favero, leonor lopes & andrade, maria lúcia c.v.o. & aquino, zilda g.o. - oralidade e...

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Fávero, konor Lop€sOÉlidade e esçrita : perspectiva paÌa o ensino de língua

matema / konor l,opes Fávero, Maria Lúciada Cunha V deOliveiÍa Andrade, Zilda Caspar Oliveira de Aquino. -2. ed. -São Paulo : CoÍtez, 2000.

Bibliognfia-lsBN 85-249-0715-0

l. Comunicação oral. 2. Escrita 3.Fala 4. Linguagem elínguas - Estudo e €nsino 5. Oralidade I. Andrade' MaÌia Lúciada Cunha V de Oliveira. ll. Aquino, Zilda Gaspar OliveiradelII. Tïtulo.

Dados Intèrnacionais de Catalogação na Publicação (ClP)(Câmara BrãsilelÍa do Livro, SB BÍasil)

índices para catálogo sistemático:

l. Língua matema: Oralidade e escÍita : Ensino : Lingüística 410.72. Oralidade e escrita: Língua matema: Ensino : Lingúística 410.7

I

{

íft" fl,tÇ,à ã* eb /.,.ffi

l€onorbpesFá,eíoMarh Lrúcia G. V. O. Andrade

Zlda(ìO.Aquino

^tr t rt,raildadee escrita

perspectivas para oensino de língua matema

P edição

@EfiflÉã

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ORÂLIDADE E ESCRITA: penp€ctivas para o etr3itro de língua matemalÉonor Lopes FáveÍo, MaÌia Lúcia da CuDha V de Oüveira Aodrade,Zilda Caspar Oliveira dc Aquino

Capa: DACPrcparaçilo de o Bìnaís: A9íÂldo A. OliveiÌaR?utôo. MaÍia d€ Loudes de AlmeidaComposiçiio: Dany Bditorâ Lrda.Cood"nação editoiaL. Dânilo A. Q. Morâles

Nenhuma paÍle destô obrs pode ser reprcduzida ou dÌrplicada semautorização expressa das auioras e do ediior.

@ 1999 by Autoras

DiÍcitos pa.a estâ ediÉoCORTEZ EDITORARua BaÌtira, 3l? - Perdizes05009-000 - São Paulo - SPTel.: ( l l ) 3864-0111 Far: ( l l ) 3864-4290E-mail: cortez@cortezeditoÍa.coh.br

Impresso no BÍasil - julho de 2000

Suueruo

Apresentação

IntroduçãoFala e escritaA ouestão do ensino da fala

7

o

9l l

Capítulo I - A organização da fala e da escrita ... 15Fatores constitutivos da atividãde conversacional 15Níveis de estruturação do texto falado . . . . . . . . . . 22A estrutura do texto escrito: o parágrafo 25

Capítulo II - Coesão e coerência no texto falado.. 3lTumo . . 35Tópico discursivo 37Marcadores conversacionais .... 44Par adjacente . . . . . . . . 49

Capítulo I I I - At iv idades de formulação.. . . . . . . . . 55O que é formular um texto? . . . . . . . . . . 55Hesitação 56Paráfrase. 59

;*dt9%,

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RepetiçãoCorreção

Capítulo IV - As relações entre fala e escrita . . ..Condições de produção

Operações de transformaçãoSugestões de atividades

Conclusão

Anexo - Normas para transcrição dos textos orais ..

Referências bibliográfi cas

6062

6974839l

l15

117

t2l

ApnpsplvtaçÃo

O objetivo desta obra é apresentar ao leitor a questãodo tratamento da oralidade no ensino de língua matema,pois há consenso entre os responsáveis por esse ensino que"o texto escrito não é mais o soberano" e que, taÍìto quantoa escrita, a fala tem "sua própria maneira de se organizar,desenvolver e transmitir informação, o que permite qu@

G )ome como fenômeno específico" (Marcuschi, 1993: 4).

O livro compõe-se de quatro capítulos, além da intro-dução e da conclusão. Na introdução e no Capítulo I, sãoapresentadas a organização da fala - níveis constitutivose níveis de estruturação - e da escrita - o parágrafo. NoCapítulo II, discute-se a coesão e a coerência no textofalado, mostrando que a análise desses dois fatores constitutivos do texto deve ser feita de forma diferente da dostextos escritos, já que são de natureza diversa, pois aconversação se produz dialogicamente, como criação coletiva.São examinados o turno conversacional, o tópico discursivo,os marcadores conversacionais e o par adjacente.

No Capítulo III, são analisadas atividades de formulaçãocomo a hesitação, a repetição, a paráfrase e a correção. NoCapítulo IV, observam-se as relações entre fala e escrita,

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trabalham-se as operações de transfomação e são sugcridasatividades para apÌicação em sala de aula.

O corpus utilizado compõe-se de textos do I'rojetoNURC/SP do t ipo D2 ídiálogo entre dois inforrnanrcs). a jc imde conversaçòes esponlâners e de entrevistas l r lnscr. i t i rs emAndrade (1995) e Aquino (1997). Os inquéritos do l)roictoNURC/SP do tipo D2 podem ser considerados, cln rletrnsmomentos. nìo simplesmente cliálogos no senrido cstr-ito,mas trílogos, de acordo com Kerbrat-Orecchioni (Ì995), umavez que apresentam uma estrutura mais aberta e mais irn_previsível que a do diálogo, e a troca se dá entre trôs enão doìs participantes (Documentador, Locutor I c l,ocrrtoÍ2). Já as entrevistas de televisão aqui expostas lônì scrììpreuma estrutura mais aberta e mais imprcvisívcl trtrc a tlodiálogo em que L2 só pode interv;r upí , : , r r t . r l : r ,1. l . t .

"onde a interrupçào e a "única fanr ls ia i l r re () \ i l ter l ( )cut()rcsse podem permitir no que se reÍcrc iì altelniìrrcirr rlc turnos".(Kerbrat-Orecchioni, op. cit.) Assirn, invalirlrr st. rr Íìir.rrlrlaab nb ab aplicada somentc ao cliÍlogo,.jri 11rrr. rro /r./o,goots, no polílogo esses esqucmas não possucnì r.ctr.l l irlr.

A obra,.destina-sc precipuamcnte a proÍcssolcs. r.strr_dantes de graduação e pessoas interessaclas cnt irrlìrrrr;rr scsobre questões concernentes ao tratamento gcr.ul tl lr olrrlitl lrtlce suas relações com a escrita, e ptocuriÌ rÌìoslfir. (lu(, oestudo daquela. embora se v:r lhu dls teor i r rs r l ; r An;r l isr . t l r rConversação, Sociol ingüíst ica Intcraciolal , Ar l i l isr . r lo l ) is-curso e de outras ciências, não podc ocol.('r i\olir(llnt(.ltclpois mantém com a escr i ta rc laçõcs rrrr i t r r ; rs t . i r r t r . r r r r r r r l r i i ivc is.

Espera-se ter atingido os ohjctivos rlcscjrrrlos

IwrnonuçÃo

Fala e escrita

Muitas pesquisas têm sido realizadas ultimamentesobre a língua falada, quer nas ciências humanas, quernas sociais, e, ainda que um número crescente de trabalhoscompare-a com a modalidade escrita, pouco sabemos sobreelas.

Embora nas durs o sistema lingüístico seja o mesmopara a construção das frases, "as regras de sua efetivação,bem como os meios empregados, são diversos e específicos,o que acaba por evidenciar produtos diferenciados" (Mar-cuschi, 1986:62).

Sociólogos, antropólogos, educâdores, psicólogos elingtiistas têm se debrgç{do sobre o assuÌÌto e, diante detanto interesse, era de [se)esperar que as características dafala e da escrita já tivesíem sido analisadas exaustivamente,porém, se há muitos trabal@ entre eles-é pequena. A escrita tem sido vista como de estruturacomplexa, formal e abstrata, enquanto a fala, de estruturasimples ou desestruturada, informal, concreta e dependentedo contexto.

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Teixeira de Castilho, e os trabalhos de Estudos da NormaUrbana Culta do Brasil (Projeto NURC), especialmente dogrupo de São Paulo, coordenado por Dino Preti.

Quanto à escola, não se trata obviamente de "ensinara fala", mas de mostrar aos alunos a grande variedade deusos da fala, dandolhes a consciência de que a língua nãoé homogênea, monolítica, trabalhando com eles os diferentesníveis (do mais coloquial ao mais formal) das duas moda-lidades - escrita e falada -, isto é, procurando torná-los"poliglotas dentro de sua própria língua" (Bechara, 1985).

Reafirmando, com Castilho (1998: 13),

"(...) não se acredita mais que a função da cscola deveconcentÍar-se apenas no ensino da língua escrila, a pretextode que o aluno já aprendeu a língua falada em casa, Ora,se essa disciplina se concenÍasse mais na reflcxão sobre a

4. língua que falamos, @!Ig!4o_ !g_.bdg* u_,Igpry!qç{,1 d"esquemas classificatóÍios, logo se descobriria a importânciada língua falada, mesmo para a aquisição da língua cscrita".

Na veiâade, vem-se criando a consciência de quc aoralidade tem um papel no ensino de língua e, nesse scniido,os Parâmetros Curriculares Nacionais afirmam quc:

"a questão não é falar certo ou €rÍado c sim sabcr queforma de fala uti l izar, considerando us c r ctcríslicits docontexto de comunicação, ot se1a, saber aderlu(r e rcgistoàs diferentes situações comunicativas. É subcr crxrrdcnarsâtisfatoriamente o que falar e como Íuzê.1o, cOnsidcrtndoa quem e poÍ que se diz dclcrmin$du coisl" (gri lìrsnossos).

Como já apontou Marcuschi ( 1997), r qucstilo daoralidade é colocada como um prohlemt rlc ,lrdcquuçlo àsdiferentes situações comunicativas".

t i

Nessa perspectiva, o ensino da oralidade não pode servisto isoladamente, isto é, sem relação com a escrita, poiselas mantêm entre si relações mútuas e intercambiáveis. Eo que pretende fazer este livro que ora passamos as suasmãos, caro leitor, lembrando que ele se coloca como umcaminho para a consecução da proposta apresentada.

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que se altemam sem uma disposição fixa, o rluc crrrctcrizao encontro em reÌativamente simótrico Ou rcli|tivarììcnteassimétrico.

Por relativamente simétrico, entendc-sc a convcrsaÇioem que ambos os inter locutores têm o mcslrro, l i IL ' i t r r r r Ìosó de tomar a palavra, mas também de escolhcr.o ttipicodiscursivo {"aqui lo acercr do que se esl j f r lunJr i r . d i r t lc i t r -ná-lo, estabelecer o tempo de participação. Qu lìto lo Ícla-tivamente assimétrico, ocoffe um privilegian.ìcnto rto r;uc dìzrespeito ao uso da palavra, cabendo a um dos jnlerlocrrlorcscomeçar o diálogor, conduzi-lo e, ainda, ÌnudrÌ o l(il)ico.

Observa-se a ocorrência de um evento dc Íìrlr numdeterminado tempo e situação social, seja facc a Ílcc, portelefone, via intemet entre outras. Além disso. ó nossíveldeteclar-se um crráter interat ivo em todu u;r t iv i r . l ; r i t . r .on-versacional, visto que ocorre um envolvintcnt() ctìlrc osprr t ic ip i ìn les numa dada si tuaçâo.

Scheglof f (1981: 73) caracter iza a corìvcÍs lçã() . i ìnon-tando três elementos Íundamenl l is : reaì izuçio rPn,. l t r f ;1, ,1.interação e.-organização (ordem). O discurso conver sacionaldeve ser, então, consideÍado um processo quc sc realizac,ontinuamente durante a interação e só assim ó identilicÍvel.E na interação e por causa dela que se cria urrr proccssode geração de sentidos, constituindo um fluxo (tìtovirÌìcntode avanço e recuo) de produção textuiìl organizldr).

Dentre os estudos sobre a oralidade. podcrrros clcstacaro de Ventola (1979) sobre a estrutuÍa rJa corrvcr.sirçio. Aautora propõe um modelo de organização corrvcr.saciollrl apartir de conversações espontâneas, valrtrizarrdo its scguitìtcs

variáveis: tópico ou assunto, tipo de situação, papéis dosparticipantes, modo e meio do discurso.

Para ela, o tópico ox assunlo é um meio de estabele-cimento e manutenção dos relacionamentos sociais, já queabre e mantém o canal de comunicação, propiciando ocontato entre os participantes.

Em relação à situttção, observa que se trata de umencontro face a face e, embora o assunto pareça ser comume em alguns casos até supeÍficial, os participantes precisamestar atentos às atividades verbais e não-verbais, pois nãosomente o que está sendo faÌado, mas a situação em quese fala pode lfelar a conversaçâo.

Quanto aos papéis dos participanles, salienta que, comoparticipantes de situações sociais, somos requisitados a noscomportarmos de um modo particular numa determinadasituação e de modo diferente em outÍa. Assim, podemosdesempenhar simultaneamente vários papéis; entretanto, umdos papéis sociais normalmente destaca-se e determina quetipo de fala devemos usar em uma situação social particular.

Observa. ainda. que o modo do discurso é determinadopelo propósito da ìnteração e dele decorre, por exemplo,um grau maior ou menor de formalidade. Assim, tende aser formal um contexto em que se tem uma solicitâção deemprego e informal uma conversa entre dois adolescentesno pátio da escoìa.

Já em relação ao meio, explica que este correspoÌ'Ìdeao canal de comunicação pelo qual a mensagem é transmitidaoralmente, seja face a face, via telefone, internet etc.

Esse modeìo proposto por Ventola justifica o fato denão se trabalhaÍ apenas com elementos lingüísticos que seapresentam no texto falado, visto que, por exempÌo, o aspectointeracional pode determinar a estrutura da conversação(cf . Andrade & Aquino. 1994ì.

l . gstamos cmpregando o tctmo dìútÒro no \rdir t , , Lrr( , , t ( . ( . i ì r ìve, \ i rçao,quando delâ pânic ipâm mais dc dois in lcr lxul()r(st l Ì ! j ( ì i . I rx, \ r , | | lx( l f i i l ( , Ì roscnlrdo cstr i lo dc convcrsaçÌo conr dois l ) i l r t i ( i l ì I t rs. ü\ , I r t , , , , \ t r l t r \ / , r?, / ! ,ou pol í loy prra quando houvfssc (r is 1)ü nÌ i r i \ nrr . r t , \ . I t , , r f \ . . , ì l t ) In( ìx jcKcrbral OÍecchioni ( 1995).

l6 t7

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Em síntese, podemos dizer que um cvcrìto conrunicativoconstitu!se dos seguintes aspectos significalivos:

a) situação discursiva: formal, inforrnal;b) evento de faÌa: casual, espontâneo, proÍìssional, ins-

titucional;

c) tema do evento: casual, prévio;

d) objetivo do evento: nenhum, prévio;

e) grau de preparo necessário para efetivaçio do cvento:nenhum, pouco. muito.

0 participantes; idade, sexo, posição social, formação,profissão, crenças etc.;

g) relação entre os participantes: amigos, conhecidos,inimigos, desconhecidos, pârentes;

h) canal util izado para a realização do evento: Íìce aface, telefone, rádio, televisão, internct.

A seleção de um ou outro item dentre os elcncadosinterfere nas condições de produção do texto falado, deter_mlnando a especificidade do evento discursivo. para quepossamos e*pÌicitar melhor essa questão, observemos osexemplos:

- _ (Ì) Contextualização: momentos de interação entre um

oftalmologisra (Ll) e sua paciente (L2).

Ll dona M... como vai a senhora?L2 bem... obrigada...Ll então hoje vamos testar as lentes... não é? bem... eu já

disse para a senhora que poucas pessoas conseguemadaptar-se às Ìentes Varilux... especialmente às de con-{ato...

L2 ceno... mas vamos lentalLl por favor... então me acompanhe ató a salinhu ao lado...

minha auxil iar irá ajudá-Ia...

(Convcrslçio espontânea)

18

Trata-se de uma situação discursiva formal, já esperadanum evento de fala profissional, cujo tema é preestabelecidopor dizer respeito a uma consulta médica em que se combinaraa colocação de lentes de contato; assim, o objetivo do eventoé prévio e seu grau de preparação necessário para efetivaçãodo encontro é relativo, ou seja, há certa prepaÍação, já queo médico mantém um diáÌogo de rotina com sua paciente;entretanto, algumas falas podem ser específicas para essapaciente devido às necessidades do andamento da consulta.

Quanto aos paÍicipantes, Ll conduz a interação (odiálogo é, então, assimétrico) e caracteriza-se por ser umhomem da segunda faixa etária (36 a 55 anos), mestre emOftalmologia, mantendo uma relação profissional com suapaciente, mulher, pertencente também à segunda faixa etária,mestre em Educação, e o canal utilizado é face a face.

A identifìcação dos componentes da estrutura do trechoapresentado permite afirmar que a produção do texto faladoresulta da conjugação de vários fatores e, além disso, essaconjugação possibilita também detectar o tipo de relação depoder que se instaura entre os participantes.

Numa situação discursiva infôrmal, em que há paren-tesco entre os interlocutores, a relação poderá ser distinta,como se observa no segmento a seguir:

(2)

L2... acho que meu conhecimento de São Paulo é muitorestÍito se comparar com papai por exemplo....

Ll eu fui:: quinta-feira... não foi terça-feira à noite fui Ìáno ( ) né? lá na Celso Furtado

L2 éh:.

Ll passei ali em ftente à:: Faculdade de Direito... entãoestava lembrando...que eu ia muito lá quanto tinha setenove onze...(com) a titia sabe?... e:: está muito pior acidade

(NIJRC-SP D2 343, l inhas 15 a 23, p. 17)

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No exemplo (2) tem-se uma situação discLrrsiva inlìrr-mal,em que Ll é um rapaz de 26 anos, solteiro c cnfcnhciro.e L2 é uma jovem de 25 anos. solreiru c psictil,rr;r. .., urelação entre os participanles é de parenrcs.:,r. jrí irre sjoirmãos, têm um conhecimento partilhado basttntc gr.iìnde emanlêm. nesse segmento. o mesmo nívcl rlc I.cirçlìo rJepooer.

Por tratar-se de um inquérìto do projcro NUIÌ(', otema do encontro foi sugerido pelo document drrr.. irrclie;r doque os participantes deveriam conversar sobrc a cidrdc c ocomércio. O canal utiÌizado para a realização tkr cvurto foiface a face.

(3) Contextual ização: Mãe (Ll) e f i lho (1.2) r Ì ìanrômum diálogo a propósito de o jovem nÍo tcr rtt' l izirdo seucelular para notificá-la de que não iria dor.rrrir. ctÌì casanaquela noite. Nessa interação, o filho tcnr rroçrìo dc quenão há espaço para negociação e. assim. r..cirrr .r inr;r,rsiç:àoda mãe nessa relação de poder, como sc vcr.il ica rÌo tÍcclìoa sesuir:

Ll que,n não sabe usar celularaliás:: você não vai usá-loresolvido

L2 tá bo::m.. . tá bo::m.. .

((ìonvcr srrçrrr r csporrt inca)

Para melhor entender e analisar o texto lil ldo, ;xrtlctrrosexaminá-lo a partir da proposta de Dittrnurrrr ( l()7r))-r, 11ncconsidera as seguintes caractcrísticas biisicas:

a) interação entre pelo mcnos doìs Írrlrrrrtt.s:

b) ocorrência de pelo ntcnos ul Ì l l l r (x. i r rk. l r r l r r r r lcs;

c) presença de uma sct ; i ìôrrc iu tk. l rçot .s ((x l ( l ( . l i t ( l l ls .

d) execução num determinado tempo;

e) envoÌvimento numa interação centrada.

Observa-se, assim, que a produção de um texto faladocorresponde a uma atividade social que requer a coordenaçãode esforços de pelo menos dois indivíduos que têm algum.objetivo em comum.

Para participar de atividades dessa natureza, são precisosconhecimentos e habilidades que vão além da competênciagramatical, necessária para decodificar mensagens isoladas,pois que as atividadcs conversacionais têm propriedadesdialógicas que diferem das propriedades dos enunciados oudos textos escritos. Na verdade- parl tomar parte - interagir- numa conversação, é necessário que os participantesconsigam inferir do que se trata e o que se espera de cadaum.

As características apresentadas permitem saÌientar queo texto conversacional é criação coletiva e se produz nãosó interacionalmente, mas também de forma organizada.

Dado o caráter de imprevisibilidade em relação aoselementos estruturais, o texto falado deixa entrever plenamenteseu processo de organização, tornando-se possível percebersua estrutura, bem como suas estratégias organizacionais.Dessa forma, observam-se nessa modalidade de texto muitoscortes, interrupções, retomadas, sobreposições etc., de ondese deduz que, se o sistema da língua é o mesmo, tantopara a fala quanto para a escrita, as relações sintáticas sãode outra ordem.

A veracidade de tal afirmação pode ser comprovadapor meio de inúmeras ocorrências de textos falados, dentreas quais se destaca a seguinte, em que a Locutora I falade suas filhas mais velhas que estão entrando na adolescência:

(4)

Ll ...estão entrando na as mais velhas estão entÍando agorana adolescência e ...

deve dcir i i lo cr l e lsu. . .dur ln lc t rn l t \et ì l ì n i Ì . . . l í

20

2. Apud Mrrcus(hi (t98í) tS t6)

2I

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tL? ()

Ll mas são muito acomodadas... ainda não comcçaram as_sim... aquela fase... chamada de... mais difíci l de crít icat

L2 chamada mais difícilLl nélL2 ahn ahnLl ainda não... felizmente (ainda não) começarrm

(NURC-SP D2 360: 4(149, p. 137)O desenvolvimento do texto falado estÍ dirctamente

ligado ao modo como â atividade interacional sc organizaentre os paÍicipantes. Essa organização resulta dc dctisõesinterpretativas, inferidas a partir de pressupostos cognitivose culturais, tomadas durante o curso da convcrsaçio.

Níveis de estruturação do texto falado

, . A estrutura da conversação se organiza crrr clilcrentesnlvels: ..

a) local - a conversação se estabelccc por rneio detumos (produção de um falantc cnr;rranto clc estácom a palavra) em que os interloculorcs sc allcrname desenvolvem suas falas um após o oÌtlr.o, podendohaver momentos de hesitação, sobrcposiçio c assaltoao tumo. Veja-se o segmento a scguir:

(5)

Ll eu fui yer um filme ó::timo... Vcsrígios ckr l)ilL2 aht: me falaram que é murto bo::nr

tL3 neste fim de semana?... eu / vrrcô viu lri lutlé[ìa?Ll v i s im.. , v i semana passada.. . cs: t lc l i r r r c lc scnr l : :na v i . . .

No segmento (5), o texto se constrói a partir dacolaboração entre os três participantes. Observam-se mo-mentos de sobreposição entre os tumos de L2 e L3, bemcomo um momento de reformulação no turno de L3:eu/você.

Os tumos, por suâ vez, estabelecem uma relação empares (pares adjacentes), em que o primeiro sempre é condiçãopara que o outro se realize, como por exemplo: pergunta-resposta, convite-aceitação, convite-recusa, saudação-sauda-ção. Veja o trecho a seguir:

(6)L2 a sla família é grande?

Ll nós somos:: seis filhos

(NIJRC-SP D2 360: Ìinhas 20-21, p. 136)

Temos aqui um par adjacente do tipo pergunta-respostaem que a pergunta de L2 estabelece a condição para aformulação da resposta por Ll. Além disso, pode-se observarque a pergunta é do tipo fechada, isto é, requer uma respostasim,/não: entretanto. Ll deixa-a súbentendida ao indicar onúmero elevado de membros da família.

b) global - ao mesmo tempo em que a organizaçãolocal ocorre, a formulação textual obedece a certasnormas de organização global, sobretudo no que dizrespeito à condução do tópico discursivo. Observeo trecho a seguir:

(7)

Ll e Dona Mana ficou preocupada e insisliu VÁrias VEzespara a Cris comer...perguntei se queria que ela lhe dessecomida MAS a Cris NÃO quis srber... ELA pareciaesTAR zangada... então eu falei... Olha Dona Martadepois que EU sair para dar aula... a seNHOra ten::taVER se ela aceita comer... NEM que seja um POU::co

L2 você começou o::... curso de PÓS ON::tem?

22

(( ì|nvct slçrì(| csp()nliìnea)

ZJ

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Ll é coneceí...

L2 e gostou?

Ll gostei/gostei si,x::

L2 QUANtos alunos?

Ll QUAtro... havia apEn.ts elJAtro... .ttht,t... r,u lìttt i teí oNúmero de alunos especiais e a secril.Áritt nrc disseque havia QUIN::ze alunos queren:;do.fìt:.cr ,, tttctr (,utsoÉ PEna MAS eu NÃO sqbia dísso (...) nÌrs vollan::doa falar da Cris acho que ELA pENsa t;uc scu/sou aculpada (...)

(ConvcrsrrçÌo cspontânea)

Nesse trecho, os locutores estão convct.siul(lo sobre oincidente com a babí conÍatada por Ll. O lìrlo dc essalocutora mencionar que quando saísse ,/rí1,rr t lur trrt ltt, clonaMarta deveria oferecer novamente a reÍeiçio l)lÌ l . i l u garota,faz com que I2 pergunte a respeito ,Jo nuuo .r,rr,. l , i ,c Llcomeçou a ministrar na última semana. OcorÍc. clrt io, umdesvio do tópico discursivo que se clr lct r , f r , / i r ( . ( ) r ì r . ì umadigressàor. O fato de Ll d izer que vai . .srr i r p.rr . ; r t l : r r uulr . .sugere a L2 perguntar sobre uma particullr. icladc clcsseenuncjado: "como foi a primeira aula áo cur.s,r clc pírs,, queteve início naquela semana. Esse tipo tlc rcl,rçlì,, , lccxreporque L2 e Ll têm um conhecimento par.ti lhlckr: srìo arrrigashá alguns anos, estão inteiradas dos problcrrrrs larrri l iais,trabalham na mesma universidade etc.

A anáÌise desse segmento permile obselvlrl ir rnovi-mentação do tópico discursivo que se iniciu. tr irrlcrrornpidopela. digressão ("você começou o curso dc ptis onÌcrn,,),sendo depois retomado (,,mas voltando a l ir lr l: t lrr (,r. is,,).

3. A digressão pode ser def inìda conì( , Lrr Ì r j r | ( r \ . : r ( , i t , r r , , r ì \ . r \ r l t Ic n iosc acha diretamenle relacionada com o scgrì ìer l ( ) r ì ì i Ì t r i r l , r r ( . r t . g,r . . " , l , . r i r , : ncrncom o que lhe scguc. O l recho cnì i l i i l i ( ( , . n l ) sr i t l ì ( . d ( / r r r t . r . \ r unìrdrgressão.

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A estrutura do texto escrito: o parágrafo

A eìaboração do texto escrito - assim como do oral- envolve um objetivo ou intenção do locutor. Contudo,o entendimento desse texto não diz respeito apenas aoconteúdo semântico, mas à percepção das marcas de seuprocesso de produção. Essas marcas orientam o interlocutorno momento da leitura, na medida em que são pistaslingüísticas pâra a busca do efeito de sentido pretendidopelo produtor.

Um texto escrito tem no parágrafo uma de suas unidadesde construção. Essa unidade é composta de um ou maisperíodos reunidos em torno de idéias estritamente relacio-nadas. Nos textos bem-formados, em geral, a cada pârágrafodeve relacionar-se uma idéia importante, não havendo normasrígidas para a paragrafação. De fato, o produtor pode fazeruso da paragrafação para marcar a sua intencionalidade.

Em termos práticos, os parágrafos podem ser identifi-cados por recursos visuais: espaço de entrada junto à margemesquerda ou linha em branco na passagem de um parágrafopara outro. Embora a extensão do parágrafo seja variável,a observação mostra que a tendência modema é não usarparágrafos muito longos. Quanto à estrutura, o parágrafopadrão organiza-se como um pequeno texto (microtexto),apresentando introdução, desenvolvimento e conclusão.

A diversidade de textos implica a diversidade de cons-trução de parágrafos (cf. Andrade, 1994). Temos, então, aestrutura do parágrafo narrativo, a do descritivo e a dodissertativo. Enquanto o núcÌeo do parágrafo dissertativo éuma determinada idéia (idéia-n(tcleo ou idéia principal), odo narrativo é tm incidente (episódio curto ou fragmentode episódio) e o do descritivo é tm quadro (fragmento depaisagem, ambiente ou ser num determinado instante, ob-servado a partir de determinada perspectiva).

Vejam-se exemplos:

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(8)Foram só 73 segundos de vôo.0 ônibus espocial Challcngerhavia arrancado, apaÍentemente com sucesso, dl base docabo Canaveral, na Flórida, e já estava a 16 quilômetrosde aÌtitude, quando sobreveio uma tragédia: a nave trans-formou-se abruptamente em uma bola de fogo. Hora exata:I lh39m de 28 de feverciÍo. (lsto é, dez. 1986, apud I.-ARACO,Carlos. Trabalhando com narraÍíra,2. ed., São Paulo, Ática,1992, p. 7.)

(e)A Catedral de Brasíl ia é um dos prédios que mais meagradam na arquitetura da nova capital. E difcÍente de todasas catedrais já construídas. Com a galeria dc acesso emsombra e a nave colorida, elâ estabelece um jogo, umcontraste de luz que a todos surpÍeende; cria com a navetransparente uma ligação visual inovadora entrc cla e osespaços infinitos; tem na sua concepçÍo arquitetural ummovimento de ascensão que a caracteriz{ e não apfesentafrchrdas diferentes como us velhas catcdr.l is. E pur:r. (( 'moobra de arte. (Oscar NIEMEYER, A catedral e as cadeiras,in: FoLha de S. Paulo,20 maio de 1992, Caderno l, p. 3.).

(10)A sociedade industrial moderna destruiu a imagcm de coe-rênciâ estética da cidade. A persistência do discurso culturalidentif icado com a qualidade do entorno construído quepermitia a progressiva aniculação de diferentes maniÍestaçõesaÍtísticas - a praça da Annunziata no centro nrcdicvll deFlorenza ou a coexistência de esti los sucessivos na praçaSão Marcos de Veneza *, se desintegra antc I cxlensÍoda agressiva volumetria das edificaçÕes e a nítidr scgrcgaçãotenitoÍial dos grupos sociais que nela habiturn. Ao tccidoconsolidado do "centro urbano", denso dc síntbo|rrs c sig-nificados, contrapõe-se o anonimato iÌ ldiviclull dc "suhulbia"...nos Estados Unidos atualmente a pcrilcri:r ú oc.rrPada por50 milhões de habitações isoladls. Qucnr pllne.ja c rcalizaI c idade atual? Si , ' o5 q. t . . r1. . , , ' rcì . cnì l ì r ' r . \ . i t i r ' \ , inc, ì rpo-tadores, engenheiros, propticti i Í ios (lc lrff i t clr I) ir l las ou

Atlanta são E. Rouse, G. Hines, J. Portman ou D. Trump- e os desamparados- Resta pouco espaço para o Estadoe para os uÍbanistas e projetistas que representam a vanguaÍdado saber profissional. (Roberto SEGRE, "Havana: o resgatesocial da memória". ln|. O direíto ò ntetúría: patríntôniohistórico e cídadatia. São Paulo: DPH - Secretaria. Mu-nicipal de Cultura, 1992, p. 102.).

No texto (8), o parágrafo é narrativo, já que se temuma notícia sobre um fato reall desenvolve-se sob a influênciado tempo cronoÌógico (nos contos e romances narram-seacontecimentos reais que se desenvolvem a partir do tempocronológico ou do psicológico) e inclui um procedimento:seqüência de ações que se encaminham para um desfechoou epílogo. O núcleo do parágrafo nanativo é, como jádissemos, um incidente. Nele não há frase núcleo explícita,vlsto que:

"o seu conteúdo é lm rta\ um devenir, um instante notempo, e, portanto, teoricamente imprevisível, tecnicamenteimpossível de antcncipar. Lembra um instantâneo de películacinematográfica com a mdquina posta em repouso parapermitir a análise dos detalhes'da ação". (Garcia, 1973:229).

No texto (9), tem-se um parágrafo descritivo, pois neleo l.cutor pretende apresentar características e qualificaçõesde çerta reaÌidade. Nota-se que a sua estrutura é espacial eatemporal: a intenção é fixar, "fotografar", tornar perceptívelum detcrminado objeto: a catedral.

A idéia principal deste parágrafo é a diferença existenteentre a catedral de Brasília e as demais já construídas. Aqualidade do texto repousa na Dercepção do observador quebusca apresentar o objeto por meio de seus traços particula-nzantes.

Em (10), o parágrafo dissertativo se inicia por umafrase-núcleo (também designada idéia-núcleo ou tópico frasal),

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oferece maior Ìegibilidade, visto que tal frase funciona comoelemento desencadeador das idéias subseqüentes. Essa fra-se-núcleo contém uma declaraçào inicial iccrca da estéticada cidade modema. A partir do segundo períoclo, o autorpassa a fazer considerações sobre o que ocorÍe, cm termosde urbanização, em algumas cidades do mundo e quais sãoas causas dessa situação. Lança ainda uma qucsljo .'euemplaneja e realiza a cidade atual?,, - para poder elencarquais são os principâis responsáveis e podcr encaminhar oleitor para a conclusão. Esta é feita de mancira direta, semajuda de operadores discursivos, tais corÌo: destc modo,portanto etc. Revela, na verdade, a conseqüôncia do que foiabordado em todo o trecho: ,.Resta pouco

".prço iuru oEstado e para os urbanistas e projetistas qu" |."pr"."nturn uvanguarda do saber profissional".

Ainda no texto (10), podemos observar o plresso deestruturação do parágnfo dissertativo, dcstacando a delimi_tação do assunto, a formulação do objetivo, bcnr como aspartes do texto: (introdução: apresentada por nrcio da fra_se-núcleo; desenvolvimento da idéia principal: através deordenaçãoçor tempo e espaço, enumeraçio, c(nltÍastc, causae conseqüência, explicitação, entre outros): linalmcnte, épreciso concluir o assunto: pode-se fazcr ulnt sínlcse dosaspectos abordados no desenvoÌvimento ou ilDrcscntar oresultado ou conseqüência das idéias expostüs. Nu vcrdade,a conclusão ratifica a frase-núcleo. Assinr, lcnlts nesseexemplo:

- Assunto: arquitetura e urbanismo.

- Delimitação do assunto (tema): csrólica tla cidademodema.

- Objetivo: mostrar que, na socicdadc industrial mo-dema, os profissionais da Írca dc urbanisrno Doucopodem fazer em relaçÌo lo plrrrc, jarne rrto tlas ciàades.

- Frase-núcleo: o prinrciro pcrítxh tkr parígrafo.

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- Desenvolvimento: desde "A persistência do discursocultural..." até "e os desamparados".

- Conclusão: último período do parágrafo.

A construção de um parágrafo bem estruturado exigeque este apresente unidade, coerência, concisão e clareza,visto tratar-se de uma interação à distância, em que não hápossibilidade de paÍicipação direta e imediata do interlocutor,como ocoÍe no texto oral.

. Unidade. Cada parágrafo pode conter somente umaidéia principal. As idéias secundárias devem estar relacionadasà principal, sem acréscimos ou digressões que possam quebrara unidade pretendida.

. Coerência- A organização do parágrafo deve ser feitade tal forma que fique evidente o que é principal. Eindispensável que haja relacionamento de sentido entre aidéia principal e as secundárias desenvolvidas no texto.

. Concisão. O parágrafo deve conter a quantidade deinformação adequada ao objetivo do texto. A concisão,porém, não deve ser alcançada eÍi detrimento da clarcza.

. Clareza. A escolha das palavras adequadas ao contextoconcoÌÌe, em grande parte, para que o parágrafo se torneclaro e a sua leitura possa ser feita de maneira eficiente,atingindo a compreensão.

A transição de um parágrafo parâ outro não deve serbrusca; impõe-se um encadeâmento lógico e natural entreeles. Em alguns casos, toma-se indispensável acrescentar âotexto um parágrafo de transição para que o encadeamentodas idéias se faça de maneira coesa e harmoniosa. Entre-tanto, é aconselhável que o texto não apresente parágrafosrepetitivos sem necessidade, pois a repetição pode inter-romper o fluxo informacional, tornando o materiâl redun-dante e cansativo.

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Neste capítulo, procuramos examinar a organização dotexto nâs modalidades falada e escrita. Dentre o que nospropusemos, e conforme já dissemos na introduçãì. estelivro privilegia a fala. Examinaremos, no próximo capítulo,como se dão os fatores de coesão e coerência nessa moda_lidade.

CapíhtLo II

CopsÃo E CoBnBNcIeNO TBXTO Fru,ENO

A coesão e a coerência constituem fatores básicos detextualidade. Muitos autores não fazem distinção entre elas,utilizando um termo ou outro para os dois fenômenos.Alguns usam expressões como coeiência microestrutural oucoerência local, quando se referem à coesão, e expressõescomo coerência macroestÍutural ou coerência global, quandotratam da coerência propriamente dita.

Na visão de Tannen (1984), por exemplo, a co€sãocontribui para o estabelecimento da coerência' mas nãogarante sua obtenção. Essa idéia é compartilhada por Giora(1985), que mostra não ser a coesão um fator independente,mas "um subproduto da coerência".

r A coesão revela-se, às vezes, por meio de marcasformais na estÍutura lingüística, manifestando-se na oÍganização seqüencial do texto e sendo percebida na superfícietextual em seus aspectos léxico, sintático e semântico; outras

. vezes, vem subentendida, não marcada lingüisticamente.

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Tendo em vista a natureza do texto conversacional, aanálise dos elementos de coesão deve ser fcita de modoespecífico. Estudos de Fávero (1992, l99g) sâlienram osrecursos empregados com maior freqüência no quc se refereà coesão referencial, recorrencial ou seqüencial.

Dentre as possibilidades de ocorrência clc coesão re_ferencial, a autora destaca a reiteração do mesmo itemlexical . De faro. a al ta incidência de repcr içòcs no textofaÌado é perceptível com facilidade e fiworóce a coesão.além de contribuir para a organizaçào rópica.

Um exemplo de como se manifesta a cocsão no textoconversacional pode ser observado no trecho a seÊuir. emque o locutor repete os mesmos itens lexic;ris, rãvelandofalta de agilidade na busca de melhor expressão ou umrecurso para continuar com o tumo:

f l t )

L2 ele jí ia à escola da manhã que eu comecei quando eucomecei tabalhar... conecci a trabulhar hi dois Lrnos... sóantes eu não trabaÌhava... e quer dizer então... ele iá ia àescola de manhâ poÍque eles dormem sele e meil e aeordamsels.ie meia... é o horário normal deles

(NURC_SP D2 360 374_379, p. t45)

Além disso, a repetição pode-se constituir em meiopara se ter acesso ao tumo, como no exemplo a seguir, emque L2 repete a faÌa do Documentador e toma o túmo, aoconversarem sobre a dificuldade que tinha seu marido emìocalizar bons executivos pura us fir-as,

(12)Doc. de BAIxa procura e ao mesmo tempo que se necessita

d,essa:: ela é difícil

L2 é é clificil de encontrar... uhn uhn normalmente é difícil...

Para a coesão recorrencial, Fávero destaca a presençada paráfrase como elemento coesivo, o que se pode exem-plificar com o segmento:

(13)

L2 mesmo porque aí que vai procurar ajuda né2

lLl aí... vai procurar terapia né?

(NIJRC-SP D2 343 2O6-2O7, P. 22)

em que Ll reÍoma ajuda - formulada porL2e que permiteuma pluralidade de acepções - por meio da utilização deterapia - acepção específica.

A coesão seqtiencial pode ser observada a partir dosconectores. No exemplo a seguir, tem-se uma ocorrência doe intra e interturnos, exercendo variadas funções - promo-vendo continuidade, ou funcionando como marcador paracontinuar o tumo ou para assaìtá-lo:

(14)

Ll e: :L2 e daí o entusiasmo para Nove filhos...

Ll exatamente nove ou dez...

lL2 ()

Ll é e:: mas... depois diante das dificuldades de conseguirquem me ajudasse... nó::s pâramos no sexto filho...

L2 ahn ahnLl não é?... e... estamos muito contentes e...

L2 e dáo muito trabalho tem esses problemas de juventudeesses negócios 0

(NURC-SP D2 360: 30-38, p. 137)

A coerência, por sua vez, pode ser definida como umprincípio de interpretabilidade do texto, envolvendo fatores

I

)z

(NURC-SP D2. 360: 971-973, p. 160)

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de ordem cognitiva, lingüística e interacional. Está relacionadaà boa formação do texto e se estabelece a partir cJe umaunidade de senr;do (arual izaçâo selet ivr tJoi s igr : i f icadosvinuais das expressòes l ingüíst icasl . o que r c laructer izacomo algo global . is to é. re lerenle ao lext( ì corÌ t ( ) um todo.

Além disso, a coerência é tomada como urnl oossibi_lidade de emergência de sentìdo e de comprccrrsìo que seconcretiza no âmbito das relrçòes interativr, ànlr" o. ,rrd.io,na construção da textuaÌidade. pode ser caracterizada comoum fenômeno complexo e de pouca evidência empírica; suainstauração no texto se dá a panir de perspect ivas deprodução da atividade conversacional em funcionamento. ,,Acoerência não é uma unidade de senticlo, mas uma oossi_bi l idade interpretat iva Íesul tante localmcnte. . tMarcuschi .1988: 2).

Embora na coerência não exista tÍansitividade, isto é.cada segmento de lexto nâo precisa estar I igado diretumenteao anterior. observa-se que ela é propriedaãe nâo do lexto,mas daqueìes que interagem nesse texto. Então, a coerênciâapresenta-se como "algo que se articuÌa peÌa interação, numprocesso"de conslrução mútua. pelrs relaçòes estrúeleciduse percebidas pelos f rhnres" (Aquino. lgt l : g5_gó).

Assim, para que haja entendimento entre os interlocuto_res, é preciso que eles sejam coerentes no que dizem e.pr incipalmente. saibam sobre o que dizem (tóptcò discursivo).

Na visão de Fávero (1992: 116-117):

"O texto conversacional é coerente: o problema é que comoele obedece J pÍocessos de ordem cognitivit. muita, uezes.se torna ditícil detectar marcas lingüísticas e discursivasdessa coerência, pois ela geralmente não se dí com basenessas marcas, mas na relação entre os refèrentcs; daí almportância da noção de controle referencial estabelecidacom base na organização tópica, e é por isso que o estudodo desenrolvrmento dos tcjpicos vem rdquirinão crdu vez

mais ênfase, possibilitando análises discursivas que envolvemum maior número de fatores".

Conforme se pôde observar, a análise da coesão e dacoerência no texto falado deve ser feita de modo distintoda análise feita em textos escritos, porque - como bemdiz Fávero (1999: 93) - rra conversação é de naturezadiferente: ela se produz dialogicamente, como criação coìetivados interlocutores".

No texto conversacionaÌ, constata-se a presença dequatro elementos básicos que são responsáveis pela suaorganização - o tumo, o tópico dìscursivo, os marcadoresconversacionais e o par adjacente, e será deles que trataremosa segulr.

Turno

Estruturalmente, o tumo define-se como a produção deum falante enquanto ele está com a palavra, incluindo apossibilidade de silêncio. Na conversação, ocorre a altemânciados participantes, isto é, os interlocutores revezam-se nospapéis de falante e ouvinte. Nessa perspectiva, pode-secaracterizar a conversação como uma sucessão de tumos,entendendo-se por tumo qualquer intervenção dos paltici-pantes (tanto as intervenções de caráter informativo, quantobreves sinais de monitoramento, como: ahn ahn: sei: certo)durante a interação.

Sacks, Schegloff & Jefferson (1974: 7Ol-702) montaramum modelo elementar para a conversação, baseado no sistemade tomada de tumos. Esses autores sugeriram um sistemaválido para conversações espontâneas, informais, casuais,sem hierarquia de falantes. Para esses estudiosos, qualquerconversação deve apresentar as seguintes propriedades:

a) a troca de falantes recoÍïe ou pelo menos ocoÍïe;

*.

-J-)

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b) em qualquer tumo, fala um de cada vcz;c) ocorrências com mais tle um falantc poÍ vez são

comuns, mas breves;d) transições de um tumo a outro sem intervalo e sem

sobreposição são comuns; .longas pausas e sobrepo_

sições extensas são mrnona;e) a ordem de tumos não é fixa, mas variável;f) o tamanho do turno não é fixo, mas variável;g) a extensão da conversação não é fixa nem previa_

mente especificada;

h) o que cada falante dirá não é fixo nem previamenteespecificado;

i) a distribuição dos turnos não é fixa;j) o número de paÍicipantes é variável;k) a fala pode ser contínua ou descontínua;l) são usadas técnicas de atribuição de turnos;m) são empregadas diversas unidades para construir o

tumo: lexema (palavra), sintagma, sentença etc.;n)'.èertos mecanismos de reparação resolvem falhas ou

violações nas tomadas de turno, como por exempÌo:"desculpe... mas você estava dizendo que,,.

. Pr:u. propriedades apontadas permitem afirmar que a

tomada de turnoa é uma operação funàamental da conversaçãoe o tumo toma-se um dos componentes centrais do modéÌo.Para exemplificar a distribuição de rumos em um r;h; J;conversação, observe o exemplo (5), já discutido anterior_mente e que retomamos aqui:

Ll eu fui ver um filme ó::timo... Vcsrígios do DiaL2 ah..: me falaram que é muilo bo::m

^ 4. Para um esludo sobrc i Scst i ì { ) ( t i Íx ì logi i l ( t ( . r r r ì r ) \ Lrr ÌvcrsÍc ionais,

ver Galembeck, Silva & tìosl i),X))

--)o

tL3 neste fim de semana?... eúvocê viu Filadélfia?

Ll vi sim... vi semana passada... es::te fim de sema::na vi...

Cada participante dessa conversação tem direito a formularseu tumo e, se o princípio é "faìa um de cada vez", o exemploevidencia que nem sempre é isso o que ocorre, já que sedetecta a fala, ao mesmo tempo, de dois interlocutores L2 eL3 em sobreposição, marcada pelo sinal de colchete.

Tópico discursivo

Tomado no sentido geral de assunto, o tópico discursivopode ser definido, conforme já dissemos, como "aquilo sobreo que se está falando" (Brown & Yule, 1983: 73). Pode-sedizer que o tópico é um elemento estruturador da conversação,pois os interlocutores sabem quando estão interagindo dentrode um mesmo tópico, quando mudam, cortam, retomam oufazem digressões.

TÍata-se, conforme observa Aquino (1991:65-66)' "do

sentido construído enquanto se falâ e gerado, também, por

atividades as quais o mobilizam e marcam os seus segmentos".

O tópico discursivo se estabelece num dado contextoem que dois ou mais interlocutores, engajados numa atividade,negociam o assunto de sua conversação. Tal afirmaçãopoderia sugerir que o tópico se estabelece claramente, in-

clusive por meio de marcas lingüísticas; entretanto, aindasegundo Aquino, muitas vezes a identificação de um tópicodiscursivo não se dá de modo explícito, já que ele podeapenas ser pressuposto.

Quando isso ocorre, verifica-se que o Íeferencial nãose encontra no texto, mas no contexto situacional e, nestecâso, as unidades lingüísticas referem-se sistematicamente atraços do mundo extralingüístico. Esses traços incluem nãosó a situação imediata onde as unidades são utilizadas, como

&

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também o conhecimento por parte dos interlocutores sobreo que foi dito anteriormente e sobre quaisquer crençasexternas relevantes.

Exemplifica muito bem essa questão o trecho a seguir.Num contexto em que um casal combinara ir à praia iarapassar o fim de semana, o marido (Ll), que eiperava àporta do elevador, impacientou-se com a demorã _ tãocostumeira - da esposa (L2) e, indignado, porém cuidadosopara não. criar indisposição entre eles, dirigiu_lhe a palavranos seguintes termos:

(15)

Ll perdeu alguma coisa?L2 não... poÍ quê? tí com muita pressa?Ll eu só:: queria le ajudar...L2 só se eu não o conhecesse....

(Conversação espontânea)

Ao explicitar "perdeu alguma coisa?", na verdade Llestava querendo referir-se à demora da esposa e foi assimque ela inÍeriu, certamente pelo que já se cónheciam. Assim,em vez'de responder-lhe, L2 organizou outra pergunta.mudando o tópico e mostrando a Ll o que inferiu. óomoele insistisse em nào criar indisposição, organizou seu enun_ciado alertando-a de que não dìsseia (diretamente) nadâ nosentido de pressa ("eu só queria te ajudar'.). Novamente,Ll p_osicionou-se, agora por meio de uma avaliação (,.só seeu não o conhecesse"), indicando o que detectoú, não peloque L2 explicitou, mas pelo pressuposto.

Pesquisas realizadas pelo grupo de estudiosos do textoque integram o Projeto da Gramática do português Faladono Brasil permitem indicar que o tópico discursiõ5 apresentaas seguintes propriedades:

_ 5. Veja-se Koch et al. (1992) e FáveÍo (1993) paÍì um csrudo ÍÍüris

completo a respeito de tópico discursivo.

38

a\ Centração. O tópico é basicamente uma questão de

conteúdo, é o falar acerca de algo, o que implica a

utilização de referentes explícitos ou inferidos que con-

vergem para o desenvoÌvimento textual. Cabe lembrar

que o tópico está sempre na dependência de um processo

colaborativo que envolve os participantes da atividade

inteÍacional.

b) Organicidade. O tópico se estabelece a partir de uma

relãção de interdependência em dois planos: seqúencial

- distribuição linear ou horizontal - e hierárquica -

distribuição vertical. As camadas dessa hierarquia podem

ser ilustradas pelo quadro tópico a seguir:

SbT sbT

ST = supertópicoT = tópicoSbT = subtóPico

c) Delimitação local. O tópico é marcado, potencialmente,

por início, desenvolvimenlo e fecho' embora isto nem

sempre se evidencie. vale acrescentar que as marcas

dessa delimitaçào podem ser marcadores conversacionais.

elementos prosódicos (pausas, hesitações), perguntas, re-

petições, paráfrases etc.

Vejamos, agora, a distribuição dos segmentos tópicos

na linearidade discursiva. O trecho escolhido faz parte do

diálogo D2 343. A interferência mínima da documentadora

e a conseqiiente predominância das falas dos informantespermitem afirmar que o texto apresenta traços bastante

SbT SbTsbT

*

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próximos aos da conversação espontânea, com um grau deplanejamento prévio bem reduzido.

(16)Ll eu fui:: quinta-feira ... não foi terça_feiÍa à noite fui lá

no 0 né? Lá na Celso FurtadoL2 éh:

Ll passei aÌi em frente à Faculdade de Direito... então estavaIembrando... que eu ia muito lá quando tinha sete noveonze... (com) a tit ia sabe?...e:: está muito pior a cidadeestá...o aspecto dos prédios assim é bern mais sujo...tudo acinzentado né?

L2 uhn:: poluição né?

Ll ruas mais ou menos sujas.,. ali perto da praça da Séda Praça da Sé tudo esburacado por causa áo metrôné?... achei honível... feio feio feio... e toda segundâ ànoite eu passo ali do lado da faculdade certo?

L2 quândo você vai pra:: para Aliança né?

tLl é quando eu p€go o caÍro... e:: também é

horrível o aspecto... (parece) assim montoeira de con_'.creto... sem nenhum aspecto humano certo? os prédios

sem:: esti lo arquitetônico... ou de esti lo arquitetônicotudo desencontrado não têm não têm integração...

L2 mas isso eu acho que não tem né? em::... lugar nenhumda cidade a nào ser talvez... assim

tLl me paroce que...L2 bairro em termos de de visão::Ll me parece que está ahn::envelhecida a cidade né?... ahn::

muita construção... antiga não tem muita constÍuçãonova...

L2 oh eu acho que em termos de::... centro por exemploestá começando a acontecer um negócio que... você vênormalmente em cidade americana grande WashingtonNova lorque... que é::... pessoal mais classe alta ir iara

40

o subúrbio... e o:: centro bom:: em washington por exemploé gueto... né? em Nova Iorque também...

tLI

uhn::

L2 então a Tatá estava contando outro dia né? que:: depoisdas seis horas da noite você andar na cidade e o jeito

dela "só tem preto... só tem preto e bicha"né? e:::..erealmente acho que ne/muito pouca gente ainda moralá assim de nível sócio-econômico mais alto né?...

Ll é porque de noite... está vâzia bem vazia não tem trânsito(mas)... Lins por exemplo não é assim né? você tem...temum aspecto de::... de acho que parece bairro a cidadené? não tem nenhum movimento... éh:: chega seis setehoras

tL2 mas que

Ll todo mundo na rua... ah não sei.., deve ter uns::...

tL2 tamanho quantos habitantes tem lá?

Ll cinqüenta cem mil...L2 eh São Paulo acho assim uma vez o Franck sabe aquele

que... que é arquiteto?L1 uhn.. .L2 ele estayâ falando que a topografia da cidade é muito

bonita...

(NIJRC-SP D2 343: l7-69, P. l7-18)

O tema sugerido pela documentadora é "Cidade ecomércio", mas o texto não Íevela que os interlocutoresdeveriam seguir um determinado plano para expor suasopiniões, tanto é que eles se colocam à vontade para mudarde assunto ou, até mesmo, retomar pontos desenvolvidos naparte inicial do diálogo. No que se refere à organizaçãotópica, o texto gravado apresenta dois grandes tópicos

4l

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no horário adequado. A mãe entende e responde explicita-mente, fazendo uma avaliação

Ao se focalizar o aspecto relativo à compreensão textual,observa-se que, implicitamente, os tópicos I e 2 estãorelacionados ao supertópico "Obrigações em família" e queesse mesmo supertópico se mantém, ou seja, não mudanesse segmento conversacional. No texto, detecta-se mudançade referente (de "bola" para "almoço"), sem que esseseìementos lingüísticos estejam coesivamente interligados; en-tretanto, essa questão não interfere em temos de coerência,pois os referentes apontados inter-relacionam-se num outronível, o das relações cognitivas, possível graças ao conhe-cimento partilhado entre os paÍicipantes.

A partir da observação dos exemplos de números (16)e (17), é possível afirmar que a condução do tópico discursivoe, conseqüentemente, a organização do texto falado, nãopode ser prevista.

Marcadores conversacionais

A expressão marcador conversacional serve para de-signar não só elementos verbais, mas também prosódicos enãoìingüísticos que desempenham uma função interacionalqualquer na fala. Podem ser produzidos tanto pelo falantecomo pelo ouvinte. São exempÌos de marcadores elementoscomo: claro, certo, uhn, ahn, viu, sabe?, né?, quer dizer, euacho, então, daí, aí etc. Os marcadores prosódicos, por suavez, abrangem os contornos entonacionais (ascendente [t],descendente hl, constante [+]); as pausas (silenciosas oupreenchidas); o tom de voz, o ritmo, a velocidade, osalongamentÕs de vogais etc.

Os marcadores nãoJingüísticos ou paralingüísticoscomo, por exemplo, o riso, o olhar, a gesticulação, exercemurna função fundamental na interação face a face, na medida

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em que estabelecem, mantêm e regulam o contato entre osparticipantes: um olhâr incisivo pode significar o enceÍrâ-mento do tópico discursivo ou um novo encaminhamentoda conversação.

Os recursos pros&icos ou supra-segmentais são denatureza lingüística, mas não apresentâm caráter verbal.Dentre esses recursos, interessam-nos as pausas, os alonga-mentos e o tom de voz. As pausas podem ser curtas, médias

ou longas e constituem fator decisivo na organização dotexto conversacional. São freqüentes em final de unidadediscursiva (enunciados conversacionais que refletem a expe-riência do falante a respeito do que seja um bloco textual,ou seja, transmitem porções informacionais) e, geralmente,

concoÍTem com outros marcadores. Também podem ocorrerno início de unidades, sobretudo como hesitações (ou pausaspreenchidas). Há situações, como se verifica nas conversaçõesinformais, em que as pausas propiciam mudança de tumo.Já nos monólogos, as pausas mais longas têm uma função

cognitiva, pois operam como momentos de planejamentoverbal.

Por sua vez, os marcadores 'verbais apresentam umavariada gama de partículas, palavrâs, sintagmas, expressõesestereotipadas e orações de diversos tipos. Uma possibiÌidadede sistematização dos marcadores verbais elaborada por

Marcuschi (1987) apresenta uma suMivisão em quatro grupos:

1) marcador simples: realiza-se com uma só palavra:

interjeição, advérbio, verbo, adjetivo, conjunção, pro-nome etc. Exj agora, então, aí, entende, clúro.

2) marcador composío: apresenta um caráter sintagmá-tico com tendência à cristalização. Ex.i então daí,aí depois, quer dizer, digamos assim.

3) marcador oracianal: corresponde a pequenas oraçõesque se apresentam nos diversos tempos e formasverbais ou modos oracionais (assertivo, indagativo,

..

&f

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exclamativo). Ex.: eu acho qLte, quer dizer, entã.oeu acln.

4) marcador prosódico: associa_se a algum marcadorverbal. mas realiza-se por meio de rãcursos prosó_dicos. Fazem parte deste grupo a entonação, u puuru,a hesitação, o tom de voz, enrre outros.

É importante observar que os marcadores constituemum elemento na articulação de textos, encadeando-os demodo coeso. Eles asseguram não só o desenvolvimentocontinuado do discurso (seqüência linear), mas também ooe_ram na organização hierárquica do texto na medida em áuefuncionam para garantir a coesividade entre os tópicos quevão-se apresentando verticalmente durante a elabòração dotexto falado6.

Os marcadores verbais exercem funções estruturadorasrelevantes, coincidindo de modo disrr ibui ional e funcionalcom operações de organização sintátìca. Constituem umelemento importante na articulação de textos, porque evitamque a conversação se tome uma sucessão de monólososparalelo;. Porém, na medida em que encadeiam m t.-*tode modo coeso, os marcadores também o segmentam. per_cebe-se que eles agem como elementos de sJgmentaçio aomesmo tempo em que suprem! em certa medida, o papelda pontuação na fala.

Observe o exempÌo (18). Nesse segmento, os marcadoresentdo, e então, mas então, e daí são utilizados pelo locutorquando este deseja progredir suas idéias po, *.ìo de sériescumulativas de unidades discursivas Ìigadas a um tópico.Esse tipo de uso se efetiva particularmente atravéi deencadeamento de ações, explicações, conclusões, avaliacõeselc.. nas quais se identifica um quadro tópico. formudo por

ó, Para um estudo mais aprofundaclo s{JDre os marcrdorcs convcrsâcionais,ver AndÍade (1990) e Rosa (1992).

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tópicos e subtópicos Õu porções menores que vão sendoadicionadas ao discurso no decorrer de sua progressão.

í18)L2 houve uma série de irre/éh:: de irregularidades... naslist/na apresentação da lista de classificação irregularidadefoi engano... no no no fazer... na confeccção da l ista...dede aprovados hoúhouv/ começaÍam a haver alguns enganos...erÍão o pessoal que mand/entrava com mandado de segu-rança... dizendo que foi contado pontos errados.., encAnossimples comuns eh aÍitmética (às vezes) de somar o númerode pontos... ertão eles entraram com mandado de segurança...anulando aquela l ista de classificação... e enlão havia pu-blicação de outras... e assim foi indo e::e a::... de acordocom o edital a validade é de dois anos DA publicação...dos resultados... da l ista de aprovados... ealao com a:: comesta... com este recurso da mandado de segurança... não foipropriamente o recurso foram coisas que realmente aconte-ceram...

Ll certo

L2 mas então foi se prorrogando a validade do concurso

LL e deí você só ter sido chamada...

L2 daí

tLl {há) queslão de dois anos e meio

(NURC-SP D2 360: 589-607, p. l5l)

Considerando as funções textuais e argumentativas dosmarcadores conversacionais, verifi camos que esses elementosdesempenham papel de especificadores, coordenadores, su-bordinadores, entre outros. Por meio desses marcadores,podem-se explicar os deslocamentos referenciais locais ouglobais com a função de conduzir e orientar as atividadesdo locutor e do seu interlocutor.

Nesse sentido, podem-se restringir a articular relaçõese sustentar a interação. Pode-se, assim, justificar a existência

&

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dos marcadores a partir das funções interacionais, já queestas comandam estratégias adotadas pelos interlocutores naconstrução e rnanifestação de suas identidadcs sociais.

Desse modo, quando os interlocutores investem emuma conversação. agem de acordo com suas intenções (dis_ponibilidade para negociar, abrandamento de posição, propostade oferta de um tema para consideração eta.), ;u seja,buscam construir um evento comunicativo

"Ìn qr" u aoo_

peração está implícita, pois ela é necessária para que oevento se constitua de fato. Os marcadores conversacionaissão, portanto, elementos que auxiliam no desenvolvimentointeracional da atividade em pauta.

Observem-se os exemplos a seguir:(1e)L2 tudo isso é reflexo... uhn::... de uma situação mais ampla

né? assim comunicação em cil em cidade grande o meirôé uma forma... de comunicação né? de levar e tmzer...

Ll transporte né?

tL2 pessoas e...f-t 'nao g áeil comunicação é trünsportc

(NURC-SP D2 343 420_427, p.21)

Nesse trecho, o locutor Ll conige L2 (ato que constituiameça à face positiva ou imagem pública de L2); comohouve sobreposição de vozes, Ll retoma a correção intro_duzindo um procedimento atenuador, por meio dò uso <ìomarcador bem.

(20)Ll cidade não é isso você eliminou a poluiçio acabou...

nãlnãlnãJnão:. tem um análogo assim du cidadc grandetrpo... vontade dos... habitantes de poluir... não...

L2 eu acho que temLl nao

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L2 eu acho que tem rm sentido sim por trás

(NIjRC-SP D2 343 259-264, P. 23)

As duas ocorrências do marcador conversacional euacho que introduzem as discordâncias de L2, apontando aointerlocutor Ll que estas devem ser entendidas de um modoespecífico, já que se trata de uma opinião. Do ponto devista filosófico, toda a opinião inclui a incerteza sobre oque se diz; já do ponto de vista pragmático-interacional, aopinião é vista como uma cÍença ou saber pré-configurado,que contrasta com a expressão de uma dúvida. Entretanto,na conversação espontânea essa distinção sutil toma-se,muitas vezes, impraticável, principaÌmente no caso das ex-pressões de opinião.

Em síntese, podemos afirmar que os marcadores con-versacionais promovem a condução e manutenção do tópicodiscursivo. instaurando a solidariedade conversacionaì entreos interlocutores, na medida em que propiciam dinamismoe continuidade à interação. São elementos que definem asatividades lingüísticas dominantes e secundárias, assegurandoa unidade tópica e, no desenvolviúento. marcando os tiposde articulação.

Par adjacente

A necessidade de se estudar o par adjacente (pergun-ta-resposta, convite-aceitação ou recusa, pedido-concordânciaou recusa, saudação-saudação) deve-se ao fato de ser elementobásico da interação. Na verdade, é difícil encontrar umaconversação sem nenhum tipo de par, de tal modo que sepode indicar ser o par diaÌógico uma das unidades paraestudo do texto conversacional

Estamos admitindo, assim, que ele concorre para or-ganizar localmente a conveÍsação, controlando o encadea-

*

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mento de ações e, inclusive, podendo constituir-se em eÌe_mento inlrodutor do tópico discursivo.

Dentre os pares indicados, trataremos do par adjacentepergunta-resposta (P-R), em razão de sua freqüência nasatividades discursivas. No que se re fere à seqüËnciação deP-R, observa-se a possibilidade variada de organização dessepar, visto que na conversação não há necessariamente umaúnica R possível a uma dada P, ou seja, as possibilidadesde preenchimento de P-R são várias.

A análise de textos falados permite observar tambémque par adjacente e tópico discursivo, conforme Fávero,Andrade e Aquino (1996a), estão intimamente relacionados,na medida em que a conversação se organiza por meio detópicos e estes podem-se estabelecer através de pares adia-centes.

De fato, entre os eÌementos que concorrem para aintrodução, o estabelecimento e/ou a mudança de tópicodiscursivo, a P é o mais frcqúente, já que cla é multifuncional.Veja-se o exemplo a seguir em quc Ll, aproveitando-se deuma pausa de 4 a 5 scgundos dc sua interlocutora quefalavl sobre o problclna dr-' lcr lÌlhos pcquenos. muda otópico para "vida profissional dc L2" por meio de uma p:

(2t)I-2 e dão menos trnbaÌhoLl ah: : pois éL2 é... cria menos problema... ((pausa de 5"))Ll você entrou nesse último concurso... para procuradora?

(NURC-SP, D2 3ó0: 450-453, p. 147)

As Ps podem ser estudadas no que se refere às ne_cessidades do falante (perguntador) em àeterminrda si tuaçàoe aponta para a participação ativa do ouvinte, à medida quesugere uma tomada de posição quanto à aceitaçÌo. mrnulençãoou recusa do tópico discursivo. Cabe lembrar que concoÍÌem

50

para a formulação dessas Ps fatores como papel social egrau de intimidade entre os interlocutores.?

Desse modo, podemos afirmar que P e R não funcionamaleatoriamente, correspondem a estrâtégias usadas pelos fa-lantes, na atividade conversacional e podem ser utilizadas,como já se disse, para:

a) Introdução de tópìco. Ao iniciarem a conversação, écomum que os falantes o façam utilizando-se de uma P.Além disso, ocorrem Ps quando se introduzem novossupertópicos, como se pode verificar no trecho a seguir:

(22)L2 a sua família é grande?

Ll nós somos:: seis filhos

(NURC-SP D2 36O:20-2t, P. 136)

Nesse segmento, L2 introduz o supeÍópico "Família"por meio de uma pergunta. Essa estratégia é bastante comumna conversação diária, principalmente para estabelecer aentrada do primeiro tópico a ser desenvolvido entre osfalantes.

b) Continuidade de tóptco. As Ps e as Rs também sãoutilizadas. No exempÌo (23), em que se desenvolvia otópico "Reação dos irmãos à supervisora", Ll vale-se deuma P para saber mais sobre a atitude dos garotos emreÌação à irmã:

(23)Ll porque... ela está assumindo ... tarefas... MUIto preco-

cemente... não é?... e... Dossivelmente passe essa fase

?. Este assunto foi bastante estudado por Fávcro. Andrade, AquiÍo (1996â)

In: CASTILHO, A. T. de & BASÍLIO, M. Grcnáim do pottuguês falado. Vol.

IV. htud,'t dt." rìlivut. Ncne tídbrlho. rs aulorrs abordrm o I'cÍ .ob 3 per.pectiva

da ÍegÍa de coer€nciâ, bcm como estabelecem umâ tipologia a partir do lópico

discuÍsivo.

*

5t

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L2 os outros mesmos não se incumbem de colocála nolugar dela?

Ll bom,.. com uns TApas... às vezes ela se colocaL2 únLl mas com palawas ela não se coloca porque ela

(NIIRC-SP D2 36O 225_232, p. t4t-t42)

,. . Lnporta salientar que o desenvolvimento do tópico sedá de acordo com a natureza da p formulada

" q,ì"

"..uP pode ocorrer, por exemplo, para pedir informaçào, con_tiÌmação, esclaÍecimento.

c) Redirecionamento do tópico, euando percebe que hou_ve um desvio do tópico, o interlocútor pode redire_cioná-lo poÍ meio de uma p, reintroduzindo o tópicooÍiginal:

dr|)L2 mas o que você ia falar de compra?Ll gozado nós não costumamos fazer rnuita compÍa não...nãü sou do tipo de...LZ er até que compÍo bastante coisa eu acho

(NLIRC_SP D2 343: 635-638, p. 33)

_._ Nesse segmento, os falantes desenvolviam o tópico"Compras". Ao perceber um desvio do tópico, para ..ConÍolede preço do café", L2 o redireciona por meiro de uma p.d) Mudança de tópíco. Por esgotamento do assunto ou Dor

não querer mais falar sobre aquele tópico, observa_sea possibilidade de ocorrência de uma p, funcionandocomo elemento de mudança de tópico. Essa mudançapode.ser local (mudança no nívei do subtópico) óuglobal (mudança no superrópico). Vejam-se os ôxemplosa seguir:

52

(25)L2 você... chegou a trabalhar e depois deixar de trâbalharpor causa diVde::Ll eu trabalhei s::ó no início...

(NIJRC-SP D2 36O: 417-419, P. 146)

O diálogo em questão apresenta dois supeÍópicos:'Farnília" e "Profissão". A mudança do primeiro para osegundo ocoÌÌe com a P formulada por L2, observando-seassim uma mudança global.

(26)L2 quem foi se acusa (mas o)... quando a::a a arte é muito

grande ou eles estão brincando então.,. acusam o pai oua mãe aquele que não estiver presente foi aquele quefez...

LtéDoc. seus Íilhos estão com que idade H.?L2 com tr"es e cinco anosLl eles têm noção de ho::ras... noção de:: horário?

(NURC-SP D2 360 279-285, P. r43)

Nesse exemplo, L2 estrá desenvolvendo o tópico "Cum-plicidade entre os filhos de L2", quando o documentadorformula uma P a respeito da idade dos filhos dessa inter-locutora. Essa P corresponde a uma mudança de subtópicoou mudança local e prepara ou condiciona a P principal,formulada por Ll, para introduzir o tópico "Noção de horáriocom os filhos de L2".

Neste capítulo buscamos examinar os fatores de coesãoe coerência no texto falado, evidenciando elementos própriosdessa modalidade. Passaremos, no próximo capítulo, a tratardas atividades de formulação textual.

)J

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Capíhtlo III

Arruraops DEFonuumÇÃo

O que é formular um tcxto?

As atividades de formulação tanto ocoÍrem na produçãodo texto falado quanto do escrito. Fntretanto, essa atividadeé distinta em cada uma das modalidades da língua.

Segundo Antos (1982: 92), ao prcduzir um enunciado,o locutor realiza uma atividade intencional: 'Tormular umtexto não é só planejáJo, mas também realiá-Io", isto é,formular é efetivar atividades que estruturam e organizamos enunciados de um texto, e o esforço que o locutor fazpara produzi-los se manifesta poÍ traços que deixa em seudiscurso, Assim, formular não significa simplesmente deixarao interlocutor a "tarefa" da compreensão, mas, sim, deixar,atÍavés desses traços, marcas para que o texto possa sercompreendido, o que faz com que a produção do texto seja,ao mesmo tfj'rlpo, açõo e interação. Desse modo, podemosaÍirmar que as atividades de formulação visam sempre àintercompre€nsão.

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Entendidas dessa maneira, as atividades de formulaçãodo texto oral podem ser subdivididas em:

a) de formulação stricto sensu, quando o locutor nãoencontÍa problemas de processamento e lineariza-ção;

b) de formulação lato sensu, quando o locutor encontraproblemas de formulação e deve resolvê-los.

As situações que desencadeiam problemas e que serãoaqui examinadas são: hesitações, paráfrases, repetições ecorreções.

Hesitação

As hesitações são tidas como um tipo de "problema"que é captado durante sua formulação/linearização, isto é,on line, caracterizando-se por seu aspecto prospectivo, jáque tem como escopo algo que vem depois. Observe-se otrecho a seguir:

(ã)Ll agora a outra gêmea... ela corno vai va::i o que:: está

tudo muito bom::L2 desde que não:: ((risos))Ll desde que não:: ((risos)) muito esforço

12 ( ) muito esforçoLl é são ambas estudiosas mas... elas ah essa daí não::...

não tem ainda assim muüa::... éh uma... um objetivo aatingir sabe? agora o menino gosta muito de mecânicao:: de heze anos ne'?

(NIJRC-SP DZ 360: 1284-92, p. 168-169)

Nesse segmento, podemos verificar que a locutora, aodesenvolver o tópico relativo a "Tendências vocacionais dos

56

filhos", faz uso do marcador dssim, alonga as palavras, fazpausa, hesita âté encontrar o termo desejado "um objetivo".Segundo Chafe (1985: 78), os casos de hesitação constituemuma "evidência de que a fala não é uma matéria deregurgitação de materiais já estocados na mente em formalingüística, mas é um ato criativo, relacionando dois meios,pensamento e linguagem, que não são isomórficos, masrequeÍem ajustes e reajustes mútuos".

Para Marcuschi (1995), a hesitação é um indício de'dificuldade cognitivor/verbal localizado na estrutura sintag-mática". Existe em todas as línguas, significando que elastêm meios de introduzir no discurso o processo de formulação,quando existem dificuldades: há uma intemrpção no fluxoinformacional devido a uma m.á seleção futura, resultandoum enunciado ainda não concluído. "Ela constitui umaevidência de que a fala é uma atividade administrada passoa passo e que planejamento e verbalização simultâneos têmconseqüência no controle do fluxo informacional; a fala vaimostrando seus próprios processos de criação" (Fávero, 1997:120).

hobleÍna de fomutação

J

hesibÉo ì procp€ctiv.

Observem-se os fragmentos:(26)

L2 olha o tl/o li/ ah especifrcomente o tipo de carreira aheu acho que isso seria quaUqualquer uma ( )

(NÍJRC-SP D2 360: ó50-ó51, p. 152)

) l

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(27)Ll eu trabaÌhava no serviço social do Estado...L2 uhn

Ll fazendo parte da:; campanha de:: repressão à mendicân-cia... do governo Caryalho Pinto

L2 ahn ahn

Ll mas::... trabalhava aUno:: albergue noturno...L2 ahn

(NURC-SP D2 360: 426-432, p. 147)

(28)L2 houve uma série de irre/éh:: de irregularidades.-. nas lis/na

apresentação da lísta de classificação inegularidade foiengano... no no no fazer... na confecçtio da lista deaprovados houv/ltouv/ começaram a haver alguns enganos....

(NIJRC-SP D2 360: 589-593, p. t5l)

Nesses exemplos, o locutor, seguindo o curso norÍnalde sua formulação, depara-se com um problema de formulação(achar o4ermo adequado). hesitr, às vezes gagueja e encontraesse terïno:

Em (26)

tí/o ti./ ah especificamente o típo de correíra;

(27\trabalhavq aUno: : albergue ;

(28)írre/éh:: de irregularidades... nas lis/na apresentaçõo daIista de classifcação; no no no fazer... na confecção;houv/houv/ começaram a haver.

Trata-se de hesitação que tem sempre, como já dissemos,um caráter prospectivo e não de coÍïeção, como o fazemalguns lingüistas.

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Paráfrase

A paráfrase é uma atividade de reformulação pela qualse restaura "bem ou mal, na totalidade ou em partes, fielmenteou não, o conteúdo de um texto-fonte, num texto-derivado"(Fuchs, 1983).

Observe. leitor, o exemplo a seguir:(29)Ll me parece que está ahn... envelhecida a cidade né?...

ahï.i... muìtq construçõo ... antíga não lem muila cons-truçdo nova

(N{JRC-SP D2 36O: 41-43, p. t8)

Nesse exemplo, Ll ao dizer envelhecida explica o queo termo significa: haver muitas construções antigas e poucasnovas; executa, assim, uma paráfrase explicativa.

A paráfrase é, portanto, um enunciado que refoÍnulaum anterior e com o qual mantém uma relação de equivalênciasemântica.

Veja esta relação no trecho a seguir:

í30)Ll e eu terei tempo disponível não q\e etr deseje::: líberdade

d.eseje eh eh estar assím sem obrígações para com oscrianças... mas é que daí eu terei tempo disponível parafazer as coisas extras não é?

(NURC-SP D2 3@: 1230-1233, p. 167)

O enunciado "deseje::: liberdade" foi reformulado pelaparáfrase "deseje eh eh eslar assim sem obrigações paracom as crianças", já que o termo liberdade reúne traçossemânticos possíveis de serem atualizados em distintos con-textos; entretanto, o locutor tecoÍta "estar assim sem obri-gações para com as crianças", especificando o sentido de" liberdatle " .

J9

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Outros casos em que ocoÍre a paráfrase é quando olocutor pretende generdizar, isto é, o enunciado reformuladoapresenta uma abrangência maior do que o enunciado original.Observe o exemplo a seguir:

(3 t)Ll ele estuda então:: quase não sai com a gente... ele jogd

futeboL con as crianças brinca con as nteninas e tudo...tetn os tnotnentos corn as crianças cairosco ma::s::... finsde semana ele estuda não é?

(NIJRC-SP D2 360: 1357-1360, p. 170)

Nesse caso, nota-se que o enunciado "tetn os momenloscom as crianças conosco" é formulado, de certa maneira,por uma expressão abrangente. Verifica-se, assim, a passagemde uma informação expÌícita ou exernpliÍìcada parA umageral, de caÍáter resumidof .

A paráfrase exerce inúmeras funções, como a de con-tribuir para a coesão do texto, enquanto articuladora deinformações novas e antigas, mas sua função principal é âde garantir a intercompreensão, e difere das demais atividadesde formulação como, por exemplo, a repetição pela criati-vidade em contraste com o automatismo desta última.

Repetição

Considere o exemplo:(32)

Ll e se eu (saio) dali ou não basicamente eu posso nãointerferir no processo global... mas eu queria entenderesse processo né?

(NURC-SP D2 343: 585-587. p.3

8. Foge ao objetivo deste livro o tÍatamento mais rprofundado da pâráfrâse.PâÌa um estudo pormenorizÂdo, veja Hilgeí (1996).

60

Nesse segmento, Ll faz uso da repetição do termo"processo" patra dar continuidade ao tópico em desenvolvimento.Na visão de Marcuschi (1996), a repetição é uma das atividadesde formulação mais pÍesentes na oralidade, podendo assumirum variado conjunto de funções. Dentre elas, podemos deslacara sua contribuição pÍra a organização do discurso e a lÌìíìnu-tenção da coerência textual, bem como a organização tópicae a geração de seqüências mâis compreensíveis.

Ela confirma o que já dissemos: o texto oral é produzidopasso a passo, criação coletiva dos interlocutores. Enquantoatividade de formulação textual, as repetições conduzem àprodução de segmentos inteiros duas ou mais vezes, motivadospor fatores de ordem interacional, cognitiva, textual.

Vejamos mais um exempÌo:(33)

Ll você acha que... desenvolvintento é BOM ou é ruim?

L2 desenvolvimenta em que sentido?

Ll crescimento... o Brasil diz-se basicamenle subdesenvolvidoe diz-se também que ele está crescendo... se desettrrtl-vendo parece que está sÂindo de uma... condição desubdesenvolvinento para chegar sei lá num condição dedesenvolvido... okay? uma::um caminho

L2 ahn ahn

Ll agora PE::gue... os indivíduos... desse país... é melhorou pior para eles isso?

L2 não sei poÍque acho que aí quando se fala em desenvol-vimento geralmente está se falando num plano material né?

(NURC-SP D2 343 497-509, p.29-30)

No exemplo dado, L2 pede uma informação sobre osentido do termo desenvolvimenro (pedido de esclarecimento),pois é provável que não o tenha compreendido totalmente,evidenciando que o contexto de conhecimento de mundonão é plenamente partilhado pelos dois participantes. Parapoder sanar a dúvida da interlocutora e garantir a inteligi-

I t

ol

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bilidade do discurso, Ll relaciona o termo que causou todaa dificuldade a or,tÍo (crescime,nÍo). Nesse càso, a repetiçãose estabelece entre a pergunta feita por Ll e o pedido deesclarecimento de L2- A resposta de Ll se faz através deconstruções parafrásticas com o intuito de expandir a noçãode desenvolvimento: ação ou ato de sair da condição desubdesenvolvido. Após essa explicação, L2 tem condiçõesde responder à questão proposta e faz uso da repetição dotermo desenvolvimento paÍa voltar a dar continuidade aotópico discursivo.

Veja agora este outro exemplo em que o então ministroCiro Gomes, em entrevista realizad.a no Prozrama Rodayiva. repete inúmeras vezes. mesmo em sobieposição, aoração "não é verdade", corrigindo o entrevistador e rea-firmando, pela intensificação, sua não concordância. A in-tensificação se relaciona ao princípio da iconicidade: .quantomaior a quantidade de linguagem igual - em posição igual- maior volume de informação.

(34)A não é verdade... não,.. não é verdade...

L6 enganadas porque de repente queriam compÍar e nãocomPraram

tL2 n^o é verdade... não ... não é verdade... não... não é

verdade

(Roda Vìva, linhas 304-309)

Correção

Considere o exemplo:(3s)Ll a irmã dela eu conheço que é jornalista né? é uma moça

jornalista...

6l

L2 poetisaLl poetisa

(NIIRC-SP D2 333: 622-625, p.249)

Nesse segmento, L2 conige Ll - jomalista x poeti-sa -, que no terceiro tumo acata a fala de L2, instaurandouma correção.

A coneção desempenha papel considerável entre osprocessos de construção do texto e corresponde (ci Fáveroet al. 1996b) à produção de um enunciado lingüístico (enun-ciado reformulador - ER) que reforÌnula um anterior (enun-ciado fonte - EF), considerado "errado" aos olhos de umdos interlocutores; a coÌïeção é, assim, um claro processode formulacão retrosDectiva:

PÍoblema de íormulação --t EF -+ ÍefoÍmulação

J

Íetrosp€ctivâ e corÍeção e ER

O enunciado X é reformulado por um enunciado Ycom a finalidade de garantir a intercompreensão, principalobjetivo da correção.

Um outro exemplo significativo pode ser observadonas entrevistas com políticos; muitas vezes, o entrevistâdorbusca combinar enunciados oue desestruturem o entrevistado.É assim que o jom alïsta de O Estado de S. Paulo (identificadocomo L7) elenca as expressões que teriam sido empregadaspor Ciro Gomes (L2) a respeito dos especuladores, parodiandoa fala do ministro. Este interrompe em sobreposição, corri-gindo a fala do entrevistador e indicando a ação pretendida

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por L7, que seria a de desqualificar a auto-imagem públicado ministro.

Dessa forma, Ciro Gomes mostra-se em desacordo comas afirmações feitas por L7 e redireciona, por meio dacorreção, a atividade interacional, desautorizando o interlo-cutor a proceder de tal forma, revelando o papel que eleespera que o entrevistador represente, mostrando-se atentoà construção do texto do qual são paÍicipantes ativos e,portanto, responsáveis:

(36)L7 ministro... neste programa até agora o senhor usou.., as

seguintes expressões alGUmas das que eu anotei aqui...a respeito dos especuladores... ((mudando o tom de voze o ritmo)) nojentos... canalhas... safados... ( )

t1,2 espera um pouqui-

nho eu não falei nem nojento nem canalha... isso foi osenhor que falou

L7 ((rindo)) o senhor falou canalha ((rindo))... mas tudobem,,, de quaÌquer maneira...

L| não é possível pois... na verdade.,. o senhor está querendodesqualif icar minha opinião

tL7 não não pera aí não é nada disso...

tLZ o senhor não está preocupado com as minhas palavras

está preocupado em desqualificar minha opiniãoL7 não não... MUIto ao contrário... eu queria-/

(Roda Viva,l inhas 15 t 7-1533)

A preocupação com a auto-imagem perante a audiênciaconduz o ministro a revelar sua dificuldade em participarde uma discussão em que precisa corrigir a todo instanteos entrevistadores e reconduzir o dito, porque, caso contrário,se instaura a mentira, a distorção dos fatos, e ele não pode

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admitir isso por implicar a fixação de idéias enganosas quepoderiam derrubar o Plano Real.

(37)L2 olha é muito difícil a gente paÍticipar de uma discussãodessa natuÍeza... porque as pessoas que tão nos assistindotão aí fora e podem ser consultadas como EU faço siste-maticamente

(Roda Viva, linhas 314-6)

Em outro segmento em que interagem L7 e L2, ol:-serva-se que, após um pedido de informação do entrevistador,L2 não atende ao pedido. antcs emprega uma coneçãometacomunicativa, em que ao mesmo tempo altera os papéisde participação, assumindo nesse instante a posição deentrevistador-mediador, já que solicita a participação de outroentrevistador, anulando, assim, a ação de L7, que acaba porrir-se da situação, como se verifica a seguir:

(38)L7 mas eu gostaria... de aproveitar a oportunidade... e lhe

pedir... os nomes dessas pessoas... quais são... que seg-mentos da

tah:: companheiro

tsociedade ... quais são essas

L2

L7pessoas...

L2 eu acho isso uma provocâção e passo à pergunta seguinte...quem é?((risos de Casado))

(Roda Viva,l inhas 1583- 1589)

No que concerne à ocorrência de correções nas entre-vistas, observamos uma forte tendência a que os falantesprocedam a esse tipo de atividade, revelando uma reorga-

&

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$,rynização das ações e/ou infrações dos participantes, tendoem vista, especialmente, a presença da audiência.

Pode-se dizer também que há uma ordem de reelabo_ração textual e eÌa não é ocasional ou aleatória. Isto anontapara o possível local relevante para a ocorrência de correçào.o que leva a reafirmar que as ocorrências de composiçãodo texto conversacional são produto de uma organizaçãolocal, específica da oralidade, já que o falante tem a pos_sibilidade de usar umu palavra ou estrutura que acabou deproduzir ou, ainda. procurar uma nova e/ou mais satisfatóriaque permlta a preservação da sua auto-imagem.

As coffeções correspondem a um processo altamenteinterativo e colaborativo e, quando usadas apropriadamente,colocam-se como um dispositivo dinâmico em potencial dalíngua falada. Entretanto, é possível deìxar passar um eventosem que se corrija o interlocutor, e a razão disso oode serexplicada pela tentativa de preservrçìo da face do outro.

Como se pode verificar, as atividades de formulação(hesitaçào. paráfrase. repetiçìo e coneção) desempenhampapeì considerável entrc os processos de construção do textofalado, já que o locutor recorre a essas atividades naraformular etrpas do desenvolvimenro de sua própria construçãoe/ou da construção de seu interlocutor.

As atividades de formuhçào. como já dissemos. ocorremna construção do texto falado e do escrito. Entretanto, essaatividade se efetiva distintamente em cada uma das moda-lidades da língua. No que se refere ao texto escrito, suaformulação exige uma edição final do trabaÌho, visando apossíveis alterações dessa primeira formuÌação. Isso faz comque o produto textual não permita um resgate de seu processode produção. Assim, as hesitações, as repetições e as correçõesnão ocorrem no texto escrito, já que são apagadas e/ousubstituídas. Quanto à paráfrase, temos uma atividade que

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permanece na modalidade escrita, embora possa ser vista

de forma um pouco diversa da modalidade oral.

A par'áfrase sempre se remete a um texto anterior para

reafirmá-lo ou esclarecê-lo, criando, portanto, uma relação

de intertextualidade. Há casos em que a paráfrase ultrapassa

os limites do texto original, expandindo-o em novos signi-ficados.

Exemplo notável de paráfrase são as fábulas de La

Fontaine, a partir dos textos de Esopo. Vejamos os textos

a seguir:

(3e)Texto Fonte - A raposa e QS ltvas

Uma raposa faminta entÍou num terreno onde havia uma

parreira cheia de uvas maduras, cujos cachos se penduÍavam'

muito alto, em cima de sua cabeça. A raposa não podia

resistir à tentação de chupar aquelas uvas mas' por mais

que pulasse, não conseguia abocanhá-las. Cansada de pular,

olhou mais uma vez os apetitosos cachos e disse:

- Estão verdes...

"É fácil desdenhar daquilo que,não se alcança."

(Fábulas de Esopo. Rio de Janeiro: Ediouro.

Trad. de Guilherme de Figueiredo)

(40)Texto Parofnistico - A roposa e as uvas

Contam que certa Íaposa

andando muito esfaimada,

viu roxos, maduros cachos

pendentes d'alta latada.

De bom grado os trincaria,

mas sem lhes poder chegar

disse: "Estão veÍdes, não prestam,

só cães os podem tragar".

D/

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Eis cai uma parra, quandoprosseguia seu camiúo,e, crendo que era algum bago,volta depressa o fociúo.

(Fóbulas de Ia Fontaine. São paulo: E<tigraf.Trad. De Bocage)

Na litêÍatura brasileira, temos vários casos de lextosconstrúdos a paÍir de Íelações paÍafÍásticas. É o caso, porexemplo, do poema "Europa, França e Búia', de CarlosDrummond de Andrade, que mantém relações intertextuaiscom outro poema: "Canção de Exílio" de Gonçalves Dias.

68 69

Capítttlo M

As RoleçÕes ENTREFer.e E Escrure

Ao trataÍ da fala e da escrita, é preciso lembrar que

estamos trabalhando com duas modalidades lteÍtencentes aomesmo sistema lingüístico: o sistema da Língua Portuguesa'com ênfase diferenciada em deterririnados componentes dessesistema. Assim, aquilo que se poderia considerar distinçãocorrcsponde meramente a diferenças estrutuÌais.

Os pesquisadores têm encontÍado várias razões parajustificar tais diferenças enEe a língua falada e a escrita.De modo geral, discute-se que ambas aPÍesentam distinçõesporque diierem nos seus modos de aqüisição; nas suascondições de produção, transmissão e recepção; nos meiosatravés dos quais os elementos de estrutuÍa são organizados.

Não é outÍo o pensamento de Akinnaso (1982: ll3)'ao afirmar que: 2

"A es'itâ r6*tììò ".

o-"oro 6ãnìòr"ndonecessárias

" ìã;O-n4í0" um instÍumìììõ-líísico e a

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coordenação consciente de habilidadcs específicas motorase cognitivâs. Assin, a escrita é completa e irremediavelmenteaÍtificial, enquanto a Íala é um processo natural, fazendouse dos meios assim chamados órgãos da fala".

Na opinìão de Givón (1979), a língua escrita é umatransposição da oral. e é indiscutível que ela tem relaçõesgenéticas com a faÌa. Por sua vez. Benuto (19g5) salientaque os princípios fundamentais de funcionamento da línguafaìada intervêm de forma conjunta e são os seguintes:egocentrismo, simpÌificação, falta de faculdade de planeja_mento, possibilidade de perceber dispositivos capazes demeÌhorar a articuÌação discursiva e sua decodificação emreÌação ao ouvinte e às exigências do processo de informação.

Ver i f ica-se que a l íngua fulada nào possui umu gramir icrprópria; suas regras de efetivação é que são distintas emrelação à escrita. O que existe é maior liberdacìe de iniciativapor parte de quem fala.

Além disso, segundo Marcuschi (1993: 4-5), . ,as di fe-renças entre fala e escrita não se esgotam nem têm seuaspecto ÍÌais relevante no problema da representação física(graJìa x sont), jí que entre a fala e a escrita medeiamprocessos de construção diversos".

Muitos pesquisadores dedicaram-se a observar a escÕlhado vocabulário e da estrutura léxica como método paradistinguir a linguagem falada da escrita. Dentre es.es eìtu_diosos está Drieman, que em 1962, através de um trabalhoquantitativo, encontrou as seguintes características para seremo diagnóst ico da l íngua escr i ta:

- palavras mais longas (polissilábicas);

- mais adjetivos atributivr.rs;

- um vocabulário mais variado;

- um texto mais curto.

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Outros pesquisadores chegaram às mesmas evidênciase concluíram que o estilo falado tende a ser caracterizadopor menos palavras, palavras com menos sílabas' frases mais

curtas e mais palavras pessoais do que o estilo escrito.

Em pesquisas realizadas em 1967' Grunner e um grupo

de estudiosos comprovaram que os sujeitos anaÌisados pro-

duziram mais pronomes pessoais na Íala do que na escnta,

confirmândo que a língua falada contém mais palavras de

referência (expressòes que apontam para o contexlo situr-

cional), mais termos indicativos de "consciência de projeção"(eu acho, na minha opinião) do que a escrita.

Ao mesmo tempo em que esses primeiros estudos

representâram grandes descobertas sobre as diferenças léxicas

entre a língua falada e a escrita. eles não descartaram apossibiìidade de similaridades. A escolha léxica pode ser

afetada, ainda, peÌos seguintes fatores:

- contexto e propósito do evento discursivo;

- natureza da atividade comunicativa apropriada ao

evento discursivol

- conhecimento partilhado entre os participantes e

nível de conhecimento lingüístico.

Passemos, agora, a observar mais de perto como se

efet iva uma at iv idade cle produção textual ( f r la-escr i ta) . qur is

os elemenlos que a compoem e como se art iculrm

Para analisar adequadamente um texto (falado ou es-

crito). é preciso identificrr os componentes que fazem prne

da situação comunicativa, suas características pessoais (per-

sonalidade, interesses, crenças, modos e emoções) e de seugrupo social (classe social, grupo étnico, sexo, idade, ocupa-

ção, educação, entre outros), pois eles favorecem a inter-pretação dos papéis dos inteÍlocutores (falante-oul inte-au-diência (facultativa)/escritor-leitor) num evento particuÌâr,

determinado, dados os componentes lingüísticos desse texto.

São também relevantes para a análise as reÌações entreos paÍicipantes, a observação do papel social (poder, slatrrs),

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das relações pessoais (preferências, respeito) e a extensãodo conhecimento partilhado.

Quanto à situação discursiva, importa observar os as_pectos físico. temporal e a extensão éspaço-temporal com-partilhada pelos participantes da interação. Devè-se notar.ainda. o propósito do evento (convencíonaÌ ou pessoal) edele dependerá diretamenre a escolha do tópico discursivoa ser desenvolvido.

No que diz respeito à avaliação social, podemos observaro evento em relação aos valores partilhados por toda acultura ou por subculturas ou indivíduos. euantoàs atitudesdos participantes em relação ao tópico em desenvolvimento,deve-se olhar os sentimentos, julgamentos, bem como o tomou modo de fala e o grau de comprometimento em relaçãoao assunto.

Outros pontos passíveis de análise são: o nível deenvolvimento dos participantes com o texto, bem como osaspectos lingüísticos (léxico-sintático), prosódicos (variaçõesde altura, tempo e ritmo) e paralingüísticos (entonaçãb eacento).

Esquematizando os componentes que fazem parte deuma sítúàção cornttnicativa (falada ou escrita). temos:

Quadro I

I - Papéis e características dos participantesA - Papeis comunicativos dos pa icipantesI - falante/escritor2 - ouvinte/leitor3 - audiência (facultativa)

B - Caracteísticas pessoaisI - estáveis: çrersonalidade, interesses, crenças etc.2 - temporiárias: modos, emoções etc.

C - CaÌacterísticas do grupo: cÌasse social, grupo étnico, sexo, idade,ocupação, educação etc.

II - Relações entre os participantes

A - No pa6l social: poder, Jtarirs etc

B - Pessoais: preferências, respeúo etc.

C - Extensão do codhecimento partilhado: conhecimento de mundoe específico

III - ContextoA - FísicoB - TempoÍalC - Extensão cspaço-temporal compartilhada pelos participantes

IV - Propósi(o (frnal idcdc do evcnlo)

A - Convencional

B - PessoaÌ

V - Tópico discursivo (assunto ou tema do texto)

VI - Avaliação social

A - Avaliação do evento comunicativo

I - valores partilhados por toda a cullura

2 - valores retidos por subculturas ou indivíduos

B - Atitudes do locutor em relação aô conteúdo

1 - sentimentos, julgamentos, atitudes

2 - tom ou modo

3 - grau de compromctimento em relação ao conteúdo

VII - Relação dos participantes com o texto: nível de envoÌvimento

VIII - Aspectos lingüísticos e paralingüísticos

A - Fala:I - léxico-sintático2 - prosódico3 - paralingüístico

B - Escrita:I - léxico-sintático

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Condições de produção

Para o estabelecimento das reÌações entre fala e escrita,sem que haja distorção do que de fato ocorre, é precisoconsiderar, portanto, as condições de produção. Estãs pos-sibilitam a efetivação de um evento comunicativo e sãodistintas em cada modalidade, como se pode constatar noesquema a seguir:

Essas condições de produção irão determinar formuÌa-

ções lingüísticas que apresentam aspectos específicos, con-forme o tipo de texto produzido.

Examinando-se ainda a literatura lingüística a respeitodas distinções entre fala e escrita, verifica-se que elarevela aspectos específicos de um tipo de texto em com-paração a outro e não propriamente diferenças entre asmodalidades (fala e escrita). Na visão de Biber (1988:

l8), isso significa dizer que essas difetenças se acentuamdentro de tm continunnt tipológico. Na verdade, tanto afala como a escrita abarcam um continuum que vai donível mais informaÌ aos mais formal, passando por graus

intermediários. Assim, a informalidade consiste em apenasuma das possibilidades de realização não só da fala, comotambém da escrita.

Vejam-se, a seguir, os segmentos (41) e (42) em que

temos condições de produção distintas em cada caso:

(41)

Ll escuta... vai pintar um show com Chitãozinho e Xororóamanhã na PRAia cara... vãmos? ((animado))

L2 onde? ((sem muito interesse))

Ll lá no Boqueirão...

L2 amanhã? ((á com ar de impossibilidade))

Ll é: vamos embora logo cedo?

L2 não dá cara... tô cheio de serviço até a cabe::çâ...

Ll ah::: faz o possível pra dar conta pelo menos até a horado almo::ço... ((meio indignado))

L2 mas tá choven:;do... ((eles iriam de moto))

Ll qual é cara? No Ano Novo eu desci na maior CHUvae lá fez um sol legal... deu pra aproveitar a praia..e:: chuva faz bem... chuva dá SO::Rte cara... vamosÌá. . .

L2 vou pensar...

Quadro II

Fala Escrita

Interação face a face - Interação à distância (espaço-temporal)

- Planejamento simultâneo ou qua-se simultâneo à produção

- Planejamento anterior à produção

Criação coletiva: administradapasso a passo

- Criação individual

- Impossibilidadc de apagamcnto - Possibilidade de revisão

Sem condições de consulta a ou-tros textos

Livre consulta

- A reformulação pode scr promo-vida tanto pelo falante como pelolnterlocutor

- A retormulação é promovida ape-nas pelo escritor

Acesso imediato às reações dointerlocutor

Sem possibilidade de acesso imc-diato

O falante pode processar o texto,redirecionando-o a partir das rea-ções do interlocutor

- O cscritoÍ pode processau o textoa partir das possíveis reações doleitor

- O texto mostra todo o seu pro-cesso de cnação

- O texto tende a esconder o seuprocesso de criação, mostrandoapcnas o resultado

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Ll tá bom mas ó... dá um je::ito... vamos lá:: pô você sótraba::lha... qual é::?...

(Conversação espontânea)

(42)

Convidei um amigo para ir à praia do Boqueirão, de moto,assistir ao show de Chitãozinho e Xororó que iria acontecerdurante as comemorações do aniversário de São Paulo. Elenão aceitou o convite de imediato, alegando que estava commuito serviço. Fiquei indignado e pedi que ele fizesse opossível para dâr conta até a hora do almoço, mas elearumou outra desculpa: a de que gstava chovendo. Comenteicom ele que no Ano Novo eu tinha ido com chuva e queÌá estava um sol tão bom que até deu para aproveitar apraia; além disso, disse-lhe que chuva fazia bcm e que davasorte, mas ele ainda assim disse que iria pensar. Tem genteque é complicada!

No pr imeiro caso (41). temos uma conversação espon-tânea produzida entre dois interlocutores que são amigos.No segundo, (42), observa-se um texto escrito, resultado deuma atividade de produção textuaÌ, sugerida a um aluno dol" ano de Letras, a paltir da transcrição do segmento (41).

Em (41), o texto vai se const i tu indo a part i r da al-ternância de turnos que se complementam, efetivando-seuma construção coletìva, uma sintaxe a dois. As respostasàs perguntas são imediatas em Íazão da situação face aface e da concomitância temporal na elaboração dos enun-ciados.

As reações de L2 ao formular, por exempÌo, perguntasem muito interesse ("onde?") seguida de pergunta comar de impossibiÌidade em relação à data do convite ("a'ra-nhc1"2), além da não aceitação, criam condições para queLl enuncie ("qual é cara... dá unt je::íto..- vttrnos lá::

to

pô você só íraba::lha") que ao mesmo tempo constituem

avaliação à atitude do colega e argumento para que o

outro aceite o convite. A marca prosódica de alongamentose registra nas lexias que interessam destacar: - ie::Ìto- traba::lha.

Todo o processo da criação desse texto evidencia-senos alongamentos, nas pausas, na ênfase, e a construção se

dá a partir das inferências feitas passo a passo, levando-seem consideração as reações do interlocutor. Desse modo,não se pode pensar em planejamento antecipado para o textofalado.

Em (42), o texto foi elaborado a partir do ponto devista de um dos interlocutores, no caso, Ll. Teria sidopossível também a produção de texto do ponto de vistade L2.

Observa-se o resultado da produção escrita sem que

se detectem marcas de reformulação, hesitação etc, nãoficando à mostra o processo de criação. A organizaçãosintática desse texto também é específica para essa moda-lidade, que deve primar pela organização do parágrafo demodo que as idéias sejam apresentadas com clarezâ.

Ochs (1979) apresenta uma escala em que se localizamquatro possibilidades em relação ao planejamento textual,indo do não planejado ao planejado. Os quatro tipos apontadospor ela são: falado não planeiado - que prescinde dereflexões prévias e preparação organizacionaÌ anterior a suaexpressão, como ocolTe com o segmento (41\ Íalado pla-

nejado - em que existe um preparo, como ocoÌre' por

exempìo, com uma conferência; escrito rtão planejado -formulado sem preocupação com a formalidade, como pode

ocoÌrer, por exemplo, quando se redige um biÌhete; escriloplanejado - o texto é projetado antes de sua expressão, epara ilustrar este grau máximo de planejamento poderíamos'indicar toda ocorrência em que o produtor se preocupasseem eÌaborar previamente um esquema ou um rascunho de

,{m

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seu texto, antes de apresentar uma versão final; poderíamos{ambem incluir como exemplo os fac-sími les áe diversasobras Ìiterárias a que já tivemos acesso. Mostra tambémque há na língua falada uma tendência para o não planejado,ou meÌhor. ela é planejada localmente.

O fato de a fala ser planejada localmente confere-lheuma característica que Chafe (1982) denomina fragmentação,que contrasta com a integração, mais acentuada na escrita,em decorrência do tempo de que se dispõe para sua elabo-ração.

A rapidez com que os interlocutores constroem seutexto vai resultar em descontinuidades no fluxo informacional,mostradas por fenômenos já aqui apontados como paráfrases,repetições e outros, isto é, ela vai revelando seus própriosprocessos de feitura, enquanto a escrita só mostra o produto,escondendo o processo de sua criaçìo.

Outra característica da língua falada, apontada porChafe, é o envolvimento, que contrasta com o afastamentoda escrita, revelado por ocorrências como o uso do Dronomede primeira pessor. de esrratégias de moniroraçào (pausas.entonação e outras), de partículas enfáticas (realmente, cer-tamente), do discurso dìreto e ourras.

O envolvimento pode ocorrcr entre o falante consigomesmo, com o ouvinte ou com o tópico em desenvolvimento.No texto escrito, porque â interação ocorre à distância, háum envolvimento do autor com o texto, com um Ìeitorimaginário e com o tópico em questão.

Biber (1988: 18), partindo talvez desses parâmerrosÍuncionais de Chafe. distribui quarro gêneros texturis denrrode um contínuo (note-se que em alguns casos há umaproximidade grande entre fala e escrita) e com base emquatro traços Iingüísticos: muitas nominalizações e passivas,poucas nominalizações e passivas, muitos pronomes e con_trações, poucos pronomes e contrações. Veja o quadro aseguir:

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Quadro IIITraços lingüísticos

muitas nominaÌizaçõese passrvas

Íexto cientifico discussào académicl

poücos pronomese contÍações

muitos pronomese conlraçòes

poucas nominalizaçõese passlvas

As marcas do envolvimento/distanciamento parecemocorrer de forma variada, também de acordo com o gênerodo texto focalizado. O gráfico, proposto por Marcuschi(1993: 53), a partir do quadro de Biber e aqui reproduzido,mostra essas evidências:

Quadro IVGrau de enyolyimento/distanciamento

Distanciamento

lntegÍação FÍagmentaçao

Envolvimenlo

?o

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Segundo Marcuschi,

"o texto científico e o ficcional têm semelhanças e diferençasque os aproxima e afasta de modo diferenciado da discussãoacadêmica e da conversação espontânea. Isto significa quea fala e a escritâ não formam dois extremos mas um contínuodistribuído numa escala de parâmetros empiricamente detec-táveis" (id. ibid.).

Como ilustração, observemos os exemplos:

(43)Ll gostou dos fi lmes?

L2 não... sonhei com água a noite toda... que estava meafogando... um horror... acordei com uma SE::de... nãosei como ganhou tantos Oscars...

Ll e o outro?

L2 ah:: esse sim... sabe? quando eu estava no segundo graume peguei numa discussão terrível com o professor defilosofia que dizia que o filósofo Abclardo não rinhanada a ver com o do par amoro::so Abelardo e Heloisae aí:: sabe... né? isso foi um pretexto para eu mostrarque conhecia Abelardo e sua fi losofia melhor que eleque era o professor... um baRAto... a classe inTEIravibrou...

(Conversação espontânea)

A4\Feromônios são substâncias químicas específicas produzi-das por organismos que, mesmo em pequenas quantidades,têm ação sobre outros indivíduos de uma mesma espécie.Essas substâncias são produzidas por glândulas especiaise atingem enormes distâncias após serem liberadas noambiente. Os feromônios são os mensageiros químicosentre indivíduos de uma mesma espécie e assumem funçãodeterminante na comunicação social entre vários animais,principalmente, insetos. As abelhas, por exemplo, têm umalinguagem de dança altamente desenvolvida. Entre elas,

os feromônios têm um papel importante durante o vôonupcial, quando a rainha atrai o zangão através de odoresliberados por ela. (Galileu - a nova Globo Ciência, marçode 1999, n" 92, p. l1).

No segmento (43), temos uma interação face a face

com maior grau de envolvimento entre os participantes, já

que são amigos e têm um conhecimento partilhado L2

explica por que não gostou do filme "Titanic" e depois faz

um comentário sobre outro filme, revelando um fato ocolTidoquando cursava o 2o grau. Trata-se do envolvimento dos

interÌocutores com o tema da conversação, o que expìica oprocesso de elaboração do texto conversacional, que é -

como já dissemos - um trabalho cooperativo. Há ainda o

envolvimento do falante consigo mesmo e do faÌante com

o ouvinte: pronome de l' pessoa do singular (rne, eu) e

marcadores como sabe? né?.

Por sua vez, o trecho (44) é parte de um artigo de

uma revista sobre ciência e apresenta alto grau de integração

entre autor e leitor que, entretanto, não ocupam o mesmo

tempo e espaço no momento em que desempenham suas

tarefas de elaborar e de decodificar a mensagem escrita;por isso, o autor se mostra menos preocupaoo conslgo

mesmo, ou com qualquer tipo de interação direta com scu

leitor virtual. De fato, o produtor de um artigo apresentado

em uma revista sobre ciência para o público em geral

preocupa-se com a elaboração de um texto consistente e

defensável segundo padrões estabelecidos pelo editor dapublicação. O autor usa alguns recursos para a obtenção

desse efeito de distanciamento, dos quais podemos destacar:a voz passiva para definir qULe feronúnios "são substânciasquímicas específicas produzidas por organismos".

A situação determina não só estratégias de construção

do texto na condução dos tópicos ou na seleção destes, mas

também as que dizem respeito às táticas a serem adotadas

80

lüp

8l

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em cada caso (complexidade léxico-sintática, grau de pro_fundidade das informações, natureza da negociação com oparcetro).

Muitas pesquisas abordaram o texto falado e o escrito- como já dissemos -, mas não descreveram adequadamenteas relações enlre as duas modalidades. ou porque se fixaramem extremos (do texto mais formal ao mais informaÌ). ouporque deram primazia a uma das modalidades (escrita) emdetrimento da outra (fala). Normalmente. a fala é observrdaa partir da escrita e não por meio de um grau desejável deautonomia.

De acordo com alguns pesquisadores, pode haver muitomais semelhanças lingüísticas do que diferenças entre falae escnta; mesmo Biber indica, em seu cstudo, que,,não foiident i f icada nenhuma dist inçâo absolurr enrre fa ia e escrì t r . '(p. 24); desse modo, a ocorrência de diferenças decore doprocessamento proveniente das condições de produção. Emoutras palavras, podemos dizer que o problema é resultantede critério(s) de pesquisa, não se podendo, assim, generalizar,afirmando que uma seja maìs complexa, mais bem elaborada.mais explícita ou mais autônorna que a outra.

Alguns estudiosos têm Ìevantado a questão de que aaquisiçìo da escritl nìo se pocie vrler dr observacão dafala. As teor ias de aquis içào de l ingurgem indicam a ne_cessidade de se proceder de modo especial a partir docontexto do aluno, o que não implica, necessariamente, autilização da fala para esse fim.

Nesse sentido, devemos destacar que esta obra não secoloca como um manual do alfabetizador, já que não é estaa proposta. Interessa que, no desenvolvimento da habiÌidadede produção textual, criem-se condições para que os aÌunosobservem as especificidades de cada construção, saibamcomo proceder com conhecimento para organizar sua ativi_

82

dade lingúística de modo consciente, sem que façam interferiruma formulação de língua falada em outra de língua escritase assim não o desejarem.

Operações de transformação

O aprendizado das operações de transformação dotexto falado para o escrito coloca-se como imprescindívelpara o meìhor domínio da produção escÍita que se tem

evidenciado muito problcmát ica enl Íe nossos jovens estu-dantes.

A aplicação de atividades de observação que envolvema organização de textos falados e escritos permite que os

alunos cheguem à percepção de como eíetivamente se rea-lizam, se constÍoem e se formulam esses textos.

Apresentamos, agora, a aplicação dessas operações detransformação. prrr o escrito. para que possa servir u vocé.professor, como atividâdc em sala de aula.

Quando da realização do exercício, buscou-se a não-interferência do interlocutor (no caso o analista, o professor)

e, por isso, há um grau menor de dialogismo, já que aintenção era promover o desenvolvimento do tópico so-mente por um dos interÌocutoÍes, visando ao desenvolvi-mento do texto por esse falante, em duas situações distintas.Assim, nos dois casos cxaminados, localiza-se apenas oturno do locutor, registrado sem interferôncias do interlo-cutor.

Partimos de uma atividade em que sugerimos a alunosde 7" série do 1" grau que elaborassem, num primeiro

momento, naÍTativas orais e, imediatamente, produzissem amesma naÍïativa, ou seja, util izassem o mesmo tópico aonarrar. sob a forma de texto escrito. Essa atividade tinha

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por objetivo observar a condução do tópico no mesmogênero de texto - narrativa - tanto na modalidade faÌada(espontaneamente) quanto na modalidade escrita.

(45) Textos produzidos por G. G. A., 13 anos, alunoda 7" série do primeiro grau de uma escola particular dacidade de São Paulo.

A - Texto falado: A Civilização Mexicana

Inf. primeiro eram os olmecas né? daí:: eles...corneçaramonde que é a Cidade do México hoje...começaram afazer os templos aí depois veio os astecas né? quecomeçaram tudo fizeram mais templos fizeram templosmais luxuosos assim fizeram tinham mais crenças...religiões essas coisa assim... depois vieram os toltecasque deu origem à civilização mexicana e toda essacivilização milenar foi destruída pelos espanhóis quequando chegaram ao México assim é:: de::struíramtudo as pirâmides os templos aí foi o fim da...dac-ivilizaÇão.

B - Texto escrito: A Civitização Mexicanae

Os primeiros foram os olmecas, que fizeram suas pirâmides,seus tempÌos onde fica hoje a Cidade do México; tinhamtécnicas muito atrasadas. Depois os astecas, que faziam

9. O texlo oÍrl (A) produzido pelo aluno apresenliì impropÍiedades deconteúdo, já que â civilização asteca é herdeira da tolreca no que se refcre àarte. Os astecas viveram no México aú a conqu;stâ cspanhoh de 1519. Napassagem para o t€xto escrito (B), o aluno não percebe csses problemas e apenasúansfoÍma a narrativâ no que diz respeilo à modalidacte (de orâl para a ôscrira).Essir lexlo pode seÍ útil ao professor que quiser fazeÍ um trabâlho interdisciplinar.pois poderí solicitâr uma pesquisa mais aprofu.dada sobrc o rema e promoverum debate. cntre outrâs atividades.

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templos mais luxuosos e tinham técnicas mais aperfeiçoadas.Os últimos foram os toltecas, povo que deu origem à atualcivilização mexicana.Toda essa civilização milenar foi destruída pelos espanhóisque invadiram suas terras e acabaram com muito do queencontraram.

O aluno elaborou um texto falado em que se evidenciaa condução do mesmo tópico. mas com uma organizaçãosintática específica para a fala e outrâ para a escrita. Assim'com facilidade, detectam-se as repetições ("começarum","começaram aÍazei', "começaram tudo"). Já no texto escrito,não se repetem esses sintagmas, embora outros elementoslingüísticos os substituam e apresentem-se repetitivamente("faziam, fizeram"). Além disso, enquanto o texto A apresentamarcas interacionais (né?) ô o encadeamento seqúencialfaz-se a paÍir dos marcadores "primeiro", "dai', "aí depoís" ,o texto B os substitui por "os primeiros", "depois", "os

úhimos". Observa-se, também, a elaboração "que rluantlochegarant" - no texto falado - que se altera paÍa "queinvadiram" - no momento em que o aluno elabora seutexto escnto.

Uma outra possibilidade de exercício - que realizamosno ensino médio - consiste em solicitar que o aluno eÌaboreuma narrativa oral; o professor â transcreve, apresenta-a aoaluno que, a seguir, a transforma em texto escrito. Observemosa atividade proposta.

(46) Textos produzidos por R. 8., 17 anos, aìuno da3'série do segundo grau de uma escola particular da cidadede São Paulo.

A - Texto falado: Viagem a Cancun

Inf. oh: eu tenho uma prima cara que ela foi pra Cancun...aí ela foi ela e uma amiga dela que é mergulhadora..

r f f i .

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aí:: elas tavam./foram num rio que é tipo uma coÍrentezaassim... né? aquele lá que é cheio de coRAL no fundo.-.cheio de peixes legal pra ver sabe? aí:: alugou MÁScaraalugou pE_de,pato meu? que sem pé_de_pato elc ircortar os pés lá tudo.., aí:: aí:: ela foi lá no rio... e foimergulhar Iá com a mulher só que ela não sabe nemnadar... aí chegou lá entrou no rio e se DESESpEROUné meu? e aí ela começou a agaÍïar na outra mulherlá... e aí a mulher não podia MERGLLHAR porqueeta tava segurando nela... foi a maior CONFU!Ãó...aí:: pra elas pra elas saírem... aí chegou uma hora láque.. lá que era tipo assim... aru o úgu, mais fundoque tinha pra mergulhar né? aí:: a muther não podiamergulhar por causa da minha prima... daí ela ìalou'th:: vou mergulhar né?... ,.cês que .egur"m uí

"rnalgum lugar" t inha um monte de pedra assim... ..cêsque segurem aí eu vou Iá mergulhar,, ela falou ,.ahentão vai que eu Íìco aqui seguro/eu me seguro aquina,/no coral aqui na pedra né?,,... aí ela foi lá..."a multiermergulhou e daí não voltava né?... ela ficou IMpA_CIENTE aí:: tava passando outra mulher... acho ouetambém não sabia nadar... só tinha VELHO ninguémsebia nadar com o ... com o snorkel né meu? aí.- elase agarrou no cara quase se afogou todo mundo ((rin_do))... e pra ela pra ela... chegar no lugar onde elatlnha que sair ela tinha que atravessar o rio inteiro...porque o ônibus ficava esperando do outro lado... maiorCONFUSÃO cara...

B - Texto escrito: Viagem a Cancun

l" versão:

Eu tenho uma prìma que foi pra Cancun com uma amigaque é mergulhadora. Lá elas foram mergulhar num rio chei"ode corais no fundo, repleto de peixes bonitos pra ver. Ela

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alugou máscara e pé-de-pato, porque sem pé de pato elapodia cortar os pés. O único problema é que minha prima

não sabia nadar e, quando entrou no rio, se desesperou e

começou a se agarÍar em sua amiga que teve que pajeá-lapara ela não se afogar, impedindo sua amiga de mergulhar.

Elas foram andando em direção à outra margem do rio onde

o ônibus as esperava, mas chegaram a uma pane que era

a mais interessante e sua amiga, não resistindo, mandou

minha prima segurar-se nas pedras enquanto ela mergulhava.

Minha prima concordou e lá foi a mulher para um demorado

mergulho; minutos se passaram e minha prima ficou impa-

ciente e, ao passar um casal de veìhos que pelo visto também

não sabiam usar os apetrechos de mergulho, ela se agarrouneles e quase todos se afogaÍam. Ao chegarem à tão

desejada "tena fÍrme", depois de muito sufoco, eles co-

meçaram a rir.

Produzida a lâ versão, solicitou-se uma 2', paÌa que

o aluno pudesse aprimorar seu texto escrito. Observe oresultado.

C - Texto escrito

/ versão:

Eu tenho uma prima que foi pra Cancun com uma amigaque é mergulhadora. Lá elas foram mergulhaÍ num rio cheiode corais no fundo, repleto de peixes bonitos pra ver. Ela

alugou máscara e pé-de-pato porque sem pé-de-pato ela

achava que podia cortar os pés. O único problema é que

minha prima não sabia nadar e, quando entrou no Íio, se

desesperou e começou a se agarïaÍ em sua amiga que teveque pajeá-la para ela não se afogar, ficando sua amigaimpedida de mergulhar. Elas foram nadândo em direção à

outra margem do rio onde o ônibus as esperava, mas

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chegaram de repente a uma parte que era a mais interessantee sua amiga, não resistindo, mandou minha prima segurar-scnas pedras enquanto ela mergulhava. Minha prima concordoue lá foi a amiga para um demorado mergulho; minha primafoi fic:ìndo impaciente e. üo aparecer um casal de ielhosque pelo visto também não sabiam usar os apetrechos demergulho, agaÍTou-se a eles e quase todos se afogaram. Aochegarem à tão desejada ,.terra 1ìrme',, depois de muitosuloco. eles começaram a rir.

_ A atividade pemite acompanhar as operações de trans_formação - aqui já indicadas - realizaàas pelos alunos.além de possibi l i tur quc o prolessor detecte como se enconlrJeÍe. ol lqueÌe aÌuno no que se refere à organìzação textual,quais húilidades seu aluno já apresenta ou preciia aprendcrpara elaborar adequadamente seu texto.

AÌiás, outra possibilidade a ser realizada pode serexatamente essa - solicitar a observação e o levantamentodas operações efetuadas durante o proc;sso de transformaçãodo texto falado plra o escrito.

Os rezultados desse encaminhamento foram visivelmenteprodutivos, em especial no que se refere à pÍodução dotexto escrito, considerada mais trabalhosa por nossos alunos.A reul izaçìo dos di fcrenres r ipos de exer i ícìo possibi l ì t r aobservação e a melhor compreensão do funcioìamento dalíngua tanto na modalidadc falada quanto na escrita.

- A análise dos textos (falaclo e escrito) revela que os

falantes têm noção de que estão diante de duas modalidadesdistintas para a realização do mesmo gênero de texto. Assim,na atividade proposta ao aluno do ensino médio. observam_sceÌiminações de marcas estritamente interacionais: marcadoresconversacionais ("oh, meu, cora, né?, scóe?"), bem comomarcas prosódicas: alongamentos (,,aí::, r/aí...."), pausas("Cancun..."), enronação enfárica (,,CONFUSÁO,,j, marcasde estruturação sintática, como o truncam ento (,,t(tvanÌ/fo_

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ram"), o encadeamento coesivo na seqüenciação do texto(aí, daí, daí então") a inclusão da pontuação típica daescrita (vírgula, ponto final, dois-pontos, aspas).

Verifica-se, durante essas atividades, que os alunosapagam repetições, redundâncias e autocorreções, e comfacilidade procedem à substituição dessas ocorrências porpró-formas ("aí ela foi ela e uma amìga dela" - textofalado " I/i elas foram" - texto escrito B) elipses ou,ainda, por expressões sinônimas ou quase sinônimas quebuscam resgatar o mesmo referente ("cheio de peixes" -texto falado; "repleto de peixes" - texto escrito B).

Há diferenças na seqüenciação tópica de uma modali-dade para outra, que se revelam nas distintas formas deencadeamento sintático. Na fala, essa seqüenciação se dáatravés de marcas lingüísticas de continuidade ("daí, então,aí, depois" etc.), possibilitando a produção de um texto maisextenso e pormenorizado. Na escrita, tal seqüenciação seestabelece visando a uma concisão, marcada por construçõessintáticas em que o período é produzido para resgatar asidéias sucintamente.

O tratamento estilístico tambéhr é distinto. No textofalado, a seleção lexical e a estruturação sintática se efetivampor meio de construções mais informais, já que se trata deum texto produzido espontaneamente entre falantes comceÍo grau de intimidade. Por outro lado, no texto escritoos interÌocutores fazem escoÌhas mais sutis, uma vez quedispõem de tempo para planejamento, e há ainda a possi-bilidade de editorar o seu texto. Há também casos em queo interlocutor, além de poder reelaborar o seu texto, acrescentareflexões que não lhe ocoÍreram no momento da produçãodo texto falado.

Nessa direção verifica-se a ocorrência de, no texto A,"a mulher não podia MERGULHAR" e, no texto B, "im-pediwlo sua amiga de mergulhar"; no texto A, "nhguémsabia nadar com o snorkel" e no B "não sabiam usar os

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apetrechos de mergulho"; e ainda "ela se agarrou no caraquase se afogou totlo yyn/6" - A - por "ela se agarcouneles e quase todos se afogaram" - B e "agarrou-se aeles e rluase íodos se afogaram" - C.

Embora não tenhamos apresentado aqui uma análiseexaustiva dos segmentos, consideramos ser a exemplificaçãosuficiente para que o professor possa observar a produçãofalada ou escrita de seus alunos, inclusive do ponto de vistadas operações por eles realizadas duranre a atividade deprodução textual. Sintetizando, temos o sequinte quadro:

Quadro VOperações de produção do texto escrito

a partir do texto falado

l' operação: elìminação de marcas estritamente intcracionais e inclusãoda pontuação;

2' operação: apagamento de rcpetições, redundâncias, autoconeções eintroduçào de substitutçòes:

3'operação: substituição do tumo por parágrafos;4'operatão: difercnciação no encadeamento sintático dos tópicos;5' op€ração: tratamento estilístico com seleção do léxico e da estrutura

sintática. num percurso do menos para o mais formal.

Após estabelecer os tipos de operação efetuada pelosinformantes ao elaborarem o mesmo gênero de texto, nasmodalidades falada e escrita, podemos afirmar que as dife-renças ou integrações entÍe as duas modalidades ocorremnum contìnuum (e não num grau de oposição) que vai domenos para o mais formal, como já salientamos.

Na produção de textos falados ou escritos, outro aspectopassível de ser estudado refere-se ao desenvolvimento dotópico discursivo. Suas especificidades parecem ocorrer nãosó na modalidade de texto (falado ou escrito), como também

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no gênero de texto dentro da mesma modalidade (no falado:encontro casual, entrevista, aula, conferência, discussão aca-dêmica etc.; no escrito: reportagem, relato, ficção, textocientífico etc.). Na tessitura do texto falado, por exemplo,detectam-se aspectos particulares, ocorrendo a possibilidadede um grau maior ou menor de continuidade ou mudançade tópico, de acordo com o gênero do texto em questão.

É preciso ressaltar que há dificuìdades em se estabelecerparâmetros para reÌacionar a fala com a escrita, já que nãose dispõe de uma tipologia de textÕs, e sim de tentativasde elaboração de tipologias, em que se misturam gêneros etipos textuais.

Desse modo, não se pÕde simpìesmente fazer genera-lizações entre as modalidades falada e escrita, sem que antesse estabeleçam análises exaustivas entre os gêneros corres-pondentes. O que aqui se apontou refere-se tão-somente àobservação de um dos recortes possíveis no estudo dasrelações entre texto falado e escrito.

Sugestões de atiüdades

Para uma abordagem do texto oral visando a suaaplicação em sala de aula, é preciso fornecer aos professoresdo ensino fundamental e médio subsídios em relação àsespecificidades desse texto, como se instaura o seu processode produção e de qual (ou quais) unidade(s) de análise sepode fazer uso paÍa um estudo efetivo. Nessa linha detrabalho, destacamos dois elementos estruturadores do texto:o tópico discursivo (no texto oral) e o parágrafo (no textoescrito).

No trabalho efetivo com textos, o professor pode iniciara atividade com textos orais produzidos pelos próprios alunos,mostrar como esses textos se estruturam. ouais as suas

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especificidades, qual a sua unidade de construção, como jáindicados no capítulo anterior. A seguir, deve desenvolveratividades escritas, podendo utilizar os mesmos temas tratadosno exercício oral. buscando evidenciar como se estrutura otexto escrito, qual a sua unidade constitutiva, como ela deveser tecida.

Trata-se, conforme destaca Marcuschi (Ì993: 16):

"de trabalhar integradamente as várias atividades no uso daIíngua, ou seja, a produção oral, a produção escrita, a leiturae a compreensão. Este aspecto tem a ver com o tratamentodado à língua, principalmente nos exercícios propostos aosalunos em sala de aula".

Para o autor, não se deve considerar os exercíciosescolares como um simples complemento do ensino, "masa verdadeira forma de exercer o ensino". Conseqüentemente,a Universidade deve oferecer subsídios para que a escolasecundária trabalhe com propostas inovadoras, mas cuida-dosas.

Talveí conhecendo um pouco mais como se processaa elaboração do texto oral, o professor possa não só com-preender melhor as produções escritas de seus alunos, comotambém aprimorá-las sem que percam a sua expressividade,fazendo do trabalho com textos uma atividade dinâmica eprodutiva.

Utilizando-se do estudo do tópico discursivo e doparágrafo realizadÕs nos capítulos I e II deste livro,deixamos aqui alguns exercícios para que você faça comseus alunos.

I - Leia o texto do NURC-SP D2 343 transcrito aseguir. Indique os tópicos e subtópicos formulados e depoisfaça a transposição para o texto escrito, observando aconstrução dos parágrafos.

ot

(:47)

L2 éh São Paulo acho assim uma vez o Franck sabe aqueleque... que é arquiteto?

Ll uhn.. .

L2 ele estava falando que a topografia da cidade é muitobonita... e eu inclusive gosto né? cheìo de... montes e::né? colinas tal mas que é muito mal aproveitado bom(aí você vai entraÍ na na) área verde... que quase nãotem e tal

tisso é bem de cidade grande né?

toi?

LI

L2L I cidade que não dá para ter planejamento ela está crescendo

desordenadamente

tL2 dar daria né? é que não::

Ll e: ì sempre.. . quem manda é: : . . . os. . . a: : - como e que

se diz-... especulação imobiliríria né? ... certo local fica

bom para constuir todo mundo pa cone para lá né?

então constrói-se muitos prédioó ali e aí depois muda..

L2 esse negócio de lei de zoneamento não está funcionando?

Ll não que eu saiba não::... não é tão... tão forte essa leinão não consegue.... moldar a cidade...

tL2 não porque eu ouvi depois que::... depois que

estabeleceram aí::

Ll (tem isso) porque envolve interesses econômicos muito...FORtes muito grandes... que dobram essa lei... certo?dum,.. dum... dum governo para o outro... muda a leide zoneamento... eu nào vejo funcionar... e mesmo assimseria uma restrição de... desenvolvimento... errado masjá está um montão de coisa errada certo?.,. muito bairro::...residencial com muita indústria dentro... principalmentebairro pobre né?... para consertar isso;:: não dá... a lei

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wteria que ser... éh:: retroativa sei lá atuar sobre o que jáexlste

L2 uhn uhn...

Ll (né? então) eu Acho que ela não está conseguindo nematuar sobre o que vai existir... em termos ela existe

tL2 EH:::

Ll ela está Iá mas:: não funciona... porque

tLZ eu vejo

L1 acho que a economia é mais forte do que a lei... ainda...

L2 é meio incontrolável né? e acho que:;... acho que essenegócio se repete ou acaba se repetindo em qualquercidade que...atinge um certo tarnanho se bem que emSão Paulo acho que tem um problema específico de::...ter-se tornado um centro industri/industrial... grande essascoisas tem um professor meu que vai agora pra:: Belém...ele estava falando que... quando ele veio para São Paulo- eÌe é argentino tal - em cinqüenta e quatro eramenor que o Rio...

Ll uhn uhn... eìe é pólo de atração e o pessoal não consegue

tLZ pouco mai/pouco mais de dez anos né?

Ll podar isso né?... porque quem:: tem::... companhia grandedigamos... precisa de mão-de-obra... então ele tem quetrazer de outra cidade porque a nossa mão-de-obra... vaiprogressivamente se tornando mais cara... então teriacomo que importar dos outros estados para São Paulomão-de-obra barata... então isso CHAma,., um fluxo degente para São Paulo... que muita gente quer poDAR...para não crescer mais... ((tossiu)) que a gente não importaricaço essas coisas né? ricaço vai para o Rio sei Iáqualquer outro lugar certo?...

2 - Outra possibil idade de atividade é a análise de

textos escritos em que se detectem traços de oralidade, como

ÕcoÍre no texto jomalístico: uso de formas populares, citações

de fala, emprego de termos estrangeiros, frases de efeito,

entÍe outros. Veja os exempÌos (48) e (49) e procure levantar

esses traços presentes nos referidos textos:

(48)

"O ministro Clóvis Carvalho, paulista de 60 anos, é um

mouro para trabalhar, um sargento paÍa obedeceÍ e umgeneÍal para mandar - e agora, nestes últimos dias, deupara andar rindo pelos corredores. Não é à toa. Ele continuaca egando uma agenda de mouro, cumprindo ordens dopresidente com a mesma disciplina de sempre, mas sua

alegria explica-se pelo poder de general. Mantido comoministro da Casa Civil, cargo que ocupa desde o início dogoverno, Clóvis Carvalho foi o único ministro a ficar no

segundo mandato com mais poder do que tinha no primeiro.(...) A exceção que chama a atenção é Clóvis Carvalho,que já foi apeÌidado de "gerentão do palácio" e "bedeì deministro", e é malvisto por políticos de todos os partidos,inclusive do próprio, o PSDB, devido a sua vocação, exer-citada com rigor cotidiano, de praticgmente só abrir a bocapara dizer "não"{...) "O Clóvis recebeu um prato tào frÍ loque o único risco hoje é que fique intoxicado", diz umrninistro, referindo-se ao prestígio crescente do chefe daCasa Civil. Além dos encargos velhos e novos, ClóvisCarvalho tomou-se o senhor do Palácio do Planalto, abaixoapenas do própÍio presidente da República". (O número 2:

com seu podeÍ turbinado na Casa Civil, Clóvis Carvalhovira o senhor do palácio - Veja, 6 de janeiro de 1999,p.36).

(49)"Quanto mais o tempo passa, mais o papa João Paulo IIcapricha no visuaÌ. Em visita aos Estados Unidos em janeiro,

chamou a atenção sua estola vermelha de seda, enfeitadacom imagens de santos. Poucas semanas depois, na missade Quarta-Feira de Cinzas, uma profusão de bordados bri-

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(NIJRC-SP D2 343: 65 a 124, p. 18-20)

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lhantes €mprestou aÍ fashion ao roxo (ior reromendâda parao dia) da estolâ. Nada que cause muito espanto em quemjá ariscou até roupa de gnfe" @apa no griio da moda -Veja,3 de março de 1999, p. 67).

3 - Além disso, podemos encontrar marcas de oÍalidadeem crônicas. Observemos agora o texto de Rubem Braga:

(50)Negócio de menlno

Tem dez anos, é filho de um amigo, e nos encontramos napraia:

- Papai me disse que o senhor tem muito passarinho...

- Só tenho iaes.

- Tem coleira?

- Tenho um coleirinha.

- Virado?

- Yirado.

- Múto velho?

- Vilâdo há un ano.

- Canta?

- Uma beleza.

- Manso?

- Canta no dedo.

- O seúor vende?

- Vendo.

- Quanto?

- Dez contos.

Pausa. Depois volta:

- Só tem coleira?

- Tenho um melro e um curió.

- É melro mesmo ou é vira?

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- É quase do tamanho de uma graúna.

- Deixa coçar a cabeça?

- Claro. Come na mão ...

- E o curió?

- É muito bom curió.

- PoÍ quanto o senhor vende?

- Dez contos,

Pausa.

- Deixa mais barato...

- Para você, seis contos.

- Com a gaiola?

- Sem a gaiola.

Pausa.

- E o melro?

- O melro eu não vendo.

- Como se chama?

- Brigitte.

- Uai, é fêmea?

- Não. Foi a cmpregada que botou o nome. Quando elafala com ele, ele se aÍÍepia todo, fica todo despenteado,então ela diz que é Brigitte.

Pâusa,

- O coleira o seúor também deixa por seis contos?

- Deixo poÍ oito contos.

- Com a gaiola?

- Sem a gaiola.

Longa pausa. Hesitação. A irmiiziúa o chama de dentrod'água. E, antes de saiÍ correndo, propõe, sem me encaraÍ:

- O senhor úo me dá um passariúo de presente, não?

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Para que você, leitor, possa fazer uma análise commais segurança e âproveitamento, discutiremos como a ora-lidade esú presente nesse texto de Rubem Braga.

Inicialmente, importa destacar que se trata de unÌacrônica, gênero de texto que busca relatar ou discutir fatosdo cotidiano, em uma linguagem coloquial. No caso dotexto sob análise, veriÍicamos que o autor o elaborou combase no par adjacente pergunta-resposta, já que temos doisinierlocutoÍes (o cronista e um garoto de dez anos, apresentâdocomo o filho de um amigo), estabelecendo um diálogodurante toda a crônica.

Por meio dos diálogos, o autor pretende passaÍ paraos leitores a rapidez e a espontaneidade da linguagem falada,com intervenções curtas e precisas. Em alguns momentos,vale-se de reticências para assinalar um momento de silêncioou pausa de um dos interlocutores. Já em outros, escreveas expressões: 'pausa, longa pausa, hesitação", revelandocomo o lexto escrito sofre certas restrições para representaÍa oralidade.

Outro,ponto interessante a destacar é que se empregaum léxico bastante coloquial, usando termos como: "Dolou","uai",

4 - Outras possibilidades de trabalho são as seguintes:

- Observar como cada autor registra as hesitações, osgritos e os momentos em que há silêncio. Seriainteressante confÍontar com uma transcrição de umtexto oral.

- Verificar as prováveis operações que os escritoresexecutaram ao construir cada uma das crônicas.

Vejamos outras duas crônicas. Do mesmo modo queno exemplo (50), também nestes textos há marcas de ora-lidade, e vamos deixálos aqui como sugestão paÍa que vocêos analise.

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(sl)Hora de dormir

- Por que não posso ficar vendo televisão?

- Porque você tem de dormir.

- PoÍ quê?

- Porque está na hora, ora essa.

- Hora essa?

- Além do mais, isso não é programa para meninos

- Por quê?

- Porque é assunto de gente grande, que você não entende.

- Estou entendendo tudo.

- Mas não serve para você. É impróprio

- Vai ter mulher pelada?

- Que bobagem é essa? Ande, vá dormir que tem colégioamanhã cedo,

- Todo dia eu tenho.

- Está bem, todo dia você tem. AgoÍa desligue e vá dormir.- Espera um pouquinho.

- Não espero não.

- Você vai ficar aí vendo e eu não vou.

- Fico vendo não, pode desligar. Tenho horror de televisão.Vamos, obedeça a seu pai.

- Os outÍos meninos todos dormem ta.rde, só eu que durmocedo.

- Não tenho nada que ver com os outÍos m€ninos: tenhoque ver com meu Íilho. Já para a cama.

- Também eu vou paÍa a cama e não durmo, pronto. Ficoacordado a noite toda.

- Não comece com coisa não, que eu perco â paciência.

- Pode peÍdeÍ.

- Deixe de ser malcriado.

- Você mesmo oue me criou.

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- O quê? Isso é maneira de falar com seu pai?

- Falo como quiser, pronto.

- Não fique respondendo não: cale essa boca.

- Não calo. A boca é minha.

- Olha que eu ponho de castigo,

- Pode pôr.

- Veúa cá! Se der mais um pio, vai levar umas palmadas.

- Quem é que anda lhe ensinando esses modos? Você estáficando é muito insolente.

- Ficando o quê?

- AtÍ€vido, malcriado. Eu com sua idade já sabia obedecer.Quando é que eu teria coragem de responder a mcu paicomo você faz. Ele me descia o braço, não tinha conversa.Eu porque sou muito mole, você fica abusando... Quandoele falava está na hora de dormir, estâva na hora de dormir.

- Naquele tempo não tinha televisão.

- Mas tinha outras coisas.

- QÌrc outÍas coisas?

- Ora, deixe de conversa. Vamos desligar esse negócio.honto, acabou-se. AgoÍa é tratar de dormir.

- Chato.

- Como? Repete, para você ver o que acontece.

- Chato.

- Tome, para você aprender. E amaúã fica de castigo,está ouvindo? Para aprender á ter respeito a seu pai.

- E não adiantâ ficar aí chorando feito bobo. Veúa cá.

- AmÂnhã eu não vou ao colégio.

- Vai sim senhor. E não adianta ficar fazendo essa carinha,não p€nse que rne comove. Anda, veúa cá.

- Você me bateu ...

100 l0 l

- Baú poÍquc você mereceu. Já acabou, pare de chorar.Foi de leve, não docu nem nada. Peça perdão â seu pai evá dormir.

- Por que você é Âssim, meu filho? Só para me abonecer.Sou tão bom para você, você não reconhccc. Faço tudo quevocê me pede, os maiores sacriÍícios, Todo dia, trago paÍavocê uma coisa da rua. Trabalho o di todo por sua causamesmo, e quando chego em casa paÍa descansar um pouco,você vem com essas coisas. Então é assim que se faz?

- Entiío você não tem pena de seu pai? Vamos

ïome a bênção e vá dormir.

- Papai.

- Que é?

- Me desculpe.

- Está desculpado. Deus o abençoe. Agora vai.

- Por que não posso ficar vendo televisão?

Femando Sabino

(s2)O dia da caçs

A caçada estava marcada para as 7 horas, Desde as ó,porém, Paulo e eu jó estávamos de pé, aguardando a chegadade seu Chico Caçador.

- Seu Chico vai tazer as espingaÍdas?

- Vai. E cachorÍo também.

- Cachomr? Para que cachorro?

Olhei com pena meu compaúeiro de avennra:

- Onde você já viu caçada sem cachoro, rapâz?

- Ele disse que hoje vai ser ú passariúo.

- Passariúo para ele é codornâ. mâcuco, essas coisas...

Em pouco chegava seu Chico, todo animado:

- Tudo pronto, meninos?

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De pronto só tiúamos o corpo. Seu Chico trazia atÍâvessadasnas costas duas espingardas de caça e usava um gibão decouro, uma cartucheira, vinha todo fantasiado de caçador.Ao seu redor saracoteava um cachono:

- O melhor perdigueiro destas redondezas.

Na varanda da fazenda, seu Chico se pôs a encher oscartuchos, meticulosamente, usando para isso uns aparelhinhosque Íouxera, um saquinho de pólvora, outro de chumbo:

- Vai haver codoma no almoço paÍa a famflia toda -dizia entusiasmado.

Despedimo-nos comovidos da família e partimos através dopasto. Seu Chico, compenetrado, ia dando instruções, pÌo-curando impressionar:

- Parou, esticou o corpo, endureceu o rabo? Tá amanado.E só esperar o bichinho yoar e tacar fogo!

- Seu Chico, nós não vamos passar perto daquele touro,vamos?

- Aquele touro é uma vaca.

A vaca levantou a cabeça e ficou a olhar-nos, na expectativa.Por vi4.das dúvidas, me diá aí essa espingarda. Fomospassando com jeito perto da vaca.

- Bom-dia - disse eu.

- Buu - respondeu ela.

Ao sope do morro o cachorro se imobilizou.

- É agora! Me dá aqui a espingarda!

- Fiquem quietos - comandou seu Chico, num sussurÍo

- Que foi, seu Chico? Não estou vendo nada...Alguma coisa deslizou como um rato poÍ entre o capimrasteiro, leyantou vôo espadanando as asas.- Fogo! Fogo!

Paulo atirou na codoma, eu atirei em seu Chico.

- Cuidado!

- Que bicho é esse?

lo2 103

Seu Chico suspirou, resignado:

- Er6 ÌrÍn4 codoma. Não tem importância... Olha, quandoatiraÍ outÍa vez, vira o cano pro ar. O chumbo passoutinindo no meu ouvido.

No ar ficaram apenas duas fumacinhas. Fomos andando, seuChico canegou novamente nossas espingardas. Assim queo cachorro se imobilizava, ficávamos quietos, farejando aoÍedoÍ, canos piìÍa o ar.

- Vira isso pra lá!

- Agora! Fogo!

Mal tíúamos tempo de ver uma coisa escura desâpareceÍno céu, como um disco-voador.

- Assim também não vai, seu Chico. Não dá tempo...

- Me dá aqui essa espingarda. Deixa eu mataÍ a primeirapârâ mostrar como é que,

Andamos o dia todo pelo pasto. Nada de caça.

- Nem ao menos uma codominha - suspirava seu Chico,quando o sol começou a dobrâÍ o céu. - Tem dia que eumato mais de quinze macucos.

Andando, subindo morro, saltando ç:erca, atravessando valas,pisando em barro, escorregando no capim. O estômagocomeçou a doer.

- Seu Chico, o melhoÍ é a gente desistir. Estamos comfome.

- Hoje no jantar vocês comem perdiz. Ou eu desisto deser caçador.

Sua honra estava em jogo. A taÍde avançava e seu Chicoperscrutando o pasto, açulando o cachono. Paulo, sentadonum toco, desistira de andar: tirara o sapato e coçava odedão do pé. Resolvi também fazer uma parada para caçarcarrapatos. Seu Chico desapareceu numa dobra do terreno.De Íepente, puml pum! - era o caçador solitário. Teriaacertado desta vez? A vaca de novo. Vinha vindo pachor-rentamente pela picada aberta poÍ ela própria.

- Cuidado, Paulo! - Dreveni. - Olha a vaca.

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Pâulo se voltou para a veca, que já ia passando ao largo:

- Buuu! - fcz com desprezo.

A vaca se deteve, voltou-se nos flancos e de súbito dispaÍounum pesado galope €m sua direção. Paulo deu um salto,abriu a coner, passou poÍ mim como um raio:

- Foge! Foge!

Atrás de nós â terÍa estÍemecia e a vaca bufava, escavandoo chão com as patas.

- Seu Chico! Socono!

Em poucos minutos e aos saltos, escorregadelas, trambolhões,cruzamos o terreno que leváramos toda a manhã a conquistar,Já na poÍteiÍa da faznnda, nos voltamos para ver a vacaque ficara para tÍás, enhetida com uma touceiÍa de capim,

- Devo ter falado algum palavÍão em língua de vaca.

Em pouco regrcssava seu Chico, cabisbaixo, desmoralizado,quase choÍando:

- Erfei até em anu.

Procuramos consolá-lo:

- Um üla ê da caça e outÍo do caçadoÍ, seu Chico,

Deixou-nos as espingardas e folse pelo pasto m€smo, evi-tando a fazenda e o opróbrio aos olhos dos moradores.Paulo e eu nos coçávamos, sentados no travão da cerca,quando ambos demos um grito:

- Epa! Que é aquilo?

- Você viu?

Uma caça, uma câça enoÍme! Um gigantesco galináceo queao longe ganhava o moÍÌo em disparada, sumindo ali,suÍgindo lá - uma cegonha?

- iegonha nada! Uma avestruz!

Saímos como loucos em peÍseguição da avestÍuz. Nas fraldasdo morro disparamos o primeiro tiro.

- Socorm! - benou a avestruz.

104

Deu um salto e abriu fuga com suas pemocas longas, morÍoacima. Ah, se seu Chico nos visse agora!

- Pum!

- Socono!

E a ave pemalta fugia espavorida, escondendo-se na vege-tâção. Iamos no seu encalço, implacáveis.

- Pum! - trovejava a espingarda.

- Não! Não! - implorava a Âvestruz na sua fuga, largandopenas pelo camiúo.

A noite veio surpreender-nos do outro lado do morro, já àsportas da cidade. Voltamos para a fazcnda esropiados, Íoupasrasgadas, sapatos pesados de barro. Fomos Íecebidos comalegre expectaüva:

- E então? Caçaram alguma coisa?

- Com seu Chico, nem um passariúo. Mas depois queele foi embora quase apanhamos uma caça esplêndida, umaavestruz deste tamanho...

O dono da fazenda pôs as mãos na cabeça:

- Minha siriema, que eu mandei gir da Argentina! Imagineo susto da coitâdinha!

Embarafustamo-nos pela cozinha derÍotados.

- Quc vamos ter hoje no jântaÍ? - peÍguntei à cozinheira.

- Galinha ao molho pardo.

- Já matou?

- Não.

Empunhei a espingarda com decisão e voltei-me para ogalinheiro, mas Paulo cortou-me os piìssos:

- Não faça isso! O crime não compensa.

E propôs que na manhã seguinte saíssemos paÍa caçarborboletas.

Femando Sabino

105

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Outras atividades que podem ser sugeridas aos alunossão as seguintes:

5 - A partir de textos do projeto NURC-SP, comoo segmento (53), colocado a seguir, propor as tarefas de:

- Levantar as caÍacterísticas típicas da fala.

- Discutir as especificidades da transcrição.

- Transpor o texto oral para a modalidade escrita(veja as sugestões apresentadas: texto produzido porum aluno da 8' série e o outro produzido por umuniversitário).

(53)

A - Texto falado:

Descrição -de um museu

Inf. - bom... eu:: eu fui a:: a:: a PAris e visitei o LouvÍe...e estivdÍ noLoulre eu acho que umas eu passei uma semanâ só emParis mas eu fui umas quâtro vezes ao Louvre.., porquerealmente o que a gente yê no Louvre é indescritível... é::é aquilo que a gente está costumado a yer em livlos e:;álbuns sobre:: obras célebres ... ( ) ter oportunidade de verlá e:: e:: examinar... dá assim uma sensação uma emoçãoaté:: inenarÍável porque::... é completamente é é indescritível...entendeu?... eu fui também a â ao Museu do Prado... fuialgumas vezes no Museu do Prado em:: em::... em:: nacapital da Espanha... ló em:: Madri... e:: na Itália tambémtive oportunidade de conhecer bonitos museus... principal-mente em Florença.,.

106

(NURC-SP-DID 160, linhas 129-141, p.76)

107

B - Texto escrito: produzido por L. F. V., aluno da 8'série de um colégio da rede públicada cidade de São Paulo.

Descrição de um museu

Estive em Paris e passei uma semana por lá, mas pudevisitaÍ o Louvre umas quaüo vezes, porque realmente o quea gente vê no museu é indescritível. A gente sente umaemoção inenarÍável quando tem a oportunidade de olhar deperto aquelas obras célebres que a gente acostumou a veÍem livros ou álbuns. Já visitei outros museus. Em Madri,na capital da Espanha, eu fui no Prado algumas vezes e naIúlia pude conhecer bonitos museus, principalmente emFlorença.

C - Texto escrito: pÍoduzido por R. M., aluno do 1'anodo curso de IJtras da Universidadede São Paulo.

Descrição de urn rnuseu

Quando fui a Paris, visitei o Louvre poÍ quatro vezes,embora a minha permanência na capital francesa tenha sidode uma semana. A justificativa paÍâ tantas visitas está noque se tem para admirar naquele museu. É algo indescritível.Sente-se uma emoção inenarrável quando se tem a opôrtu-nidade de examinar de perto aquelas obras célebres cujocontato sempre foi através de livros ou álbuns de Históriada Arte.

Conheço outÍos museus da Europa. Na Espanha, mais pre-cisamente na capital Madri, estive no Museu do Prado. Jána Itália pude apreciar bonitos museus, principalmente emFlorença.

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Para executar as atividades propostas, leia com atençãoos três textos e responda: Quais as transformações que otexto "Descrição de um museu" apresenta na redação propostapelo aluno da 8' série? Quais as diferenças em relação aotexto do alunÕ universitário?

Para orientâr a sua resposta, é necessário que vocêobserve:

- reordenação dos conteúdos (desenvolvimento dotema ou assunto);

- eliminação de elementos próprios da língua falada;

- escolha do vocabulário;

- uso de linguagem mais formal;

- distribuição do texto em parágrafos.

6 - Pedir aos alunos para:

- registrar fala de um colega (por exemplo: contarcomo foi o seu fim de semana ou comentar oúltimo filme visto no cinema);

- fazéï a fanscrição dessa fala;

- transformar esse texto oral em um texto escrito;

- explicar quais foram as operações feitas para chegarao texto escnto;

- sugerir que seja feita a mesma âtividade a paÍirda fala produzida por urn adulto e depois compará-lacom a fala do jovem.

Observe, agora, leitor, os textos a seguir.

(54) Contextualização: Os locutores estão conversandosobre o tópico "Preço de uma corrida de táxi", mas L2precisa ir embora e começa a se despedir dos outros doislocutores. Entretanto, após as despedidas Ll e L3 continuama discorrer sobre o tópico em questão:

108

L3 ah:; mas no México tem que tomar cuiDAdo porquecada corrida... é um preço diferente

Ll eles roubam aí é um preço porque ELES toubam... masse/ se basear no taxlmetro aí... elev

L3 mas NÃO tem taxímetro no México... quan::do a GEN::te/

L2 DEI::xa eu ir EMBORA... tchau...tchau.... o Flávio man-dou um abraço pra você faLO...

Ll em casa eu estarei a noite ( ) ah:: obriGAdo... agradeçaa ele... AGORA se você vir o Paulo... faÌe pra e queeu continüo sain::do as DEZ e meia... mas em geralestaciono o carro no mesmo lugar/porque eu não vi oPaulo ainda

LZ tâ:-l

Ll e eu:: co/

L2 falei com ele por teleFone

Ll COMO não tive licença-prêmio NESte seMEstre... as-sumi as aulas... porque ele pensou que eu fosse ter...né? Me vendo aqui... então ele pode pensar

L2 tudo BEM... tchau... tchau...

L1 tchau... um abraço heim...

L3 tchau.... MAS QUANdo a gente esteve no México...NÃO tinha taxímetro...

(Conversação espontânea)

(55)A celulose é o maior constituinte orgânico existente nanatureza. Esta é uma macromolécula biológica composta porsubunidades de glicose unidas linearmente a partir de ligaçõesbeta 1, 4, podendo alcançar uma extensão de 10.000 subu-nidades com peso molecular de 1,5 milhoes. Embora apa-rentemente apresente uma estrutura químicâ simples, estapode alcançar tal complexidade que partes da molécula sãocristalinas. (Goldamn, G. H. e J. L. de Azevedo (1989)"Melhoramento genético de microrganismos produtores decelulose". [n Ciência e Culturq, 4I (3), p. 229-240)

l *109

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O texto (54) constitui a transcrição parcial de umaconversação espontânea face a face e representa a comuni-cação que vivenciamos todos os dias; o número (55) foicxtraído de um artigo científico publicado na revisÍa Ciênciae Cuhura; é especiaÌizado e com certeza será Ìido porpoucos e poucos escreverão textos como ele.

Continuando a comparáJos, observamos que (54) éelaborado sem um planejamento antecipado, cuidadoso (eleé planejado localmente), enquanto (55) é planejado cuida-dosamente, havendo uma progressão lógica; (54) é interativo(os interlocutores dirigem-se um ao outro), (55), não; (54)é dependente de contexto, (55), não; o locutor em (54)expõe seus sentimentos abertamente, em (55), procura man-ter-se "neutro".

Outra possibilidade de exercício que pode ser feitocom os alunos é a observação do grau de formalidade/in-formalidade presente nos vários'tipos de texto. A seguir,apresentamos uma sugestão de atividade.

7 - Análise do grau de formalidade/informalidadepresente nos textos.

Como eïèmplificação, analisemos o texto elaboradopor V. S., 15 anos, aÌuna da l" série do ensino médio deuma escola municipal da cidade de São Paulo.r0

(55)A-Textofalado:

Os dois ratinhos

Inf.: eram dois ratinhos... que eles viviam numa casavelha... e eles gostavam muito de passear pela casa

10. Coleta e transcrição elaboÍada por Rosiléia A. J. Sanlos, aluna do cursodc Lclras,

I l0

né? Porque lá eles ( ) pela parede pelo pelo fbrro pela...por todos os lugares que tinha lá em cima... por dentro eo que eles gostavam mais de ir... era pe/pela cozinha porque

lá tinha comida... e eles teve uma::: noite que eles foramaté a cozinha e eles comeram muito até se empanturraremmuito de tanta comida... aí f icaram com sede... e eÌescomeçaram procurar coisas para beber... foÍam por aqui porali... não acharam aí eles viram que tinha em cima dum::da mesa... em cima da mesa uma::: t igela co:: coberta comum pano aí eles foram até a tigela pm ver o que tinha lána ti:: t i ::t igela... aí eles foram ver... era coalhada... aí umdeles esconegou e caiu na tigela... e foi e foi pegar ajudaro outro... o rabinho no rabinho do outro e caiu os dois...e os dois começaram a nadar a se debater... mas não davapra eles sair da tigela porque as bordas escorregava... elesnadavam nadavam nadavam nadavam não conseguiam sair...aí um dos ratinhos... um dos camundongos desistiu e ooutro lá continuou nâdando nadando nadando nadando... aíno dia seguinte... a cozinheira... foi lá pra ver o leite quenessa tigela do leite ela ia fazer a coalhada...e ela foi na./quando ela abÍiu ela teve surpresa porque o ratinho... que

desistiu de nadar morreu... e o outro de tanto de tanto batero leite né que ia virar coalhada acabou virando manteiga...como ficou sólido... ela acabou saindo a:: cozinheira achouas patinhas na:: na manteiga ... descobriu que o ratinho saiudeixando()namanteiga

B - Texto escrito:

Os dois ratinhos

Havia dois camundongos e eles moravam em uma câsavelha e adoravam passear por ela e o lugar que eÌes maisgostavam de ir era na cozinha. Uma noite eles foram atélá e comeram, comeram tanto até dizeÍem chega. Depoisde encherem as barriguinhas, sentiram muita sede e foramprocurar alguma coisa para beber.

l l t

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Procuraram, procuraram e nada. Até que um deÌes avistouuma tigela coberta por um pano e foram ver o que era,Era leite que a cozinheira havia deixado para fazer coa-lhada, Só que um deles escorregou e câiu na tigela eacabou puxando o rabo do outro que também caiu. De-sesperados os dois começaram a nadar, mas não conse-guiram sair pois as bordas da tigela escorregavam. Como passar do tempo foram se cansando e um deles desistiu.Mas o outro, perseverante, continuou a nadar e nadar anoite toda.No dia seguinte, a cozinheira foi até a tigela e teve duassurpresas: o ratinho que havia desistido de nadar, morreu.E a coalhada onde o outro ratinho nadou. virou manteisae como ficou sólido ele conseguir sair da tigela. deixanãoas marquinhas de seus pés na manteiga.

A análise dos dois textos (falado e escrito) produzidospelo estudante de ensino médio revela que ele tem ionsciênciade que está diante de duas modalidades distintas Dara arealização do mesmo gênero de texto. Assim. verifiiam-seeliminações de marcas estritamente interacionais: marcadoresconversacionais (né? ai1, bem como marcas prosódicas:af ongamento$( rmc.'. ). hesitaçòes (r i tì:: tigela).pausas ("fazera coalhada.-."), truncamentos (o rabinho/no rabinho tlooutro" etc.), a inclusão da pontuação típica da escrita (vírgula,ponto final, dois-pontos) e ainda a distribuição em trêsparágra fos.

Observa-se também o apagamento de repetições (rati-nho), redundâncias e coÍÌeções (pela/por), a introdução desubstituições por pró-formas ou elipses (casa velha - ela)e ainda o uso de expressões sinônimas (ratinho - camun-dongo) que buscam resgatar o mesmo referente.

E visível na passagem da fala para a escrita a dife-renciação no encadeamento sintático do texto. em oue atransposição para o texto escrito foi organizada de modocontínuo, possibilitando a obtenção de um texto mais conciso,ainda que não se coloque como uma produção totalmentesatisfatória. Observe os segmentos:

rt2

a) Texto orali "eram dois ratinhos... que eles viviamnuma casa velha..-e eles Sostüvom muito de passear pelacasa né2"

b) Texto escÍito: "Havia doís camundongos e elesmoravam em uma casa velha e adoravam passear por ela".

Quanto ao tratamento estilístico, também é distinto. Notexto falado, a seleção lexical se efetiva por meio deconstruções mais informais, já que se trata de um textoproduzido espontaneamente. Por outro lado, no texto escritoo interlocutor dispõe de tempo para planejamento e construçãode seu texto, tendo, portanto, a possibilidade de fazer escolhasmais sutis e também podendo editorálo.

Cabe ao professor trabalhar o texto escrito, fazendocom que o aluno, junto com seus colegas de classe, reformuÌeesse texto, conseguindo construir uma narrativa mais adequadaao seu nível de escolaridade.

l l3

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Corcr.usÃo t

Chegamos, caro leitoq ao fim do livrq) podendo dizerque a aplicação de uma prò[õìú- cómo ã aqui apresentadapede sérias reflexões e uma reformulação do ensino delíngua matema em vários pontos:

l\ Nos livros didáticos.

Se, como aponta Marcuschi (1997), os livríosìrd{ticosatuais não indicam rnais a fala comó o lugaido eno(:ssapostura revela um descaso em 19,$4{o..f oralidade, pô-rs,.--..=.--_--€gundo ó mesmo autor, a.pnas 2ch no cômputo geral depáginas são dedicados à oralidade E por que não tratam daoralidade? por desprezo? descaso? desconhecimento?

Certament€ há de tudo um pouco. Alguns entendemlinguagem oral como encenação de textos escritos; outrosnão têm uma concepção clara do que seja língua falada ouignorarn completamente o que ela seja.

2) Na postura d.o professor.

Está claro que o professor não vai ensinar o aluno afalar; isto o aluno já o faz quando chega à escola. "Trata-se,isto sim. de identificar a imensa riqueza e variedade dos

l l5

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usos da língua" (Marcuschi, ibid.). É necessário mostrarcomo a fala é variada, que há diferentes níveis de fala eescrita (diferentes graus de formalismo), isto é, diferentesníveis de uso da língua, e que a noção de dialeto padrãouniforme é teórica, já que isto não ocorre na pnítica. Oprofessor precisa mostrar, também, que fala e escrita nãopodem ser dissociadas e que elas se influenciam mutuamente.hecisa valorizar a linguagem presente nos textos faladospelos alunos como ponto de partida para a reflexão sobresua língua rnatema.

3) Na atiudc do aluno,O aluno deve assumir, como já vimos no decorrer do

livro, uma postura ativa; paÍa que isto ocorra, não bastaque apenas sua competência lingiiística seja trabalhada, massua competência comunicativa.

Se o professor organiza sua aula com base nos textosproduzidos pelos alunos, analisa-os e os discute, a teoÍiaseú divuÍgada a partir da prática, e ele, aluno, será nãoum simples espectador, rnas um paÍicipanie das atividadeslingiiísticas dpsenvolvidas em classe.

Assim, ao abordarmos, nesta obÍa, as principais questõesde oralidade e escrita, espeÍamos teÍ oferccido aos professores,aos alunos universiL,írios e aos inteÍessados em linguagemverbal o coúecimento mais atual sobre o tema e suaaplicabilidade em sala de aula, a partir do que o professorutilizaÍá suas habilidades, sua criatividade, paÍa propor outrasatividades.

l16 lr7

Axr.xo

Normas para transcrição dos textos orais

Em decorrência da necessidade de não se trabalharaleatoriamente com a transcrição dos textos orais, sugerimosque sejam utilizadas, como o fizemos nesle livÍo, as norÍnasde transcrição já elaboradas pelos pesqúsadores do ProjetoNURC/SP; entÌetanto, é preciso lembraÌ que essas nonnasnão são padronizadas, de modo que os pesquisadores sãolivres para criar suas púprias normas de transcrição. Nessesentido, procedemos à apresentação das referidas norÌnas noquadro que incluímos neste Anexo.

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NORMAS PARÁ TRANSCRIçÃO*

OCORRÊNCIAS SINAIS EXEMPLIFICAçÃO**

Incompreensão de pala-vras ou segmentos

( , do nível de renda... ( )nível de renda nominal...

Hipótese do que se ouviu (hipótese) (estou) meio preocupado(com o gravador)

Truncamento (havendohomogràfi a, usa-se acentoindicativo da tônica e/ouúmbÍe)

e comé/e reinicia

Entoação enfática maiúsculas porque as pessoas reTÊMmoeda

Alongamento de vogal ouconsoante (como s, r)

:: podendo aumentarpara:::: ou mais

ao emprestarcm os... éh:::... o dinheiro

Silabação por motivo tran-sa-ção

Intenogação '' ,| e o Banco...Central...certo?

Qualquer pausa são tr€s motivos... ou tÍêsrazões... que fazem comque se retenha mo€da...existe uma... retenção

Comentários descritivosdo transcritor

((minúsculas)) ((tossìu))

|+ïaídls de Castilho & preri (1986). A Linguagem Fatada Cuba naCidade de São Paülo, vol. lI - Diálogos entre ãois informantes. SãàPaulo. T. A. Queiroz/EDUSp, p. 9-lO.

]]-Elgmllos rerirados dos inquéritos NURC_SP n 338 EF, 331 D2 et53 D2.

l l8

OCORRÈNCIAS SINAIS EXEMPLIFICAçÃO'**

Comcntários que que-bÍam a seqüência temá-tica da exposição; desviotemático

. . .4 demanda de moeda

- vzunos daÍ essa nota-ção - demanda de moe-da por motivo

Superposição, simultanei-dade de vozes

ligando as

liúas

A. na casa da sua irmãt

B. sexta-feira?A. fizeram lá...

tB. cozinharam lá?

Indicação de que a falafoi tomada ou interrom-pida em determinadoponto. Não no seu início,por exemplo.

(...) nós vimos que exis-tem...

Citações litemis, reprodu-çóes & discürso diretoou leituras de textos, du-rante a gÍavação

Pedro Lima... ah escrevena ocasião... "O cinemafalado em língua estran-geira não precisa de ne-nhuma baRREIra entrenós"...

Obse rvaçõe s:l lniciais maiúsculas: n:io se usam em início de períodos, turnos c

fïascs.2. Fáticos: ah, éh, eh, ahn, ehn, uhn, tó (Ítáo poÍ está: t!i? vocè estó

brava?)3. Nomes de obras ou nomes comuns estrangeiros sio grifados4. NúmeÍos: por extenso.5, Não se indica o ponto de exclamação (fÍase exclamativa)6. Não se anota o cadenciamehto da frase.7. Podem-se combinar sinais. ior exemplo: oh:::.,, (alongamento e pausa).8. Não se utilizam sinais de paas". tÍpicos da língua escritâ. como pon'

to-e-vírgula. ponto-linal. dois-pontos, vÍrgula. As reticências marcamqualquer tipo de Parra.

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