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15 www.vponline.com.br Nayara Massunaga Exercício, restrição calórica & cortisol: benefícios na saúde e performance Exercise, caloric restriction & cortisol: health and performance benefits Resumo Durante a prática de exercícios, diversas alterações neuroendócrinas ocorrem, visando ao equilíbrio de nossas funções orgânicas durante as mudanças metabólicas decorrentes da atividade, sendo o aumento do cortisol a mais expressiva. Em associação a uma dieta restritiva, essas mudanças são mais evidentes, podendo aumentar a eficiência das reações celulares que promovem maior gasto energético, fato que contribui com a melhora da composição corporal e performance. Entretanto, é importante ressaltar que as alterações endócrinas são adaptáveis, reduzindo a eficácia em longo prazo. Palavras-chave: Cortisol, exercício, restrição calórica, performance. Abstract During the practice of exercises, several neuroendocrine changes occur, with the objective of balancing our organic functions during the metabolic changes resulting from the exercise, being cortisol increase the most expressive. In association with a restrictive diet, these changes are more evident, and may increase the efficiency of cellular reactions that promote greater energy expenditure, a fact that contributes to the improvement of body composition and performance. However, it is important to note that endocrine changes are adaptable, reducing long-term efficacy Keywords: Cortisol, exercise, caloric restriction, performance.

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Exercício, restrição calórica & cortisol: benefícios na saúde e performance

Exercise, caloric restriction & cortisol: health and performance benefits

Resumo

Durante a prática de exercícios, diversas alterações neuroendócrinas ocorrem, visando ao equilíbrio de nossas funções orgânicas durante as mudanças metabólicas decorrentes da atividade, sendo o aumento do cortisol a mais expressiva. Em associação a uma dieta restritiva, essas mudanças são mais evidentes, podendo aumentar a eficiência das reações celulares que promovem maior gasto energético, fato que contribui com a melhora da composição corporal e performance. Entretanto, é importante ressaltar que as alterações endócrinas são adaptáveis, reduzindo a eficácia em longo prazo.

Palavras-chave: Cortisol, exercício, restrição calórica, performance.

Abstract

During the practice of exercises, several neuroendocrine changes occur, with the objective of balancing our organic functions during the metabolic changes resulting from the exercise, being cortisol increase the most expressive. In association with a restrictive diet, these changes are more evident, and may increase the efficiency of cellular reactions that promote greater energy expenditure, a fact that contributes to the improvement of body composition and performance. However, it is important to note that endocrine changes are adaptable, reducing long-term efficacy

Keywords: Cortisol, exercise, caloric restriction, performance.

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DO aumento do cortisol é a alteração mais

expressiva durante o exercício, sendo essencial para a manutenção de funções vitais – como a glicemia, que tende a ser reduzida ao longo da atividade. Desta forma, a redução dos níveis glicêmicos durante a atividade física é gatilho para a produção de hormônio liberador de corticotrofina (CRH) pelo hipotálamo, que induzirá a produção de hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) pela hipófise anterior e, por consequência, de cortisol pelas adrenais. O cortisol, por sua vez, estimula vias catabólicas para o fornecimento de substrato energético e para a manutenção da glicemia3.

A lipólise é uma das vias estimuladas pelo aumento nos níveis de cortisol. Por meio do catabolismo de triglicérides em tecido adiposo, é possível obter o glicerol – substrato utilizado durante neoglicogênese, via de produção de novas moléculas de glicose. Para isso, o glicerol sofre uma série de reações reversíveis da cadeia glicólise, até ser convertido a uma molécula de glicose. Por fim, a glicose formada por este processo será liberada para a corrente sanguínea, com o objetivo de aumentar os níveis glicídicos, mantendo esta importante função vital em homeostase4,5.

Os ácidos graxos, por sua vez, são utilizados pela matriz mitocondrial para o fornecimento de energia. Para isso, os ácidos graxos de cadeia longa – predominantes em nosso organismo devido ao nosso padrão alimentar – são transportados pelo aminoácido carnitina e, posteriormente, são oxidados para o fornecimento de energia4,5.

Exercícios de longa duração e de alta intensidade são os mais relatados por gerar tais mudanças endócrinas. Para embasar essas alterações, Stokes

et al.6 compararam diferentes tipos de treinamento e suas consequentes variações endócrinas, verificando que sessões de endurance e sprints geram mais elevação dos níveis de cortisol em comparação a exercícios resistidos.

Sartorio et al.7 corroboram com estes dados ao mostrarem que treinos de endurance predispõem ao aumento nos níveis de cortisol de forma significativa. Para complementar, Wahl et al.8 indicam que o aumento nos níveis de cortisol, associado ao exercício intenso, pode acompanhar elevação nos níveis de hormônio do crescimento (GH) – necessário para otimizar a mobilização de ácidos graxos e atenuar o catabolismo proteico.

Além disso, a elevação do cortisol durante o exercício é sugerida como um fator para o declínio nos níveis de testosterona, podendo prejudicar respostas anabólicas. Esta relação foi observada por Li et al.9, indicando que atletas de atletismo tendem a apresentar aumento de cortisol após a competição, acompanhado da redução de testosterona. A correlação entre testosterona e cortisol é considerada como um indicador de performance, que pode contribuir com investigações sobre overtraining e overreaching10.

Exercícios concorrentes também podem elevar os níveis de cortisol. Recentemente, um estudo realizado por Jones et al.11 com 30 indivíduos treinados em exercícios resistidos identificou que uma sessão de endurance seguida de um treino de exercícios resistidos potencializa a secreção de cortisol, em comparação ao treino resistido isolado. Ainda, a ordem de execução dos exercícios influencia a atividade hormonal, uma vez que a sessão de treino resistido seguido de endurance não obteve aumento de cortisol comparável à inversão dos treinos. Vale ressaltar que os indivíduos do estudo eram adaptados em exercícios resistidos, e, desta forma, o acréscimo de exercícios não habituais foi responsável por potencializar a resposta do cortisol.

Ao associar esses tipos de treinamentos com a restrição no consumo de carboidratos, vias

Durante a prática de exercícios, diversas alterações neuroendócrinas ocorrem, visando ao equilíbrio de nossas funções orgânicas durante as mudanças metabólicas decorrentes da atividade. Neste contexto, a secreção de hormônios é influenciada pela intensidade, duração, intervalos e ambiente em que o exercício é realizado1, 2.

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lipolíticas podem ser mais estimuladas mediante o aumento do cortisol. Assim, supõe-se que essa alteração hormonal seja um dos gatilhos para a redução da gordura corporal, justificando a melhora da composição corporal em condutas nutricionais mais restritivas12.

Entretanto, é importante ressaltar que essas vias catabólicas tendem a ser adaptáveis conforme a prática regular de exercícios. Assim, esse resultado relacionado à redução do percentual de gordura pode não ser tão expressivo com o passar do tempo13.

Sobre performance esportiva, alguns estudos mostram que dietas mais restritivas em carboidrato podem aumentar a expressão gênica de fatores de transcrição que ativam a biogênese mitocondrial, permitindo maior eficiência no gasto energético durante o exercício. A enzima glicogênio sintase também é mais ativada nesta condição, fato que contribui com maiores estoques de glicogênio muscular quando houver o consumo de carboidrato14,15.

Marquet et al.16 investigaram essa correlação. Para isso, os autores recrutaram 21 triatletas, que foram instruídos a consumir a mesma quantidade de carboidratos - porém em momentos diferentes – em um programa de treinamento de 3 semanas. O grupo intervenção – que realizou treinos com baixa disponibilidade de carboidrato, pois não consumiam fontes antes do sono – obteve melhor resultado de performance em treino de corrida em relação ao grupo controle. Com base neste resultado, a intervenção mais restritiva foi responsável por otimizar o gasto energético durante o treino.

Como efeito negativo, o aumento nos níveis de cortisol – por consequência da restrição de carboidrato – pode influenciar em parâmetros imunológicos, podendo elevar o risco de infecções e dificuldade de recuperação muscular. Segundo Stelzer et al.17, atletas de endurance são mais acometidos por problemas imunológicos, especialmente os que atingem o trato respiratório.

Esse problema pode ser potencializado quando

o atleta pratica a atividade em condições climáticas diferentes do ambiente em que está adaptado. Gagnon et al.18 identificaram que a atividade física exercida em climas mais frios gera alterações imunológicas em indivíduos não treinados, e, por este motivo, é válido priorizar o processo adaptativo para evitar redução na performance em fases de competição.

Com o consumo adequado de carboidrato, esse quadro pode ser reduzido19. Um estudo conduzido por Caris et al.20 mostrou que a suplementação de carboidrato pode equilibrar alguns parâmetros imunológicos – como linfócitos T – em indivíduos não adaptados em exercícios praticados em altas altitudes.

Essas alterações sofrem adaptações ao longo do tempo e dependendo da frequência de exposição ao estímulo. Um estudo randomizado, realizado com 149 homens saudáveis, indicou que as alterações endócrinas são reduzidas após 12 semanas de treinamento21.

Para enfatizar a importância do processo adaptativo, um estudo realizado com 21 triatletas mostrou que o treinamento de manhã, com baixos estoques de glicogênio, tem pouco efeito em marcadores de imunidade e incidência de infecções de trato respiratório em pacientes treinados22.

Conclusão

Mediante as alterações endócrinas, dietas mais restritivas associadas ao exercício podem ser interessantes para aumentar a eficiência das reações celulares que promovem maior gasto energético, fato que contribui com a melhora da composição corporal e performance. Em contrapartida, estas alterações hormonais podem reduzir a capacidade imunológica.

É importante ressaltar que as alterações endócrinas são adaptáveis. Portanto, esses efeitos podem ser atenuados ao longo do tempo e dependendo da frequência do estímulo.

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Referências