enfermidades rumenais, hepÁticas e podais em bovinos … · 2017-10-10 · universidade federal de...

68
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA ANIMAL ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS CONFINADOS Paulo Roberto Lucas Viana Filho Orientador: Prof. Dr. Rogério Elias Rabelo GOIÂNIA 2017

Upload: others

Post on 01-Apr-2020

3 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA ANIMAL

ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS

CONFINADOS

Paulo Roberto Lucas Viana Filho

Orientador: Prof. Dr. Rogério Elias Rabelo

GOIÂNIA

2017

Page 2: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

ii

Page 3: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

iii

PAULO ROBERTO LUCAS VIANA FILHO

ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS

CONFINADOS

Dissertação apresentada para obtenção do título de Mestre

em Ciência Animal junto à Escola de Veterinária e

Zootecnia da Universidade Federal de Goiás

Área de concentração:

Sanidade animal, higiene e tecnologia de alimentos

Orientador:

Prof. Dr. Rogério Elias Rabelo – EVZ/UFG

Comitê de orientação:

Prof. Dr. Luiz Antônio Franco da Silva – EVZ/UFG

Profa. Dra. Caroline Rocha de Oliveira Lima – UEG

GOIÂNIA

2017

Page 4: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

iv

Page 5: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

v

Page 6: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

vi

Page 7: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

vii

Dedico este trabalho a Deus, à minha família e aos meus amigos!

Page 8: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

viii

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente aos brasileiros que pagam impostos no Brasil. Sobretudo

porque, direta e indiretamente, pagaram pelos meus estudos em uma instituição pública. Apesar

de ser um cidadão que também paga impostos, sei que tive a chance de usufruir do dinheiro que

efetivamente é uma contribuição, “obrigatória”, de várias pessoas.

Ao governo do Estado de Goiás e à Agencia Goiana de Defesa Agropecuária –

AGRODEFESA, que permitiu e autorizou a conciliação das minhas atividades de trabalho com

meus estudos. Sobretudo ao meu gerente à época, Dr. Eurípedes Divino Amorim e o presidente

da Agrodefesa, Dr. Arthur Eduardo Alves de Toledo, que sempre apoiaram e acreditaram na

minha disposição para conciliar os projetos acadêmicos e profissionais.

Aos meus pais!!!!!Elza Augusta Fleury Viana e Paulo Roberto Lucas Viana, por

tudo, absolutamente tudo!

À Dra. Letícia Fleury Viana, professora do Instituto Federal Goiano, minha irmã,

que desde de pequena me incentiva, apoia e protege. E nos últimos dois anos contribuiu com o

apoio técnico e científico de um professor, lidando com as chatices de um irmão.

À Liz e Isabela Fragoso Viana, minhas lindas filhas, que perderam a atenção do pai

em vários momentos nesses últimos dois anos e à minha esposa Ana Karolline Alves Fragoso

Viana, por cuidar das crianças na minha ausência.

Ao meu orientador, professor Dr. Rogério Elias Rabelo, pela oportunidade,

instruções, orientações, confiança e amizade de longa data.

Ao professor Dr. Luiz Antônio Franco da Silva, pela eterna contribuição e amizade

que perduram desde a minha formação como profissional e Médico Veterinário.

Aos proprietários da indústria abatedora onde foi realizada a pesquisa, em especial

aos colegas do Serviço de Inspeção Federal, Dr. Gabriel Vilela Soares, Dra. Lara Gisele

Resende e Dr. Márcio Tadeu de Alvarenga Costa, que facilitaram e auxiliaram nas atividades

na indústria.

Aos colegas que auxiliaram nas madrugadas dentro do frigorífico, com muita

animação e disposição que poucos profissionais possuem, ainda mais para acompanhar o abate

de animais, que é, sem dúvida, uma das atividades mais difíceis para o Médico Veterinário.

Atuamos nesta área para atender o bem comum e por ter certeza absoluta que nenhum outro

profissional teria maior cuidado com os animais neste momento, garantindo uma morte limpa,

com segurança e qualidade dos alimentos. Obrigado Dra. Mariane Ishi, Dr. Vinicius Rodrigues

Page 9: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

ix

de Sousa, Dr. Thiago Faustino Gomes, Dr. Bruno Moraes Assis, Dr. Antônio F. Garcia Neto,

Dr. Guilherme Pinheiro Santos e Dr. Simão Pedro de Souza Andrade.

Um agradecimento especial à Dra. Fernanda Martins de Aquino pelo apoio desde o

dia da minha matricula na pós-graduação até os últimos dias deste trabalho.

Aos professores Dr. Didier Q. Cagnini, Dra. Caroline Rocha de Oliveira Lima e Dr.

Emmanuel Arnhold, pelas orientações e apoio em todos os momentos.

Aos professores e colegas do curso de pós-graduação da Escola de Veterinária e

Zootecnia da Universidade Federal de Goiás, pelos ensinamentos e convívio durante o curso.

À EQUIPE da Gerência de cadastro, convênios e inspeção, que sempre foi um

grupo de profissionais unidos e dispostos a apoiar os colegas. Aqui sinto a obrigação de

agradecer pela amizade e me desculpar pelos dias ausentes, pela sobrecarga de trabalho, pelos

dias de nervosismo e pouca paciência. Muito obrigado!!!!!!

Page 10: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

x

SUMÁRIO

CAPÍTULO 1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS ................................................................................ 1

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 1

2. REVISÃO DE LITERATURA ........................................................................................................ 3

2.1. ASPECTOS MORFOFUNCIONAIS DO RÚMEN E ACIDOSE RUMENAL EM BOVINOS .... 3

2.1.1. Os pré-estômagos e estômago dos bovinos ................................................................................... 3

2.1.2. Microbiota rumenal ....................................................................................................................... 4

2.1.3. Equilíbrio ácido base do rúmen ..................................................................................................... 5

2.1.4. Acidose rumenal ............................................................................................................................ 6

2.2. ASPECTOS MORFOFUNCIONAIS DO FÍGADO E ABSCESSO HEPÁTICO EM BOVINOS 09

2.2.1. Aspectos morfofuncionais do fígado ........................................................................................... 09

2.2.2. Diagnóstico e lesões hepáticas .................................................................................................... 09

2.2.3. Abscesso hepático ....................................................................................................................... 10

2.3. ASPECTOS MORFOFUNCIONAIS DOS DÍGITOS EM BOVINOS, LAMINITE E

ENFERMIDADES PODAIS ASSOCIADAS ...................................................................................... 12

2.3.1. Anatomia dos dígitos ................................................................................................................... 12

2.3.2. Laminite em bovinos e enfermidades associadas ........................................................................ 13

2.3.3. Relação entre abscessos hepáticos e enfermidades podais .......................................................... 14

REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 16

CAPÍTULO 2 – INTER-RELAÇÃO POST MORTEM ENTRE PROBLEMAS RUMENAIS,

ABSCESSOS HEPÁTICOS E ALTERAÇÕES PODAIS EM BOVINOS CONFINADOS ........ 20

RESUMO .............................................................................................................................................. 20

ABSTRACT .......................................................................................................................................... 21

Introdução ............................................................................................................................................. 22

Material e Métodos ............................................................................................................................... 23

Resultados ............................................................................................................................................. 25

Discussão............................................................................................................................................... 27

Conclusão .............................................................................................................................................. 31

Referências ............................................................................................................................................ 32

CAPÍTULO 3 – CARACTERIZAÇÃO MACROSCÓPICA E MICROSCÓPICA DAS LESÕES

RUMENAIS EM BOVINOS CONFINADOS .................................................................................. 34

RESUMO .............................................................................................................................................. 34

ABSTRACT .......................................................................................................................................... 35

Introdução ............................................................................................................................................. 36

Material e Métodos ............................................................................................................................... 37

Resultados ............................................................................................................................................. 40

Page 11: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

xi

Discussão............................................................................................................................................... 44

Conclusão .............................................................................................................................................. 47

Referências ............................................................................................................................................ 48

CAPÍTULO 4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 50

ANEXO A – Parecer de aprovação do Comitê de Ética no Uso de Animais........................................ 51

Page 12: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

xii

LISTA DE FIGURAS

CAPÍTULO 1

FIGURA 1 - Ilustração dos pré-estômagos e estômago bovino, face direita. 1 - Saco dorsal do rúmen.

2 - Saco ventral do rúmen. 3 - Retículo. 4 - Omaso. 5 - Abomaso. 6 - Esôfago. 7 - Sulco

rumenoreticuar. 8 - Saco cranial do rúmen. 9 - Sulco acessório direito. 10 - Sulco

longitudinal direito. 11 - Ínsula do rúmen. 12 - Saco cego caudodorsal. 13 - Saco cego

caudoventral. 14 - Sulco caudal do rúmen. 15 - Sulco coronário dorsal direito. 16 - Sulco

coronário ventral direito. .................................................................................................... 4

FIGURA 2 - Sequência de eventos no ciclo da acidose rumenal em bovinos demostrando a

acidificação rumenal provocada primeiramente pelo acumulo de AGV, seguida pelo

acúmulo de ácido lático, resultando em um quadro de acidose metabólica. ...................... 7

FIGURA 3 - Estruturas externas do estojo córneo. Em (A – 1) muralha abaxial entre as setas: amarela

e azul, (A – 2) muralha dorsal entre as setas: azul e amarela. Em (B), entre as setas

amarelas observa-se a linha branca, no quadrado azul o bulbo do talão, (B – 1) região

pré-bulbar da sola, (B – 2) região subapical da sola, (B – 3) região apical da sola. ......... 13

FIGURA 4 - Principais lesões diagnosticadas como sequelas da laminite sub-clínica. Em (A), sola

dupla. Em (B), hemorragia de sola difusa. Em (C), hemorragia de sola circunscrita. Em

(D), úlcera de sola. Em (E), úlcera de pinça. Em (F), doença da linha branca. ................ 14

CAPÍTULO 2

FIGURA 1 - Distribuição dos 300 bovinos com idade entre 20 e 30 meses, raça Nelore, manejados

na fase de terminação em sistema de confinamento, abatidos no ano de 2016, com

diagnóstico positivo para enfermidades podais, abscesso hepático ou rumenite,

encontradas na inspeção post mortem em um frigorífico no Estado de Goiás.. ............... 26

CAPÍTULO 3

FIGURA 1 - Avaliação macroscópica do rúmen e classificação de acordo com o grau de lesão

diagnosticada no exame post mortem. A) rúmen sem lesão. B) rúmen hiperêmico. C)

rúmen ulcerado. D) rúmen com hiperqueratose... ............................................................. 41

Page 13: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

xiii

FIGURA 2 -Avaliação microscópica do rúmen e classificação de acordo com o grau de lesão

diagnosticada nas lâminas histológicas de bovinos com diagnóstico positivo para lesões

podais e abscesso hepático. A) Rúmen normal: Papilas rumenais normais (100x, HE).

B) Rumenite aguda discreta: Note a presença focal, discreta, de neutrófilos na camada

superficial do epitélio e infiltrado inflamatório misto discreto na lâmina própria e

submucosa (200x, HE). C) Rumenite aguda moderada: Infiltrado inflamatório

neutrofílico multifocal, discreto a moderado intraepitelial e hiperqueratose

paraqueratótica discreta (200x, HE). D) Rumenite aguda moderada: Além das

alterações descritas em C, nota-se a presença de estruturas basofílicas finamente

granulares compatíveis com colônias bacterianas acima da camada queratinizada (200x,

HE). E) Cicatriz ou úlcera em cicatrização: Rúmen re-epitelizado. Vê-se uma camada

de tecido conjuntivo denso em submucosa, hiperplasia de epitélio ruminal com

formação de papilas e hiperqueratose paraqueratótica (40x, HE). F) Cicatriz ou úlcera

em cicatrização: Detalhe da camada epitelial hiperplásica e hiperqueratose

paraqueratótica (400x, HE).. ................................................................................ .............43

Page 14: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

xiv

LISTA DE TABELAS

CAPÍTULO 2

Tabela 1 - Inspeção post mortem, avaliando a presença ou ausência de enfermidades podais,

abscessos hepáticos e lesões rumenais em bovinos com idade entre 20 e 30 meses, raça

Nelore, manejados na fase de terminação em sistema de confinamento, abatidos no ano

de 2016, em um frigorífico no Estado de Goiás. ................................................................. 26

Tabela 2 - Análise da inter-relação entre duas enfermidades distintas, rúmen x casco, rúmen x fígado

e fígado x casco, em bovinos manejados na fase de terminação em sistema de

confinamento, abatidos no ano de 2016, em um frigorífico no Estado de Goiás. ............... 27

CAPÍTULO 3

Tabela 1 – Avaliação macroscópica do rúmen e classificação de acordo com o grau de lesão

diagnosticada no exame post mortem de bovinos com idade entre 20 e 30 meses, raça

Nelore e manejados na fase de terminação em sistema de confinamento, abatidos no ano

de 2016, em um frigorífico do Estado de Goiás. ................................................................. 40

Tabela 2 – Avaliação microscópica do rúmen e classificação de acordo com o grau de lesão

diagnosticada nas lâminas histológicas de bovinos com diagnóstico positivo para lesões

podais e abscesso hepático, com idade entre 20 e 30 meses, raça Nelore e manejados na

fase de terminação em sistema de confinamento, abatidos no ano de 2016, em um

frigorífico do Estado de Goiás. ........................................................................................... 42

Tabela 3 – Avaliação macroscópica e microscópica do rúmen e classificação de acordo com o grau

de lesão de 98 bovinos com diagnóstico positivo para lesões podais e abscesso hepático,

com idade entre 20 e 30 meses, raça Nelore e manejados na fase de terminação em sistema

de confinamento, abatidos no ano de 2016, em um frigorífico do Estado de Goiás. .......... 44

Page 15: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

xv

RESUMO

A busca pelo aumento da produtividade, qualidade e a redução dos custos de produção é uma

necessidade indiscutível nos diferentes sistemas de criação de bovinos e o uso de dietas de alto

grãos, ricas em carboidratos altamente fermentáveis e com baixos teores de fibra tornou-se uma

ferramenta indispensável para a nutrição animal. Contudo essas dietas podem ocasionar um

desequilíbrio entre a produção e remoção de ácidos graxos voláteis no rúmen, com consequente

acidose rumenal. Este problema pode resultar em lesões na parede do rúmen, predispondo a

colonização e multiplicação de bactérias, evoluindo com frequência para a formação de

abscessos hepáticos, rumenite e enfermidades podais. O presente estudo objetivou inter-

relacionar na avaliação post mortem, a ocorrência de rumenite, abscesso hepático e

enfermidades podais em bovinos da raça Nelore, manejados a pasto durante a cria e recria e em

sistema de confinamento durante a terminação, bem como realizar uma caracterização das

principais lesões macroscópicas e microscópicas no rúmen. Foram avaliados

macroscopicamente 1060 bovinos de corte pelo exame post mortem dos pés, fígado e rúmen e

microscopicamente avaliou-se 98 rumens. Os dados foram analisados pelo teste de qui-

quadrado, com nível de significância de 5%, para avaliar os pares de lesões. Para realizar a

caracterização das lesões rumenais, as lesões macroscópicas e microscópicas foram

classificadas em seis escores, sendo um para animais sem lesão e cinco para os animais com

lesões. Foram encontradas 328 lesões em 300 (28,3%) bovinos, sendo 88 (8,3%) com

enfermidades podais, dez (0,9%) com abscessos hepáticos e 230 (21,7%) com rumenite.

Nenhum dos animais apresentou as três lesões simultaneamente. Dentre esses diagnósticos, 28

bovinos apresentaram duas destas enfermidades, sendo 26 (2,45%) com lesões tanto no rúmen

quanto nos cascos e dois (0,19%) com lesão rumenal e abscesso hepático. O exame

microscópico do rúmen verificou alterações em 21 (21,6%) lâminas. A rumenite aguda discreta

foi a alteração predominante com 16 casos, seguida da rumenite aguda moderada e crônica,

com dois casos cada uma. Encontrou-se apenas um caso de lesão em processo de cicatrização.

Dentre os 98 rumens avaliados macro e microscopicamente, 23 apresentaram lesões

macroscópicas e 10 tiveram as mesmas alterações verificadas na microscopia, sendo sete casos

de hiperqueratose, dois casos de hiperemia e um caso de ulceração. Não houve inter-relação na

avaliação post mortem, entre a ocorrência de rumenite, abscesso hepático e enfermidades podais

em bovinos da raça Nelore, manejados a pasto durante a cria e recria e em sistema de

confinamento na fase de terminação e a avaliação microscópica possibilitou a detecção de

lesões rumenais que passaram despercebidas pela avaliação macroscópica, sendo um recurso

diagnóstico extra para indicar o estágio de evolução das lesões rumenais.

Palavras – chave: acidose rumenal, bovinos, confinamento, fígado, locomotor

Page 16: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

xvi

ABSTRACT

The search for increasing the productivity and the quality, along the reduction the cost of

production, is an unarguable need of the different systems for raising cattle. Besides that, the

use of high-grain diet has become an indispensable tool for animal nutrition. On the other hand,

such diet may cause an unbalance between the production and removal of volatile fatty acids in

the rumen leading to a ruminal acidosis. Ruminal acidosis may result in lesions in the ruminal

walls, contributing for the colonization and multiplication of bacteria, frequently leading to

liver abscesses, rumenitis and claw lesions. This paper aims at describing the interrelation

among liver abscesses, ruminal and claw lesions of bovine in a post mortem evaluation. The

cattle was raised on pasture for 17 to 27 months. 90 days before slaughter, they were taken to

feedlots. 1060 bovine were macroscopic evaluated while 98 were microscopically. Statistical

analysis were performed using Pearson´s Qui-square. The macroscopic and microscopic

analysis were classified in six scores, meaning one for animals without a lesion and five for the

ones which had a lesion in their rumen. 328 lesions were found in 300 bovine (28.3%), that is,

88 (8.3%) had claw lesion, 10 (0.9%) showed liver abscesses and 230 (21.7%) presented

rumenitis. None of the animals was simultaneously diagnosed with the three aforementioned

lesions. 28 presented two different lesions: 26 (2.45%) had ruminal and claw lesions while 2

(0.19%) showed rumenal lesion and liver abscess. The microscopic evaluation of the rumen

pointed out alterations in 21 (21.6%) slides. 16 animals presented discreet rumenitis, 2 had mild

rumenitis and 2 showed chronic rumenitis. One animal had its rumen to be in a healing process.

Out of the 98 rumen analyzed macroscopic and microscopically, 23 had macroscopic lesion

while 10 presented the same alterations found microscopically: 7 diagnosed with

hyperkeratosis, 2 with hyperemia and 1 ulcer case. The post mortem evaluation showed no

interrelation of occurrence among rumenitis, liver abscess and claw lesion in Nelore bovine

raised on a pasture up to 90 days before slaughter. The microscopic analyzes revealed ruminal

lesions which were not identified in a macroscopic evaluation. It proved to be an extra resource

for diagnosing the phase of rumenal lesions.

Keywords: ruminal acidosis, cattle, feedlot, liver, locomotor

Page 17: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

CAPÍTULO 1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS

1. INTRODUÇÃO

Com o desenvolvimento e incremento tecnológico na bovinocultura de corte e de

leite brasileira, o uso de dietas de alto grão, ricas em carboidratos e com baixos teores de fibra,

tornou-se uma ferramenta indispensável para a nutrição animal. Tal fato alicerçou-se na busca

do aumento da produtividade, qualidade e na redução dos custos, sendo uma prerrogativa

indiscutível nos diferentes sistemas de produção de bovinos. Como as regiões do sudeste e

centro-oeste do Brasil caracterizam-se pela considerável produção de grãos, torna-se vantajoso

o emprego de dietas com altos teores de concentrado para a produção de bovinos, especialmente

em confinamentos, independente da aptidão1. Este sistema de produção tem conquistado espaço

no cenário do agronegócio, permitindo maior produtividade em pequenas áreas territoriais2.

Entretanto, o uso indiscriminado de alimentos concentrados aumenta os riscos de transtornos

metabólicos, acarretando danos à saúde do bovino e consequentemente, diminuindo a produção

de leite ou carne3,4.

Dentre os principais distúrbios metabólicos diagnosticados em ruminantes,

destacam-se as indigestões, a cetose, a acidose rumenal, a laminite e suas sequelas, com

destaque para úlcera de sola, hematomas e abscessos de sola e pinça, doença da linha branca,

dentre outras1. A acidose rumenal é uma enfermidade digestiva que ocorre em animais

ruminantes submetidos a dietas com grande quantidade de carboidratos solúveis sem a devida

adaptação. Desse modo, erros no manejo nutricional dos animais confere um desequilíbrio entre

a produção de ácidos graxos voláteis (AGVs) e a remoção desses pelo epitélio rumenal3.

Ressalte-se ainda, que diante desses distúrbios, o complexo rumenite abscesso hepático pode

estar presente e também causar prejuízos a saúde dos animais e para a indústria5.

Nesse sentido, o complexo rumenite abscesso hepático é uma das principais

preocupações quando se utiliza dietas com alta porcentagem de concentrado. Esse complexo é

desencadeado pela formação de lesões na parede rumenal dos bovinos, sendo um fator

predisponente para que bactérias colonizem e se instalem nessas feridas, atingindo o sistema

circulatório porta no fígado, podendo resultar na formação de abscessos hepáticos5-7. Além

disso, como consequência do balanceamento inadequado de carboidratos não estruturais e

fibras, a incidência e prevalência da laminite e suas sequelas no rebanho merecem destaque.

Apesar de ser uma enfermidade podal de etiologia multifatorial e controversa, o quadro de

Page 18: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

2

acidose aguda ou subaguda caracteriza-se como principal fator na etiopatogenia da

enfermidade8,9.

A acidose rumenal aguda é caracterizada pela diminuição brusca do pH ruminal,

podendo ser de causa multifatorial. Enquanto que a acidose rumenal subaguda caracteriza-se

por ser uma forma mais branda e contínua de apresentação, sendo mais comumente

diagnosticada em bovinos submetidos a regimes de semi-confinamentos, apresentando assim,

menor risco imediato aos animais10. Entretanto, pode-se determinar vários problemas

secundários que provocam lesões na parede rumenal dos bovinos, levando ao desenvolvimento

de rumenite e condenação pelos serviços de inspeção de fígados com presença de abscessos

hepáticos5,6,8,11. Apesar de ser clinicamente simples o diagnóstico da acidose rumenal aguda, o

mesmo não se aplica para os casos de acidose subaguda, que aparentemente é mais prejudicial

para a saúde dos animais, sendo dificilmente diagnosticada3,12. Logo, tendo em vista a

importância do problema para a produção intensiva de bovinos, o comprometimento do bem-

estar dos animais, os prejuízos contabilizados para os criatórios e para o Estado, é premente

buscar respostas a alguns questionamentos ainda existentes sobre as implicações que o manejo

intensivo exerce sobre a bovinocultura moderna.

Este trabalho foi dividido em quatro partes. A primeira parte, capítulo 1, tendo como

objetivo realizar uma revisão de literatura sobre os aspectos morfofuncionais do rúmen, fígado

e casco de bovinos, abordando também aspectos patológicos das respectivas estruturas

anatômicas. A segunda parte, capítulo 2, tendo como objetivo a avaliação da inter-relação entre

problemas rumenais, abscessos hepáticos e alterações podais em bovinos confinados, a terceira

parte, capítulo 3, tendo como objetivo a caracterização das principais lesões rumenais macro e

microscópicas em bovinos confinados e a quarta parte, capítulo 4, tendo como objetivo a

apresentação das considerações finais sobre o trabalho.

Page 19: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

3

2. REVISÃO DE LITERATURA

2.1. ASPECTOS MORFOFUNCIONAIS DO RÚMEN E ACIDOSE RUMENAL EM

BOVINOS

2.1.1. Os pré-estômagos e estômago dos bovinos

Os pré-estômagos e estômago dos bovinos ocupam quase três quartos da cavidade

abdominal e são divididos em quatro compartimentos denominados retículo, rúmen, omaso e

abomaso. Os três primeiros compreendem os pré-estômagos ou pró-ventrículos e possuem uma

mucosa não glandular, revestida com epitélio estratificado pavimentoso e funcionam como uma

grande câmara de fermentação dos alimentos, realizada por microrganismos. O bovino exerce

um controle parcial desses pré-estômagos já que possui a capacidade de selecionar o alimento

ingerido, adicionar solução tampão pela produção de saliva e promover constante

movimentação do conteúdo dos pré-estômagos pelas contrações específicas dos mesmos. O

abomaso ou estomago verdadeiro, possui mucosa glandular e tem como função a realização da

digestão química do alimento. A capacidade relativa de armazenamento dos três pré- estômagos

e do estômago dos bovinos adultos é de aproximadamente 80% para o rúmen, 5% para o

retículo, 7% para o omaso e 8% para o abomaso13,14 (Figura 1).

A membrana mucosa do rúmen apresenta grandes papilas rumenais que são maiores

e numerosas no átrio e nos sacos cegos ventrais, ausentes nos pilares e na parede do saco dorsal.

Essas papilas são estruturas absortivas e seu crescimento é estimulado pelos produtos da

fermentação bacteriana no rúmen e no retículo. Podem variar em tamanho e forma, chegando a

um centímetro de comprimento com formato de língua ou folha, porém, algumas são estritas

ou filiformes13,16.

Page 20: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

4

FIGURA 1 - Ilustração dos pré-estômagos e estômago bovino, face direita. 1 - Saco dorsal do rúmen. 2

- Saco ventral do rúmen. 3 - Retículo. 4 - Omaso. 5 - Abomaso. 6 - Esôfago. 7 - Sulco

rumenoreticuar. 8 - Saco cranial do rúmen. 9 - Sulco acessório direito. 10 - Sulco

longitudinal direito. 11 - Ínsula do rúmen. 12 - Saco cego caudodorsal. 13 - Saco cego

caudoventral. 14 - Sulco caudal do rúmen. 15 - Sulco coronário dorsal direito. 16 - Sulco

coronário ventral direito.

Fonte: Adaptado de Popesko15.

2.1.2. Microbiota rumenal

O rúmen dos bovinos é considerado um ecossistema microbiano único. Seu meio

anaeróbio com temperatura em torno de 39 a 42ºC e presença constante de substrato o torna um

ambiente ideal para manutenção de uma atividade fermentativa intensa. É colonizado logo após

o nascimento do animal e é habitado por basicamente três tipos de microrganismos: bactérias,

protozoários e fungos. As bactérias constituem a maior parte da biomassa da microbiota

rumenal, em torno de 60 a 90% da composição, e são consideradas as mais importantes

nutricionalmente17.

Para a sobrevivência dos bovinos é necessário existir uma relação de simbiose com

microrganismos que habitam seu sistema digestivo e possuam a capacidade de degradar

celulose, pois, a utilização de vegetais fibrosos pelos herbívoros depende muito das atividades

metabólicas dos microrganismos gastrintestinais. Essa relação propicia benefício mútuo para

Page 21: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

5

os microrganismos, que conseguem viver em um ambiente protegido e abastecido

constantemente com alimento. Todavia a simbiose é vital para os ruminantes, que se beneficiam

dos nutrientes disponibilizados pelos microrganismos e ainda, utilizam-se de uma fonte de

proteína verdadeira, quando os microrganismos passam dos pré-estômagos para o abomaso,

ocorrendo digestão química18,19.

2.1.3. Equilíbrio ácido base do rúmen

A digestão no rúmen é constante e demanda elevada produção de tamponante para

manter o pH rumenal estável. Considerando que o pH fisiológico do conteúdo rumenal varia

entre 5,5 e 7,0, o tamponamento do rúmen é essencial para manter os microrganismos rumenais

viáveis, já que a digestão microbiana resulta em grandes quantidades de ácidos. Para que não

ocorra a queda brusca do pH rumenal, a secreção salivar produzida em maior quantidade

durante a mastigação dos alimentos possui a função principal de produzir tamponantes e manter

o ambiente rumenal líquido18,20,21.

A mastigação tem a função de reduzir o tamanho das partículas e umedecer o

alimento, formar o bolo alimentar e facilitar a deglutição. O tempo gasto para a mastigação

varia de acordo com o tipo de alimento e da taxa de ingestão, influenciando diretamente na

quantidade de salivação do animal. Diante disso, quanto maior é a taxa de ingestão, menor será

a quantidade de saliva produzida por unidade de alimento ingerida. Essa taxa pode ser

influenciada principalmente pelo tamanho de partículas na dieta, proporção de forragem,

umidade do alimento e quantidade de alimento fornecida22,23. Após o total preenchimento do

rúmen pelo alimento ingerido, inicia-se a ruminação. Esse processo consiste em retornar o

alimento à boca para realizar uma nova mastigação e reduzir ainda mais o tamanho das

partículas, até que fiquem com uma dimensão pequena suficiente para saírem do rúmen e seguir

pelo sistema digestivo24.

A taxa de produção de saliva varia de acordo com o tipo e fase de alimentação, tipo

de manejo alimentar, tipo de acesso dos animais ao cocho e até mesmo o ambiente em que os

bovinos se encontram. A quantidade de saliva produzida será diferente durante a ruminação, no

momento da ingestão de alimentos e durante o período de ócio do animal. Ressalte-se que a

produção de saliva é essencial para os microrganismos do rúmen, garantindo a capacidade de

tamponamento devido à alta concentração de bicarbonato e fosfato presente na saliva23. Além

da neutralização dos ácidos poder ser realizada pela saliva, parte dos ácidos produzidos durante

Page 22: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

6

a fermentação é eliminado do rúmen pela absorção do epitélio rumenal, sendo que uma outra

pequena parte dos ácidos passa direto pelo sistema digestivo25,26.

2.1.4. Acidose rumenal

A acidose possui duas formas de apresentação, a acidose lática rumenal ou acidose

aguda e a acidose rumenal subaguda, sendo uma forma mais intensa e aguda e uma outra forma

mais branda e crônica, respectivamente12,27. A acidose lática rumenal, ou também denominada

de indigestão por ácido lático, por sobrecarga de grãos ou ingurgitamento agudo por

carboidratos pelos ruminantes, está associada à ingestão de grande quantidade de alimentos

concentrados rapidamente fermentáveis no rúmen. A acidose lática normalmente é causada por

uma alteração súbita na dieta, com maior quantidade de alimento concentrado27. Houve uma

propositura de substituir o nome “acidose subaguda” por “síndrome do alto concentrado”,

alegando que esse problema não se restringia apenas por uma alteração de pH rumenal28.

Considera-se que a enfermidade está mais relacionada com a alteração da população microbiana

rumenal, provocada, sobretudo por um balanceamento inadequado da dieta dos animais com

elevada quantidade de carboidratos rapidamente fermentáveis no rúmen28.

O resultado da fermentação dos carboidratos ingeridos pelos ruminantes culmina

na produção de ácidos graxos voláteis (AGV), que serão absorvidos pelo epitélio rumenal. Os

alimentos volumosos, constituídos por carboidratos estruturais como a celulose, resultam em

uma fermentação mais lenta no rúmen, produzindo AGV em uma quantidade compatível com

a absorção rumenal. No entanto, os alimentos concentrados, constituídos por carboidratos não

estruturais como o amido, apresentam uma taxa fermentativa mais acelerada, produzindo uma

grande quantidade de AGV em um pequeno período de tempo, excedendo a capacidade de

absorção e permitindo o seu acúmulo no rúmen5. Esse acumulo de AGV contribui para a queda

do pH, desencadeando o princípio de uma acidose rumenal. Desse modo, a diminuição de pH

rumenal induz alteração no equilíbrio microbiológico existente entre os grupos de bactérias

produtoras e consumidoras de ácido lático. Sendo assim, as bactérias produtoras de ácido lático

se beneficiam pela estabilização de uma faixa de pH mais baixa e sobrepõem a quantidade de

bactérias consumidoras de ácido lático, que normalmente são sensíveis a queda de pH no

rúmen26.

Essa alteração do perfil microbiano no rúmen, favorecendo as bactérias produtoras

de ácido lático, promove uma acidificação ainda maior nesse local anatômico. Neste momento,

Page 23: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

7

as bactérias produtoras de ácido lático se multiplicam ainda mais, uma vez que o ambiente

rumenal apresenta-se cada vez mais favorável ao seu desenvolvimento. O resultado desse ciclo

possivelmente culminará em um quadro de acidose lática rumenal aguda8,29. Mas, quando a

dieta do animal apresenta-se mais equilibrada e a ingestão de carboidratos não estruturais for

menor, as bactérias consumidoras de ácido lático permanecem ativas no rúmen. Neste caso, a

diminuição do pH rumenal não é tão intensa permitindo um equilíbrio entre os microrganismos

consumidores e produtores de ácido lático. Essa situação caracterizará a acidose subaguda30.

A Figura 2 representa a sequência de eventos no ciclo da acidose rumenal em

bovinos demostrando a acidificação rumenal provocada primeiramente pelo acumulo de AGV,

seguida pelo acúmulo de ácido lático, resultando em um quadro de acidose metabólica após a

ingestão de grande quantidade de carboidratos rapidamente fermentáveis no rúmen.

FIGURA 2 - Sequência de eventos no ciclo da acidose rumenal em bovinos demostrando a acidificação

rumenal provocada primeiramente pelo acumulo de AGV, seguida pelo acúmulo de ácido

lático, resultando em um quadro de acidose metabólica.

Fonte: Adaptado de Nocek8.

Page 24: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

8

Vários sinais clínicos da acidose em bovinos têm sido correlacionados à

translocação de endotoxinas do rúmen para o sistema circulatório dos animais. Dentre estes,

estão os abscessos hepáticos, as laminites clínica e subclínica, e as respostas por proteínas de

fase aguda8,25. As endotoxinas ou lipopolissacarídeos são componentes da parede celular de

bactérias Gram-negativas que são liberadas no ambiente após sua lise. Entretanto,

fisiologicamente o organismo animal elimina de forma rápida a endotoxina da circulação

sanguínea, dificultando também esse diagnóstico pelo sangue25. Sabidamente, na espécie

bovina existem animais mais resistentes à acidose subaguda e animais mais susceptíveis à

acidose. Essa diferença pode estar relacionada pelo tipo e pela densidade da população

microbiana existente no conteúdo rumenal e também pelo tipo de microrganismo que coloniza

e está diretamente aderido a essa estrutura anatômica16, 31.

A maior densidade de microrganismos presente no rúmen dos animais mais

susceptíveis à acidose subaguda está relacionada a maior atividade fermentativa microbiana e

a redução do pH rumenal. Além disso, o tipo de microrganismo e a densidade bacteriana

presente no rúmen modifica os tipos de receptores existentes na parede rumenal e promovem

resposta específica, resultando em maior proliferação do epitélio da mucosa rumenal. Este fato

pode explicar a resistência ou suscetibilidade à acidose de alguns bovinos16. É de conhecimento

que o fornecimento de grandes quantidades de concentrado, disponibilizado aos animais poucas

vezes ao dia é considerado um fator de risco para o desenvolvimento da acidose rumenal. O

fornecimento da dieta desta forma resultará em grande produção de ácido lático, pouca

produção de tamponantes e baixa capacidade de ruminação, determinando em acidose lática

rumenal aguda ou, em casos menos grave, inevitavelmente irá desencadear uma acidose

subaguda23.

O exame post mortem dos animais com acidose poderá apresentar vários achados

indicativos desta enfermidade. A lesão mais característica é a rumenite, que pode ser observada,

macroscopicamente, pela presença de manchas azuladas no saco ventral do rúmen. A mucosa

pode apresentar-se avermelhada, hemorrágica ou ulcerada por consequência da irritação pelo

pH baixo10. Rezac et al.32 realizaram um estudo empregando aproximadamente vinte mil

animais e classificaram as lesões rumenais em dois escores, sendo caraterizado como médio e

severo. Quando era possível visualizar, macroscopicamente, porções da mucosa rumenal mais

delgada e com papilas rumenais mais baixas ou desgastadas, a lesão era classificada como

média. Entretanto, o escore severo foi utilizado quando era possível visualizar uma ferida

localizada ou difusa no rúmen. Essas feridas apresentam-se circulares e irregulares, com

depressão da mucosa, avermelhadas ou apresentam-se como ulcerações cicatrizadas32.

Page 25: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

9

2.2. ASPECTOS MORFOFUNCIONAIS DO FÍGADO E ABSCESSO HEPÁTICO EM

BOVINOS

2.2.1. Aspectos morfofuncionais do fígado

O fígado dos bovinos está localizado na cavidade abdominal, deslocado à direita do

plano mediano do espaço ocupado pelos pré-estômagos dos ruminantes, com destaque para o

rúmen, que ocupa espaço considerável no lado esquerdo da cavidade abdominal. Por ser uma

interface entre o aparelho digestivo e o sangue, o fígado recebe do intestino, via veia porta,

carboidratos que são sintetizados e armazenados na forma de amido e glicogênio é também

capaz de armazenar gordura e proteínas. Contudo a sua função mais aparente é a secreção da

bile, remoção e detoxificação de substâncias indesejáveis do sangue13.

2.2.2. Diagnóstico e lesões hepáticas

As principais lesões hepáticas em bovinos diagnosticadas por ocasião do abate têm

etiologia relacionada a causas multifatoriais. Todavia, as lesões comumente observadas nesta

estrutura anatômica, segundo a literatura especializada, estão relacionadas a problemas

secundários decorrentes de enfermidades que afetam outros importantes órgãos do bovino. Para

os estudiosos, as lesões hepáticas primárias são decorrentes, em sua maioria, de

envenenamentos, sendo estes casos considerados de menor importância para os sistemas de

produção, independente do modelo preconizado33,34. Uma característica importante dessa

estrutura anatômica se deve ao fato de que os sinais clínicos indicativos de lesão hepática,

apresentados pelos animais, na maioria das vezes, só podem ser diagnosticados quando esse

órgão já tenha perdido em torno de três quartos de seu parênquima. Isso ocorre devido à reserva

funcional que essa estrutura possui33,34. Enfatizando essa informação, Doré et al.34 se

propuseram a estudar as manifestações clínicas de animais com abscessos hepáticos e

concluíram que os sinais clínicos são vagos e não conclusivos.

Quanto aos meios de diagnósticos de possíveis lesões hepáticas, o emprego dos

métodos semiotécnicos é citado. No entanto, a realização do exame de palpação e percussão no

fígado de animais de grande porte é laboriosa, dificultando o diagnóstico, já que essa estrutura

anatômica apresenta-se protegida pelos arcos costais dos animais. As biopsias do fígado são

uma opção para o diagnóstico de algumas enfermidades, com destaque para os tumores, sendo

estes raramente diagnosticados. O procedimento, apesar de sua importância, necessita de

Page 26: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

10

habilidade técnica diferenciada e grande conhecimento de anatomia topográfica para ser

realizado. O risco de perfuração iatrogênica de um ducto biliar, hemorragia ou perfuração de

um abscesso contaminado por bactérias piogênicas é eminente33.

Cita-se também o diagnóstico por imagem como ferramenta auxiliar para o

diagnóstico de lesões hepáticas, com destaque para o exame radiográfico. Entretanto,

apresentam um custo elevado e não são facilmente disponíveis para a prática veterinária de

ruminantes. As provas bioquímicas, apesar de ser uma opção, são exames pouco utilizados a

campo33. Deste modo, em muitos casos, o diagnóstico conclusivo de uma lesão hepática em

bovinos é realizado durante a necropsia ou após o abate no exame post mortem do animal em

frigorífico inspecionado34,35.

2.2.3. Abscesso hepático

Lesões hepáticas acometendo bovinos por ocasião do abate fazem parte de um

achado comumente verificado em frigoríficos inspecionados, sejam em animais de aptidão

leiteira ou mesmo de corte, principalmente quando manejado em sistemas de confinamento.

Dentre as lesões hepáticas, os abscessos ocupam posição de destaque, tendo sua etiologia

relacionada aos problemas secundários, mas que, por consequência, deixam suas sequelas nessa

importante estrutura anatômica. Neste contexto, lesões hepáticas decorrentes de onfalopatias,

rumenites ou mesmo os problemas podais, podem culminar em abscessos hepáticos causando

prejuízos diretos e indiretos, seja pelo comprometimento do bovino em ganho em peso e

conversão alimentar, descarte do fígado por ocasião do abate ou mesmo a morte do animal em

consequência de peritonite36. De acordo com Brink et al.37 bovinos portadores de abscessos

hepáticos podem ter seu ganho em peso comprometido em até 11%, tendo sua conversão

alimentar afetada em até 9,7%37.

De forma geral, os abscessos hepáticos são provocados por uma infecção bacteriana

que se aloja em alguma região anatômica do fígado, podendo ser único ou múltiplos, e

apresentar dimensões variadas. Os abscessos encontrados durante o abate geralmente

encontram-se encapsulados por uma camada fibrótica espessa contornada por uma região

inflamada. Histologicamente, apresenta aspecto granulomatoso com área central necrosada e

encapsulada38. Lembrando que as formas de acesso ao fígado pelas bactérias são diversas,

podendo os microrganismos se deslocarem por meio da veia porta, artéria hepática, veia

umbilical (neonatos), ductos biliares ou uma extensão de uma infecção local. Assim como é

verificado em casos clínicos de reticulo pericardite traumática, rumenite e problemas podais,

Page 27: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

11

sendo este último ainda pouco investigado. Contudo, a principal via de contaminação se dá pela

veia porta, pois por meio dela ocorre o transporte de grande volume de sangue oriundo do trato

gastrointestinal5,36,38,39.

Quanto aos problemas podais em bovinos e sua relação com a ocorrência de

abscessos hepáticos, os estudos apresentam-se escassos, não sendo possível resgatar na

literatura consultada, quais enfermidades podais estariam envolvidas neste processo, bem como

uma análise comparativa entre a ocorrência de enfermidades digitas e abscessos hepáticos em

bovinos abatidos, principalmente quando submetidos a dietas desafiadoras de alto grão.

Todavia, de acordo com Greenough9, as lesões de casco em ruminantes, tendo como agente

etiológico o Fusobacterium necrophorum, podem, culminar em lesões hepáticas caracterizadas

pela presença de abscessos9. Apesar da importância das possíveis causas de abscessos hepáticos

acima descritos, o complexo rumenite abscesso hepático apresenta-se como mais importante

alvo de investigações.

Para melhor compreensão do complexo rumenite abscesso hepático deve-se

considerar que o Fusobacterium necrophorum naturalmente habita o rúmen. O ambiente

rumenal é rico em ácidos lácticos, que são utilizados como fonte de energia para metabolizar

acetato, butirato, uma pequena quantidade de proprionato, havendo também a degradação de

proteínas. Esse microrganismo não metaboliza amido ou açúcar, está presente no conteúdo

rumenal e também compõe a microbiota que fica aderida na parede do rúmen. Esse fato é ainda

mais frequente quando é realizada coleta de material para cultura nas paredes rumenais com

paraqueratose ou nos casos de rumenite38. A acidose rumenal pode desencadear lesões na

parede do rúmen, sendo um fator predisponente para que bactérias colonizem e se instalem

nessas feridas, evoluindo com frequência para a formação de abscessos e rumenite5,38. Ao

colonizar a parede rumenal dos bovinos, os microrganismos atingem o sistema circulatório

porta até acessar o fígado, onde se instalam provocando infecção e formação de abscessos5,7,38.

Estudos realizados por Rezac et al.32 avaliaram aproximadamente vinte mil animais,

correlacionando as enfermidades pulmonares, hepáticas e rumenais com o objetivo de avaliar

essas lesões com o desempenho dos animais. O grande desafio foi realizar esse procedimento

por meio diagnóstico macroscópico e na mesma velocidade da linha normal de abate dos

frigoríficos nos Estados Unidos da América. O resultado mostrou que existe relação entre as

lesões do rúmen e do fígado. As lesões de abscesso hepático foram classificadas em seis

escores, A-, A, A+, A+A, A+O e A+AO (Quadro 1). Dos animais avaliados, 32% apresentaram

lesões no rúmen e abscessos hepáticos, enquanto que dos animais com o rúmen normal apenas

19% apresentaram abscessos hepáticos32.

Page 28: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

12

QUADRO 1 – Classificação em escores das lesões causadas por abscesso hepático.

Escores Descrição dos escores

A- Fígados com 1 ou 2 abscessos, menores que 2 centímetros, cicatrizes curadas

A Fígados com 2 a 4 abscessos, com 2 a 4 cm de diâmetro

A+ Fígados com pelo menos 1 abscesso maior que 4 cm de diâmetro ou mais que 4

abscessos com mais de 2 cm de diâmetro

A+A Abscessos aderidos ao diafragma, outros órgãos ou cavidade abdominal

A+O Abscessos rompidos ou que sejam a principal razão da condenação de outros órgãos ou

da carcaça

A+AO Fígados com aderência e abscessos rompidos

Fonte: Rezac et al.32

É possível fazer uma simulação dos prejuízos causados pelo descarte de fígado

promovidos nos frigoríficos se usarmos como exemplo o trabalho publicado por Vechiato et

al.4. Os autores fizeram um estudo retrospectivo em frigoríficos do Serviço de Inspeção Federal

(SIF), por um período de cinco anos, e verificaram que foi condenado 4,37% dos fígados dos

animais abatidos4. Considerando essa taxa de condenação e o fato de que em 2016 o SIF abateu

no Brasil 24.293.239 bovinos40, pode-se inferir que apenas no ano de 2016, foram condenados

aproximadamente 1.061.614 fígados. Como o fígado bovino pesa em torno de cinco

quilogramas13 e considerando que um quilograma de fígado no comércio brasileiro é vendido

por aproximadamente R$6,00 (U$1,85), pode apontar que o prejuízo causado, apenas pelas

condenações de fígados pelo SIF, foi de R$31.848.420,00 (U$9.802.530,00) no ano de 2016.

2.3. ASPECTOS MORFOFUNCIONAIS DOS DÍGITOS EM BOVINOS, LAMINITE E

ENFERMIDADES PODAIS ASSOCIADAS

2.3.1. Anatomia dos dígitos

Os dígitos dos bovinos correspondem às extremidades dos membros locomotores,

estendendo-se do carpo ou tarso até as falanges distais dos dedos (III e IV) que são separados

em dígitos mediais e laterais. Nos membros pélvicos, os dígitos laterais são maiores por

suportarem um maior peso, sendo que nos membros torácicos ocorre o inverso. Possuem ainda

os paradígitos ou dígitos rudimentares, correspondendo ao II e V dedos41.

A área de união entre a pele e o casco denomina-se perioplo, seguida da banda

coronária e da muralha do casco, sendo essa subdividida em dorsal ou face cranial, axial ou

Page 29: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

13

face medial e abaxial ou face lateral. A parte inferior de apoio é denominada sola e está disposta

do lado interno da borda que suporta o peso do animal, sendo separada da muralha pela linha

branca9. O estojo córneo dos dígitos, também denominado cápsula digital ou casco é constituído

de tecido epidérmico queratinizado, que por sua vez pode ser dividido em partes conforme sua

constituição, localização e função. A muralha, talão, sola, bulbo do talão, linha branca e pinça,

fazem parte dessas estruturas41,42 (Figura 3).

FIGURA 3 - Estruturas externas do estojo córneo. Em (A – 1) muralha abaxial entre as setas: amarela e

azul, (A – 2) muralha dorsal entre as setas: azul e amarela. Em (B), entre as setas amarelas

observa-se a linha branca, no quadrado azul o bulbo do talão, (B – 1) região pré-bulbar da

sola, (B – 2) região subapical da sola, (B – 3) região apical da sola.

Fonte: Assis42.

2.3.2. Laminite em bovinos e enfermidades associadas

A laminite é uma enfermidade podal de etiologia multifatorial e pode-se

desencadear como consequência de um quadro de acidose aguda ou subaguda, provocado por

balanceamentos inadequado de carboidratos não estruturais e fibras. A patogenia da laminite

pode ocorrer pela ação de substâncias vasoativas como a histamina e endotoxinas, que são

liberadas no rúmen após queda de pH. Essas substâncias alteram a microvascularização do

dígito, causam vasoconstrição e lesão do endotélio. As manifestações da laminite subclínica

podem ocorrer pela hemorragia de sola e sola descorada e amarelada, podendo também evoluir

para sola dupla, doença da linha branca, ulcera de sola, dentre outras lesões que podem ocorrer

como consequência da laminite8,9,43 (Figura 4). Estudos realizados por Attia44 identificaram a

Page 30: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

14

laminite como uma das sequelas mais comuns de animais com acidose subaguda, encontrando

23,33% de animais afetados44.

FIGURA 4 - Principais lesões diagnosticadas como sequelas da laminite sub-clínica. Em (A), sola dupla.

Em (B), hemorragia de sola difusa. Em (C), hemorragia de sola circunscrita. Em (D),

úlcera de sola. Em (E), úlcera de pinça. Em (F), doença da linha branca.

Fonte: Adaptado de Egger-Danner et al.45

2.3.3. Relação entre abscessos hepáticos e enfermidades podais

As enfermidades podais em bovinos estão relacionadas a causas multifatoriais, com

destaque para os aspectos genéticos, morfofuncionais, infecciosos, ambientais e nutricionais.

Nesse sentido, acredita-se que em animais confinados, uma das principais causas das

enfermidades digitais seja a acidose rumenal8,46,47. Esse distúrbio metabólico pode desencadear

as rumenites, os abscessos hepáticos, infecções pulmonares, infecções renais, sintomas

neurológicos48 e a laminite, que na maioria das vezes evolui para a ulcera de sola49. A acidose

metabólica favorece o desenvolvimento de bactérias gram-negativas anaeróbias como o

Page 31: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

15

Fusobacterium necrophorum, que geralmente pode ser isolado das áreas de inflamação e nas

enfermidades podais em bovinos38,50. Com o objetivo de prevenir essas infecções, pesquisas

tem sido direcionadas para desenvolver vacinas contra o F. necrophorum, a fim de reduzir os

casos de abscessos hepáticos e enfermidades podais50-53.

Page 32: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

16

REFERÊNCIAS

1. Fernandes JJR, Pires AV, Oliveira Júnior RC, Santos FAP, Susin I, Carvalho ER. Farelo

de soja em substituição à ureia em dietas para bovinos de corte em crescimento. Ciênc.

Anim. Bras. 2009; 10: 373-78.

2. Frescura RBM, Pires CC, Rocha MG, Silva JHS, Muller L. Sistemas de alimentação na

produção de cordeiros para abate aos 28kg. R. Bras. Zootec. 2005; 34(4): 1267-77.

3. Neto JAS, Oliveira VS, Santos ACP, Valença RL. Distúrbios metabólicos em ruminantes-

uma revisão. Rev. Bras. Hig. San. Anim. 2014; 8(4): 157-86.

4. Vechiato TAF, Maschio W, Bom LC, Lopes PD, Ortolani EL. Estudo retrospectivo de

abscessos hepáticos em bovinos abatidos em um frigorífico paulista. Bras. J. Vet. Anim.

Sci. 2011; 48(5): 384-91.

5. Nagaraja TG, Lechtenberg KF. Liver abscesses in feedlot catlle. Vet. Clin. Food Anim.

2007; 23: 351-69.

6. Tadepalli S, Narayanan SK, Stewart GC, Chengappa MM, Nagaraja TG. Fusobacterium

necrophorum: A ruminal bacterium that invades liver to cause abscesses in cattle.

Anaerobe. 2009; 15: 36-43.

7. Nagaraja TG, Narayanan SK, Stewart GC, Chengappa MM. Fusobacterium necrophorum

infections in animals: Pathogenesis and pathogenic mechanisms. Anaerobe. 2005; 11: 239-

46.

8. Nocek, JE. Bovine acidosis: implications on laminitis. J Dairy Sci. 1997; 80: 1005-28.

9. Greenough PR. Bovine laminits and lamenes: a Hands on approach. St. Louis: Saunders

Elsevier, 2007, 311p.

10. Radostits OM, Gay CC, Hinchcliff KW, Constable PD. Veterinary medicine. 3 ed. St.

Louis: Elsevier, 2007, 2156p.

11. Narayanan S, Nagaraja TG, Okwumabua OGI, Staats J, Chengappa MM, Oberst RD.

Ribotyping to compare Fusobacterium necrophorum isolates from bovine liver abscesses,

ruminal walls, and ruminal contents. Appl. Environ. Microbiol. 1997; 63(12): 4671-78.

12. Owens FN, Secrist DS, Hill WJ, Gill DR. Acidosis in cattle: a review. J. Anim. Sci. 1998;

76: 275-86.

13. Habel RE. Sistema digestivo do ruminante. In Getty R, Grossman S. Anatomia dos animais

domésticos. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1986, 858p.

14. Konig HE, Sautet J, Liebich HG. Digestive system. In Konig HE, Liebich HG. Veterinary

Anatomy of Domestic Mammals. Stuttgart: Schattauer GmbH, 2004, 277-342.

15. Popesko, P. Atlas de anatomia topográfica dos animais domésticos. 5ª ed. São Paulo:

Manole, 2012. 605p.

16. Chen Y, Oba M, Guan LL. Variation of bacterial communities and expression of Toll-like

receptor genes in the rumen of steers differing in susceptibility to subacute ruminal

acidosis. Vet. Microbiol. 2012; 159: 451-59.

17. Kozloski GV. Bioquímica dos ruminantes. Santa Maria: Ed. da UFMS, 2011, 216p.

Page 33: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

17

18. Allison MJ. Microbiologia do rúmen e dos intestinos delgado e grosso. In Swenson MJ.

Dukes fisiologia dos animais domésticos. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1988, 782p.

19. Edwards JE, Huws SA, Kim EJ, Lee MRF, Kingston-Smith AH, Scollan ND. Advantages

in microbial ecosystem concepts and their consequences for ruminal agriculture. Animal.

2008; 2(5): 653-60.

20. Garrett EF, Pereira MN, Nordlund KV, Armentano LE, Goodger WJ, Oetzel GR.

Diagnostic methods for the detection of subacute ruminal acidosis in dairy cows. J. Anim.

Sci. 1999; 82: 1170-78.

21. Cooper RJ, Klopfenstein TJ, Stock RA, Hilton CA, Herold DW, Parrott JC. Effects of

imposed feed intake variation on acidosis and performance of finishing steers. J. Anim.

Sci. 1999; 77: 1093-99.

22. Beauchemin KA, Eriksen L, Norgaard P, Rode LM. Short communication: salivary

secretion during meals in lactating dairy catlle. J. Dairy Sci. 2008; 91: 2077-81.

23. González LA, Manteca X, Calsamiglia S, Schwartzkopf GKS, Ferret A. Ruminal acidosis

in feedlot cattle: Interplay between feed ingredients, rumen function and feeding behavior.

Anim. Feed Sci. Technol. 2012; 172: 66-79.

24. Allen MS. Relationship between fermentation acid production in the rumen and the

requirement for physically effective fiber. J. Dairy Sci. 1997; 80: 1447-62.

25. Plaizier JC, Khafipour E, Li S, Gozho GN, Krause DO. Subacute ruminal acidosis (SARA),

endotoxins and health consequences. Anim. Feed Sci. Technol. 2012; 172: 9-21.

26. Russell JB, Hino T. Regulation of lactate production in Streptococcus bovis: A spiraling

effect that contributes to rumen acidosis. J. Dairy Sci. 1985; 68: 1712-21.

27. Rebhun WC. Doenças do gado leiteiro. São Paulo: Roca, 2000, 642p.

28. Calsamiglia S, Blanch M, Ferret A, Moya D. Is subacute ruminal acidosis a pH related

problem? Causes and tolls for its control. Anim. Feed. Sci. Technol. 2012; 172: 42-50.

29. Nagaraja, TG, Lechtenberg KF. Acidosis in feedlot catlle. Vet. Clin. Food Anim. 2007; 23:

333-50.

30. Goad DW, Goad CL, Nagaraja TG. Ruminal microbial and fermentative changes

associated with experimentally induced subacute acidosis in steers. J Anim. Sci. 1998; 76:

234-41.

31. Plaizier JC, Kraus DO, Gozho GN, McBride BW. Subacute ruminal acidosis in dairy cows:

the physiological causes, incidence and consequences. Vet. J. 2009; 176(1): 21-31.

32. Rezac DJ, Thomson DU, Bartle SJ, Osterstock JB, Prouty FL, Reinhardt CD. Prevalence,

severity, and relationships of lung lesions, liver abnormalities, and rumen health scores

measured at slaughter in beef cattle. J. Anim. Sci. 2014; 92: 2595-602.

33. Blood DC, Henderson JA. Medicina Veterinária. México: Nueva Editorial Interamericana,

1976, 1008p.

34. Doré E, Fecteau G, Hélie P, Francoz D. Liver abscesses in holstein dairy cattle: 18 cases

(1992-2003). J Vet Intern Med. 2007; 21: 853-56.

Page 34: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

18

35. Mendes RE, Pilati C. Estudo morfológico de fígado de bovinos abatidos em frigoríficos

industriais sob inspeção estadual no Oeste e no Planalto de Santa Catarina, Brasil. Cienc.

Rural. 2007; 37(6): 1728-34.

36. Barducci RS, Sarti LMN, Millen DD, Pacheco RDL, Martins CL, Arrigoni MDB.

Incidência de ruminite e abscesso hepático em bovinos jovens confinados alimentados com

dietas contendo aditivos alimentares. Rev. Bras. Saúde Prod. Anim. 2015; 16(1): 161-69.

37. Brink DR, Lowry SR, Stock RA. Severity of liver abscesses and efficiency of feed

utilization of feedlot cattle. J. Anim. Sci. 1990; 68: 1201-07.

38. Tadepalli S, Narayanan SK, Stewart GC, Chengappa MM, Nagaraja TG. Fusobacterium

necrophorum: A ruminal bacterium that invades liver to cause abscesses in cattle.

Anaerobe. 2009; 15: 36-43.

39. Tan ZL, Nagaraja TG, Chengappa MM. Fusobacterium necrophorum infections: virulence

factors, pathogenic mechanism and control measures. Vet. Res. Commun. 1996; 20: 113-

40.

40. Brasil. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Dados de abate 2016. [acesso

15 abr 2017]. Disponível em:

http://sigsif.agricultura.gov.br/sigsif_cons/!ap_abate_estaduais_cons?p_select=SIM

41. Schaller O. Nomenclatura anatômica veterinária. São Paulo: Manole, 1999, 614p.

42. Assis BM. Histomorfometria, microtomografia bidimensional e tridimensional, teste de

nanodureza e composição bioquímica do estojo córneo de bubalinos. [Dissertação].

Goiânia: Universidade Federal de Goiás, Escola de Veterinária e Zootecnica; 2015.

43. Lean IJ, Westwood CT, Golder HM, Vermunt JJ. Impact of nutrition on lameness and claw

health in cattle. J. Liv. Sci. 2013; 156: 71-87.

44. Attia NE. Subacute ruminal acidosis in feedlot: incidence, clinical alterations and its

sequelae. Adv. Anim. Vet. Sci. 2016; 4(10): 513-17.

45. Egger-Danner, C., Nielsen, P., Fiedler, A., Müller, K., Fjeldaas, T., Döpfer, D., Daniel, V.,

Bergsten, C., Cramer, G., Christen, A.-M., Stock, K. F., Thomas, G., Holzhauer, M.,

Steiner, A., Clarke, J., Capion, N., Charfeddine, N., Pryce, J.E., Oakes, E., Burgstaller, J.,

Heringstad, B., Ødegård, C. and J. Kofler. ICAR Claw Health Atlas, 2015. [acesso 22 abr

2017]. Disponível em: http://www.icar.org/Documents/ICAR_Claw_Health_Atlas.pdf.

46. Silva LAF, Silva LM, Romani AF, Rabelo RE, Fioravanti MCS, Souza TM, Silva CA.

Características clínicas e epidemiológicas das enfermidades podais em vacas lactantes do

município de Orizona – GO. Ciênc. anim. bras. 2001; 2(2): 119-26.

47. Bicalho RC, Machado VS, Caixeta LS. Lameness in dairy cattle: A debilitating disease or

a disease of debilitated cattle? A cross-sectional study of lameness prevalence and

thickness of the digital cushion. J. Dairy. Sci. 2009; 92: 3175-84.

48. Hernández J, Benedito JL, Abuelo A, Castillo C. Ruminal acidosis in feedlot: From

aetiology to prevention. Scientific World J. 2014; article ID 702572 [acesso 01 mai 2017].

Disponível em: http://dx.doi.org/10.1155/2014/702572.

49. Xu Y, Ding Z. Physiological, biochemical and histopathological effects of fermentative

acidosis in ruminant production: a minimal review. Span J Agric Res. 2011; 9(2): 414-22.

Page 35: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

19

50. Checkley SL, Janzen ED, Campbell JR, Mckinnon JJ. Efficacy of vaccination against

Fusobacterium necrophorum infection for control of liver abscesses and footrot in feedlot

cattle in western Canada. Can. Vet. J. 2005; 46:1002-07.

51. Liem A, Anderson A, Stine DL, inventor; Novartis Animal Health (United States).

Fusobacterium necrophorum vaccine and method for making such vaccine. United States.

US 6,632,439 B2. 2003 Oct 14.

52. Morck DW, Olson ME, inventor; University Technologies International (Canada). Bovine

footrot treatment and prevention. Canada. CA 2300958 A1. 1999 Mar 18.

53. Cracium G, Martin D, Togoe I, Tudor L, Manaila E, Ighigeanu D, Matei C. Vaccine

preparation by radiation processing. JMPEE. 2009; 43(2): 65-70.

Page 36: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

20

CAPÍTULO 2 – INTER-RELAÇÃO ENTRE PROBLEMAS RUMENAIS, ABSCESSOS

HEPÁTICOS E ALTERAÇÕES PODAIS EM BOVINOS

The interrelation of rumenal problems, liver abscesses and claw lesions in bovine

RESUMO

O uso de dietas ricas em carboidratos altamente fermentáveis e com baixos teores de fibras

pode ocasionar um desequilíbrio entre a produção e remoção de ácidos graxos voláteis no

rúmen, com consequente acidose rumenal. Esse problema pode resultar em lesões na parede do

rúmen, predispondo a colonização e multiplicação de bactérias, evoluindo com frequência para

rumenite, formação de abscessos hepáticos e enfermidades podais. O presente estudo objetivou

inter-relacionar na avaliação post mortem, a ocorrência de rumenite, abscesso hepático e

enfermidades podais em bovinos confinados. Foram avaliados 1060 bovinos de corte pelos

exames, ante mortem e exames post mortem dos dígitos, fígado e rúmen. Os resultados das

avaliações foram classificados de forma binária, sendo considerada a ausência ou presença de

lesão, e os dados foram analisados pelo teste de qui-quadrado, com nível de significância de

5%, para avaliar os pares de lesões. Foram encontradas 328 lesões em 300 (28,3%) bovinos,

sendo 88 (8,3%) com enfermidades podais, dez (0,9%) com abscessos hepáticos e 230 (21,7%)

com rumenite. Nenhum dos animais apresentou as três lesões simultaneamente. Dentre esses

diagnósticos, 28 bovinos apresentaram duas destas enfermidades, sendo 26 (2,45%) com lesões

tanto no rúmen quanto nos cascos e dois (0,19%) com lesão rumenal e abscesso hepático. Não

houve inter-relação na avaliação post mortem, entre a ocorrência de rumenite, abscesso hepático

e enfermidades podais em bovinos da raça Nelore, manejados a pasto durante a cria e recria e

em sistema de confinamento na fase de terminação.

Palavras-chave: acidose rumenal, bovinos, enfermidade podais, fígado, rúmen

Page 37: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

21

ABSTRACT

The use of high-grain and low-fiber diets may cause an unbalance between the production and

removal of volatile fatty acids in the rumen leading to a ruminal acidosis. Ruminal acidosis may

result in lesions in the ruminal walls, contributing for the colonization and multiplication of

bacteria, frequently leading to liver abscesses, rumenitis and claw lesions. This paper aims at

describing the interrelation among liver abscesses, ruminal and claw lesions of bovine in a post

mortem evaluation. 1060 beef bovine had their rumen, liver and claw ante mortem and post

mortem evaluated. The outcome was showed in a binary result: with or without a lesion.

Statistical analysis were performed using Pearson´s Qui-square with a significance level of 5%.

328 lesions were found in 300 bovine (28.3%), that is, 88 (8.3%) had claw lesion, 10 (0.9%)

showed liver abscesses and 230 (21.7%) presented rumenitis. None of the animals was

simultaneously diagnosed with the three aforementioned lesions. 28 presented two different

lesions: 26 (2.45%) had ruminal and claw lesions while 2 (0.19%) showed rumenal lesion and

liver abscess. The post mortem evaluation showed no interrelation of occurrence among

rumenitis, liver abscess and claw lesion in Nelore bovine raised on a pasture up to 90 days

before slaughter.

Keywords: ruminal acidosis, cattle, podal diseases, liver, rumen

Page 38: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

22

Introdução

Com o desenvolvimento e avanços tecnológicos impostos à bovinocultura de corte

brasileira, o uso de dietas ricas em carboidratos altamente fermentáveis e com baixos teores de

fibras tornou-se uma ferramenta indispensável à exploração máxima do potencial genético dos

rebanhos. Essa prática norteia ações que buscam o aumento da produtividade, qualidade e a

redução dos custos nos diferentes sistemas de produção de bovinos. Apesar do progresso obtido,

o sucesso dos criatórios não ficou impune, particularmente porque o desenvolvimento pode

resultar em doenças de grande impacto econômico, incluindo os distúrbios metabólicos como

a acidose rumenal, laminite e as indigestões. A acidose rumenal, também denominada acidose

lática é uma enfermidade digestiva que, habitualmente, ocorre em ruminantes não adaptados a

ingestão de concentrados.

Diante desse cenário, o consumo de grande quantidade de carboidratos solúveis

pode ocasionar um desequilíbrio entre a produção de ácidos graxos voláteis (AGVs) e remoção

desses pelo epitélio rumenal1, resultando em acidose rumenal. Esse problema pode resultar em

lesões na parede do rúmen, predispondo a colonização e multiplicação de bactérias, evoluindo

com frequência para a formação de abscessos hepáticos e rumenite. Acredita-se que ao

colonizar a parede rumenal dos bovinos, os microrganismos atinjam o sistema circulatório porta

e podem acessar o fígado, provocando infecção e formação de abscessos hepáticos2-5. Contudo,

essas lesões ainda podem ser consequência de outras enfermidades que afetam os diversos

órgãos dos bovinos6. Como, muitas vezes, os abscessos hepáticos ocorrem de forma silenciosa,

os sinais clínicos indicativos decorrentes de lesão somente podem ser evidenciados quando o

órgão apresenta três quartos de seu parênquima comprometido, pois a reserva funcional que

essa estrutura anatômica possui é substancial6.

Alguns pesquisadores propuseram estudar as manifestações clínicas em animais

portadores de abscessos hepáticos e concluíram que os sinais clínicos são vagos e não

conclusivos7. Esses mesmos estudiosos afirmaram também que o exame post mortem dos

bovinos apresentou-se como metodologia mais eficiente no diagnóstico das lesões hepáticas7.

Comumente as infecções que originam os abscessos hepáticos são causadas por

microrganismos anaeróbios, sendo comum isolar mais de um agente etiológico8,9. Estudos

analisaram a microbiota presente nos abscessos hepáticos e concluíram que o Fusobacterium

necrophorum (F. Necrophorum) apresenta-se como o principal agente infeccioso nesses casos.

Em análise da microbiota rumenal, estudos evidenciaram que existe uma maior concentração

do F. necrophorum em dietas com maior uso de carboidratos altamente fermentáveis, quando

Page 39: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

23

comparadas com dietas contendo elevados teores de fibras3. Acrescente-se que os

microrganismos encontrados nos abscessos hepáticos podem desencadear algumas doenças

podais de natureza infecciosas, com destaque para a pododermatite séptica e dermatite digital.

Apesar da laminite clínica e subclínica ter relação com a acidose rumenal, é possível que apenas

suas sequelas contam com a participação de alguns desses microrganismos10-12.

Os bovinos portadores de abscessos hepáticos podem ter seu ganho em peso

comprometido em até 11%, tendo sua conversão alimentar afetada em até 9,7%8,9. Logo,

acredita-se que lesões decorrentes de rumenites podem culminar em abscessos hepáticos e

doenças podais, causando prejuízos diretos e indiretos, seja pelo comprometimento no ganho

em peso e conversão alimentar, descarte do fígado por ocasião do abate ou mesmo devido à

morte do animal em consequência de peritonite9. Como os métodos de diagnóstico das doenças

que acometem os bovinos, frequentemente, se baseiam em avaliações clínicas, para se analisar

os abscessos hepáticos e suas implicações é preciso empregar métodos de diagnósticos

complementares tanto in vivo como post mortem. Logo, a realização de exames laboratoriais,

em alguns casos, poderia ser utilizada como uma avaliação acessória no ritual de abate,

fiscalização e processamento dos produtos dentro da indústria de carnes.

O presente estudo objetivou inter-relacionar na avaliação post mortem, a ocorrência

de rumenite, abscesso hepático e enfermidades podais em bovinos da raça Nelore, manejados a

pasto durante a cria e recria e em sistema de confinamento durante a terminação.

Material e Métodos

O experimento foi realizado em um matadouro frigorífico de bovinos sob Serviço

de Inspeção Federal (SIF), localizado no Estado de Goiás, entre os meses de julho a dezembro

de 2016. Todas as avaliações obedeceram aos preceitos éticos em experimentação animal e

foram aprovadas pela comissão de ética no uso de animais da Universidade Federal de Goiás,

protocolo número 071/15. A escolha da empresa frigorífica fundamentou-se na disponibilidade

dos proprietários do estabelecimento em autorizar a pesquisa e pelo abate rotineiro de bovinos

confinados após concluir a fase de terminação. O número médio de animais abatidos é de

aproximadamente 800 animais por dia, portanto um número expressivo para se avaliar a

ocorrência de abscessos hepáticos, rumenite e doenças podais. A época escolhida para

acompanhar o abate foi determinada pelo histórico do frigorífico, sendo o segundo semestre o

período em que são destinados ao abate um número substancial de bovinos oriundos de sistemas

Page 40: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

24

de confinamentos. Nesse cenário, seria possível utilizar bovinos do mesmo sexo, oriundos de

um único sistema de produção e mesmo grupo contemporâneo.

Foram avaliados 1060 bovinos de corte, manejados na fase de terminação em

sistema de confinamento e oriundos de um mesmo criatório. Os animais eram machos, da raça

Nelore, com idade entre 20 e 30 meses. Todos os bovinos foram mantidos neste sistema por um

período médio de 70 dias, sendo previamente realizada adaptação dos animais por um período

médio de 21 dias com uma dieta contendo os mesmos ingredientes, só que em proporções

diferentes. A dieta disponibilizada aos animais no período de adaptação era composta por uma

ração farelada à base de milho seco moído grosso, torta de algodão, farelo de soja e núcleo

mineral (77,5% da dieta) e bagaço de cana com 75% de Fibra Detergente Neutro – FDN (22,5%

da dieta). Após a adaptação, os mesmos ingredientes eram ajustados para a ração farelada

participar com 88% da composição da dieta e 12% era composto por bagaço de cana com 75%

de FDN. O acompanhamento do abate foi dividido em quatro momentos, o exame ante mortem,

os exames post mortem dos pés (linha “A”), post mortem do fígado (linha “E”) e a avaliação do

rúmen na bucharia, conforme metodologia de inspeção preconizada pelo MAPA13.

No exame ante mortem foi realizada avaliação geral dos animais nos currais de

chegada do frigorífico. À ocasião foram selecionados os bovinos quanto à raça, sexo, grupo

contemporâneo e propriedade. Essa avaliação fundamentou-se na análise do documento oficial

denominado Guia de Transito Animal – GTA. Ao final do abate, foi realizado contato com o

proprietário com a finalidade de confirmar as informações e obter dados adicionais, como o

balanceamento da dieta fornecida diariamente aos bovinos de cada lote e período de

confinamento. Essas informações foram catalogadas e usadas para complementar as análises.

A linha “A” foi o primeiro ponto de inspeção post mortem dos animais. O serviço

contava com o auxílio de um veterinário e um auxiliar da área. No local, removiam as quatro

extremidades distais dos membros locomotores e as colocavam sobre a mesa de inspeção,

garantindo a correlação com a carcaça correspondente13. Nesse momento, as peças eram

avaliadas quanto à ausência ou presença de lesão podal, incluindo laminite, pododermatite

séptica, fissura da unha, dermatite digital, dermatite interdigital, úlcera de sola, erosão de estojo

córneo, flegmão interdigital e doença da linha branca. Em um segundo momento, na linha “E”,

o médico veterinário e o auxiliar de área, recebiam o fígado disposto em uma mesa para a

inspeção. Imediatamente, realizavam o exame visual órgão, seguida por palpação e corte,

quando necessário13. Todas as lesões encontradas eram registradas e correlacionadas com a

numeração da carcaça do animal, incluindo lesões por cirrose, cisticercose, fasciolose,

hidatidose, peri-hepatite e teleangiectasia. Contudo, somente foram considerados neste estudo

Page 41: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

25

os abscessos hepáticos únicos ou múltiplos, independentemente do tamanho e localização no

órgão.

As estruturas anatômicas digestórias, incluindo o retículo, rúmen, omaso e

abomaso, eram identificadas com lápis específico para essa marcação, imediatamente após

chegarem às mesas de inspeção. As marcações correlacionavam a víscera com a carcaça

correspondente e, na sequência, após a marcação, os órgãos eram desviados por uma estrutura

de aço-inox, que direcionava o órgão por gravidade, da sala de abate para a bucharia primeira

fase. Ao chegarem à bucharia, essas eram organizadas em sequência numérica, para a realização

dos procedimentos rotineiros de esvaziamento, pendura e limpeza. Em seguida, um médico

veterinário realizava a avaliação macroscópica da mucosa interna do rúmen. Qualquer alteração

na coloração, no aspecto das papilas ou na presença de fibrose, hiperqueratose, ulceras,

neoplasias ou abscessos eram registradas como lesões rumenais, classificando os rumens com

presença ou ausência de lesões. Todas as lesões foram registradas em planilhas para serem

correlacionadas com as lesões encontradas na linha “A” e linha “E”.

Os resultados das avaliações dos cascos, fígado e rúmen foram classificados de

forma binária, sendo considerada a ausência ou presença de lesão. Os dados foram analisados

pelo teste de qui-quadrado, com nível de significância de 5%, para avaliar os pares de lesões14.

Resultados

A inspeção dos animais, certificação do documento de GTA e o contato com a

propriedade de origem foram fundamentais para assegurar o grupo, manejo alimentar, raça,

idade, dieta e se todos os animais eram oriundos de um mesmo criatório.

Na inspeção dos cascos na Linha “A”, constatou-se que 88 (8,3%) animais

apresentaram algum tipo de lesão podal, incluindo pododermatite séptica, fissura da unha,

dermatite digital, dermatite interdigital, úlcera de sola, erosão de estojo córneo e flegmão

interdigital, enquanto 972 (91,7%) não apresentaram qualquer tipo de lesão aparente. Na

inspeção do fígado na Linha “E” foram diagnosticados dez (0,9%) casos de abscessos hepáticos

e um total de 1050 (99,1%) bovinos que não apresentaram a enfermidade. Na inspeção da

mucosa rumenal foi verificada lesões em 230 (21,7%) animais, sendo a hiperemia,

hiperqueratose e ulceras as principais alterações encontradas, enquanto que 830 (78,3%) não

apresentavam lesões macroscópicas (Tabela 1).

Page 42: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

26

Tabela 1 – Inspeção post mortem, avaliando a presença ou ausência de enfermidades podais, abscessos

hepáticos e lesões rumenais em bovinos com idade entre 20 e 30 meses, raça Nelore,

manejados na fase de terminação em sistema de confinamento, abatidos no ano de 2016, em

um frigorífico no Estado de Goiás. Inspeção Resultado Nº de animais Porcentagem do nº de animais

Casco Sem lesão 972 91,7%

Com lesão 88 8,3%

Fígado Sem abscesso 1050 99,1%

Com abscesso 10 0,9%

Rúmen Sem lesão 830 78,3%

Com lesão 230 21,7%

TOTAL 1060 100

Verificou-se que na inspeção post mortem dos 1060 animais avaliados, foram

diagnosticados 300 (28,3%) bovinos com presença de enfermidades podais, abscessos

hepáticos ou rumenite. Dentre esses diagnósticos, 28 bovinos apresentaram duas destas

enfermidades, contudo nenhum desses animais apresentou as três lesões simultaneamente

(Figura 1).

FIGURA 1 – Distribuição dos 300 bovinos com idade entre 20 e 30 meses, raça Nelore, manejados na

fase de terminação em sistema de confinamento, abatidos no ano de 2016, com

diagnóstico positivo para enfermidades podais, abscesso hepático ou rumenite,

encontradas na inspeção post mortem em um frigorífico no Estado de Goiás.

Ao avaliar, separadamente, as enfermidades rumenais e lesões podais do total de

1060 bovinos, 26 (2,45%) apresentaram lesões tanto no rúmen quanto nos cascos, 62 (5,85%)

animais apresentaram apenas lesões podais e 204 (19,25%) apresentaram lesão rumenal. Não

230

88

100

26

0 2

21,7

8,3

0,90

2,45

0 0,19 0

5

10

15

20

25

0

50

100

150

200

250

Lesões rúmen Lesões casco Abscesso

hepático

Lesão Casco

+ Abscesso

hepático +

Lesão Rúmen

Lesão Casco

+ Lesão

Rúmen

Lesão Casco

+ Abscesso

hepático

Lesão Rúmen

+ Abscesso

hepático

Po

rcen

tagem

de

anim

ais

Lesões isoladas ou associadas em um mesmo animal

Distribuição das enfermidades encontradas - casco, fígado e rúmen

Nº de animais Porcentagem

Page 43: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

27

houve diferença estatística (p>0,05) entre os bovinos que apresentaram lesões rumenais e

podais daqueles que não apresentaram lesões ou apresentaram apenas uma das lesões (Tabela

2).

Ao confrontar as enfermidades rumenais com a ocorrência de abscessos hepáticos

dos 1060 bovinos, apenas dois (0,19%) apresentaram lesão rumenal e abscesso hepático, oito

(0,75%) animais apresentaram apenas abscesso hepático e 228 (21,51%) apresentaram lesão

rumenal. Não houve diferença estatística (p>0,05) entre os bovinos que apresentaram lesões

rumenais e abscesso hepático daqueles que apresentaram apenas abscesso hepático ou apenas

lesão rumenal ou não apresentaram nenhuma das duas enfermidades (Tabela 2).

Dos 1060 bovinos avaliados, nenhum apresentou abscesso hepático e lesão nos

cascos simultaneamente. Destes animais, 88 (8,30%) apresentaram algum tipo de enfermidade

nos cascos e dez (0,94%) apresentaram abscesso hepático. Não houve diferença estatística

(p>0,05) entre os bovinos que apresentaram abscesso hepático ou lesões nos cascos daqueles

que não apresentaram nenhuma das duas enfermidades (Tabela 2).

Tabela 2 - Análise da inter-relação entre duas enfermidades distintas, rúmen x casco, rúmen x fígado e

fígado x casco, em bovinos manejados na fase de terminação em sistema de confinamento,

abatidos no ano de 2016, em um frigorífico no Estado de Goiás.

Inter-relação entre duas lesões distintas

Rúmen x Casco

Casco com lesão Casco sem lesão Valor de P

Rúmen com lesão 26 (2,45%) 204 (19,25%) 0,08363

Rúmen sem lesão 62 (5,85%) 768 (72,45%)

Rúmen x Fígado

Fígado com abscesso Fígado sem abscesso Valor de P

Rúmen com lesão 2 (0,19%) 228 (21,51%) 0,99999

Rúmen sem lesão 8 (0,75%) 822 (77,55%)

Fígado x Casco

Casco com lesão Casco sem lesão Valor de P

Fígado com abscesso 0 10 (0,94%) 0,99999

Fígado sem abscesso 88 (8,30%) 962 (90,76)

p>0,05 estatisticamente significativo

Discussão

A ausência de animais apresentando, simultaneamente, lesões podais, abscesso

hepático e rumenite, pode ser decorrente do manejo que os animais foram submetidos antes do

confinamento. Nas propriedades rurais brasileiras, ainda que os bovinos de corte recebam

Page 44: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

28

alguma suplementação até a idade da terminação, essa prática, por não ser rotineira, não deve

resultar em acidose rumenal intensa o suficiente para desencadear alterações expressivas na

parede rumenal, proporcionando condições para que o F. Necrophorum migre até o fígado e

cascos. Também não se pode negligenciar que até a idade da terminação, os animais são

manejados a pasto, deduzindo-se que esse manejo pouco influencia o pH rumenal e, portanto,

dando sustentação aos achados do presente estudo. Em um estudo empregando 212 bovinos

utilizados em touradas foram encontrados 28% de animais com lesões de casco, 8% com

abscesso hepático e 82% de bovinos com lesões rumenais, mas não foi avaliada a ocorrência

simultânea dessas alterações. Contudo, os autores afirmaram que esses resultados seriam

similares para os bovinos de corte, criados exclusivamente para o abate15. Como a percentagem

de lesões encontradas no presente estudo foi muito inferior às descritas pelos autores, supõe-se

que os animais de tourada permanecem mais tempo confinados e, portanto, submetidos à

acidose rumenal.

Ainda ponderando sobre os achados observados neste trabalho, particularmente as

lesões rumenais, a ocorrência pouco expressiva dessas alterações, pode ter relação com a

adaptação alimentar realizada no período pré-confinamento. Esse manejo permite a adaptação

da microbiota rumenal à mudança alimentar16, por conseguinte, minimiza os efeitos nocivos da

acidose rumenal sobre a parede do órgão. Acrescente-se que o curto período de confinamento

e a dieta baseada em bagaço de cana com 75% de FDN compondo 12% da dieta, também pode

ter minimizado a ocorrência de tais lesões. Ao contrário do que acontece com bovinos

submetidos a dieta de alto grão17,18, é possível que a acidose rumenal instalada nos animais do

presente estudo, não foi suficiente para um comprometimento substancial da microbiota

rumenal e, consequentemente, o favorecimento à proliferação do F. Necrophorum. A acidose

rumenal prolongada pode provocar danos irreparáveis à parede rumenal e favorecer a

proliferação de bactérias anaeróbias, em especial o F. Necrophorum. Esse microrganismo, na

presença de lesões na parede rumenal pode alcançar a corrente circulatória e se instalar no

fígado provocando abscessos2-4 e o desencadeamento da pododermatite séptica19,20. Barducci et

al.21 também avaliaram a mucosa interna do rúmen post mortem de 72 bovinos e verificaram

que as lesões rumenais não contribuíram para a incidência de abscessos hepáticos nos animais.

Esse resultado corrobora com os encontrados no presente estudo, ainda que, Nagaraja et al.22

afirmem que as lesões rumenais normalmente são fatores predisponentes para a ocorrência de

abscesso hepático em bovinos.

A baixa prevalência de abscessos hepáticos encontrada neste estudo também pode

estar relacionada ao sistema de criação de gado de corte adotado pelos produtores rurais do

Page 45: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

29

Brasil. Como a raça predominante nessas propriedades é a Nelore e a grande maioria é criada

em sistemas extensivos até poucos dias antes do abate, esses animais permanecem a pasto, em

um ambiente aberto e ventilado, com baixa lotação animal por hectare. Acrescente-se que a

etiologia do abscesso hepático também está relacionada aos problemas secundários que

acometem os bovinos, e aspectos multifatoriais como rumenites, onfalopatias, enfermidades

podais, pneumonias e infecções gerais que também poderiam desencadear o aparecimento desta

lesão6,21. Portanto, é de se esperar que os bovinos de corte no Brasil, sobretudo os zebuínos,

estão menos susceptíveis a esses problemas secundários que poderiam desencadear os

abscessos hepáticos, contribuindo para uma prevalência muito mais baixa, quando comparados

aos bovinos que estão sob regime de confinamento desde o nascimento. Diferente dos

resultados aqui observados, em um estudo retrospectivo realizado no Brasil, Vechiato et al.9

encontraram um percentual de 2,54% de condenações por abscesso hepático em bovinos

confinados e um total de condenações de fígado em abatedouros de 4,37%. Já nos Estados

Unidos da América, as condenações médias de fígado de bovinos criados em confinamentos

ficam em torno de 21%23.

A metodologia adotada para avaliação das lesões hepáticas foi exatamente a mesma

preconizada pelo serviço de inspeção oficial do Brasil13, consistindo em realizar uma avaliação

da presença ou ausência de abscesso no fígado. Essa opção foi fundamental para que as

atividades relacionadas a pesquisa não atrapalhassem a rotina do frigorífico, já que existe uma

resistência muito grande por parte da indústria em autorizar experimentos. Outros modelos

como o utilizado por Brink et al.8, que avaliaram lesões hepáticas empregando quatro escores,

sendo (0) para fígados sem lesões e (A-), (A) e (A+) para fígados com lesões, e de Rezac et al.24

que avaliaram lesões hepáticas classificando em sete escores, sendo um escore para fígados

normais e seis escores (A-, A, A+, A+A, A+O e A+AO) para fígados com lesões, também

merecem ser citados pois estes autores avaliaram a gravidade da lesão com o ganho de peso dos

animais. Todavia os autores não fizeram qualquer comentário sobre as intercorrências dessa

avaliação mais detalhada sobre a rotina de abate no frigorífico.

A prevalência das lesões de casco encontrada neste estudo não deve ser

negligenciada. Mas, como as enfermidades podais possuem origem multifatorial10, torna-se

difícil a determinação das causas deste problema, já que o experimento avaliou apenas os

animais ao chegarem no frigorífico. Entretanto, possivelmente essas lesões podais podem estar

relacionadas ao manejo dos animais nas propriedades e à dieta contendo uma alta concentração

de carboidratos não estruturais, utilizada na fase de terminação, apesar do curto período que os

animais permaneceram confinados. Foi possível perceber que, mesmo sem existir uma

Page 46: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

30

diferença estatisticamente significativa (p=0,08363), as lesões de casco diagnosticadas neste

estudo apresentaram uma correlação mais próxima às lesões rumenais. Attia25 identificou a

laminite como uma das sequelas mais comuns ao avaliar animais com acidose subaguda, mas

também não identificou uma diferença significativa para as enfermidades podais entre bovinos

com presença ou ausência de lesões rumenais, o que também pode ser observado no presente

estudo, já que numericamente a maior inter-relação de doenças ocorreu entre casco e rúmen.

Fjeldaas et al.26 também avaliaram a prevalência de enfermidades podais em bovinos

confinados e encontraram um resultado de 29,6%, valor muito superior quando comparado ao

encontrado nesta pesquisa. Esta discrepância de valores provavelmente existe pelo fato dos

bovinos avaliados neste estudo serem oriundos de um grande grupo empresarial que atua há

vários anos com sistemas de confinamento, contando com assistência técnica especializada.

Por último, considerando todas as informações analisadas e ponderando que o

sucesso do manejo de animais encaminhados ao abate é resultado de uma interação entre os

cuidados com nutrição, ambiente, conforto e manejo dos animais27, supõe-se então, que a

porcentagem de animais com doenças digitais que chegam aos abatedouros brasileiros é ainda

maior e que os prejuízos causados são ainda mais significativos para a agropecuária nacional.

No que se refere aos abscessos hepáticos, a baixa prevalência observada neste estudo,

possivelmente não reflete a realidade brasileira. Contudo, mesmo acreditando que a prevalência

média de abscessos no país é maior, os prejuízos causados por essa enfermidade não devem ser

negligenciados. Quanto as rumenites, igualmente poderiam estar relacionadas ao gado de leite,

já que esses animais, mesmo em uma exploração de tecnologia mediana, estão sendo

constantemente desafiados com um maior uso de concentrados na dieta, estando mais

susceptível à acidose rumenal. Novos estudos tornam-se necessários já que o Brasil, por se

tratar de um país continental, possui diferentes realidades e uma grande diversidade de sistemas

de criação. A avaliação de um número maior de animais e de sistemas de criação com bovinos

de leite poderiam gerar resultados diferentes daqueles obtidos com gado de corte. Dessa forma,

maior aproximação com os produtores e empresários do segmento agropecuário torna-se

necessária para a identificação dos problemas e produção de soluções compatíveis e específica

para cada realidade, objetivando sempre a redução de perda e o incremento produtivo.

Page 47: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

31

Conclusão

Não houve inter-relação na avaliação post mortem, entre a ocorrência de rumenite,

abscesso hepático e enfermidades podais em bovinos da raça Nelore, manejados a pasto durante

a cria e recria e em sistema de confinamento na fase de terminação.

Page 48: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

32

Referências

1. Neto JAS, Oliveira VS, Santos ACP, Valença RL. Distúrbios metabólicos em ruminantes-

uma revisão. Rev. Bras. Hig. San. Anim. 2014; 8(4): 157-86.

2. Nagaraja TG, Lechtenberg KF. Liver abscesses in feedlot catlle. Vet. Clin. Food Anim.

2007; 23: 351-69.

3. Tadepalli S, Narayanan SK, Stewart GC, Chengappa MM, Nagaraja TG. Fusobacterium

necrophorum: A ruminal bacterium that invades liver to cause abscesses in cattle.

Anaerobe. 2009; 15: 36-43.

4. Nagaraja TG, Narayanan SK, Stewart GC, Chengappa MM. Fusobacterium necrophorum

infections in animals: Pathogenesis and pathogenic mechanisms. Anaerobe. 2005; 11: 239-

46.

5. Rebhun WC. Doenças do gado leiteiro. São Paulo: Roca, 2000, 642p.

6. Blood DC, Henderson JA. Medicina Veterinária. México: Nueva Editorial Interamericana,

1976, 1008p.

7. Doré E, Fecteau G, Hélie P, Francoz D. Liver abscesses in holstein dairy cattle: 18 cases

(1992-2003). J Vet Intern Med. 2007; 21: 853-56.

8. Brink DR, Lowry SR, Stock RA. Severity of liver abscesses and efficiency of feed

utilization of feedlot cattle. J. Anim. Sci. 1990; 68: 1201-07

9. Vechiato TAF, Maschio W, Bom LC, Lopes PD, Ortolani EL. Estudo retrospectivo de

abscessos hepáticos em bovinos abatidos em um frigorífico paulista. Bras. J. Vet. Anim.

Sci. 2011; 48(5): 384-91

10. Greenough PR. Bovine laminits and lamenes: a Hands on approach. St. Louis: Saunders

Elsevier, 2007, 311p.

11. Silva LAF, Silva LM, Romani AF, Rabelo RE, Fioravanti MCS, Souza TM, Silva CA.

Características clínicas e epidemiológicas das enfermidades podais em vacas lactantes do

município de Orizona – GO. Ciênc. Anim. Bras. 2001; 2(2): 119-126.

12. Nocek, JE. Bovine acidosis: implications on laminitis. J Dairy Sci. 1997; 80: 1005-28.

13. Brasil. Decreto n° 30.691 de 29 mar 1952. Aprova o novo regulamento da inspeção

industrial e sanitária de produtos de origem animal. Ministério da Agricultura, Pecuária e

Abastecimento. Diário oficial da União, Brasília (7 jul 1952).

14. Sampaio IBM. Estatística aplicada à experimentação animal. Belo Horizonte: FEP-MZV,

2007, 265p.

15. García JJ, Alonso ME, Bartolomé DJ, Posado R, Gaudioso V. Lesiones macroscopicas

relacionadas con la acidosis ruminal en toros de lidia. Itea. 2007; 28:252-54.

16. González LA, Manteca X, Calsamiglia S, Schwartzkopf-Genswein KS, Ferret A. Ruminal

acidosis in feedlot cattle: Interplay between feed ingredients, rumen function and feeding

behavior. Anim. Feed Sci. Technol. 2012; 172: 66-79.

Page 49: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

33

17. Wiese BI, Hendrick S, Campbell JG, McKinnon JJ, Beauchemin KA, McAllister TA,

Penner GB. Defining risk for low reticuloruminal pH during the diet transition period in a

commercial feedlot in western Canada. J. Anim. Sci. 2017; 95: 420-35.

18. Anderson CL, Schneider CJ, Erickson GE, MacDonald JC, Fernando SC. Rumen bacterial

communities can be acclimated faster to high concentrate diets than currently implemented

feedlot programs. J. Appl. Microbiol. 2016; 120: 588-99.

19. Xu Y, Ding Z. Physiological, biochemical and histopathological effects of fermentative

acidosis in ruminant production: a minimal review. Span J Agric Res. 2011; 9(2): 414-22.

20. Checkley SL, Janzen ED, Campbell JR, Mckinnon JJ. Efficacy of vaccination against

Fusobacterium necrophorum infection for control of liver abscesses and footrot in feedlot

cattle in western Canada. Can. Vet. J. 2005; 46:1002-07.

21. Barducii RS, Sarti LMN, Millen DD, Pacheco RDL, Martins CL, Arrigoni MDB.

Incidência de ruminite e abscesso hepático em bovinos jovens confinados alimentados com

dietas contendo aditivos alimentares. Rev. Bras. Saúde Prod. Anim. 2015; 16(1): 161-69.

22. Nagaraja, TG, Lechtenberg KF. Acidosis in feedlot catlle. Vet. Clin. Food Anim. 2007; 23:

333-50.

23. Igo JL. Driving change: the 2011 national beef quality audit. [Dissertation]. Fort Collins:

Colorado State University, Departamente of Animal Sciences; 2012.

24. Rezac DJ, Thomson DU, Bartle SJ, Osterstock JB, Prouty FL, Reinhardt CD. Prevalence,

severity, and relationships of lung lesions, liver abnormalities, and rumen health scores

measured at slaughter in beef cattle. J. Anim. Sci. 2014; 92: 2595-602.

25. Attia NE. Subacute ruminal acidosis in feedlot: incidence, clinical alterations and its

sequelae. Adv. Anim. Vet. Sci. 2016; 4(10): 513-17.

26. Fjeldaas T, Nafstad O, Fredriksen B, Ringdal G, Sogstad AM. Claw and limb disorders in

12 Norwegian beef-cow herds. Acta Vet. Scand. 2007; 49(24): 1-11.

27. Enemark JMD. The monitoring, prevention and treatment of sub-acute ruminal acidosis

(SARA). Vet. J. 2009; 176: 32-43.

Page 50: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

34

CAPÍTULO 3 – CARACTERIZAÇÃO MACROSCÓPICA E MICROSCÓPICA DAS

LESÕES RUMENAIS EM BOVINOS CONFINADOS

The macroscopic and microscopic characterization of rumenal lesions in feedlot bovine

RESUMO

O uso de dietas ricas em carboidratos altamente fermentáveis e com baixos teores de fibras

pode ocasionar desequilíbrio entre os microrganismos do rúmen com consequente acidose

rumenal. Esse problema pode resultar em lesões na parede do rúmen, evoluindo com frequência

para formação de rumenite. O presente estudo objetivou caracterizar lesões rumenais

macroscópicas e microscópicas, observadas em bovinos confinados que apresentavam lesões

podais ou abscesso hepático. Avaliou-se 1060 bovinos pelo exame post mortem. Foram

encontradas lesões podais em 88 animais, abscesso hepático em 10 e lesões rumenais

macroscópicas em 230 bovinos, sendo caracterizado 178 rumens com hiperqueratose, 41 com

hiperemia, 9 com úlcera e 2 com neoplasia. Os 98 bovinos com lesões podais e abscesso

hepático foram selecionados para realização de exame histopatológico. Destes, foram

encontradas lesões macroscópicas em 23 e, microscópicas, em 21 animais. Dos 23 animais que

apresentaram lesões macroscópicas, 10 tiveram as mesmas alterações verificadas na

microscopia. Foram diagnosticados 7 casos de hiperqueratose na avaliação micro e

macroscópicas. Dos 5 casos de hiperemia verificados na macroscopia, 2 casos foram

identificados na microscopia e um caso de úlcera identificado na macroscopia também foi

identificado na microscopia. A avaliação macroscópica dos rumens de bovinos da raça Nelore

com diagnóstico positivo para lesões podais ou abscesso hepático permite identificar lesões

rumenais em bovinos de corte, manejados a pasto durante a cria e recria e em sistema de

confinamento durante a terminação e a avaliação microscópica possibilita a detecção de lesões

rumenais que passaram despercebidas pela avaliação macroscópica.

Palavras-chave: bovinos, frigorífico, histopatologia, rúmen, rumenite.

Page 51: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

35

ABSTRACT

The use of high-grain and low-fiber diets may cause an unbalance between the production and

removal of volatile fatty acids in the rumen leading to a ruminal acidosis. Ruminal acidosis may

result in lesions in the ruminal walls frequently rumenitis. This paper aims at characterizing

macroscopic and microscopic rumen lesion of bovine diagnosed with claw lesions or liver

abscesses. 1060 bovine were post mortem evaluated. The analysis showed 88 animals with claw

lesion, 10 with liver abscesses and 230 with macroscopic rumen lesions. Out of these 230, 178

rumen presented hyperkeratosis, 41 presented hyperemia, 9 had ulcer and 2 showed neoplasm.

The 98 bovine diagnosed with liver abscess and claw lesions had a histopathological exam. 23

had macroscopic lesion while 21 had microscopic lesions. Among these 23 animals 10 had the

same alterations found in the microscopic exam. 7 were diagnosed with hyperkeratosis both

macroscopic and microscopic examinations. Out of 5 hyperemia cases macroscopic examined,

2 were found in the microscopic test while 1 ulcer result was found in both exams. The

macroscopic evaluation of rumen in Nelore bovine diagnosed with claw lesions and liver

abscess revealed some kinds of rumenal lesions in bovine raised on a pasture up to 90 days

before slaughter while the microscopic evaluation analyzes revealed ruminal lesions that were

not identified in a macroscopic evaluation.

Keywords: cattle, slaughterhouse, histopathology, rumen, rumenitis

Page 52: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

36

Introdução

A busca pelo aumento da produtividade, qualidade e redução dos custos de

produção é uma necessidade nos diferentes sistemas de criação de bovinos. Nesse cenário,

participam a genética, sanidade, reprodução e a nutrição, norteadas por várias biotecnologias

de ponta. Particularmente no que tange a bovinocultura de corte, com o desenvolvimento e

incremento tecnológico, o uso de dietas ricas em carboidratos altamente fermentáveis e com

baixos teores de fibra tornou-se uma ferramenta indispensável no aprimoramento da nutrição

animal em diversas propriedades rurais brasileiras. Entretanto, o uso indiscriminado de

alimentos concentrados aumenta os riscos de transtornos metabólicos, resultando em danos à

saúde dos bovinos e consequentemente, diminuindo a produção de leite ou carne1,2. Dentre os

principais distúrbios metabólicos encontrados em criatórios de bovinos que investem em

nutrição e no manejo intensivo dos animais destaca-se a acidose rumenal.

A acidose rumenal, também denominada acidose lática, é uma enfermidade

digestiva que ocorre em ruminantes não adaptados quando ingerem grande quantidade de

carboidratos solúveis ou tem mudanças bruscas na alimentação, causando desequilíbrio entre a

produção de ácidos graxos voláteis (AGVs) e a remoção desses pelo epitélio rumenal1. A queda

do pH intrarumenal resulta na alteração no equilíbrio entre os microrganismos do rúmen,

reduzindo o número de bactérias celulolíticas em detrimento às aminolíticas2-5. A acidose

rumenal pode ser aguda ou subaguda. A forma aguda é caracterizada pela diminuição brusca

do pH rumenal, podendo ser de causa multifatorial. Já a acidose rumenal subaguda apresenta-

se de modo mais brando e contínuo, resultando em menor risco imediato aos animais6.

Entretanto, pode determinar vários problemas secundários como a formação de

lesões na parede rumenal dos bovinos, levando ao desenvolvimento de rumenite e condenação

deste órgão pela indústria ou pelo serviço de inspeção. Nesse sentido, o complexo rumenite

abscesso hepático é uma das principais preocupações, já que as lesões na parede rumenal dos

bovinos são um fator predisponente para que bactérias colonizem e se instalem nessas feridas,

atingindo o sistema circulatório porta no fígado, podendo resultar em prejuízos pela formação

de abscessos hepáticos3,7,8. Além disso, apesar de ser uma enfermidade de etiologia multifatorial

e controversa, o quadro de acidose aguda ou subaguda caracteriza-se como principal fator na

etiopatogenia da laminite e suas sequelas no rebanho9.

Ainda que o diagnóstico de acidose rumenal aguda seja clinicamente simples, a

mesma facilidade geralmente não é encontrada para os casos de acidose subaguda, que

aparentemente são mais prejudiciais à saúde dos animais1,10. Na maioria das vezes, a conclusão

Page 53: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

37

diagnóstica é feita durante o abate dos animais, pois durante a fase de terminação, o problema

é negligenciado pelos nutricionistas e criadores de bovinos. Assim, tanto em bovinos de corte

como de leite, a análise macroscópica pelo exame post mortem dos animais, realizados na

sequência de avaliações feitas no frigorífico, proporciona vários achados indicativos da acidose.

A lesão mais frequente é a rumenite, caracterizada pela presença de manchas, mucosa

hiperêmica, hemorrágica ou ulcerações em consequência de uma irritação causada pelo baixo

pH rumenal no saco ventral do rúmen 6,11-13. Mas, acredita-se que seja possível melhorar a

identificação de lesões rumenais provocadas pela acidose, empregando técnicas

complementares de avaliação, como a histologia. Esses exames podem ser valiosos no

entendimento da prevalência de rumenites subagudas, além de nortear os balanceamentos de

dietas e a tomada de decisão pelos nutricionistas.

O presente estudo objetivou caracterizar por meio de exames macroscópicos e

microscópicos, lesões rumenais observadas em bovinos da raça Nelore com diagnóstico

positivo para lesões podais e abscesso hepático, manejados a pasto durante a cria e recria e em

sistema de confinamento durante a terminação.

Material e Métodos

No estudo empregaram-se 1060 bovinos machos da raça Nelore com idade variando

entre 20 a 30 meses, manejados a pasto durante a cria e recria e em sistema de confinamento

durante a terminação. As avaliações macroscópicas e as colheitas das amostras para análises

microscópicas foram realizadas em matadouro frigorífico de bovino sob Serviço de Inspeção

Federal (SIF), localizado no Estado de Goiás, entre o período de julho a dezembro de 2016.

Foram obedecidos os preceitos éticos em experimentação animal, sendo aprovado pela

comissão de ética no uso de animais da Universidade Federal de Goiás, protocolo número

071/15. A escolha da empresa frigorífica fundamentou-se na disponibilidade dos proprietários

do estabelecimento em autorizar a pesquisa e pelo abate rotineiro de bovinos confinados após

concluir a fase de terminação. O número médio de animais abatidos é de aproximadamente 800

animais por dia, portanto um número expressivo para se avaliar a ocorrência de lesões rumenais.

A época escolhida para acompanhar o abate foi determinada pelo histórico do frigorífico, sendo

o segundo semestre o período em que são destinados ao abate um número substancial de

bovinos oriundos de sistemas de confinamentos. Nesse cenário, seria possível utilizar bovinos

do mesmo sexo, oriundos de um único sistema de produção e mesmo grupo contemporâneo.

Page 54: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

38

Os bovinos avaliados foram manejados na fase de terminação em sistema de

confinamento e foram mantidos neste sistema por um período médio de 70 dias, sendo

previamente realizada adaptação dos animais por um período médio de 21 dias com uma dieta

contendo os mesmos ingredientes, só que em proporções diferentes. A dieta disponibilizada aos

animais no período de adaptação era composta por uma ração farelada à base de milho seco

moído grosso, torta de algodão, farelo de soja e núcleo mineral compondo 77,5% da dieta e

bagaço de cana com 75% de Fibra Detergente Neutro (FDN) compondo 22,5% da dieta. Após

a adaptação, os mesmos ingredientes eram ajustados para a ração farelada participar com 88%

da composição da dieta e 12% era composto por bagaço de cana com 75% de FDN. O

acompanhamento do abate foi dividido em cinco etapas, o exame ante mortem seguido do

exame post mortem dos pés na “linha A” e exame post mortem do fígado na “linha E”, conforme

metodologia de inspeção preconizada pelo MAPA14. Na sequência, na bucharia primeira fase,

realizava-se duas atividades, a avaliação macroscópica do rúmen e a colheita de material para

avaliação histopatológica.

No exame ante mortem foi realizada uma avaliação geral dos animais nos currais

de chegada do frigorífico. À ocasião foram selecionados os bovinos quanto à raça, sexo, grupo

contemporâneo e propriedade. Essa avaliação fundamentou-se na análise do documento oficial

denominado Guia de Transito Animal (GTA). Ao final do abate, foi realizado contato com o

proprietário com a finalidade de confirmar as informações e obter dados adicionais, como o

balanceamento da dieta fornecida diariamente aos bovinos de cada lote e período de

confinamento. Essas informações foram catalogadas e usadas para complementar as análises.

A linha “A” foi o primeiro ponto de inspeção post mortem dos animais. O serviço

contava com o auxílio de um veterinário e um auxiliar da área. No local, removiam as quatro

extremidades distais dos membros locomotores e as colocavam sobre a mesa de inspeção,

garantindo a correlação com a carcaça correspondente14. Nesse momento, as peças eram

avaliadas quanto a presença de lesão podal, incluindo laminite, pododermatite séptica, fissura

da unha, dermatite digital, dermatite interdigital, úlcera de sola, erosão de estojo córneo,

flegmão interdigital e doença da linha branca. Na presença de lesão podal, a equipe posicionada

na bucharia era avisada, via rádio, para que fosse realizada a colheita de fragmento rumenal

para microscopia. Na linha “E”, o médico veterinário e o auxiliar de área, recebiam o fígado

disposto em uma mesa para a inspeção. Imediatamente, realizavam o exame visual do órgão,

seguida por palpação e corte, quando necessário14. Todas as lesões encontradas eram registradas

e correlacionadas com a numeração da carcaça do animal, incluindo lesões por cirrose,

cisticercose, fasciolose, hidatidose, peri-hepatite e teleangiectasia. Contudo, somente foram

Page 55: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

39

considerados neste estudo os abscessos hepáticos únicos ou múltiplos, independentemente do

tamanho e localização no órgão. De modo semelhante às avaliações podais, a equipe da

bucharia era avisada quando da necessidade de colheita de amostras rumenais dos animais que

apresentaram lesões hepáticas abscedativas.

As estruturas anatômicas digestórias, incluindo o retículo, rúmen, omaso e

abomaso, eram identificadas com caneta específica na serosa do órgão imediatamente após

chegarem às mesas de inspeção. As marcações correlacionavam a víscera com a carcaça

correspondente e, na sequência, após a marcação, os órgãos eram desviados por uma estrutura

de aço-inox, que direcionava o órgão por gravidade, da sala de abate para a bucharia primeira

fase. Ao chegarem à bucharia, essas eram organizadas em sequência numérica, para a realização

dos procedimentos rotineiros de esvaziamento, pendura e limpeza. Em seguida, um médico

veterinário realizava a avaliação macroscópica da mucosa do rúmen, classificando em: (1)

rúmen sem lesão, quando apresentava coloração, aspecto e papilas sem lesões macroscópicas;

(2) rúmen hiperêmico, na presença de áreas avermelhadas; (3) rúmen ulcerado, na presença de

úlceras macroscópicas evidentes; (4) rúmen com hiperqueratose, quando à palpação, notaram-

se áreas mais espessas do epitélio, com presença de papilas firmes e pouco flexíveis; (5) rúmen

com neoplasias, como papilomas, carcinoma de células escamosas ou linfomas e (6) rúmen com

abscessos. Quando o rúmen apresentava alguma alteração que não se encaixavam em nenhuma

das classificações estabelecidas, o mesmo era classificado como lesão indefinida.

A última atividade realizada foi a colheita de amostras rumenais para avaliação

microscópica. As amostras histológicas foram colhidas apenas dos bovinos que apresentaram

lesão podal ou abscesso hepático, independente de apresentarem lesões macroscópicas no

rúmen. Para os casos de rumens sem lesões macroscópicas, o local de colheita foi determinado

levando em consideração a preservação comercial desta estrutura, sendo realizada na região do

saco ventral do rúmen. Nos casos de rúmen que apresentavam lesões macroscópicas, procurou-

se retirar o fragmento na região de transição da lesão. Os fragmentos rumenais foram

armazenados imediatamente em solução de formol tamponado a 10%. Após fixadas, as

amostras foram clivadas e submetidas ao processamento histológico de rotina, sendo

confeccionadas lâminas coradas com Hematoxilina e Eosina15.

Sob microscopia óptica, as lesões do rúmen foram classificadas em: (1) ausência de

lesão; (2) rumenite aguda discreta, quando da presença de congestão discreta a moderada com

infiltrado inflamatório discreto; (3) rumenite aguda moderada, quando da presença de

congestão moderada com infiltrado inflamatório moderado e ou microabscessos; (4) rumenite

aguda acentuada, quando apresentava congestão moderada a acentuada, presença acentuada de

Page 56: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

40

células inflamatórias e ou microabscessos; (5) rumenite crônica, quando da presença de

infiltrado mononuclear, granulomatoso ou piogranulomatoso, com ou sem a proliferação de

fibroblastos, neovascularização e hiperplasia de epitélio e (6) cicatriz ou úlcera em cicatrização,

quando da apresentação de infiltrado inflamatório discreto, no máximo moderado, com

proliferação evidente de tecido conjuntivo denso e sinais de re-epitelização nas bordas da

úlcera.

Para a análise dos dados macroscópicos e microscópicos utilizou-se a estatística

descritiva16.

Resultados

A inspeção dos animais durante o exame ante mortem, certificação do documento

de GTA e o contato com a propriedade de origem, foram fundamentais para assegurar o grupo,

manejo alimentar, raça, idade, dieta e se todos os animais eram oriundos de um mesmo criatório.

Na inspeção dos cascos na linha “A”, constatou-se que 88 animais apresentaram

lesões podais, sendo diagnosticados 22 bovinos com pododermatite séptica, dois com fissura

da unha, um com dermatite digital, 24 com dermatite interdigital, 16 com úlcera de sola, 22

com erosão de estojo córneo e um com flegmão interdigital.

Na inspeção do fígado na linha “E” foram diagnosticados dez casos de abscessos

hepáticos.

Na inspeção macroscópica da mucosa rumenal foi verificada lesões em 230 (21,7%)

animais, enquanto que 830 (78,3%) não apresentavam lesões (Tabela 1).

Tabela 1 - Avaliação macroscópica do rúmen e classificação de acordo com o grau de lesão

diagnosticada no exame post mortem de bovinos com idade entre 20 e 30 meses, raça

Nelore e manejados na fase de terminação em sistema de confinamento, abatidos no ano

de 2016, em um frigorífico do Estado de Goiás. Classificação Ocorrência Porcentagem

Rúmen sem lesão 830 78,3

Rúmen hiperêmico 41 3,9

Rúmen ulcerado 9 0,9

Rúmen com hiperqueratose 178 16,8

Rúmen com neoplasias 2 0,2

Rúmen com abscessos 0 0,0

TOTAL 1060 100

Dentre as lesões macroscópicas, foi verificado rumens apresentando

hiperqueratose, hiperemia, úlceras e neoplasias (Figura 1).

Page 57: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

41

FIGURA 1 – Avaliação macroscópica do rúmen e classificação de acordo com o grau de lesão

diagnosticada no exame post mortem. A) rúmen sem lesão. B) rúmen hiperêmico. C) rúmen

ulcerado. D) rúmen com hiperqueratose.

Fonte: Arquivo pessoal

O exame microscópico do rúmen foi realizado em 98 bovinos e verificou alterações

em 21 (21,4%) animais (Tabela 2). A rumenite aguda discreta foi a alteração predominante,

seguida da rumenite aguda moderada e crônica, com dois casos cada. Encontrou-se apenas um

caso de lesão em processo de cicatrização (Figura 2).

Page 58: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

42

Tabela 2 - Avaliação microscópica do rúmen e classificação de acordo com o grau de lesão diagnosticada

nas lâminas histológicas de bovinos com diagnóstico positivo para lesões podais e abscesso

hepático, com idade entre 20 e 30 meses, raça Nelore e manejados na fase de terminação em

sistema de confinamento, abatidos no ano de 2016, em um frigorífico do Estado de Goiás.

Classificação Ocorrência Porcentagem

Ausência de lesão 77 78,6

Rumenite aguda discreta 16 16,3

Rumenite aguda moderada 2 2,0

Rumenite aguda acentuada 0 0,0

Rumenite crônica 2 2,0

Cicatriz ou úlcera em cicatrização 1 1,0

Total 98 100

Page 59: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

43

FIGURA 2 – Avaliação microscópica do rúmen e classificação de acordo com o grau de lesão

diagnosticada nas lâminas histológicas de bovinos com diagnóstico positivo para lesões

podais e abscesso hepático. A) Rúmen normal: Papilas rumenais normais (100x, HE). B)

Rumenite aguda discreta: Notar a presença focal, discreta, de neutrófilos na camada

superficial do epitélio (seta azul) e infiltrado inflamatório misto discreto na lâmina própria

e submucosa (seta preta) (200x, HE). C) Rumenite aguda moderada: Infiltrado

inflamatório neutrofílico multifocal, discreto a moderado intraepitelial e hiperqueratose

paraqueratótica discreta (setas pretas) (200x, HE). D) Rumenite aguda moderada: Além

das alterações descritas em C, nota-se a presença de estruturas basofílicas finamente

granulares compatíveis com colônias bacterianas acima da camada queratinizada (seta

preta) (200x, HE). E) Cicatriz ou úlcera em cicatrização: Rúmen re-epitelizado. Observa-

se uma camada de tecido conjuntivo denso em submucosa, hiperplasia de epitélio rumenal

com formação de papilas (seta preta) e hiperqueratose paraqueratótica (seta azul) (40x,

HE). F) Cicatriz ou úlcera em cicatrização: Detalhe da camada epitelial hiperplásica e

hiperqueratose paraqueratótica (seta preta) (400x, HE).

Fonte: Arquivo pessoal

Page 60: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

44

A Tabela 3 apresenta as alterações macroscópicas e microscópicas dos 98 bovinos

confinados que tiveram material rumenal avaliados pelo exame histopatológico. Desses, foram

encontradas lesões macroscópicas em 23 (23,5%) e, microscópicas, em 21 (21,4%) animais.

Tabela 3 - Avaliação macroscópica e microscópica do rúmen e classificação de acordo com o grau de

lesão de 98 bovinos com diagnóstico positivo para lesões podais e abscesso hepático, com

idade entre 20 e 30 meses, raça Nelore e manejados na fase de terminação em sistema de

confinamento, abatidos no ano de 2016, em um frigorífico do Estado de Goiás.

Avaliação Descrição Ocorrência Porcentagem

Macroscópica* Rúmen sem lesão 75 76,5

Rúmen hiperêmico 5 5,1

Rúmen ulcerado 1 1,0

Rúmen com hiperqueratose 17 17,4

Rúmen com neoplasias 0 0,0

Rúmen com abscesso 0 0,0

Microscópica** Ausência de lesão 77 78,6

Rumenite aguda discreta 16 16,3

Rumenite aguda moderada 2 2,0

Rumenite aguda acentuada 0 0,0

Rumenite crônica 2 2,0

Cicatriz ou úlcera em cicatrização 1 1,0

*Avaliação pelo exame post mortem

**Avaliação pela histopatologia

Dos 23 animais que apresentaram lesões macroscópicas, dez tiveram as mesmas

alterações verificadas na microscopia, sendo sete casos de hiperqueratose, dois casos de

hiperemia e um caso de ulceração. A correlação encontrada entre o diagnóstico microscópico e

macroscópico foi de 41,2% para os casos de hiperqueratose (7/17), 40% para os casos de

hiperemia (2/5) e de 100% para o único caso de ulceração (1/1).

Discussão

A identificação de diversas lesões macroscópicas no rúmen dos bovinos pode ser

decorrente do manejo pré-abate que estes animais foram submetidos, já que o sistema de

produção de gado de corte adotado pelos produtores brasileiros consiste basicamente na criação

dos animais em regime de pasto e terminação em confinamento. Nessas circunstâncias,

acredita-se que a ocorrência de uma quantidade expressiva de rumens com presença de

hiperemia e hiperqueratose seja consequência da adaptação da mucosa rumenal à nova dieta

fornecida no confinamento. Essas lesões poderiam ser justificadas, em parte, pela alteração da

dieta do pasto para confinamento e exposição desses animais ao consumo de grandes

Page 61: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

45

quantidades de concentrado. Dieta com teor elevado de carboidratos altamente fermentáveis no

rúmen pode contribuir para o desequilíbrio entre a produção e remoção dos ácidos graxos

voláteis no rúmen, predispondo à acidose rumenal17. A hiperemia da mucosa rumenal,

provavelmente, indica sinais clínicos de uma fase inicial da rumenite, com uma acelerada

descamação das células do extrato córneo e consequente hiperqueratinização do epitélio, o que

poderia justificar a grande quantidade de rúmen com hiperqueratose encontrados neste estudo18-

20.

Ainda ponderando sobre os achados macroscópicos evidenciados no rúmen, os

casos verificados de rumens ulcerados poderiam ser decorrentes de alguns animais que já

chegaram ao confinamento com lesões rumenais em estágios iniciais e que foram agravadas

com a nova dieta ou mesmo em virtude da suscetibilidade individual de alguns animais. Apesar

das neoplasias do trato gastrointestinal de bovino serem raras e ser mais frequente em animais

de idade avançada21,22, os dois casos diagnosticados neste estudo tratavam-se de papilomatose,

que além de ser uma doença infecto-contagiosa causada por vírus, tem uma ocorrência mais

frequente em animais até três anos de idade23. A ausência de abscessos e os diversos casos de

bovinos que não apresentaram lesões rumenais na avaliação macroscópica, em tese, pode ser

justificado pelo fato dos animais terem sido submetidos à uma dieta de adaptação antes de

adentrarem ao confinamento19,24. Portanto, provavelmente, ficaram pouco tempo expostos à

acidose rumenal. Desta forma, o tempo de exposição a dietas com potencial para a acidose

rumenal para desenvolver lesões visíveis e diversificadas pode ter sido insuficiente.

Valendo-se da classificação dos achados macroscópicos do rúmen proposta neste

estudo, foi possível identificar as principais lesões rumenais descritas em bovinos com acidose

rumenal em diferentes níveis. Uma caracterização mais segmentada das lesões macroscópicas

possibilitou efetuar uma avaliação microscópica para analisar o estágio de evolução destas

lesões, representando um avanço nessa modalidade de estudo de lesões rumenais. Confrontando

a categorização aqui empregada com a estratificação utilizada por Rezac et al.25, ela foi mais

detalhada e mais elucidativa, tendo em vista que os autores classificaram as lesões rumenais

empregando apenas três escores, normal, lesões leves e lesões severas. Quanto a classificação

proposta por Smith26 em lesões rumenais do tipo I ou “retalhos aderentes”, tipo II ou “rumenite

erosiva”, tipo III ou “rumenite pseudomembranosa”, tipo IV ou “rumenite ulcerativa”, tipo V

ou “retração cicatricial” e tipo VI ou “vilosidades aderidas”, apesar de ser mais segmentada se

apresentou mais complexa para ser empregada em experimentos que requeiram análise de

muitos animais. Logo, ainda que a classificação aqui adotada seja mais simplificada, permite

Page 62: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

46

estratificar as lesões em vários estágios de evolução, além de criar outros escores como

hiperemia, neoplasias e abscessos no rúmen.

Argumentando sobre a avaliação microscópica do rúmen que identificou os casos

de rumenite aguda discreta como a alteração mais frequente no presente estudo, pode-se sugerir

que, nos animais avaliados, as lesões ainda encontravam-se nos estágios iniciais da rumenite,

corroborando com os achados macroscópicos. Esses achados indicam que, possivelmente, a

dieta do confinamento utilizada na terminação dos animais não resultou em acidose aguda o

suficiente para desencadear lesões expressivas na parede rumenal conforme descrito em

diversos trabalhos científicos20,27,28. Ressalte-se que os animais avaliados eram oriundos de um

produtor que atua há vários anos com sistemas de confinamento. Assim, fatores relacionados

ao manejo como a adaptação dos animais à mudança de dietas, balanceamento nutricional

adequado e uma rotina padronizada de alimentação, incluindo o fornecimento do alimento

diversas vezes ao dia possivelmente resultou em adaptação da microbiota rumenal29,

minimizando os efeitos da acidose.

Fazendo uma análise prospectiva dos resultados da avaliação microscópica, pode-

se sugerir que em estudos sobre acidose rumenal em bovinos o exame deve ser incentivado,

pois, pode auxiliar no entendimento da fisiopatologia da doença ainda em estágios iniciais.

Além desse aspecto, o resultado entre os achados macroscópicos e microscópicos encontrados

nesse estudo pode indicar um viés analítico avaliador-dependente devido ao limitado tempo

disponível para a avaliação macroscópica. Diante dessa realidade, o frigorífico operava há uma

velocidade média de 150/cab/hora, razão que obrigou a equipe realizar a avaliação

macroscópica de cada rúmen e a colheita de material para os exames histopatológicos, em um

tempo médio variando entre 20 e 30 segundos. Um dos argumentos era que o atraso nas

operações rotineiras do frigorífico poderia resultar em pagamento de horas extras aos

funcionários. Assim, o tempo de avaliação dos rumens era fator inegociável por parte da

indústria. Portanto, além dessa dificuldade ser real nessa modalidade de pesquisa, a única

maneira encontrada para minimizar os transtornos foi desenvolver as atividades com a

participação de uma equipe multidisciplinar, treinada previamente e contendo no mínimo seis

pessoas envolvidas.

Por último, ainda avaliando os achados microscópicos do rúmen e considerando

que os abscessos hepáticos e as lesões podais, sobretudo a laminite, são apontados como

indicadores de lesões secundárias à acidose rumenal3,8,9, acredita-se que bovinos de corte

manejados intensivamente do nascimento a terminação, rebanhos de elite e rebanhos de leite,

cujo manejo são semelhantes, com uso intensivo de dietas ricas em carboidratos rapidamente

Page 63: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

47

fermentáveis no rúmen, exista uma maior ocorrência de lesões rumenais e uma maior relação

com os abscessos hepáticos e as lesões podais. Contrariando essa hipótese, é possível que uma

avaliação dos rumens de animais sem lesões podais ou abscessos hepáticos, poderia resultar em

menor prevalência de lesões a semelhança das identificadas no presente estudo.

Conclusão

A avaliação macroscópica dos rumens de bovinos da raça Nelore com diagnóstico

positivo para lesões podais ou abscesso hepático permite identificar lesões rumenais em bovinos

de corte, manejados a pasto durante a cria e recria e em sistema de confinamento durante a

terminação e a avaliação microscópica possibilita a detecção de lesões rumenais que passaram

despercebidas pela avaliação macroscópica.

Page 64: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

48

Referências

1. Neto JAS, Oliveira VS, Santos ACP, Valença RL. Distúrbios metabólicos em ruminantes-

uma revisão. Ver. Bras. Hig. San. Anim. 2014; 8(4): 157-86.

2. Vechiato TAF, Maschio W, Bom LC, Lopes PD, Ortolani EL. Estudo retrospectivo de

abscessos hepáticos em bovinos abatidos em um frigorífico paulista. Bras. J. Vet. Anim.

Sci. 2011; 48(5): 384-91.

3. Nagaraja TG, Lechtenberg KF. Liver abscesses in feedlot catlle. Vet. Clin. Food Anim.

2007; 23: 351-69.

4. Plaizier JC, Khafipour E, Li S, Gozho GN, Krause DO. Subacute ruminal acidosis (SARA),

endotoxins and health consequences. Anim. Feed Sci. Technol. 2012; 172: 9-21.

5. Wang DS, Zhang RY, Zhu WY, Mao SY. Effects of subacute ruminal acidosis challenges

on fermentation and biogenic amines in the rumen of dairy cows. Livest. Sci. 2013; 155:

262-72.

6. Radostits OM, Gay CC, Hinchcliff KW, Constable PD. Veterinary medicine. 3 ed. St.

Louis: Elsevier, 2007, 2156p.

7. Tadepalli S, Narayanan SK, Stewart GC, Chengappa MM, Nagaraja TG. Fusobacterium

necrophorum: A ruminal bacterium that invades liver to cause abscesses in cattle.

Anaerobe. 2009; 15: 36-43.

8. Narayanan S, Nagaraja TG, Okwumabua OGI, Staats J, Chengappa MM, Oberst RD.

Ribotyping to compare Fusobacterium necrophorum isolates from bovine liver abscesses,

ruminal walls, and ruminal contents. Appl. Environ. Microbiol. 1997; 63(12): 4671-78.

9. Nocek, JE. Bovine acidosis: implications on laminitis. J Dairy Sci. 1997; 80: 1005-28.

10. Owens FN, Secrist DS, Hill WJ, Gill DR. Acidosis in cattle: a review. J. Anim. Sci. 1998;

76: 275-86.

11. Vechiato TAF. Estudo retrospectivo e prospectivo da presença de abscessos hepáticos em

bovinos abatidos em um frigorífico paulista. [Dissertação]. São Paulo: Universidade de São

Paulo, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia; 2009.

12. Habel RE. Sistema digestivo do ruminante. In Getty R, Grossman S. Anatomia dos animais

domésticos. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1986, 858p.

13. Samuelson DA. Tratado de histologia veterinária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, 544p.

14. Brasil. Decreto n° 30.691 de 29 mar 1952. Aprova o novo regulamento da inspeção

industrial e sanitária de produtos de origem animal. Ministério da Agricultura, Pecuária e

Abastecimento. Diário oficial da União, Brasília (7 jul 1952).

15. Tolosa EMC, Rodrigues CJ, Behmer OA, Freitas Neto AG. Manual de técnicas para

histologia normal e patológica. Barueri: Manole, 2003, 331p.

16. Sampaio IBM. Estatística aplicada à experimentação animal. Belo Horizonte: FEP-MZV,

2007, 265p.

17. Nagaraja, TG, Lechtenberg KF. Acidosis in feedlot catlle. Vet. Clin. Food Anim. 2007; 23:

333-50.

Page 65: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

49

18. Nagaraja TG. Rumen health. In Simpósio de nutrição de ruminantes – saúde do rúmen.

Anais eletrônicos [CD-ROM]. Botucatu: Unesp, 2011.

19. Hernández J, Benedito JL, Abuelo A, Castillo C. Ruminal acidosis in feedlot: From

aetiology to prevention. Scientific World J. 2014; article ID 702572 [acesso 01 mai 2017].

Disponível em: http://dx.doi.org/10.1155/2014/702572.

20. Steele MA, Croom J, Kahler M, AlZahal O, Hook SE, Plaizier K, McBride BW. Bovine

rumen epithelium undergoes rapid structural adaptations during grain-induced subacute

ruminal acidosis. Am. J. Physiol. Regul. Integr. Comp. Physiol. 2011; 300: 1515-23.

21. Tessele B, Barros CSL. Tumores em bovinos encontrados em abatedouros frigoríficos.

Pesq. Vet. Bras. 2016; 36(3): 145-60.

22. Bertone AL. Neoplasms of the bovine gastrointestinal tract. Vet. Clin. North Am. Food

Anim. Pract. 1990; 6 (2): 515-24.

23. Correia WM, Correia CNM. Doenças infecciosas em animais domésticos. São Paulo:

Verela, 1992, 843p.

24. Valente TNP, Sampaio CB, Lima ES, Deminicis BB, Cezário AS, Santos WBR. Aspects

of acidosis in ruminants with a focus on nutrition: a review. J. Agr. Sci. 2017; 9(3): 90-97.

25. Rezac DJ, Thomson DU, Bartle SJ, Osterstock JB, Prouty FL, Reinhardt CD. Prevalence,

severity, and relationships of lung lesions, liver abnormalities, and rumen health scores

measured at slaughter in beef cattle. J. Anim. Sci. 2014; 92: 2595-602.

26. Smith HA. Ulcerative lesions of the bovine rumen and their possible relation to hepatic

abscess. Am. J. Vet. Res. 1944; 5: 234-42.

27. Costa SF, Pereira MN, Melo LQ, Caliari MV, Chaves ML. Alterações morfológicas

induzidas por butirato, propionato e lactato sobre a mucosa ruminal e epiderme de bezerros.

II. Aspectos ultra-estruturais. Arq. Bras. Med. Vet. Zootec. 2008; 60(1): 10-18.

28. Xu Y, Ding Z. Physiological, biochemical and histopathological effects of fermentative

acidosis in ruminant production: a minimal review. Span J Agric Res. 2011; 9(2): 414-22.

29. González LA, Manteca X, Calsamiglia S, Schwartzkopf GKS, Ferret A. Ruminal acidosis

in feedlot cattle: Interplay between feed ingredients, rumen function and feeding behavior.

Anim. Feed Sci. Technol. 2012; 172: 66-79.

Page 66: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

50

CAPÍTULO 4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os estudos científicos têm demostrado a relevância e os prejuízos potenciais

oriundos da acidose, abscessos hepáticos e enfermidades podais em animais submetidos à

sistemas de criação em confinamentos. Contudo, a aplicação prática e rotineira de técnicas para

o diagnóstico e a eliminação desses problemas ainda são desafiadoras para a maioria dos

produtores brasileiros. Apesar deste assunto já ser uma preocupação para produtores que

conduzem os sistemas de produção dos países desenvolvidos, que habitualmente confinam

animais, ainda é um tema relativamente novo para os brasileiros, visto que a criação de bovinos

em sistemas intensivos, tanto para gado de corte, como para rebanhos leiteiros é uma prática

recente.

Apesar de nenhum animal deste estudo ter apresentado as três lesões

simultaneamente, casco, fígado e rúmen, as lesões macroscópicas e microscópicas encontradas

nos rumens dos animais avaliados podem indicar que os procedimentos de inspeção e a rotina

diária dos abatedouros estão deixando de obter informações importantes relacionadas à acidose

rumenal em bovinos confinados. Um relatório com os tipos de lesões encontradas nos exames

post mortem, bem como o estágio de evolução destas lesões, sobretudo as rumenais, poderiam

gerar indicadores para auxiliar a tomada de decisão por parte dos produtores e nutricionistas.

Desta forma, as plantas abatedoras poderiam gerar dados que retornariam para os produtores

rurais como informações que contribuiriam para o ajuste nas dietas de confinamentos, sejam de

corte ou de leite, reduzindo problemas, prejuízos e melhorando a saúde dos animais. O exame

post mortem dos animais geram informações de grande relevância para toda a cadeia produtiva,

devendo ser melhor aproveitada pelos produtores e indústria frigorífica.

Acreditando que esse tema ainda não reflete a preocupação e o interesse real da

maioria dos produtores brasileiros, deve-se considerar que os problemas decorrentes da acidose

rumenal se tornarão mais relevantes para a pecuária nacional a medida que os produtores forem

aumentando a utilização de confinamentos para os bovinos. Diante desta realidade, novos

estudos são necessários no sentido de melhor aproveitar os dados gerados durante o abate e

inter-relacionar, de forma prática e rotineira, as diversas causas de lesões encontradas nas

avaliações post mortem nos frigoríficos, objetivando contribuir com os ajustes nos

balanceamentos de dieta, melhoria do bem-estar animal e redução dos prejuízos, tanto para os

criadores de gado de corte, gado de leite e indústria frigorífica.

Page 67: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

51

ANEXO A – Parecer de aprovação do Comitê de Ética no Uso de Animais

Page 68: ENFERMIDADES RUMENAIS, HEPÁTICAS E PODAIS EM BOVINOS … · 2017-10-10 · UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA

52