efeitos da expansÃo da cana de aÇÚcar no sudoeste do estado de mato grosso do sul - rafael morais...

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1 Efeitos da Expansão da Cana de Açúcar no Sudoeste do estado de Mato Grosso do Sul Rafael Morais Chiaravalloti University College London - [email protected] * Silvia Cristina Santana - Ecoa Ecologia e Ação - [email protected] ** Nos últimos anos Mato Grosso do Sul, mais especificamente a região Sudoeste do estado, que compreende a unidade ambiental da bacia hidrográfica do rio Ivinhema, se destacou pelo significativo número de investidores do setor da cana de açúcar que atraiu. No entanto pouco se sabe sobre os impactos causados pela chegada desta cultura. No intuito de tornar visíveis os efeitos gerados por este setor é que esta pesquisa foi desenvolvida. Através de entrevistas com diversos atores da sociedade civil, pesquisas bibliográficas e visitas a campo, uma primeira avaliação dos impactos da chegada da cultura da cana na bacia do rio Ivinhema foi realizada. Encontramos fatores positivos como redução de ocupação de Áreas Protegidas ou aumento no número de empresas formalmente cadastradas. Mas por outro lado, os impactos negativos sobressaíram-se. Os que mais se destacaram foram sem duvida os conflitos em terras Indígenas, problemas relacionados a saúde pública e organização social, subversões entre grandes proprietários de terras e pequenos produtores, colocando em risco municípios que já foram, inclusive, apontados como exemplo de cidade que desenvolve a agricultura familiar, além de abrir profundas feridas em comunidades que se veem obrigadas a aceitarem as mudanças impostas pela ‘chegada do progresso’. Finalizamos nosso trabalho apontando que para minimizar tais impactos é importante uma abordagem territorial sobre a expansão da cana a partir do conceito de cidades sustentáveis. Palavras-chave: Conflitos. Cana-de-açúcar. Território * Atualmente bolsista do Programa Ciência Sem Fronteira para doutorado pleno no exterior. Doutorando na University College London. Mestre em Desenvolvimento Sustentável na Escola de Conservação Ambiental e Sustentabilidade e graduação em Biologia na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Área de estudo: Pantanal. **Mestre em Desenvolvimento Local pela Universidade Católica Dom Bosco e graduada em Comunicação Social habilitação em Jornalismo pela Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal. Área de estudo: Pantanal.

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Page 1: EFEITOS DA EXPANSÃO DA CANA DE AÇÚCAR NO SUDOESTE DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL - RAFAEL MORAIS CHIARAVALLOTI, SILVIA CRISTINA SANTANA

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Efeitos da Expansão da Cana de Açúcar no Sudoeste do estado de Mato

Grosso do Sul

Rafael Morais Chiaravalloti – University College London -

[email protected]*

Silvia Cristina Santana - Ecoa Ecologia e Ação -

[email protected]**

Nos últimos anos Mato Grosso do Sul, mais especificamente a região

Sudoeste do estado, que compreende a unidade ambiental da bacia hidrográfica do rio

Ivinhema, se destacou pelo significativo número de investidores do setor da cana de

açúcar que atraiu. No entanto pouco se sabe sobre os impactos causados pela chegada

desta cultura. No intuito de tornar visíveis os efeitos gerados por este setor é que esta

pesquisa foi desenvolvida. Através de entrevistas com diversos atores da sociedade

civil, pesquisas bibliográficas e visitas a campo, uma primeira avaliação dos impactos

da chegada da cultura da cana na bacia do rio Ivinhema foi realizada. Encontramos

fatores positivos como redução de ocupação de Áreas Protegidas ou aumento no

número de empresas formalmente cadastradas. Mas por outro lado, os impactos

negativos sobressaíram-se. Os que mais se destacaram foram sem duvida os conflitos

em terras Indígenas, problemas relacionados a saúde pública e organização social,

subversões entre grandes proprietários de terras e pequenos produtores, colocando em

risco municípios que já foram, inclusive, apontados como exemplo de cidade que

desenvolve a agricultura familiar, além de abrir profundas feridas em comunidades

que se veem obrigadas a aceitarem as mudanças impostas pela ‘chegada do

progresso’. Finalizamos nosso trabalho apontando que para minimizar tais impactos é

importante uma abordagem territorial sobre a expansão da cana a partir do conceito de

cidades sustentáveis.

Palavras-chave: Conflitos. Cana-de-açúcar. Território

* Atualmente bolsista do Programa Ciência Sem Fronteira para doutorado

pleno no exterior. Doutorando na University College London. Mestre em

Desenvolvimento Sustentável na Escola de Conservação Ambiental e

Sustentabilidade e graduação em Biologia na Universidade Federal de Mato Grosso

do Sul. Área de estudo: Pantanal.

**Mestre em Desenvolvimento Local pela Universidade Católica Dom Bosco

e graduada em Comunicação Social habilitação em Jornalismo pela Universidade para

o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal. Área de estudo: Pantanal.

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Introdução

O programa brasileiro de Álcool começou em 1975 e o seu principal objetivo

era criar um substituto para o petróleo que diminuísse a dependência do país em

relação a variação do seu preço (Goldemberg et al., 2008). No entanto, hoje, o

programa é tido como uma das grandes bandeiras ambientais do país para reduzir a

emissão de CO2 na atmosfera.

Apontar a utilização de álcool combustível como uma solução para os

problemas ambientais, no entanto, é bastante temerário. Embora não há, ao longo do

seu processo de produção, a retirada de material orgânico depositado há milhares de

anos e a sua seguida queima (como no caso do petróleo), outros impactos ambientais

podem estar relacionados que minimizam tais benefícios. Em um relatório publicado

em 2007, encomendado pelo governo Suíço, por exemplo, mostrou-se que se

considerado o ciclo da produção de álcool como um todo – o produto brasileiro não é

sustentável e pode ter um impacto ambiental maior que a produção de petróleo

(Scharlemann and Laurence, 2008).

Preocupações ambientais, contudo, são apenas parte do olhar que devemos ter

sobre a utilização da cana de açúcar como substituto do petróleo. A partir da

publicação do Relatório Nosso Futuro Comum (WCED, 1983) resultado do Comitê

de Brundtland e os desdobramentos das suas ideias, a preservação ambiental passou a

fazer parte de uma abordagem mais macro chamada de Desenvolvimento Sustentável,

em que as esferas económicas e sociais deveriam ser igualmente importantes nessa

análise (Mabruta, 2000). Por isso, um olhar sobre a expansão da produção cana de

açúcar no país deve passar por essas três esferas do chamado “tripé da

sustentabilidade” – ambiental, social e econômico (Ekington, 2011)

Dentro do Brasil, o estado que teve um maior crescimento nas últimas safras

da área de cana de açúcar plantada foi Mato Grosso do Sul. No entanto, informações

sobre as mudanças que a introdução dessa cultura vêm causando no estado ainda são

muito seminais. Algo que fragiliza o processo de tomada de decisão e a criação de

políticas públicas voltadas para esse tema. Assim, a partir dessa percepção, tivemos o

objetivo de buscar uma primeira compreensão das mudanças ambientais, sociais e

econômicas que a cana de açúcar tem trazido ao estado. Principalmente na sua região

Sudeste, onde está concentrado a maior expansão.

Tabela 1: Área de Cana de Açúcar nos 5 estados brasileiros que ela está presente e seu

respectivo crescimento (adaptado CanaSat).

Estados

Área (mil Hectares)

Safra

2009/2010

Safra

2010/2011

VAR. %

MS 265,4 396,16 49,27%

GO 471,9 599,31 27,0%

MG 588,82 649,94 10,38

PR 535,96 582,32 8,65%

SP 4.129,8

7

4.357,0

1 5,50%

Percurso Metodológico

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A área de pesquisa abrangeu principalmente a região Sudoeste do estado do

Mato Grosso do Sul (região que compreende a Bacia do Ivinhema) compostas de 26

municípios. A razão de escolhermos a Bacia do Ivinhema para usarmos como amostra

nesta pesquisa se justifica pelo fato de que das 23 usinas hoje em operação no estado,

16 estão localizados nos munícios foco da pesquisa. Foram selecionadas 07 cidades

dessa região, são elas: Nova Alvorada do Sul, Rio Brilhante, Dourados, Caarapó,

Naviraí, Angélica e Ivinhema (Figura 1).

A região estudada tem como característica principal o fato de sua parte alta ser

uma das principais produtoras de grãos do país devido à alta qualidade de seus solos,

suas características climáticas e a o relevo plano em sua maior parte (Santos, 2012).

Soma-se a estes fatores ambientais a existência de boa infraestrutura de transporte e

de energia elétrica.

Figura 1: Mapa da Bacia do Ivinhema com destaca para a região de Cana de Açúcar em

vermelho

Instrumentos utilizados

E um primeiro momento foram revisados os relatórios ambientais publicados e

disponíveis pelas usinas presentes na região da Bacia do Ivinhema– no caso os

Relatórios de Impacto Ambiental (RIMA). Foram revisados tanto relatórios referentes

ao processo de instalação como de expansão da área plantada.

Recorremos à observação participante, contatos exploratórios, conversas

informais e formais. Recorreu-se a um diário de campo, onde se procurou registrar

informações de natureza diversa.

Foram realizadas entrevistas com diversos atores envolvidos no processo da

expansão da cana de açúcar no estado. Focou-se principalmente nos gestores públicos

(vereadores, agentes públicos de saúde, secretários do meio ambiente e

desenvolvimento) das cidades envolvidas no estudo. Também foram realizadas

entrevistas com outros setores da sociedade, como atores da sociedade civil

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organizada como presidentes de Organizações Não Governamentais e pesquisadores

de universidade, totalizando 25 entrevistas.

As entrevistas foram elaboradas buscando uma perspectiva etnográfica e

histórica do cenário da cana de açúcar dos municípios em questão. As perguntas se

basearam nas mudanças da entrada da cana no município, assim como, as soluções

encontradas para solucionar os possíveis problemas. Quando permitidas, as

entrevistas foram gravadas e transcritas. A análise das entrevistas foi feita por meio da

identificação de temas recorrentes nos discursos, buscando a explicitação dos

conteúdos das diversas falas e garantindo a compreensão das representações sociais.

O critério para o agrupamento dos temas foi a similaridade do seu significado

(Bernard, 2006).

A questão Ambiental

Fiscalização e Questões legais

A primeira questão identificada foi a dificuldade de fiscalização por parte do

órgão regulador. No Mato Grosso do Sul ela é feita apenas através de uma verificação

burocrática dos relatórios enviados ao órgão, e não existe uma avaliação dos possíveis

problemas in loco – situação identificada no próprio órgão gestor IMASUL – Instituto

do Meio Ambiente do Mato Grosso do Sul. Segue-se que o levantamento dos

possíveis impactos ambientais e sociais que serão causados pelo empreendimento e

que deveriam estar elencados no Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) – exigido

por lei e direcionado pela resolução 01/86 do Conselho Nacional do Meio Ambiente -

CONAMA/MMA – é feito somente no primeiro pedido, e que compete na maioria

das vezes apenas à instalação da planta industrial do empreendimento e uma pequena

área agrícola, deixando de fora grande parte da área que será utilizada pela usina para

a plantação da cana. Ação essa que deixa registrado tanto no RIMA que uma área

menor será afetada, tanto pelo uso da terra, como emissão de poluentes. Já em um

segundo momento, quando os empreendedores querem aumentar sua área de

plantação ou a estrutura industrial da usina estão isentos da elaboração de um novo

EIA/Rimas, neste caso é suficiente a emissão de um relatório técnico que será

apresentado ao órgão competente. Situação que compromete a identificação dos

impactos ambientais e sociais que poderiam ser detectados antes mesmo da instalação

de uma usina.

Vale também citar a falta de padrão, congruência e, muitas vezes, qualidade

dos Rima(s). Por exemplo, de acordo com as leis ambientais é necessário distinguir

entre os impactos ambientais de influência direta e indireta que o empreendimento irá

causar. No entanto, alguns limitam os impactos ambientais diretos como apenas a área

industrial e outros para toda a área agrícola. Um exemplo é a Usina Eldorado em Rio

Brilhante-MS na bacia do Ivinhema que diagnosticou, em seu Rima, que o impacto

ambiental direto seria de um raio de 25 km no entorno da usina (considerou o impacto

da área agrícola). Entretanto, a Usina São Fernando no município de Dourados-MS,

presente na mesma bacia, considerou que o impacto direto seria de apenas 5 km no

raio do entorno da usina (considerou apenas a área industrial). Ou seja, primeiramente

as usinas, embora com a mesma atividade e presentes na mesma bacia hidrográfica,

não consideram que o impacto ambiental seja o mesmo. Segundo, a Usina Fernando

não avaliou que o plantio da cana causaria impactos ambientais diretos.

Outro ponto negativo dos EIA/Rimas é a falta de acurácia no diagnóstico das

espécies da fauna e da flora que estariam presentes no local. Como dentro da Política

Nacional do Meio Ambiente não existem uma padronização do método utilizado para

fazer essa verificação, cada empreendedor utiliza um método diferente. A

consequência é que muitos EIA/Rimas não diagnosticam a presença da maioria das

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espécies presentes na área. E, sem saber o que está presente, não há nenhuma

possibilidade de compreender os reais impactos que ela pode sofrer. Sanches (2006)

explica que essa realidade é comum a diversos casos. E o próprio gestor do órgão

responsável do estado, aponta que por causa dessas avalições ambientais muito fracas

ainda não é possível saber o real grau de mudança que o ciclo da cana de açúcar tem

causado no Mato Grosso do Sul e, consequentemente, nas bacias hidrográficas que

estão presente nesse território.

Desmatamento O desmatamento, ponto bastante discutido entre todos os entrevistados,

aparentemente foi reduzido com a chegada da cana de açúcar no estado. Acredita-se

em uma forte relação com o Zoneamento Agroecológico da Cana de Açúcar de 2009

(Decreto Nº 6.961, de 17 de Setembro de 2009). Três diretrizes ambientais

importantes são consideradas nesse zoneamento: não adentrar na região Amazônica e

na região da Bacia do Alto Paraguai e não permitir desmatamento de remanescentes

florestais para o plantio de cana de açúcar. Esses três pontos, apesar de mínimos,

comparados aos inúmeros outros impactos que podem ser causados, com certeza,

direcionaram a expansão da cana para um caminho de maior equilíbrio com as

questões ambientais.

Como resultado, realmente, há pouca evidência de que a cana avançou para

áreas onde havia remanescentes florestais, principalmente, em São Paulo depois de

2009. Os estudos mostram que, atualmente, a cana tem avançado para áreas de

pastagens nesse Estado (Lima et al., 2012). Em outras regiões aparentemente

acontece o mesmo processo.

Algumas pesquisas também apontam que o avanço da cana de açúcar levou a

um maior respeito às obrigações legais de preservação das áreas naturais,

principalmente Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal (Goldemberg et

al., 2008). O responsável seria a compra das usinas por grandes grupos investidores,

os quais evitam ao máximo problemas legais com a justiça.

No entanto, ainda não há uma avaliação mais apurada dos estados do Mato

Grosso do Sul que demonstre dados históricos da conversão de áreas naturais. Ou

seja, não é possível afirmar concretamente que a cana não substitui regiões de mata

nativa nesse estado e nem que traga mais responsabilidade ambiental por parte dos

proprietários.

Além do desmatamento direto (o qual, hoje, aparentemente é um problema

menor) existem dois outros efeitos que pouco são considerados nas avaliações

ambientais da cana de açúcar, o primeiro chamado “vazamento do desmatamento” e o

segundo “limpeza de invernada”.

O vazamento do desmatamento é basicamente a migração dessa atividade de

uma região para outra. O que pode estar acontecendo é que, com a introdução da cana

de açúcar, principalmente, nos estados que compreende a Bacia do Paraná, há uma

migração dessa cultura para outras regiões que a cana não entraria por condições

ambientais ou mesmo restrições legais (como o zoneamento agroecológico). Ou seja,

a introdução da cana de açúcar em uma região não ocasiona um desmatamento direto,

mas empurra o desmatamento para outras regiões.

No entanto, como trata-se de um efeito indireto de mudança do uso do solo é

bastante difícil ilustrar essa relação, uma vez que podem estar envolvidos diversos

passos entre a produção da cana de açúcar e o desmatamento. Embora seja

praticamente certo que ele ocorra, como afirmou Lima et. al. (2011) em relação à

Amazônia e alguns gestores públicos do MS, em relação ao Pantanal, dizendo que

pecuaristas locais mudaram seus pastos para o Pantanal.

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O segundo efeito é a limpeza de invernada. Acontece que em muitos lugares a

cana de açúcar ocupa as regiões das pastagens. E uma característica dessas áreas é a

presença de pequenos remanescentes florestais no pasto. São locais que o gado se

esconde do sol e pode usar como dormitório. Essas regiões são pequenas áreas de

matas que não passam de 3-4 ha. Mas, quando há a substituição das pastagens por

cana de açúcar, essas pequenas ilhas de mata são desmatadas para que se facilite o

plantio e a colheita (dai o nome “limpeza de invernadas”), aparentemente, a retirada

dessas pequenas matas, muitas vezes, é um requisito que as usinas exigem para

arrendarem as propriedades.

O problema com a limpeza de invernada é que, embora pequenos, esses

fragmentos podem apresentar uma importante função ecológica. Eles podem ligar

fragmentos maiores, aumentando a proteção da biodiversidade como um todo. Eles

são chamados de “stepping stones” ou trampolins ecológicos (Cullen et al., 2003)

Dentro dessa perspectiva é possível encontrar diversos relatos de agentes

públicos denunciando o desmatamento dessas pequenas ilhas de mata na região de

plantio da cana de açúcar. A situação agrava-se quando tais relatos são de municípios

próximos às Unidades de Conservação, pois tais ilhas poderiam servir como

importantes trampolins ecológicos. Destaca-se gestores públicos do município de

Naviraí que relatam essa situação. Ali estão presentes o Parque Nacional de Ilha

Grande, Parque Natural Municipal de Córrego Cumandaí e Parque Estadual das

Várzeas do Rio Ivinhema. Esse fato também foi relatado por outros agentes, também

de municípios perto de Unidades de Conservação, como Rio Brilhante e Dourados.

Problemas relacionados ao plantio e a colheita: solo, ar e água

A degradação do solo também é um impacto proveniente da cultura da cana de

açúcar. Ele é causado pela erosão e compactação, como destacado por Matinelli and

Filoso (2008). Primeiramente a erosão do solo tende a ser maior em regiões com cana

de açúcar do que outras culturas com pastagens ou grãos. A razão seria o maior tempo

de exposição do solo (sem a presença de plantas) à chuva e ao vento. Já a

compactação é consequência do constante tráfico de maquinas pesadas dentro das

culturas, principalmente, na colheita mecanizada. A compactação destrói as

propriedades físicas como porosidade e densidade, o que diminui a infiltração de água

e aumenta o processo de erosão. Sparovek and Schnug (2001) estimaram uma taxa de

erosão de 30 Mg de solo ha-1ano-1 nas áreas de cana em São Paulo enquanto outras

culturas não excedem os 2 Mg de solo ha-1ano-1. No Mato Grosso do Sul o

pesquisadores da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul apresentaram dados

não publicados que possivelmente mostram tal compactação para a região de

Dourados – embora ainda precisem de uma série temporal mais longa para confirmar

tal hipótese para a região.

Outro problema relacionado ao plantio e colheita da cana de açúcar é a má

qualidade do ar, que está relacionado ao processo de queima para facilitar a colheita

manual. É importante frisar que inúmeras regiões já não queimam a cana de açúcar.

No estado de São Paulo existe um acordo para que a queima acabe no ano de 2014

para as áreas mecanizáveis e 2016 para as não mecanizáveis, e no Mato Grosso do Sul

ela deve ser eliminada totalmente até 2016.

A produção da cana de açúcar também pode causar impactos ambientais nos

reservatórios de água onde ela está inserida, parte pela irrigação durante o

crescimento da planta e parte durante a industrialização dos seus derivados. O

primeiro, aparentemente, não é um problema grave. Já que a quantidade de chuvas

nos estados que a cana está presente no Brasil é suficiente para dar continuidade ao

processo sem necessidade de grande complementação (Rosseto, 2004). No entanto, a

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utilização da água durante o processo de industrialização pode ser bastante

impactante, mesmo que em alguns lugares a taxa de reciclagem da água seja não

menos que 90%, como verificado nos RIMA(s).

Na região de Ribeirão Preto, por exemplo, 60% da área agrícola da Bacia do

Rio Pardo é destinada ao cultivo da cana-de-açúcar. E de acordo com o próprio Plano

de Bacia há enormes preocupações a serem tomadas. Primeiramente pela quantidade

de água utilizada. Mesmo que grande parte dela seja reciclada, a região apresenta

inúmeras usinas, as quais juntas causam grande impacto ambiental (CBH-PARDO,

2003). No entanto, esse mesmo diagnóstico ainda é muito seminal em outras bacias e,

por isso, em muitos lugares há pouca compreensão do grau de impacto dessas usinas

sobre as águas. Por exemplo, o próprio órgão gestor no MS (IMASUL) denota que a

falta de um comitê para cada bacia limita a avaliação e a restrição do uso da água.

Eles ilustram com o exemplo da Bacia do Ivinhema, no Estado de Mato Grosso do

Sul, onde estão instaladas 21 usinas de cana de açúcar, e ainda não há uma real

compreensão desse impacto, justamente pela falta da estruturação do comitê.

Um segundo problema está na utilização de águas subterrâneas. Grande parte

da cana de açúcar no Brasil está localizada na região do Aquífero Guarani, uma das

maiores reservas de água doce do mundo. Acontece que algumas usinas utilizam água

desse aquífero durante o processo de industrialização da cana; água que pela sua

qualidade deveria ser apenas destinada ao o consumo humano (Facetti, 2003). Mais

uma vez o órgão gestor responsável, IMASUL, afirma que muitas usinas na região do

Mato Grosso do Sul não são transparentes no EIA/Rima sobre a utilização de águas

do aquífero Guarani. Eles acreditam que mesmo que algumas apontam que irão optar

pela água dos rios, elas acabam utilizando as águas subterrâneas em razão da maior

facilidade e constância do volume disponível. Essa incongruência fica clara em alguns

casos onde pudemos comparar o Rima feito na época da instalação da usina e o que é

feito atualmente. Um desses casos é a usina Passatempo do grupo LDC (Louis

Dreyfus Commodities) em Rio Brilhante. Onde foi constado que utilizam água para o

processo de industrialização da cana de açúcar de quatro poços, no entanto, no Rima

foi descrito que seria utilizado apenas água dos córregos da região. Ou seja, o órgão

competente autorizou um processo de captação de água e a usina utiliza outro, o qual

não passou pelo processo de autorização e fiscalização.

Pesquisadores do IMAD – Instituto do Meio Ambiente e Desenvolvimento,

comentam que essa utilização é rotineira em toda a região de Dourados-MS. Muitos

agentes municipais mostram-se preocupados com essa utilização, embora a falta de

transparência por parte da usina leva a uma impossibilidade de qualquer ação, uma

vez que eles não sabem o que realmente acontece.

Algumas vezes o problema relacionado à hidrografia encontra-se com as

questões ligadas ao desmatamento. Um deles é o desaparecimento de nascentes em

decorrência do desmatamento das matas ciliares à essas regiões. Esse é um impacto

retratado por diversos autores, principalmente, em estudos sobre áreas que vem

sofrendo modificações há longos anos, como o estado de São Paulo (ver Moraes Silva

and Martins 2008). Na região de Ribeirão Preto – SP, por exemplo, esses autores

registraram diversos locais onde pequenas nascentes secaram em decorrência do

desaparecimento das matas riparias a essas regiões.

No Mato Grosso do Sul, no município de Nova Alvorada do Sul, foi retratado

um caso bastante enfático desse problema. Em algumas regiões onde as nascentes

apresentam maior volume de água, mesmo com o desmatamento das áreas de mata do

entorno e a sua substituição por cana de açúcar elas acabam por não secarem. Assim,

foi registrado nesse município, na área de plantio de cana de açúcar da indústria Safi,

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uma nascente brotando água no meio do plantio. A nascente é proveniente do carrego

Lavanda, e seu volume é tão grande que acaba por erodir parte do plantio (Figura 2)

Figura 2: Córrego Lavanda na área de plantio da empresa SAFI, no município de Nova

Alvorada do Sul – MS.

Outro grave problema relacionado à questão hidrográfica nas regiões de

produção de cana de açúcar é a contaminação das águas. Primeiramente as águas

lançadas nos rios, muitas vezes, estão em temperaturas não ambientes, como

verificado na bacia do Rio Pardo em Ribeirão Preto - SP (CBH-PARDO, 2003).

A contaminação dessas águas por vinhoto também é uma grande preocupação.

Em decorrência da sua composição, ele pode contaminar regiões onde não for

manuseado de maneira adequada. O mais grave problema relacionado a sua

contaminação está em regiões de áreas de recarga do aquífero Guarani, onde o lençol

freático está entre 150-300 metros do nível do solo. Nessas regiões, qualquer

contaminação do solo pode levar a um imensurável impacto ambiental. Pesquisadores

do IMAD são bastante enfáticos em relação a esse problema, e apontam que em razão

das grandes distâncias que o vinhoto é levado, é grande a probabilidade de existirem

pontos de contaminação. Na região de São Paulo, onde há mais estudos, Hassuda,

(1989), apontava o vinhoto como responsável pela alteração da qualidade das águas

do aquífero Bauru.

Mosca do Estábulo

O vinhoto também pode ocasionar aumento populacional da mosca Stomoxys

calcitrans, popularmente conhecida por mosca-dos-estábulos ou por mosca-do-

bagaço. Ela realiza a postura e se desenvolve em resíduos orgânicos de origem

vegetal ou animal em processo de decomposição ou de fermentação. E o vinhoto, se

acumulado em grandes quantidades, pode ser propicio para a criação dessa mosca. Já

foram verificados surtos com grande infestação de mosca-dos-estábulos em usinas de

cana e em fazendas de produção pecuária circunvizinhas ao raio de até 11 quilômetros

das usinas, principalmente, na região sul de Mato Grosso do Sul. Segundo os

produtores de gado das regiões infestadas, como Nova Alvorada do Sul, “o gado,

evitando a mosca, acaba pastando menos, o que reduz a produção de leite para os

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bezerros e o processo de engorda”. Embora a usina que apresenta influência direta

nessa região, Agroenergia Santa Luzia, afirme que toma as devidas precauções para

evitar o acumulo de vinhoto nas plantações, foi constatado diversas poças do produto

nas plantações do entorno.

A questão econômica e social

Uma das visões mais compartilhadas entre todos os entrevistados foi que a

chegada de uma Usina de Cana de Açúcar em um município é vista como sinal de

desenvolvimento e principalmente uma nova fonte geradora de empregos, o que

automaticamente elevaria a condição de vida dos moradores da região. Segundo os

próprios relatórios das usinas instaladas no estado do Mato Grosso do Sul, em média

uma usina do setor, gera um emprego a cada 13,33 hectares plantados se a colheita for

manual e, um emprego a cada 48 hectares plantados se a colheita for mecanizada.

Isso sem contar com os empregos gerados no período da instalação da usina, onde em

média é registrada a contratação de pelo menos 1.500 trabalhadores.

Como foi salientado pelos entrevistados “a vinda de uma usina, a cidade

também precisa se adequar estruturalmente, sendo uma importante oportunidade

para que o setor de prestação de serviços em geral como, hotéis, supermercados,

lojas, restaurantes etc. busquem se aprimorar e também legalizar-se para atender as

novas demandas”. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE

mostram, por exemplo, que as cidades de Nova Alvorada do Sul e Rio Brilhante

respectivamente tiveram um aumento de 2007 para 2010 de 23% e de 30% no

Cadastro Central de Empresas.

Tal situação atrai moradores de outras cidades como destacado pela gestora de

Assistência Social da cidade de Nova Alvorada do Sul “Escutamos na televisão ou

no rádio sobre a construção da usina e viemos em busca de uma oportunidade”.

Quando questionados se já conversaram previamente com os responsáveis pela usina

e se já existe um acordo para trabalhar, a maioria deles disseram que não, “vim tentar

a sorte.”

Ocupação de terras Indígenas

Segundo o censo 2010 só no Estado de MS existem 73.295 índios, as etnias

que mais se destacam são a Guarani Kaiowá, Terena, Kadiwéu, Ofaye-Xavante, e

Nhandeva. Hoje em Mato Grosso do Sul existem 39 áreas homologadas pelo Governo

Federal como terras indígenas, totalizando pouco mais de 749 mil hectares. Porém,

em muitas delas ainda existe disputa judicial e os índios não tomaram a posse da

totalidade dos territórios homologados.

Conflitos gerados por esta situação não são difíceis de serem registrado,

exemplo disso foi a crise que se instalou recentemente na região de Sidrolândia/MS -

município este que também está dentro das delimitações da Bacia do Ivinhema -

amplamente noticiada pela mídia nacional e internacional neste ultimo mês de junho e

que causou comoção geral dos órgãos envolvidos.

Neste episódio, duas mortes foram registradas e intensos conflitos armados

travados. Importante ressaltar que esta área de disputa é fundamentalmente uma

região que passou por transformações econômicas importantes nos últimos anos. O

mais visível é a diminuição no número de cabeças de gado e um aumento vertiginoso

nas áreas de grãos e de cana de açúcar. Pois, esta região teve em sua área de culturas

temporárias (inclui cana e grãos) um aumento de 120.129 para 237.318 hectares –

crescimento de 97,5% - entre os anos de 2000 e 2011 (IBGE 2013). Processo esse de

expansão que tem elevado o preço das terras o que automaticamente leva a uma

mobilização ainda mais intensa por parte dos fazendeiros na hora de defendê-las.

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Outros exemplos envolvendo terras indígenas foram registrados, um deles é o

caso dos indígenas Guyraroká instalados no município de Caarapó, onde parte de suas

terras está sob a posse de fazendeiros que plantam em suas propriedades cana de

açúcar e arrendam suas propriedades para a Usina Nova América, pertencente ao

grupo Econômico Cosan/Shell e da terra Indígena Jatayvary na região de Ponta Porã

também sob a posse de fazendeiros (Fazenda Santa Luzia, Guarida e Três Marias) que

arrendam estas terras para uma usina de cana, neste caso para a usina Monteverde

pertence à multinacional Bunge.

Esta situação levou, inclusive, o Ministério Público Federal de Mato Grosso

do Sul a questionar a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) quanto

ao reconhecimento de terras indígenas no Estado. Pois, em 2007, os dois

órgãos firmaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com

metas referentes às demarcações das áreas. O MPF também enviou a recomendação

de nº 09/2010 às instituições financeiras: Banco do Brasil, Itaú e BNDES para

impedir que financiamentos públicos sejam garantidos para áreas reconhecidas como

de tradicional ocupação indígena.

Para o procurador do MPF do Mato Grosso do Sul, “a morosidade no

processo de reconhecimento, demarcação e homologação das terras somadas ao

incentivo oficial das agencias financiadoras a atividade da cana na região são os

principais vetores de conflitos fundiários e tem vitimado o povo Guarani indígena no

Estado”.

A saúde nos municípios e a chegada da cana de açúcar Os problemas com a vinda de trabalhadores de todo o Brasil para as vagas

oferecidas pelo setor da cana nos municípios pesquisados em Mato Grosso do Sul

também se mostraram bastante importantes. E um dos setores que mais se mostrou

vulnerável foi o da Saúde. De acordo com os entrevistados, foi unânime o

diagnóstico de que “Os hospitais ficaram lotados, equipamentos ficaram precários,

poucos médicos para o aumento da demanda, falta de medicamento e até mesmo falta

de vacinas, devido o aumento da população com a chegada da cana de açúcar”.

Outra questão na visão dos entrevistados refere-se ao fato do possível aumento

da incidência de algumas doenças, principalmente no período da construção das

usinas. Em geral as doenças que mais se destacam pelas falas dos entrevistados são as

sexualmente transmissíveis, como a sífilis congênita, AIDS e gonorreia. A AIDS no

geral é a que mais preocupa, como é o caso do Município de Caarapó/MS, pois

segundo dados da secretaria de saúde local, de 2008 – ano da implantação da usina

Nova América – á 2012 o índice de pessoas contaminadas pelo Vírus do HIV

aumentou 66%. O número de gestantes também portadoras do Vírus chama a atenção,

pois em 2008 nenhum caso havia sido registrado, já no ano de 2012 o Centro de

Atenção Básica de Saúde trabalhou diretamente com 06 grávidas HIV positivo.

Segundo os gestores envolvidos no levantamento, o aumento de doenças

infecto contagiosas nos municípios envolvidos “foi consequência do grande número

de trabalhadores do sexo masculino vindo de diferentes partes do Brasil para

trabalhar na construção da unidade sucroalcooleira de Caarapó”.

Condições de trabalho

Em relação às condições de trabalho, o Ministério Público do Trabalho autua

frequentemente usinas e fornecedores do setor por não respeitarem as normas da

NR31 (Norma Regulamentadora sobre a segurança e saúde no trabalho na agricultura,

pecuária, silvicultura, exploração florestal e aquicultura). Os problemas mais comuns

encontrados são nos contratos de prestação de serviço, ausência de exames periódicos,

más condições de moradia para os trabalhadores e falta de registro de funcionários.

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Sobre as más condições de moradia, Vilas Boas & Dias (2009) defendem que

o aumento das chamadas “cidades dormitórios”, onde os trabalhadores vivem em

cortiços, barracos ou nas pensões, cresce de forma significante com a chegada de uma

usina. As autoras ainda explicam que os alojamentos das usinas são, geralmente,

barracos ou galpões improvisados, superlotados, sem ventilação ou condições

mínimas de higiene. Mesmo assim os preços com moradia e alimentação são caros,

chegando os trabalhadores a gastar cerca de R$ 400,00 por mês, somente com estes

itens.

Ainda há casos mais graves registrados e que configuram, segundo alguns

pesquisadores, trabalho degradante ou escravo. Exemplo disso é o que aconteceu na

usina Rio Claro Agroindustrial no município de Rio Claro em MS, usina da ETH

localizada em Caçu, Goiás e na Usina Usinavi S/A – Unidade Laranjaí, no município

de Naviraí também em MS, na época pertencente ao grupo Infinity Agrícola. Neste

último caso, em agosto de 2011 a usina foi flagrada pelo Grupo Móvel de

Fiscalização Rural com 827 pessoas vivendo em situação degradante em suas

dependências. Destes, 542 eram trabalhadores vindos de Minas Gerais e do Nordeste

e 287 indígenas sul-mato-grossenses. Esse fragrante fez com que os números sobre

trabalho escravo em Mato Grosso do Sul tomassem um corpo ainda maior, pois

segundo o relatório anual da Comissão Pastoral da Terra (CPT) do ano de 2011 o

Estado de Mato Grosso do Sul foi responsável por 34% dos casos de trabalho escravo

localizados pela entidade em todo o País.

Ainda segundo o relatório, em todo o Brasil, neste período, 3.882 brasileiros

foram retirados da condição análoga à de escravo e desse total, 1.322 eram de Mato

Grosso do Sul. Esse dado indica um aumento expressivo de trabalhadores sendo

submetidos a condições ruins no Estado. No ano de 2010, haviam sido registrados

pela CPT (2012) apenas 22 pessoas resgatadas do trabalho escravo. Comparados os

dois dados, o número cresceu 60 vezes.

Outra situação emblemática no Estado de Mato Grosso do Sul foi o da Usina

Santa Olinda, do grupo J Pessoa, no município de Sidrolândia, condenada ao

pagamento de indenização por dano moral coletivo, no valor de R$ 5 milhões, por

contratar adolescentes indígenas para o trabalho de corte de cana. A ação também

aconteceu no ano de 2011, e foi proposta pelo Ministério Público do Trabalho (MPT)

após constatação das irregularidades em operação realizada em novembro de 2009,

nas aldeias indígenas Bororó, Panambizinho e Jaguapiru, todas localizadas no

município de Dourados/MS. Na ocasião estes adolescentes foram flagrados dentro de

um ônibus que transportava trabalhadores para o corte da cana. Ainda de acordo com

o MPT outras irregularidades foram comprovadas na usina, como o atraso no

pagamento de salários, jornadas de trabalho acima do permitido pela lei, não

pagamento de rescisões contratuais e descumprimento de normas básicas de

segurança no trabalho.

Algumas Considerações Finais

A cana de açúcar como substituto do combustível é uma solução interessante

de enfrentamento dos problemas sociais ambientais e econômicos. Ou seja, ela têm

grande potencial de ser um poderoso instrumento na busca pelo Desenvolvimento

Sustentável. Desde evitar a emissão de Carbono na atmosfera até, como diagnosticado

no município de Ivinhema, o aumento do número de empresas formais. No entanto,

como destaca o pesquisador do IMAD V. C. “A cana de açúcar é uma planta

fenomenal, que apresenta uma alta absorção de carbono e pode trazer grande

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desenvolvimento para região, no entanto, a forma como é utilizada minimiza todos os

seus benefícios”. A mesma percepção do problema é destacada na análise do governo

Suíço – nesse caso especificamente relacionado as questões ambientais – mostrando

que em razão das externalidades durante o seu processo, o seu impacto pode ser maior

que a produção de combustíveis fósseis (Scharlemann & Laurence 2008). Assim,

como prediz os conceitos de Desenvolvimento Sustentável (Elkington 2011), é

preciso internalizar as externalidades, apenas dessa maneira pode-se vivenciar o real

benefício da introdução da cana de açúcar.

Olhando a produção de cana de açúcar pela perspectiva ambiental diversos

avanços já foram feitos, com um grande destaque para o Zoneamento Agroecológico

da Cana de Açucar – o qual aparentemente minimizou os impactos ambientais da

expansão dessa cultura, principalmente, relacionado ao desmatamento no Pantanal e

na Amazônia. Outras leis ambientais como a necessidade de Licenças Ambientais

para a instalação ou expansão das usinas ou mesmo o código florestal também são

muito importantes. No entanto, ainda há um longo caminho a ser percorrido para que

se minimizem outros impactos diagnosticados, como compactação do solo ou mesmo

uso de água do aquífero Guarani no processo de produção. No cerne desses impactos

destacamos primeiramente a falta de transparência das usinas. A não acurácia nos

relatórios de impactos ambientais, assim como, o diagnóstico de que algumas vezes

utilizam processos não aprovados pelo órgão fiscalizador é bastante grave. Um

segundo ponto é não presença rotineira do órgão fiscalizador. Assim, impactos como

o desmatamento de pequenas manchas de florestas que poderiam servir de trampolim

ecológico para diversas espécies são desmatados e enterrados sem que haja

fiscalização, como apontado por C. coordenador do Grupo de Voluntários Ambientais

de Rio Brilhante “Na época da implementação da usina recebemos dezenas de

denúncias sobre a limpeza de invernada; embora repassamos para o Ministério

Público e Ibama, na foi feito”. Por último, a falta uma análise integrada do impactos a

partir de uma visão de território, algo que seria feito pelos comitês de bacias, como

destacado por P. A. do Imasul “A formação dos comitês de bacias são uma peça

fundamental para entender os reais impactos”. Portanto, há diversos pontos a serem

sanados para que se diminuía os impactos ambientais da cana de açúcar no Sudeste do

Mato Grosso do Sul.

Dentro da questão social, há uma lacuna ainda maior. A falta de regulações

legais sobre essas questões, tornam os municípios mais frágeis as ações das usinas.

Por exemplo, suspeita-se que, pelo fato das usinas se instalarem em municípios

pequenos, as negociações com o poder público sejam favoráveis aos seus interesses,

além de poderem exercer maior controle sobre os trabalhadores. Assim, as atividades

do agronegócio podem ser beneficiadas pelas fragilidades das políticas públicas

dessas cidades, impondo seu ritmo de produção e, ao mesmo tempo, se beneficiando

da estrutura dos equipamentos sociais de cidades maiores da região.

De todos os municípios que visitamos vale destaque para aqueles que criaram

políticas públicas municipais para interagir de maneira mais dinâmica com a chegada

da cana de açúcar. Por exemplo, Rio Brilhante e Dourados que apresentaram leis para

reduzir a queima da cana de açúcar em um momento anterior ao promulgado pelo

estado. E Rio Brilhante que também limitou a área de plantio no município para 40%

reduzindo o processo de monopolização da cana de açúcar na região. Tais ações

fortalecem o poder público e tornam a relação com a indústria da cana benéfica.

Entende-se que, para enfrentar os problemas acarretados por essa expansão no

estado, é necessário a adoção de estratégias e políticas públicas para o

desenvolvimento local que possam influir nos indicadores de desenvolvimento social,

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ambiental e econômico, coordenadas pelo poder público, contando com a possível

contrapartida das usinas. Um estado bastante interessante dentro dessa perspectiva foi

realizado na região do Vale de São Patrício no estado de Goiás por Ávila et al (2011).

O autores mostraram que os municípios que tiveram a introdução da cana de açúcar

apresentaram uma variação maior do PIB (municípios com usina tiveram variação de

212%, enquanto aqueles que não possuem usina a variação foi de 85%). No entanto

quando comparado o Indice de Desenvolvimento Econômico FIRJAM, os municipios

com cana de açucar tiveram uma variação menor, apesar de maior crescimento

econômico (os indice FIRJAM aumentou 19% para os municipios com cana e 20 %

para aqueles sem). Por isso, apenas a partir de uma abordagem integrada sobre o

território pode-se buscar um real desenvolvimento local.

Usando a abordagem territorial na busca do desenvolvimento sustentável

Incorporando o conceito de território com base nas demandas sociais,

acreditamos que seria possível investigar as prioridades e incidir nas ações das áreas

sociais, de saúde, educacional ou nas questões de infraestrutura de maneira mais

profunda. Dessa forma, insere-se a dimensão territorial na análise da eficiência e

qualidade dos gastos públicos e na execução das políticas públicas.

O conhecimento da realidade local, por meio da quantificação e da

qualificação dos serviços públicos prestados, pode orientar uma associação de

municípios, visando o planejamento de ações conjuntas entre o poder público e o

setor da indústria sucroalcooleira, no sentido de melhorar a qualidade de vida da

população como um todo.

Equacionar o desenvolvimento e equilíbrio ambiental está entre os desafios do

planejamento e gestão urbana, diante do resultado do crescimento das cidades.

Transformar os territórios urbanos em espaços de bem estar e qualidade de vida para

todos os habitantes, passa pela ação do poder público, em associação ao poder local e

a participação das organizações civis, no processo de controle do uso do solo e

ordenamento do território, dentro de uma perspectiva intersetorial.

A melhoria da qualidade ambiental urbana e construção de uma cidade

saudável se torna possível à medida que se concretizem ações pautadas por políticas e

ações coordenadas entre as diversas áreas como meio ambiente, transportes, educação

e saúde, em um planejamento urbano articulado com tais objetivos e associado à

noção de sustentabilidade.

Mesmo porque, a cultura da cana está cada vez mecanizada e restrita a novos

postos de trabalho que exigem qualificação técnica. Em virtude dessa diminuição de

mão de obra, as cidades da região, que acreditaram no crescimento do setor de

serviços, devem sofrer impacto com essa reestruturação e imprimir novas dinâmicas

locais.

O que se verifica é a necessidade do poder público interferir nessa lógica de

interesse social, pois as usinas buscam a realização do lucro, o que não coexiste com a

satisfação de necessidades de áreas e populações socialmente sensíveis, no caso das

cidades estudadas no Mato Grosso do Sul. Portanto é fundamental delegar ao Estado a

função de proteger o cidadão, assegurar, incentivar, promover aos trabalhadores o

acesso aos bens essenciais (educação, saúde e trabalho) proporcionando melhores

índices de qualidade de vida. Bens esses que serão expressos na redução das

desigualdades, que por sua vez incidirá na diminuição das iniquidades, caminhando

na construção de sociedades sustentáveis.

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