ti U:dor, e, quando o rosto fami­«cu cu u U», a criança sent enu n o uma sonoridade estranha, epistemológica. Pré-pensa ' eOo praze~ '!.a harmonia e da vitória . .« rosto que pe c b Imagem que eu pré-v ' O . r e o corresponde à O la. real ConfIrma o

prazer vem da satisfação d' que eu esperava. que a criança diria se est a minha representação.» É isto o t I -. ' a enorme aventur tí ti . ua nao tivesse lugar muito a t d a ar s ca e mtelec-

S t n es a palavra! e con o estas histórias de f " que uma imagem . I 19ura e de «cucu», e para dizer

Vlsua ou sonora pod . cepção semiótica, uma forma e b'd e constituir uma per­de uma representação O p rce 1 a que põe na expectativa

t' . prazer vem da co ' . . ar lsta e o espectador ( t" d IUvenCla entre o assim, erotizada Ate' pa ma or, «cucU»), e a expectativa é

. mesmo a post d ' dável, pois prepara para o prazer tal ura e esperança é agra-promessa esperada. O praze d ' como ~ma amostra, uma em vários momentos de r e uma percepçao semiótica actua

uma mesma harm . esperar (o desejo), o prazer de sentir OIUO:: o prazer de de o dizer (fazendo-o viver . d (a percepçao) e o prazer A forma do prazer é pois a~ a na ~epresentação verbal).

O fogo e a cascat~ ofer~;:~~~ a, sentida, depois recitada. turais que têm o pode d os. exemplos destas formas na-f · r e nos por na exp t ti lxar-me num fogo dI ' ec a . va. Acontece I e arelra, em plena confu - h

a guns movimentos de cham . sao umana. Em deliciosamente Nad' . as, a minha consciência é cativada

. a maIS smto se não d ' calor crepitante. Esta percepção s d uma cor ançante, um uma música. O simples fact d e uz-me e Possui-me tal como n· · o e ser agarrado e d . ISSO esvaZIa-me de todo tr b lh e sentlr prazer ., plica por que razão este ~at' a ~ o mental ou musculat e ex-N- lvelro maravilhoso m . ao posso, pois, ser agarrado e apazIgua. sorial: um ruído sobre g d por ~ma qualquer estrutura sen­Urna verruma levar ma u o que atmge o meu ouvido, tal como

f ,- e-la ao movimento t a ugir. Uma queimadura " d b' ,a apar as orelhas ou

aCl a o nga-me a debater-me, ao

99

e calorosa pressão me imobiliza, espe­passo que uma suave dique me toca. as bebés, aSSlm rando o olhar ou a palav:a ;que e um objecto qualquer. a que que nascem, não são C~tlV~r~!~~s olhos que seguem de~de o toma forma para eles e o f Ancias da voz que os cativam

. ;'0 olhar e as balxas reque pnme~

desde as primeiras palav:ras. . d - ara a palavra, conhece a a homem, devldo a aptl ao. p vez graças às estruturas

t Uma pnmelra , hipnose duplamen e. um recém-nascido perante a sensoriais percebldas, tfal com dO fogo. e uma segunda vez, pela

h m em rente o, .- lít· mãe ou um orne _ D te uma reuruao po lCa, função semiótica das percepçoes.. ~ra;os dirigentes e o panur­a decoração do ~strado, a dlspOSlça~o es aço uma «geometria gismo dos seguldores estrutu:amara u!estrado com três met­que quer dizer». S~ o chefe su ~e~no de um trono, enquanto a ros de altura, eqmvalente m~ d por um serviço de ordem, multidão é vigorosamente or ena a palavras a comporta-

. 1 b um discurso sem . esta geometria e a ora . 1 d um chefe sentado num banco

. . - espaCla e 1· mento e a dlsposlçao .' 1 implicariam uma outra m-para conversar com os dlsclpu ?Sd· m e tal como as palavras, guagem. a espaço e os gestos pre- lZe , .

podem menti!. d do século XIX introduziU a Quando Braid, em mea os tra-senso na nossa cul-

. ,. 9 lançou um con ' . d Palavra «hlpnotlcO» , d fenómeno relaCiOna o

se tratava e um tura, ao fazer crer que ló. defende que não se trata com o sono. A abordagem eto gtca as antes pelo contrário,

nh em de um sono, m , . nem de um so o, n . . li ando dois orgarusmos se-de um estado da s:nsonahd~::im g ressão no outro e cativa-o. parados. A expressao de um a~s a vigilância, o sono e o a quarto estado do orgarusmo, ru·smo mas no vazio

d curar no orga , sonholO, não se eve pro d todavia ligados pelas per-entre dois indivíduos separa os e cepções trocadas.

1 ypnotique, Paris, h %gie traité du sommeil11crvcux ou 1

9 J. BRAlO, Neuro- ypl1 , Del.h'ye et Lecrosnier, 184~. ? P ·s Éditions de Minuit, 1994,

10 F. RoUSTANG, Qu'est-ce que /izypnose., 'rI,

p . 14.

100

Talvez se pudesse aplicar a expressão «percepção semió­tica» ao mundo vivo, no todo, na medida em que já no animal o mundo percebido evoca um início de despercebido, visto que a possibilidade de aprendizagem aparece cedo nos orga­nismos simples. É, então, preciso descrever uma filogénese da percepção semióticall, com urna graduação do significante e do significado.

LANÇADORES DE SORTILÉGIO ANIMAIS E HUMANOS

Ao evolüir do significante para o significado, passei do mundo percebido do medo ao mundo despercebido da angús­tia. A minha adaptação emotiva e comportamental já não é a mesma. a medo leva à ruína, à imobilidade que protege ou à fuga desenfreada que, quando termina pondo o predador fora de jogo, provoca urna euforia. Ao passo que o facto de viver num mundo despercebido obriga o organismo a urna adap­tação representacional. Para se sentir seguro, tem de ir à procura do objecto de angústia a fim de o transformar em objecto de medo, perante o qual conhece urna estratégia de ruína ou de fuga. É isto que fazem os fóbicos e os paranóicos cuja angústia acalma assim"" que podem localizar e indicar o objecto que os atemoriza. A partir de então, basta evitar o objecto fobógeno ou agredir o agressor. a que significa que viver no mundo do medó obriga a agir, ao passo que viver no mundo da angústia obriga a compreender e a falar.

a homem e o animal conhecem o medo que leva ao acto. E o homem conhece a angústia que obriga à cultura. Isto seria muito benéfico se um outro grupo humano não tivesse inven-

11 A. B. VIEIRA, «De la néogenese de la catatonie - Pour une esquisse d'.nthropologie phénoménologique», in Évo/lItion psychiatrique, n.o 37, 1972, pp. 675-692.

101

ta do um outro mundo de representações, tranquilizante para ele, mas aterrador para nós, As guerras tornam-se então um processo lógico, pois o mundo das representações dos outros constitui um objecto ameaçador, que nos amedronta,

O termo hipnose é um mau termo, visto que em nada diz respeito ao sono, Que nome se deveria atribuir a este fenó­meno do ser vivo que, ao estruturar uma passarela sensorial entre dois organismos, cativa um a ponto de se deixar cap­turar em seguida? Captose? Captivose? A palavra captivare contém a noção de agarrar, de tomar sensorialmente, de ligar à força, de captar pelos sentidos: «Ficou preso ao ver o seu rosto .. , não podia libertar-se,» Lêem-se coisas destas nos

romances naturalistas , O encantamento, característico do ser vivo, consiste em

lançar um sortilégio, instilar um filtro, enfeitiçar por um canto ou um relato para se apoderar do mundo mental do

outro, Entre os animais, o sortilégio opera no interior de uma mesma espécie, As crias, impregnadas pela mãe, não podem segui-la, Os animais gregários obrigados a viver juntos estão ligados pela sensorialidade, Esta força fascinante pode fun­cionar entre espécies, tal como se pode ver entre os comen­sais, quando um pequeno peixe do alto mar, o carapau, percebe a forma do barracuda muito atraente para ele, Seduzido por este volume, escuro e móvel, o peixinho agar­ra-se à parte de cima das mandíbulas ou sob o ventre do predador, onde passa uma vida feliz de carapau, Adapta-se ao mínimo movimento desta forma cativante que, de vez em quando, agarra um peixe e o mastiga, deixando assim algu­mas migalhas que o carapau aproveita, O barracuda não tem qualquer interesse em frequentar os carapaus, Todavia, deixa-se acompanhar, pois a forma carapau "nada lhe diz», não o estimula, não lhe dá vontade nem de o engolir, nem de

fugir, O carapau é-lhe indiferente! Acontece que este acompanhamento facultativo se trans-

forma em obrigação de coexistir, Os peixes pilotos nunca navegam sozinhos, a sua estratégia de navegação adapta-se ao predador que acompanham, Colocam-se à altura das bar-

102

batanas dorsais do tubarão-ca ' hesitam em nadar em f t dçador e evitam o focinho, Não ren e a boca de t b -

na qual se refugiam em d ' um u arao-baleia _ caso e pengo12 r ' nao se enganar mas 1 ' em mteresse em

1 " para e es o mund b'd

c aramente categorizad ' o perce 1 o é tão , , o como para nó d' um preclplcio, ~,.Iluan o evitamos

O comensalismo13 perrnit 'I constituição sensorial de e lustrar a maneira como a organismo .. , e o governa~~ organismo actua sobre um outro é um fluido que induz ' qua,rto estado do organismo não

o sono e uma b ' 1 ' que a sensorialidade se t t' 10 ogla periférica em cativa, es ru ura, actua sobre um outro e o

Freud escreveu: «Ao passo u h' , em relação ao mundo t' q e o lpnotlzado se comporta

d ex enor como um ado 'd

perta o perante a pessoa rmeCl o, é des­ela ouve e vê »14 Esta d iU~ ~ mergulhou na hipnose, só a fascinado pelo'tubara-o-b e

l ~ruçao aplica-se quer ao carapau

a ela quer ao b b" 'd a mãe, aos adultos em I' e e aVl o de perceber apaixonados e às mulf d _ P ena conversa, aos adolescentes

É este o plano que ~o~e:e em, adoração de um chefe, a influência caracteriza gUllr para defender a ideia de que

f qua quer organis '

orem a forma e a co I 'd d mo, sejam quais d mp eXl a e Um hom ' f -na a aprenderia da hum~nidade' P em,sem m luencia promessa e não teria nenh E' ermanecer,la no estado de criança abandonada I T duma, ste homem vlrt\lal existe: é a

'_ ~o os os orgarusmo -mesmo ao nível biológico ele t' s sao porosos, exterior que lhes per 't m,en ar, e a troca com o mundo

ml e Vlverem de I tentarem ser eles mes ' sen vo verem -se e mos,

O homem, devido à aptidão bioló ' palavra, pertence, certamente à "gIca p~ra a empatia e a t , especle malS influenciável, não

12 L. EIBL-EIBESFELDT, Éthologie-Biolo i 13 O comensalismo . g e du c011lportement, op. cito p 306 • I em que um ammal ap 'I I' I"

diferente do parasitismo rovel a O a unento de um outro é , em que um peque' I

um outro e o destró' D'f no organIsmo se alimenta de I, I erenle lambém d 1 I b'

esfomeia animais de uma autr é' a c ep o IOse, em que um animal 14 S, FREUD, in Hypnose 1909 CE! a esp Cle ~oubando-lhes a comida,

, , lvres completes, t. IX, Paris, PUF, 1988.

103

apenas porque percebe a sensorialidade do contexto que o pode cativar, mas também porque, sob o efeito das palavras dos outros, pode pôr-se no lugar deles e experimentar um sentimento provocado pelos seus relatos.

Porém, a escolha da palavra que designa o facto revela já um a priori teórico. Fala-se de hipnose animal para indicar uma atracção do peixe, uma sideração muscular do passari­nho «hipnotizado» por um grito particular dos pais, ou do pequeno mamífero imobilizado pela percepção de uma forma vibrante. A palavra que designa o facto já é uma interpre­tação do facto.

Aquém da verbalidade, qualquer organismo é natural­mente captado por uma informação sensorial estruturada de maneira a monopolizar a atenção. Este fenómeno é banal no mundo animal: a aventura arrancou em 1646, durante a Experimentum mirabile - De imaginatione Gallinae, realizada pelo padre jesuíta Athanasius Kircher15. Atam-se as patas de uma galinha, deita-se, ela debate-se, traça-se, subitamente, na frente do bico um risco a giz, ela imobiliza-se, desamarra-se, continua a não se mexer, fascinada pelo risco branco. A explicação deste fenómeno admirável era fornecida pelo discurso social da época, em que a ideia de dominação organizava a ~ociedade: «A galinha submete-se ao vencedor... porque a sua imaginação interpreta o risco de giz como um laço que a atinge de estupe­facção.»

Esta experiência foi repetida no século X1X, por toda a Europa, em Cracóvia, lena, Leipzig e Budapeste, pelo Prof. Jan Nepomuk Czermak e equipa, que hipnotizaram, de maneira muito científica, tritões, rãs, lagartos e caranguejos. Tal como é de regra, esta observação alimentou a cultura romântica em que, num mesmo movimento, se perverteu e se simplificou.

Este fenómeno foi comercializado imediatamente, e os hip­notizadores de feira fizeram passes sobre o corpo do animal

15 A. KIRCHER, Experimentum mirabile - De imaginatione Gallinae, A rs magna lueis el umbrae, Roma, 1646, t. u, pp. 154-155, in L. CHERTOK,

L'Hypnose animale, Paris, Oesc1ée de Brouwer, 1964, p. 447.

104

pronunciando fórmulas má ica ' . fessor deu conta de g s, ate ao dIa em que o bom pro-

que os passes e as f' I enviar o fluido magnéf ' . ormu as que deviam - ICO so servIam para b I naçao. Urna simples e rá . d _ em e ezar a ence-

bilizar o animal tOdavi/~e: pressao postura] b.astava para irno­dade, refez a manipulação ~:~oi SedUZI~o por tanta simplici­gansos, de patos de ombos d .ongas senes de galinhas, de perus, confirma~do ~este mo'd e LClsnpes, de canários e mesmo de

o a ontame:

En9ua~to nenhum peru ousou dormitar' fo~;;fnlgO cansava-os mantendo-lhes a ;ista { J o mesmo objecto sempre estendido r.. . J Ã" A demaszada atenção que se tem ao perigo

maIOr parte das vezes faz Com que se caia nele16

La Pontaine pensava ue o . raposa: se tornava mais ficil de ~~u: .cahvado pelo olhar da sonal e ainda mais sim I elhçar. Ora, a captura sen­descontextualizar urna Pnfes, qua~do um organismo não sabe b I ormaçao Entre o' b asta bater no solo para que 'b' _ s mverte rados, imobilize duravelrnente a VI raçao transmitida à distância d b um escaravelho Um . I

e olso basta para fazer cala . t . a sunp es lanterna gaivotas irritadas à noite T~b:"s antaneamente, um clube de dilos e lagostins. É pref~rível em se podem hipnotizar croco­crocodilo, pois para h' tiz' tentar, pnmelramente, Com um lh ,Ipno ar um lagostim ' ' .

- e uma torção la teral ' ' e precIso unpor-A . . que arnsca quebrá-lo.

partIr do fmal do século x b' rial nada tinha de comum IX, sa la-se que a captura senso-zado coelhos pardal's COb

com o sono. Preyer, após ter hipnoti-

f ' , . alas ratos e '1 enómeno pelo medo q t 1" esquI os, explicava este Q ue ca a ephzava o animal

uando se elabora o ca tálo d ' . . . e das condições hipnotizantes v~~ as esp.ecles hipnotizadas pressão sensorial Qualq 'fl e se emergIr urna constante: a

. . uer re exo desenho tu SonOrIdade ou ritmicidade pod 'd" , pos ra, pressão,

e me lahzar a hIpnose. Excepto

16 J. DE LA Fo . NTAtNE, Fables: Le Rellard elles I '

n on-Garnier, reed . 1966, p. 330. pOli eis d [lide, Paris, Flamma-

105

.. . tema sensorial à parte, visto que, o olfacto, que constItuI um :~al desperto, emocionado pelo ao palpar com o nanz, o movimento de fuga ou de odor, é estimulado para

d efecftuar um e' uma busca olfactiva, ao

AI" ' acto e ungar . atracção. las, o . ensoriais captam a atenção do aru-Passo que os outros canaIS s t tl'va viPilante. No homem, o . bT m numa expec a 0 - .

mal e o lID,O 1 lza . b as outras estruturas cerebraIs, o q~e olfacto esta escondIdo so . P re'm o estatuto neurolo-d · ão funclOne. o , não quer lzer que n , . lfactivos não substituem os gico particular (os neuro~lOsd~ t mente uma emoção e um

d ' I ) evoca lme la a , . . " núcleos o ta amo ~ le'cula olfactiva la esta . I rcepçao de uma mo . relato. A slmp es pe d não é um mau cheIro. aculturada. O SH2, odor de ~vo po ~~e não se torna bom ou É um odor que se sente ou nao,_mas de acordo com o relato

"t t a nao ser mau, atraente ou releI a~ e , . to deita isso fora», diz que dele faz a cult~r~: «e por~o, ~~o~:nt~ a mãe não anunciar a mãe com uma m1ffi1ca de nOlO._ s~nte o nojo do odor de ovo a qualidade do odor, a. cn~nçah nao e' capaz de perceber um

I ammalS o ornem podre. Ta como os . ' . r uma representação senso­odor e, tal como eles, de lmagma. ta e' muito em breve,

. t que expenmen , ria I, mas o sentImen o. diz o ue é nojento ou sedu-moldado pelo discurso sOCIal que_ ve:tais com os sentimen­tor e provoca, assim, representaçoes

tos implicados. b mundo das palavras, ne-d . ça desem arca no Quan o a cnan , 'd Basta acrescentar uma

nhuma sensorialida.de e _esh~e~o~~ante será verbal a partir outra: a palavra. A mlunç~o Pt r o encontro com o hipnoti­de então. O simples facto • e ~cel a uando ede que se tome a zador prepara u~~ cOruV~~~l~~ ~ar a co~sciência do futuro postura que lhe Ira perm PT sensorial tranquilizante hipnotizado, cnando um ~~~~~~~~orial que se lhe propõe. este consente e fIxa o m , . , ressão cativante, porque a Submete-se por vontade propr~~e~t~ indutor, porque o sujeito deseja. A palavra torna-sedo o 1 e desejam deixar de fumar espera a ordem. Os fuma o;eds qu

lhes a ordem desejada. E a

I que sabera ar- . " procuram aque e , Itados excelentes. O mlsteno hipnose, nestes casos, obtem resu ão não souberam dar consiste em interrogarmo-nos por que raz a ordem a si mesmos.

106

A hipótese seria a seguinte: todos nascemos de uma outra e foi no mundo dela que tivemos de aprender a viver. A nossa memória é gravada por uma marca fundamental: outra pessoa sabe melhor do que nós! O que conduz à .id.eia: quanto mais dotados formos para a alteridade mais desejamos a submis­são. Os crentes que gostam de viver na alteridade suprema, no despercebido perfeito de Deus, gostam de se lhe subme­terem. Inversamente, aqueles cuja empatia não é adulta per­manecem submetidos às suas pulsões e nunca conseguem imaginar o ,mundo de um outro. É por isso que os perversos se deixam apanhar facilmente. O seu sentimento de crime é tão débil que deixam à vista as provas ou mesmo as cassetes que gravaram e que contavam ver mais tarde para se diver­tirem mais um bocado. Não têm qualquer representação do sofrimento da criança torturada, nem da humilhação da mu­lher violada. Para eles, não passa de um jogo ou, por vezes mesmo, de um acto de amor, de tal modo estão prisioneiros das suas próprias pulsões.

O desenvolvimento variável desta aptidão para imaginar o mundo dos outros pode dar duas estratégias do conhe­cimento. Os que gostam de descobrir em cada homem um con­tinente mental novo e adoptam uma atitude individualista. E os que, pelo contrário, preferem uma atitude holíst!ca pen­sando que só há uma maneira de se ser humano e só uma teo­ria para a representar. (Js' individualistas, curiosos da dife­rença entre os homens, divertem-se com as várias teorias que poderiam explicá-los. São acusados de desordem intelectual. Ao passo que os holistas, rigorosos, consagram os esforços a reforçar uma teoria cada vez mais coerente e cada vez mais difícil de desestabilizar, mesmo quando acaba por deixar de ser adequada ao real. Os individualistas, exploradores de teo­rias e de situações humanas, são difíceis de seguir, pois são imprevisíveis. Ao passo que os holistas, reforçadores de uma única concepção do mundo, se tornam inabaláveis e perfeita­mente previsíveis.

A etologia propõe uma teoria do ser vivo que exige empa­tia, não apenas entre homens, para imaginarem o mundo dos outros, mas também entre espécies. Após ter descrito as dife-

107

renças, é preciso encontrar um programa comum. Ora, a ideia que reúne o mundo mental dos seres diferentes é a consti­tuição progressiva da alteridade. Da catalepsia animal, tão fácil de observar, ao síndroma de influência entre os seres humanos, num grupo ou dentro de uma multidão, não há nem oposição, nem diferença de natureza, há gradação e com­plexificação da maneira de estar-juntos. O animal percebe um estímulo que provoca uma emoção cataleptizante. O homem conhece, também ele, este tipo de percepção, mas as suas emo­ções são muito mais fortemente provocadas quando imagina a representação de um outro e quando a sente ainda mais forte­mente do que se a percebesse.

Paradoxalmente, é uma mediatização material que per­mite a transmissão de pensamento e a interacção dos mundos mentais. Pois trata-se, exactamente, da transmissão de uma representação com as inevitáveis traições que intervêm em cada etapa da comunicação. Aquilo que hipnotiza um animal e o enfeitiça é uma percepção tal como uma molécula de fe ­romona numa borboleta, ou uma vibração num escaravelho. Quando um cérebro de macaco é complexificado a ponto de associar informações diferentes para criar uma representação sensorial, pode experimentar uma emoção desencadeada pela simples evocação de uma imagem. Quando se grava o grito de angústia de um bebé macaco e quando, mais tarde, se dá a ouvir ao grupo de macacos durante a sesta, a mãe sobressalta­-se e olha na direcção do gravador, ao passo que as outras fêmeas do grupo também se sobressaltam, mas olham para a mãe daquele bebé. O comportamento de alerta das fêmeas responde a uma estrutura de parentesco sensorial, mediati­zada por uma informação auditiva!7.

O mundo emocional das pequenas gaivotas também é estruturado pela expressão dos pais, e não pela percepção directa do perigo. Ao nascer, uma cria não sabe o que é perigoso. É a percepção da emoção dos pais que lhe permitirá aprender a atribuir uma sensação de perigosidade a um

17 J. VAUCLAm, L'[ntelligence de ["animal, Paris, Le Seuil, 1992.

108

objecto. Isto implica que a . de se apegar a um outro cna, ~ara se desenvolver bem, tem deve viver. Quando um q~de e apresente o mundo onde d I aCI ente alterA - . esenvo vimento das c . . os paiS, destrói o

I nas, que Vivem t-ma estruturado pela em - d ' en ao, nUm mundo todos os ob}·ectos de u oçao d os adultos. As crias percebem

m mun o de g. t ( corren tes de ar home d alvo a pedras, falésias , ns, pre adores) . , sensoriais estão sãos P , .' ViStO que os órgãos d . . . orem, como}á -

os paiS, deixam de im nao percebem a emoção afectiva vinda das ge pr:gnar os objectos de uma conotação

'do raçoes precedentes N- d co Igo que lhes permite cate. . ao a quirem o P . gonzar o seu m d er~gosos, tranquilizantes, atraentes . un o em objectos

fugir ... Ao perderem, deste modo o o~ ~e}eltantes, comer ou seu mundo, angustiam se ,codlgo de acção sobre o ferem-se, ou deixam se - , corre~ em todos os sentidos

- agarrar. A ma . ' marcou ao nascerem a rca sensonal que os I crescenta-se a ap d· na transmitida pelos . ren Izagem emocio pais. -C?uando as capacidades cerebrais .

maçoes cada vez mais dist t permitem tratar infor­objecto sensorial percebido

an es

l, tal como entre os macacos o

. A ' no ugar do per· f ' mais. quilo que estimul IgO, aper eiçoa-se atracção, o medo ou a se a um macaco provoca a fuga ou a

- , ~urança o que o atr . nao e, apenas, a percépção ;~ d' . ai ou atemoriza já ma· ~"e la ta do ob}· ecto' d IS, a percepção media ta d b. ' e, ca a vez fere a um outro ob}·ecto _ e um o }ecto sensorial que se re-

N nao percebido . . o .mundo dos primatas não hu

mediatização do mundo' t manos, este processo de ., b. e es ruturado p .

o }ectos diferentes p or gntos que indicam . , or posturas gest ' .

expnmem emoções variad ' . os e mlmlcas que As genealogias de dom. as e

t por atitudes comportamentais

d man es as din t" d' . escendências de lutad ' . as las e femeas as d ores, explicam-se q I ' o contexto que actualizam uer pe as pressões transmissão das emoções at~~:sPl~~essa ~enética, quer pela

Os acontecimentos ex. geraçoes. mento do indivíduo cria!en7~~tados durante o desenvolvi­festam em resposta a uma aPtO I °les :-eaccionais que se mani-r·' . es Imu açao do t É lencla anterior que det . con exto. a expe-

ermma a reacção presente.

109

, , termos de estimulação-Torna-se difícil raclOCl~ar em 'dam a pepsar que um

d ruma1s nos conV1 , d ' . -resposta, quan o os a uma resposta, porque o m 1V1-acontecimento presente provoca to formador durante o pas­duo conheceu um outro acont,~c1mesnte um para-si entre os ratos,

' 'fi d'zer que Ja eX1 ' d sado, Isto Slgru ca 1 " «Tudo isso e passa o .. , que desclassifica aqueles que dlZelm,

o lh só faz ma .. ,» de nada serve vascu ar .. " I ue permite enfraquecer esta

A manipulação ex~enm,entaa ~ntre ratazanas18, Uma po­atitude intelectual fm reahzad or mães não tensas fam1-pulação de ratinhos traz1do,s p dias Para isso, bastou colo­liarizou-se a partir dos p~lme1ro: dos 'os dias, dentro de uma Cá-los durante alguns mmutos o de um obJ'ecto familiar,

' - a presença caixa de exploraçao n nifestarão comportamen-

'd estes ratos ma b'l'd d Durante toda a V1 a, , 'd de (pouca imo 11 a e , ' ma fraca emobV1 a d'

tos explora tonos e u sobressaltos, poucas 1ar-receosa, poucos tremores, poucos

reias emotivas), d ma linhagem foi isolado, de ratos ames 'd Um outro grupo d' Durante toda a V1 a,

d do ao quarto la, precocemente, o segun d a situação nova, estes ratos na presença de um objecto ou t ~~~tos exploratórios e fortes manifestarão fracos compor a

índices de emotividade, e uipamento genético que e~-Há animais com o mes:n

0 q reac ões comportamenta1s

primem atitudes explorat~~last e rec~ce impregnou neles diferentes, porque, o ,~m l~n e Js ratos estabilizados pela a tidões emocionals dl eren es, __ o mais difíceis de ate­aPquisiÇãO da familiaridade tornlard-s: aprecoces manifestarão,

o que os 1S0 a o 'n-morizar, ao pass "s diarreias emobvas, co mais tarde, sobressaltos emoclO:~~o ruído e um medo da vulsões desencadeadas pelo m

socialização, _ ue conjugam o equipamento Por todas estas razoes, q ' t' e o encontro com um

ld m eplgene lca genético, ~ ,mo. age h' nos e observa-se, regularmente, em objecto pnvlleglado, a lp

R DANTZER, Les Émo-Le Névroses expérimentales, 1966, e . 18 J COSNIER, 5 8 " P' PUF Que sais-je?, 198 , tlOns, ans, I

110

meio natural. Pode considerar-se que as variações de um organismo criam sensibilidades variáveis às estimulações do meio ambiente, Um gato, embotado pelo conforto humano, levanta-se, de vez em quando, e parte à procura de estimu­lação, Tudo o que rolar, saltar ou mexer desencadeia, então, o jogo de ataque: um pano que esvoaça,. uma rolha que rola, bastarão para desencadear «rixa», Ao passo que as mesmas estimulações no regresso da caça não provocarão qualquer resposta emocional.

Estas variações de captura são particularmente claras no momento das paradas sexuais, Quando os patos se cruzam e se acompanham sem emoção, podem resolver facilmente os problemas de uma vida de pato, Mas, quando uma hormona sexual os motiva à sexualidade, tornam-se hipersensíveis à mínima percepção de forma e de cor, Capturados, então, por esta informação tornada demasiado estimulante para eles, nada mais sentem, Deixam-se agarrar por um cão ou esmagar por um automóvel, visto que, no seu mundo hipermotivado, só percebem o pescoço da pata ou a cor de um ordenamento das suas penas,

Estes monopólios sensoriais explicam a anestesia das rãs hipnotizadas, que podemos picar sem se mexerem, a insensi­bilidade das patas, que deixam arrancar as penas do pescoço, sem protestarem, por machos ardentemente mptivados, ou o espanto do jogador de râguebi, que descobre, nó duche, os hematomas que não~sentiu enquanto esteve metido na confusão,

No homem, a representação adianta-se à percepção, Um acidente doméstico permite defender esta ideia, Acontece que ., um homem, à noite; com vontade de beber vinho pela garrafa, se engane e agarre, em vez da garrafa de vinho, uma de lixívia, Ora, são precisos vários golos para dar conta do erro, A ideia de vinho diSsimulou a percepção cáustica da soda, Este acidente, que não é raro, explica por que razão as gar­rafas são diferentes actualmente, Também faz compreender por que razão a hipnose animal não é, de modo algum, a hip-nose humana, mesmo se existir um programa comum,

111

No animal, uma captura sensorial diminui o campo de percepções. Todos os outros canais de comunicação estão pos­tos de lado, não são estimulados, de tal modo o limite de estimulação se eleva devido à captura de um único sentido. No homem, esta captura pode fazer-se por uma ordem que utiliza a sensorialidade: «Fixe os meus olhos, concentre-se neste reflexo.» Por vezes, a captura é espontânea: fascínio por um incêndio, ou pelo horror de um acidente de viação. Porém, devido à existência de um mundo psicológico, as emoções mais cativantes são provocadas por representações verbais, teatrais ou artísticas.

A captura do campo de consciência pelas nossas palavras explica que, no homem, a palavra possui um poder hipnoti­zante superior às estimulações sensoriais. É pelas palavras que se agarra um homem. Se desejarem imobilizar uma pequena gaivota, tem de se gritar o alerta tal como fariam os pais. Porém, se pretendem imobilizar um homem, é preeiso mantê­-lo em suspenso pelos vossos relatos encantadores ou as vos­sas ordens atemorizadoras. A captura é fácil quando desejada. A hipnose não é um fenómeno estranho. Pelo contrário, é uma troca necessária e banal entre um organismo e determinados elementos do meio ambiente a que se tornou sensível e de que está ávido.

Entre os ruminantes, torcer-lhes o nariz imobiliza-os e cap­tura-os. Uma camponesa com cinquenta quilos domina, por este meio, um boi com trezentos. As leoas descobriram o mesmo truque. A mais rápida caçadora enfia as presas e as garras no traseiro da zebra que se debate enquanto outra leoa não lhe torcer o nariz. Nessa altura, imobiliza-se e deixa-se comer, viva, mal esperneando.

Todos os organismos são porosos. Só os mortos estão fechados e já não fazem trocas com o meio ambiente. É por isso que os animais ou os homens isolados acabam por perceber o próprio corpo como um objecto exterior. As situações de pri­vação sensorial revelam até que ponto qualquer ser vivo iso­lado procura estimular-se desesperadamente. Balança-se nas patas, passa a mão em frente dos olhos, fareja o seu próprio odor, lança gritos estereotipados ou deambula sem cessar, a

112

frn:, de criar uma sensação de vida . . razao qualquer informação s .' Esta aVIdez explIca por que pelo deserto mental os t' ensonal, ao passar nesse momento preencher o seu mU~do ca Iva pa:a sua enorme felicidade. Ao

. , a sensaçao de ser po 'd um sentImento de existên . SSUI o engendra A Cla. . palavra «sentimento» é

VIsto que se trata de uma e~ e~actamente, a que convém, presentação. Sensorial no an' o?a~ provocada por uma re­pela verbalidade O qu _ lIDa, e completada, no homem

. . e nao que d' . ' sejam sensíveis às nossas I r IZer que os arumais não Alguns animais selvagens ta avras. Antes pelo contrário. pelas nossas palavras ob' t Icam estupefactos, confundidos quais não possuem ~omJe~ ~s sensoriais estranhos perante os preciso falar aos elefante; e r arn;:,nto adaptado. Parece que é nós, mas não sei o que é aos, gre~ quando carregam sobre

O '. necessano dIZer-lhes s arumalS domésticos adora .

respondem-lhes, imediatamente m as nossas palavras e tos. Os gatos miam ' pelos seus comportamen_

pouco entre si e -contrapartida é assim que s d" nao ronronam. Em preenderam ~ue a articul : mgem aos homens, pois com-d' açao sonora é entre ' e comUrucação privilegiádo O _' nos, um canal verbais cujas sonoridade em; . s caes respondem às ordens sensorial ao qual sabem USlca percebem como um objecto DEITA ... VAI BUSCAR:' .»' adaptar as posturas: «SENTA ...

Esta passarela sensorial talvez t nh nhado um papel na domestica ã e a ~es~o desempe­pelas nossas formas cores ç o .. Esses arumalS, fascinados dar, tal como em e~tado de ~nondades, deixaram-se abor- ~ mundo os cativava O u e_ pnose, de tal modo o nosso cies vivas cuja eXi~tên~i: ~ao e o caso da maioria das espé-sabem evitar-nos. gnoramos mesmo, de tal modo

Algumas espécies são mais h' ". pois estão ávidas das nossas se IP~ol tdlzadvels do que outras, sã . h' nsona I a es Algu h . o maIS Ipnotizáveis do ue '. ns omens Impressão que lh q outros, pOIS gostam da

es provocamos palavras e a ideia que fazem d ,, ~om as nossas formas, nose teatral pois os t e nos. que talvez defina a hip-

. ' ac ores são dotados . sentIdos e a conseie' nc' d para catIvarem os la os ou tros.

113

o MEDO E A ANGÚSTIA, , OU A FELICIDADE DE SER POSSUIDO

anto que o possui, com toda a O hipnotizado sente um enc t' ois estar sob o encanto

ambivalência que esta palavra ~on ~:~: amoroso, quer o abuso ou ser possuído indica quer o a an

afectivo. . . _ sur e de repente, com um estalo O encanto enfeitiçador nao, ~ mo quando o sujeito des­

dos dedos, tal como nos, cab~res. tra:s im ressões para além das Perta e volta a ficar senslvel as oUun .p pregnado por aquilo

. t" dor permanece d oriundas do hipn~ Iza alinha desenfeitiçada abana-se, saco_ e que acaba de sentir. A g vI'da de galinha. O cao, t s de retomar a as penas e lava-se an e b d lhe falar afasta-se, com I h mem que aca a e , _ I fascinado pe o o h liberto da atracçao pe o nf 'ti' dor E o ornem, t Pena, do e el ça '. , . daquilo que o encan ou.

t' em SI a memona I 19 encantador, man em t nsiste em nos disso ver , A função do encantamen o co fundidos no . di' . a de estar-com, ,

em nos fazer sentir a . ~~~ deste modo, o sentimento de mundo de um outro, cna, or Para compreender . d tal como no am . existência, de plemtu e, t te com o sentimento de não-esta ideia, basta pensar.no

l con r~~ sensorial que obriga o indi­

-existência criado pelo ISO ~m~n o como um objecto do víduo a considerar o propno corP

t a' nele uma sensação de

. . contro SUSCI ar mundo extenor, <:UjO en b I m ruminando negros pen-vida. Os prisioneiros que deam

f lU a voz alta para ouvirem

. olados que a am em A •

samentos, ou os IS _ substituto de existencla. alguém, criam uma tal sen:aç~o, se confunde com a cor dos

Quando a pequena galvbo a 'to de uma outra para se . de perce er o gn .

rochedos, precIsou . d experimente um sentimento cataleptizar. Talvez em se?uI ~ ele de quem veio a pro­de bem-estar à simples vista aqu que se sente em se ser

I· estranho prazer . tecção. Isto exp lCa o d scobrindo que outros, mais . tir pequeno e . protegido, em se sen . tos na vida das gaivotas, fortes, zelam por nós. Os acontecunen ,

. 1 M rdaga, 1979, pp. 76-79. ET ÉtllOlo,"e et psychiatrze, Bruxe as, a 19 A. DEMAR, ó'

114

aperfeiçoam a categorização do mundo em objectos maus de que devem afastar-se e em objectos protectores a que se ligam. Estas categorias emocionais prosseguem e melhoram o proces­so de impressão que, desde o nível biológico,-começara este tra­balho de contraste. O processo de apego àquele que nos protege abre a percepção do mundo acrescentando_lhe uma moldagem sentimental: o bem-estar vem de um outro. Num mundo pri­vado de objecto de apego, qualquer informação toma o efeito de um medo e impede a acção coordenada. A Simples percepção de um familiar. protector cria uma categoria sentimental que dá um modo de uso da palavra: isto é um objecto a evitar, aquilo é um objecto a acompanhar.

Entre as gaivotas, o medo e o apego já funcionam em con­junto, tal como um par de opostos. O benefício adaptativo deste processo, é que a fusão da cria com as pedras do meio ambiente provoca a confusão das percepções do predador. Fundir-se no meio ambiente, na massa ou nos braços de um outro adquire um efeito tranquilizante para o sujeito ate­morizado e um valor de sobrevivência para a espécie. Este comportamento é regra no mundo vivo: os camaleões são os virtuosos do processo de fUSão-confusão protectora, mas também os louva-a-deus, as pequenas corças que se deitam assim que a mãe se afasta, e, finalmente, qualquer sen vivo que se confunda no seu contexto e que, ao desindividualizar_ -se, deixe de atrair o castigaMOs peixes compreenderam bem este processo, visto que entram em pânico assim que saem do banco e tranquilizam_se assim que regressam. E têm toda a razão, pois os predadores atacam menos os grupos do que os indivíduos. Num galinheiro, as raposas massacram qualquer galinha que se mexa, mas largam as poedeiras imóveis. O grande alcaravão, aterrado, confunde-se com os canaviais quando o medo o faz erguer o bico e seguir os movimentos do vent020. O toureiro abalado, imobilizado pelo medo, torna-se uma coisa não estimulante para o touro que desvia a agressão.

201bid.

115

'xima «para vivermos felizes, O mundo vivente conhece a mfa e e"";,;a do magma

d 'd Qualquer orma qu •• _, , vivamos escon lOS», , d' 'duo que saia da massa viva , ' Qualquer m IVI , terrestre atrai alfa , Q I uer ideia que saia do ronrom m-estimula os predado:es, ua q Idi oadores, Porém, quando telectual suscita a colera dos ama ~am na fila, toda a espécie todos os indivíduos se protegem e en te quando um indiví-

d ' d evolUir Inversamen , se adapta e elXa e 'f mas do ser vivo, corre um duo tenta a exploraçãoddefnoVliats °arevoluçãO do grupO, Todo o

, d' 'd I que po e aCl ar risco m I~I ua a Toda a inovação é anormal. , criador sal da norm .' , dá io e dizer-se: «para Vivermos

Poder-se-ia modificar o a g d' - de confundir feli-b t' d s» com a con lçao

felizes, vivamos su me I o " to de segurança afectuosa im-cidade e bem-estar, O sentlffien o faz viver no mundo

nimal pelo apego que .. ' d Pregnado num a d ' 'I strar-se pela expenenCla a utro po ena lU, I composto por um ~ u o de cordeiros é cnado pe as hipnose dos cordeiros: ,um ~ado a «madrastas», Estes desen­mães, enquanto outro e co tacto com as mães de substitUl­volvem-se correctamente em con s profundo, É preciso

I s um apego meno , ção mas tecem com e a 'd 'o'ti'co das mães adoptivas

, d ' o líqUl o amru , fi salpicar os cor elfOS ,com rdeiros aceites como verdadelfos -para lhes fazer :,entir os C? bastam para desenvolver os adop­lhos, As interacçoes educativas _ menos numerosOs, os afas­tados, mas os contactos afectuosos sao matemos menos rápidos, tamentos mais frequentes e os soc~rr~~ pelas mães verdadeiras

Na idade adulta, o grupo cna rupo dos cordeiros 'hi t'zável do que o g , 'd tornou-se mais pno I _ a seguir é menos rapl a

d t s21 A reacçao criados por ma ras a, dem aos gritos após um tempo entre os adoptados, que respon

de latência, e se i~tegra:;:~~~ fa:~~~preender que a inte-Esta observaçao exp f 'I't harmonia do grupO

, d' 'd s que aCl I a a gração dos ln IVI uo b ' ão adquirida durante a depende da aptidão para a su mlss ,

infância,

" b 'l'ty Difference in Suscep-5 A STEY «Tome lmmo 11 . ,

21 A. V. MOORE, M . . M I al Sheep and Goats), in SCU!f1ce, tibility 01 Experimental and Norm n,o 135, 1962, pp, 729-730,

116

A não integração dos indivíduos desorganiza o funcio­namento do grupo, Porém, uma integração demasiado boa constrói um grupo estereotipado, Talvez uma integração im­parcial fosse perfeita? Ao dar lugar a indivíduos mal adaptados, insubmissos, portanto aptos a provocarem determinadas mu­danças, constitui uma reserva de potenciais evoÍutivos, O que implica um conflito benéfico entre o grupo que deseja a estabi­lidade e os insubmissos que precisam de mudança, Apesar de mudança não significar progresso, nem sequer adaptação, A ruína de um grupo também é uma mudança, por vezes atribuível a uma inovação,

Os submissos, felizes e tranquilos dentro de um grupo sem inovações, opõem-se aos insubmissos irúelizes e ansiosos dentro de um grupo em mudança, Os submissos são angustiados pelos insubmissos que lhes destroem o equilíbrio ronronante colo­cando problemas que não querem, Ao passo que os insubmissos são angustiados pelos submissos que os obrigam a uma vida receosa,

O conflito passa a ser uma força benéfica que permite aos indivíduos adaptarem o grupo ao seu meio, evitando os malefí­cios extremàs da desintegração dos insubmissos ou da petrifi­cação dos submissos,

A angústia torna-se, assim, um motor da evolução! Este raciocínio aplica-se quer aos animais quer aos homens

que, todavia, vivem em !JWI1dos diferentes, Porém, vivem, O programa comum da vida torna, progressivamente, formas diferenciadas sob o efeito da constituição das espécies, Este processo implica um pensamento simultaneamente comum e diferenciador, Comum: todos os seres vivos categorizam o seu , enfeitiçamento num par de opostos, o horror e o amor, que pro­vocam, ambos, a captura, São inteiramente tornados pelo outro que os atemoriza ou os encanta, Diferenciador: os animais vi­vem mais no bem-estar tranquilizante, ao passo que os seres humanos vivem mais no mundo da angústia despercebida que os leva a inventarem representações tranquilizantes,

Quando se comparam as espécies colocando-lhes a questão do medo e da angústia, emerge, progressivamente, uma resposta,

117

o medo é uma emoção de base que diz respeito a todo o ser vivo, mesmo muito simples. Para qualquer organismo, existe no mundo percebido, dito real, um objecto preciso cujo gabari22 desencadeia uma emoção de medo. O gabari, termo de marinha, permite dizer que existe no real uma forma que se encaixa tão perfeitamente no que está em nós que pode, sem qualquer aprendizagem, desen­cadear uma emoção de medo ou de prazer. O gabari sensorial, modelo que permite reproduzir peças de maneira idêntica, pro­voca, assim que é percebido, uma modificação fisiológica que ori­gina a resposta comportamental adaptada, sempre a mesma23.

O determinismo do medo, que funciona tal como uma chave dentro da fechadura, não impede a lenta aquisição do receio que necessita de uma memória dos acontecimentos impregnados no organismo. O ser vivo pode, então, atribuir ao que percebe um sentimento de receio, intermédio entre o medo e a angústia. A palavra, ao criar um mundo não percebido, acrescenta aos medos naturais e ao receio impregnado na memória a angústia provocada pela representação de um despercebido.

O homem, graças à complexidade do sistema nervoso que lhe permite imaginar percepções que não existem, graças à lentidão do seu desenvolvimento que prolonga as aprendiza­gens, e graças ao mundo dos seus relatos, pertence à espécie mais dotada para conhecer o medo, o alerta, o receio, a inquie­tação, a angústia, o susto, o pavor, o assombro, o espanto, o pânico e o terror ... todo esse vocabulário infinito que revela até que ponto estamos habitados por este problema24.

Quando os sistemas nervosos são simples, a angústia não pode existir, visto que a informação que atemoriza se situa dentro de um contexto perceptível. Observam-se, facilmente, alertas senso­riais em organismos sem cérebro, tal como entre as lesmas do mar,

22 R. JAISSON, Ln. Fallrm; et le sociobiologiste, op. cito 23 J. COSNIER, Psychologie des émotions et des senti111ents, Paris, Retz, 1994

pp. 121-129. 24 B. CYRULNlK, «Ethology of Anxiety in Phylogeny and Antogeny», j"

L. JUDO e H. AKISKAL, Simposium lnternational San Diego, Calif6rnia, Genernlized Anxieh;: from Sciel1ce to Practice, 1995.

118

em queum simples cruzamento de v' . . . os movunentos do corpo E tr rnte mil neuroruos comanda

b . n easaranhas e -cere ral basta para resolver os bl ,m que um ganglio que cada segmento do co . pro emas, entre os insectos, em o objecto sensorial que d:;~n~~~:anda~o pe~o próprio gânglio, gabari muito simples um t ia a Si eraçao de medo é um

, oque na teia ou 'b-Quando o cérebro se com I " uma Vi raçao no solo.

de ser aprendidos para d p edXiftca, os gabaris não precisam . . esenca ear o medo P d . I prntainho assim que na . . o e ISO ar-se um

lh sce para o unped ' d e teriam permitido ap d ir e ver modelos que ren er o que faz d B sar uma sombra com um t- . me o. asta fazer pas-

. car ao por cuna d b car, imediatamente um d b a ca eça para provo-desenfreada. ' esa amento cataléptico ou uma fuga

A água é um gabari sensorial t cos que nunca viram ser entes e q~e a ast.a os gatos. Os maca­ou atacam-na com um P nutem gritos de terror, fogem objecto articulado em m Pd

au, mE esmo quando se trata de um

, a eua ofogod . tamento de todos os arum' . . esorgaruza o compor-aiS que nunca . mentar a queimadura p preCisaram de experi-A' ara aprenderem a fugir

premissa sensorial do medo f ' . tal como um encontro q d unClOna sem aprendizagem

ue esencadeia um - ' portamento correspondente. . a emoçao e o com-Já não é o caso do medo ue .

durante o desenvolvimento Mq 't se impregna num orga!Úsmo - . Ui o cedo no mu d . cepçao de determinados ó!J" t n o ViVO, a per-

emoção de medo ou de tr ~ec os pode conotar-se de uma desenvolvimento As rata acçao ~ue depende das condições de

. azanas tem med d porque os adultos emitem f o as aves predadoras percebem. E, todavia as rataeromonas de alerta assim que os aves, ao passo que as ~atazana:anas s_uecas atacam e comem as Os ratos dos esgotos ale _ alemas contrnuam a ter med025.

. . maes possuem o m . genehco dos ratos dos esgoto esmo eqUipamento que há alguns séculos uma s/uecos, mas pode imaginar-se uma ave, demonstrando . ra azana marginal tenha comido

, assun, aos suecos que isto era possível.

25 F. STEI~GER, «Zur Soziologie und Sons ti en' . Zoo/aglsehe Tierpsyeha/agie, n .• 7 1950 g BlOlogle der Wanderotte»,

, , pp. 356-379.

119

Os macacos japoneses aproximam-se dos fogos porque viram os homens aquecerem-se junto deles, ao passo que os macacos indianos continuam a ter medo.

Os escaravelhos e os pintainhos estão submetidos ao gabari que desencadeia o seu medo; passa ou não passa. Porém, as ratazanas e os macacos podem atribuir à percepção de um mesmo objecto um sentimento de receio ou de prazer. É este o contexto que, durante o desenvolvimento de um indivíduo ou de um dos antepassados, impregnou na sua memória uma emoção diferente perante o mesmo objecto percebido.

O fenómeno da impressão permite manipular, experimen­talmente, esta observação naturalista26: assim que nascem, iso­lam-se pintainhos dentro de caixas separadas. Um deles é colo­cado, de hora a hora, num corredor onde circula um engodo em celulóide. Constata-se que: da hora zero à décima terceira, quase nenhum pintainho segue a falsificação, ao passo que da décima terceira hora à décima sétima, noventa por cento agarram-se-lhe sejam quais forem a velocidade e a direcção. A partir da décima sétima hora, o comportamento de seguimento toma-se, de novo, aleatório. O que permite compreender que entre a décima ter­ceira e a décima sétima horas qualquer pintainho pode apegar­-se a todo o objecto que passe no seu campo visual. Este perío­do sensível é determinado por um pico de síntese do acetil­-colinesterase, ponto de referência enzimático da memória biológica27•

Ora, assim que um animal é impregnado, o mundo perce­bido é categorizado: por um lado, em mundo familiar onde qualquer objecto evoca um sentimento de segurança que per­mite a continuação dos seus desenvolvimentos; por outro, em mundo estranho onde qualquer objecto desencadeia reacções de alerta. O animal em meio estranho desorganiza os compor­tamentos de sobrevivência, deixa de dormir, de comer, sofre

26 B. CYRULNIK, Empreil1tes, sexlialité et créatio1Z, Paris, L'Hannattan, 1995, pp. 11-44.

27 G. CHAPOUTHIER, «Des molécules pour la mémorie», in La RechercJre, n." 192, 1987.

120

de perturbações esfinctéricas e " Num mundo não familiar n- . Ja nada consegue aprender. quer informação se torna ~ aOlunpregnado na memória, qual­os comportamentos que o ~ ~ erta e desorganizã de tal modo

. A patologia comporta~~n~~te passa a se: previsível. objecto externo (sem nunc t aSSIm marupulada por um 'd . d a ocar no aním I) . I ela e que se pode enraizar a _ permIte propor a desenvolvimento do org . uma perturbaçao, por um lado no

arusmo torn d . ' ma do» e, por outro numa rei _' an o-o assun «malfor-, açao com o mund . d que um organismo são sofr o ma equada em

lhe convém. e porque não funciona no meio que

Em condições naturais ou ex' . var uma patologia tal com . penmentalS, não é raro obser-animal tornado adulto cor~': :press~~ aberrante, quando o nado, ao passo que larga ~ fê!uardlao ~ ~ue está impreg­A ontogénese participa na intensid e~ per~ssIVa _a seu lado. mento sensorial, antes do eríodo a e d~ unpressao: um isola­dade da impressão a ponto d senslvel, reforça a intensi­Ao passo que um excesso ~:rov~JCar um híperapego ansioso. sensível, dilui a impres - estimulação, antes do período

d sao a ponto de o . I na o, se apegar a um b' t anuna , mal impreg-o jec o qualque d' . . apego protector da mãe U . r, Immumdo assim o sensível do quarto ao sétim~ ::::caco, ,Isolado durante o período VIda pelas emoções So . l' ~,,~era submerso durante toda a

. Cla lZar-se-a mal ti ' mações como uma agressão at d e sen ra todas as infor-

U . " erra ora2B m mdlvlduo mal impre ad . .

onde tudo o agride, ao pas~ ~/~e num ~undo incoerente unpregnado vive num mund qt . m orgarusmo claramente

o ca egorlZado n:'entos opostos: os objectos tran iliz por um par de senti-Clonam em associação com os ob' qu .antes que atraem fun­tam. O animal possui e t- jectos mqUIetantes que o rej'ei-b· , n ao, uma percepç- .

o Jectos e um código de acç"d ao emOCIonal clara dos Não é raro que um' d' a?d eVI ente sobre o seu mundo

ln IVI uo - . . turbação da sua rela - sao seja alterado por uma per

çao com o mund P d -o. o e observar-se isto

28 F. DoR~, L'Apprentissnge _ Ulle n r I Paris, Stankê _ Maloine, 1983. pp oe Ie psyeho-éthologiqlle, Montréal _

121

facilmente, passeando num jardim zoológico onde se vêem ani­mais capturados sãos, provavelmente bem desenvolvidos em meio natural, e que adoeceram devido à situação de encarcera­mento. As pressões espaciais, o transporte cego e a dessocializa­ção levam-nos a efectuarem estereótipos comportamentais, chegando a gastar a almofada das patas, a ferir o focinho contra as grades, ou a experimentar doenças de stress (úlcera, diabetes, hipertensão, dermatites).

Existe uma situação experimental que permite verificar a ideia de que um ser vivo só pode desenvolver-se num mundo com o qual se tenha familiarizado durante a infância: um pin­tainho numa gaiola onde se dispuseram os objectos de impressão, cubo ou berlinde de aço, desenvolve-se bem e leva a vida de pintainho médio. Basta retira os objectos de impressão para provocar, imediatamente, graves perturbações. O pintai­nho corre em todos os sentidos, fere-se, deixa de dormir, de comer, de beber, sofre de diarreias emocionais e já nada pode aprender. Basta voltar a colocar os objectos para que o pintainho se acalme imediatamente e recomece as aprendizagens, tal como se pensasse: «Tenho os meus pontos de referência à minha volta. Sei que posso debicar em redor deste berlinde, explorar à distância este cubo ou, em caso de alerta, enroscar-me nesta anfractuosidade entre os meus dois pontos de referência.» O mundo sensorial percebido só é coerente para o pintainho porque na sua memória está traçada uma informação: o perce­bido começa a infiltrar-se de despercebido quando o percebido actual é impregnado de percebido passado.

Enquanto se viver no mundo do percebido, a captura senso­rial que monopoliza as nossas acções cria emoções governáveis, visto que se imobiliza quando se é um escaravelho e que se corre atrás de uma pata para lhe picar o pescoço quando se é um pato motivado. Em certa medida, sabe-se o que fazer. A acção for­nece uma solução, uma conduta a ter que apazigua a emoção.

Não é este o caso quando se é homem e as nossas palavras nos levam para o mundo do despercebido. O objecto de impressão, que, ao princípio, foi um odor, um rosto, uma vocali­dade ou um lugar, torna-se subitamente, cerca do terceiro ano, uma série verbal que nos marca para sempre. Ao dizerem: «Este

122

é o teu tio», as mães im de p É pregnam na cri arentesco. « s a minh . ança uma representa -rada» d' a porcanazinh' çao

, Izem as mães de Ind' . a, a minha pedra ado deste modo, na crian a Ianos mtocáveís29, que im re -sentação de si que ela çac=~ Idenhdade cultural e u!a ~p~

A ONTÇ>GÉNESE NÃO É A HISTÓRIA

Esta segunda natureza do ho ontogénese e a historicidade mem convida-nos a distinguir a

Na ontogénese da an ú~tia h ~o~ verificados durante ~ desen~n;a~a, alguns acontecimen_

eIxar vestígios emocionais o VImento do bebé podem -E~quanto que a historicidade, ~u;a ~~n~a serã? representados. pa avra, um gesto ou se'a o u r Ir o terceIro ano, por Uma acordo para fazer sinal lnUd; e

t for, VIsto que basta estar de

~parelcer recordações q~e const~ó;:amenl to das emoções e faz a cu tura. o re ato de si, da família e

A epigénese começa muito um embrião se desenvolve e antes do nascimento, assim que trução, intervêm um ar uitect;ue, em c:a~a etapa da Sua cons-

Durante as últ;~ q e matenaIs diferentes . I u .. as semanas d . d .

sa :a-se com os ruídos intensos a ~' a aquática, o feto sobres-facilmente transmitidas elo cor cUjas ~aixas frequências são as tltas frequências. Os ~dícios bO ~a. mae que não filtra senão pe a mOnitorização e a ecogr f '~ SICOS, os registos habituais :;ãe .f~Ia, as ~aixas frequências ~:avo:monstra~ que, quando. a mruOhco, vem vibrar contra a b ' transrrutidas pelo líquido

estimulação táctil prOVOca uma a oca e a: mãos do bebé. Esta resposta motora exploratória A . celeraçao do coração e uma (cordão ou polegar) e chucha' sa~nança agarra tudo o que flutua dIas, quatro a cinco litros de íí .~reando, ,d.este modo, todos os

qUI o amruotico da mãe30

29 D. PAWAR M . ,_ 30 ' fi Vle d I11toucJlable p -

]. P. LECANVET, C. GRA ,arIs, La Découverte 1990 sorieIs dE· NlER-DEFERRE, B. ScHA ' .

U <I'tus», ln Introductiol1 à ln psychintri AfiL, «Les s~stêmes sen­e celale, ParIs, ESF, 1992.

123

assim catorze itens f' t descreveram, , , s Alguns ecogra IS as tal's' voltar a cabeça, piscar o

A' mportamen , õem (breves sequenclas co dar de postura .. ,) que comp olhos, estender um braço';;~_uterinOS31, em respost~ a um perfis comportamentais cepção externa mediatizada estímulo endóge~o ~ a ~~:s ~:terno provoca, instantanea-

elo corpo da mae, m S mental do feto tal como o ~ente, uma resposta compor~a ou uma breve agitaçã032, soluço, a aceleraç,ão do cO::;;aofase do desenvolvimento do É importante precisar qu~" b'ológica não ultrapassa alguns

a memona I , d ressa do sistema nervoso, b b' se acalma mais ep ' utos de ta mo I do que o e e mm , f' I que a mae, , 'a ode-se IS m , - d' t' guir no ma De uma maneira esquematlc , Pd' dois temperamentos

d Pnmeuos las, , t da gravidez e des e os . trada» e os «caseiros» m, ra-«que se fazem a es , 'mo rUldo, diferentes, os d sobressaltam-se ao mmI ,_ d

-uterinos, Os da estra a ão erdem uma ocasla? ' e esperneiam, muda~ ~;!~::~~o~ ~s !aseiros, pelo contr~~~ explorar o mundo m ltam-se lentamente e exploram sobressaltam-se pouco, ':0 ,

a onta dos dedos o habllal utermo~enos temperamentos caem p No dia do nascimento, estes pe

bq interpreta de acordo

I osperce eeos ,_ , sob o olhar daq~e e, q~e, Esta frase carece de duas precls~es, com a sua própna histona>; arriscaria tornar-se numa ,t~ans or­a palavra «temperamento 'sse que o avanço genetlco, mal mação do inato, se nã~ se prec~~tes do meio ambiente, Quando esboçado, sofre presso~s mOlsdcl' do percorreu uma boa partedda

d o recem-na grama as vem ao mun o, 47 divisões celulares pro . ontogénese, visto que das, roduziram no útero, Quanto a

I fusão dos gâmetas 40 Ja se p ti'do musical do termo Pe a ga-se no sen ' terpreta» empre palavra «m , ~

em vez de psicanalltlco,

1 . Le Fretlls et S0115 .. 1 ia e vita menta e), ln 31 M, MANOA, «Neuroftslo ~g H iene, 1989, 'A-

flllol/rage, Genebr:;:~'~~~~:r:~hi~~ en trois dimensions\~~:., N 32 R. GOMBERGH, «F ,r. I? Centre Georges-Devereux, D'all viennent Ies en;an S . , THAN,

124

Inúmeras observações permitem defender esta atitude, Mary Ainsworth, uma das pioneiras da etologia c1ínica

33,

cronometrara, simplesmente, a duração dos choros dos recém­-nascidos, Constatara que, a partir do primeiro dia, alguns bebés choram durante três minutos por hora e outros vinte minutos, Ao repetir as cronometragens a intervalos regulares, traçara curvas de choros que, em relação a todos os bebés, caíam no segundo trimestre e voltavam a subir a partir do oi­tavo mês, como se um programa de choros se desenrolasse independentemente do meio ambiente, Mais tarde, introduziu uma variável importante: o socorro precoce, intervalo de tempo entre a emissão do choro e a carícia da mãe, A introdução desta variável demonstrava que os bebés que aumentam menos os choros durante o terceiro trimestre são aqueles que foram Socorridos mais rapidamente durante as interacções precoces,

Esta manipulação experimental coloca importantes proble­mas de fundo: desde os primeiros dias, qualquer recém-nascido exprime um repertório de choros que caracteriza o início de pes­soa (o grito Soa através dele), O Socorro matemo depende da sua emotividade, da sua própria personalidade, do que ela pensa que uma mãe deve fazer quando o bebé chora e do quEC a sua cultura diz sobre os choros de um bebé,

A emotividade é um deterntinante instável do socorro, A mãe pode socorrer o bebé rapidamente quando, feliz e dispo­nível, sente prazer em pegar-lhe ao colo, Pelo contrário, pode não o SOCorrer quando, triste com o marido ou esgotada pelas condições de trabalho, os choros do bebé a exasperam,

O socorro compreende, mais frequentemente, um determi­nante histórico enraizado na infância da mãe, quando prometeu a si mesma «consagrar-se ao filho porque ela mesma foi aban­donada e não quer que ele conheça o que ela conheceu» ou, pelo contrário, quando decide não responder porque «não quer fazer dele um tirano doméstico»,

33 M, AINSWORTH, S, M, BEll, O, J, STAYTON, «L'attachement de l'enfant à sa mere», in lA Recherche en éthologie, Paris, Le Seuil, 1979.

125

A sua cultura também lhe diz o que é preciso fazer: é por isso que são necessários cinco a dez segundos para que uma mãe bosquímana acaricie o bebé depois do primeiro choro, en­quanto que uma mãe ocidental responde entre cinco a trinta mi­nutoS34. Este determinante cultural explica as enormes va­riações do socorro. Em França, não há muito tempo que inú­meros médicos afirmavam ser preciso deixar chorar os bebés para não os tornar caprichosoS. Esta prescrição comportamental enraizava-se num preconceito e não numa reflexão clínica ou

experimental. Todos estes determinantes se conjugam para criar em redor do recém-nascido o banho sensorial que governará a conti­nuação dos seus desenvolvimentos. No conjunto, sabe-se, actual­mente, que uma ausência de socorro cria uma carência sensorial que provoca uma agitação ansiosa. Porém, também se com­preende que um socorro sistematicamente demasiado rápido impede o bebé de inventar o objecto transicional, o ursinho ou o pano simbólico que lhe permite tornar-se actor do seu desen-

volvimento. Sem esquecer que uma causa pode originar dificilmente, só por si, um efeito durável. É uma harmonia de determinantes que molda um desenvolvimento. Um bebé com temperamento chorão que encontra uma mãe cuja história formou nela o desejo de ser dedicada não precisará de inventar o objecto transicional, visto que terá sempre a mãe junto de si. Ao passo que um bebé tranquilo que conhece uma mãe activa, se desenvencilhará

muito bem com o ursinhO. De facto, dado que a memória biológica aumenta com o

desenvolvimento do sistema nervoso, é difícil defender que uma interacção precoce provoque um efeito durável, excepto se originar uma deterioração neurológica importante. É mais cor­recto pensar que os efeitos persistem, se a causa da alteração se mantiver, ou se se instaurar um meio ambiente que perturbe os desenvolvimentos. As convicções individuais familiares e,

34 B. ZEl, «Au commencement était le cri»), in Le Temps strntégique,

Outubro de 1995, pp. 96-107.

126

sobretudo I . , cu turaIS const ' d' ,roeme d eIrOS tutores de desenvolvimen~o m re or da criança, verda-. O exemplo histórico mais cl' que ?overnam o seu destino

cnanças nascidas fora do casa asslco e o dos bastardos, essa~ porque se pensava que as cir:~n!?, a. quem chamavam assim nav~ conflituosas. De facto era s an~,as da concepção as tor­dUZIa o comportamento qu~ ~ propno preconceito que in pal~vr~s, encorajavam-nos t;e~la. Os adultos, pelas atitudes ~ mstitUlções parà ensinar essas u .a, sem contar que construíam tar em direcção aos ofl" d cnanças a lutar a fim de as o . CIOS a g p' nen-no real que estes bastardos tinhauerra. odIa-se, pois, observar paravam de lutar Nin u' m o nome certo, visto ue -~o~ que moldara, destegm~~op~nsava que era o olhar d;s a;~~ 1 os de corruptos ' comportamento lutador d A' esses

. sua condição legal era todav' adulterinos, nascidos de in~ la, melhor do que a dos filhos fnam taIS discriminações estos ou de sacerdotes. Porém s s~ciedade . Até ao século x~ue _eram atirados para a marge~ ;~ = o seu nascimento ou b~;~~~~ to:avam os sinos para anun-

am de. ficar na sacristia35. ' nao entravam nas igrejas e

.0 sentimento de si era im re SOCIal: "OS bastardos [ ] _ p gnado na criança pelo di 'd d ... sao prod - d scurso qUi a e. Os pais forma uçao o vício e filhos d . . conc _ [ m-nos~as treva a Iru­

epçao ... ]. Falando clarament _ s e as mães escondem a maneIra que a nature e, sao excrementos da d r za os expul ' mesma

e, IXO e de porcaria: não têm ne~ane empurra para fora, centro e e p036r ISSO que não se podem ad orne, nem raça, nem farrulia mos.» rrutir no número d ' . os proxI-

Quando um adulto pensa que . comporta-se com ela tal corno se ~ma cnança é um excremento mento. A criança sente-se olhad eve fazer perante um excre~ compr d a corno u . een e que a sua simples ma COIsa repugnante e presença sUJ'aria urna' . Igreja.

35A VAN G M. CAP ENNEP, Manllel de lolklore lran a· 36 J UL, Abandol1 et marginalit ; T ç 15 comptempornín t 1, ,'"

. DueRos R'fI . e, oulouse P . ' . M ',e eXlOlIS singllliéres ,', rIvat, 1989, p. 115, . CAPUl, lbid., p. 115. 5ur I anClel1ne coutwne d'Agel1, in

127

Não é necessário falar para que uma criança saiba como o adulto a sente. Esta representação das representações do outro impregna na criança um sentimento de vergonha, tal como se dissesse: «Compreendo que pense que sou um excremento e tenho vergonha disso». Esta representação impregnada pelo olhar do adulto suscita uma emoção que a criança exprime por um comportamento.

Tivemos ocasião de observar em situação naturalista37 cerca de cinquenta crianças confiadas a uma ama que as recebia em casa38. Dentro desta pequena população, havia três categorias de crianças: os três filhos da ama; cerca de 20 crianças entregues de manhã, tal como na creche, e que saíam à noite; e cerca de 30 com idades entre os 4 e os 10 anos, todas abandonadas nos primeiros anos de vida e internadas nesta casa.

A observação etológica comparava os inevitáveis momentos de separação e de reencontro das crianças familiarizadas e das crianças abandonadas.

Servimo-nos dos itens39 habituais para caracterizar o perfil comportamental4ü: os gestos orientados para os outros (sorrisos, palavras, olhares); os contactos mediatizados por um objecto que a criança agarra ou estende a um adulto; e os comporta­mentos centrados em si (deitar-se enrolado, pôr a mão em frente da boca, esfregar o nariz com um pano familiar, olhar para os pés, torcer as mãos e qualquer outra forma de autocontacto) . Justapondo estes comportamentos, vimos aparecer um dia­grama evocador. No conjunto, as crianças que tinham sido abandonadas precocemente manifestavam, durante as separa-

37 Uma situação naturalista teria existido mesmo se não a tivéssemos obser­vado, ao passo que uma situação experimental 56 pode existir se o observa­dor a construir.

38 B. CYRULNIK, «Éthologie de l'angoisse», Synopse, Outubro de 1989, pp. 49-53. 39 Item: sequência comportamental de que a convenção do início e do fim,

dentro de um dado contexto, preserva a função: sorrir, apertar contra si, balançar-se ...

40 P. J. M. GARRICUES, «Fluctuations comparées de l'activité motrice chez des enfants normaux et des enfants arriérés placés en situation de jew>, in H. MONTAGNER, Les Rylhmes de l'enfiml el de l'odoleseenl, Paris, Stock, 1983.

128

ções, um perfil comportamental . . familiarizadas. Orienta mUlto diferente do das crianças d· - , vam menos o • ~

Irecçao as outras crianças e .~ s comporramentos em tos autocentrados A at·tud mam estavam mais comportamen

. . I ecomport 1 . --se aSSIm: quando um. . amenta podena resumir_ . . a cnança fOI b d prImeIros anos de vida a . _ a an onada durante os

gio emocional que se' pn~afçao afectiva deixa nela um vestí-. .,. . mam estará m · t d mevItavels separações da vida u . . aIs ar e, durante as para se concentrar em si m q OtidIana, por uma tendência SOcializar menos. esma, para se periferizar e para se

Contudo, trata-se apenas de _ .

Évezes durável, mas reversível taluma tendencla adquirida, por

o ' como um v ti· pensamento do adulto qu fi es glO emocional Qu d· e xa o comport .. an o OUVImos: «Estas crian as _ amento da cnança. brutais, selvagens. São maus. Po~ :eao monstros, mal educadas, quando temos tanta dificuld d q querem que tratemos delas lhos?», estas frases, ao cons:at:r:: educar os nossos próprios fi: condenavam as crianças a d ~a verdade momentânea

uma essoClaliza - , ' , Samento colectivo que cria o q . çao perpetua. E o pen-

As crianças abando d ue a crIança observa. unh na as nos orfanat dR'

m am que o seu devir m d . os a Omenia teste-dade a~eita vê-las com outro: ~ ra~lca1mente quando a socie-

As mstit . - , -9 os . Ulçoes que pensaram

linquentes perdidos» adapt que estas crianças eram «de-resentação. Outras institu. ~ram os comportamentos a esta rep­fermeiros, administradore~Ç~~sia~~ contrário, educadores, en­dIsseram estas crianças A 'd. _Ias de acolhimento não mal-

. ma Icçao q d· Uma má visão, pensamento .' ue 12 o mal e exprime d . que ve o mal d . estmo das crianças A . , eIXOU de governar o . SSIm que exp . no olhar dos outros sentO erImentaram uma mudança . , Iram-se melho mlr-se de maneira diferente. As transfo r e afrenderam a expri­ulares. A maior parte ad . . nnaçoes foram espectac­Comportamental de sOcia:k~~' em pOucas semanas, um perfil zado por palavras, objectos gZ~~ centra~o nos outros, media ti­revelarem mesmo um g , d IS e sorrISOS, a ponto de algumas

ran e ta ento relacional.

411.-8 ANO o . RO, es enfanls sans "is loire Film ADR P .

. , roductíons, Paris, 1995.

129

o mistério está aqui. Por que razão nem todas as crianças alteradas reagiram da mesma maneira à mudança de olhar? Por que razão algumas aproveitaram, mesmo, para desabrochar a toda a velocidade e talvez até, por contraste, para utilizar a pri­vação passada a fim de sentirem urna embriaguez, urna delícia relacional que as crianças familiarizadas, rotinizadas, acabam por deixar de sentir? Por que razão outras sofreram com a aber­tura ao mundo e a socialização foi tão dolorosa? É evidente que progrediram, mas mantendo no fundo de si mesmas uma tendência para se retraírem ao mínimo contacto, para sentirem o mundo como uma agressão e para se defenderem contra este sentimento inventando racionalizações mórbidas para dar urna forma verbal à sensação. «Morava ali ... reconheço a minha casa vermelha», afirmava um jovem que não deixava de repetir a ati­tude da rejeição desde que saíra do «Camin Spital», onde fora recolhido quando era bebé. Também dizia: «A minha mãe era maravilhosa - era cigana - reconheço o sítio. Se encontrar a minha mãe, mato-a.» Porém, a intensidade emocional era ape­nas a repetição da cena do abandono, seja qual for o local, seja qual for o encontro.

A maior parte das vezes, os carenciados precoces mantêm em si vestígios emocionais e somatizações emotivas desprovi­das de representações. As pessoas que, durante toda a vida, sofrem de colites ao mínimo acontecimento foram, frequente­mente, isoladas, por razões por vezes necessárias, durante os primeiros meses da existência42. Os bebés mericistas, que fazem subir o bolo alimentar assim que ficam sós e o ruminam a ponto de se desidratarem ou de queimarem o esófago com o ácido clorídrico do estômago, ilustram esta ideia. Mais tarde, tornar­-se-ão adultos embarcados em deflagrações emocionais que não poderão controlar. Os que explodem ao mínimo amor, à mais banal frustração da vida quotidiana, foram, muitas vezes, bebés com uma voracidade incoercível seguida de regurgitações e de ruminações alimentares assim que ficavam sozinhos no berço. O que impressiona é que a maior parte dos bebés normais deixe

42 C. ROGER, Les Colites, Paris, Odile Jacob, 1992.

130

d~ ~omer quando é abandonada ' . . trano, apaziguam-se . Os bebes menclstas, pelo con-

, comem normalm t mento assim que são separados do m .en &e~etomam o cresci-t:m o mais pequeno isolamento com elO famIhar43. No lar, sen­tem urna. sensação de preenchim o urn vaZIO afectivo e man­que rummam, por vezes ate' , ento provocando regurgitações

Q I a morte. ua quer estimulação parent I '.

a refeição OU'a palav a qUOtIdIana tal corno o banho ra provoca na m' . d '

um apaziguamento ale ' aIOna os recém-nascidos, . gre, ao passo que '. emocIOnai noutros Esta _ . ongma um pânico

b . s sequenClas co o servar, colocam o probl mportamentais, fáceis de reacção emocional (apazigu:;:n~a o~au~a: urna ~iferença de temperamentos que desd ' paruco) sera atrIbuível a , e o ruvel biol ' . . ou a pressões do meio amb' t OgICO, senam diferentes - Ien e que desde ' . '

çoes, moldariam reacções dif ' as pnmelras interac-P erentes?

ara responder a esta er . clássico, estudar as variávei; Fct~ta, pode:-se-iam, tal como é nos manifestam mais pam-. . sexo ensma-nos que os meni-T . cos emocion . d

odavla, após o período sensfvel dos .als. o que as meninas. apaZIguam-se melhor e prImeIros anos, os rapazes mais até à adolescênci as raparigas amedrontam-se cada vez das condutas alirnenta:e~~.?due só ebl~s. sofrem de perturbações

. . ~ a esta ihdade d . permIte compreender qu . o melO ambiente - e urna cnança e t b'liz racçoes precoces adqu ' s a I ada pelas inte-

Ira urna emo' lid que os rapazinhos runun' t Clona ade mais estável e . . an es se apeguem I

maneIra mdiferenciada«" ' . a qua quer pessoa de , , ao contrano da '. d so se apazigua no banh . maIOna os bebés que

N o sensonal farnili f . o conjunto, o estudo d . ' . ar ornecldo pela mãe. d as vanavelS pre . b' va o, mas não explica _ CIsa o o jecto obser-

diferentes. que as reacçoes emocionais sejam tão

43 D. SfBERTIN-BLANC «Le . KINE M 50 ~ , . narusme Psychogene», iII S L PUF' . UL , Trate de Psychiatrie de /' ,r. . EBOVICI, R. DIAT-

, 1985, t. 11, p . 565 ell,allt et de /'ado/escellt, Paris 44 L. KREISLER "La clin' . ,

P J ' .' lque psychosomatiq d . syc llatrIe de l'enfant et de l'ad / ue u nournsson», in Traité de

o escent, t. 11, p . 702.

131

CÃES DE SUBSTITUIÇÃO E ESCOLHA DO NOME

,." am-se sobre que força circula Os etólogos mediCos mterrog der a<Yir sobre o outro e

. a ponto de um po o' t entre dois seres Vi;OS, . I P tentar responder a es a moldar o seu estilo emoclO~a. ~:ações clínicas, análogas a questão, proponho. es~dar. U~~aSium cão de substituição pode uma experimentaçao. . a ?r~e d~le tem o dono e, na segIfida, adoecer por causa da ideia q til comportamentais dife-

'd h anos com es os . d recém-nasci os um. .' t. es diferentes, enralZa as na tes evocam na mae mterpre aço

ren/". sua própria histona. . d bstituição só foi possível porque

A descoberta dos caes e su um' am e trabalhavam . lid d s diferentes se re

médicos de espeCla a e . e' dico dos animais e o . " ontinUOU a ser m 'ti'

juntos. O vetermano c s trocas de opiniões perrro -psiquiatra méd~co das a~:s~~~: que coloca o problema fun-ram fazer surgir uma no f tasmas45. damental da força matenal dos a~laramente, o que se passa

Os psicólogos descreveram, d um filho, não conse-. d pOiS da morte e f .

quando uma mae, e I d' de na urgência de um so n-guindo fazer o trabalho do uto, edci tinO 'ado a substituir o filho

nJ'ar outro, es mento extremo, arra . d um filho reparador, que os desaparecido. Não se trata, POiS, d= um nome diferente, que pais põem no mundo, a quem a~ssoa que deve vir a ser46•

amam e ameaçam pela pequena Y ue terá o mesmo nome do Trata-se de um filho de. subStitui~~~stian = Christinne), ,reve-morto, literal ou foneticamente. fantasmática que lhe e atri-

lha a missao , lando por esta escO , do morto e posto no , om as roupas ' . buída. Vestido, por vezes, c daquele que já não é. LudWig mundo a fim de ser amado em ve~ . da morte de um irmão van Beethoven, nascido um ano epoiS

L chien de remplacemenbl, in

C BEATA, « e 45 B CYRULNIK, A. ALAMEDA,· . d 1995 pp. 1021-1026.

. . ' o 26 (165) Feverelfo e, t in Point Vétérmalre, n. '. . I'enfant de remplacemen )

L de la nalSsance. 46 H. BRUNETltRE,« eurre o . 39-42.

Informotian psycltiotnqlle, n. 66 (1), 1995, pp

132

mais velho chamado Ludwig, Vincent van Gogh, nascido um ano depois da morte de Vincent, Salvador Dali, nascido nove meses e dez dias depois do desaparecimento de um pequeno Salvador, são exemplos célebres. - -

A experimentação natural que nos ínteressa foi dada por M. G ... , coronel na reserva cujo cão foi morto, uma noite, por um carro. Muito triste, sabe que existe em Estrasburgo uma criação de bracos alemães onde poderá encontrar um cão análogo. Vai buscá-lo à noite e, no dia seguinte ao fim da tarde, o veterinário que tentara salvar Eden, o cão mortalmente ferido, vê, com sur­presa, entrar no consultório o mesmo braco alemão, da mesma cor e com a mesma idade. M. G ... diz-lhe: «Chama-se Eden. Não acha que é um pouco menos bonito?,,47 Os primeiros meses da vida de Eden II serão difíceis, pois sofre de uma doença de pele sobre-ínfectada e de uma gastrite crónica.

. Como é possível que uma representação, no mundo men­tal de um homem, possa agir sobre o corpo de um animal? Assim formulada, a pergunta pode surpreender, pois dá uma aparência mágica. Todavia, a clínica confirma-a todos os dias, quando pedimos a um pequeno grupo de veterinários que registasse as perturbações apresentadas por esses cães. Um questionário relatava a história do dono e as perturbações médicas e comportamentais do cão. Enquanto que algumas observações filmadas re&i~avam as interacções entre estes homens e os cães.

A história do dono era sempre a mesma. Não suportava so­frer com a perda de um cão. Para a maioria dos homens, qual­quer desaparecido é irlsubstituível. Porém, para alguns, trata-se de arranjar um cão a fim de o amar em vez do desaparecido. O cão real só pode ser decepcionante. Faça o que fizer, será me­nos bem, visto que é constantemente comparado com o amado desaparecido, idealizado.

No espírito do coronel G ... , o cão morto já não é percebido, mas permanece íntensamente representado em imagens, em

47 B. CYRULNIK, A. ALAMEDA, C. BEATA, «Le chien de remplacemenh>, art. citado.

133

lembranças e situações imaginárias. A representação contínua do cão desaparecido provoca nele um sentimento de amor per­dido, doloroso e, todavia, agradável pela evocação dos momen­tos felizes. A emoção assim produzida, experimentada no corpo e evocada por uma representação, exprime-se, então, durante atitudes comportamentais e discursivas, tais como: "VOU cha­mar Eden a este cão, tal como o desaparecido, e vai dar» como se «não tivesse morrido». Porém, este «como se» joga em desfa­vor do cão vivo, constantemente comparado com o cão ideali­zado, pois só os mortos não cometem erros. A simples per­cepção do animal vivo evoca o amado desaparecido e provoca uma decepção: «É menos bonito ... ladra de uma maneira estú­pida ... o outro nunca teria feito assim ... »

As pessoas que elaboram uma tal situação de defesa contra a dor moral têm, muitas vezes, uma atitude curiosa perante a crença. Procuram fazer-se acreditar, sem serem verdadeira­mente ingénuos. Dizem «comunico com os mortos», mas, na frase seguinte, precisam: «mas creio que não é possível». A pri­meira parte da frase permite negar a morte, mas a partir da segunda, sofrem. Então, agridem o cão deste mundo, nem se­quer capaz de despertar tanto afecto como o desaparecido.

Esta atitude afectiva que os engana exprime uma emoção perturbada, de esperança afectuosa misturada de decepção agressiva. Por sua vez, a mais pequena das interacções com o animal só pode ser perturbada. O mundo sensorial do cão não tem coerência. Cada postura, mímica, gesto ou sonoridade ver­bal do homem cuja emoção é perturbada por esta representação constitui, num mundo de cão, uma estrutura sensorial que o ale­gra e agride, ao mesmo tempo, durante uma mesma mensagem. Faça o que fizer, Eden não poderá participar em qualquer ritual de interacção coerente, pois, no espírito do dono, foi «ali posto para» evocar o desaparecido e sofrer com a comparação.

A história do dono e a sua representação mental constituem, em redor do cão, um campo sensorial incoerente em que não pode ocupar qualquer lugar. As suas emoções nunca poderão ser reguladas por um ritual de interacção que permitiria aos par­ceiros funcionarem juntos. Nunca o cão poderá dominar, subme­ter-se, hierarquizar-se, fugir ou esconder-se, experimentar um

134

código de comportamento com e expulso ao mesmo tempo fi aquele dono, porque é chamado

Ora, uma emoção não ' ca enterneCIdo e angustiado. car uma perturbação meta~~~e~Bada acaba sempre por provo­o coração, crispar os múscul ca) ~orar, empalidecer, acelerar dure esta emoção quand °ds.... or mUlto pouco tempo que " '00 onoam t '

htivas, essas -perturbações metabóli an em por atitudes repe-comportamentos alterados e d cas ~cabam por provocar

Os indícios fís' _ oenças orgarucas. ICOS sao os p' . motivos habituais de consult runerros a aparecer e constituem os

a ao vete' , . receptor mais sensível a estas modifi ru::an~: A pele parece ser o Coça-se e morde-se sem ce caçoes Io-emocionais. O cão muitas vezes infecta O tubssardi' a p~nto ·de destruir a pele que

. ' . o gestivo t b ' , ' receptor de emoção visto qu aro em e um excelente b . ' e, num grande num' d ' . o servaro dIarreias emoti' O ero e especres se vas aparelh '" ,

se tornou sensível, dá vontade de . o unnano, que igualmente de esvaziar a bexiga O co _ unnar quando o animal acabou

, . raçao, a respiraç-o ' vez tambem'vêm todos fr a ,os musculos por sua d ',aso erdetaqui di d e tremores tal como em al ' . car a, e taquipneia, ou

Começa a d qu quer ser VIVO aterrado. . escrever-se bem esta rturb-

trus49• O cão não se mantém n ' ~ pe ~çoes comportam en-debaixo do annário ou o d lJ{; SItiO e refugra-se, de bom grado mação o petrifica, evita Po ~lh:r a: ~a poltrona. Qualquer aproxi~ patas traseiras empurram eJXa de saber orientar-se. As dianteiras travam, o que lh~~: ::m encontro, ao passo que as patas a cauda imobilizada . lh a poshrra cunosa, receosa com

,asoreascaíd td ' tremer, ofega e lambe o focinh p' as, o os os membros a sobre si mesmo numa bus . ~til·. ISca os olhos sem cessar e <>ira

ca mu de poshrr' 0-Algumas situações da vida '. a apazIguadora.

tudes inesperadas a que o d q~obtidlana fazem emer<>ir ati-E, ono atrl u' 'gnif' o'

o caso da devastação tran uiliz I um SI Icado humano. embora, o cão não conse ue q a~te: quando o dono se vai liza. Então, fica fascinad! co!c~r so ~IStO que nada o tranqui­para ele, um significad' d s mdlclOs sensoriais, que têm

o. o o or das pantufas às quais se atira, ;

48 R. DANTZER, L'll/us;on s h . 49 P. PAGEAT, Palholo,;e d P yc oSOmallque, Paris, OdiUe Jacob, 1991.

ó' li comportement du chien, op. eit.! 1995.

135

poltrona que despedaça, a ombreira da porta que rói. Manifesta um hiperapego ansioso em relação à assinatura olfactiva do dono e mordisca este indício até o destruir. Fezes moles escapam-se-lhe ao acaso das deslocações. Envia, um pouco para todo o lado, jac­tos de urina para marcar o espaço onde se sente inquieto.

Quando o dono, no regresso, descobre uma casa suja, mal cheirosa e destruída, dá a este quadro um sentido humano e pensa: «Fez isto para se vingar ... quer-me mal por sair sem ele . .. a visita à minha amiga provocou-lhe ciúmes .. . » Ora, «vin­gança», «ressentimento» ou «ciúmes» não são sentimentos de cão. Não pode representar o mundo mental de um outro e que­rer agir sobre esse mundo despercebido. Pode entrar em com­petição afectiva com um outro cão porque vê que o dono o acari­cia, mas não pode comer a pantufa para se vingar de uma carí­cia que fez a um outro cão, uma semana antes.

O contra-senso entre espécies agrava-se quando, ao puni-lo porque devastou a apartamento «para se vingaf», o dono altera ainda mais os rituais de interacção e, ao aumentar o mal-estar do cão, prepara-o para a próxima devastação.

A resposta animal adapta-se à ordem humana. Quando esta ordem está bem estruturada, a resposta do cão é adaptada, pois o código sensorial foi partilhadoSO• Num mundo humano, a intenção de fazer sentar o cão articula-se pela palavra «sentado». Se o cão perceber uma estrutura verbal sensorial, uma prosódia «SEEENTAAAOO!!!», el5pressa dentro de um contexto paravocal que lhe seja coerente51, adapta o comportamento a esta passarela sensorial. Então, o homem pensa que o cão compreendeu a palavra. Acontece mesmo que algumas pessoas estejam de tal modo convencidas disto que, quando querem esconder alguma coisa do cão, falam em inglês para que não compreendaS2.

Falando de uma maneira mais séria, acontece que esta pas­sarela sensorial se altera porque o homem, sem o saber, emitiu

50 H . MONTAGNER, L'E11!anl, /'a11imal fi /'école, Paris, Bayard, 1995. 51 Y. GUYOT, J. POCZART, (eLes communications non verbales en situations

pédagogiques», in Revue belge de psychologie el pédagodie, n." 48,1994. 52 B. HEUDES, Seminário Propriétaires mordus, Porquerolles, Setembro 1995.

136

uma mensagem mal formada ou matismo ou demasl'ado . porque o cão surdo, Com reu

- Jovem não b -maçao vocal e para vocal O h .sou e tratar lIl11q, tal infor-atribuindo-lhe um sentid homem mterpreta a resposta animal maluco.» Por vezes ou _o umano:. «Este cão é estúpido .. . é

nh ' ve se uma IdeIa p . . go ar-me ... faz isto para h rOJectIva: «Quer enver-dizer' N- '. me c atear ... » ao pass d . . .« ao seI afIrmar a minha a . ' o que evena Jovem de mais para com d utondade ... » ou: «este cão é

N preen er a minh . o caso do cão de substitui _ a m~nsagem .. . ».

tena feIto isto era lh çao, o dono dIZ: «O outro nunca '" me or est ' sua dignidade.» A estrutu '" ele um tapete, o outro tinha a I ra voca e par 1

a ter~ndo a passarela entre o home a.:-oc~ desorganiza_se, tIvo Iffipregnado de aversão qu m e o ca~. E um convite afec-

U - e se comuruca e t-m cao pode, sem dificuldad n ao ao animal. matilha lambendo-lhe os beiços pe, dconcordar com um chefe de agressivo a fim de o aco nh' o e submeter-se a um homem ria viver num universomdPah ar sem stress. Porém, como pode-

e ornem que lh d" sagens contrárias ao mesmo t e IrIge duas men-corpo: «Anda cá porque gosto ~m~o? Como se dissesse com o A emoção do animal imposSív:l d vaI-te embora, enojas-me.» mento constante dos m' d" f" e apazIguar explIca o au-

ICIOS ISlOlól'i d catecolaminas alerta el' t . o,cos o stress (cortisona A' ec nco no el t f ' consequencias orgâru'c h b' . ec rence alograma) As as a ItuaIS sã . hi _ .

esgotamento supra-renal hi . 'IA o. pertensao, gastrite 1 ' pervlgl ancia tr ' muscu ar, cãibras tetânica ' ,em ores e rigidez

As perturbações eSfinc~é;~e Iffi!,edem o cão de andar. prose, num animal siderado ca~ sao constantes, enurese, enco­músculos lisos são os m' ,pedas secreções emocionais cUJ'os f 'b' aIs aVI os rece t O o ICO, num mundo onde t d P ores. cão torna-se única familiaridade perceb'd

u ? °dque mexe o aterra. Como a - I aea oprópr' , çao a esse objecto conhecido _ 10 corpo, e em direc-

rados. Estabelece-se a ester ~ue o cao onenta os rituais alte­orgânicas: derma tites de la ebodPla, provocando, assim, lesões t d' m e uraS3 mu 't a as, mOVlffientos deambula t' . 'A . I as vezes sobre-infec_

onos, parucos comportamentais à

53M BOUR P . . DIN, SYc/lOdermatologie chez I .

Malsans-Alfort, 1992. es canuvores domestiques, tese,

137

rruruma informação surpreendente. Estas reacções de alerta injustificadas explicam o número elevado de «acidentes» entre estes animais.

Para que o cão melhore, para que as perturbações emocionais, comportamentais, biológicas, esfinctéricas, médicas e ferimentos «acidentais» desapareçam, é preciso que o homem tenha a possi­bilidade de efectuar o lento trabalho do luto. Por vezes, não o faz, porque procura enganar-se a si mesmo e porque, durante a vida, muitas vezes preferiu ter ilusões em vez de abrir os olhos dolorosamente. A maior parte das vezes, os homens não fazem o trabalho do luto porque o meio ambiente os impede. Quando se perde alguém próximo, ouve-se frequentemente: «Reage .. . a vida continua ... diverte-te ... » Estes conselhos são obscenos para um enlutado, pois, desde que o homem enterra os mortos, deve dizer-lhes «adeus», inventar um ritual, sofrer com a partida e sen­tir-se apoiado pelo afecto dos seus.

No homem, um corpo pode ser comovido e movido pelas palavras «amo-te» ou «em frente, marche». A criança de substi­tuição comovida e movida pelas emoções da mãe, é-o ainda mais pelo mundo das suas palavras. A partir do momento em que uma criança de substituição chegou ao mundo, sofreu, desde as interacções precoces, a moldagem sensorial composta pelos gestos da mãe. E quando, cerca do décimo quinto-vigé­simo mês, as palavras chegaram, aumentaram o poder mol­dante. É assim que lhe acontece ouvir: «Chamava-se Daniel. Chamar-lhe-ei Daniela. Com o Daniel, estive perto de uma mara­vilha ... » Uma formulação destas dá uma forma verbal ao mundo íntimo da mãe. Porém, é a um mundo sensorial assim que o bebé deverá agarrar-se e nele se desenvolver. Uma frase destas organiza, praticamente, todas as interacções quotidianas. Dizer: «Com o Daniel, estive perto de uma maravilha», é predizer as emoções que serão desencadeadas por todos os acontecimentos da relação. É quase o mesmo que dizer: «Pela escolha do nome, dou a Daniela a missão de substituir o morto e de me curar do meu sofrimento. Deve, pois, tornar-se tão amável como o Daniel desapareddo teria sido.» Missão impossível para Daniela que, capturada pela presença da mãe e pelo seu próprio impulso para a amar, apenas a pode decepcionar!

138

Antes da palavra o mund . pela morte de Daniel. Quan~ de Damela já está estruturado moldante de um acon' o surge a palavra o mais força. teclmento despercebido a<Yirá ~m' d poder

A - 0- a com mae levava-a todos os do . • _

c:mpa da irmã desaparecida ;:ngos a pôr flores e a limpar a pode deCIfrar: «Aqui jaz AI' 'E aI sabIa ler, a pequena Alin escnto na c me nar». «VIa o m '. e bonit d ampa, com a fotografia da minh eu !?ropno nome

a . o que eu.» a uma, muito mais «FeItas as Contas sou m .

família», escrévia Va~ Gogh aIS estranho do que um estranho à Enar teria podido respondera~ I~mã054. Ao que a pequena Aline versa: «Na minha fanúli '. a como dIsse durante u a so g t ma con-quero ser amada, tenho d~ me os am das crianças mortas. Se tura. Para ser eu mesma, devo matar. ou de viver uma impos-

A etologia das cria renuncIar a ser amada » cOmo :a transmissão dos ~~;~a~;:subStituiçãO permite 'descrever ao unIVerso sema'ntI' se faz corpo a corpo O co amplifi ~. . acesso e transmitido aquém das pala~r~;E e~omeno outrora sentido num outro espaço e num . XIstiu um acontecimento memória da mãe e actua no outro tempo, mas vive ainda na

Verificam-se facilm t cdorpo e no espírito da criança ld 'en e, OIS out . d' .

mo ante na escolha do n . :-os ln Icadores desta for a precoces. ome propno e durante as m' ter _ ç

acçoes Num mundo hum . .

to~. Caminhar-se-ia ta~~~:;~Qa penoso não dar nome aos ob'ec­pOIS basta pôr um nome às um cego entre formas impreci;as regadas de história. Quando COIsas p~ra as tornar visíveis e car~ -se, muitas vezes nos se passeIa na costa do Varo v'

. ,pequenos p t b ' eem-nunos, como que alinh d' or os, arcos lado a lado an' T d . a os num ' 0-

o aVIa, assim que se lê na parque de estacionamento deles que foi baptizado «Tu passagem da ponte superior de u~ destino. Adivirlha-se que f07 ~~» , COnh

d ece-se uma parte do seu

pescar ao dOmingo co mpra o para que um casal . c 'd d ' mpreende-se va

UI a osamente pintado de verme por que razão está tão lho e verde, e quase se ima-

54 V. VAN Goc C H; orrespondence, carta 44 .

3, ParIs, Gallimard, 1969.

139

gina «Tu» abrindo uma sombrinha para se proteger do sol, enquanto «Eu» só aceitaria estar ao leme de vez em quando. Ao passo que um chamado «Tempestade» ou «Comandante Joffre» evoca uma utilização certamente viril.

«A escolha do nome indica o lugar atribuído ao recém­-nascido no cosmos, na cadeia das gerações e no grupo social.» Alguns pensam mesmo que «dar um nome equivale a dar , a vida»55. E por isso que, na tradição judaica, se deve dar nome ~s coisas criadas por Deus, mas não se pode dar nome a Deus, pOlS é Ele que cria, ninguém o criou, sobretudo um homem! A esco­lha do nome revela o sentido atribuído à coisa, a intenção de agir sobre ela, o voto. Ora, o desejo parental, de que o nome próprio é um vestígio, exprirnir-se-á também durante a ~a interacção quotidiana. Algumas culturas esperam ver no recem­-nascido um vestígio corporal ou comportamental que justifique o nome. Por meio desta estratégia de denominação, essas cul­turas pensam que a criança é co-autora do seu desenvolvimen­to e não um recipiente passivo, uma cera virgem.

«Os nomes fazem das crianças espíritos dos mortos», dizia Freud, «[ ... ] não será o único meio de atingirmos a imortalidade para nós, termos filhos?»56 Não admira que o n~m7 ~ue, se lhe dá condense uma parte enorme da nossa histona rntima: «Gostaria que se chamasse Abel, tal como o meu avô, que escul­pia marionetas e escrevia peças de teatro ... Jurei sobre o seu tú­mulo que conseguiria ... E, depois, Abel é um nome judeu. E os Judeus têm um destino ... » Pode-se imaginar que, sempre que o pequeno Abel decida resignar-se a uma vida tranquilizant~, a mãe manifeste um desprezo silencioso, ou uma fneza afectiva. Escapar-lhe-á uma palavra, ou um gesto, que criarão em redor de Abel um campo sensorial moroso, frio, talvez mesmo hostil. Ao passo que, a cada alegria louca da criança, escapada ou poesia, luta ou conflito social, encontrará uma mãe atenta e calo­rosa. Pela reacção emocional, dará ênfase a estes pequenos acon-

55 J.-G. OFFROY, Le Choix des prél1oms, Marseille, HomÍnes et perspectives,

1993, p. 31. 56 S. FREUD, L'Illterprétatiol1 des rêves, 1900, Paris, PUF, 1976.

140

tecimentos que, postos assim em evidência, formarão recor­dações. Vinte anos mais tarde, Abel contará: «Lembro-me bem da minh~ infância. Era feita de poesia e de lutas.» Não terá posto ~a ~en:ona os momentos morosos em que, fatigado, aspirava à i:!errussao tranqwhzante.

O nome que se escolhe para um outro ie~la a nossa dis­pOSlçã? d,: espírito em relação a um ser de apego e a missão que lhe atrlbwmos para o inscrevermos numa filiação.

Qualquer ser de apego sofre esta força moldante de que são testemunhas o nome e os gestos que o rodeiam. De uma maneira m~ls geral, a,força moldante que governa em parte o destino das cnan~as e o desenvolvimento dos cães de substituição determina tambem as nossas opções e estrutura o campo sensorial que as rodela. As representações de um moldam o eleito!

Q CÃO SENSATO

Num mundo humano, pode-se fazer sinal seja com quem for no mundo, basta entender-se. Porém, não se pode fazer sinal com nada. O simples facto de comprar um cão e de o amar ilus­tra esta ideia. No próprio acto da escolha, há revelação de si: co~prar um grande cão, não é comprar um peixe vermelho. Nao falo d~ cão ferran:enta comprado devido às actuações e~pera~~s, cao alarme, cao,de guarda, cão pastor, cão i:!e trenó, cao botija e~carre?ado d'e'aquecer a cama ... Falo do cão signifi­cante, marufestaçao encarnada do sinal. Este cão é «posto ali para» evocar e fazer viver.

O cão esco~~opassa a ser um delegado narcísico, um rep­resentante do SI rntImo, um logro vivo cuja função consiste em encarnar, no mundo percebido, uma imagem de si despercebi­da. Como se o comprador dissesse pela sua escolha: «Este cão cr~a ~~ mim uma impressão .de força rústica ou de rigor gller­rerro. e c,omo eu. Gos~o desta unpressão que vamos provocar no outro.~> E assun que dizemos que o camelo é desprezível, a águia Impenal e a formiga laboriosa.

Os qualificativos que se atribuem aos cães só falam de nós mesmos. Dizer: «Gosto dos setters porque são gentis e distin-

141

tos», significa: «Gosto do que é gentil e distinto.» Dizer: «Os boxers são corajosos e jogadores apesar da boca chata» é o mesmo que: «Os boxers são como eu, não muito bonitos, mas tão simpáticos que, apesar de tudo, podemos amá-los.»

A impressão produzida pelo cão testemunha a nossa maneira de amar. A escolha de um boxer indica uma retórica sentimental diferente da de um pastor-alemão, de um afegão ou de um setter. Se, em vez de se descrever o cão, se analisar a impressão que provoca em nós, conseguiremos descobrir algu­mas regras sem dificuldade.

Quando se segue a cartografia dos cães e do respectivo habitat, compreende-se que não habitam ao acaso. Em Paris, os grandes cães permanecem nos bairros elegantes, ao passo que nos bairros pobres os cães são mais pequenos57. Não são menos caros, mas os alojamentos são exíguos e os imóveis não têm jardim. Constatam­-se flutuações na compra dos cães. Uma forte baixa nos anos 60, depois uma alta a partir de 1970. Pode deduzir-se que os determi­nantes psicossociais se acrescentam às motivações afectivas.

Os donos de cães estão muito socializados. Trata-se de homens, muito mais do que de mulheres, com idades entre os trinta e os cinquenta anos, celibatários e urbanizados em vez de provincianos. Os jovens e os reformados compram menos cães significantes, revelando, assim, que aqueles que têm um esta­tuto social frágil também não possuem este meio de expressão. Tal como é habitual, confirma-se que minúsculos indicadores podem revelar um problema de fundo, tal corno esse número que assinala, há alguns anos, que as mulheres celibatárias começam a comprar grandes cães. Sabendo que os agricultores compram mais cães ferramentas e que os celibatários ricos e urbanizados compram mais cães significantes, podemos inter­rogar-nos se as mulheres não estarão a evoluit, tal corno o con­junto da nossa cultura, em direcção à solidão e à força.

Um forte determinante psicossocial governa a escolha dos bairros e estrutura o meio ambiente onde o cão se desenvolve.

57 P. GONIN, Les Propriétnires de berger nllemand et de boxer: étllde socio­logiqlle d'apres enquête, tese veterinária, Toulouse, 1985.

142

É assim que o . . s pastores alemães terão d meIOS muito diferentes dos aI _ e se desenvolver em os encontros e as inte _ g gos afegaos. O espaço da casa

racçoes moldarã - , mentos diferentes. As romes ' .o caes c.om comporta-volver-se a não ser n~ . sas geneticas nãoJpodem desen­dos homens. A ideia que /::elo estruturado pelo pensamento mal, a necessidade q zemos da nossa relação com o ani-

. ue temos dele . arquitecturais, comportamentais ' orgaruzam estruturas guns comportamentos do cã e afectivas que moldam al-

Em primeiro lugar d o e governam o seu destino d ,po emos adm' .

os molossos e a dirnin . - d Irar-nos com o aumento - UIçao os muito

caes, ao tornarem-se sintom d pequenos, como se os um discurso social em as a nOssa cultura, mantivessem solitário e poderoso que o molosso diria: «sou um lobo . », enquanto o . na o desaparecimento d.o c- ImuIto pequeno testemunha_ lh~res amadas, Omament ~o rega ~, ~sado, outrora, pelas mu-

Porém s ' a as e aSSIstidas. , e e certo que os cãe - 'li

o sigrrificado deveria mudar d: s:.o utI zados para significar, mesma razão que existe um d . cordo com as épocas. Pela

nh esvlO se ' t" mu a esta possibilidade d d man ICO, o boxer teste-acordo com o contexto cult e I mu ança de significado de comprado pela força .obed .. ~ra . Antes de 1965, este cão era r , IenCla e respeito ~va aos outros. A partir de 1985 di r:ceoso que inspi-

patIco ... » «jogador turb I t ,_z-se que e «gorducho sirn-E -. u en o» ... «tao g fI . '

ste cao, dito tão gentil, á aa ta . en 1 com as cnanças». curso que se faz sobre ele d ! os comportamentos ao dis­cão de combate para .o de a~: e que o seu e.statuto evoluiu, de dos gatos! gre companheIro das crianças .. . e

. O programa genético do boxer nã dIferentes de ac.ord.o com o mudou. Tomou formas niza em seu redor tutores ~~~:samen:o. do homem, que orga­

Convém, pois, interessarmo_:~;vo Vlmento diferentes . les que gostam dos boxersS8 pelo mundo mental daque­compará-lo c.om a PSicol:' faar~ melhor o Compreendermos,

g aqueles que preferem os

58 lbid E . ncontra-se, nesta tese diri id repertório de quadros numeract;s. a pelo Prof. G. Queinnec, um excelente

143

vivem em universoS mentais muito afegãos59• Estes homens lh boxer é um conversador, diferentes. Aquele que e~co e~ umde televisão. Ao passo que amigável, que gosta de. espor o f: ão é um intelectual, profis­aquele que prefere o anstocr~t: a ~e odeia o desporto. O ama­sionalliberal, silencioso e sohtano q descontraídas, enquanto o dor de boxer veste-se com roupas d

tu' . s maiS rebusca os. dono de afegão us~ v~s ano hienas ue conhecemos usavam

Os raros propnetanos ~e . q e inúmeras tatuagens. banes em corro d blusões com pregos, . f' sermo ótica dos cabelos os . . presslQnou 01 a

Todavia, o que nos un t d boxers usa os cabelos curtos, proprietários. Aquele ~ue gos a b ~s mais compridos, e entre os o proprietário de afegao ~em c~ ~s ar cento de homens com donos de pastores-alemaes h p o ulação testemunho. bigode, contra sete po: cento, apena~;;,~; [escolha do nome do

Tal como em relaçao aos nodssosd em' sociedade e a missão

epção a Vi a cão revela a nossa conc d' f' uldade chamar-. ' . 1 1 . to Pode, sem 1 lC , . que se atnbUl ao anuna e el b por causa da morfologta. -se Brutus ou Sócrates a u~ ~xe~ ou Giscard a um afegão. É muito elegante chamar m au , facilmente Cabriola, e,

. d l' nha chamar-se-a, ' , Uma hnda ca e 1 -o 11'terária chamar-lhe-a d f lh u uma vocaça , .

quando o ono a o 'lh t o'logo francês chama-se Clito 1 O - d um bn an e sex .

Vírgu a. cao e ' é o astor-alemão que poSSUl os e não sofr~ co~. iSSO. P~~~abalador com bigode, de ~ível donos maiS tipificados. O 50 anos de idade, comerClante social médio ou fraco, com 3 a dono uma mulher, rica,

- -o tem como ou artesão. Este cao na . inhas dos arredores, ou de artista ou n:ncion~ria: Hab,lt~ e::~as vezes em famílias com cidade de unportancla medtailiz dele que é preciso «domesti­mais de três filhos. O don~ boxer emprega a palavra «edu­cá-lo», ao passo que o dono e ~fe ão lhe pretende «explicar» . car», enquanto o dono de um g

"' t ' tese vete-E "te sI/r le lien race-propne arre, 59 P. LABARR~RE, Le Lévrier afgltan. nql/e

rinária, Toulouse, 1985.. facteurs génétiques et environnemen-60 M V ARGA «Influence rei. tive des li mand e du chien bas .' t du chien de berger • e

tauX~) . «Le comportemen ... t:"l'O AC Viena Outubro de 1983. . . K Lorenz, tu"" ll~ , I rouge», ln Symposlum .

144

A escolha destas palavras implica uma estratégia de interacção adaptada ao vocábulo, muito mais do que ao cão.

Os cães não nascem iguais em direitos, visto que a aparência física alimenta o discurso que se faz sobre eles. Esta representação cria decisões comportamentais e campos sensoriais que governam destinos diferentes. Não há humor, não há literatiua, não há sen­timento nem aristocracia quanto aos nomes de pastores-alemães que soam como ordens ou diminutivos: Bob ... Sam ... Tom ... Lobo .. . Wolf ... Viet. Antes da guerra, chamavam-se Rex ou Duque.

"!odavia, estes cães provocam um afecto enorme. Apesar da missão social e da imagem que estão encarregados de encarnar, os proprietários dizem que são «gentis, afectuosos, fiéis, obe­dientes, francos ... » Amam-nos com devoção a ponto de renun­ciarem por eles às férias, às saídas, ou mesmo a projectos pes­soais. Nem sempre é este o caso quanto aos afegãos, aos quais se prepara urna refeição em vez de se abrir urna lata, tal como o dono compra roupa artesanal em vez de confecção. Este é o cão mais tratado com champô, mas, quando sofre de uma doença de pele, a ideia de eutanásia vem à cabeça do dono. Quando morre, o desgosto não é tão profundo corno em relação a um pastor­-alemã061. Estes cães confirmam, assim, a teoria em voga actual­mente entre os sociólogos: nas classes médias e baixas, os laços afectivos são fortes, ao passo que nas classes mais elevadas os laços são mais débeis, permitindo, deste modo, Uma maior liber­dade individual.c.1i' custa de uma maneira de amar Plenos vis­ceral e mais superficial62.

Quanto ao desenvolvimento recente do efeito Frankenstein, quando os criadores brincam a fabricar cães malformados parp lhes darem formas divertidas, participa da aventura -modema das manipulações genéticas63. Mais uma vez, o cão fabricado pelo pensamento dos homens fala do fabricante muito mais do que do animal. Por que razão os operários só compram cães

61 B. CYRULNIK, C. BEATA, «Le Oeuil du chien», Congresso CNVSPA, Paris, Novembro de 1990.

62 A. D EGENNE, M. FORS~, Les Réseal/x social/X, Paris, Annand Colin, 1994. 63 G. Q UEINNEC, LA Fabrication des animal/X, Gallimard, 1997.

145

astores-alemães e por que razão a car­nobres, dogue~ ou ) . nte malformados os concentra tografia dos caes vo ;mta::emais caro for o preço do metro nos bairros elegantes. Qu _ m patas torcidas pela acon­quadrado mais se ~~~~~:;: ~:~;~ta que deixa pender a lín-droplasla, com a _ u com morfologias grotescas. gua, com a pele sem delo

o _ malformados pelos nossos pen­Será que o corpo estes cae~er ue as essoas simples com-

;=;n~~~~g:c;o!~;C:~r::l~S, nohres e c~~~s:a a~~a~:o v1~: os habitantes dos bairros elegantes Jog~ c _ ti'cagda imagem

- d' f s? A funçao seman ao fabricarem caes IS orme . aneira de amar não dos cães faz-nos entender, sobretudo, que a m_ 1 b quer dizer:

Comprar um cao- o o é de modo algum a mesma. _ . num' A força a beleza, a - este cao cna em . ,

«Gosto da sensaçao que 1 chave do mundo dos seres fidelidade e a obediência são pa avras- e fazer-se acom­

. nadamente » Ao passo qu vivos que amo apalXo d' dizer «Gosto de ridicula-

nh d cão malforma o quer. d ~~ar :: le: ~ vida. Aliás, manipul,?-as, I;0is so~ e~r~~~> man o. Não se iludam, gosto muito deste cao ndlculo q e .

HISTÓRIA DAS INTERACÇÕES PRECOCES

Os cães ?C~ãO surpr~:~: f:t::::::xJ::ru:~~: objectos semanticos que rev~ . t é moldado em parte pela re­prietários! Se o seu desenvo_ Vlffien o or ue razão os nossos fi­presentação d~s homens, na? ~erce~o forte ~este poder moldante. lhos não sofrenam a marca am ~ m~ ão mais clássica e mais

Para responder a esta questao, a sltuaç t dos estudos rica actualmente é-nos oferecida pelo aumen o

sobre as interacções precoces. ' I tinham trabalhado sobre as Nos anos 70, quando os eto ogos. . s64 estas observações

- precoces entre os anlffial , interacçoes

. - . o X EsPADALER (ed.), Processus d'acquisition ~ré. 64 Reactuahzaçao. A. DE fiAR ' .'. . de Barcelona, Soclété

coce. Les communications, Umversltat aut~nomla984 . l'étude du comportement anImal, 1 . françalse pour

146

deram a determinados médicos um argumento suficiente para ... não procederem ao respectivo estudo nos filhos de homem! Chegavam a dizer: «Visto que isto extsté entre os animais, não pode, pois, existir entre os homens.» Esta necessidade angus­tiada de demarcação entre o homem e o animal é urna reacção de tal modo habitual que o catálogo daquilo que distingue o homem do animal poderia encher várias páginas.

Um raciocínio evolutivo permitiria evitar este enunciado ideológico, ao mesmo tempo que sublinharia o lugar do homem no ser vivo. O que estrutura a comunicação precoce entre qual­quer mãe e o filho é materializado pela sensorialidade que passa de um para outro. No homem, as formas de sensorialidades que estabelecem as passarelas entre a mãe e o filho são essencialmente moldadas pela palavra materna e os relatos da sua cultura.

O objecto «comportamento» que funda a clínica e permite urna abordagem científica é difícil de definir, mas tão fácil de manipular que constrói o essencial das nossas observações. Creio que se pode dizer isto de todos os objectos científicos: o objecto «planta», o objecto «anima],>, o objecto «molécula quí­mica», o objecto «corpúsculo físico» são mais fáceis de manipu­lar do que de definir. E até mesmo o objecto «linguagem» em que nos banhamos estrutura o nosso meio ambiente e a nossa visão do mundo, s.em que saibamos defini-lo quando não ces­samos de o empregar. Quanto à vida, não sabemos o que é, quando, aparentemente, conseguimos viver seja corno for.

A definição suficiente do comportamento consistiria em dizer que é aquilo que produz urna manifestação ext~rior ao • organismo, um acto motor ou urna emissão sensorial cuja forma é observável e manipulável.

As manipulações permitem descobrir as causas: causas pas­sadas durante as transformações da espécie e traçadas na biolo­gia durante o desenvolvimento do indivíduo; causas futuras, em que o comportamento antecipado se enraíza numa repre­sentação sensorial ou verbal.

Possui urna função adaptativa, pois, ao responder a uma estimulação exterior ou interior, biológica ou verbal, percebida ou despercebida, modifica o meio ambiente que acaba de o estimular.

147

o comportamento etológico é, pois, uma passarela sensori~l observável e manipulável que permite a sincronização de dOlS organismos presentes, passados ou futuros: Constituem-se, assim, uma biologia cruzada e mesmo uma pS1colog1a cruzada.

É com esta ferramenta que o estudo das interacções precoces acaba de descobrir o novo continente dos primeiros encontros entre um feto65 e a mãe, depois entre um recém-nascido e o meio

maternante. Com este novo olhar sobre o desenvolvimento do bebé, deve-

mos anunciar, para já, uma má notícia: quando Édipo fez o co~­plexo já era muito velho, visto que teve tempo para ter quatro fi­lhos de Jocasta, sua mãe, antes que o oráculo de Tebas lhe anun-

ciasse a terrível verdade. Édipo, tal como qualquer ser humano, existiu,.primeiramente,

no estado de gâmetas. E disto ninguém fala, pOlS ~ e.:'pe;:ma­tozóide não é uma pessoa, apesar de tudo. Tambem nao e um óvulo, aliás. Ora, os determinantes da fusão dos gâmetas de Laio e de Jocasta foram unicamente psicoquímicos. Te~peratum, acidez, liquidez e taxa de cálcio governaram, no essenc1al, a mob1-lidade dos espermatozóides. Nenhum psicólogo ousa peru:ar que na origem de Édipo houve minerais, ácido e reservas nutritivas no óvulo de Jocasta! Foram precisas várias semanas para que estas células se dividissem e se transformassem em organismo denomi­nado «embrião» . Alguns meses mais tarde, no final da gravidez~ o feto começou a aventura interaccional com a placenta da mae. Porém, conheceu poucas interacções precoces com Jocasta, visto que ela teve de o abandonar atando-lhe os pés. Quando ele arran­cou os olhos e Jocasta se enforcou, Édipo tinha 30 anos e já quatro filhos. Quando Sófocles, Ésquilo, Eurípedes, Séneca, Corneille, Voltaire e Gide questionaram Édipo, foi para fazerem dele um

relato e não uma ontogénese. Também Freud recuperou Édipo para o fazer dizer e ence-

nar que, tendo todos nascido de uma mãe, so~os obrigados a dois movimentos contrários: amá-la e abandona-la.

65. O feto define o pequeno vivíparo, durante a sua construção intra-ute­rina, após a fase embrionária e antes da expulsão. No homem, fala-se de feto em relação às últimas semanas da gravidez.

148

.?s biólo_gos esclarece.m os determinantes psicoquímicos da f~sao dos gametas de LalO e de Jocasta, impulsionando as divi­soes celulares das fases mórula e blastema de Édipo embrião. As pessoas ?e letras en~enam a tragédia dé ~dipo rei que, ao fazer qu~_tro filhos. na propna mãe, deu a prova mítica de que uma u.ruao blOl?gIcamente lmpossível é psicologicamente insupor­tav:el. Porem, nesta fase da construção do aparelho psíquico Éd1pO não guardou qualquer lembrança, era demasiadament~ pequel)o. Fo~ preci~o interrogar Jocasta, que nos disse que, já no flm da grav1dez,. Ed1pO dava muitos pontapés, certamente já e~agerados. ~ oraculo de Delfos espalhava então um boato, um d1scurs.o s?c.1al estereotipado que anunciava aos dois pais, Laio, o p.a1 blOloglCO, e P?lybos, o pai adoptivo, que a criança um dia sena. pengosa. LalO~ aterrado, pedira a Jocasta que parisse deba1xo de X, depOls que abandonasse a criança, realizando aSSlm o que recea,:a, numa espécie de profecia autocriadora.

Esta ~equena fabula da etologia das interacções precoces entre É~lpO e Joc~sta permite dizer que é possível ocupar o l~gar de1xado vazlO entre os esclarecimentos do extremo bioló­glCO e do extremo histórico. Proponho conciliar ambos!

De. uma man.eira esquemática, antes da SegIlfida Guerra M~d1al, os teóncos da raça dominavam o discurso. O meio amb1ente, a família e a sociedade nada tinham a filzer no desen­volvlm.e,:to de um,ils riança. Era de boa ou má raça. Não era neces.sano conhece~ a ~enética para fazer uma teoria genética, os. ~ladores . de aruma1s forneciam um modelo suficiente. Os m~d1cos da epoca mediam a .altura, o peso, o que entrava nas cnanças 7 o que saía. E chegava para saber tudo sobre ela. +

DepOls da guerra: tomou-se moral tomar a posição inversa e p~nsar que uma cnança era uma cera virgem sobre a qual o melO amb1~nte podia escrever fosse que história fosse.

A partir dos anos 70, a etologia das interacções precoces esclareceu o que é observável durante o encontro entre a mãe e o filho. Cada um deles, participando na interacção se torna co-autor da relação. '

? proble.ma ?a observação directa torna-se quente. As frases hab1tua1s: «E e~ldente ... Não valia a pena fazer uma experiência p~ra cheg~r. a 1StO ... Bastava pergIlfitar às mães .. . Resta ver ... » sao estereotipos que impedem de ver.

149

Numerosos médicos idosos contam como, no pós-guerra, o discurso social instituía brutais separações. Em 1948, falava-se, frequentemente, de «crianças desamparadas»66. Não era raro que uma mãe solteira, um casal em dificuldades, uma mãe doente ou sobrecarregada vissem chegar-lhes a casa um carro da polícia. Em nome da moral e do auxílio social, tiravam-lhes os filhos, que eram colocados no «Depósito» de Denfert-Rochereau, de onde eram muitas vezes enviados para o campo. Alguns meses depois, a criança desamparada já não reconhecia a mãe quando esta a vinha recuperar. O laço quebrara-se, por vezes dificil de reparar.

Nasceu um discurso estereotipado durante os debates políti­cos dos anos 30. A esquerda elogiava o «bom an) do esqui na montanha e da natação no mar, enquanto a direita preferia a vir­tude das florestas e das longas caminhadas na natureza. Este debate higienista justificava separações muitas vezes irreme­diáveis. A cultura da época, que não tinha trabalhado a ideia do laço, privilegiava o corpo e o que o rodeava.

Foi, todavia, nesta época que alguns precursores tentaram a aventura da observação directa, misturando, de imediato, a etolo­gia e a psicanálise. Anna Freud, em 1936, René Spitz, em 1946, descreviam «os efeitos da separação mãe-filho». Myriam David, Genevieve Appel empenhavam-se fisicamente para ajudar as «crianças desamparadas». John Bowlby, em 1958, reflectiu na «natureza do laço do filho com a mãe». O casal Robertson, em 1962, filmava o desespero do seu próprio filho posto na creche. Françoise Dolto, Margaret Mahler e Melanie Klein, o trio das «psi­comamãs», popularizavam as suas observações, alterando, deste modo, o discurso cultural. Actualmente, Caroline Éliacheff substi­tui-os sobretudo com o «Grupo da WAIMH67».

O batalhão dos observadores directos está muito avançado no plano internacional. Actualmente, divide-se em duas com-

66 G. ApPEL, ~(Entretiens avec P. Mazet et A.-C. Nicolas», in Synapse, n.o 5, Junho de 1989, p. 21.

67 World Association Infant Mental Healtlz reúne regularmente os investi­gadores mundiais mais adiantados neste domínio, sob O impulso de B. Golse, P. Mazet e S. Lebovici, B. Crarner e A. Guedeney.

150

panhias. Uma, essencialmente com ' observar e manipular . posta por etologos, procura

. a maneIra como a b' I . d . articula com a história d _ 10 ogla a cnança se interacções. Recolhe ess a .mae para estruturar o campo das históricos. A outra c~mp=a~ente, fastos comportamentais e ga-se muito mais sobre «as d:J ortemente pSicanalítica, interro­e a criança reconstruída (p I ere~ças entre a criança observada sobre a natureza do m t : 0

1 re ato que o sujeito faz de si)'

- a ena recolhido I b - ' relaçao ao material analíti I" pe a o servaçao em como eventual forma de r~~Ct~Ssl.co: sobre a observação directa

P · . IS enCla a pSlcanálise»68 ara estes dOIS gru .

mações, um bebé só n~os q~e se encor:tram e trocam infor­pulável não é um ser é u o eXiste. O bebe observável e mani-

N minh .. _. m «ser-com-em-devir». a a Opll1.lao, a companhi d ' I

o desenvolvimento dos co t a os eto ogos estudou melhor manas da gravidez A eXl·smtAPo.r amentos durante as últimas se--. . encla na natureza d 't ' mae, taIS como os ovos e de 't', ,e u eros lora da

. . ,u eros a ceu aberto t . SuplalS, ou mesmo de fetos . d ' aIS como os mar-oferece situações espontânea

vm os ao n:undo prematuramente

antes de nascerem. No século ~i~~ fenrutem observar os bebés ou seja, de homens que sa ' d a ava-se mwto de homunculus, necas russas. Esta represe~:;ão e outros homens, tal como bo­rente sociobiológica em que o~ in;i!ctessa, ~ctualmente, na cor-

portar os genes através das gerações e ;~: ::d~e;;:;:n~::~ trans-",-,

ANTES DO NASCIMENTO

Tal como toda a g t d embrionária dos crustá:~:~ n:ve~ esta~ interessados na vida" preocuparam-se com o desenvol~amara mcubadora da mãe e que coabitam na ooteca mater Tun~nto das larvas de baratas volvirnento do emb '- na. erao constatado que o desen-

nao, apesar de . pela cronobiologia extrai d ngorosamente governado

, , em ca a etapa, uma informação exte-

68 B. GOLSE Acta da . - d WA1MH. ' reUnIao e 31 de Março de 1994, Boletim interno do

151

riar diferente. Estes pequenos animais demonstram que o inato só pode desenvolver as aquisições feitas sob a pressão do meio ambiente, desclassificando totalmente os ideólogos que preten­dem ter em conta o inato e o adquirido.

Aquilo que caracteriza a vida pré-natal das aves é que a mo­tricidade aparece antes da sensorialidade. A partir do quarto dia de incubação, manifestam-se alguns abalos periódicos, en­quanto os primeiros circuitos reflexos só virão a funcionar depois do oitavo dia. No início, cada segmento do corpo se so­bressalta por conta própria. As patas, a cabeça, as pálpebras e o coração entram em funcionamento, cada um no seu tempo e sem harmonia. Porém, no fim da incubação, quando as reservas nutritivas do jovem ovo desapareceram, a ave começa a ba­lançar o bico, o que desgasta a casca e prepara a eclosão. Ouve­-se um clique pré-natal algumas horas antes do nascimento e até mesmo um início de pios e de movimentos coordenados69.

Esta descrição coloca dois problemas: seja qual for a espécie, a autogénese é a mesma. Assim que se agrupam e organizam célu­las suficientes para funcionarem juntas, aparece uma função motora. Assim que se produz a emissão comportamental, serve de percepção a um outro organismo análogo e próximo. Este é, pois, um pensamento que limitou a biologia às paredes do corpo. A partir de um IÚvel muito simples da organização do ser vivo, os organismos comunicam, cooperam e funcionam em conjunto. Cria-se um mundo interovos que explica a sincronização das eclosões7o: quando os ovos são incubados lado a lado, as eclosões efectuam-se durante um leque de cerca de vinte horas. Porém, quando se separam em fim de incubação, as eclosões verificam-se num intervalo de mais de sessenta horas. Num mundo interovos, isto já comunica e se sincroniza. Em primeiro lugar, os segmen­tos do corpo de um único pintainho harmonizam-se, depois, antes da eclosão, são os corpos dos pintainhos separados que con­cordam entre si a fim de desembarcarem juntos no mundo aéreo.

69 R. CAMPAN, L'Animal et 5011 11l1ivers, Toulouse, Privat, reedição, 1994, pp. 92-95.

70 R. VINCE, 1973, in, R. CAMPAN, op. cit., p . 104.

152

Entre os marrúferos mar ' . . entre a mãe e o filho d . supIalS, comuruca-se a céu aberto , , epOls entre fIlhos E utero está fechad . t . . ,mesmo quando o o, IS o comuruca-se entr - .

en tre o filho e o mundo e t . e a mae e o fIlho, e x enor. No homem a motr' 'd d

forma de sobre~saltos mIuCI

ai e aparece primeiramente sob a scu ares no momento

~aradoxal se estabelece, cerca do ~étim 'd em q~e o sono ultimas semanas J'á se pod domes a graVIdez. Nas

, e escrever um peque ' . comporfamental estimul d' no repertono a o por tres fontes:

- reac?ões autogéneas, tais corno os sobressaltos de ador­mec~ento cUJo determinante é essencialmente enético'

- ;eacçoes a uma estimulação sensorial em redorgdo ven~ re ~aterno~ :uído intenso, pancada, tem eratura

pressao mecamca quando a mãe mud d p , convite h t ' . a e postura ou

_ ap onOfilCO sob a pressão calorosa das mã . - reacçoes a objectos sensoriais já organizados, tais co:~

a .~Ifac!o-gosto,. o.u a palavra sensorial, que, pelas baixas VI raçoes, acanCIa a boca da criança.

Durante as ecografias co b os bebés f d : meça-se a o servar a maneira corno . ,no lffi a graVIdez, exploram o mtra-uterino: parede uterin d- se.u pequeno mundo

, a, cor ao umbilIcal mão I pe, ou mesmo o sex,0, masculin071 ma' f"1 d ' po egar, agora bem descrito o c~meço do f . IS aCl e agarrar. Está soriais antes do nascimento An t~clOnamento ~os canais sen­sensoriais no feto .' a sa-se um catalogo das vias Porém, na realid;le°:q~;~SSO J'e~mite explicações mais fáceis. mula ou . 'b ' ~açao e um SIstema sensorial esti- ~

mI e um outro SIstema senso . I H' intermodais quando uma inf _ na.. a transferências é traduzida e tratada por umormtaça~ percebIda por um sistema

, . ou ro SIstema72. Na setima semana após a fusão do '

cionar o tacto. Percebe todas a tim IS g~me~as, começa a fun-s es u açoes fIsIcas, as pressões,

71 B. ,BR,?USSIN, PH. BRENOT, «Existe-t-iI un . Medlczne Ire/ale et écho Ta hie e ~ ~ sexuahté du fretus?», in

72 ].-P LECANUET C GRANIE~R DP n gynecologte, n ." 19, Setembro de 1994 , . - EFERRE B ScH Le' .

lcetus)}, 1992, in M. Souú lnt d 't.' • lAAL: c( ssystemessensoriels du , ro IIC 10" a aVIe fretale, Paris, ESP, pp.43-70.

153

as vibrações e as picadas. A primeira zona receptora ao tacto localiza-se no lábio superior, depois na palma das mãos, a seguir no rosto, depois na extremidade dos membros, final­mente no conjunto do corpo, cerca da décima quarta semana.

Esta constatação embriológica suscita um primeiro espanto teórico: é por meio de uma percepção mecânica dos receptores do tacto e da vibração que um organismo estabelece a primeira comunicação verbal com o seu mundo. Ora, este tipo de per­cepção persiste durante toda a vida. No adulto, as costas con­tinuam a ser o local privilegiado das mássagens, e a palavra, enquanto vibração ondulatória, transforma-se em pressão mecânica no ouvido interno. Todas as informações mecânicas do tacto, da palavra e da carícia convergem em direcção ao local que, no córtex humano, reúne as percepções e as ordens motoras consagradas à boca e à mão. O conjunto boca-mão cons­titui a ferramenta corporal mais profundamente humana.

Cerca da décima primeira semana, o gosto e o olfacto regres­sam juntos à dança sensorial. Pode estimular-se a lingua com uma pressão, uma fonte de calor ou um pedaço de gelo. Todavia, o que a caracteriza é o facto de uma estimulação quí­mica provocar uma sensação. Uma molécula de mentol dá uma sensação de frescura, apesar da temperatura não ter variado. Uma molécula de amoníaco faz nascer uma sensação picante, quando nunca existiu agulha. A partir da décima primeira se­mana, o organismo traduz o que percebe.

O órgão vómer-nasal, tão importante no cão e nos animais que vivem num mundo fortemente olfactivo, regride a partir da oitava semana entre os pequenos seres humanos, coníirmando, assim, a hipótese de Freud e de Lacan sobre a regressão do olfacto no homem. Porém, no feto funciona ainda em associação com as papilas, como se o pequenino provasse o líquido amniótico com o nariz. Quando o feto engole todos os dias quatro a cinco litros de líquido perfumado, como se fosse soro de leite, a que uma co­zinheira tivesse juntado o sabor daquilo que a mãe come ou res­pira, habitua-se ao alho, à lavanda ou ao cigarro. É por isso que os prematuros com seis meses manifestam mímicas de sorriso quando se coloca uma gota de água açucarada na língua, ao passo que fazem uma careta de aversão em relação a uma substância

154

amarga, provando assim ue . qualquer aprendizagem, t;do~ :s~o ~tes de nascerem e sem mesmo repertório de gostos e d . ebes do mundo possuem o

A a d' - f' e IlUrrUcas. u lçao O! muito estudada ' sos captores técnicos73 Q , ~aças as actuações dos nos-. . uan to maIs a un'i - t

Clas, menos pressão produzem, tal en arem as frequên-lasse maIs ou menos am Iam co~o um cordel que ondu­frequências e um estr p . ente darIa um salto com as baixas b · f' emeclmento com as It O . alxas requencias são b a as. u seja as

em transmitidas pel d ' passo que. as altas são filtradas Orno. corpo a mãe, ao ser o mundo do silêncio . t' un~o aquatíco está longe de placenta e da voz ténue d VIS ~ quoe esta cheIO da ritmicidade da

. d . a mae. voz do home d' so po ena ser transmitid I m, ItO «o pai» mãe e gritasse muito alto ac~e co ocasse a boca contra o ventre d~ SItuação banal da conversa. m uma voz grave, o que não é uma

As vibrações da voz estimul . um diapasão a que o garot am a coclea do ouvido tal como coração, por vezes muda % reage quando não dorme. Acelera o esta informação: quando e po~tura e, sobretudo, habitua-se a d' se errute, de quatro em tr os, um smal sonoro de 25 d 'b .. qua o segun-Porém, após um pequeno' tecI eIS, acaba por deixar de reagir. mesma estimulação, revel':;~::~~espo~derá mais depressa à de aprendizagem. que e capaz de uma forma

A visão está apta a funcionar an condição natural, não tiver ocasi- tes do parto, mesmo se, em copias, quando o médico . ao para ISSO. Durante as amnios­gruta uterina o coração denvla um jacto de luz para ilUminar a que percebeu' um sinal lu a cnança acel~ra-se, provando assim

O facto de o ouvido e~oso ~ que fICOU emocionado. tores da mácula ocular nã~ :t:l:e a tapa~o e de os foto-re/2ep- ~ argumento para defender ~ ter~ados não é um bom recém-nascido esperneia qua~~o o ebe ~ada. percebe, pois o dam a motricidade ainda t- . as vIas pIramIdais que coman-

es ao Imaturas, e sabe gritar, chorar e

73 D. QUEERLW, X RENARD F G. LJ::VY e M. TO~AIRE E .. VERSVP, «Vie sensorielIe du fCEtuS» il1 nal des gynécologues et ~b;tVé'tr~n~lemefnt de l~ naíssance, Collége na~o­

nClens rançaIS, 1985.

155

ouvir alguns anos antes de o cérebro temporal estar totalmente

desenvolvido. A aprendizagem fetal é, todavia, uma ilusão, dado que a

memória é extremamente breve. Só se prolongará com o desen­volvimento do sistema nervoso, tornando, assim, inútil a criação de universidades intra-uterinas74. As nossas dificuldades com os adolescentes, nas universidades extra-uterinas, incitam-nos a não acrescentar mais provações. Tanto mais que não possuímos qualquer prova dos efeitos tardios dos acontecimentos precoces. Antes pelo contrário, os embriologistas ensinam-nos que um bocado de embrião cortado e enxertado num outro induz desen­volvimentos diferentes de acordo com a competência do tecido receptor, como se o avanço vital, muito grande nos primeiros tempos, conseguisse compensar ou recuperar uma falha inicial.

Também não se sabe o que faz acontecimento numa vida de feto: um ruído? Um perfume de maionese de alho? Uma canção suave? Nesta fase do aparelho psíquico, está-se mais perto da rodagem do sistema neuro-sensorial do que da autobiografia. O que não impede que esta fase seja, todavia, necessária ao esta­belecimento de um sexto sentido: o sentido de si75

. Não se trata do sentimento de ser si-mesmo, que é uma emoção provocada pela ideia que se tem de si, sob o olhar dos outros. Trata-se, sim, de uma sensorialidade que permite saber o que é si e o que o não é.

APÓS O NASCIMENTO

Um sistema nervosO não estimulado não convive, não estabi­liza. Parte em todos os sentidos. As interacções precoces cons­tituem os primeiros convívios, os primeiros indícios sinópticos. Porém, serão necessárias várias revisões, numerosas repetições, para os estabilizar. E ainda, durante muito tempo, continua a ser possível uma correcção cerebral de tal modo a plasticidade nervosa

é espantosa.

74 G. PETER, R. HEPPE, «Fretal learning: implications for psychiatry?», British fali mal of psychiatry, n." 155, 1995, pp. 289-293.

75 D . STERN, Le Monde ülterpersol1uel du nOllrrisson Paris, PUF, 1989.

156

Além disso, nem todas as es tirn I· . pois o cérebro não é passivo e só ubaçoes delx~m vestígios, A visão humana ri-se dos ultr p~rce e o que qmser entender. ouvem os ultra-sons Te a~lO etas e os nossos ouvidos não

. m-se a lffipress· d arcaicas do nosso cérebro são as .. ao e quê as zonas mais pela ge~ética: respirar, comer-b~:~~ ::;::m;~te governadas mltem as nossas pulsões extraírem do . ' e. ender-se~ per­que precisamos para sobreviver O ' melO amb~ente aquilo de ele, precisa de vestígios e d . cderebro emoclOnal, quanto a

. e recor ações pa d I posta. Quanto ao cérebro e t ra mo u ar a res­dado pelas pressões do ~ ~en e'b~ neocortex, é fortemente mol­que trata os sons não elO am lente: se um lóbulo temporal, occipital, compet~nte :::~e~e:t:ro:~ ~trofia-se. S:, um lóbulo lmagem, a pessoa nunca od ' lffi~gens, nao perceber ser cega! p era ver os objectos, apesar de não

. De modo que quand ' mundo já pOSSui' o um recem-nascido desembarca no referên~ia sensoria~s aopseqquue:,o armazenamento de pontos de aiS se agarra' as b' f •. da voz materna o brl'lh d . alxas requenclas . ,o, o o or e o calor fo Ih . ' prlffieiros pitões de escalada Pt. rnecer- e-ao os período sensível nem sequer' deo~:nto, ~ao se pode f.alar de mesmo se acontecer ue . umatísmo do nasclffiento, biológica é muito bre~e ~U~l~Ç~ s~fra: .pois a sua memória grande que as recupera~ões' c~n~:'u~StíCldade co:re~ral, é tão muito tempo. a ser posslvels durante

Podemos, então, interrogar-nos I' f . mulações pré-natais. Quando o r ~ua e a . unçao destas esti­mundo ti' . ecem-nasCldo entra no novo

, a vez smta aqmlo qu' . estrangeiro, encontramos um ros~o ~~~nti;os qudando, nç> uma «continuidade da co . • ar. e mo o que há . murucaçao mãe-fet f' gravldez e uma materializa. d .• o no mal da bebé desde os inícios da vçdao ~ comurucaçao entre a mãe e o

1 a pos-natab,76 Esta tin"d sensorial permite constituir d' 'd" con m ade , la apos la, gesto após gesto, a

76 M. HALPERlN, «Prémices et anta' . SINI F. B~GUIN M B genese de la Vle affective», in W. PA-, ,. YDLQWSKY E P ARIERNJ Le F

Genebra 1989 Éd Méd" "", K, crtllS et san entDl/rnge I ,. leme et H yglene. '

157

percepção de um mundo organizado. As categorias perceptuais são binárias, tal como qualquer pensamento no irúcio: o mundo diferencia-se em duro ou mole, intenso ou suave, brilhante ou escuro e, graças à memória recente, em familiar ou não familiar. Uma saliência faz sair os objectos de um mundo que, sem esta longa categorização, não tomaria forma. Quando tudo vale tudo, nada tem valor. Graças a estas categorias sensoriais, o real deixa de ser um magma. O bebé extrai dele formas salientes às quais responde por emoções e comportamentos.

Da electricidade das células que coordena as respostas à per­cepção de uma figura materna que ordena o estar-juntos de dois mundos mentais, qualquer organismo vivo escapa, gradual­mente, aos fenómenos da matéria.

O acto de um animal seria uma resposta adaptativa, uma inscrição no seu meio ambiente. Ao passo que o acto humano seria uma busca exploratória, uma avidez sensorial, uma fome de significantes. Este raciocínio esquemático só é pertinente nas extremidades do leque do ser vivo, porque os actos de um pequeno ser humano ao princípio não passam de abalos mio­clónicos e alguns animais manifestam intenções. Um chim­panzé, pelos gritos e gestos, sabe orientar um homem em direcção à tigela de passas que o animal não pode atingir. Um gato motivado para sair do apartamento cola-se à parte móvel da porta e olha alternadamente, enquanto mia, para a fechadura e para o rosto do ser humano.

No mundo vivo, todos os que nasceram de um ovo são obri­gados à alteridade. Quando a reprodução é assexuada, as célu­las separam-se ou aglutinam-se sob o efeito das pressões físico­-químicas. A alteridade torna-se sensorial quando o pintainho segue a mãe e se cola ao conjunto do estúnulo composto pelo seu corpo. Porém, um bebé humano não pode seguir, apesar de espernear, os seus gritos e mímicas. Então, segue com o olhar esse ser fascinante a que os adultos chamam «mãe», estende a orelha e busca o mínimo indício comportamental do corpo desse gigante que o captura para seu enorme prazer.

A infância prolongada do homem e o seu estatuto motor particular explicam que, onde um pintainho percebe e responde pela motricidade, um bebé humano percebe e alimenta uma

158

representação sensorial. En uanto '. actua, um bebé procura as e! _ um pmtaínho percebe e tir destas representações p li epçoes e representa-as. E é a par­bebé humano manifesta a'· a

t me~tadas ~or percepções, que o

Desde os anos 70 m ~nçao de agIr sobre o outro. um bebé responde a; fu"aças a ~tologia, sabe-se observar como tos espontâneos e provoceaPderce e. C? estudo dos comportamen_

d . os pernute imagm' mun o cUJa memória perdem D . ar o seu pequeno (de maneira esquemática de os. esd~ as mteracções precoces o bebé vive num mund' m~nos seIS a mais doze semanas) qual tenta avir espem

o orgdaruzado,. a que responde e sobre ~

d " 0- , ean o emoclonalm t IrecclOnais, gritos e gestos 'á . . . en e, com sorrisos

é gradual, mas a partir das J . mt~nclOnals. A escapada material que, quando um bebé nã:r~,elras sem~nas pode-se observar vivência (comer beber d es a s~JeIto. as pressões da sobre-

. " ornur, evItar pIcar ) 'liz percebe para agir sobre o d . -se ... ,uti a o que D que o ro ela . entro desta concepção de . , mteracções precoces mostr um mundo pre-semantizado, as

am-nos como b b' manas, passa do abalo ao reflexo d .? e e, em poucas se-explorar o mundo e agir s b I' epOls a busca sensorial, para a palavra. o re e e, tal como fará mais tarde com

A inteligência pré-verbal é . . Permite cOmpreender que ' pr~melramente, sensorial. informações neutras colocaâ~percepço~s de um bebé não são percebe uma estrutura d ~um reCIpIente passivo. O bebé sobre ele e de nele Ocupar o mun lO e representa-o a fim de agir

o seu ugar Desde o nascimento a fun ã . . .

espantosa. Um bebé acabado deÇ o tranquilIZante do toque é da mãe, apazigua-se ao as nascer, deItado sobre o ventre que se agite durant~ m~it;~ que basta interpor um tecido para calor e odor conf' empoo O contacto da pele o seu

eCClOnam um tra'liz ' nunca nos habituaremos v' t nqUl ante natural a que toda a nossa vida Um '. IS o que permanece eficaz durante . a cnança em A. I da mãe. Dois adultos infel" paruco ança-se nos braços os idosos moribundos sorrt

zes aper~m-se um contra o outro e Observam-se duas gran~m q~n ,o .se lhes segura a mão.

ocasião do toque. A maior a:~:~a:te~Ias comportamentais por fazendo-o durar tran f p cnanças gosta, procura-o e

, S orma-o em carícia. Enquanto outras s~

159

entesam e tentam evitá-lo, revelando assim, desde as primeiras palavras, um medo do apego.

Para algumas espécies, o tacto não é um sentido privilegiado. Os sáurios pisam-se, os insectos chocam, mas os mamíferos começam a codificar determinados lugares do corpo. É o homem que faz da pele um sentido particular, talvez porque, corno não tem pêlos, experimente uma sensação extrema? Mas, sobretudo, porque o tacto participa mais do que se julga na ver­balidade. Não é raro, em neuropsicologia, observar indivíduos atingidos de afasia óptica77: uma lesão occipital, póstero-Iateral esquerda, no sujeito que se serve da mão direita, origina um sín­droma próximo da agnosia visual. O doente não consegue dar nome nem sequer indicar por um gesto o objecto ou simples­mente mimar a sua utilização para voltar a ser de novo capaz de articular a palavra adequada. Começa a falar tocando, enquanto parecia afásico quando se contentava em olhar. Esta dissecção natural do cérebro prova que todos os sentidos participam na palavra e que caímos na armadilha das nossas palavras quando, a pretexto de que a nossa língua distingue cinco sentidos, jul­gamos que estão separados no real.

Foi desconfiando desta armadilha nominalista que observámos o olfacto dos primeiros dias. Há muito tempo que sabíamos que um recém-nascido se tranquiliza e começa a masti­gar quando é posto junto de um algodão impregnado do odor da mãe, ao passo que desperta e imobiliza a boca em qualquer outra atmosfera olfactiva78. Na óptica cinestésica, que organiza as nossas observações, quando a urna percepção habitual se acrescenta uma sensação normalmente percebida por um outro canal, constatamos urna harmonização dos comportamentos. É assim que a análise ao retardador das imagens vídeo gravadas durante a primeira mamada, revela urna estratégia comporta-

77 J. B. MIHAI, NeuropsycJlO/ogie c1illique el neur%gie du comporlemml, Presses universitaires de Montréal-Masson, 1987, pp. 284-285.

78 B. 5cHAAL, E. HE1mlNG, H. MONTAGNER, R QUlCHON, «Le rôle des odeurs dans la genese de I'attachement mutueI entre la mere et I'enfanl», in L'Aube des sens, Paris, Stock, n.· 5,1981, pp. 359-377.

160

mental da boca e do nariz de u . minuto que se segue ao . ma compleXIdade incrível79. No d d nascImento quand .

o or o seio materno . ' o a cnança cheira o avança os lábios e mastig' a apaz~guad-se, distende as pálpebras

. ,aspIran o ks thãos t- ' ao movrmento da boca, tal co " . es ao associadas Notamos então um mm" I mo fara maIS tarde ao falar -' , uscu o comport . .

Sucçao, mal observável em t amento, capItal para a de criar na boca a pressã emp? real: o recém-nascido, antes

. o negativa que lhe 'tir' aspIra o seio, balança a cabe pernu a mamar vez maIs preciso det' ça num movimento de busca cad~

, em-se no mamilo . Quando esta sequência com e mUltas vezes lambe-o.

pode efectuar, porque o beb' d portamental complicada não se se precipitam para lhe t e orme, porque chora ou porque seio armado impede ~ erem o mamilo, esta agressão com língua ao palato Um o re exo de busca e, muitas vezes cola a

. comportament t ' angústia, ou o desejo de se libertar ~ema erno enraizado ha sua car uma perturbação das cond t . urna tarefa, pode provo­quando um psiquiatra diz u as alimentares. É por isso que

b b ' a uma Jovem mãe' Minh nh ' seu e e recusa o seu seio . " a se ora, o pais quando era criança» porque a senhora quis seduzir os seus Iidade. O psiquia tra de",' I:'rovoca . uma gargalhada ou incredu-b b' - . ena arranjar tempo d' e e nao está à vontade d _ para Izer: "O seu três tentativas o ensinar

quan o o poe ao seio porque duas ou

Iiarizar-se com o seu ma:::; a hrespIrar mal. Não pôde fami­esfregando-se nele N dO c eIrando-o, lambendo-o, depois

. o seu eseJo de p d b apressa-se, o que imp d _ . roce er em, a senhora P ' . e e a sequencIa dos recIpIta-se porque des '. comportamentos.

eJa mUlto ser uma - f . esta promessa porque ta b 'f mae per eIta. E fez seus pais.» m em 50 reu com a indiferença dos ~

Este é um exemplo de . da história da mãe im c~scatas de mteracções que, partindo A sucção exige um a~ pe em que o recém-nascido mame'

gumento comporta tI' actores desempenham . men a em que os dois os papeIS na perfeição. A primeira ma-

79 A. M. W'DSRTOM, J. THINGSTROM_PAU .. dunng rooting reflexes eliated . lSSON, c(The pOSlhon Df the tangue kle», Acta Pnediatrica Scandinavi~ ~~~~olm99m3· fants before the first suc-

,. , , pp. 281-283.

161

encontro em que a ontogénese do recém-mada põe em cena um " mínimo movimento da -nascido se articula, quase ~ narma, ao

língua, com a história da ~a:enografia não são menos impor-Os outros elementos aS' a linguagem separou o ' m cena o a noss

tantes, Tudo se Joga e ão dos olhares, Assim que começa olfacto, o gosto, ou a u:teracfç olhares e a mãe, silenciosa, o aleltamen o, os f il'tam o estabeleclrnen o

' t parceiros Ixam os, 't ' O' le'te materno, ac I

pilota o filho, selO, o I 'de comunicação, visto que as harmonioso de todos os canais ais informações senso­

' as alimentadas ao selO trocam m cnanç b'b - 80 e tomam I erao , , ,

riais do que as qu, b d leite matemo tambem cne Não é imposslVel q~~ o'd sador dO J'á-visto, de já-provado, ao

' to de familian a e, e , 't um sentimen 'óti' POI'S o gosto esta mUi o d li ido amru co, , evocar o sabor o qu , , os separa E mais, saboreia-S' elO aereo , Próximo do olfacto, o o m tr Alguns gostos são tactos ' a amostra do ou o, -se com o nanz un; mo aI uns animais tocam com o olfactivos c~m a lmgua, tal ~oando ~om as narinas o objecto a tubérculo vomero-nasal, pa P, substância não pre-

tre o orgarusmo e a explorar, O encontro en , P' no homem, está forte-cisa de qualquer aprendizagem, orem,

mente impregnado de cultura, objecto estimulante, O silêncio toma-se, ele mesmo, un; um sentimento de

" !idade para cnar quando se assOCIa a voca 'verbais Desde as pri-d tr cas corporais e ,

ritmo, precursor as o _ f I bebé fascinado pelas ando a mae a a, o, _ meiras semanas, qu , lh dela Assim que a mae " -o tira os o os , palavras sensonalS, na se cala pondo a criança ao

d 'b't u que por sua vez, abranda o e I o o , ilA" o'vel da mãe desse ao o se o s enclO lrn seio, tudo se passa com, uando está na frente dela ou de bebé tempo para vocalizar q d 'Estas conversas pré-ver­mamar quando está em d~~l~tgeos °c~~~ortamentais, ensinam os bais, ou melhor, estes la _ a sentirem-se mutua-

h ' arem as emoçoes, lin parceiros a ~rmoruz, , refeições, é o corpo que faz _ mente, A partir das prlrnelras

d d 'alimentation chez le bébé . . iale et mo e 80 E, NOIROT, "OnentaMn s?", 0 11 1977 pp, 2127-2146,

humain», in Psychologle medlcale, n. I I

162

guagem, Esta estimulação é um acto total que constitui o am­biente do recém-nascido e o prepara para o encontro verbal,

O objecto sonoro é, de qualquer modo, muitO'particular num mundo humano, Urna matraca que se põe a girar em redor de um recém-nascido provoca uma crispação do rosto, uma aber­tura dos olhos, uma respiração irregular e, muitas vezes, choros, pois o som da matraca é um alerta para ele, Ao passo que uma voz de mulher o acalma imediatamente, melhor do que a de um homem, mas' menos bem do que a da mãe, corno se o som já não fosse um ruído num mundo de recém-nascidoSl.

Moldado pelo cliálogo pré-verbal, aprende muito rapida­mente a forma do que ouve, pois a música da língua materna imprime nas estruturas nervosas uma aptidão para perceber determinados fonemas melhor do que outros. É por isso que os Japoneses terão dificuldade, durante toda a vida, em clistinguir o r do I, ao passo que, para um pequeno Francês, é uma evidência.

As interacções precoces constituem um período sensível que toma o recém-nascido susceptível de receber uma marca verbal. Com efeito, as crianças com menos de seis meses reagem emo­cionalmente a fonemas protótipos da língua materna, enquanto não reagem aos de uma outra lfugua que percebem corno um ruído, A simples exposição passiva à lfugua materna durante os seis primeiros meses permite aos muito pequenos aprenderem e localizarem as diferentes categorias de sons falados, tal corno urna música

B2• Porém, só entre doze e dezoito meses mais tarde

compreenderão que as estruturas sonoras particulares podem fazer sinal, atribuindo um sentido a estes objectos sonoros. Est~ processo não se observa entre as crianças autistas, que ficam fascinadas, coladas às palavras dos outros, corno se se tratasse ainda de um estímulo psico-sensorial.

81 r MEHu:R, J. BERTONCINJ. M. BARRffiRE, D. JASSICK-GERSCHENFELD, «InIant recognition af mother's voice», Perceptiol1, n.o 7, 1978, pp. 491-497, e J, MEHLER, E. DUPOux, Naitre hl/main(publicado pelo Instituto Piaget Com o título Nascer Humano), Paris, Odille Jacob, 1990.

82 B. DE BoY5S0N-BARDIES, «(Do babies bable like speakers speak?», in !ntemational Conference of !nfant Studies Austin, 1982, e Commen/ la parole vien/ aI/x enfan/s. Paris, Odille Jacob, 1996,

163

Quando se aplica esta a~tu~e cines~:!: a~s c;~~~r:!S!~~ torna-se facilmente obsedrvave

d quer' do contorno da cabeceira

. les mu ança e co _ , manas, uma sunp . " d it083 A maturaçao ra-da cama altera a estrutura blOf1~l~~lh~ ~eres~ar-se muito cedo pida do sistema nervoSO perrru erimeiro lugar, percebe o con­pelas formas e contornos. Em p bebé é cativado pelos ele­torno, mas, a partir dos dorl:ese~~~iZ movimentos). Será pre­mentos internos d? rosto, o os, ue diferencie o rosto de um ciso chegar ao qumto mes para q

homem do de uma mulher84

. t 'ncia de base do recém-Estes trabalhos sobre a ~ompet e anos servem de ponto de

-nascido, começ~dos há cerca e v:: que ~recisam o objecto e partida para mil outras observaç oeidade dos bebés. A mais reforçam a ideia da espantosa prec desde o segundo mês, célebre é, certamente, a q~e provfa qu.e, de um adultoss. O sim-

, d " t as mlrrucas aClalS um bebe po e lffil ar . f . 1 de um homem que lhe d b r a mírruca aCla

pies facto e perce e I um contágio emocional que deita a língua de fora provoca ;e; . tar por sua vez, a língua de exprime pelo comportament? . e eelmâ~tica em que deitar a lín-

N- trata de uma munlca s , -fora . ao se . . d tua força». Tambem nao se f dlzer «Rio-me a gua de ora quer '. ' ti ois um bebé não sabe nem

trata de um gesto quase lmg~:e~~ ~ de vitória. Todavia, a sim­pôr o polegar_no narlZ, n:m desencadeia nele uma resposta pies percepçao desta rrurruca

análoga. I - o de observações sobressai que Finalmente, desta ac~ulaç~ 'to diferentes das do bebé

, . do bebe rea sao mUl as competenclas " As observações directas provocam, reconstruído pela memona. d titude' é no ambiente humano então, uma clara mudança e a .

M curr L'En'ant et san envirol1l1ement, Bruxelas

83 A. PORMERLEAU, G. AL , "

Mardaga, 1983, p. 266.. . facial attern recognition», in M. H. 84 J. F. FAGAN, «The ongms of P J /P,,;cnl Deve/opmel1! from /l1faI1CY:

W KESSEN (eds), syc 10 00 , BoRNSTEIN,· . Hillsdole Erlbaum, 1979. Humall and Animal Studles, ..' f f . 1 and manual gestures by

M K MOORE «ImltatlOn o aCla 85 M. MELTZOFF, .' '. 1977 75-78.

human neonates), in Science, n. 198, ,pp.

164

que se encontra a causa dos seus comportamentos. Desde o nascimento, o mundo de um bebé é estruturado pela figura de um outro.

COMO A HISTÓRIA SE TRANSMITE CORPO A CORPO

- -

Tivemos, então, uma ideia que julgo ser simples e fértil. Pedimos a. profissionais do nascimento que tomassem nota da primeira frase pronunciada quando a mãe, pela primeira vez na vida, encontra o bebé e lhe pega ao colo. Ao mesmo tempo, rea­lizávamos algumas observações directas, para vermos se esta frase possuía um valor organizador dos primeiros gestos. Depois, muito tempo depois, procurávamos saber o que aconte­cera a essas crianças e ouvir a sua história.

Este método, que associa a observação directa, o acompa­nhamento de um desenvolvimento e a recomposição histórica, fornecia-nos uma amostragem relacional de bom valor preditor.

Gostaria de começar por um homem. Gau, 47 anos, ficou muito aborrecido quando a jovem namorada de 30 lhe anunciou que esperava um filho. AEabava de se divorciar em condições dolorosas e, como os dois filhos crescidos eram autónomos, recebeu a notícia com tristeza: «Vai recomeçar ... o peso de um bebé ... » A gravidez foi· pesada para toda a gente, sobretudo quando o ecografista anunciou a chegada de um rapaz. Depois do parto, a parteira veio buscar Gau .. . , leva-o até junto do berço e apresenta-lhe ... uma rapariga! Gau .. . , ao ver o bebé, sente uma espécie de paixão à primeira vista. O seu coração fica cheio ,de esperança. Diz: «Tenho exactamente o que desejava: uma filha! Vou poder dar-lhe tudo o que nunca tive!» Gau ... conta então a sua história. O pai era um pária que estava sempre embriagado e maltratava a família. Aos 15 anos, o jovem Gau ... teve de fugir. Casou aos 19 anos, com a primeira mulher que o quis. Sobrecarregado de trabalho, não teve tempo para se sentir pai de dois rapazes que, apesar de tudo, se desenvolveram bem. Quando, após a brutalidade do divórcio, a nova companheira pôs no mundo uma rapariga, Gau ... , mais idoso, mais calmo,

165

menos perturbado pela vida, pôde, finalmente, sentir-se pai e capaz de viver um desejo profundo, enterrado sob as urgências quotidianas: tornar feliz uma menina! Finalmente, possuía um bebé menina que tudo esperaria dele. Graças a esta criança, a vida ia ter sentido, ia tornar-se aquele por quem chega a felici­dade. Finalmente, poderia recuperar a infância.

A paixão súbita ao mesmo tempo quase desencadeou uma angústia insuportável: «É a primeira vez na vida que amo tanto. Seria terrível se a perdesse ... » A partir de então, Gau .. . nunca mais tira os olhos do bebé, vigia a mulher, atormenta-a, acon­selha-a continuamente. Lê todos os livros, interroga os médicos e pressiona a mulher para que saia e jogue ténis, pois «é tão jovem»! Então, Gau .. . torturado de angústia e encantado de feli­cidade, só com a menina, tece um delicioso apego ansioso.

A ontogénese da criança começa na história do pai! Assim que chega ao mundo, um recém-nascido herda o problema dos pais. A condição dos bebés humanos é feita de tal modo que quase sempre o problema de um outro terá de ser suportado por eles!

A senhora Lem ... sofreu enormemente, na infância, com os maus tratos que os pais lhe infligiam. Quando, após uma única relação sexual, compreende que está grávida, pensa: «Quero este bebé para mim», e expulsa o genitor. Só, iletrada e sem tra­balho, sofre de uma profunda melancolia. Quando a menina chega ao mundo, a senhora Lem ... desata a chorar e insulta a parteira: «Não vê que ela quer morrer?!» será a sua primeira frase.

Nos dias que se seguem, diz: «Quem me dera ficar fechada, sozinha com ela; seríamos felizes». Também diz: «Todos os que amo morrem ... Não quero pô-Ia na creche, sentir-se-ia abando­nada ... Não quero que fale, a palavra afastá-Ia-ia de mim ... Não quero que vá à escola, abandonar-me-ia ... » Estas frases dos primeiros dias não são compreendidas pelo bebé, mas possuem, de qualquer modo, um valor preditor da maneira como a mãe vai estruturar o campo sensorial que moldará a criança. Em cada acontecimento da vida, estas frases agirão sobre a criança.

Mais tarde, quando o bebé quis afastar-se da mãe, este sinal de saúde provocou nela uma reacção ansiosa e agressiva.

166

Quando a m . t desatou a e!l!fla entou a aventura das primeira'S palavras agarrada àC;groradr. Quando a criança foi para a escola, a mãe fico~

a es.

com~Str~eiras frases são, muitas ve~e~, preditoras da maneira

a cada :c~~~e~~!:~~::r as mteracçôes quotidianas e as respostas

- «Este bebé quer-me ma!...» - «Parece-se comigo, é terríveL.» - ·«Já me decepciona ... »

- «Quando ele saiu, vi a cara do meu pai no meio das minhas pernas ... »

- «Não ouso tocar-lhe, é sagrada ... » - «É um ralO de sol, é o homem da minha vida ... » - «Vamos ser amIgos, nós os dois ... » - «Esta vai amar a vida ... »

- «Quero outro bebé, melhor do que aquele. Fazes-me outro? .. »

- «Tem o olhar frio .. . » - «É um maravilhoso pequeno Buda ... » - «DeIxa-me sozinha com ela. Vai-te embora ... »

I Todas estas f~ases pronunciadas e outras mais bonitas mais oucas, maIs ternveIS ou maravilhosas se em . '

sentaç - d - P oV • , alZam nas repre­S- oes; mae. orem, estas representações não caem do céu s~~a~. resu tado da sua história e contexto actual, afectivo ~

A senhora Laou go t . d d . ... s ou mUlto os seus quatro filhos . ~ os na Argélia. Quando o marido encontrou um em . ' naSCI-

Toulodn: teve a impressão de cair num buraco negro ~~e;~o:; preen la nem a linguag . -

. em, nem os costumes e deses erava pensando na famíha e nos amigos de Argel O f t d P . dar assim q h f . . ac o e engravI-

Ih' F hmue cegou, Ol uma catástrofe suplementar. Es-co eu« at a» para nom .. d o se . P . e propno a criança e evocar melhor

u paIs. orem, sempre que pronunciava o n d . ~rrava os dentes e ficava triste ao pensar no p~:~so a ~:~~J~'

epOls, ad~ptou-se e teve mais qua tro filhos. Todavia p. . um a relaçao foi difícil. Fathma, após ter sido anor~a:~~:

167

amável para seduzir a mãe e conquistar o seu afecto, tornou-se uma adolescente infernal.

«Por que dizem que um bebé está bem? Está bem quando é bem tratado!» 86 E é bem tratado quando quem o trata está bem. O contexto afectivo e social de quem o trata desempenha um papel fundador na constituição do sentido que a mãe atribui ao recém-nascido: «Desde que nasceu, a Cecília decepcionou-me. Era irritadiça e não sorria. Os seus gritos angustiavam-me. Não lhe pegava. Na primeira ocasião, punha-a na cama ... mas, quando tive a Ana [a segunda], foi como uma declaração de amor. Reconhecia os seus gritos e acalmava-a imediatamente. Torná-la feliz, dava-me prazer ... » Estas frases organizaram campos interac­tivos observáveis muito diferentes que moldaram as crianças, re­jeitando Cecília e apaziguando Ana. Cada uma das crianças nasceu dentro de um contexto afectivo e histórico diferente: «Estive doente antes de ficar grávida da Cecília ... sorria para o pai e adormecia ao colo dele ... tinha ciúmes ... casei com o Michel para não estar só ... sofria de muita angústia ... » «Ana chegou quando eu tinha 22 anos, depois da morte do meu pai bioló­gico ... a minha mãe disse-me: «é o teu paü>. Julgava que era um amigo da fanu1ia. Respondi à minha mãe: «Deverias ter-me dito mais cedo. Tê-lo-ia amado, a esse pai...» Após esta revelação, a jovem mulher sentiu-se aliviada por não ser filha de um pai que não amava. Quando Ana chegou ao mundo, dentro deste con­texto histórico, arranjou para a mãe o significado de uma reno­vação afectiva, como se a chegada do bebé tivesse significado: «A partir de agora, podes amar como quiseres.»

São inúmeras as histórias que atribuem sentido à criança. Essencialmente, contam relatos históricos, afectivos e sociais. «Digo palavras desagradáveis a Sandrine. Detesto-a. Puxo-lhe os cabelos porque a sua presença me impede de deixar o pai», dizia aquela comerciante estimada. «Só me sinto mãe, sozinha com um bebé. Se o meu marido quisesse fazer o papel de pai, deveria deixar-me. Enquanto cá estiver, não sinto qualquer prazer com um filho ... »

86 D. DECANT, «Au Bonheur des bébés), in Le Banheur, Psyclliatrie fran­çaise, n .o 6, 1986.

168

«Porque nasceu cedo de m· G ' mês maravilhoso de gravide aIS, lh erald roubou-me o último em que mo puseram nos bra~o~UlSo e maI,.desde o primeiro dia angustiou. Trazia-o em· .»« segundo [filho] sempre me morresse [demência Alz~ en)uantoesperava que a minha mãe pânico. Levava muito te~lIl1er . AsslIl1 que chegou, entrei em chamar ... o mais velho IevantPO a com~r. Eu estava sempre a D ava-se sozinho tI·

esde que adormece [ o segundo] as minh ' a c~mo eu querIa ... cem. Sou menos maniaca And d' ._ as angustias desapare-

T . o e aVlao Fa . . odos os factores se co . . ço pIqueruques ... »

porque uma gravidez correu n6~~a~ para da~ sentido. Não é maticamente A angu'sti·a f q e uma mae se apega auto-I· . ornece mesm Igante afectivo: «Quando a SI. o~ por vezes, um bom

debruces sobre o berço isso vOa· tY vI~nI' dIsse.ram-me: "Não te , I orna- o caprIcho " Q ao segundo, a gravidez foi tão dT .1 . so... uando

condições do parto]. Nasceu v~:~~ qU~fUI eu que decidi [das saco azulado Ao prlIl1· . lh o. Icava maravIlhoso no .. . erroo arpe ·"A de acordo ... e é assim ha' 15 ,; nsel: mbos vamos estar anos. »

Contrariamente ao preconceito aI . desejadas são seguidas de .' gumas gravIdezes não mas quando vi a sua beI::o~ ,:tenso: «Nã~ queria ter filhos, pêssego ... fiquei durante vin~ ua perfeIçao, a sua pele de A nossa relação sempre loi E,e ile q~~ro hor~s a admirá-lo ... Tudo ruía à minha volta. o m ac .» .d« ao desejava a gravidez. d . . eu marl o partiu [ ] .

o socIalmente. Quando o bebé ch . morreu, arruma-A atribuição do senti·do _ ,egou, fOl o mau raio de soL»

nao e automáti N-que uma causa provoque um efeito . ca. ao se pode diz~r mento pode tomar mil senfd dÍfPOls um mesmo acontecl­história e o contexto da pess I os erentes de acordo com a

oa que o VIve Todos os bebés nascem sob infl' .. ,

flitual não é transnu·tid I u,enCla. Porem, «a temática con-a pe a aureola tem d .

concreção de gestos, de atitudes de lh· ·· e se arti~ular na se mscreverá na lingua em ' . o ares, tal como, maIS tarde,

g como mstrumento da interacção>,s7.

87 B. CRAMER ln . , • I « terachon reelle, interaction f . I

au sllJet des thérapies et des b . antasmahque. Reflexions férapies, n,o 1, 1982, pp. 39-47. o servahons de nourissons», Psycho-

169

As representações maternas que constróem a concreção dos gestos, das atitudes e dos olhares enraízam-se na sua história privada e no contexto afectivo, mas também são constantemente prescritas pelo mito do corpo. Não se dá o primeiro banho com os mesmos gestos e os mesmos objectos entre os Bambaras, os Parisienses, os Argelinos ou os Mexicanos. Cada relato mítico conta como se deve tratar da higiene de um recém-nascido. Entre os Bambaras, o mito diz que é a avó que deve tratar da higiene dos bebés. Para expulsar os espíritos malévolos, deve limpar todos os orifícios e soprar lá para dentroBB, depois lançar ao ar os rapazinhos para que não se tornem medrosos, pois entre eles a coragem física continua a ser um valor. No México, o mito diz o contrário e as mães, antes da higiene, tapam os orifí­cios do corpo do bebé com algodões para impedir que os espíri­tos do mal entrem. No Ocidente, o mito pasteuriano teve tanta importância que os cotonetes representam a arma da luta contra os micróbios que miticamente caracterizam um equivalente de djins, maus espíritos ocidentais por meio de quem chega o mal.

O discurso consciente justifica-se pela higiene, ao passo que a primeira vez que se arranja é um ritual alimentado de estética e de sagrado em que as mães exprimem, sem o saberem, a sua própria ideia do mundo.

É nisto que um recém-nascido se banha. Desde o primeiro minuto, cai num mundo estruturado pelos relatos da mãe e da sua cultura, e construído por gestos, atitudes, mímicas e longos argumentos comportamentais sensatos.

Aos comportamentos fisiológicos universais, tais como a res­piração, a deglutição, o sono e a excreção, acrescentam-se, desde o primeiro minuto, comportamentos semióticos, que fazem sinal e colocam, em redor da criança, pressões de desenvolvi­mento, verdadeiros tutores de sentidos.

88 D. EPELBOlN, Du savon pleill1es yeux, cassete VHS, Paris, Muséum d'his­toire naturelle, 1991.

170

E ESQUECEU-SE O PAI

A este nível do encadeament d . . _ . «E o pai...Esquecemo-nos do p ., o O ~s IdeIas, e habItual ouvir: definir a não ser que recusemo

au>. • ugar do pai não é fácil de

dores. O pai é «aquele ue f s vIaJ.ar ou consultar os historia­dente. Para um Romano q 'de~ o. Íl~o» actualmente, no Oci-

. ' ,aeVI encIaecom I t VIsto que o pai é aquele ue ado . p e amente diferente, África, é o irmão da m-q. E pta a cnança. Muitas vezes em

- ae, no xtremo O' t é avo, e na América Central tr nen e ,por vezes, o . ,en e os Afro-Ame . ser uma trIpulação de hom , ncanos, acontece

O . ens. paI precoce que acaba d _ .

definir, tanto mais que na-o e nascer e amda mais difícil de E vem ao mundo I ncontra-se, sobretudo E num ugar qualquer.

d ,na uropa nas famíli d e e assistentes sociais citad' É' _ as e professores desde os anos 70. mos. aI que melhor se desenvolve

Nos estudos sobre as interac ões ._ pelo contrário, de diálogo fásic089Ç Nã p:ec~es par-bebe, fala-se, portamento destes homens dit . . o e difícil descrever o com­

As estruturas sensoriais e o:o«prus», quand~ tr~tam do bebé. estatuto das mães VI'St mportamentalS tem o mesmo

, o que se trata de titud ' cas descritos pela fisiologia e I a. _ . es, gestos e mírni-primeiro lugar, uma mãe»90 pe a SemlOtica. «O pai é, em compõem o meio ambiente d~ :~ _ as estruturas sensoriais que diferentes de acordo com de r~pIdamente tomam formas mulheres são mais Visuo~vsex~ o mteractor. No conjunto, as

. _ . ocalS e os homens . _ -qumestesIcoS. O que si . fi malS tactilo-vocalizam mais do qu gru hca que as mulheres sorriem mais e

e os omens ma nos bebés e mexem lhes . d ' s que estes tocam mais de manter diálogos ~ré-v:~::s ~if que as mulheres. O bebé tem do pré-locutor. erentes de acordo com o sexo

89 J. LECAMUS, «Le dialogue ph . tude des interactions ere_bé~lqu~ - Nouvelles perspectives dans l'é­(1-2),1994, pp. 53-65. P é», m Nellropsychiatrie de rellfallce, n." 43

90 T. B. BRAZEL10N B r.. .. - Le . / ,.~~ SPremle L" P

Calmann-Lévy, 1990, p.53.' rs IIms, aris, Stock/Pemoud/

171

Estes diálogos diferentes produzem efeitos observáveis, no imediato e em seguida. De uma maneira esquemática, as mães parecem mais apaziguadoras e menos alimentadoras! Enquanto os pais parecem mais suscitadores e melhores alimentadores. No conjunto, estas diferenças de efeito são mínimas, ao passo que os estilos de interacção são diferentes. Por urna simples razão, é que os bebés que ainda não adquiriram a estabilidade interna adaptam-se a todos os meios desde que o familiarizem, com a sua pequena memória.

Ao princípio, os investigadores afirmaram que não havia diferença entre os homens e as mulheres precoces91 . Todavia, quando se precisa o objecto, se requinta o método e se criam situações de descoberta, tais corno as situações estranhas ou as separações-reencontros92, verificou-se que os bebés não reagem da mesma maneira num meio masculino e num meio feminino. No conjunto, são mais serenos num meio feminino e mais explo­radores num meio masculino.

Os pais precoces têm por efeitos retardados melhorar as actuações sociais exploradoras e lúdicas de todos os filhos, sobretudo dos rapazes, e diminuir os resultados escolares93. O estilo socrático dos pais94 (<<Vês que sabias fazer») diferencia­-se da estratégia das mães, que hesitam entre Branca de Neve e Cinderela. Branca de Neve diz «vamos todos cantar ao mesmo tempo que arrumamos a casa», ao passo que Cinderela propõe «vão ao baile, que eu lavo a loiça».

O bebé é pensado, sentido e manipulado de maneira dife­rente de acordo com o sexo do progenitor e os estereótipos da sua cultura. Porém, a criança, pequeno actor, percebe, selec-

91 J. LAMB, S. SUOM!, G. R. STEPHENSON (dir), Social Interaetion Analysis: Methodologicnl IsslIes, Madison - University af Wisconsin, 1979.

92 M. D. S. AlNSWORTH, M. C. BLEHAR, E. WATERS, S. WALL, PatlmlS of Atlael!mel1t: a PsycllOlogieal Stlldy of the Strange Sitllation, HILSOALE NJ, Lawrence Erlbaum Associates, 1978.

93 J. LECAMUS, Peres et bébés, Paris, L'Harmattan, 1995. 94 F. LABRELL, C011tributio115 paterllelles ali développe11lent cognitif de l'enfal1t

pendant la deuxieme fllll1ée, tese de doutoramento, Paris V, 1992.

172

ciona e experimenta este cam o " próprio sex095. p sensonal, a maneira do seu

. É, provavelmente, a sincroniza ão cna o campo sensorial ç d.os.,sexos parentais que olhar do marido vocaliza que molda a cn~ça: uma mãe sob o sob o olhar da mulher at r;;enos em dlrecça,o ao bebé. E um pai meio espontâneo, a repa~~ ~a ~enos o bebe. É por isso que, em xuados durante intera _ ç o a ectiva e cultural dos papéis se-

. . Cçoes precoces dá . ui ' " SOCIalização pré-verbal dos b b ' E' o Imp so IlUclal à pontâneas na nossa cultura: e es. Xlstem quatro situações es-

1) a mãe que educa sozinha o filh . ~ -. ~ a mae e o paI associados durante as . _

ces e cujos actos são . dif . rnteracçoes preco­fazer o que o outro fazt erenclados (cada um pode

3) a mãe e o pai asso . d ' e tu fazes outra c~::a)~~ mas diferenciados (eu faço isto

4) alguns pais sozinhos.

Quando se observa de acordo com e os comportamentos de s . I' _ sta grelha, nas creches . oCla Izaçao d' , que as que se socializam melh as cnanças, constata-se pulação das mães e pais associ~~~om;ifcrech~ pertencem à po-

De facto J'á - d se erenclados'96. , nao se· . eve procurar u um efeito. Mais vale estuda d ma causa que provocaria causas múltiplas dispond r, em ~ or do bebé, uma rede de volvimento em que as f o as ma as e os tutores de desen­moldar-se. orças rntenores do bebé o levarão a

Da massa de obras sobre os . . texto cultural em que se I paIS precoces, dentro de um con-

. amenta o seu apagam t b pOucas irIformações fiá . U _. en o, so ressaem veIs. ma ausencla física de pai não

95 C. CHILAND, «La naissance de l"d . DIATKINE, M . Souu~ Traité d I .en~té sexuée», in S. LEBOVICI R

9 PUF, 1994, (2.> ed.).' e psyeh/atne de rellfanee et de radolesee~ee; 6 V. BOURÇOIS, L'InfllIenee du mode d'

ment alfectif et social du jezme ifi /ngagement du pere 51lr le développe_ -Mirail,1993. en an , tese de doutoramento, Toulouse-

173

I

i

nvolver Alguns filhos de mari­impede uma criança d~ se dese resent~ quando vai para o mar, nheiros têm um pai mUlto ~ais ~or vezes, quando volta a terra, pois fala-se dele todos os dias. fí' 97

ensombrece o lar pela pres~a sic;a~el maternante, a criança Quando o pai desemp: a r~ uanto a que um pai, para se

desenvolve-se bem, ma.s h~ ac~ ar q ser não-mãe! Esta difere~ça tomar pai, deve, em'pnmei~o uf u:n forte impulso para a vi~a perceptual talvez cne na. cnanç interroga «por que raz~o ~OlS psíquica. Assim que ~~:d:s s;epresentações. O que Si~flC~ sexos?», acede ao m nha a ver com o pai durave . que o pai precoce tal~ez nad~ ttd de muda a estratégia rel~­A permanência do pai na ~er a ,a mãe' «Ajuda-me», e ao pai: 'onal da criança, como se dissesse a . Ci d zinho» «Ajuda-me a fazer tu o so .

PERioDO SENSiVEL E LOUCURA DOS CEM DIAS

ditor das interacções precoces. É difícil estabelecer o valor pre . ento discutiam, viva-f" is do naSClm . d Nos anos 80, os pro iSSlOna b que defendia que «depois o

"t de uma o ra fini um mente, a proposi o d sico-afectivo particular de .a nascimento, um esta o p I o laço mãe-recém-nascido se período sensível d~ra~te.o ;~~ Outras publicações conclufam estabelece de manerra optim . de contacto mãe-bebe de que um prolongamento dos te':~:ava o laço afectivo durante alguns dias após o naSCimento m

f d' que um aumento das

d ' tras de en iam , 1 vários anos. Estes pe ia 1 'tamento tomava observave , - durante o a ei . interacçoes precoces . d ximidade afectiva. anos mais tarde, a melho,:~ ~~:o elos próprios autores, que

Estas obras foram cn~ca ! im ortância das primeiras reconheceram ter sobrestllm ado te tal~ez o problema estivesse interacçoes . ura e - 99 P simp esmen ,

5 d Junho de 1995. I T ulon-Brest,1 e 97 M. DELAGE, «Colloque parente(;97~ Matemel-Infant Londing: the b7~ 98 M. H . KLAuss, J. H. KENNEL, Family Developement, Samt-Lou

pact of Early SeparatlOn ar Loss on

Mosby, 1979. 'cação pessoal, 1994. 99 H. MONTAGNER, comum

174

mal formulado: um período sensível não cria, forçosamente, uma marca durável. Num pintainho, um acontecimento que se verifique durante um período preciso do desenvolvimento do organismo, tomado ruper-receptivo pe1a secreção de um neuro­mediador da memória, cria uma marca longamente durávellOO. Porém, é preciso fornecer uma informação filética que gradua, fortemente, a lição deste modelo: quanto mais os cérebros se tor­nam capazes de tratar informações não percebidas no imediato (memória, antecipação) mais lento é o desenvolvimento do orga­nismo, mais se dilui no tempo a sensibilidade às informações. Apesar da noção da fase crítica não poder ser empregue no ser humano

lOl, pode utilizar-se a de sensibilidade variável aos acon­

tecimentos, visto que a aptidão para as aprendizagens se modi­fica com a idade. A explosão da linguagem verifica-se sempre entre o vigésimo e o trigésimo mês, seja qual for a cultura em que se banha a criança. A perda da mãe não tem, de modo algum, os mesmos efeitos biológicos e psicológicos conforme se dê com um bebé, um adolescente ou um adulto.

Será que se pode propor a ideia de que a ontogénese emo­cional do homem cria sensibilidades variáveis? A avidez per­ceptiva do bebé cria o primeiro nó do laço que, sem ser uma marca, é indispensável para preparar o segundo nó. Os prema­turos ou os bebés abandonados e isolados que' não tecem este primeiro nó no momento previsto arranjá-lo-ão mais tarde. Após um curto período de desorganização, recuperam o atraso.

Esta proposta não é possível num mundo de pintainho em que a cola afectiva só pode pegar durante um período precis~ do desenvolvimento biológico. Em contrapartida, nO 'homem, em quem o processo é neoténico, particularmente lento e longo, deveria formular-se diferentemente a ideia, eVocando mais as mudanças de sensibilidade às aquisições de acordo com a espé­cie, a idade e o contexto. Mil outros determinantes de natureza

100 B. CYRULNIK, «Empreinte animale et empreintes humaines .. , iI! J. MIGNOT, Empreintes, sexunlité et crénfion, Paris, L'Harmattan, 1994, pp. 11-44.

101 T. B. BRAZELTON, B. CRAMER, Les Premiers Liens, op. cit., p. 116.

175

b - ou agravá-Ia-ão. Durante . . - o a pertur açao... lid d diferente corngua mito da luta contra a anima a e muito tempo, na Europa, o I' m os bebés em faixas aper-

o ães que 19asse . . recomendava as m . - devia constitulI para , Esta prescnçao tadas do pescoÇo aos peso _ ois perdiam o aspecto

enorme pressao, P . as crianças uma .. d d Só lhes restava a boca para gn-apaziguador da motnCl a e'

li m por este hábito a consti-

tar Alguns psicanalistas exp cara oas parecem simulta-. . a1S' «as pess

tuição de caracteres naClon .. É mo se cada indivíduo . I d e expansiVas. co 'lh d neamente 1S0 a as . t I como numa gol1 a e

estivesse estranh~ente pr::o a:as~u:sa uma al1na ligada»102. emoções sob pressao ... Sera I tal como se pode ver nos

'sa em F orença, Fazia-se a mesma C01 t As faixas apertavam os h 't I dos Inocen es. d L escudos do OSp1 a . S ill intados por Georges e a

recém-nascidos de VlC-Sur- e e p A al1na italiana está longe equenos Russos. . d Tour, tal como os P s Franceses, fala-se maiS e

de ser «ligada»; quanto aos pequeno espírito desmedido. um cubo de gelo, uma

b ' - ode apegar-se a ,. Um be e nao P . d lhas' E preClso que se chapa quente ou uma carte1ra . el :~e el~ e o adulto mater­estabeleça uma passarela se;~o::'bOs. Ora, o adulto não pode nante a fim de se al1menta:. ue o bebé a agarre. O mo-

ela a nao ser q lh ' lançar uma passar 'ancoras se agarram me or e . '1 . do em que as . r

mento pnv1 eg1a d b b' pela avidez perceptiVa e, p~ constituído, por parte o e ~ cem dias [ ... }, preocupaçao

Parte da mãe, pela <<loucura os verdadeiro paroxismo emo­. ,. ue conhece um materna pnmana q 'f dos «cem dias» corres-

d · »103 A meta ora . cional dos cem las '. r d d um momento mtensO ponde a uma forte e:noCl~:~~b: d: pôr no mundo um filho. experimentado pela mae qu _ de tal modo atenta ao

. '1' . materna torna a Esta hiperv1g1 anCla ,.. dício do seu corpo, e, , . d pelo mmuno m d

bebé que e cativa a 'bi!' d de pode impregnar-se o ra as a esta extrema sens1 1 a ,

g ç d ' lo durante esses meses. filho e apren e- ,

.. . Delachaux e Niestlé, 1982, E H. EruKSON, Enfallce et saclete, Genebra,

102 . . 1970 p.258. P ocessllS de maturatíoll chez l'en/ant, Pans, Payot. .. .

103 D. W. WINNlcarr, r

176

Assim que nasce, a criança pode impregnar-se de tudo o que passar sobre esta passarela sensorial: o odor, o calor e, sobre­tudo, a vocalidade das palavras matemas~ Qualquer ambiente que o estimule e o tranquilize pode ser familiarizado. A mãe é, para ele, o objecto mais significante. Porém, pode .acal1nar ao perceber o contorno da cama, o tubo em borracha que passa no seu estômago e que mama no hospital, ou o ruído de um aero­porto próximo que impede os pais de dormirem.

O parQxismo matemo tranquilizar-se-á sob o efeito da ro­tina, da fadiga e do reinvestimento amigável ou social, exterior ao bebé. Estrutura-se progressivamente uma forma estável, per­manente, que caracterizará a espiral transaccional, a maneira como a mãe e a criança estabelecem as relações mútuas104.

O fim dos cem dias revela-se, por parte da criança, por dois indícios comportamentais: a percepção discriminatíva do rosto

. e o aparecimento de pequenos argumentos intencionais. Um bebé cego desenvolve-se perfeitamente sem nunca ver o

rosto da mãe. Porém, a percepção desse rosto serve de atractor da criança e facilita o seu desenvolvimento. O bebé cego sofre um efeito idêntico por meio de atractores não visuais tais como a vocalidade, o odor e um estilo comportamental da mãe.

A ontogénese da percepção do rosto começa d,esde o nasci­mento, quando o recém-nascido percebe um rosto que Picasso pintou sem o saber. O brilho e o movimento criam, progressiva­mente, a percepção dos contornos, mas, «com a idade de dois meses, as coisas mudam: a atenção visual dos bebés é atraída já não pelo nível de energia de um modelo, mas pela sua forma»105. Nesta idade, o rosto da mãe é privilegiado, sem ser memorizado de maneira durável106.

104 M. LEWIS, L. ROSENBLUM (eds.), Tile Effeet of tile lnfnnt on ilis Coregiver, Nova Iorque, Wiley, 1974.

105 K. A. KLElNER, M. S. BANKS, "Stirnulus energy does not account for two months-adds face preference», in ]ollnaI Df Experimental Psychology, Hl/lnm! Pereeption nnd Perfonllnnee, n." 13, 1987, pp. 594-600.

106 S. DE ScHONEN e D. DERUELLE, «La reconnaissance du fades humain et des visages chez le nourisson~>, in Nervure, t. IV, Abril de 1991, pp. 58-65.

177

Desde as primeiras horas, os bebés podem imitar alguns esg

ares faciais, Porém, quando o psicólogo deita a língua de fora

e o bebé também o faz em resposta, será que o imita? Quando se avança um lápis em direcção ao seu rosto, também deita a lín­gua de fora, Será que num mundo de recém-nascido a protusãO da língua do psicólogo ou o avanço do lápis constituem um

análogo perceptual de mamilo? Em contrapartida, quando, a partir do terceiro mês, um bebé

reconhece o rosto da mãe, numa fotografia ou num ecrã de tele­visão, é ela mesma quem é reconhecida, pois a sua imagem provoca uma fixação visual e uma perseguição do olhar, Esse

rosto é preferido a qualquer outro, A concordância entre o fim dos cem dias maternos e a

preferência do seu rosto pela criança também pode coordenar­-se com uma mudança de estratégia interaccional. Nesse momento, as relações entre a afectividade e o desenvolvimento psicomotor poderiam descrever-se em três etapas

107:

1) o mimetismo afectivo, uma espécie de sincretismo indiferenciado em que o bebé experimenta o outro por

contágio emocional; 2) um sincretismo diferenciado quando faz a mesma coisa

que o outro, para o imitar; 3) e um transitivismo quando se torna capaz de fazer

«como se», ou seja, de produzir uma representação ges­tuada ou verbalizada, a fim de agir sobre as represen-

tações do outro,

Ora, a passagem à segunda etapa verifica-se cerca do ter­ceiro mês, quando o bebé deixa de ser o que o outro é, para ser­-com o outro, A passagem ao fazer «como se» verifica-se um pouco antes do segundo ano, quando a criança souber utilizar a linguagem dos gestos, das palavras e das comédias,

107 J, COSNlER, PsycllOlogie des émoliol1s el des senlimenls, Paris, Retz, 1994,

p,88,

178

Quando, cerca do terceiro mês ' as nossas caretas e J'ogos d ' estimulamos a criança com

, _ e «cu cu» respo d agltaçao de gritos e espern' E ' , ,n e por uma alegre emocional, uma espe' cI'e dela,] sta ntmiCldade é uma troca e «vo ta de e -tarde haverá uma «volta d I moça o» , tal como mais muda de maneira de e tapa avra», A partir deste instante

, s ar no mundo Cd' deixa o estar-em para e t ' erca o terceiro mês

I s ar-com 1

Esta semiologia dos cem d ' .. , , interacções p'recoces q dias _ penrute verificar o fim das I ' uan o a mae olh d ado, porque está menos enfeiti ad a, e novo, para outro

tempo, o bebé reconhece o seu r ç a pelo, filho, Ao mesmo rodeiam, Descobre que pode ;::,to e distingue-o dos que o panhando os outros, con uar a ser ele mesmo acom-

Para aqueles que têm o es " rimental, conviria supr" pmto verdadeiramente expe-lfilr os cem pr" , observar os efeitos d , _ ImelfOS dias a fim de grande cientista ao c~n~t~~açao, Alphonse AUais, que é um minho de ferro ~s prlfi' , r que durante os acidentes de ca-

, eiras carruagen ' propusera suprimir todas as ' ,s eram as mais atingidas, Impe~ir este golpe do destino, ~=ras c~rrua~ens a fim de ser VIVO chega ao mund a razao, pOIS, quando um cem primeiros dias ou o~aeltuma catástro~e natural o priva dos

dera, os cem dias s ' d '

e ser os primeiros! Este gé ero d , ', egIuntes elxarão absurdo é biologicamente f:l} d de ra~lOcmlO matematicamente

tr'b ' un a o ViStO que ' a I UI o mesmo sigru'fl' d b' I: , o orgarusmo não ca o lO O"'co à 'nf

quando a percebe durante os r' ?- , mesma I ormação, seguintes, O tempo bioló ,~o ~elros dias ou durante os dias maneira diferente urna gI o orgarusmo, ao tratar de

mesma percepção d'fi . um ruído enviado no tem o T n _ : mo I ,ca-lhe o efeito: maneira e não terá os m p f ao sera percebido da mesma

esmos e eltos que no tempo T',

AS PROVAÇÕES PRECOCES

A virtude doentia do stress e a v' , conhecem-se há muito t Irtude curativa do bem-estar que nos interessa é o e~~~, m~s o que conta para o problema primeiros dias, I o e uma provação durante os

179

. . ue nos fazem , . f' il d tratar nos aromaiS, q Esta questão e maIS aCalte;a ão precoce das suas interacções

compreender que a uma b 5 das moldagens comportamen-d r uma pertur açao , . S- fo-respon em po. modificações metabolicas. ao a

tais, por más aRrendlZagens e am ue amolece os músculos e os gados pela c~r~ona q~~:~~e~ste~~r, reagem pela tetania, uma incha. Ao mmuno pro p. Este fenómeno é um drama espécie de cãibra muscular d~~~ animais angustiados adquire

Para os criadores, pOiS a cam . d reço . osfazbalxar ep· . - d um gosto a urma que -ae fl·lho nas cnaçoes e

. d 1 ções precoces m -A qualidade as re a . dos J·ovens que apren-. 1· - o postenor ' arom· ais facilita a SOCla lZaça , eres Ora a simples d· - aos congen . , dem a orientar-se em rrecça

f o ili· possui um efeito tranquili­

- d ngénere am ar f . percepçao e um co . . s de criação em grupo affil-zante. Quand~ se desl.acam arun;;:l os efeitos de uma angústia liarizado por mterac:.çoes_ preco~o 'melhor suportados: «A per­ou de uma frustraçao sao mu . os sujeitos dos efeitos tença a um grupO social protege, pOlS, estimulantes da frustração.»108 b ões comportamentais e

A ideia que emerge destas o servaj com o meio ambiente biológicas é que as relaJõe~ do =a não têm história, no sen­dependem do seu passa °i t s ~ vida mas os vestígios do pas­tido de que não fazem .a re a o a tame~tal que manifestarão de sado criam uma aptidao compor

maneira durável. . d de gado comparam uma . ando cna ores Já vunos que, qu 1 d sun· que nascem com uma

- d· sisoa os as populaçao de cor erro . teracções precoces constatam outra, familiarizada d~rante as m de modo algum, da mesma

d · upos nao reagem, . t d que os OlS gr . t Vários meses maIS ar e,

. smo acontecunen o. manerra a um me . _ tranha fazendo-os entrar 1 em sltuaçao es ,

quando se CO ocam d· s alterados precocemente d nh ·da os cor euo .

numa arena esco eCI , lffi· entos e deixam-se pen-abrandam os mov . vocalizam menos, 1 ftui um factor de nscO,

m meio natura, cons I ferizar, o que, e l.d. ão os expõe aos predadores. visto que esta desso I anzaç

imaux d'élevage», in La 108 R. OANTZER, «Le stress des an

n.o 120, vol. 12, 1981, pp. 280-290

180

Recherelle,

Porém, sabe-se que, desde os primeiros dias e mesmo em fim de gravidez, um mundo de filhos de homem não é um mundo de cordeiros. A palavra e o rosto são aí objectos senso­riais particularmente significantes. Quando o objecto materno deprime, muda de forma e a criança não adquire as mesmas aptidões. Esta afirmação, verificável durante as observações sin­crónicas, torna-se cada vez mais falsa no decurso das obser­vações diacrónicas por causa de dois correctivos capitais: a lentidão do desenvolvimento do sistema nervoso que autoriza as recuperações, e a preparação para a palavra que convida à mudança de mundo.

Por ocasião das observações sincrónicas, qualquer objecto significante percebido pelo bebé se toma atractor e organiza os co~portamentos. Quando se analisam, simplesmente, as tenta­tivas de preensão precoce de um objecto colocado a trinta cen­tímetros de um bebé de seis semanas, observa-se uma atitude de atenção cativada. Nesta situação naturalista, a cabeça e o tronco orientam-se em direcção ao objecto, seja qual for o lugar no espaço. Às seis semanas, observa-se um avanço dos ombros, das mãos e dos pés em direcção ao objecto. O rosto é particular­mente evocador. O bebé orienta o olhar em direcção ao objecto e pode fixá-lo durante dois a três minutos, com uma mímica séria. O avanço dos lábios ê da língua aparece a partir deste momento, provando que a criança não imita verdadeiramente, mas responde a um objecto que lhe interessa. Este avanço não se observa nas cassetes familiares das crianças autistas. Vários anos mais tarde, quando· o diagnóstico se tornou evidente e se pede aos pais que tragam as cassetes do Natal ou do aniversário, não se observa este minúsculo movimento dos lábios, da língua e dos ombros que testemunha um início de antecipação109. Este método artesanal permite observar, directamente, um aconteci­mento verificado há vários anos e que nunca teria sido memo­rizado se a família não tivesse filmado o acontecimento.

109 B. CYRULNIK, A. ALAMEDA, A. ROBICHEZ-DISPA, «Ontogenêse des com­portements de bouche», Congresso de psiquiatria mediterrânica, Avinhão, Setembro de 1994.

181

Uma vez que se possua uma descrição normalizada sobre uma população testemunha, pode-se introduzir uma variável e pedir, por exemplo, à mãe que mantenha o rosto impassível

llO:

nos segundos que se seguem, o comportamento do bebé muda completamente. Continua a orientar-se, brevemente, em direcção a esse rosto que já nada lhe quer dizer. Sem resposta, desvia-se em direcção ao vazio, depois regressa a esse rosto estranho, em seguida em direcção ao vazio ... Nessa altura, torce as mãos, aumenta as actividades autocentradas, toca-se, chupa os lábios ou um dedo, desvia o olhar, torna-se sério, como que

vazio e, subitamente, entesa o tronco. Um bebé só nunca manifesta este cenário comportamental.

Interessa-se pelos sinais luminosos, coloridos, sonoros ou pelo movimento das mãos. O seu mundo está povoado de aconteci-

mentos sensoriais apaixonantes. Porém, assim que a mãe está co-presente, torna-se atractor

do seu psiquismo e é em relação a ela que o mundo se organiza. Quando ela responde, ingenuamente, pelos jogos, mímicas ou actividades, este mundo alarga-se e intensifica-se. Em contra­partida, quando está co-presente e não responde, a criança nem sequer pode organizar o seu mundo. Não consegue nem brincar sozinha, nem encontrar o outro, nem coexistir ... Como se estivesse fascinada por um atractor estranho e vazio.

A mãe também pode ser desencorajada ou ficar fatigada por um bebé que não responde, tal como esses bebés que se ajustam mal, evitam o olhar ou não respondem às estimulações, criando,

assim, um desinteresse mútuo1l1.

O erro pode surgir de uma falha em qualquer ponto do sistema: bebé doente, mãe depressiva, porque o marido a tomou irÚetiz, porque a sua história lhe faz recear os bebés, porque a sociedade

110 E. Z. TRONICK, J. F. CONH, «lnfant mother face to face interaction: age and fender differences fi coordination and the occurence Df misceor­dination», in Child Developmeut, n." 60, 1989, pp. 85-92.

111 J. ROSENFELD, E. KOROLlTSKI, G. COYER, M . MONTES DE ElCH, «Transformarian, déformation, dysfonctionnement des interactions précoces», in La psychiatrie de I 'eufal1t, 1990, t. 2, p. 504.

182

lhe impõe que faça um bebé e a roíbe • -enquanto atractor do p" p. de tratar dele ... A mãe slqUlSmo sensonal d filh ' lhada, um conjunto de r _ o , o e uma encruzi-

Quando fica depru!;:s~~ que co~vergem na sua direcção. Se esta perturbação não d ' na um objecto que esvazia o bebé. a partir do primeiro sorri::

ar :~ItO tem~o, o bebé recompõe-se fonte de vida També d q do a mae volta a ser calorosa e ou um anim~l famili.mar pOAe ~elhora~ na creche, com a fratria

. « S mteracço . . frequentemente, entre os indivídu es :oClals p~oduzem-se, a mesma idade, o mesmo t nh°s que tem aproXlmadamente ama o a mesma . • . mesmas competêncl'as s .. ' expenencla, as OClalS e as mes . cológicas.»112 É por isso ue os b ' mas necessidades psi-largam a mãe para jubila; com a eb,es,. e~ frente do espelho, pequenos companheiros ou um Izna

lffiagem e porque os pensar uma falha materna. aI familiar podem com-

Todavia, se «existe, incontestavelm -depressão da mãe e as er _ ente, uma relaçao entre a nem todos os b b' P turbaçoes emOCIOnaiS do filho» 113

e es possuem o me tI' Talvez porque a dura ão smo ~ ento de recuperação. factor de esgotamento ~ ~a: perturbaçoes maternas seja um Observou-se uma o -T _e esas comportamentais da criança -nataI114. Os factor! X: a;:~i ~e mulheres e:n depressão pós~ mente, históricos e sOciafs' a ; o ~a depressao eram, essencial­má adaptação socia!. Tamb ,n e~e entes, provações repetidas e taxa de estrio!' Todo's os fil~:s ~:~:a~ ?redador biológicp: a festaram comportamentos d . maes deprlffildas mani-esorgaruzados à -ao seu regresso. Porém assim _' separaçao da mãe voltaram a ser em po~ca que a mae melhorou, os bebés

, s semanas, pequenos exploradores.

112 A. SAMEROFF R M EMOE 1993, p . 254.' .. , Les trollbles des relatiolls précoces, Paris, PUF,

113 A. STElN, «The relationship between mother-child interactions' .. post-natal depression and others pp. 46-52. », 1Il BritISh fOllmal of Psychiatry, n .o 158,1991,

114M W O'H .. ARA, ei aI., «Prospective 5tud f cal and psychological fact . yo post-partum blues: biologi-n.

o 9, pp. 801-806. ors», 1Il Archives o/General Psyc/liatnj, vol. 48,

183

Em contrapartida, em toda a pequena população de mães depressivas durante muito tempo, houve catorze vezes mais perturbações comportamentais do que na população teste­munha. A duração do sofrimento matemo altera as defesas comportamentais do bebé. O que não quer dizer que, mais tarde, a criança crescida não encontre outros modos de salva­guarda. Nem sequer é impossível que um sofrimento leve a criança a desenvolver as faculdades de empatia e de criativi­dade que constituem as mais nobres aptidões humanas.

Nem todos os bebés reagem da mesma maneira quando a mãe se magoa, ou mima o sofrimento115. Alguns ficam petrifi­cados quando a mãe finge chorar, outros exploram a «ferida», por vezes imitam as mímicas da mãe, acariciam-na, oferecem­-lhe qualquer coisa .. . ou batem-lhe!

Entre as defesas tardias contra estes sofrimentos precoces, a empatia é frequente. Antes da palavra, um grande número de crianças está muito atento à mãe e manifesta uma empatia pre­coce por meio de sorrisos, carícias ou ofertas, como se disses­sem: «Como vai isso? Gostaria que ficasses melhor graças à minha carícia ou à minha oferta de um bocado de chocolate.»

Em clínica adulta, não é raro observar que o mais atento da fratria em relação à mãe é aquele que teve uma mãe melancólica quando era bebé! Sofre mais do que os outros de colites ou de angústias, mas é muito mais amável! Entre os bebés que sofre­ram muito de privação afectiva, assim que o meio ambiente pôde apoiar a criança, encontra-se um número muito elevado de «compulsões para ajudan>116.

Finalmente, a principal diferença entre as interacções preco­ces do cordeiro e as do pequeno homem, é que o período sen­sível não determina a mesma duração dos efeitos. No cordeiro, uma interacção precoce falhada durante o período sensível per­turbará a sequência do desenvolvimento. Ao passo que no pequeno homem, uma perturbação precoce provoca, de certeza,

115 M. HALPERIN, «Prémices et ontogenese de la vie affective), in Le Fcetus et 5011 entOl/rage, Genebra, Médecine et Hygiêne, 1989

116 D. BAUMANN, La Mémoire de5 0l/blié5, Paris, Albin Michel, 1988.

184

uma perturbação do desenvolvim pítulo seguinte do desenvol' ento, a curto prazo, mas no ca­compensar esta falha vIme~to, outras interacçõ€spoderão

. '" ou agrava-la. As mteracções precoces .

tecido que asse ra o c penrutem a adesão, tal como um e o do filho. É p~ isso q~~t~~to .~ntr~ o veludo sensorial da mãe últimos meses da gravide e~~ o a ere~te só o faz a partir dos mento. Antes, ainda não é z'o a ': ao terceIro .m~s após o nasci­funciona ainda mUl'to p sSD1vel, a sensonahdade da criança

pouco epo' " -racções precoces Vl'StO .' A IS, Ja nao se trata de inte-

, ,que mtervem outr d . penodo sensível não constituO os etermmantes. Este mais, mesmo se deixar vestí ~ u~ ~arca a.n~loga à dos am­humanos são muito diferent!~O~ dS eter~smos animais e filho de homem acrescenta a . . n e o co;delm se constrói, o sua biografia. escnta dos prImeIrOS capítulos da

· 185