foucault, m. poder-corpo

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 FOUCAULT, M. Poder-corpo p. 145 Em compensação, é o corpo da sociedade que se torna, no decorrer do século XIX, o novo princípio. É este corpo que será preciso proteger, de um modo quase médico: em lugar dos rituais através dos quais se restaurava a integridade do corpo do monarca, serão aplicadas receitas, terapêuticas como a eliminação dos doentes, o controle dos contagiosos, a exclusão dos delinquentes. p. 146 Ora, não é o consenso que faz surgir o corpo social, mas a materialidade do poder se exercendo sobre o próprio corpo dos indivíduos. p. 146,147 Mas a sexualidade, tornando-se assim um objeto de preocupação e de análise, como algo de vigilância e de controle, produzia ao mesmo tempo a intensificação dos desejos de cada um por seu próprio corpo... p. 147 O corpo se tornou aquilo que está em jogo numa luta entre os filhos e os pais, entre a criança e as instâncias de controle. A revolta do corpo sexual é o contra-efeito desta ofensiva. Como é que o poder responde? Através de uma exploração econômica (e talvez ideológica) da erotização, desde os produtos para bronzear até os filmes pornográficos... Como resposta à revolta do corpo, encontramos um novo investimento que não tem mais a forma de controle-repressão, mas de controle- estimulação: “Fique nu... mas seja magro, bonito, bronzeado!” A cada movimento de um dos dois adversários corresponde o movimento do outro. Mas não é uma “recuperação” no sentido em que falam os esquerdistas. É preciso aceitar o indefinido da luta... o que não quer dizer que ela não acabará um dia. p. 147 É preciso, em primeiro lugar, afastar uma tese muito difundida, segundo a qual o poder nas sociedades burguesas e capitalistas teria negado a realidade do corpo em proveito da alma, da consciência, da idealidade. p. 148 E depois, a partir dos anos sessenta, percebeu-se que este poder tão rígido não era assim tão i ndispensável quanto se acreditava, que as sociedades industriais podiam se contentar com um poder muito mais tênue sobre o corpo. Descobriu-se, desde então, que os controles da sexualidade podiam se atenuar e tomar outras formas.... R esta estudar de que corpo necessita a sociedade atual... p. 148,149 E, se há coisas muito interessantes sobre o corpo em Marx, o marxismo  enquanto realidade histórica  as ocultou terrivelmente em proveito da consciência e da ideologia... [...] Pois se o poder só tivesse a função de reprimir, se agisse por meio da censura, da exclusão, do impedimento, do recalcamento, à maneira de um grande super-ego, se apenas se exercesse de um modo negativo, ele seria muito frágil. Se ele é forte, é porque produz efeitos positivos a nível do desejo   como se começa a conhecer  e também a nível do saber. O poder, longe de impedir o saber, o produz. Se foi possível constituir um saber sobre o corpo, foi através de um conjunto de disciplinas militares e escolares. É a partir de um poder sobre o corpo que foi possível um saber fisiológico, orgânico. O enraizamento do poder, as dificuldades que se enfrenta para se desprender dele vêm de todos estes vín culos. É por isso que a noção de repressão, à qual geralmente se reduzem os mecanismos do poder, me parece muito insuficiente, e talvez até perigosa. p. 149 [...] o poder não está localizado no aparelho de Estado e que nada mudará na sociedade se os mecanismos de poder que funcionam fora, abaixo, ao lado dos aparelhos de Estado a um nível muito mais elementar, cotidiano, não forem modificados. p. 150 A psicanálise, em algumas de suas atuações, tem efeitos que entram no

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    FOUCAULT, M. Poder-corpo

    p. 145 Em compensao, o corpo da sociedade que se torna, no decorrer dosculo XIX, o novo princpio. este corpo que ser preciso proteger, de ummodo quase mdico: em lugar dos rituais atravs dos quais se restaurava aintegridade do corpo do monarca, sero aplicadas receitas, teraputicas

    como a eliminao dos doentes, o controle dos contagiosos, a excluso dosdelinquentes.

    p. 146 Ora, no o consenso que faz surgir o corpo social, mas a materialidade dopoder se exercendo sobre o prprio corpo dos indivduos.

    p. 146,147 Mas a sexualidade, tornando-se assim um objeto de preocupao e deanlise, como algo de vigilncia e de controle, produzia ao mesmo tempo aintensificao dos desejos de cada um por seu prprio corpo...

    p. 147 O corpo se tornou aquilo que est em jogo numa luta entre os filhos e ospais, entre a criana e as instncias de controle. A revolta do corpo sexual o contra-efeito desta ofensiva. Como que o poder responde? Atravs deuma explorao econmica (e talvez ideolgica) da erotizao, desde os

    produtos para bronzear at os filmes pornogrficos... Como resposta revolta do corpo, encontramos um novo investimento que no tem mais aforma de controle-represso, mas de controle-estimulao: Fiquenu... masseja magro, bonito, bronzeado! A cada movimento de um dos dois

    adversrios corresponde o movimento do outro. Mas no umarecuperao no sentido em que falam os esquerdistas. preciso aceitar oindefinido da luta... o que no quer dizer que ela no acabar um dia.

    p. 147 preciso, em primeiro lugar, afastar uma tese muito difundida, segundo aqual o poder nas sociedades burguesas e capitalistas teria negado arealidade do corpo em proveito da alma, da conscincia, da idealidade.

    p. 148 E depois, a partir dos anos sessenta, percebeu-se que este poder to rgido

    no era assim to indispensvel quanto se acreditava, que as sociedadesindustriais podiam se contentar com um poder muito mais tnue sobre ocorpo. Descobriu-se, desde ento, que os controles da sexualidade podiamse atenuar e tomar outras formas.... Resta estudar de que corpo necessita asociedade atual...

    p. 148,149 E, se h coisas muito interessantes sobre o corpo em Marx, o marxismoenquanto realidade histricaas ocultou terrivelmente em proveito daconscincia e da ideologia... [...] Pois se o poder s tivesse a funo dereprimir, se agisse por meio da censura, da excluso, do impedimento, dorecalcamento, maneira de um grande super-ego, se apenas se exercessede um modo negativo, ele seria muito frgil. Se ele forte, porque produz

    efeitos positivos a nvel do desejocomo se comea a conhecere tambma nvel do saber. O poder, longe de impedir o saber, o produz. Se foi possvelconstituir um saber sobre o corpo, foi atravs de um conjunto de disciplinasmilitares e escolares. a partir de um poder sobre o corpo que foi possvelum saber fisiolgico, orgnico. O enraizamento do poder, as dificuldadesque se enfrenta para se desprender dele vm de todos estes vnculos. porisso que a noo de represso, qual geralmente se reduzem osmecanismos do poder, me parece muito insuficiente, e talvez at perigosa.

    p. 149 [...] o poder no est localizado no aparelho de Estado e que nada mudarna sociedade se os mecanismos de poder que funcionam fora, abaixo, aolado dos aparelhos de Estado a um nvel muito mais elementar, cotidiano,

    no forem modificados.p. 150 A psicanlise, em algumas de suas atuaes, tem efeitos que entram no

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    quadro do controle e da normalizao.

    p. 150 pelo estudo dos mecanismos que penetram nos corpos, nos gestos, noscomportamentos, que preciso construir a arqueologia das cinciashumanas.

    p. 151 Por que, ento, este pudor sacralizante que consiste em dizer que a

    psicanlise no tem nada a ver com a normalizao?p. 151 O que o intelectual pode fazer fornecer os instrumentos de anlise, e

    este hoje, essencialmente, o papel do historiador.

    p. 152 O interessante no ver que projeto est na base de tudo isto, mas emtermos de estratgia, como as peas foram dispostas.

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