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Revista Brasileira de Ensino de Fısica, vol. 39, nº 3, e3302 (2017)www.scielo.br/rbefDOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2016-0254

Artigos Geraiscb

Licenca Creative Commons

Evolucao dos processos fısicos nos modelos de dinamica depopulacoes

Evolution of physical processes in models of population dynamics

Jefferson A. R. da Cunha∗1, Ladir Candido1, Fernando A. Oliveira3, Andre L. A. Penna2,3

1Instituto de Fısica, Universidade Federal de Goias, Campus Samambaia, Jataı, GO, Brasil2Instituto de Fısica, Universidade de Brasılia, Brasılia, DF, Brasil

3International Center for Condensed Matter Physics, Brasılia, DF, Brasil

Recebido em 03 de Novembro, 2016. Revisado em 21 de Dezembro, 2016. Aceito em 11 de Janeiro, 2017.

Neste texto apresentamos e discutimos um breve panorama cronologico para a dinamica de populacoes,observando o ponto de vista dos autores, bem como a evolucao dos principais modelos matematicose sua importancia historica. Com foco na predicao temporal e espacial da variacao do numero deindivıduos de uma populacao, analisamos como modelar matematicamente os processos fısicos comocrescimento, interacao, difusao e fluxo de um coletivo de indivıduos. Partimos do bem conhecido modelode Fibonacci e discutimos como modelos que o sucederam, a saber, o modelo Malthusiano, Lotka-Volterrae Fisher-Kolmogorov, foram capazes de ampliar o entendimento do comportamento de uma populacao.Apresentamos, nesta linha temporal sinuosa, como as interacoes entre uma mesma especie e entreespecies podem ser explicadas e modeladas. Mostramos como funciona o processo de extincao de umaespecie predadora, o fenomeno de difusao de um coletivo devido as mais diversas exigencias espaciais, asmigracoes e invasoes de territorios por meio de uma dinamica convectiva nos modelos de dinamica deuma populacao e tambem como a nao-localidade nas interacoes e no crescimento ampliam enormementenosso entendimento sobre os padroes na natureza.Palavras-chave: Difusao, Interacoes, Dinamica de populacoes, Formacao de padrao.

In this paper we present and discuss a brief overview chronological for the population dynamics,observing the point of view of the authors, as well as the evolution of the main mathematical modelsand its historical importance. Focusing on temporal and spatial prediction of the variation in thenumber of individuals in a population, we analyze how to mathematically model the physical processessuch as growth, interaction, dissemination and flow of a collective of individuals. We start from thewell-known model of Fibonacci and discussed how models who succeeded him, namely the Malthusianmodel, Lotka-Volterra and Fisher-Kolmogorov were able to expand the understanding of the behavior ofa population. Here, in this winding timeline as the interactions between species and between speciescan be explained and modeled. We show how the process of extinguishing a predatory species works,the diffusion phenomenon of a collective because the most diverse space requirements, migration andinvasions of territories by means of convective momentum in dynamic models of a population as well asnon-locality in interactions and growth greatly expand our understanding of the patterns in nature.Keywords: Diffusion, interactions, population dynamics, pattern formation.

1. Introducao

Dinamica de populacoes e um tema muito estudadoem varias areas cientıficas. Este assunto tem in-teresse tanto para as ciencias exatas e biologicas,

∗Endereco de correspondencia: [email protected].

quanto para as ciencias sociais. Do ponto de vistada ocupacao geografica humana, a dinamica de umapopulacao pode ser compreendida como o estudo de-mografico e estatıstico da populacao humana e suasmudancas em uma regiao. Em estudos ecologicos, otermo dinamica de populacoes costuma estar rela-cionado ao estudo de populacoes microscopicas ou

Copyright by Sociedade Brasileira de Fısica. Printed in Brazil.

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macroscopicas, animais ou vegetais, visando compre-ender suas interacoes, crescimento e evolucao espa-cial e temporal. Este tema tambem e intensamenteestudado observando a dinamica de populacoes nocontexto da modelagem matematica em sistemasbiologicos. Nesta perspectiva, preocupa-se em com-preender a variacao das populacoes de seres vivosde determinada especie e o estudo das interacoesentre especies, visando a procura por um modelomatematico apropriado e eficiente para cada sistemae fenomeno estudado.

E usual definir uma populacao como sendo umgrupo de indivıduos de uma determinada especie. Es-tas populacoes podem ser compostas por bacterias,vırus, vegetais ou animais. Para os estudos queserao apresentados posteriormente, sempre trata-remos matematicamente estas populacoes isoladas ecom interacoes bem definidas. Estas aproximacoessao razoaveis, pois na natureza, determinadas po-pulacoes se desenvolvem completamente isoladas etambem podem ser isoladas por meio de barreirasartificiais impostas por um pesquisador, que pode,por exemplo, estudar apenas um grupo de pulgaode uma determinada folha de couve, ou sapos deum determinado vale. Em Fısica, dinamica repre-senta o estudo da relacao entre as forcas que atuamsobre corpos e a variacao do estado de movimentodestes corpos, produzido por estas forcas. De formaanaloga, dinamica de populacoes e o estudo da va-riacao no tempo do numero ou densidade de umadeterminada populacao, quando submetida a umaacao. Estas acoes, podem ser no sentido de aumentarou diminuir esta populacao, ou mesmo uma acao re-guladora que tente manter o tamanho da populacaoconstate.

Neste trabalho, apresentamos uma analise dosmodelos de dinamica de populacoes, do ponto devista do estudo do numero de indivıduos de umapopulacao ao longo do tempo. Partimos do folcloricomodelo de Fibonacci, passando por Malthus, Lotka-Volterra e Fisher-Kolmogorov e mostramos comoestes modelos podem ser usados para descrever aevolucao temporal das populacoes, a competicaoreguladora intraespecıfica, relacao presa-predador,fenomenos de difusao e migracao de especies e tambemo fenomeno da auto-organizacao e formacao depadrao observado tambem em sistemas quımicos,fısicos e sociais.

2. Leonardo de Pisa e a contagem doscoelhos

Historicamente, o estudo da dinamica de populacoesfoi fundamentado de forma esparsa e episodica emdiversos trabalhos a partir do seculo XIII [1]. Emnossa opcao cronologica, dada a quantidade de pos-sibilidades de se abordar este tema, o estudo deuma populacao, com foco na previsao do numerode indivıduos com base em um grupo inicial, teveseu surgimento com Leonardo de Pisa (1170-1250),tambem conhecido como Fibonacci. O pai de Leo-nardo era Guglielmo dei Bonacci e o termo Fibonacciseria como “filho de Bonacci”. No ano de 1202 emsua obra, “Livro dos Abacos”, Fibonacci propoe o fa-moso problema da reproducao dos coelhos que podeser introduzida como: qual o numero de coelhosproduzidos em um ano, a partir de um unico casal?Para solucionar o problema Fibonacci introduz asseguintes condicoes:

• Considere um casal de coelhos inicialmentenao fertil;

• Cada casal fica fertil depois de um mes;• Cada casal de coelhos ferteis gera um novo

casal depois de um mes;• Nenhum coelho morre durante o ano.

Apesar desse algoritmo ser artificial, ele pode serfacilmente desenvolvido, fornecendo uma sequenciado numero de casais que e chamada de sequencia deFibonacci:

1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89, 144, 233, ... (1)

Assim tem-se observado que essa sequencia apre-senta um interessante comportamento matematicoque e encontrado em outros fenomenos da natureza.

Alem de resolver o problema de encontrar o numerode indivıduos de uma populacao no tempo, dado um

Tabela 1: Modelo de Fibonacci. N e F representam oscoelhos nao ferteis e ferteis respectivamente.

Mes Numero de Casais1 N=12 F=13 FN=24 FFN=35 FFFNN=56 FFFFFNNN=87 FFFFFFFFNNNNN=138 FFFFFFFFFFFFFNNNNNNNN=21

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conjunto inicial, esta sequencia tambem e um exem-plo marcante da relacao da matematica e a natureza,ou mesmo como os modelos matematicos podem des-crever o comportamento de sistemas da natureza.Para uma breve descricao destas relacoes, devemosanalisar melhor a sequencia de Fibonacci. Em 1611Johannes Kepler, o autor das leis das orbitas celestes,descobriu que se tomarmos um termo da sequenciade Fibonacci e o dividirmos pelo seu antecessor en-contramos o numero φ que e um valor constante eirracional. Para um termo n no infinito este valor edado por

φ = limn→∞

F (n+ 1)F (n) = 1, 618033989... (2)

Este numero recebe varios nomes na literatura:numero de ouro, proporcao aurea, divina proporcao,entre outros. Podemos encontrar o numero φ deforma variada na natureza.

Alguns biologos sabem que a divisao do numerode abelhas femeas pelo numero de abelhas macho emuma colmeia sera igual ao numero Φ = 1, 6180 . . .

Nas folhas de girassol, o fator de aumento dodiametro de suas espirais e igual a Φ = 1, 6180 . . .

Tambem a espiral da folha de uma bromelia ou daconcha do Nautilus marinho podem ser desenhadasconsiderando o aumento do raio destas espirais cons-tituıdos pelos lados de quadrados proporcionais aotermos da sequencia de Fibonacci. Como ilustradona figura 1, consideramos o primeiro noventa grausda espiral feita com um raio proporcional ao lado deum quadrado de lado 1, depois mais noventa grauscom um raio proporcional ao lado de um quadradode raio 2, depois 3, 5, 8,... Com isso conseguimos

Figura 1: Ilustracao da ocorrencia da espiral de Fibonaccina natureza. Adaptado de: http://www.hypeness.com.br/2014/02/a-proporcao-aurea-esta-em-tudo-na-natureza-na-vida-e-em-voce/

uma espiral bem proxima de varias espirais obser-vadas em plantas e animais na natureza.

No corpo humano podemos encontrar o numerode ouro em varias razoes: distancia dos ombros ate aponta dos dedos pela distancia do inıcio do cotoveloate os dedos, altura do corpo pela distancia doumbigo ao chao.

Observando que estas razoes criam esteticas agra-daveis aos olhos humanos, Leonardo Da Vinci utili-zou deste recurso para criar o Homem Vitruviano ea Mona Lisa, que podem ser consideradas expressoesmaximas de beleza e estetica humana.

A distribuicao de folhas em uma arvore tambemobedece a distribuicao de Fibonacci que permiteoptimizar a captacao de luz solar e chuva. Com estasinformacoes podemos criar uma estrutura metalicano formato de uma arvore, mas no lugar de suasfolhas colocamos placas fotovoltaicas para captar aluz solar e converter em eletricidade. Certamenteesta estrutura tera uma eficiencia superior ao dascaptacoes convencionais que utilizam placas planas.

3. Modelo Malthusiano

No estudo de dinamica de populacoes, normalmenteestamos interessados em encontrar como o numeroou densidade de indivıduos, de uma determinadapopulacao, evolui ao longo do tempo. Considere u(t)a densidade populacional, numero de indivıduos porarea, de uma dada especie no tempo t. Um modelogeral, que nos da a taxa com que esta densidadepopulacional evolui no tempo pode ser escrito como:

du(t)dt

= NASCIMENTOS − MORTES +

+ MIGRACOES − EMIGRACOES. (3)

Na equacao (3), os termos a direita podem serinseridos de acordo com a situacao de interesse.O termo NASCIMENTOS, pode ser proporcionala populacao e as taxas de MORTES podem serproporcionais ao negativo do produto do numero deindivıduos da populacao. Podemos tambem nao tertaxas de MIGRACOES ou EMIGRACOES, comoocorre com a grande maioria dos modelos.

A situacao mais simples que podemos ter paraeste problema de taxa e conhecido como modelomalthusiano, em homenagem ao economista inglesThomas Malthus. O comportamento de crescimentoexponencial de uma populacao foi primeiramenteapresentada por Malthus no ano de 1798 em um livro

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2016-0254 Revista Brasileira de Ensino de Fısica, vol. 39, nº 3, e3302, 2017

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intitulado Primeiro Ensaio [2]. Para modelar ma-tematicamente o modelo malthusiano nao levamosem conta o termo de migracao e consideramos que onumero de nascimentos e mortes, sao proporcionaisa densidade ou numero u(t) de indivıduos.

du(t)dt

= au(t)− bu(t). (4)

Nesta equacao a e b sao constantes positivas, que re-presentam as taxas de nascimentos e mortes respec-tivamente. Solucionando a equacao acima teremos

u(t) = u0e(a−b)t. (5)

com u0 sendo a quantidade inicial de indivıduos. Naequacao(5), vemos que se a > b a populacao cresceindefinidamente e se a < b a populacao caminharapara a extincao. Como podemos notar, este modelose mostra irreal para tempos muito longos, poisexistem outros fatores alem das taxas de crescimen-tos e mortes que determinam como sera a variacaodo numero de determinada especie para um dadogrupo inicial. Para tempos curtos o modelo Malthu-siano mostra um bom ajuste e uma boa predicaofutura, com valores estatısticos reais em diversostrabalhos da literatura especializada [1–4]. Malthussofreu varias crıticas nao apenas dos cientistas comodos polıticos, mas particularmente dos socialistas.Entretanto, embora seu modelo seja limitado, elefoi o primeiro a apontar para um crescimento expo-nencial da populacao humana, que vem acontecendodesde a revolucao industrial ate o final do seculoXX.

4. Modelo Logıstico

Em 1838, o matematico Pierre Francois Verhulstpropos que um processo auto-limitante deve ope-rar restringindo o crescimento de uma populacao,quando esta se torna demasiadamente grande [2].A equacao de taxa de crescimento proposto porVerhulst e escrita como

du(t)dt

= au(t)(

1− u(t)k

). (6)

Nesta equacao a e k sao constantes relacionadas aosprocessos de crescimento e de suporte do meio. Esteprocesso limitante foi batizado por Verhulst como“Crescimento Logıstico”(pois a sua solucao e umafuncao logıstica) e e encontrado em varios outros

modelos dinamicos mais sofisticados. Nesta mode-lagem, se compararmos com o modelo de Malthus,podemos identificar a taxa de crescimento como

r

(1− u(t)

k

)(7)

ou seja, uma taxa de crescimento dependente deu(t). A constante k e chamada de capacidade dedesenvolvimento do sistema, que e relacionado aotamanho do sistema e a quantidade de suprimentosustentavel disponıvel. Os estados estacionarios deequilıbrio sao encontrados fazendo du(t)/dt = 0 esao u(t) = 0 e u(t) = k. A equacao logıstica deVerhuslt pode ser integrada exatamente utilizando ometodo da separacao de variaveis e fracoes parciaiscomo segue:∫

rdt =∫

du

u(1− u(t)

k

) = (8)

=∫du

u+∫

du

k − uln(

u

k − u

)+ cte. (9)

Resolvendo para u(t) teremos

u(t) = u0k

u0 + (k − u0) exp(−rt) . (10)

No modelo logıstico de Verhulst, como ilustradona figura 2, notamos que a capacidade de desenvol-vimento do sistema, k, e o valor limite para o cresci-mento da populacao, o que indica uma situacao maisrealista. Esse modelo se mostra mais apropriado poisuma determinada populacao nao pode crescer maisdo que as condicoes fısicas e de suprimento que umdeterminado meio permite.

Figura 2: Solucao geral da equacao de Verhulst, para r =0.8, k = 8.0 e varios valores do numero inicial de indivıduosde uma determinada populacao.

Revista Brasileira de Ensino de Fısica, vol. 39, nº 3, e3302, 2017 DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2016-0254

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A equacao (6) tambem pode ser reescrita naforma:

du(t)dt

= ru(t)− r

k[u(t) · u(t)] (11)

Neste novo formato observamos o aspecto cen-tral no modelo logıstico que e a descricao das in-teracoes entre os indivıduos representada pelo pro-duto u(t)·u(t). Este e o primeiro modelo matematicoque descreve como um elemento de um sistema popu-lacional interage com outro, e sao estas interacoes oucompeticoes que fazem com que uma determinadaconcentracao de indivıduos nao cresca indefinida-mente. Neste formato as interacoes sao do tipo locaispois um ocupante de um ponto no espaco interagecom outro, apenas quando este esta no mesmo ponto.Uma interacao nao-local ou de longo alcance deveser introduzida conhecendo primeiramente a ma-neira como cada indivıduo interage com os demaisa uma certa distancia.

5. Modelo de Lotka-Volterra

O modelo de Lotka-Volterra tem um papel muito im-portante no estudo de sistemas ecologicos, pois foi oprimeiro modelo proposto para tentar compreendercomo duas especies estao relacionadas na dinamicaentre presas e predadores. Em 1925 o matematicoitaliano Vito Volterra desenvolveu o modelo presa-predador, ao tomar conhecimento dos trabalhos dojovem zoologista Umberto D’Ancona. O estudo es-tatıstico de D’Ancona, mostrou que houve um au-mento do numero de predadores como tubaroes e adiminuicao de peixes predados pelos tubaroes du-rante a suspensao da pesca em determinada parte domar Adriatico na Italia, devido a Primeira GuerraMundial (1914 a 1918). No mesmo ano em que Vol-terra tornou-se um estudioso dos problemas da eco-logia, o americano Alfred J. Lotka publica em 1924seu livro intitulado “Elements of Physical Biology”.Neste texto, Lotka discute a mesma modelagempara estudar a interacao presa-predador. Como estalei foi proposta de forma independente por Lotkae Volterra, este conjunto de equacoes ficou conhe-cido como equacoes de Lotka-Volterra. Definindou(t) como o numero (ou densidade) de presas deuma determinada especie e v(t) como o numero (oudensidade) de predadores de outra especie, essasduas quantidades se relacionam nas equacoes de

Lotka-Volterra como [2]:

du(t)dt

= auu(t)− buu(t)v(t) (12)

dv(t)dt

= avu(t)v(t)− bvv(t) (13)

Neste modelo, se nao existissem os predadores, apopulacao de presas cresceria exponencialmente se-gundo o modelo Malthusiano, mas este crescimentoe regulado pelo encontro destas com os predadoresdado pelo produto do numero de ambos. O numerode predadores por sua vez, deveria decrescer ex-ponencialmente em uma regiao sem alimentos ateatingir sua extincao, mas este decrescimo e reguladopelo produto do numero de presas pelo numero depredadores. Estes comportamentos sao regulados pe-las taxas au, bu, av e bv. A constante au indica a taxade crescimento das presas, bu a taxa de predacao daspresas. O termo av se refere a taxa de crescimento,taxa de eficiencia ou frequencia de encontro dos pre-dadores com suas presas e bv e a taxa de mortes dospredadores. Podemos encontrar uma equacao querelacione u e v e verificar como e o comportamentode uma especie em funcao da outra, para um dadotempo t. Dividindo a equacao (13) pela equacao (12)teremos

(au − buv)v

dv = (−bv + avu)u

du. (14)

Supondo que as densidades u e v tem valores ini-ciais u0 e v0, podemos integrar a equacao(14) nosintervalos [u0, u] e [v0, v] para encontrar a relacao

auln( vv0

)− bu(v − v0) = −bvln( uu0

) + av(u− u0).(15)

A equacao(15) pode ser escrita da seguinte forma

vauubve−buv−avu = vau0 ubv

0 e−buv0−avu0 , (16)

ou utilizando a forma compacta

f(au, bu, v)f(av, bv, u) = f(au, bu, v0)f(av, bv, u0),(17)

ondef(a, b, x) = xae−bx. (18)

Observe, equacao (16), que para um dado valor dev, digamos v = v1 temos dois valores possıveis de u,o mesmo ocorre com os valores fixos de u, de modoque os pontos (v, u) tomados desta forma, geram ografico mostrado na figura 3 A.

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2016-0254 Revista Brasileira de Ensino de Fısica, vol. 39, nº 3, e3302, 2017

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Figura 3: Solucao do modelo presa-predador. Em A oespaco de fase (v, u). B apresenta a variacao temporalda densidade de presas e predadores, com u0 = 2.0 ev0 = 2.0. As taxas de crescimento, competicao e mortesvalem: au = 0.5, av = 0.7, bu = 0.5 e bv = 0.5.

A equacao (16) pode ser solucionada para condicoesiniciais u0 e v0, juntamente com os parametros deinteracoes bu e av, e as taxas de crescimento e mortesau e bv, dadas.

Na figura 3, mostramos o comportamento daequacao (16), para alguns valores dos coeficientese uma dada condicao inicial, onde podemos obser-var a relacao periodica entre as duas densidades deespecies.

5.1. Extincao de especies

Uma aplicacao muito interessante do modelo deLotka-Volterra, pode ser feito para um sistema cons-tituıdo de tres especies, sendo que duas sao predado-ras e uma e a presa. Matematicamente, este sistemapode ser escrito como

du(t)dt

= u(t) {au − buv(t)− cuw(t)}

dv(t)dt

= v(t) {avu(t)− bv}

dw(t)dt

= w(t) {awu(t)− bw} . (19)

Nas equacoes acima, vemos que a especie u e umapresa das especies v e w. Como as equacoes estaoescritas, percebemos que nao existe interacao entreas especies predadoras.

O sistema de equacoes (19) pode ser resolvidosimultaneamente por um metodo numerico dadoscondicoes iniciais u0, v0 e w0 e os valores dos coefi-cientes destas equacoes, que nos indicam as taxasde crescimento, eficiencia e mortes destas especies.

Como ilustrado na figura 4, e curioso perceberque podemos manter, artificialmente, a coexistenciade dois predadores em um mesmo nicho ecologicomantendo os valores de suas eficiencias iguais, av =aw = 0.7. Eficiencias iguais, no encontro com pre-sas, para dois predadores aparentemente diferentes

Figura 4: Em A as flutuacoes da densidades de presas epredadores no tempo. Em B o espaco de fase das densidades(w, v, u). Estes graficos sao feitos para u0 = 1.0 = v0 = 1.0e w0 = 0.8. As constantes de crescimento e competicaovalem: au = bu = cu = bv = bw = 0.5, av = aw = 0.7

equivale a termos o mesmo predador. Com isso asdensidades flutuam no espaco de fase retornandosempre para o valor inicial.

Na figura 5 apresentamos a solucao numerica dosistema de equacoes (19) para outros valores dastaxas de eficiencia dos predadores. Neste caso ob-servamos uma interessante situacao da ecologia depopulacoes: dois predadores nao podem coexistir nomesmo nicho ecologico.

Analisando a figura 5, quando diminuımos umpouco a eficiencia aw do predador w, no encontrocom a presa u comparado com v, observamos quea densidade destes predadores se anula ao longo dotempo. Para o predador v ocorre o oposto, comoestes tem uma taxa de eficiencia maior, com o passardo tempo os encontros entre presas e predadores ele-vam a densidade destes predadores. Este resultadoilustra um conhecido comportamento de especiesna Ecologia, onde dois predadores nao podem tero mesmo nicho ecologico. Se duas especies preda-doras tem as mesmas necessidades, inevitavelmenteuma dessas especies tendera a extincao. Resultadossemelhantes podem ser encontrados tambem em tra-

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Cunha e cols. e3302-7

Figura 5: Evolucao temporal do modelo Lotka-Volterrapara dois predadores e uma presa. As condicoes iniciais saou0 = v0 = w0 = 1.0. As taxas de crescimento, competicaoe mortes valem au = av = bu = bu = bv = cu = bw = 0.5e aw = 0, 4.

balhos mais especıficos, onde outras leis da Ecologiasao discutidas [2, 5, 6].

6. Equacao de Fisher-Kolmogorov e amodelagem do fenomeno de difusao

Nos modelos descritos ate aqui, nao nos preocu-pamos como os indivıduos de uma dada especieestao distribuıdos no espaco. Sempre supomos queesta populacao esta em uma determinada regiao doespaco interagindo com constituintes desta, ou deoutras especies. Mas sabemos que as especies se di-fundem devido ao espaco ser heterogeneo. Varios fa-tores podem transformar uma regiao homogenea nasdirecoes, em heterogenea: o clima pode dar direcoespreferenciais para uma especie, o solo pode nao seradequado para a vida em determinadas regioes, avegetacao pode nao propiciar a existencia de umaespecie especıfica, a existencia de um rio pode alterare canalizar o fluxo das especies em uma dada regiao,gerando inomogeneidade espacial. Desta forma umsistema biologico nunca se encontra sempre em umdeterminado ponto do espaco, mas pode estar sedistribuindo, ou se difundindo em determinadasdirecoes em busca de sobrevivencia ou como umcomportamento inerente as especies. Esse processodifusivo de indivıduos de uma especie assemelha-sea difusao de partıculas em um gas ou de uma deter-minada concentracao de substancia em um lıquido.Para um gas, esse processo difusivo obedece a lei deFick, que nos diz que o fluxo de materia ~J e propor-cional ao gradiente da densidade desta materia quedifunde. Guardadas as devidas diferencas, podemosconsiderar que um sistema biologico tambem podeobedecer a lei de Difusao Fickiana. Por analogia,

podemos dizer que o fluxo material ~J , de animais,bacterias, vırus, etc e proporcional ao gradiente dadensidade material em um determinado ponto,

~J(~r, t) = −D∇u(~r, t). (20)

Considere uma dada especie de densidade u(~r, t) sedifundindo em tres dimensoes. Vamos supor queestes indivıduos estao confinados em uma superfıcieS que encerra um volume V . Nestas condicoes a va-riacao temporal da quantidade de material biologicopode ser escrito como:

∂t

∫Vu(~r, t)dv. (21)

Esta taxa decresce com o fluxo material que saidesta superfıcie S:

−∫S

~J(~r, t).d~s. (22)

A taxa equacao (21) cresce segundo a producao dematerial biologico dentro do volume V e e descritapelo termo: ∫

Vf(u,~r, t)dv. (23)

Na equacao acima a funcao f(u,~r, t) e chamadade suprimento de materia, que e a quantidade dematerial biologico por unidade de volume, que podeser produzido ou destruıdo no volume V , devido aocrescimento e mortes dos indivıduos.

A equacao geral de conservacao de materia biologica,pode ser escrita como o fluxo material que atravessauma superfıcie S somado a materia que e produzidaneste volume:∂

∂t

∫Vu(~r, t)dv = −

∫S

~J(~r, t).d~s+∫Vf(u,~r, t)dv.

(24)Utilizando o teorema da divergencia, podemos es-crever ∫

S

~J(~r, t).d~s =∫V∇. ~J(~r, t)dv. (25)

Com o teorema da divergencia a equacao(24) podeser escrita como∫

V

{∂u(~r, t)∂t

+∇. ~J(~r, t)− f(u,~r, t)}dv = 0.

(26)Como o volume V e arbitrario, teremos

∂u(~r, t)∂t

+∇. ~J(~r, t)− f(u,~r, t) = 0. (27)

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2016-0254 Revista Brasileira de Ensino de Fısica, vol. 39, nº 3, e3302, 2017

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e3302-8 Evolucao dos processos fısicos nos modelos de dinamica de populacoes

Utilizando a lei de Fick encontramos∂u(~r, t)∂t

−∇. {∇ [Du(~r, t)]} − f(u,~r, t) = 0. (28)

Considerando que a constante de difusao nao tenhauma dependencia espacial, chegamos na equacao

∂u(~r, t)∂t

= f(u,~r, t) +D∇2u(~r, t). (29)

Os processos de mortes e nascimentos f(u,~r, t) po-dem ser dados por interacoes e crescimento em umcontexto malthusiano:

f(u,~r, t) = au(~r, t). (30)Podemos ter apenas interacoes destrutivas:

f(u,~r, t) = −bu2(~r, t). (31)As interacoes tambem, podem ser escritas em umcontexto logıstico:

f(u,~r, t) = au(~r, t){

1− bu(~r, t)a

}. (32)

Utilizando a forma logıstica para o suprimento demateria f(u,~r, t), encontramos a famosa equacao deFisher-Kolmogorov [2, 7, 8]∂u(~r, t)∂t

= au(~r, t)− bu2(~r, t) +D∇2u(~r, t). (33)

Nesta formulacao a constante a e chamada de taxade crescimento e b a taxa de interacao. Em com-paracao com o modelo logıstico de Verhust a capaci-dade de suporte do sistema e dada por a/b e a taxade crescimento logıstica e dada por

a

{1− u(~r, t)

a/b

}. (34)

A equacao de Fisher-Kolmogorov e a equacao maissimples que descreve um processo de difusao, cresci-mento e auto-interacao de uma especie. Esta equacaofaz parte de um conjunto de equacoes muito conhe-cidas na quımica, chamadas equacoes de reacao-difusao. Fisher sugeriu esta equacao como um mo-delo determinıstico para descrever como um genefavorecido se difunde em uma populacao [7]. Deforma independente, em 1937 Kolmogorov estudouesta equacao matematicamente com foco nos casosem que f(u,~r, t) tem raızes u = 0 e u = 1 [9,10], lem-brando que os estudos de Fisher sao de 1936. Estaequacao tambem e muito util na descricao de variosoutros fenomenos, como propagacao de chamas [11],descricao de fluxos de neutrons em reatores nucle-ares, dinamica de defeitos em cristais lıquidos [12],ou mesmo o estudo do efeito do transporte commemoria em sistemas difusivos [13].

7. Difusao de especies no modelopresa-predador

Uma sofisticacao a mais pode ser introduzida ao mo-delo de Lotka-Volterra, quando consideramos quecada densidade de populacao pode se difundir nomeio, durante o tempo de observacao. Este termo enaturalmente justificado, devido a propriedade de sedifundir ou se dispersar de uma determinada especie,seja em um nıvel macroscopico ou microscopico.Este fenomeno fısico, presente nas populacoes, e res-ponsavel por distribuir indivıduos em determinadasregioes a medida em que estas ficam com pontos desaturacao, o que e bem realista do ponto de vista dadinamica de populacoes. Introduzindo esta dinamicaao sistema de uma presa e dois predadores e consi-derando uma situacao unidimensional, o sistema deequacoes de Lotka-Volterra pode ser escrito como:

∂u(x, t)∂t

= D∂2u(x, t)∂x2 +

+ u(x, t) {au − buv(x, t)− cuw(x, t)}∂v(x, t)∂t

= D∂2v(x, t)∂x2 + v(x, t) {avu(x, t)− bv}

∂w(x, t)∂t

= D∂2w(x, t)∂x2

+ w(x, t) {awu(x, t)− bw} (35)

Neste conjunto de equacoes, a constantes D repre-senta a difusao das densidades populacionais u(x, t),v(x, t) e w(x, t), respectivamente. As constantes au,av e aw sao taxas de crescimento ou eficiencia dapresa e dos predadores e os parametros bu, bv, bwe cu sao as taxas de competicao entre uma mesmaespecie e entre especies.

Na figura 6 temos a evolucao do conjunto deequacoes de tres especies com termo de difusao.Notamos como tres distribuicoes de especies se di-fundem no espaco e interagem. Nos tres paineisda esquerda iniciamos com distribuicoes gaussia-nas simetricamente localizadas no espaco, no tempot = 0. Evoluımos estas equacoes, considerando to-dos os coeficientes iguais, ou seja, consideramos aseficiencias dos predadores iguais e as taxas de cres-cimento e mortes iguais. Vemos que nesta estreitafaixa de valores conseguimos a coexistencia das tresespecies em um harmonioso equilıbrio. A medidaque o tempo passa, paines da esquerda com t = 50 et = 300, as presas tendem a se distribuir procurandoregioes de baixa densidade de predadores e a distri-buicao de predadores cresce em regioes com maior

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Cunha e cols. e3302-9

Figura 6: Presa-predador no modelo Fisher-Kolmogorovpara dois predadores e uma presa, considerando mobilidadesiguais, D = 1×10−4. Do lado esquerdo a evolucao temporalpara au = bu = cu = av = bv = aw = bw = 0.1. No ladodireito a evolucao para au = bu = cu = av = bv = aw =bw = 0.1 e aw = 0.07. As distribuicoes iniciais u(x), v(x)e w(x) sao gaussianas.

concetracao de presas. Nos paineis da direita, reali-zamos a mesma evolucao, mas agora considerandoa eficiencia do predador w(x) inferior a do predadorv(x), aw = 0.07 e av = 0.1. Nesta condicao, teremosa eliminacao do predador w(x) tendo sua densidadefinal anulada.

8. Fluxo e migracao de especies nadinamica de populacoes

Existem comportamentos difusivos em populacoesque podem vir acompanhados de uma dinamica defluxo, i.e, o fluxo associado as migracoes de umgrupo de indivıduos se deslocando de uma regiaopara outra buscando melhores condicoes para so-brevivencia. Levando-se em conta que a variacaoespaco-temporal da densidade populacional ∂u(~r,t)

∂tpode ter uma componente de fluxo com velocidadev, a equacao de Fisher-Kolmogorov pode ser escritacomo:

∂u(~r, t)∂t

= −v∂u(~r, t)∂r

+D∇2u(~r, t)

+ au(~r, t)− bu2(~r, t). (36)

Nesta formulacao, equacao (36), a equacaode Fisher-Kolmogorov recebe o nome de Fisher-

Kolmogorov Convectiva. Esta equacao pode mo-delar varios processos de migracao de populacoes efluxo material de bacterias. Podemos simular, porexemplo em um sistema unidimensional, como umadensidade populacional de predadores w(x, t), mi-grando de um ponto para outro do espaco, comvelocidade v, interage com uma densidade de presasu(x, t) estatica. Nesta dinamica teremos a invasao doespaco destas presas pelos predadores, em um deter-minado tempo de simulacao e a evasao deste grupono final. Considerando uma taxa de difusao baixa,comparado ao fluxo dos constituintes, as equacoesque descrevem este processo sao escritas como:

∂w(x, t)∂t

= −v∂w(x, t)∂x

+ aww(x, t)u(x, t)

− bww(x, t),∂u(x, t)∂t

= auu(x, t)− buu(x, t)w(x, t). (37)

Na simulacao ilustrada pela figura 7, vemos queos predadores w migram da esquerda para a direitacom uma velocidade v = 0.05. Observe que devidoa competicao intraespecıfica sua densidade diminuigradativametne, do painel t = 0, t = 2 e t = 4.Em t = 6 os predadores encontram a colonia depresas u, que e seu suprimento, e comecam a crescer

Figura 7: Presa-predador no modelo Fisher-KolmogorovConvectiva para uma presa estatica e um predador quese move em sua direcao. Os termos de crescimento sao:au = 0.3 e aw = 0.5, as constantes de competicao valem:bu = 0.5 e bw = 0.1 e a velocidade do fluxo convectivo we v = 0.05.

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e3302-10 Evolucao dos processos fısicos nos modelos de dinamica de populacoes

exponencialmente, tendo este crescimento interrom-pido apos sair da regiao das presas em t = 15 et = 26. Observando a evolucao temporal das presas,painel t = 0, t = 2 e t = 4, estas tem sua densidadecrescente ao longo do tempo ate que seu espaco einvadido pelos predadores, painel t = 6, quandosua densidade decresce drasticamente ate o tempot = 15. Apos a passagem dos predadores, t = 15 et = 26, as presas conseguem novamente estabelecerum rıtimo de crescimento que sera indefinitivo casonao tenham seu territorio invadido por outra coloniade predadores.

9. Extensao do modelo de interacao deVerhust: nao-localidade nas interacoese o surgimento dos padroes

No ambito da discussao sobre as possibilidades deaplicacao da equacao de Fisher-Kolmogorov, e inte-ressante destacar a modelagem do fenomeno auto-organizacao e formacao de padrao. Este comporta-mento da natureza se caracteriza pelo surgimento deestruturas regulares espaciais e temporais que se for-mam por meio da auto-organizacao de constituintesde um sistema [14]. A auto-organizacao e formacaode padrao pode ser observado em inumeros siste-mas: fısicos, quımicos, biologicos e sociais [14–24].Tambem pode ser estudado em diversas perspecti-vas: experimentais, numericas, analıticas e por si-mulacoes e em varios nıveis de aprofundamento [25–31]. Na perspectiva da Equacao de Fisher-Kolmogorovnormal em uma dimensao,

∂u(x, t)∂t

= D∂2u(x, t)∂x2 + au(x, t)− bu2(x, t), (38)

o ponto central da modelagem do fenomeno padrao eescrever as interacoes em um formato nao-local [31],

−bu(x, t) × u(x, t) −→ −bu(x, t)

×∫Lfβ(x− x′)u(x′, t)dx′. (39)

A nao-localidade nas interacoes, equacao (39), sig-nifica irmos alem na descricao das interacoes pro-postas por Verhust. Nesta formulacao nao-local osconstituintes de um coletivo interagem com os de-mais indivıduos nao apenas quando estao no mesmoponto, x, do espaco, u(x, t)×u(x, t), mas interagemtambem com seus vizinhos a uma distancia β pesa-das pela funcao de distribuicao f(x− x′). Do ponto

de vista de um elemento da populacao, quando umsegundo indivıduo entrar no raio de interacao β esteja o percebera e, dependendo da escolha do pesof , esta interacao sera intensa ou nao. Esta e umadescricao equivalente ao que ocorre nas interacoes delongo alcance de eletrons, bacterias, peixes, passarose outros animais na natureza distribuıdas coletiva-mente, que apresentam forte necessidade em ficarequidistantes dos demais vizinhos formando estrutu-ras regulares no espaco-tempo, as conhecidas figurasde padrao [31].

A equacao de Fisher-Kolmogorov para interacoesnao-locais e escrita como:

∂u(x, t)∂t

= D∂2u(x, t)∂x2 + au(x, t) +

−bu(x, t)∫Lfβ(x− x′)u(x′, t)dx′. (40)

Mesmo sendo um modelo extremamente sofisticado,equacao (40), e que amplia enormemente as possibi-lidades de descricao das interacoes e a compreensaodo mecanismo de formacao dos padroes [25–31], a se-guir mostramos que com o uso de uma matematicaadequada e possıvel subir mais um degrau nestaescalada da evolucao dos modelos de dinamica depopulacoes e ampliar um pouco mais o entendimentosobre sobre este tema.

Como proposto em [29], considere a seguinte equa-cao:

∂u(x, t)∂t

= a

∫Lgα(x− x′)u(x′, t)dx′ +

−bu(x, t)∫Lfβ(x− x′)u(x′, t)dx′. (41)

Nesta expressao e realizando uma aplicacao da nao-localidade tambem no termo de crescimento:

au(x, t) −→ a

∫Lgα(x− x′)u(x′, t)dx′. (42)

Com isso a populacao crescera nao mais com a con-tribuicao de u(x, t) apenas no ponto x, mas tambemdevido a distribuicao desta funcao em um alcance αpesada pela funcao de distribuicao g(x− x′). Estaproposta, equacao (41), e uma generalizacao daequacao (40) e como tal e capaz de resgatar a for-mulacao anterior, equacao (40) e tambem a equacaode Fisher-Kolmogorov normal equacao (38).

A equacao logıstica de Verhust pode ser obtidaconsiderando fβ(x−x′) = gα(x−x′) = δ(x−x′) naequacao (41),

∂u(x, t)∂t

= au(x, t)− bu2(x, t). (43)

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Cunha e cols. e3302-11

Para uma distribuicao gα(x− x′) com um alcanceα finito, realizando a seguinte mudanca de variavely = x − x′ e expandindo u(x − y, t) em uma seriede Taylos em torno de y = 0, teremos

a

∫Lgα(x− x′)u(x′, t)dx′ =

∞∑m=0

ay2m

(2m)!∂2m

∂x2mu(x, t) ,

(44)sendo os momentos yk escritos como

yk =∫ykgα(y)dy. (45)

Fazendo fβ(y) = δ(y) e mantendo os dois primirostermos na equacao (44) encontramos a equacao deFisher-Komogorov normal:

∂u(x, t)∂t

= D∂2u(x, t)∂x2 + au(x, t)− bu2(x, t). (46)

Agora a constante D obedece a relacao:

D = y2

2 a. (47)

E importante observar, equacao (47), que por meioda nao-localidade no crescimento a difusao D nosistema pode ser conectada a taxa de crescimentoa. Este resultado e extremamente importante e naopode ser observado em nenhum outro modelo. Mos-tra que populacoes com elevada taxa de crescimentotem uma grande difusao no espaco. Podemos ci-tar como exemplo os ratos e pequenos roedores,tem elevados D e a, em comparacao com animaismaiores como elefantes, pequenos valores de D e a.Especies com elevado a criam uma certa onda depressao no espaco que e proporcional ao gradientede concentracao D ∂

∂xu(x, t), gerando uma alta di-fusividade destes indivıduos no meio. Existe umaanalogia interessante deste resultado com a difusaonormal quando relacionamos a difusao D com tem-peratura T do meio por: D ∝ T . A temperatura temum papel semelhante a taxa de crescimento: quantomaior a temperatura do meio maior a difusao nosistema. A intensidade das interacoes, b, pode seranalogo a viscosidade de um meio: atua para manteras estruturas de padrao ao longo do tempo, sendo aviscosidade inversamente proporcional a difusao.

Para ilustrar o comportamento das solucoes daequacao (41), na figura 8 mostramos os estadosestacionarios destas solucoes para tempo grandee analisamos como e a dinamica das interacoes ecrescimento nos padroes observados nesta equacao.

Figura 8: Estados estacionarios, u(x), solucionando nu-mericamente a equacao (41) para alguns valores de β eα considerando gα e fβ funcoes constantes. As taxas decrescimento e competicao valem a = b = 1.

Nesta figura observamos o mesmo comportamentopara dois valores de β distintos. As estruturas depadroes se formam e esvanecem a medida que amobilidade aumenta, pois esta pressiona a populacaopara uma difusividade maior no meio.

10. Conclusao

No presente texto discutimos os principais modelosutilizados na literatura para descrever a dinamicade uma populacao. Desenhamos uma trajetoria notempo tentando conectar as contribuicoes dos feno-menos fısicos e aspectos matematicos, segundo oponto de vista de nossa investigacao, na aborda-gem do problema da variacao espaco-temporal donumero de constituintes de uma populacao. Par-tindo do simples modelos de Fibonacci discutimoscomo esta, a princıpio artificial modelagem, podeconter uma infinidade de relacoes com a natureza.Avancamos um pouco e investigamos como os proces-sos de crescimento exponenciais podem ser descritosno modelo Malthusiano e posteriormente, segundo aabordem de Lotka e Volterra, como estes devem serregulados devido a incessante luta entre indivıduosque chamamos de competicao. Analisamos que amodelagem de Lotka-Volterra, mesmo sendo precur-sor no entendimento deste mecanismo e existindo

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e3302-12 Evolucao dos processos fısicos nos modelos de dinamica de populacoes

outras possibilidades, descreve varios comportamen-tos como a regulacao do tamanho de uma coloniae a extincao de uma presa nao adaptada ao seunicho. Mostramos os passos de como chegar ao fa-moso modelo de Fisher-Kolmogorov que contem emsua essencia a possibilidade de explicar qual e omecanismo responsavel pela difusao de uma especieno espaco. Resolvemos um sistema de equacoes depresa e predador com difusao, na perspectiva deFisher-Kolmogorov, e pudemos compreender quea difusao faz com que as presas busquem regioescom baixa densidade de predadores. Os predadores,com alta mobilidade, tendem a ir para regioes commaior concentracao de presas e, ao contrario, os pre-dadores com baixa mobilidade ou baixa eficiencia,tendem a extincao em um determinado tempo deobservacao pois nao conseguem atingir as regioesonde estao as presas. Tambem realizamos uma modi-ficacao na equacao de Fisher-Kolmogorov trocando adinamica difusiva por uma convectiva, tentando en-tender como se comporta uma colonia em um fluxomigratorio. Estudamos, matematicamente, como e ainvasao de predadores em um local onde existe umadistribuicao gaussiana de presas. Verificamos que ospredadores tendem a extincao antes de chegar ao lo-cal das presas e crescem exponencialmente quandoalcancam este espaco. Para as presas ocorrem ocontrario com sua distribuicao, sendo quase extintascom a passagem do fluxo de predadores e retornandoa crescer apos a passagem dos mesmos. Nosso ultimodegrau nesta escalada infinita foi apresentar a ge-neralizacao da Fisher-Kolmogorov incluindo termosnao-locais na interacao e crescimento. Discutimoscomo esse ultimo estudo nos possibilita obter umarelacao entre a difusao e taxa de crescimento, D ∝ a,em uma populacao, em analogia com a difusao etemperatura, D ∝ T , em sistemas fısicos.

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