A REDUÇÃO ECONOMICISTA DA CRISE DO SISTEMA PENITENCIÁRIO COMO ESTRATÉGIA PARA A PRIVATIZAÇÃO DE PRESÍDIOS – BROGNARO, Carolina.
Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014,
ISSN 2316-266X, n.3, v. 18, p. 139-155
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A REDUÇÃO ECONOMICISTA DA CRISE DO SISTEMA
PENITENCIÁRIO COMO ESTRATÉGIA PARA A PRIVATIZAÇÃO DE
PRESÍDIOS
BROGNARO, Carolina
Estudante de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito – UFF
RESUMO:
O artigo analisa a redução economicista da crise do sistema penitenciário, utilizada como argumento
principal para justificar a privatização de presídios em diversos países. As realidades dos EUA e do
Brasil são examinadas para demonstrar que os dois países lançam mão de tal argumento, alegando que
a superlotação carcerária e as péssimas condições de encarceramento advêm da falta de investimentos
no setor, fazendo com que a solução para esse cenário seja meramente econômica: a obtenção de
recursos privados para a construção de vagas prisionais. A questão prisional não é debatida em sua
complexidade, tendo em vista não haver interesse em seu desmonte, mas sim em seu fortalecimento
devido aos diversos lucros frutos desse ramo. Pretende-se evidenciar, neste artigo, como a privatização
de presídios gera ainda mais lucros, diretos e indiretos, para as empresas privadas, sendo esse o real
motivo ao seu estímulo.
Palavras-chave: Presídio – Privatização – Interesse econômico
ABSTRAT:
This article analyzes the economistic reduction of the prison system crisis, used as the main argument
to justify the privatization of prisons in several countries. The realities of the US and Brazil are
examined to demonstrate that the two countries resort to such an argument, alleging that prison
overcrowding and bad prison conditions arise from the lack of investment in the sector, causing the
solution to this scenario is merely economic: to obtain private funds for the construction of prison
vacancies. The prison issue is not discussed in its complexity, in order to be no interest in their
dismantling, but in its strength due to the many profits of this branch. It is intended to highlight in this
article, how the privatization of prisons generates more profits, direct and indirect, to private
companies, which is the real reason to its stimulus.
Keywords: Prison - Privatization - Economic Interest
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1. Apresentação
O presente artigo analisa o principal argumento utilizado para fundamentar a
privatização de presídios nos EUA e no Brasil, qual seja, a superlotação carcerária. Apesar da
realidade distinta dos dois países, as péssimas condições de encarceramento advindas da
superlotação dos presídios são a justificativa para a implantação da política privatizadora, que
coloca o recurso financeiro da empresa privada como solução para o problema carcerário,
reduzido, portanto, a uma questão econômica no discurso oficial dos dois Estados.
Será feita uma análise da realidade estadunidense por ter sido esse país um dos
primeiros a implantar a privatização de presídios e por ser hoje o país com o maior número de
presos em presídios privados. Por sua vez, a análise da realidade brasileira se dará, através,
em especial, do exame do complexo penitenciário público-privado de Ribeirão das Neves,
primeiro presídio construído e gerido em parceria público-privada no Brasil.
2. Cenário estadunidense de privatização de presídios
A privatização de presídios vem crescendo nas últimas décadas em todo o mundo. O
país com o maior número de presídios privatizados é os EUA, que investe maciçamente nessa
política e possui grandes empresas, dedicadas exclusivamente a esse ramo, com lucro
crescente no decorrer dos anos.
Essa política de privatização de presídios é parte de uma política de privatizações mais
ampla, que ganhou força no Estado neoliberal a partir da década de 1980 com Margaret
Thatcher na Inglaterra e Ronald Reagan nos EUA, para se espalhar por todo o Ocidente em
alguns anos. A crise fiscal é o ponto realçado por esses governos e serve para justificar as
privatizações, fazendo com que o privado passe a prover os serviços públicos.
No Estado neoliberal, a obrigação pública se torna negócio privado e o titular de um
direito social se torna consumidor de um serviço, como bem nos alerta Faria (apud Minhoto,
2000). Há flexibilização e desconstitucionalização da regulação de direitos sociais e,
concomitantemente, expansão do direito penal. O Estado se torna mínimo em políticas sociais
e máximo em políticas penais, transformando-se no que muitos chamam de Estado policial,
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aquele que possui e exerce, especialmente, o poder de punir. Bauman (1999) reproduz um
trecho de um artigo de jornal de autoria do “Subcomandante Marcos” que é esclarecedor:
No cabaré da globalização, o Estado passa por um strip-tease e no final do
espetáculo é deixado apenas com as necessidades básicas: seu poder de
repressão. Com sua base material destruída, sua soberania e independência
anuladas, sua classe política apagada, a nação-estado torna-se um mero
serviço de segurança para as mega-empresas...
Os novos senhores do mundo não têm a necessidade de governar
diretamente. Os governos nacionais são encarregados da tarefa de
administrar os negócios em nome deles. (BAUMAN, 1999, p.64)
Em tal cenário, há uma clara escolha política de cortes e de investimentos dos recursos
públicos. Esse novo Estado retira recursos financeiros da área social e os aplica, de maneira
cada vez mais crescente, na área de segurança pública, em especial na construção e
manutenção de prisões, ou seja, na área repressiva. A área preventiva da segurança pública
fica relegada a segundo plano, recebendo parcos recursos e, consequentemente, podendo fazer
pouco para alterar os índices de criminalidade de maneira eficaz.
Além disso, com os cortes realizados nas políticas sociais, a distribuição desigual de
riqueza e trabalho aumenta, o que gera intranqüilidade. É o momento também do capitalismo
global, que cria uma nova figura, o desemprego estrutural. Além de causar distúrbio, o
desemprego revela uma contradição com a moral oficial de dedicação ao trabalho. Algo tem
que dar conta disso, dessas pessoas não produtivas, que não são úteis e possuem um estilo de
vida ofensivo. A indústria do controle do crime vem para fornecer lucro e trabalho para
pocuos, além de produzir controle sobre a parte indesejável da população, que são os
acionistas do nada, como bem nomeia Christie (1998). Em poucas palavras, os acionistas do
nada são aqueles que não têm nada a perder, por não possuírem bens materiais e imateriais,
tendo em vista que muitas vezes nem rede social possuem.
Com essa indústria florescente, pessoas supérfluas e ociosas fora da prisão, ou seja,
economicamente desinteressantes e irrelevantes, se tornam importantes quando presas, pelas
suas necessidades de manutenção e alimentação, que resultam na matéria-prima da indústria
do controle do crime. Assim, o não consumidor ou consumidor limitado quando livre se
transforma em consumidor da indústria do controle do crime, ganhando utilidade dentro do
sistema capitalista. Deixa de ser descartável como era do lado de fora da penitenciária e se
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torna peça essencial para o complexo industrial capitalista
Devido a esse cenário político neoliberal instaurado e todos os incentivos, diretos e
indiretos, ao encarceramento advindos de tal cenário, o número de presos aumenta
exponencialmente. Com os cortes realizados nas políticas sociais, a criminalidade de rua
aumenta. Com a formulação de políticas criminais focadas na criminalidade de rua, em
especial nos crimes patrimoniais e relacionados ao tráfico de drogas, como, por exemplo, a
Política da Tolerância Zero nos EUA, o número de prisões cresce. E os presos são, em sua
esmagadora maioria, pobres e negros.
Nos EUA, o crescimento do número de presos a partir da década de 1980 foi
estrondoso. Em 1980, haviam 501.886 pessoas presas. Em 1985, esse número subiu para
742.579, chegando a 1.295.000 pessoas em 1992, ou seja, mais do que o dobro em cerca de
10 anos. E esse aumento continua até os dias de hoje, chegando a 2.240.000 presos em 2011,
o que representa a assustadora taxa de 716 presos a cada 100.000 habitantes, segundo dados
extraídos da tabela do instituto Avante.
Para prender mais e manter essas pessoas presas, são necessários maiores gastos por
parte do Estado. Assim, o orçamento estatal foi direcionado cada vez mais para as políticas de
repressão, em especial de construção e administração de prisões, e os cortes em outras
políticas, em especial nas políticas sociais, foram aumentando. Wacquant (2013) demonstra
com diversos dados essa realidade nos EUA, concluindo que
(...) a despeito de a desigualdade social e da insegurança econômica terem
aumentado enormemente no curso das três últimas décadas do século XX, o
Estado caritativo estadunidense reduziu continuamente seu campo de
intervenção e comprimiu seus modestos orçamentos, a fim de satisfazer o
explosivo aumento das despesas militares e a redistribuição das riquezas dos
assalariados em direção às empresas e as frações afluentes das classes
privilegiadas. Essa política chegou a tal ponto que a “guerra contra a
pobreza” foi substituída por uma guerra contra os pobres, transformados em
bodes expiatórios de todos os grandes males do país e agora intimados a
assumir a responsabilidade por si próprios, sob pena de se verem atacados
por uma batelada de medidas punitivas e vexatórias, destinadas, se não a
reconduzi-los ao estreito caminho do emprego precário, pelo menos a
minorar suas exigências sociais e, por conseguinte, sua carga fiscal.
(WACQUANT, 2013, p.96)
É evidente que o crescimento da população prisional no ritmo acelerado em que esse
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se deu resultou em precarização das condições de encarceramento. Nos EUA, as
penitenciárias eram violentas, insalubres e superlotadas, o que deu origem a ações judiciais e,
consequentemente, intervenção judicial no sistema penitenciário. As decisões judiciais
determinavam melhorias nas condições de encarceramento, muitas vezes impondo
indenizações ao Estado.
Para tentar melhorar as péssimas condições de encarceramento, o Estado optou por
investir na capacidade do sistema, aumentando o número de vagas prisionais disponíveis. A
prisão como mecanismo de controle social não foi e até hoje não é colocada em debate. Não
foi construída uma política de diminuição do número de prisões, com criação de alternativas
ao cárcere, ainda que a pena de prisão não tenha conseguido sucesso em ressocializar os ditos
criminosos ou mesmo reduzir o número de crimes praticados. Afinal, são inúmeras as críticas
sobre o alto índice de reincidência criminal, o que constata que a prisão não funciona para
reabilitar o condenado.
Apesar disso, ela ainda é mantida como a melhor resposta para o crime, sem qualquer
discussão acerca da prisão como instituição ou das questões sociológicas, políticas e
econômicas que a circundam historicamente. O crescente Estado policial é colocado como
necessário, não havendo qualquer discussão sobre os motivos do aumento exponencial do
encarceramento, em especial sobre as possibilidades de lucro decorrentes de tal aumento.
No discurso dominante, o que predomina é uma redução economicista da crise do
sistema penitenciário e, consequentemente, a defesa de soluções meramente econômicas para
tal crise. Há um diagnóstico peculiar comum da crise das prisões em quase todos os países
ocidentais, qual seja, superpopulação e custos crescentes, que juntos geram precarização das
condições do encarceramento.
Nos EUA, há ainda uma peculiaridade, que é a necessidade de autorização da
população, usualmente através de plebiscito, para ultrapassar o limite de endividamento
previsto em lei. Conforme nos informa Minhoto (2000), em plebiscitos e pesquisas realizados
em estados estadunidenses na década de 1980, a população não autorizou o aumento do
endividamento para a construção de novos presídios, apesar de desejar o aumento do combate
ao crime, tendo em vista as campanhas já em curso na época.
É nesse cenário que o discurso favorável à privatização dos presídios ganha força. A
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sociedade, de modo geral, o aceita bem, tendo em vista desejarem mais segurança, afinal,
estão aterrorizados face à espetacularização da violência produzida pela mídia e por
campanhas do próprio Estado, mas não enxergarem com bons olhos gastos públicos com
prisões.
As empresas, obviamente, têm interesse no negócio das prisões, pois o lucro é certo,
uma vez que não falta a matéria-prima essencial, qual seja, os presos, além de ser um mercado
em crescimento, tendo em vista que o número de presos aumenta exponencialmente nos
últimos anos na maioria dos países ocidentais. A privatização aparece, então, como a resposta
ideal, pois supostamente diminui os gastos públicos com as prisões, solucionando a crise do
sistema penitenciário, vista apenas em seu ângulo econômico, uma vez que propicia a
construção de novas vagas prisionais com o recurso de empresas privadas.
Além disso, ainda há o discurso da maior eficiência do setor privado, no qual se afirma
que esse setor irá gerenciar os presídios com mais competência que o Estado. O Estado
neoliberal estimula a penetração da ideologia empresarial na administração do Estado e nas
universidades, tornando comum o foco em produtividade, a exigência de metas, de resultados
numéricos que pouco traduzem o trabalho realizado, etc.. O pensamento crítico é desprezado
porque, na visão dos gestores públicos, esse pensamento complica por complexificar as
questões ao invés de buscar resultados, preferencialmente rápidos, ainda que simbólicos.
A ideia disseminada e absorvida pela sociedade é a de que tudo o que o Estado faz, a
empresa privada pode fazer melhor ou igualmente bem. Pela teoria econômica neoclássica,
há uma eficiência intrinsecamente superior do setor privado em relação ao público e, portanto,
esse setor privado deve ser ampliado enquanto o setor público é reduzido. Como bem coloca
Minhoto (2000), a política neoliberal transforma direitos sociais em serviços a serem
prestados pelo particular. Entre esses direitos sociais, está a segurança pública.
A privatização de presídios é um dos meios existentes para o particular se apropriar da
segurança pública. Entretanto, o que se percebe pela análise dos presídios privatizados, tanto
nos EUA quanto no Brasil, é que a maior eficiência do setor privado não se concretiza na
prática. Inúmeros são os casos de maus tratos e condições ruins de encarceramento, como
alimentação precária, ocorridos nos presídios privados dos EUA, todos eles com o intuito de
se lucrar mais, reduzindo os gastos com os presos.
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3. Cenário brasileiro de privatizações de presídios
A partir da década de 1990, o Brasil passou a adotar a privatização como central em
sua política econômica, instituindo o Programa Nacional de Desestatização (PND) através da
Lei 8.031/90.
Com o início do governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1995, foi dada grande
prioridade à privatização, instituindo-se um governo claramente neoliberal. Nesse governo, o
PND é colocado como um dos principais instrumentos da reforma do Estado, sendo parte
integrante do Programa de Governo e o Conselho Nacional de Desestatização (CND) é criado
em substituição à Comissão Diretora. Nessa época, os serviços públicos começaram a ser
transferidos ao setor privado, tendo como objetivo alegado a melhoria na qualidade desses
serviços. É clara a ideologia que se instala, segundo a qual o setor privado pode fazer mais e
melhor, reduzindo-se, com isso, os gastos públicos e o papel do Estado, que deve abrir espaço
para o livre mercado.
Não é por acaso que surgem, nessa década, as primeiras propostas de privatização de
presídios.
Em 27/01/1992, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP)
apresentou uma proposta de adoção de prisões privadas no Brasil, através do conselheiro
Edmundo Oliveira. Tal proposta foi colocada como solução para a superlotação das prisões,
por ser o meio possível de se cumprir a Lei de Execução Penal, garantindo boas condições de
encarceramento. O CNPCP argumentava não defender a entrega da execução penal ao
particular, tendo em vista que seria um sistema de gestão mista, no qual a iniciativa privada
seria responsável pelos serviços de alimentação, saúde, vestuários, educação, trabalho, etc.. O
Estado, por sua vez, seria responsável pela direção do estabelecimento penitenciário, zelando
pelo fiel cumprimento do contrato com a empresa privada, além de ser o responsável por
prestar a assistência jurídica aos presos, como nos informa Cordeiro (2006). A Ordem dos
Advogados do Brasil foi contrária a essa proposta, considerando-a inconstitucional.
Em 1999, foi apresentado o Projeto de Lei 2.146/99, de autoria do deputado Luiz
Barbosa, para regulamentar os contratos de concessão no sistema penitenciário. O artigo 1º
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previa que “ficam os Estados da Federação autorizados a firmar contratos de concessão com
entidades particulares, visando a construção e exploração de Casas de Correção destinadas ao
cumprimento de sentenças condenatórias que impliquem em confinamento carcerário.”
O artigo 8º, por sua vez, previa a remuneração da concessionária, que seria uma diária
a ser paga pelo Estado de acordo com o número de detentos, cujo preço seria fixado
anualmente.
Na justificativa do projeto de lei, a situação calamitosa do sistema penitenciário é
colocada como impeditivo da ressocialização dos detentos, o que demanda mudanças.
Defende-se, com isso, uma parceria com a iniciativa privada, a fim de solucionar tal situação.
Eis um trecho:
Embora a segurança pública seja dever do Estado, o presente Projeto de Lei
visa compartilhar o gerenciamento e a participação da iniciativa privada na
solução de um grave problema que não tem encontrado resposta enquanto
limitado à exclusiva competência do poder público. (BRASIL, 1999)
Tal Projeto de Lei foi devolvido ao autor pela Mesa Diretora da Câmara dos
Deputados em 09/03/2000, por questão de competência, tendo em vista que tal matéria foi
considerada competência dos Estados, conforme artigo 25 da Constituição.
O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária foi instado a oferecer
parecer sobre tal projeto de lei e se manifestou contrariamente à proposta legislativa tendente
a privatizar o sistema penitenciário. Tal parecer foi proferido em abril de 2000, pelo
conselheiro Maurício Kuehne.
Nele, são citados artigos e livros diversos de autores brasileiros que se posicionaram
contrariamente à privatização de presídios na década de 1990. Os argumentos principais
referem-se ao risco de o preso deixar de se tornar sujeito de direito para ser visto como objeto
da atividade de uma empresa e à impossibilidade de transferência da execução penal ao
particular. Também a OAB (Ordem dos Advogados Brasileiros) emitiu opinião contrária à
privatização. Em suma, apesar de haver a preocupação com a condição precária das prisões e
com a dignidade dos presos, é consenso entre tais autores e institutos que a privatização não é
a melhor solução para esse quadro.
Em 2002, o CNPCP edita a Resolução nº 8, através da qual confirma sua posição
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contrária à privatização do sistema penitenciário, enfatizando dois pontos cruciais para a
adoção de tal posicionamento, quais sejam, a função jurisdicional como atribuição indelegável
do Estado e a incompatibilidade entre os fins da pena privativa de liberdade e a lógica de
mercado.
RESOLUÇÃO N.º 08, de 09 de Dezembro de 2002.
O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA
CRIMINAL E PENITENCIÁRIA, no uso de suas atribuições legais,
Considerando a decisão unânime tomada na Reunião realizada em São
Paulo, nos dias 9 e 10 de dezembro de 2002, oportunidade na qual
culminaram as discussões a respeito da proposta de Privatização do Sistema
Penitenciário Brasileiro, apresentada em janeiro de 1992;
Considerando decisão já firmada por este Colegiado no Processo SAL n.
08027.000152/00-71, de Privatização do Sistema Penitenciário Brasileiro;
Considerando propostas legislativas a respeito do tema;
Considerando que as funções de ordem jurisdicional e relacionadas à
segurança pública são atribuições do Estado indelegáveis por imperativo
constitucional;
Considerando a incompatibilidade entre, de um lado, os objetivos
perseguidos pela política penitenciária, em especial, os fins da pena privativa
de liberdade (retribuição, prevenção e ressocialização) e, de outro lado, a
lógica de mercado, ínsita à atividade negocial;
RESOLVE:
Art. 1º – Recomendar a rejeição de quaisquer propostas tendentes à
privatização do Sistema Penitenciário Brasileiro.
Art. 2º - Considerar admissível que os serviços penitenciários não
relacionados à segurança, à administração e ao gerenciamento de unidades,
bem como à disciplina, ao efetivo acompanhamento e à avaliação da
individualização da execução penal, possam ser executados por empresa
privada.
Parágrafo único: Os serviços técnicos relacionados ao acompanhamento e à
avaliação da individualização da execução penal, assim compreendidos os
relativos à assistência jurídica; médica, psicológica e social, por se inserirem
em atividades administrativas destinadas a instruir decisões judiciais, sob
nenhuma hipótese ou pretexto deverão ser realizadas por empresas privadas,
de forma direta ou delegada, uma vez que compõem requisitos da avaliação
do mérito dos condenados.
Art. 3º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogadas
as disposições em contrário, e em especial a Resolução n. 01/93, de 24 de
março de 1993, deste Conselho.
Como se depreende do cenário acima, foram diversas as manifestações, contrárias e
favoráveis, no Brasil acerca dessa nova proposta de privatização de presídio, que chega ao
país após o seu crescimento em outros países como EUA e Inglaterra. Como qualquer tema
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recente, suscitou debates. Mas a maior parte da doutrina e das instituições consolidou o
posicionamento contrário à privatização dos presídios, admitindo a atuação do privado apenas
nos serviços de hotelaria através do instituto da terceirização. Entretanto, não foi isso o que
ocorreu na prática.
Como não existe lei autorizando a privatização de presídios, a participação da
iniciativa privada na execução penal assume, no papel e não na prática, formas jurídicas
previstas em lei. A primeira forma comumente utilizada é a adoção do contrato de co-gestão,
chamado de modelo terceirizador. Tal modelo existe em diversos estados, entre eles Paraná
(Penitenciária Industrial de Guarapuava) e Ceará (Penitenciária Industrial Regional de Cariri),
pioneiros na experiência.
Em um modelo terceirizador, a empresa privada exerceria apenas as atividades-meio.
No caso das prisões, essas atividades-meio seriam os serviços de hotelaria como alimentação,
vestuário, limpeza. Entretanto, na prática, o que ocorreu foi a privatização dos presídios,
tendo em vista que a empresa privada nas duas penitenciárias mencionadas era responsável
pela segurança interna, avaliação do comportamento dos sentenciados, e todas as atividades
necessárias ao funcionamento interno da unidade prisional, ficando a cargo do Estado apenas
a segurança externa, como nos relata Cordeiro (2006).
Recentemente, um novo mecanismo de privatização das penitenciárias, a parceria
pública-privada, começa a ser utilizado no Brasil. Foi inaugurada, em 2013, a primeira PPP
penitenciária em Ribeirão das Neves/MG.
Em 2013, a primeira penitenciária construída e gerida em parceria público-privada
(PPP) do Brasil foi inaugurada em Ribeirão das Neves, Minas Gerais. Tal PPP é fruto do
contrato de concessão assinado em 16 de junho de 2009 entre o governo de Minas Gerais e o
consórcio vencedor da licitação realizada, GPA (Gestores Prisionais Associados). O prazo
para a gestão do complexo penitenciário é de 27 anos com previsão de 3.040 vagas, divididas
em 05 unidades.
A parceria público-privada é regulada pela Lei nº 11.079/04, e sua finalidade é obter
investimentos privados para suprir as demandas públicas face à alegada falta de recursos
financeiros do Estado. Além disso, visa usufruir da suposta maior eficiência do setor privado
na execução de serviços. Isso fica claro nos discursos dos representantes do governo de Minas
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Gerais que, ao discursarem sobre a PPP prisional, enfatizam tanto a economia de recurso
devido à construção da penitenciária pelo consórcio privado quanto a inovação e competência
de tal parceiro privado devido aos aspectos tecnológicos de sua gestão, supostos garantidores
de segurança e de melhores condições prisionais.
O governo de Minas Gerais, em seus discursos oficiais favoráveis à PPP prisional,
argumenta que o maior problema existente hoje é a superpopulação carcerária e a conseqüente
falta de vagas e condições degradantes de encarceramento. Discurso que se encaixa
perfeitamente na redução economicista da crise do sistema penitenciário e, consequentemente,
abre portas para soluções meramente econômicas de tal crise. A crise do sistema penitenciário
é reduzida a uma questão econômica bastante simples: a falta de recursos para a construção de
mais prisões. A prisão é claramente colocada como a única via possível para o enfrentamento
do crime ou, pelo menos, a principal e mais adequada das vias existentes. Construir mais
vagas prisionais é essencial.
Mesmo quando questionados sobre o aumento exponencial do número de presos e
sobre outras políticas criminais possíveis, em especial aquelas ligadas à prevenção do crime,
pouco dizem a respeito. É o que extraímos do debate do programa Conexão Futura, a seguir
exposto.
No programa Conexão Futura do Canal Futura, o subsecretário de Administração
Prisional da Secretaria de Defesa Social de Minas Gerais, Murilo Andrade de Oliveira, afirma
que o maior problema do sistema penitenciário em Minas Gerais é a superlotação, uma vez
que existe um déficit de 17 mil vagas. Aponta que uma primeira grande vantagem da parceria
público-privada é o não investimento inicial na construção do presídio, que é de
responsabilidade do parceiro privado. Assume que o valor da construção é diluído no valor
mensal repassado ao consórcio privado pelo Estado, que depende do número de presos
encarcerados em tal unidade prisional. Entretanto, argumenta que diluir esse valor durante o
tempo da concessão é mais vantajoso do que arcar com o custo total da construção logo no
início.
Quando questionado por Marcos Fuchs sobre o motivo de se prender tanto e sobre a
possibilidade de se repensar essa política de encarceramento em massa no lugar de se
aumentar o número de vagas prisionais, Murilo responde que talvez esse seja um lado da
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questão, mas ressalta que a prioridade do governo de Minas Gerais é aumentar o trabalho e
estudo dentro das unidades prisionais, já que elas existem, para permitir uma ressocialização e
aí sim diminuir o número de prisões. Afirma que na PPP a meta é de 100% dos presos
trabalhando e estudando, para que quando liberados, esses presos não voltem a delinqüir.
Nitidamente, o representante do governo de Minas Gerais se furta a uma discussão
mais aprofundada do sistema prisional e da política pública prisional, trabalhando com um
discurso raso, focado apenas nas prisões e em como supostamente melhorá-las, sem discutir a
instituição prisão e a escolha da prisão como resposta para o crime, com a clara intenção de
afirmar a prisão como a única via possível para o enfrentamento do crime ou, pelo menos, a
principal e mais adequada das vias existentes.
A defesa da adoção da PPP pelo estado de Minas Gerais se dá, portanto, na mesma
linha da redução economicista da crise do sistema penitenciário utilizada para justificar as
privatizações de presídios em outros lugares do mundo, como já visto. A superlotação é
enfatizada como o grande problema, por impedir a devida ressocialização da pessoa presa. O
recurso financeiro do parceiro privado é visto como solução, por permitir a abertura de novas
vagas prisionais e, com isso, melhores condições de encarceramento. A ressocialização como
fruto de tais melhores condições de encarceramento é pressuposta. A verdade está dada: a
prisão limpa, com trabalho e estudo, com comida e cama para os presos é a solução para frear
o aumento da criminalidade.
Um problema complexo, que envolve escolhas políticas, desde o momento de se
definir o que configura crime até o momento de previsão de penas, passando pela perseguição
e execução penais, não pode ser reduzido a um problema econômico, qual seja, recursos para
vagas prisionais decentes. O sistema penal precisa ser discutido e a sua função dentro do
sistema capitalista esclarecida.
Outro aspecto salientado pelo governo de Minas Gerais é a maior eficiência do setor
privado se comparado ao setor público. Isso fica claro nos discursos dos representantes do
governo de Minas Gerais que, ao discursarem sobre a PPP prisional, enfatizam, além da
economia de recurso devido à construção da penitenciária pela empresa privada, os aspectos
tecnológicos e de gestão do parceiro privado. Eis as palavras do governador Antônio
Anastasia:
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A PPP prisional consolida duas tendências importantes do governo de Minas
Gerais. A primeira é a busca pela modernização da gestão pública, sem
sucumbir às armadilhas ideológicas ou às falsas dicotomias. O que se buscou
foi a maneira mais eficiente de usar os recursos públicos e de alcançar os
melhores resultados para os cidadãos. (MINAS GERAIS, 2014)
Ao nos aproximarmos do caso concreto do complexo penitenciário público-privado de
Ribeirão das Neves para verificar os dois pontos centrais de justificativa para a parceria
público-privada prisional, nos deparamos com uma divergência entre a realidade implantada e
as justificativas oficiais.
Em relação à economia de recursos, o governo de Minas Gerais declara que o custo
mensal do preso na PPP (R$2.788,20) é maior que o do preso no setor público (média de
R$1.800,00), mas argumenta que a construção do presídio sem qualquer investimento público
já gera uma grande economia. Importante lembrar que o parceiro privado não tem o gasto
inicial da compra do terreno, uma vez que esse pertence ao Poder Público, que o cedeu ao
consórcio vencedor da licitação, nem tampouco gasto com construção de vias de acesso à
penitenciária, que também fica a cargo do Poder Público.
Além disso, o valor de R$2.788,20 é aquele repassado à concessionária pelo governo
por cada preso. Mas o gasto do governo com a PPP prisional é muito maior do que esse, uma
vez que tal valor não inclui gastos com escolta, segurança externa, supervisão do contrato,
pagamento da auditoria, internações médicas que se dão fora do presídio, etc., enfim, com
todas as atribuições que permanecem como responsabilidade do Estado.
Ademais, são três as formas de remuneração da concessionária, contraprestação
pecuniária mensal, parcela anual de desempenho e parcela referente ao parâmetro de
excelência, o que traz ainda mais dúvidas em relação à economia de recursos.
A contraprestação pecuniária mensal visa remunerar a construção, disponibilização e a
ocupação de celas, com base no valor da vaga dia disponibilizada e ocupada, o que demonstra
diretamente a relação do número de presos com o lucro do parceiro privado. O valor da
contraprestação pecuniária mensal a ser paga à concessionária será calculado a partir da
mensuração do número de vagas disponibilizadas pela concessionária, chamado de “número
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de vagas dia” por mês. O número de vagas dia disponível em uma unidade penal é calculado
com base no número de celas existentes, na quantidade de dias que tais celas permaneceram
disponíveis no mês e no número de vagas de tais celas.
No cálculo da contraprestação pecuniária mensal computa-se tanto o número de vagas
dia disponibilizadas quanto o número de vagas dias efetivamente ocupadas durante
determinado mês. Quanto maior a ocupação das vagas, maior será o valor da contraprestação
pecuniária mensal. Assim, quanto maior o número de presos em cada unidade penal, maior o
valor a ser recebido pela concessionária e, por conseqüência, maior o seu lucro. Está
formatada a lógica de que prender mais significa lucrar mais. É mais um estímulo para que o
Brasil siga encarcerando e se mantenha no topo dos países com maior número de presos,
transformando esse cenário em uma lucrativa indústria, sedenta de crescimento contínuo.
A parcela anual de desempenho visa remunerar os aspectos qualitativos do
desempenho operacional. Assim, além de parcelas mensais, a concessionária receberá uma
parcela anual de pagamento.
A parcela referente ao parâmetro de excelência (parâmetro E) visa remunerar a
excelência da concessionária, considerando sua atuação relacionada com o trabalho do
sentenciado e suas características associadas à ressocialização. É devida mensalmente à
concessionária, condicionada ao alcance de níveis mínimos de desempenho relacionados ao
estudo e trabalho. Em um dos anexos do edital de licitação (Sistema de Mensuração de
Desempenho e de Disponibilidade), o próprio Estado diz que o parâmetro E está “associado à
capacidade da concessionária em atuar externamente buscando empresas (as quais guardem
com ela independência societária, comercial e financeira) interessadas em empregar o
trabalho dos sentenciados”.
Apenas por essa definição do que consiste o parâmetro E fica impossível dizer que a
concessionária privada não lucra com o trabalho prisional. Ainda que de maneira indireta,
esse lucro existe claramente. O valor do pagamento realizado à concessionária é calculado
com base no ressarcimento recebido pelo Estado como fruto do trabalho dos sentenciados.
Assim, resta evidente que o consórcio privado também lucra com o trabalho dos
presos e que quanto mais presos trabalhando, maior o lucro. As condições de trabalho não são
analisadas para o cálculo do valor a ser recebido pela concessionária que, por isso, não se
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preocupa em fiscalizar tais condições. No Relatório da Pastoral Carcerária e no Relatório do
Mutirão Carcerário do CNJ, existem notícias de falta de equipamentos de proteção individual
para os presos nas fábricas instaladas dentro do complexo prisional.
A maior eficiência, segundo ponto central da justificativa para a adoção da PPP, por
sua vez, é também questionável. As obras da penitenciária estão atrasadas. Prevista para ser
finalizada em dezembro de 2011, acabou sendo inaugurada apenas em janeiro de 2013 e de
maneira parcial. Apenas uma unidade das cinco unidades previstas ficou pronta. Em setembro
de 2013, a segunda unidade ficou pronta. Ambas direcionadas para presos em regime fechado.
Em junho de 2014, foi inaugurada a terceira unidade, para presos em regime semi-aberto e até
o momento apenas essas três unidades funcionam.
Além disso, em novembro de 2013, ocorreu uma fuga de um preso na PPP, que ainda
encontra-se foragido.
Apesar da previsão de 100% dos presos trabalhando e estudando, é sabido que isso
ainda não ocorre dentro dessa unidade prisional, como citado em diversas reportagens sobre
esse complexo penal, entre elas o Relatório da Pastoral Carcerária e o Relatório do Mutirão
Carcerário do CNJ. Em fevereiro de 2014, haviam 1294 presos na PPP. Desse total, 215
presos trabalhavam e 411 presos estudavam, o que representa 16% e 31% respectivamente,
índice infinitamente inferior ao contratado.
Dessa maneira, a empresa privada enfrenta os mesmos problemas do Poder Público na
gerência do sistema prisional, que inclui atrasos em obras, fugas e falta de trabalho e estudo
para todos os presos. A intrínseca eficiência superior do setor privado não se confirma na
prática.
4. Conclusão
Pela análise dos cenários de privatização de presídios nos EUA e no Brasil, percebe-se
o uso comum da redução economicista da crise do sistema penitenciário para justificar a
privatização de presídios. A questão carcerária é reduzida a uma questão econômica,
facilmente solucionável com recursos privados para a construção de vagas prisionais. A prisão
continua a ser a melhor forma de controle dos crimes em tal discurso.
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Entretanto, quando a análise dos presídios privados se aprofunda, fica claro que o
discurso da redução economicista da crise do sistema penitenciário esconde o real motivo da
adoção desse novo modelo prisional, qual seja, o interesse econômico das empresas privadas,
que lucram com essa nova indústria, direta e indiretamente.
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