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EMERSON PESSOA FERREIRA

DESIGN E TERCEIRO SETORThis work is licensed under the Creative Commons Attribution-Noncommercial-Share Alike 3.0 License. To view a copy of this license, visit http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/3.0/ or send a letter to Creative Commons, 543 Howard Street, 5th Floor, San Francisco, California, 94105, USA.

Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao Curso de Bacharelado Em Comunicao e Expresso Visual Design Grfico, do Centro de Comunicao e Expresso da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito parcial para obteno do ttulo de Bacharel em Comunicao e Expresso Visual- - Design Grfico. Orientador : Prof. Dr. Carlos A. R. Righi.

Florianpolis 2003

TERMO DE APROVAO

EMERSON PESSOA FERREIRA

DESIGN E TERCEIRO SETOR

Trabalho de Concluso de Curso aprovado como requisito parcial para obteno do ttulo de Bacharel em Comunicao e Expresso Visual - Design Grfico no Curso de Bacharelado Em Comunicao e Expresso Visual Design Grfico, do Centro de Comunicao e Expresso da Universidade Federal de Santa Catarina, pela seguinte banca examinadora: Orientador: Righi. Prof. Dr. Carlos A. R.

Bilogo Jorge Roberto Timmermann (Coordenador do IPAB - Instituto Brasileiro de Permacultura) Prof. Dr. Eduardo J. F. Castells Prof. lvaro Dias Prof. Luis Augusto Costa Hoffmann

Florianpolis, 30 de setembro de 2003

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Dedicatria.

Dedico este trabalho a Denise Cord, por ter estado at aqui pro que der e vier comigo. Foste meu amor, minha luz e guia, Denise. Obrigado por tudo. Desculpe por tudo. Que o futuro nos reserve bons momentos. Dedico tambm aos meus filhos, Rovy, Ian e Isadora. Amo vocs.

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Agradecimentos.

Agradeo humildemente : A Deus. minha me, Edna Pessoa de Lima, a leoa de Jud, e ao meu pai, Esmeraldo Ferreira, o velho marinheiro solitrio, que me ensinaram o que (e o que no ) o amor. Amo vocs. Obrigado do fundo de minha alma. s minhas irms, Elsie, Ekleine e Emiko, por serem amigas, sinceras e por estarem sempre por perto quando precisei. Valeu, manas! No desistam de mim! A Maria de Lourdes Pinheiro, Ins Regina Bortolanza e Denise Cord, pelos maiores presentes que um homem pode receber. Eu nem sempre fui digno. Ao Jos Antunes Jnior (Junico), Luiz Fernando Bier Melgarejo, Marisa Rolim de Moura, Mato Grosso, e outros tantos amigos de um passado de ferro. Permanecemos! Saul (meu guru!), Tereza, Rui, Cris, Paulino, Rita, Batista, Heronides, Josalba, Jorge e todos os demais amigos da confraria pela solidariedade, sabor e saber humanos. Salud! Aos professores do NIS (Ncleo de Informtica e Sistemas) do CEFETSC pelo apoio e pelas cobranas. E especialmente a Claudiane Weber, por eu no precisar explicar.

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A reflexo um estado de fluxo contnuo, agregador e articulador de aes. E vice-versa. Ou no.

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SUMRIOEMERSON PESSOA FERREIRA...................................................................................................I FLORIANPOLIS ..........................................................................................................................II 2003.....................................................................................................................................................II TERMO DE APROVAO...........................................................................................................III DEDICATRIA................................................................................................................................V AGRADECIMENTOS....................................................................................................................VI ...........................................................................................................................................................VI SUMRIO.....................................................................................................................................VIII RESUMO............................................................................................................................................X I APRESENTAO:....................................................................................................................XI II - OBJETO:................................................................................................................................XIII III OBJETIVOS:........................................................................................................................XIV IV JUSTIFICATIVAS:...............................................................................................................XV V - REVISO BIBLIOGRFICA:.............................................................................................XVI ORIGENS DO PROBLEMA.......................................................................................................XVI QUEM PROJETAVA QUANDO NO HAVIA DESIGNERS?........................................XVII NEM TUDO SO SONHOS NA OFICINA DO ARTESO...................................................XIX A FBRICA APOSENTA O MESTRE.......................................................................................XX E O DESIGNER?..........................................................................................................................XXI MAS NINGUM FALOU NADA CONTRA?........................................................................XXIII ENTO O DESENHO INDUSTRIAL EST A SERVIO DA BURGUESIA INDUSTRIAL? ......................................................................................................................................................XXXI v

ENTO O DESIGN NO NEUTRO?...............................................................................XXXIV DESIGN E DESENHO INDUSTRIAL CONTEXTUALIZADOS......................................XXXV MAS, O QUE O TERCEIRO SETOR?.........................................................................XXXVIII INDICADORES METODOLGICOS PARA ATUAO DO DESIGNER NO TERCEIRO SETOR...........................................................................................................................................XLI DESIGN INSTITUCIONAL O DESIGN NO PROJETO DE VIDA DA ORGANIZAO. ......................................................................................................................................................XLIII SUBSDIOS PARA UMA METODOLOGIA DE CARTER PARTICIPATIVO, SOLIDRIO E SUSTENTVEL PARA O TERCEIRO SETOR . ..................................XLVII DETALHAMENTO DAS ETAPAS METODOLGICAS....................................................XLIX FERRAMENTAS PARA DESIGN GRFICO NO TERCEIRO SETOR............................LVII PARTICIPATORY DESIGN, OU PROJETO PARTICIPATIVO.................................................................................LVII MAPAS CONCEITUAIS .............................................................................................................................LIX USE CASES (CASOS DE USO) ...................................................................................................................LX SOFTWARE LIVRE...................................................................................................................................LXI CONCLUSO............................................................................................................................LXIV REFERENCIAL BIBLIOGRFICO.......................................................................................LXVI ANEXOS:....................................................................................................................................LXIX EXEMPLOS DO MANUAL DE IDENTIDADE VISUAL DA AGROREDE..............................................................LXIX EXEMPLOS DO MANUAL DE IDENTIDADE VISUAL DA REDE BRASILEIRA DE PERMACULTURA (RBP).................LXIX OUTROS EXEMPLOS DE DESIGN GRFICO NO TERCEIRO SETOR...................................................................LXIX

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Resumo.

Este trabalho busca aprofundar a discusso sobre a especificidade e as oportunidades de atuao do designer, mais especificamente do Designer Grfico, no setor das Organizaes NoGovernamentais ONGs, tambm conhecido como Terceiro Setor. Procura-se estabelecer alguns marcos diferenciais entre a prtica profissional alinhada produo capitalista de bens e servios visando lucro financeiro e uma prtica alternativa, participativa, solidria e sustentvel. Esboa-se, finalmente, um modelo com alguns indicadores metodolgicos, visando contribuir com a insero dos futuros profissionais no Terceiro Setor e reforar a necessidade de um olhar acadmico que priorize os valores ticos, sociais e ecolgicos.

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I Apresentao:Construir uma crtica mais difcil que construir uma tcnica.

Durante os anos de formao em Comunicao e Expresso Visual Design Grfico, na Universidade Federal de Santa Catarina, percebi a grande e sincera preocupao do corpo docente em preparar os estudantes para o mercado de trabalho e estabelecer uma prtica que agregasse habilidades e competncias especficas nesta rea sempre em desenvolvimento. No intuito de ilustrar a chamada realidade do mercado de trabalho, muitos professores, profissionais e alunos egressos so solicitados a dar sua contribuio e trocar experincias com os estudantes, preparando a sua insero na rea profissional. Essa contribuio, apesar de bem intencionada, muitas vezes limita-se ao campo1 mais tradicional e estabelecido de atuao do Design2 Grfico, ou seja, empresas com demandas relacionadas competitividade (inovao de produtos, estabelecimento de identidade visual para fins mercadolgicos, criao de peas grficas de divulgao, catlogos de produtos, entre inmeras outras). No seria exagero dizer que de notrio saber que o campo considerado tradicional de atuao do designer est diretamente vinculado chamada produo capitalista, entendida aqui como produo de bens de consumo visando o lucro financeiro, primordialmente. No pretendo tecer neste trabalho de concluso de curso uma crtica aprofundada do sistema capitalista ou de seu modo de produo. Mas pretendo tomar como referencial terico autores que o fazem e como referencial prtico experincias que indicam caminhos que, se no fogem completamente da lgica mercantilista, ao menos demonstram ser possvel erigir sobre outras bases a prtica profissional. Este trabalho visa oferecer uma pequena contribuio para a reflexo do Design com D maisculo, conforme ouvi um amigo chamar a atividade projetual, por natureza complexa e transdisciplinar. Pretendo apontar na direo de um campo de trabalho que no novo, no sentido temporal, mas no sentido da prioridade dada a ele nas escolas e pelos profissionais em geral. E novo tambm no sentido do pouco entendimento que dele fazemos. Este campo de trabalho est em plena expanso justamente em funo da crise por que (como sempre) passa o chamado sistema1

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Joaquim Redig (1978) estabelece uma diferena entre campo e mercado de trabalho. O mercado tem demandas definidas. O campo est por conquistar. Design Grfico o campo especfico deste trabalho. No decorrer do texto explorarei com mais detalhes este conceito, buscando analisa-lo criticamente.

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capitalista. O campo a que me refiro conhecido em termos sociolgicos e econmicos como Terceiro Setor. O mbito das Organizaes No-Governamentais. Espero ter conseguido sistematizar uma abordagem que pavimente o acesso s inmeras opes de atuao profissional em Design no Terceiro Setor. Compilo tambm o esboo de uma sugesto de metodologia que pode ajudar a aplicar algum mtodo s causas e desafios complexos que o designer tem que enfrentar quando mergulha no campo do social e do poltico. Ouso ter a esperana de que este trabalho possa motivar um pouco mais os estudantes e professores dinmicos da rea de Design Grfico a buscar suas prprias fontes alternativas de energia criativa, e a encontrar novas motivaes para seu trabalho cotidiano. Um trabalho que pode agregar novos valores ao mundo que no apenas os financeiros imediatos. Um Design que vise aumentar significativamente a qualidade de vida no planeta. Um Design que pode, a meu ver, tornar-se mais Humano, sem excluir a tcnica, que afinal, uma criao do homem. Um outro Design. Um Design para ns outros.

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II - Objeto:As especificidades da atuao do Designer Grfico no Terceiro Setor enquanto alternativa ao Desenho Industrial convencional.

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III Objetivos:

Justificar uma maior nfase s prticas no-mercantilistas de Design. Estabelecer alguns elementos para uma abordagem alternativa na prtica do Design. Esboar uma metodologia de trabalho voltada s especificidades do Design Grfico para o Terceiro Setor.

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IV Justificativas:

Sendo o setor das organizaes sem fins lucrativos um campo aberto para o designer, e tendo em vista a carncia de bibliografia especfica na rea, o trabalho pretende contribuir com o tema oferecendo uma abordagem terica, estudos de caso, e uma proposta metodolgica que pode servir como referncia aos profissionais e estudantes interessados em atuar com uma perspectiva mais voltada s questes sociais, polticas e filosficas do design.

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V - Reviso Bibliogrfica:

Origens do Problema.A produo em massa, em grande escala, trouxe alguns benefcios inegveis qualidade de vida da maioria da populao. Mas seriam esses benefcios realmente vantajosos, ou, fazendo um balano, chegaremos concluso de que talvez tenhamos muito do que no precisamos e cada vez menos do essencial? Produzir, indefinidamente, belos e criativos artigos, vendveis e lucrativos. O Designer precisa pensar em algo mais que isso? E se pensasse no estaria desperdiando tempo precioso que poderia ser dedicado a questes tcnicas e financeiras? Afinal, se no se preparar para atuar no mercado de trabalho convencional, com as tcnicas e mtodos testados e aprovados pela indstria, onde mais poderia o Designer atuar? No seria um absurdo utpico questionar o valor intrnseco da tecnologia e repensar nossa atividade a partir de outros paradigmas que no a (re)produo capitalista de bens de consumo? Estas perguntas permeiam a discusso que fao a seguir, tentando analisar o papel do Design na estruturao de uma realidade simblica e material alternativa atual.

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Quem projetava quando no havia designers?Esta pergunta requer uma visita histria. Com uma lente emprestada da sociologia. A Revoluo Industrial, solidificada entre meados do sculo XVIII e ltimos anos do sculo XIX, desestrutura, aos poucos a produo de bens ainda focada na figura do arteso e do Mestre de Ofcios, que caracterizou o sistema de produo feudal desde o sculo XII. A transio do antigo modo de produo moderna maquinofatura faz-se por dois caminhos essenciais: o produtor torna-se mestre-manufatureiro, e com isto comerciante e capitalista, opondo-se economia de base natural e agrcola, bem como ao trabalho manual organizado pelas antigas corporaes, isto , o artesanato propriamente dito... (ARRUDA 1984, pg. 56). Neste regime corporativo, as vrias organizaes ou corporaes de ofcios, ou guildas, regulavam o acesso s atividades profissionais. No era permitido exercer um ofcio ou estabelecer uma oficina que no estivesse submetida doutrina da respectiva corporao. E para ser admitido nos quadros da organizao o carpinteiro, alfaiate, ferreiro, funileiro ou pedreiro, por exemplo, deveria ter convivido muitos anos em relao de subalternidade (na condio de aprendiz) na casa de um mestre do ofcio. Aps este tempo, era submetido a algum teste ou exame de habilidade, aps o qual poderia ser considerado apto a formar seu prprio negcio. O Mestre de Ofcios, ento, detinha o ttulo regulamentado que designava o notrio saber e o direito de exerccio em uma determinada arte. O produto de sua oficina um produto assinado por ele. Tem seu estilo e leva seu nome ao mundo. Ele o designer de seus produtos, os quais, por sua vez, eram fruto tambm de uma longa tradio de artesanato culturalmente assimilado. Um tanoeiro quer passar sua habilidade ao seu melhor discpulo e sonha que seu filho seja esse discpulo. Se no for o caso, enviar seu herdeiro a outro mestre, de outra arte, para que o rapaz3 tambm se torne mestre, o que lhe conferir respeito e dignidade social, e escolher um aprendiz talentoso para continuar sua tradio. O mestre o centralizador de competncias num mundo onde as distncias para a maioria da populao impediam de forma vitalcia qualquer ampliao no horizonte profissional que no estivesse intimamente relacionada com aquelas atividades encontradas nos aproximadamente vinte quilmetros quadrados conhecidos. Quanto questo que inicia este tpico, fica claro que ningum alm do Mestre de Ofcio poderia ou se preocuparia seriamente em projetar. Digo projetar entre aspas porque muitas vezes a tradio mantinha a maioria dos produtos imutveis por anos, at sculos. O que significa que havia muito mais repetio que criao. Mas nada impedia o mestre de inventar,3

As questes de excluso de gnero e racial so importantes para entender os caminhos que tomou o Design, mas fogem ao escopo do presente trabalho.

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modificar, melhorar, adaptar. Isso acontecia com pouca freqncia. Afinal, um barril um barril. Por sorte, ou para espanto geral, s vezes um infiel convertido ou um cruzado andarilho traziam novidades no lombo de uma mula. Ou uma histria. Ou msica. Quem sabe um desenho. E vrios anos de tradio eram colocados em cheque. E l vai o velho mestre para a prancheta de desenho. Ou pega uma vareta e acocora-se no cho para rabiscar, cercado por discpulos interessados: Vamos colocar mais um anel nesse barril, assim....

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Nem tudo so sonhos na oficina do arteso.O estudo mais profundo dos conflitos e das complexidades da relao entre mestres e aprendizes durante todo o perodo da Idade Mdia, desestimula certas atitudes romnticas frente ao que muitas vezes se considera um modo de produo mais humano que o estabelecido pela indstria capitalista. Ainda seria preciso resguardar as caractersticas menos devastadoras, em termos ecolgicos, da produo artesanal, mas faremos esta anlise posteriormente. Revoltas e greves de aprendizes e artesos subalternos, quando analisadas com rigor histrico, revelam detalhes significativos da insatisfao e as condies muitas vezes degradantes a que eram submetidos os estudantes e os trabalhadores de nveis inferiores. Algumas oficinas contavam com operrios que no eram aprendizes, mas contratados para efetuar servios menos qualificados, que recebiam um salrio ou dividiam o alimento com a famlia do mestre. Estes operrios eram proibidos de se organizarem em corporaes ou associaes, mas h vrios relatos histricos de tentativas mal sucedidas. Mesmo com todos estes conflitos, se confrontamos os dias da produo artesanal com os de hoje, entenderemos o porqu da insistente sensao de maior humanismo desta relao de trabalho desigual e opressora se comparada aos dias da fbrica capitalista: a relao direta com o mestre e sua famlia e as dimenses menores das instalaes, bem como o menor desnvel dos conhecimentos gerais e especficos, entre outras caractersticas, possibilitavam ao operrio e ao aprendiz vivenciar menor alienao e excluso (isso ainda pode ser constatado em muitas fbricas e oficinas de carter familiar e pequenas dimenses). Mestres possuam ferramentas e infraestrutura de produo. Aprendizes e operrios no. Essa caracterstica, contudo, mudava quando o aprendiz estava pronto para assumir a posio de mestre. Esta uma situao completamente diferenciada do que ocorre na fbrica moderna e contempornea, onde poucos trabalhadores sensatos perspectivam tornarem-se patres ou donos. O livro Small is Beautiful (SCHUMACHER, 1983) ( em portugus, O negcio ser pequeno Um estudo de Economia que leva em conta as pessoas), faz uma anlise interessante das conseqncias do crescimento descontrolado do tamanho e do alcance da fbrica. No cabe a este trabalho um estudo comparativo profundo entre as condies de trabalho do perodo feudal e do perodo capitalista, mas levanto a questo para melhor caracterizar as mudanas simblicas e cotidianas ocorridas com o surgimento da fbrica. Adiante, apontaremos algumas das caractersticas que tornam o modo de produo capitalista um problema quase insolvel atualmente e tentaremos expor o papel do Design na constituio de modos de produo que possam vir a ser mais adequados s exigncias humanas.

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A Fbrica aposenta o mestre.O surgimento gradual da indstria capitalista de produo em srie eterniza e aprofunda o abismo entre as classes trabalhadoras e os gestores e donos de empresas, e vai culminar com a separao completa entre operrios e patres em classes sociais distintas. No h mais proximidade familiar e o trabalhador e o patro j no compartilham do mesmo cotidiano e moram em bairros desnivelados em termos de qualidade de vida4 . Os capites de indstria herdam com juros e correo monetria o poder antes encontrado no mestre de ofcios, com as vantagens de no precisar difundir seu saber (nem sequer ter algum saber especfico relacionado com a produo) ou ter responsabilidade moral quanto sobrevivncia de seus trabalhadores. H, no incio do sculo XX, a hipertrofia das caractersticas exploratrias da produo capitalista de bens. A diviso social do trabalho estabelecida no mais entre mestres especialistas e aprendizes que podero vir a ser eles mesmos mestres um dia. Patres e empregados, separados pela acumulao de capital, no se encontram e os operrios no tm qualquer chance de se relacionar ou trocar idias com os administradores. Mais tarde, a partir de meados do sculo XX, mtodos e estratgias de cooptao do saber (como os Crculos de Controle de Qualidade e os Sistemas Especialistas) e tcnicas de automao industrial (como a robtica) tentaro substituir de vez o saber e/ou a presena do trabalhador humano na linha de produo. A gesto e administrao das atividades de execuo, torna-se o elemento mais estratgico de acumulao financeira pela excluso intelectual, fazendo surgir um enorme exrcito de mo-de-obra de reserva, nas palavras de Karl Marx. Somam-se a esta equao os efeitos da padronizao e do taylorismo, com seu controle de mtodos e tempos e da linha de montagem fordista, mecnica e repetitiva, brilhantemente satirizada na obra Tempos Modernos de Charles Chaplin. Como o proprietrio dos meios de produo j no era mais necessariamente um conhecedor dos ofcios engendrados na sua fbrica, torna-se imprescindvel a contratao de operrios especializados e engenheiros, que gerenciem a produo e controlem o desempenho das mquinas e operrios comuns. Neste ponto da histria j se concretizou a algum tempo a perda do poder e do papel na produo do mestre para o Engenheiro. Este o responsvel pelo projeto de estruturas, mecanismos e dispositivos que garantam o funcionamento lucrativo das mquinas, tambm projetadas por ele. Tudo deve funcionar a contento para que a produo no pare.

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As coisas como so hoje.

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E o Designer?No modo de produo feudal e artesanal, o estilo parte do saber do mestre, repassado aos seus aprendizes. No h design como atividade em separado da produo artstica ou artesanal. Na realidade, a separao entre arte e tecnologia como fazemos hoje estava longe de ser clara ou mesmo de ser uma preocupao. Nas culturas grega ou romana, a ars e a techn significavam a mesma atividade humana de carter ordenador, planejado e com objetivo de criar elementos fsicos, visuais, literrios ou operacionais que auxiliassem o ser humano em sua relao de dominao e estruturao do mundo ao seu redor. Arte e tcnica como uma categoria nica e inseparvel. Um Mestre Artfice um mestre de estilo. A partir do surgimento da necessidade de se estruturar classes funcionais especializadas, a servio do capital industrial, em funo da diviso intelectual do trabalho, o processo educacional tambm se estrutura a servio da classe dominante e do mercado de trabalho que ela cria e controla. Entre o final do sculo XIX e o incio do XX, faculdades de engenharia e escolas tcnicas preparam os profissionais que estaro atuando diretamente na linha de produo, junto s mquinas, articulando, gerindo e executando. Mas quem desenha o produto? Como aparecem os primeiros Designers, conhecidos como tal5? Nas oficinas das fbricas, ainda se encontram artesos especializados (mestres de oficina ou de fbrica), herdeiros das escolas de ofcios, que desenham e planejam o fabrico dos produtos. Esses artistas, mestres e artesos seriam os primeiros Designers, entendidos como profissionais que criam, esboam, detalham, desenham e participam da fabricao. Podemos consider-los os prottipos do que se viria a chamar Desenhistas Industriais, ainda que no fossem contratados especificamente como tais, j que muitos deles atuam de maneira intuitiva e espordica. Voltando ao final do sculo XIX, vemos que a produo artesanal agoniza frente presso de mquinas automticas que poderiam produzir milhares de peas iguais e mais baratas em poucos dias. Mas so produtos que devem ser planejados em conjunto com a engenharia, de maneira que seja possvel fabric-los rapidamente e em grandes quantidades. Ou seja, produtos adaptados e adaptveis s mquinas. Projetar algo vendvel passa a ser mais que conceber artsticamente e tecnicamente. Projetar o produto agora conceber industrialmente tambm, no sentido de viabilizar o projeto com uma forma adequada aos processos de fabricao da poca. Projetar para a mquina. Projetar para a indstria, pois projeto outro no h que d lucro. A arte e a tcnica submetem-se indstria mecnica, no sentido de que no mais possvel, em termos de competitividade5

Assim como diferencio Design de Desenho Industrial, diferencio designer (projetista e articulador em geral) de desenhista industrial (designer de produtos ou grfico, especificamente preocupado com a produo fabril).

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capitalista, fazer mais barato do que a mquina. E como o que importa vender... Consideraes de cunho esttico so importantes na medida em que aumentem o potencial de comercialzao. E aumentam. Ento tem sentido pensar esttica do produto industrial. O arteso passa a ser estilista industrial. Passa a se preocupar com o gestaltung. A esttica a servio da mquina. Aqui comea uma histria conhecida no meio do desenho Industrial, e vai nos levar a uma parceria frutfera entre Estado e setor produtivo, com a criao de instituies de ensino especializadas na esttica do objeto industrial. A famosa Bauhaus, fundada em 1919 como escola de arte voltada para a indstria alem o exemplo basilar. Quando, no sculo passado, a produo industrial inundou paulatinamente o mundo, deixando artesos e artistas em m situao, comeou pouco a pouco uma reao natural contra a ausncia da boa forma e da qualidade. Ruskin e Morris foram os primeiros que se colocaram contra a corrente, mas sua oposio mquina em si no podia estancar a enchente. S bem mais tarde, algumas personalidades que almejavam o desenvolvimento da forma, reconheceram nesta confuso que arte e produo s voltariam a harmonizar-se de novo quando tambm a mquina fosse aceita e posta a servio do designer. Escolas de Artes e Ofcios para Artes Aplicadas desenvolveram-se principalmente na Alemanha mas a maioria s pde desincumbir-se de seus propsitos pela metade, j que a formao era muito superficial e, do ponto de vista tcnico, demasiado diletante para lograr progressos reais. A indstria continuou a lanar no mercado um sem-nmero de produtos mal enformados, enquanto os artistas lutavam em vo para aplicar projetos platnicos. A deficincia consistia em que nenhum dos dois conseguia penetrar suficientemente no campo do outro, para atingir uma fuso efetiva dos esforos mtuos. O arteso, por outro lado, tornara-se com o correr do tempo um apagado decalque daquele vigoroso e autnomo representante da cultura medieval, que dominara toda a produo de seu tempo e que era tcnico, artista e comerciante em uma s pessoa. Sua oficina transformou-se pouco a pouco em uma loja, o processo de trabalho escapou-lhe da mo e o artfice converteu-se em comerciante. O indivduo, a natureza plena, privado da parte criativa de seu labor, atrofiou-se em uma natureza parcial, incompleta. O arteso perdeu pois, tambm, sua capacidade de formar discpulos; os jovens aprendizes emigraram gradualmente para as fbricas. Ali a mecanizao embotou seus instintos criativos e tirou-lhes a alegria do prprio trabalho; seu impulso para aprender desapareceu rapidamente. (GROPIUS, 19??, pgs. 33 e 34).

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Mas ningum falou nada contra?Uma transio social, econmica e cultural como a Revoluo Industrial no poderia deixar de provocar inmeros episdios de resistncia. Exemplos desta resistncia so vrios e polmicos, mas aponto aqui apenas alguns deles, com os quais podemos aprender muito.

Os shakers : Simplicidade, durabilidade e beleza em nome de Deus.

Nos sculos XVIII e XIX, nos Estados Unidos da Amrica, vrios grupos de famlias oriundas de imigrantes europeus de viso crist original, quase primitiva e fundamentalista, no sentido de buscar fundamentos prticos na vida cotidiana, organizavam-se em comunidades de filosofia igualitria, vivendo com simplicidade e princpios morais estritos. A vida era comunal, no havendo lugar para ostentao ou desperdcio. As artes e ofcios desenvolvidos pelas comunidades visavam sobretudo a produo de bens para atendimento das necessidades dirias e os produtos eram simples, bem acabados, pouco ou nada ornamentados, funcionais e durveis. Um design sincero e utilitarista, fruto da viso de mundo do grupo. Um ser humano no deveria se apegar aos bens materiais. Sua jornada sobre a terra curta e quanto menos bagagem, melhor. O verdadeiro objetivo da existncia no seria encontrado no consumismo ou no exagero de qualquer espcie. Essa relao spera com o lazer e o cio, traduziu-se em mveis, ferramentas, utenslios em geral, todos criados a partir de uma enorme concentrao de energia produtiva individual cuja vazo no encontrava muitos outros canais de expresso alm do trabalho6.

Os luditas7 : H algo de podre no reino da produo em massa.

O ludismo, movimento iniciado na Europa, a princpio na Inglaterra, no incio do sculo XIX, voltou-se literalmente contra os teares mecnicos e demais equipamentos que , a seu6

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Alm do trabalho rduo, a dana ritualstica era uma das formas de expresso dos Shakers, que por causa da cadncia de seus passos durante as reunies coletivas, ganharam o nome, que em ingls significa algo como aqueles que se balanam. A origem da denominao do movimento incerta, mas teria a ver com o nome de um de seus expoentes.

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ver, eram a principal ferramenta causadora de sofrimento do trabalhador. H que se lembrar que nessa poca, a jornada de trabalho mdia numa fbrica girava em torno de dezesseis horas, sem poupar crianas e mulheres. No havia direitos trabalhistas estabelecidos, como frias e seguro por acidente ou desemprego, e os salrios eram irrisrios. O objetivo do movimento ludita era causar grandes danos s mquinas da indstria, principalmente a txtil, ressentidos que estavam com as pssimas condies de trabalho a que eram submetidos. Destruir as mquinas era a sua forma de resistir Revoluo Industrial e s transformaes nem sempre benficas que ela trouxe. Entre 1811 e 1816, houve suficiente apoio popular para que o movimento se destacasse como uma das maiores ameaas indstria nascente. Bazzo (2003), citando Kilpatrick Sale (1996), no seu livro Rebeldes Contra o Futuro, nos oferece a seguinte reflexo sobre o ludismo: ...h algumas lies que podemos aprender do movimento ludita do sculo XIX:

As tecnologias no so neutras e, ainda que algumas sejam benficas, tambm h outras

prejudiciais. Na opinio de Sale, os luditas nos ensinaram que as mquinas no so neutras: so construdas, na maioria dos casos, valorizando somente fatores de carter econmico que correspondem aos interesses de uns poucos, enquanto costumam ser marginalizados, por serem considerados irrelevantes, os aspectos sociais, culturais e do meio ambiente. Portanto, a tecnologia no neutra, como sustentam muitos tecnfilos. De fato, no podemos ver as tecnologias como um conjunto de ferramentas ou dispositivos, de maior ou menor complexidade, que podem ser utilizados para o bem ou para o mal. Muito pelo contrrio, as tecnologias expressam valores e ideologias das sociedades e dos grupos que as geram. Assim, uma cultura triunfalista e violenta a base para produzir ferramentas triunfalistas e violentas. Por exemplo, quando o industrialismo americano transformou a agricultura depois da Segunda Guerra Mundial, o fez com tudo aquilo que havia aprendido no campo de batalha: utilizando tratores projetados tomando como base os tanques de guerra; pulverizadores areos utilizando os avies de guerra; pesticidas e herbicidas desenvolvidos a partir das bombas qumicas

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O industrialismo sempre um processo de cataclismo. Destri o passado, questiona o presente e torna o futuro incerto. Forma parte do

ethos do sistema industrial valorizar o desenvolvimento e a produo, a velocidade e a novidade, o poder e a manipulao, que so a base das mudanas contnuas, rpidas e subversivas. E tudo isso sob o prisma deuma anlise da realao custo/benefcio fundamentalmente economicista e alheia a questes culturais, sociais ou ambientais. Quer dizer, sob um critrio quantitativo que, no geral, termina derivando em uma injusta diviso de custo/benefcio. Quaisquer que sejam os benefcios que o industrialismo possa introduzir, a juzo dos luditas, os problemas so ainda maiores. E as conseqncias podem ser bastante mais profundas quando as normas da sociedade industrial substituem costumes e hbitos do passado. Existem muitos estudos que trataram o tema das conseqncias do industrialismo na sociedade e em seus costumes. Nesta linha, uma antroploga americana, Helena Norberg, destaca como a introduo de um aparentemente inocente transistor em Ladakhi, num povo do noroeste da ndia, teve como conseqncia que num breve perodo de tempo as pessoas no se sentassem ao redor dos fogos para cantar as velhas canes do povo, compartilhar suas histrias e, com isso, veio abaixo toda a base do sistema educativo desse povo. Sob o prisma do ludismo, as ferramentas no esto integradas na cultura, mas sim a atacam, tanto quanto caminham no sentido de converter-se na cultura.

Uma resistncia ao sistema industrial, baseada na fora de alguns princpios morais, no s

possvel, mas necessria. Esta a terceira lio que, a juzo de Sale, podemos aproveitar do ludismo do sculo 19. Provavelmente, nenhuma imagem emerge com maior clareza da histria dos luditas que aquela que reconhece sua ousadia, sua valentia e sua boa vontade. certo que, num sentido geral, os luditas no tiveram xito, nem a curto prazo, em seus intentos por deter o desenvolvimento da mquina, nem a longo prazo, em seu objetivo de parar a Revoluo Industrial e suas mltiplas misrias. Em qualquer caso, o que importa do ponto de vista da histria que eles so lembrados por haverem-se oposto, no por terem ganho. Alguns, na atualidade, podem dizer que a luta dos luditas do sculo 19 foi ingnua, x

cega e sem sentido. Segundo Sale, foi autntica. O sentimento ludita calou profundamente em muitos homens e se estendeu ao longo do desenvolvimento do industrialismo pela maioria dos pases. O que permanece no fundo dessa histria que a luta dos luditas sups um desafio moral contra os princpios que a nova tecnologia tratava de impor, princpios de carter fundamentalmente econmico que atentavam contra aqueles princpios e costumes tradicionais que haviam regido a vida que eles os luditas haviam conhecido at ento.

Politicamente, a resistncia ao industrialismo deve forar no s o questionamento da

mquina mas a viabilidade da sociedade industrial, promovendo-se um debate pblico. Esta uma lio muito importante que podemos aprender do movimento ludita. Certamente, se a longo prazo o grande xito dos luditas foi que foram capazes, e os primeiros a questionar o valor da mquina, tambm deveramos dizer que seu fracasso foi que no provocaram um verdadeiro debate sobre essa questo ou que no expuseram a questo adequadamente nos termos em que tal debate devia ter tido lugar. No obstante, a responsabilidade desse fracasso no dos luditas, posto que nunca assumiram como parte de sua misso fazer de seu protesto um assunto de debate. Eles escolheram a destruio das mquinas como um meio para ir precisamente mais alm do debate. Terse-ia que esperar at meados dos anos sessenta e princpios dos anos oitenta do sculo 20 para que o marco interdisciplinar de estudos CTS8 originasse toda uma reflexo filosfica sobre a cincia, e a tecnologia capaz de questionar criticamente o desenvolvimento cientfico-tecnolgico, assim como para ter-se conscincia de seus benefcios, riscos e perigos que tambm implicam. Sobre esta base, um dos objetivos da resistncia tecnologia em nossos dias precisamente gerar esse debate de que careceu o movimento ludita do sculo 19; um debate baseado na participao e na gesto democrtica da cincia e da tecnologia, em que todos os envolvidos, includos os cidados comuns que sofrem as conseqncias do desenvolvimento cientfico-tecnolgico, possam emitir suas opinies sempre sob a garantia de uma adequada formao e informao.

Se o edifcio da civilizao industrial no sucumbe como resultado de uma determinadaCTS a abreviao para os estudos transdisciplinares que envolvem Cincia, Tecnologia e Sociedade.

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resistncia gerada dentro de suas prprias paredes, parece plausvel que sucumbir como conseqncia de seu prprio desenvolvimento, atravs de seus excessos e de suas instabilidades. Esta uma questo muito importante que os luditas souberam ver. Fixemos-nos ento nas duas foras que esto minando os alicerces da sociedade industrial: o abuso do entorno e os transtornos sociais. Ambos so necessrios e inseparveis do desenvolvimento industrial. Quase poderamos dizer que so o fruto do desenvolvimento industrial, motivo pelo qual o sistema industrial leva em seu interior o germe de sua prpria destruio. No entanto, no estamos dizendo novidade alguma, pois isto algo que caracteriza toda civilizao. Os registros dos ltimos cinco mil anos de histria sugerem claramente que todas as civilizaes precedentes se deterioraram e destruram, no importando o ponto a que haviam chegado a florescer. Ocorre que a civilizao industrial diferente no s no fato de ser a mais extensa e poderosa de todas aquelas que at aqui existiram, mas tambm que sua destruio ir provocar conseqncias muito mais drsticas que qualquer outra, chegando a colocar em perigo qualquer tipo de vida em nosso planeta. O certo que, a partir da Segunda Guerra Mundial, os sentimentos de temor, desconfiana e, em muitos casos, de rechao, foram-se generalizando tambm entre os cidados comuns. Os medos e temores se acentuaram na dcada de setenta, com as revelaes dos perigos para o homem e o meio ambiente do uso de determinados pesticidas e fertilizantes, de aditivos nos alimentos, do aumento dos nveis de radiao Todos estes acontecimentos comeam a minar a confiana na cincia e na tecnologia como fontes de progresso para a humanidade. Quando a dcada de oitenta nos trouxe os mais desastrosos fracassos da moderna tecnologia at a presente data, em 1984, a exploso em Bophal e, em 1986, a da central nuclear de Chernobil, seguidos do crescente alarme mundial pela degenerao do meio ambiente, a preocupao e a desconfiana cresceram sobremaneira. Como apontvamos anteriormente, no somente as vtimas diretas da tecnologia pertencem a esses grupos, mas tambm aqueles cidados especialmente preocupados e sensibilizados, como so os participantes em campanhas contra resduos txicos, o uso de pesticidas, o corte desmedido de rvores, a experimentao com animais Um dos grupos de maior xito foi o dos ativistas antinucleares nos Estados Unidos, que se opuseram s armas nucleares e s centrais nucleares, sendo capazes de evitar a construo de novas centrais em todos os estados desde 1978. Sua oposio incluiu todo tipo de atividades: manifestaes, marchas, concertos e inclusive sabotagens. x

Na dcada de oitenta se desenvolveu o que se conhece como o ecotage. Trata-se de uma forma de protesto iniciada pelo grupo ecologista Earth First, uma organizao radical cujo lema era nenhuma concesso na defesa da terra. Sua estratgia consistia em parar as intruses e ataques ao meio valendo-se tanto de meios legais como de outros tipos de atividades, tais como furar pneus das mquinas utilizadas para cortar lenha, bloquear as estradas para impedir que caminhes ingressassem nos bosques, introduzir pregos nas rvores para evitar que fossem cortadas com serras de corrente, etc. O objetivo fundamental de tal grupo, como se assinalou em suas publicaes gratuitas, desmantelar o sistema industrial atual. Como disse um de seus membros antes de ser detido por derrubar uma torre de alta tenso: no somente proteger a natureza, mas tambm atravessar uma barra na roda da mquina que o sistema industrial. A reao contra as mquinas e sua cultura se fez presente na forma de greves e outros movimentos sociais, polticos e filosficos. Inclusive movimentos artsticos e culturais. Muitos deles reeditados hoje e alguns inditos. Podemos dizer que os atuais conflitos relacionados questo da globalizao so, de certa maneira, conseqncia de um aprofundamento desta crise entre o modelo de produo local e de subsistncia e o modelo de escala globalizante e monopolista.

Arts and Crafts (Artes e Ofcios).

Outro movimento que enfrenta a ditadura das mquinas e nos permite aprofundar a reflexo sobre o Desenho Industrial e sua ntima relao com a lgica da produo industrial em larga escala o movimento de Artes e Ofcios (Arts and Crafts). Na virada do sculo XIX para o XX, o movimento Arts and Crafts, um dos mais legtimos representantes da reao ao poder avassalador da fbrica capitalista. Este movimento caracterizou-se por propostas que eram, se no antagnicas mquina e aos sistemas fabris, pelo menos bastante crticos de sua exagerada busca pelo lucro, refletida na necessidade de produzir em enormes quantidades. Apesar de produto da era vitoriana, o movimento de artes e ofcios deixou uma herana que se estendeu ao sculo XX. A preocupao maior de seus principais personagens era o fato de que os fabricantes da era da mquina eram movidos mais pela quantidade do que pela qualidade.(TAMBINI 1999. pg 10). William Morris (1834-96), no por acaso socialista, foi um dos tericos mais influentes deste movimento que teve imensa relevncia na Europa e EUA, sendo originrio da Grx

Bretanha. interessante observar que muitas publicaes no fazem referncia ao perfil poltico de Morris, o que muitas vezes prejudica o entendimento da plenitude de suas idias (SATU 1999, pgs. 92 a 100). No vamos explorar este perfil a fundo aqui, mas de interesse para nossa compreenso do contexto em que se origina a separao entre Design, atividade criativa e Desenho Industrial, atividade comprometida com a produo em massa, ter em mente que Morris era de fato um socialista considerado por muitos como utpico. Mesmo Friedrich Engels, o considera dessa forma, provavelmente pelo fato de que nem todos os socialistas faziam o mesmo tipo de crtica sociedade industrial. Engels, assim como Marx, considerava que as mazelas da sociedade, de forma geral , estavam vinculadas a questes econmicas, fundamentalmente, e que a tcnica seria uma ferramenta redentora das massas, desde que os meios de produo passassem s mos do proletariado. Essa anlise crtica e perspicaz das limitaes do marxismo sovitico construda por Herbert Marcuse, entre outros, inspirou muitos movimentos trabalhistas e sociais alternativos de carter reivindicatrio, socialistas libertrios, nos anos sessenta do sculo XX. (MARCUSE 1958). Podemos identificar fortes influncias dessa anlise nos atuais confrontos polticos em torno da questo da famigerada globalizao. Para restringir nosso estudo a um objetivo mais imediato, digamos apenas que a historiografia oficial se encarregou de deslocar os movimentos alternativos industrializao ao plano da utopia ou ingenuidade. O que este trabalho considera um equvoco provocado. Esses movimentos permanecem, ainda que aparentemente num estado de refluxo, atuantes e influentes, combatendo o capitalismo monopolista e a industrializao poluente e genocida. importante observar que, na essncia, o movimento industrialista foi revolucionrio, pois superava situaes estabelecidas. Acredito que o industrialismo mesmo, por sua vez, pelo menos nos moldes tradicionais, tende a ser revisto e superado no dilogo com os movimentos alternativos, oferecendo outras perspectivas ao trabalho e ao trabalhador. Movimentos sociais, culturais, artsticos e filosficos (ludismo, artes e ofcios, hippies, ecologia, permacultura...) crticos lgica industrial, no foram apenas ingnuos e incuos. Mesmo hoje a luta contra a globalizao e o modelo capitalista totalitrio se manifesta e tenta resgatar propostas daqueles movimentos. O Designer deveria, se quisesse se manter em sintonia com as mudanas sociais (no essa mesma a nossa funo?), acompanhar o acontecer histrico com olhar crtico. Antropologia, tica, Cultura, Tecnologia, Poltica, Ecologia, entre outras, no so apenas disciplinas que devem ser integradas ao currculo de forma burocrtica, mas conceitos transdisciplinares e ferramentas de tratamento da complexidade inerente aos ambientes sociais e tecnolgicos que precisam fazer parte do arsenal de modelos intelectuais do profissional que pensa em atuar no sculo XXI. x

Nesse sentido, conhecer e entender a chamada Economia do cio (DE MASI 2001) pode ser mais importante para o estudante de Design que ter noes do Marketing e da Propaganda tradicionais. Uma viso crtica do Design implica em no aceit-lo a priori como ferramenta mercadolgica ou tecnolgica simplesmente.

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Ento o Desenho Industrial est a servio da burguesia industrial?

Devemos pelo menos considerar a existncia de uma faceta da histria que no exposta normalmente em nossas escolas e em nossas reflexes profissionais. Diz-se que a histria contada pelos vencedores, mas a histria do Design, como a histria do homem, ainda no terminou. Para possibilitar que estudantes de Design possam pensar sua atividade sob outra tica que no mera e exclusivamente a do lucro financeiro, seria interessante que se lhes oferecesse aos olhos um quadro sempre dialtico, no sentido de que as foras antagnicas normalmente presentes na sociedade no entraram em consenso para criar algo chamado design. As escolas ou tendncias do Design moderno geralmente se posicionam com referncia ao modo de produo. S podemos entender Bauhaus a partir do entendimento do contexto scio-histrico e do modo de produo da poca. O Futurismo fazia a apologia da mquina e alguns de seus expoentes se aproximaram do fascismo. A influncia da corrida espacial da poca da guerra fria no Design estadunidense e a posterior influncia do movimento hippie e do psicodelismo no deve ser vista apenas como modismo ou acaso, sob pena de entendermos o Design como fruto de gerao espontnea ou da genialidade de alguns. Para construir uma viso crtica, necessrio pintar um quadro histrico e analis-lo. Um esboo desse quadro, muito desprovido de ambio, seria o que segue. Tambm no pretende ser uma linha de tempo precisa, apenas um esqueleto geral no qual se percebe a ausncia de influncias e estilos importantes. O objetivo mostrar uma corrente alternativa e paralela, de movimentos sociais, sempre presente junto corrente principal. Enquanto acontece a histria do Design, acontece a histria do mundo e as duas conversam. Na verdade, aquela faz parte desta. Num aprofundamento posterior, poder-se-ia explorar com maior detalhe os vrios movimentos de reao ao industrialismo e a uma viso tecnocntrica de Design, alm de se estabelecer as contradies internas entre os movimentos sucessivos, com relao ao modelo e ideologia fabril.

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Quadro relacional entre movimentos clssicos do Design e Movimentos Sociais Contestatrios. Artesanato, Shakers Arts & Crafts DeStijl, Construtivismo Art Dco Art Nouveau Bauhaus e VKhUTEMAS Futurismo Design Industrial Estadunidense Design Moderno e PsModerno . Socialismo Utpico, Anarquismo e Pacifismo I Grande Guerra Ludismo

II Grande Guerra, Movimento Beat, Movimento Hippie Pacifismo e Movimentos Ecolgicos e Antiglobalizao.

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O Desenho Industrial fruto desta interao. E como criao, construto humano, no est livre de julgamento ou juzo de valor. No neutro. Nasceu e se desenvolveu juntamente com movimentos sociais complexos, conforme vimos at agora. Muitos dos apelos grficos, visuais e culturais desses movimentos foram assimilados e at recuperados no processo de transformao de idias em produtos (cala jeans, psicodelismo, ecologia...) Sabemos que a Burguesia Comercial da Idade Mdia foi substituda, na Revoluo Industrial, pela Burguesia Industrial. Esta, por sua vez, enfrentou as presses de uma Revoluo Tecnocientfica, reconfigurando-se e tomando a frente na atualmente chamada Era da Informao. Nesses cenrios, mudam personagens, mas o papel do burgus, do patro, do capitalista monopolista, ainda concentra-se nas mos de pouqussimos. E os movimentos sociais continuam pressionando no sentido do atendimento das necessidades da maioria. E so os confrontos entre essas foras antagnicas, do ponto de vista da filosofia da prxis, que erigem, se no o todo, pelo menos uma boa parte do que consideramos Histria.

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Ento o Design no neutro?

O Design Grfico, por exemplo, constituiu-se como atividade sempre intimamente relacionada s filosofias polticas de cada poca e est at hoje intimamente ligado propaganda e ao marketing. E por isso precisa responder a exigncias prticas de carter industrial. Mas precisaria responder tambm sobre as conseqncias a que suas criaes levaram. Essa uma preocupao crescente dentre aqueles que entendem que no h neutralidade no Design. Para muitos tericos, at hoje, a tcnica e as suas conseqncias so separveis, o que induziria a uma certa neutralidade da tecnologia e da cincia frente aos seus resultados, que poderiam ser bons ou ruins, dependendo do uso. Para outros, uma tecnologia um fruto inseparvel das condies objetivas e subjetivas de sua poca, sendo ao mesmo tempo resultado e causa histrica de mudanas sociais e culturais. sob essa tica que analiso o Desenho Industrial. Talvez o homem que atua num campo profissional no possa ser responsabilizado individualmente pelos efeitos malficos ou benficos de sua atividade. O pecado tende a ser coletivo quando se trata de profisso. Se considerarmos a tcnica, a arte ou a cincia como objeto neutro e deslocado da sociedade, no haver sentido em tentar uma crtica como a deste trabalho. Mas se no pudermos construir uma teoria crtica do Desenho Industrial, no poderemos fazer juzo sobre o Design Grfico que se colocou a servio dos regimes totalitrios e desumanos (fascistas, nazistas e stalinistas) e que cria belssimos cartazes de propaganda de cigarros, ou utiliza a imagem da mulher como objeto. Aqui est uma das linhas condutoras deste trabalho. A busca de princpios ticos que devem nortear a atividade profissional, mais do que o resultado monetrio ou contbil. Estes princpios no esto prontos e acabados na cabea de algum iluminado, mas devem ser construdos pelos tericos e acadmicos, em parceria com os profissionais que atuam diretamente no mercado. uma construo que exige reflexo e que est sujeita a equvocos, mas que est sendo feita a algum tempo no Brasil e no mundo. William Morris, Walter Gropius, Gui Bonsiepe, Oscar Niemeyer, Joaquim Redig, Jordi Llovet, Luiz Vidal, apenas para citar os que me vm cabea, no escreveram sobre tcnica apenas, ou esttica ou sociologia. Nem mesmo cultura. Escreveram e produziram tudo isso, pensando no ser humano e na sua interao com outros seres humanos e com a natureza. Esta interao se d fundamentalmente por signos. E quando se trata de materializar esses signos, estamos falando de Design.

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Design e Desenho Industrial contextualizados.

Estabelecer o limite, a linha divisria entre o Design atividade humana, que talvez se estenda por toda a histria (e at mesmo pr-histria) e o Desenho Industrial, tem sido um problema central da concepo de Design como atividade profissional. Solange Bigal (BIGAL, 2001), em seu livro, expe o carter amplo desta discusso e nos deixa algumas pistas que podemos seguir. Do mesmo modo, podemos recorrer ao desenho ou desgnio de Luiz Vidal Negreiro Gomes (GOMES, 1996). E aos escritos de Joaquim Redig (REDIG,1978 a 1983), entre muitos outros. Ento, o que design? Design uma disciplina responsvel pelo projeto do Meio Material do Homem, na medida em que considera mais diretamente, em seu trabalho, as necessidades do Homem ou seu ponto de vista em relao ao Meio. Ou seja, Design a disciplina que estuda a relao Homem/Meio sob o ponto de vista do Homem. (idem, 1978 a 1983:41) Mas o que so as necessidades do Homem? Redig no aprofunda essa discusso. Vejamos uma interpretao grfica do princpio conceitual deste autor:

Pt. de vista do Design

Pt. de vista da Engenharia

HOMEM OBJETO* * Transformao do Meio pelo Homem

MEIO

Redig, com essa conceituao, caminha para o estabelecimento de pontos de vista centrais de cada atividade. Ou seja, aquele para o qual cada uma dirigiria sua ateno principal. O prprio autor, contudo, nos diz: indispensvel no entanto (em qualquer atividade) manter-se uma viso abrangente do problema em que se est trabalhando, atravs da observao de todos os pontos de vista que constituem o objeto em questo. Nesse sentido, a representao precisa do ponto de vista utilizado no esquema acima seria da seguinte forma:

Viso Abrangente

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Sentido da Ao

(Ibidem, 1978 a 1983:51)

Percebe-se a preocupao do autor em ampliar a viso do designer na soluo de problemas, procurando evitar o engessamento das prticas. Essa preocupao leva a considerar as especificidades da profisso sem desvincula-las de sua relao com o meio. Quando discute os fatores que devem ser considerados para a atuao do designer no Brasil, Redig elenca seis fatos determinantes que caracterizam as necessidades materiais da nossa sociedade: 1. Somos um pas tecnologicamente dependente. 2. Somos um pas socialmente pobre. 3. Somos um pas territorial e populacionalmente extenso. 4. Somos um pas ecologicamente tropical. 5. Somos um pas culturalmente ocidental/indgena/africano. 6. Somos um pas historicamente novo. O autor continua sua anlise afirmando que: Diante dessas caractersticas do contexto brasileiro, o Design brasileiro deveria, em sua prtica, conscientizar-se dos seguintes Fatores: Fator tecnolgico... Fator social... Fator material... Fator ecolgico... Fator cultural... Fator poltico... (Ibidem, 1978 a 1983:68) Observa-se, portanto, que a preocupao de Joaquim Redig configurar uma atuao profissional que tenha especificidades operacionais, mas que no se descole da realidade. Ao discutir parmetros para a utilizao social do Design no Brasil, esse autor argumenta que a relao com o mercado deveria se dar voltada para o atendimento das reas no x

contempladas, ou seja, oferecer maior volume de produo s extensas camadas populacionais de baixa renda. Nesse processo, h um enfoque que determina que o tipo de tecnologia que se vai usar na produo seja adequado. Por tecnologia adequada Redig entende os recursos utilizados na produo, os quais divide em trs categorias: 1. Recursos naturais matria prima. 2. Recursos tcnicos processos de produo. 3. Recursos humanos mo de obra. Em funo disso, define os parmetros necessrios ao tipo de tecnologia que se deve buscar para atender s necessidades bsicas da nossa sociedade: Tecnologia Local, de Baixo Custo, Industrial e/ou Artesanal, Manual e/ou Mecnica, No Poluente. Para Redig existe uma diferena entre Design em geral e Design propriamente dito (Desenho Industrial em geral). Design em geral corresponde ao sentido etimolgico do termo Design, mas mais abrangente que o sentido normalmente dado a este termo... (Ibidem, 1978 a 1983:49). O Design propriamente dito se divide em Programao Visual (ou Comunicao Visual) e Desenho de Produto (ou Desenho Industrial propriamente dito). Design propriamente dito, ou Desenho Industrial em geral segundo Redig, : o equacionamento simultneo de fatores ergonmicos, perceptivos, antropolgicos, tecnolgicos, econmicos, e ecolgicos, no projeto dos elementos e estruturas fsicas necessrias vida, ao bem estar, e/ou cultura do homem. (!977) No pretendo, nesse trabalho, esgotar a discusso sobre a questo da nomenclatura adequada atividade profissional. Aproveito apenas a elaborao acima para reforar a noo de que Design e Desenho Industrial guardam especificidades. Fao isso com o objetivo de chamar a ateno baseado nos fatos histricos que relatei anteriormente de que o Desenho Industrial tem sido utilizado como ferramenta da Produo Industrial, mas que o designer no tem que atuar necessariamente nesse campo. E, mesmo que atue, no deveria eximir-se de assumir uma posio consciente, crtica e comprometida com as necessidades sociais. Bonsiepe, ao chamar a ateno para os novos significados do Design, diz o seguinte: 1. Design um domnio que pode se manifestar em qualquer rea do conhecimento e prxis humana. 2. O design orientado ao futuro. 3. O design est relacionado inovao. O ato projetual introduz algo novo no mundo. 4. Design se orienta interao entre usurios e artefato. O domnio do design o domnio da interface. ( 1997:15) Ao caracterizar Design como domnio da ao humana, o autor pretende, por um lado, x

separa-lo do domnio disciplinar projetual, cujas referncias tradicionais associam o termo design aos termos industrial, grfico ou de interiores. Por outro lado, objetiva indicar e desarmar uma armadilha comum: a das generalizaes vazias do tipo tudo design . - ... nem tudo design e nem todos so designers. O termo design se refere a um potencial ao qual cada um tem acesso e que se manifesta na inveno de novas prticas da vida cotidiana. Cada um pode chegar a ser designer no seu campo de ao. E sempre deve-se indicar o campo, o objeto da atividade projetual. (1997:15) Na mesma direo, Bigal explora distintas definies possveis e mutuamente determinantes do que seja, afinal, o Design: design inferncia no acesso da informao; design possibilidade de desregrar o basic para o provvel e interferir em uma rede processada pela lgica de acumulao de capital; design sintaxe que mobiliza os ambientes, desconstruindo a paisagem positivista dos mdias; design utopia geradora de secundidade; design capacidade do pensamento de se instalar nos programas; design o prprio movimento do pensamento como experincia cognitiva na apreenso de algo que ainda no signo, mas quer ser. (2001:82) Tornando minhas as palavras de Edgar Morin, o pensamento do designer, no uma sntese, mas um pensamento transdisciplinar, um pensamento que no se interrompa nas fronteiras entre as disciplinas. O que me interessa, o fenmeno multidimensional, e no a disciplina que seleciona uma dimenso desse fenmeno. Tudo o que humano ao mesmo tempo psquico, sociolgico, econmico, histrico, demogrfico. importante que estes aspectos no sejam separados, mas concorram para uma viso poliocular. O que me move o desejo de ocultar o menos possvel a complexidade do real.(MORIN, IN: PESSIS-PASTERNAK, 1993: 86) Considero que vivemos um momento histrico onde as caractersticas complexas do conhecimento exigem a formao de um profissional que seja mais que um esteta industrial ou um gerenciador operacional. Neste trabalho, defino designer como articulador transdisciplinar (a partir da contribuio de Carlos Ramirez Righi). Nesse sentido, h uma infinidade de campos em que o designer poderia atuar, e que fogem da lgica da Produo Industrial. Neste trabalho, enfoco um deles, vinculado ao Terceiro Setor.

Mas, o que o Terceiro Setor?

De acordo com Camargo [et al.],... pode-se considerar o Terceiro Setor... um meiotermo do ambiente poltico-econmico, intermediando as relaes entre o Estado e o mercado no que tange s questes da melhora social. Seu principal mrito agregar modelos organizacionais eficientes aos seus objetivos voltados filantropia. (2001:15) x

O foco deste trabalho so as entidades do Terceiro Setor de carter alternativo lgica capitalista tradicional onde a competitividade e a lucratividade muitas vezes so priorizadas em detrimento de questes ticas. Diferencio, portanto, organizaes sem fins lucrativos ONGs em geral - de organizaes com propostas alternativas. Uma anlise acadmica comea a surgir no Brasil e em outros pases levando em considerao o modelo econmico e organizacional das ONGs como alternativa ao modelo de produo capitalista convencional. A prpria dinmica do capitalismo tem assimilado valores, tcnicas e mtodos oriundos de uma viso onde a produo se d em moldes sustentveis e artesanais. Mrio Schiavo, citado por Camargo [et al.], diz que ...a dinmica do mercado constituda de trs elementos: Mercado comercial: ...setor privado, baseia-se na comercializao de bens e servios...Como retorno, a empresa obtm o lucro necessrio para viabilizar suas atividades. Mercado assistencial: ...assistencialismo paliativo... So atividades que no atacam sistematicamente a origem do problema, o que faz com que estas organizaes se sustentem pelo patrocnio das injustias sociais, no as eliminando para no se auto-extinguirem. Mercado social: formado pelas entidades que geram um comportamento que oferece sociedade um retorno efetivo na forma de resultados. Os agentes sociais (ONGs, fundaes, associaes, etc.) procuram identificar e combater o problema matriz e criam condies para que ele no retorne. (2001:16) Esta anlise avana no sentido de fazer uma melhor categorizao e conseqente diferenciao entre as prticas mercadolgicas, assistencialistas e sociais. Embutida nessa anlise, h uma crtica ao assistencialismo como atividade que se realimenta da explorao e das injustias sociais e, ao mesmo tempo, um aporte que direciona preferencialmente s aes ditas sociais. Na perspectiva de Schiavo, ento, essas aes sociais aconteceriam dentro de uma lgica ou filosofia de mercado social, auferindo lucro social e gerando retorno ou resultado sociedade. Percebe-se a uma tentativa de conseguir uma hibridao entre o modelo produtivo capitalista e um modelo de sociedade mais justa. No Brasil, a expresso sociedade civil est na origem da formao do chamado Terceiro Setor, que se faz notar j no perodo ditatorial, fruto da demanda por um espao fora do mbito do governo para atuar nas causas coletivas e [...]para congregar as manifestaes heterogneas de aes de cunho filantrpico, associando entidades de diversas naturezas num mesmo contexto ideolgico. (Ibidem, 2001:19) Uma das caractersticas deste Setor em nosso pas a diversidade dos projetos e de x

instituies voltadas para este fim. Tem-se demonstrado, contudo, que sua participao na economia relevante, tanto em termos de participao no mercado, quanto na questo da gerao de empregos.

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Indicadores metodolgicos para atuao do designer no terceiro setor.

A maior especificidade metodolgica necessria para abordar os problemas atuais de design a capacidade de lidar com a complexidade. Segundo Morin, Complexidade um tecido (complexus: o que tecido em conjunto) de constituintes heterogneos inseparavelmente associados: coloca o paradoxo do uno e do mltiplo. [...] Complexidade efetivamente o tecido de acontecimentos, aes, interaes, retroaes, determinaes, acasos, que constituem o nosso mundo fenomenal. (MORIN, l991: 17-18) Mas existem realmente caractersticas metodolgicas especficas no Design para o Terceiro Setor? Do meu ponto de vista, ao contrrio da premncia por lucratividade financeira, as demandas por sustentabilidade e agregao de valor social a um produto no so inerentes produo industrial convencional, mas nascem como reivindicaes de setores organizados da sociedade civil, atualmente representados por ONGs. Trabalhar em uma ONG, portanto, pode representar trabalhar em um ambiente que gera a necessidade de se construir uma srie de alternativas em vrios nveis para os problemas da humanidade. Este ambiente tambm contribui com a reflexo, a pesquisa, a experimentao e a aplicao dessas propostas, constituindo-se em um campo frtil e dinmico de interveno e de produo de conhecimento sobre questes cruciais relacionadas manuteno da vida e da felicidade do homem no planeta e do prprio planeta terra. A preocupao em gerar solues sustentveis e que garantam o bem estar da humanidade como um todo, no o foco principal de uma empresa que atue dentro da lgica de produo capitalista. o crescimento das presses governamentais nacionais e internacionais em termos de polticas ambientais e sociais que obriga as empresas a levarem em considerao esses aspectos. Pode-se dizer que as empresas aprendem a produzir de maneira sustentvel com as ONGs. Felicidade, solidariedade, igualdade, fraternidade, cooperao, autonomia, entre outras, no so palavras normalmente encontradas no vocabulrio de um executivo de uma transnacional. As organizaes da sociedade civil de carter alternativo sempre enfrentaro uma batalha acirrada para fazer valer critrios e valores mais complexos que os do mercado. A atuao do designer como articulador transdisciplinar est diretamente relacionada a esta luta. Seja desenvolvendo um sistema de embalagem de baixo impacto ambiental, seja produzindo cartazes com papel reciclvel, ou mesmo projetando a interface de um sistema x

eletrnico de colaborao e de informao, o profissional do Design encontra no campo do Terceiro Setor maior liberdade criativa, aliada a um maior compromisso social. medida em que as presses por produtos e servios que satisfaam aspectos sociais, culturais e ecolgicos aumentam, muitas (no todas) empresas modernas adotam mtodos de projeto que contemplem essas necessidades, como forma de se manterem competitivas. Ao fazerem isso, acabam por se tornar parceiras, interlocutoras de uma idia que pde surgir devido a existncia de um espao onde imperam outras lgicas, diferentes da lgica do lucro financeiro. Nesse sentido, o designer desempenha o papel de intelectual orgnico9. Esse papel deve ser desempenhado com o cuidado de no enrijecer os vnculos intelectuais e ticos com a organizao, sob pena de se abandonar o olhar crtico e/ou adotar uma atitude de especialista. Pode-se brincar e dizer que para atuar de maneira realmente transdisciplinar o designer deve ser um intelectual orgnico de aluguel. Assim, em muitos casos, encontramos ambiente propcio para a aplicao de mtodos oriundos de uma prtica social mais democrtica, coletivista e libertria. Nesse trabalho quero evitar uma dicotomia forada entre mtodos de Design especficos para o Terceiro Setor e mtodos para o capital industrial. Nem por isso defendo a neutralidade do Design. Acredito que o desfio que se coloca a todos os setores da sociedade tornar possvel um dilogo construtivo entre os vrios ambientes que constituem hoje a complexa teia social. Ao mesmo tempo em que os setores organizados da sociedade civil precisam se preocupar em criar alternativas viveis e lutar para que elas sejam implementadas e que se tornem uma demanda social, as empresas devem ser capazes de adaptar seus mtodos, servios e produtos a estas demandas. Algumas das especificidades destes mtodos so seu carter participativo, solidrio e sustentvel. Uma explorao mais detalhada dessas especificidades metodolgicas seria tarefa para um outro texto e j vem sendo contemplada na literatura atual10.

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Antonio Gramsci, basicamente conceitua intelectual orgnico como aquele que articula propostas de um ponto de vista comprometido com os interesses de uma classe ou setor social organizado. Ver, por exemplo, SANTOS, 2002 e COUTO, 1999.

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Design Institucional o Design no projeto de vida da organizao.

Para ilustrar e esboar conceitos que apontem uma estruturao metodolgica mais apropriada ao trabalho do designer no terceiro setor, baseio-me na utilizao de alguns mtodos em casos reais, mas comeo explicitando minha concepo de Design no contexto da empresa, desenvolvida atravs de reflexo durante minha atuao profissional e no estgio curricular orientado por Carlos A. R. Righi. Os problemas gerais do Design Grfico, de carter informacional e visual, independente da natureza econmica da empresa no qual eles ocorrem, podem ser abordados de duas formas bsicas: Caso a caso. Estruturalmente.

A abordagem que denomino caso a caso uma abordagem bastante comum no mercado em geral, muito difundida por desconhecimento da funo do Design e por parecer, num primeiro enfoque, mais econmica. Nesta forma de ver o Design Grfico, que nem sequer reconhecido como tal, existe a concepo tradicional do designer como um traador de letras, cartazes ou ilustraes. benfico para o desenvolvimento do Design que essa discusso evolua no meio acadmico, preparando os designers para demonstrar que este um modelo de interveno fadado a sub-utilizar e subalternizar a atividade do design em geral e do Design Grfico ainda mais, por consider-lo suprfluo ou restrito e submetido ao departamento de marketing, quando muito. Pode-se identificar, entre uma grande variedade, alguns sintomas gerais que indicam que o Design tratado caso a caso numa instituio ou empresa: Ausncia de um departamento de design no organograma. Ausncia de profissionais do ramo em carter permanente no quadro de pessoal. A contratao de empresas especializadas no retira a empresa da categoria do caso a caso, visto que nem todos os escritrios de design suportam ou entendem outra abordagem. Pouca ou nenhuma estruturao visual da informao ou enfoque srio e institucional sobre identidade visual. Atribuio de atividades de projeto grfico e informacional a leigos. x

Concepo artstica do design, considerando que qualquer um com um pouco de sensibilidade e conhecimento de aplicativos especficos pode ser designer (no estilo fulano tem bom gosto e faz nossos cartazes no computador). Dificuldade de comunicao no contexto do Design (pouco ou nenhum entendimento da importncia de conceitos, abordagens, metodologias, ferramentas e termos relativos ao Design Grfico). Ao adotar, conscientemente ou no esta atitude, o empresrio ou administrador imagina, freqentemente que est economizando ou simplificando os mtodos. Na realidade, este aporte traz uma sensvel diminuio no investimento em organizao da informao, o que no pode ser considerado economia, mas falha de planejamento estratgico. Uma empresa ou instituio necessita prever com antecedncia os processos que pretende adotar para intervir na sociedade e para isso no pode prescindir de um Planejamento Estratgico que a contextualize em termos de realidade interna e externa. Como contextualizar uma instituio se no se pensa os caminhos, mecanismos e estruturas da informao da mesma? E que profissional seria capaz de atuar como articulador das inmeras variveis que compem o quadro de uma instituio ou empresa? Deveria ser um profissional com formao transdisciplinar , especializado em tcnicas informacionais e capaz de propor uma estrutura que suporte os mecanismos comunicativos de um organismo complexo como o caso da maior parte das instituies modernas. Um articulador transdisciplinar, sem compromisso com esta ou aquela viso tecnolgica ou administrativa, mas interessado em estabelecer um dilogo eficiente entre elas e com o mundo (pblico alvo). Esse profissional trabalharia com o projeto da instituio como um todo. Parece-me que este o desafio para um Designer. Quando o Design no faz parte das estratgias competitivas e de sobrevivncia institucional, muito provvel que a cada momento uma nova necessidade comunicativa ou informacional surpreenda a administrao, que encarregar o departamento de marketing, ou informtica, ou administrao do problema. Este departamento ento contrata o Designer escritrio de Design e/ou publicidade para atacar de forma localizada o problema. J uma empresa ou organizao que encara o problema do Design de forma estrutural, compreende que Design parte fundamental da administrao, e deve dialogar de maneira integrada, desde o incio, com todos os setores que compem o organograma da empresa. O departamento de Design ou o escritrio de Design contratado para atuar na empresa deve ter a perspectiva de atuar no projeto da empresa, entendido aqui como todas as decises e x

planos oriundos da concepo de mundo dos criadores e mantenedores da organizao. As vrias publicaes sobre a gesto do Design no so unnimes, mas congruentes na direo de elevar a atividade do Design ao status de ferramenta de planejamento estratgico. Nesse trabalho, propomos uma viso que coloca o planejamento estratgico como ferramenta do Design11. Nesse contexto, o Design Organizacional ou Institucional a atividade que atua no projeto da existncia, funo, interveno e sobrevivncia de uma empresa12. De um ponto de vista mais especfico, o campo de trabalho do Desenhista Industrial, no sentido estrito, seja ele designer de produtos ou grfico, pavimentado pelo Designer Institucional ou Gestor de Design. E a conscincia da complexidade dos problemas institucionais sistematizados de antemo pelo Design Institucional, deve ser o guia local da atuao dos profissionais de design. Essa complexidade deve ser levantada desde o incio (de preferncia antes) da interveno dos designers. Para uma melhor compreenso da atuao do Designer nos diferentes nveis empresariais uma possibilidade de organograma seria:

Designer Institucional ou Gestor de Design

Administrao e Direo Institucional

Gerncias OperacionaisDesigner Grfico e Designer de produto

Produo

Atuando como assessor da direo, o Designer estabelece, por exemplo, a coerncia geral entre os objetivos, mtodos e processos, e identidade visual da empresa e de seus produtos. Pode, ainda, oferecer subsdios s diversas gerncias para orientar o trabalho do desenhista industrial, que atua junto produo propriamente dita. Estabelecida a diferena entre os dois modos mais comuns de abordagem do Design por uma instituio, pode-se perceber que a abordagem estrutural possibilita a agregao natural dos11

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Que poderia ser entendido, ento, como Design Estratgico, no sentido de ser o primeiro passo na formao de uma empresa e um processo a ser retomado cotidianamente, como forma de realimentar a concepo que a empresa tem de si mesma e que os clientes (ou pblico alvo) tm dela, determinada por seus produtos e servios e pela forma como eles interagem com o meio. A palavra empresa entendida aqui como empreendimento de qualquer tipo, seja comercial, industrial ou social.

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objetivos do planejamento empresarial, tornando-se, se bem gerida, a melhor opo para desenvolver solues de projeto grfico organizacional.

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Subsdios para uma metodologia de carter participativo, solidrio e sustentvel para o Terceiro Setor .

Este trabalho de concluso focado no Terceiro Setor, mais especificamente em organizaes que possuem carter questionador da lgica do sistema capitalista. Com isto querem propor idias e solues alternativas s tradicionalmente adotadas, consideradas muitas vezes excludentes e prejudiciais ao equilbrio ecolgico do planeta. Essas organizaes tm carter ecolgico e participativo, sendo todas diretamente voltadas a algum tipo de interveno no campo da agricultura sustentvel, mas no se restringindo a esse campo. Alguns conceitos nada tradicionais no campo empresarial permeiam a atuao na rea social: Solidariedade Participao Ecologia Permacultura13 Justia Social tica, entre outros.

Frente a esta realidade, fica claro que uma metodologia de projeto que se pretendesse adequada ao mbito da ONGs de carter coletivista no poderia fugir a esses princpios e teria que buscar solues de carter 1. participativo, 2. solidrio e 3. sustentvel. Por participativa, entende-se uma metodologia que preveja e inclua a participao de todos os interessados em contribuir com o projeto. Por solidria, entende-se uma metodologia que vise e auxilie a aumentar o bem-estar mtuo e que proponha elementos de colaborao intra e interinstitucional. Por sustentvel, entende-se uma metodologia que se baseie na construo e13

Um sistema de Design para criao de ambientes humanos sustentveis.

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preservao de relaes ticas, sejam elas entre humanos, entre humanos e outras espcies ou entre humanos e o meio. Na literatura sobre metodologia de projeto (ver, por exemplo JONES 1992), percebese a necessidade de estabelecer etapas para guiar as atividades de Gesto. JONES propem trs etapas bsicas, que seriam de Divergncia (anlise do Universo do problema e sobre o universo das solues), Transformao (determinao de Domnios de Solues) e Convergncia (Anlise dos Domnios de Solues e determinao de soluo tima). Permanece o trinmio Observao Anlise Soluo como regra de ouro para qualquer tentativa de sistematizar o processo do projeto. O arcabouo de uma metodologia para o Terceiro Setor no precisa fugir desse caminho, guardadas algumas especificidades j apontadas no decorrer deste trabalho. As instituies que foram objeto deste estudo, todas organizaes no-governamentais, tinham como caracterstica comum o fato de encarar o design Grfico sob a perspectiva caso a caso. Isto possibilitou (exigiu) que a interveno fosse, em primeiro lugar, educativa, para depois passar a mapear - sistematizar, analisar culturalmente e finalmente propor uma esttica associada a uma soluo tecnolgica. Baseado nessa idia geral, dividi a interveno em trs passos seqenciais para fins didticos, mas muitas vezes eles se interpenetraram no decorrer do processo . Podemos resumir a metodologia aplicada em trs passos fundamentais: 1. Levantamento e Mapeamento Institucional. 2. Criao do Lxico Grfico . 3. Criao e Aplicao de Manual de Identidade Visual. Cada fase centrada em objetivos, e todo o processo tem como pice a aplicao do MIV(Manual de identidade Visual), representando a maturidade, o entendimento e adoo pela instituio de um modelo de Comunicao Visual baseado em sua cultura e seus objetivos, levantados anteriormente. Todas as aes de cada etapa foram desenvolvidas em carter participativo, com a colaborao intensa dos membros das instituies.

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Detalhamento das etapas metodolgicas.

O Levantamento e Mapeamento Institucional pode ser confundido com um planejamento estratgico convencional, pois tambm tem como objetivo primrio construir um consenso em torno da viso e da misso da empresa/organizao. Dar ao Gestor de Design uma viso abrangente da empresa, compartilhada com a direo e os membros gestores fundamental. Como diferencial desse levantamento, que pode recorrer ao resultado de um Planejamento j realizado, temos o enfoque educativo. interessante lembrar que a abordagem inicial dessas organizaes frente ao design do tipo casual, e uma explanao inicial sobre o papel do design estratgico na instituio fundamental para afinar os discursos e as expectativas. Mostrar o caminho que se pretende percorrer at a construo do MIV, ressaltar a importncia da Identidade Visual na construo e manuteno da Imagem e da Identidade Institucional, exemplificar os avanos operacionais, tcnicos e comunicativos oriundos da organizao da informao a partir do levantamento institucional, so pontos que devem ser tratados desde o incio para viabilizar uma participao interessada de todos os envolvidos. Nesse sentido, um histrico de participao social e compromisso com causas polticas e filosficas compatveis com aquelas defendidas pela organizao so critrios importantes (ainda que no imprescindveis) para despertar o interesse inicial da organizao no Design como ferramenta estratgica. importante realizar pelo menos duas ou trs reunies com a direo. Nessas reunies procurar-se- estabelecer em conjunto um plano de ao, a partir de uma proposta bsica. Um dos passos iniciais, muitas vezes, demonstrar que design no Marketing, ou Publicidade, ou Desenho Artstico. Mas que estar coordenando aes em todos esse campos. Para isso seria importante definir quem a direo. O que pode parecer redundante numa empresa convencional, s vezes toma muito tempo numa estrutura no hierrquica ou de hierarquia indefinida, como acontece na prtica com muitas ONGs, j que a correlao de poder entre as pessoas est muito influenciada ou dissimulada por questes filosficas e ideolgicas ou falta de interesse financeiro. Muitas ONGs tm problemas em determinar nomes especficos para funes especficas e isso pode dificultar o trabalho de planejamento. Na maioria das vezes pode ser possvel estabelecer grupos ou comisses responsveis pela estrutura administrativa ou organizacional. Legalmente, deve haver uma direo executiva da organizao, eleita e empossada de acordo com estatuto prprio, mas isso nem sempre corresponde realidade e o levantamento x

institucional serve para identificar o problema e oferecer instituio a oportunidade de refletir sobre o fato. Note-se que a interveno Institucional e no pessoal. Alm de estabelecer ou identificar a estrutura organizacional, importante estabelecer qual o(s) produto(s) ou linha(s) de produto(s) e/ou servios da instituio. Outras dificuldades podero surgir dessa necessidade, tendo em vista que muitas organizaes so de carter poltico ou filosfico avesso noo de comercializao. O problema est relacionado questo da nomenclatura tcnica de planejamento e gesto empresarial e da rea do marketing, totalmente voltadas para o universo da lucratividade, produtividade e competitividade. Sempre que possvel, interessante fazer substituies verbais e semnticas que tenham significado conceitual mais abrangente e menos mercantilista para facilitar a comunicao e melhorar o entendimento mtuo. Apesar de poder parecer superficial, num primeiro olhar, aparecem questes semiticas importantes na discusso sobre o tipo de jargo que se utiliza no planejamento. Venda no Troca. Economia Solidria no Economia tradicional, e assim por diante. A participao de todos os interessados altamente aconselhada, mesmo de representantes do pblico-alvo. Exemplos dessas trocas semnticas seriam: Cliente por Pblico-alvo. Venda por Troca. Prestao de Servio por Cooperao. Lucro por Lucro Social Dificuldade por Complexidade. Competitividade por Solidariedade. Produtividade por Sustentabilidade. Empresa por Organizao. Propaganda por Comunicao, e assim por diante.

No acredito que a simples troca de vocabulrio v produzir resultados educativos se no for acompanhada de uma profunda discusso de cada conceito, que pode ser feita no decorrer de todas as etapas. Uma vez estabelecidos os nomes e funes das pessoas na estrutura organizacional e x

determinados os produtos e servios, hora de levantar a concepo interna da empresa sobre si (identidade) e a concepo externa do pblico-alvo sobre a organizao (imagem ou imagem pblica). Podemos resumir esta etapa num triangulo:

Identidade e Imagem Institucional

Estrutura Organizacional

Produtos e Servios

Durante o processo de estabelecimento formal de um consenso sobre a estrutura da empresa/organizao/instituio, o uso de recursos grficos j adiciona carter formador e introduz alguns aspectos estticos na discusso, o que facilita a apreenso da cultura visual da organizao. Tambm importante demonstrar, ao utilizar esses recursos, a finalidade sistematizadora de ferramentas e recursos grficos. Mapas conceituais cooperativos so extremamente adequados para esta tarefa14 . Outras ferramentas, como fluxogramas e organogramas pareceram menos flexveis e adaptadas ao processo participativo. Mapear e estruturar funcionalmente e em termos organizacionais uma instituio nogovernamental, de maneira participativa, uma atividade que pode despertar a conscincia dos membros da mesma para as potencialidades do Design Estratgico. O problema inicial para muitos designers pode ser a carncia em termos de cultura organizacional de qualquer tipo. Nesse sentido, adaptao nos programas dos cursos, disciplinas e cursos de Gesto do Design, palestras, visitas a empresas onde o Design atue de forma estrutural, alm dos estgios curriculares, desempenham um papel importante e determinante na formao e na escolha dos rumos da carreira dos novos profissionais e conseqentemente nos rumos do design como um todo. Na medida em que mais e mais estudantes assimilarem a capacidade de gerir Design, mais do que fazer desenho, a imagem da profisso tender a mudar em conceito junto s empresas e comunidade.

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Ver adiante, no item Ferramentas (pg. 52), uma discusso introdutria aos mapas conceituais.

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A segunda etapa, Criao do Lxico Grfico, um trabalho que tem carter eminentemente semitico, grfico e visual. A partir do levantamento institucional, renem-se os elementos bsicos para construo de um dicionrio de palavras significativas, por sua vez mapeadas para elementos grficos que estabelecem a sintaxe visual que ser utilizada para confeco do MIV. Nesse sentido, se foi produzido na etapa anterior um mapa conceitual da estrutura, da identidade/imagem e dos produtos, as palavras so os conceitos mapeados.

Mapa Conceitual

Identidade e Imagem Institucional

Estrutura Organizacional

Produtos e Servios

Mapa Conceitual

Mapa Conceitual

Lxico Grfico

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A construo do dicionrio realizada atravs de um mapeamento dos conceitos fundamentais para elementos da sintaxe visual, considerados a partir das categorias bsicas (DONDIS, 1991).:

Contraste Instabilidade Assimetria Irregularidade Complexidade Fragmentao Profuso Exagero Espontaneidade Atividade Ousadia nfase Transparncia Variao Distoro Profundidade Justaposio Acaso Agudeza Episodicidade

Harmonia Equilbrio Simetria Regularidade Simplicidade Unidade Economia Minimizao Previsibilidade Estase Sutileza Neutralidade Opacidade Estabilidade Exatido Planura Singularidade Seqencialidade Difuso Repetio

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A partir desta contraposio, pode-se partir de um elemento visual ou mais, desenhados em estilo adaptado cultura do ambiente organizacional. Aqui, a importncia do conhecimento da evoluo da histria do Design Grfico mxima, pois com suas diversas escolas e linguagens, o Designer precisa escolher e definir quais as estticas visuais so mais ou menos adequadas ao que se deseja transmitir. Essa deciso no deve ser baseada num senso artstico subjetivo apenas, mas na opo racional e fundamentada na histria e nas necessidades da instituio. A Semitica e o estudo da Simbologia e da Herldica so fundamentos importantes nesta etapa, no entanto no h porqu excluir a inovao e a criatividade desde que vinculadas aos critrios de projeto. Rudolph Koch, personalidade influente nas artes grficas alems do sculo XIX, em sua obra O Livro dos Smbolos (KOCH) sinaliza que o recurso histria e o conhecimento do significado muitas vezes no bvio de determinados smbolos para culturas especficas uma rea de interseco riqussima entre o Design Grfico e a Antropologia Cultural. Um exemplo ilustrativo de mapeamento para o lxico seria:

Elemento do Lxico Conceito Natureza Grfico (smbolo adotado)

Homem

Mquina

Coletivo

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A ltima etapa metodolgica a construo do MIV (Manual de IdentidadeVisual), coroamento terico prtico do trabalho, que no um fim em si mesmo, mas um instrumento de trabalho dinmico e mutvel como a prpria instituio. Os elementos do lxico grfico gerados na etapa anterior sero agora agrupados para forma as frases e textos que comporo a identidade visual da empresa. O primeiro passo nessa direo pode ser a construo da marca e a escolha da logotipia15. Seguindo o exemplo anterior, um Logotipo possvel, uniria algum ou todos os elementos do lxico numa imagem:

Neste caso, simbolizando um coletivo ou:

Podendo simbolizar uma rede ou agregao de coletivos, ou ainda:

o que estaria representando a atuao do homem sobre a natureza (atravs da disposio ordenada e no-casual dos elementos homem-mquina-natureza). O nmero de combinaes e o resultado dependero da criatividade, coerncia formal e semntica e fluncia e expressividade do traado. Clareza, esttica funcional e coerente coma cultura da organizao, viabilidade tcnica, custo financeiro e ecolgico, so alguns dos fatores a levar em conta quando da materializao do manual. Mas se os passos anteriores foram bem sucedidos, esses fatores so uma conseqncia lgica do trabalho. Na prtica, gesto e traado tornam-se sobrecarga para um nico designer, sendo indispensvel a formao de uma equipe (ao menos uma dupla) onde haja diviso de tarefas, mas no de informao. A contratao de tcnicos ou desenhistas pode se dar no decorrer de qualquer das etapas, sendo mais eficiente e participativa no incio da primeira. O acompanhamento e identificao de novas solues, oportunidades e atitudes para aplicao do MIV uma das vias para dar soluo de continuidade ao trabalho do Designer, sendo que, neste ponto, a atuao de um estagirio ou profissional de veia tcnica aconselhvel para acabamentos e detalhamentos, enquanto o processo de produo de peas deve ser acompanhado15

Ver exemplos extrados dos Manuais de Identidade Visiual da agroRede e RBP em anexo.

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pelo gestor, pois a negociao de preos, caractersticas tcnicas, escala de produo, alternativas estticas, so atribuies fundamentais para solidificar o papel do Designer como um gestor de projeto que acompanha o processo do nascimento maturidade. Para exemplificar um fator associado ao critrio de sustentabilidade, uma escolha mais acertada em termos de quantidade de cores (diminuindo o seu nmero sem diminuir o impacto ou efetividade visual do conjunto) vai trazer benefcios financeiros e ecolgicos. A otimizao da quantidade de papel tambm teria efeito semelhante. O nvel de participao e solidariedade pode ser sensivelmente incrementado se h trocas