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Furiosaa nautical chart and its monsters
Ana Rüsche
Selected and translated | Seleção e traduçãoMaíra Mendes Galvão
Preface | PrefácioCaroline Micaelia
New York – São Paulo2017
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fury (fu·ry) nounMiddle English furie, from Latin furia | 1. Intense, disordered, and often destructive rage. 2. Extreme fierceness or violence. 3. Any of the avenging deities in Greek mythology who torment criminals and in-flict plagues, a spiteful woman. 4. A state of inspired exaltation, frenzy.
To Thiago and Canek& all clarinet jazz
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fúria (fú.ri:a) sf. Lat. furia | 1. Grande raiva, manifestação de furor. 2. Cólera, ira. 3. Fig. Ímpeto forte. 4. Velocidade e veemência (na ação). 5. Coragem. 6. Pessoa furiosa. 7. Mulher desgrenhada. 8. Fig. Inspiração poética, entusiasmo, estro.
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8 The bittersweet harshness: voice and fury in Ana Rüsche’s poetry/A dureza agridoce: voz e fúria na poesia de Ana Rüsche Caroline Micaelia
24 Anorexic/Anoréxicas26 stubbornness/teimosia28 j.’s party/festa de j.30 routine/rotina32 Common Place 7: Civil Society/Lugar
Comum 7: a Sociedade Civil34 The Puzzle/O Quebra-Cabeça36 Possession/Possessão38 The White Poem/O Poema Branco42 Innocence/Inocência44 song of the windscreen cleaner/a canção
do limpa-vidros46 homage/homenagem
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48 Revenant50 Common Place 22: from a newspaper
piece/Lugar Comum 22: de uma notícia de jornal
52 love and the use of consonants/o amor e o uso das consoantes
54 see, it was an involuntary offense/veja, foi um delito involuntário
58 O Grande Plugue/The Great Plug60 The Fourth Person/A Quarta Pessoa70 the body is a body/o corpo é um corpo72 home cookery/culinária doméstica76 total visibility/visibilidade total78 the known ones/as conhecidas80 I’m sorry, I came underdressed/me
desculpa, vim bem mal vestida
88 Biographical note/Nota biográfica
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The bittersweet harshness: voice and fury in Ana Rüsche’s poetry
Dragged up from the punk rock lifestyle – that even though we have left well kept back in the late 1970s, runs entrenched, on a less or more pop way, in the subsequent cultural production –, there is currently an interesting poetical and editorial tendency going on in Brazil, one that Ana Rüsche (São Paulo, 1979), the furious poet, seems to incorporate from the bot-tom to the top: the good old “do it yourself”. This “not to ask for permission” marks the atmosphere of a still slow – yet already efficient – penetration provoked by historically repressed flows, surround-ed by barriers; inevitable escape since in “make or break” moments such as this one, there is no finan-cial, political, social or editorial mightiness, neither
“dominant aesthetic trend” to bear the brunt of those who want & need to pass over. Having published, in
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A dureza agridoce: voz e fúria na poesia de Ana Rüsche
Do fundo do baú do lifestyle punk rock – que embora tenhamos deixado bem guardado no final dos anos 1970, segue impregnado, de maneira menos ou mais pop, na produção cultural subsequente –, há hoje no Brasil uma interessante tendência poética e editori-al, que Ana Rüshe (São Paulo, 1979), a poeta furiosa, parece encarnar da cabeça aos pés: o do it yourself. Este “não pedir permissão” marca o ímpeto de uma ainda lenta – porém já algo eficiente – penetração dos fluxos historicamente represados num canto, delimitados por barreiras; escape inevitável, dado que, em momentos de “ou vai ou racha”, não tem poderio financeiro, político, social, editorial, nem
“linha estética dominante” que segure o tranco de quem quer & precisa passar. Tendo publicado, na última década, cinco livros (Rasgada, Sarabanda,
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the last decade, five books (Rasgada, Sarabanda, Nós que adoramos um documentário, Acordados and Furiosa), among which four collections of po-ems (the last one being an anthology of her work) and a novel, the poet responsible for the signature on this volume could not have her poems and her literary activity characterized anyway other than by a vigorous and insistent expression, which does not lean and even less so waits from other people’s good will the grant to (re)affirm its place in the literary discourse.
This bringing the “do it yourself ” spirit up, re-source whose versatile usage assures Ana’s place amongst the most singular ongoing Brazilian voices, reveals itself not only in the track of the work per-formed by the artist, in her position as an author who does not wait for the day when the major mainstream publishing houses knock on her door, but also on the game between possibility and feasibility, explored at once in the sphere of her posture when it comes to the promotion of her work – and, what is remarkable, the same concerning other writers’ works – and in the sphere of some of her texts, as we are about to find out. In fact, considering the most varied ideas
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Nós que adoramos um documentário, Acordados e Furiosa), entre os quais quatro recolhas de poemas (o último sendo uma antologia do percurso) e um romance, a paulistana responsável pela assinatu-ra do volume que se encontra agora nas mãos do leitor não poderia ter seus poemas e sua atividade literária caracterizados de outra forma que não a de uma expressão vigorosa e insistente, a qual não baixa a cabeça e muito menos espera da boa vonta-de alheia concessão para que seu lugar de fala seja (re)afirmado.
O resgate do “faça você mesmo”, recurso cujo versátil manejo assegura o posto de Ana entre as vozes brasileiras mais singulares da contempora-neidade, revela-se não apenas na trilha do trabalho desempenhado por ela, em sua posição de autora que não fica à espera de que algum dia os grupos editoriais de grande alcance mercadológico batam na sua porta, como também no jogo entre possib-ilidade e viabilidade, explorado a um só tempo no âmbito de sua atitude para com a promoção de sua obra – e, o que é notável, igualmente para com a das obra de outros escritores – e no de alguns de seus textos, como logo perceberemos. Com efeito,
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one might have in mind, in a great deal of Ana’s po-ems the main point touches first the matter of “how”
– paradigm in which the “impossible” in opposition to the “possible” is not even game. That is exactly what we will see in some poems’ imagistic construction, namely the “song of the windscreen cleaner”, from Sarabanda (2007), where the subject, “an aquarium fish, fat”, rotting “in these dirty waters”, keeps, none-theless, “consuming anything that sparkles a bit”. This is also what becomes manifest in some poems where Ana, pushed up by a very rimbaudian force, offers the reader a sort of thermometer that measures the re-lations taking place and building bounds in contem-porary society, scene in which the struggle between the “I” and the “other” deepen itself in an astonishing not-so-slight progression. Thence, for instance, the phrasing in “The fourth person” saying “the conjuga-tions belong to an I, another”, as well as in “Possession” the voice enunciating clarifies us: “At times that body wasn’t mine/ – another possessed me whole”.
But the link to the “other” overflows the limits of the French xixth century or the brutality of life in those days of ours: one of Ana’s poetry traces to catch our eyes is, like I have pointed above, the constant
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em vista das mais diversas ideias que se possa ter em mente, o que se discute em um bom número de poemas toca antes o problema do “como” – para-digma no qual o “impossível” em oposição ao “pos-sível” não é sequer uma questão. É o que veremos na construção imagética de alguns deles, como “a canção do limpa-vidros”, de Sarabanda (2007), onde o “eu, um peixe de aquário, gordo”, “a apodrecer nessas águas sujas”, continua, não obstante, “con-sumindo qualquer coisa que brilhe um pouco”. É também o que fica claro nos poemas em que Ana, movida por uma força muito rimbaudiana, oferece ao leitor uma espécie de termômetro das relações que se entremeiam na sociedade contemporânea, cenário no qual o embate do “eu” com o “outro” se intensifica em progressão não pouco assombrosa. Daí a colocação, em “A quarta pessoa”, por exemp-lo, de que “as conjugações pertencem a um eu, um outro”, do mesmo modo como, em “Possessão”, a voz que enuncia nos esclarece: “Às vezes aquele corpo não era meu/ – um outro me possuía todo”.
Mas o elo com o “outro” se espraia para muito além do século xix francês ou da brutalidade da vida nestes nossos dias: um dos traços da poesia
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dialogue with Brazilian poets of her generation (we could think of names such as Fabiano Calixto and, amongst those of recent debut, Jeanne Callegari), and not only: it is possible to notice in her writings, as it could not be otherwise, references to the Brazilian poetry tradition, represented for example by João Cabral de Melo Neto, without mentioning a certain diction coming from the 1970’s mimeograph gener-ation. Furthermore, on an international basis, ex-cepting the Rimbaud I commented before, the most immediate connection reaching Ana seems to be the one she establishes with Frank O’Hara’s conversa-tional poetry, specifically when we are talking about the kind of interaction with the reader she proposes, as it is possible to observe in the very first verses of
“see, it was an involuntary offense”:
later, evidence indicated that I fell from the 54th floor
of my own building.
See, I didn’t even know I had a buildingOr yet that there existed laws, falls and aborted
flights
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de Ana que ressaltam aos olhos é, como mencionei brevemente mais acima, o constante diálogo com poetas de sua geração (poderíamos citar de pas-sagem nomes como os de Fabiano Calixto e, entre os de estreia recente, Jeanne Callegari), e não so-mente: é possível notar em seus escritos, como não poderia deixar de ser, referências da tradição bra-sileira, como João Cabral de Melo Neto, além de uma certa dicção da geração mimeógrafo dos anos 1970. No cenário internacional, à exceção do Rimbaud anteriormente comentado, a ligação mais imedi-ata parece ser aquela que aproxima Ana da poesia conversacional de Frank O’Hara, especificamente no que concerne o tipo de interlocução com o leitor, como é possível reparar nos versos iniciais de “veja, foi um delito involuntário”:
mais tarde, as provas apontam que caí do 54º andar
do meu próprio edifício
veja, nem sabia que eu possuía um prédioou ainda que existiriam leis, quedas e voos
abortados
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The truth, however, is that Ana seems to deal with all of those foreign nuances in her work as if this whole thing was actually a meeting where she would find a few old friends – as a matter of fact, some of them really are –, from whom she would take, conscious or unconsciously, a gesture or a lin-guistic expression or a certain idea about the world, which, in their rearrangement by the poet, appear with completely others sense and vitality. The truth, to say it all, is that nothing overlaps Ana’s potent authorial voice, which includes a reinvention of this whole package of references permeated with an impressive harshness – to make use of Dirceu Villa’s words. Poems such as “Common place[s]” 7, “Civil society”, and 22, “from a newspaper piece”, are good models of that: tells us the first of them: “Ev-ery second/ A black child is eaten/ with yellow fever mustard”. And just like in those verses, everywhere in Ana’s work we can verify stretches where the re-ferred harshness corroborates a combative bias to walk way afar from a pamphleteer practice, a rep-resentative illustration of this aspect being the var-ious texts in which the poet avail herself of female characters and protagonists (“The white poem” is
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A verdade, entretanto, é que Ana parece lidar com todas essas nuances estrangeiras a sua obra como se lida com encontros em que se revê vel-hos amigos – alguns deles de fato o são –, de quem se toma, consciente ou inconscientemente, um trejeito ou uma expressão linguística ou uma de-terminada ideia sobre o mundo, os quais, em sua reelaboração pela poeta, aparecem com um sen-tido e com uma vitalidade todo outros. A verdade, para dizer tudo, é que nada se sobrepõe à potente voz autoral de Ana, que reinventa todas as suas referências, permeando-as de uma dureza espan-tosa – para me utilizar das palavras de Dirceu Villa. Poemas como os “Lugare[s] comum[s]” 7, “A socie-dade civil”, e 22, “uma notícia de jornal”, são bons modelos disso: conta o primeiro deles: “A cada se-gundo/ comem uma criança negra/ com mostarda de febre amarela”. E assim como nestes versos, há por toda parte na obra de Ana trechos em que a referida dureza corrobora com um viés combati-vo que se distancia em muito do panfletário, como nos numerosos textos em que a poeta lança mão de personagens e protagonistas femininas (“O po-ema branco” é um exemplo), assim como quando
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an example), equally when she elaborates political issues through the construction of everyday images (we can check that in “home cookery”).
Renata Corrêa is right to highlight, still regarding this harshness, the creation of brief movie sequences
– which I would say worth of Cortázar –, like the one of the girl who, after meticulously putting a puzzle together, in the homonymous poem, devours “all the little pieces until she [pukes]”; scenes charged with a surprising normality, scenes where we are able to visualize a take’s concatenation through the man-agement of quite simple linguistic resources, among which I could mention the use of time adverbs (“first”, “then” etc., in “j.’s party”) or that of infinitive verbs lists (“to slim down”, to “excise”, to “return”, to “fade into”, in “anorexic”). Summarizing: the reader will find, in this collection, a discrete sample of Ana Rüsche’s trajectory, including more precise details about these steady scintillations, these inhospitable places, these realities seen through the most curious lens, and through the most sharp ones, neverthe-less. And these poems’ duplicates in English, thanks to Maíra Mendes Galvão, responsible for this fine and thoughtful translation, do not let me lie: in these texts,
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são elaborados problemas políticos através da construção de imagens do cotidiano (como é o caso de “culinária doméstica”).
Renata Corrêa tem razão em destacar, ainda à propósito dessa dureza, a criação de pequenas se-quências cinematográficas – que eu diria realmente dignas de Cortázar –, como a da menina que, após meticulosamente montar um quebra-cabeças, no poema homônimo, devora “todas as pecinhas até vomitar”; cenas carregadas de uma naturalidade surpreendente, nas quais podemos visualizar o encadeamento de um take por meio de recursos linguísticos simples, como o uso de advérbios de tempo (“primeiro”, “depois” etc., em “festa de j.”) ou o de listagens de verbos no infinitivo (“emagrecer”,
“extirpar”, “devolver”, “desintegrar-se”, em “anoréxi-cas”). Em suma: o leitor encontrará nesta coletânea, pequeno sample da trajetória de Ana Rüshe, detal-hes mais precisos sobre essas firmes cintilações, es-ses lugares inóspitos, essas realidades enxergadas através das mais curiosas lentes, e das mais nítidas, contudo. E a duplicata dos poemas em inglês, cul-pa da poeta Maíra Mendes Galvão, que fina e mui cuidadosamente os traduziu, não me deixa mentir:
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no blockage, no sweet-temperament: the command verbs are “to arrive”, “to continue”, “to be”. And Ana’s poetry has arrived, without asking for consent, not only in its 10th birthday, but also in Mexico, England, Catalonia and these United States. And Ana’s poetry continues in its full power, stronger each day. And Ana’s poetry, today & always, is.
Caroline MicaeliaSão Paulo, March 2017
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nestes textos, nada de empecilho, nada de bom-mo-cismo: as palavras de ordem são o “cheguei”, o “es-tou”, o “sou”. E a poesia de Ana chegou, sem pedir licença, não apenas no décimo aniversário, mas também no México, na Inglaterra, na Catalunha e nestes Estados Unidos. E a poesia de Ana está ainda à toda, cada vez mais. E a poesia de Ana, hoje & sempre, é.
Caroline MicaeliaSão Paulo, março de 2017
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Anorexic
To slim down,excise the last lard,return the borrowed ribsand fade into light.
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Anoréxicas
Emagrecer,extirpar a última gordura,devolver as costelas emprestadase desintegrar-se em luz.
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stubbornness
depth in the shadow of a sparkling blue,discipline in the 3.7 cm of eyeliner,but they like me best smudged in the morning.
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teimosia
profundidade na sombra de um azul cintilante,disciplina nos 3,7 cm de delineador,mas gostam mesmo de mim borrada pelas manhãs.
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j.’s party
first the hairpins came down then it was the clothes in the end I myself wallowed on the floor
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festa de j.
primeiro os grampos de meu cabelo despencaramdepois foi a vez das roupaspor fim eu própria me esponjava no chão
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routine
timein a large, brown, sealed envelope.
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rotina
o temponum envelope grande, pardo, lacrado.
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Common Place 7: Civil Society
Every secondA black child is eatenwith yellow fever mustardEvery seconda soccer field of green forest is eatenwith crimson dirt sauceEvery secondEvery secondEvery second
And that meeting was neverending... I really felt like
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Lugar Comum 7: A Sociedade Civil
A cada segundocomem uma criança negracom mostarda de febre amarelaA cada segundoComem um campo de futebol da floresta verdecom molho vermelho de barroA cada segundoA cada segundoA cada segundo
E aquela reunião não acabava nunca... tinha vontade é de comer pipocas.
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The Puzzle
didn’t care for her dolls anymoreor her mother’s offerings of flan she was focused on her puzzleday after day bent over the table
her hands so small, her feet bareeyes transfixed and half-open little lips
when it was all doneshe looked on stunned
and devoured all the little pieces until she puked
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O Quebra-Cabeça
não ligava mais para suas bonecastampouco aos apelos da mãe para comer pudimconcentrava-se em seu puzzledia após dia envergada sobre a mesa
as mãos tão pequenas, os pés descalçosos olhos fixos com uma boquinha semi-aberta
quando ficou prontoolhou estarrecida
e devorou todas as pecinhas até vomitar
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Possession
At times that body wasn’t mine– another possessed me whole.The night is slow, dark and difficultand that rude body of mine had belonged to many.
He loathed those others;stabbed ghosts in the sheetsin a circle around the bed.
They say love was the surrender.The hourglass dripped,he would lose me fast like so many others.The night is slow, dark and difficult.
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Possessão
Às vezes aquele corpo não era meu– um outro me possuía todo.A noite é lenta, escura e difícile aquele meu corpo rude já fora de muitos.
Ele tinha ódio desses passados,esfaqueava fantasmas nos lençóisnum círculo em volta da cama.
Dizem que o amor era a entrega.A ampulheta escorria,ele iria me perder rápido como tantos outros.A noite é lenta, escura e difícil.
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The White Poem
she, perchedatop a stationary bicyclea music boxlacquered as icespinning, waitingfor the hypodermic endorphin needle to spay her heart.
a shallow romance.I wanted to be an Eskimobut between one spark and another,the coldness of the stroboscopic,solitude pricks mesome black cocaine with honeythat animates me.
my deaths are weekly.among sheets rented overnightamidst the thaw of your latin lover-likeblack hair
and what you do to so many maidens
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O Poema Branco
e ela montadano topo da bicicleta ergométricauma caixinha de músicalaqueada como geloa rodar, a esperara agulha hipodérmica de endorfinapara capar seu coração.
um romance raso.eu queria ser um esquimómas entre uma faísca e outra,o frio da estroboscópica,a solidão me dá picadasuma cocaína negra com melque me anima.
minhas mortes são semanais.em lençóis alugados por pernoiteno degelo de teus cabelos negrosde latin lover
e como você faz a tantas donzelas
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your fingers gropemy wet little deathand apply into ita hoarse cry in the afternoon radio tune black eyes full of whitebut now it’s darkover the sink of hard marbleshe spills the coffee groundsthat turn into dirtand cradle the stillborn in our dreams
a shallow romance.bored, she would chew her nailson the internet the Eskimotheir feet frightfully bare
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teus dedos apalpamminha pequena morte úmidae lhe aplicam umgrito seco na canção de rádio pela tardeolhos pretos cheios de brancomas agora é escuropela pia de mármore duroela derrama a borra de caféque se transforma em terrae embala os natimortos de nossos sonhos
um romance raso.e ela entediada roía unhasna internet os esquimósseus pés assustadoramente descalços
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Innocence
In these timesof death committing itself to whiteand suicide lodging in the darkhotel expenses liquidated.
They were leftwith talking about the downy scent of the couches in the Indian restaurantthe tepid dawn in a glass of whiskyour evening cuba libre in the deaf rumbathe crazy kisses in your precipice eyesand long trips on your hands hungeredfor fresh meat and new novellas.
By morning, the pollution, our eyes, as if about to cry.
The world,a white holewhere ideas are brightand times are dark.
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Inocência
Nesses temposem que a morte se interna no brancoe o suicídio se hospeda no escurodespesas de hotel quitadas.
Restou para elesa conversa sobre o cheiro maciodos sofás do restaurante indianoo anoitecer cálido no copo de whiskynossa noite cuba libre na rumba surdaos beijos loucos nos teus olhos de abismoe viagens longas nas tuas mãos famintaspor carne fresca e novas novelas.
Pela manhã, a poluição, nossos olhos, como de choro.
O mundo,um buraco brancoonde as idéias são clarase os tempos escuros.
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song of the windscreen cleaner
I, an aquarium fish, fat,consuming what comes off these murky waters.
the passers-by down there like octopi in skates,a girl with a carry-on black hole andgum.
beside the internet newspapers,my cacti are dying in their water compulsion.
the polar bears will be extinct because of fridges. in australia, whales commit suicide in the sand.
I go on consuming anything that sparkles a bit,I, a fish rotting fat in these dirty waters.
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a canção do limpa-vidros
eu, um peixe de aquário, gordo,consumindo o que surge dessas águas turvas.
os passantes lá embaixo como polvos de patins,uma menina com um buraco-negro a tira-colo echicletes.
ao lado dos jornais de internet,meus cactos morrem em sua compulsão por água.
os ursos polares serão extintos pelas geladeiras.na austrália, baleias se suicidam na areia.
continuo consumindo qualquer coisa que brilhe um pouco,
eu, um peixe a apodrecer gordo nessas águas sujas.
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homage
I do you
in the restroomgrinding the silence, among the tiles
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homenagem
te faço
no banheirorangendo o silêncio, entre ladrilhos
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Revenant
my mother was killed in a century of innardswhen the dark birdsborrowed from the soil the steel for their wings
and the daughters she created for the earthwent in their minis all lipstick and teeth to the soldiers and businessmen
and the men she loved amidst the clay went looking for magazine women and ties gone with the bombs with the factories
but now our mother is back
with the pestilence of a muzzled dogto defrost and drink the eternal snows to kill all the men and chicken in China
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Revenant
minha mãe foi morta num século de entranhasquando os pássaros escurosemprestaram do solo o aço para suas asas
e as filhas que criou para a terraforam em minissaias cheias de batom e dentespara os soldados e empresários
e os homens que amou sobre o barroforam em busca de mulheres de revista e gravatassumiram com as bombas com as fábricas
mas agora nossa mãe retorna
com a pestilência de um cão amordaçadopara degelar e beber todas as neves eternaspara assassinar todos os homens e galinhas da China
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Common Place 22: from a newspaper piece
during birththe boyrapedhis mother inside out
but the child was dead.the doctor cuffed her to the bedthe hissing nurses stung her the inmates threw stonesthe secretaries blabbed
while the brotherprays for the child jesusto yank one of her ribsand re-invent his mother
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Lugar Comum 22: de uma notícia de jornal
ao nascero meninoestuproua mãe pelo avesso
mas a criança era morta.a médica a algemou na camaas enfermeiras sibilantes a picaramas detentas jogaram pedrasas secretárias espalharam
enquanto o irmãopede ao menino jesusque lhe tire uma costelae reinvente a mãe
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love and the use of consonants
fateis all that they sing through my body
phallusis the part with which they listen to my drama
flairis what I have left through dubious nights
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o amor e o uso das consoantes
fadoé tudo que elas cantam por meu corpo
faloé a parte com que eles escutam meus teatros
faroé o que me resta pelas noites dúbias
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see, it was an involuntary offense
later, evidence indicated that I fell from the 54th floorof my own building.
see, I didn’t even know I had a building or yet that there existed laws, falls and aborted
flights now I am fractured heart, infiltrated shoulder and holes in the stomach – a pyramid navel, left ovary, right ovary – three dots which, along an imaginary fourth, would soon be cardinals a mini-crucifixion, practical and portable that I would carry with myself alone wouldn’t show anyone wouldn’t pull up my shirt or pull down the zipper would keep silent about any traces until the dots faded, until they became invisible going inward and further inward one more of those contradictory pasts
evidence indicates that I fell from the 54th floorof my own building
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veja, foi um delito involuntário
mais tarde, as provas apontam que caí do 54º andar do meu próprio edifício.
veja, nem sabia que eu possuía um prédio ou ainda que existiriam leis, quedas e voos
abortados agora sou o coração quebrado, ombro infiltrado e furos na barriga – uma pirâmide umbigo, ovário esquerdo, ovário direito – três pontos que, com o quarto imaginário, logo seriam os cardeais uma mini-crucificação, prática e portátil que levaria comigo sozinha não mostraria para ninguém não levantaria a camiseta ou abaixaria o zíper da
calça silenciaria sobre qualquer indício até os pontos desbotarem, até serem invisíveis ficarem adentro e mais adentro mais um desses passados contraditórios
as provas apontam que caí do 54º andar
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and I keep quiet, in this idiotic wisdom of not begetting
of not begetting of not begettingnothing more against oneself
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do meu próprio edifício e eu fico quieta, nessa sabedoria idiota de não
gerar de não gerar de não gerar mais nada contra si mesmo
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The Great Plug
Our generation was never allowed to see the ocean for the first time.
It has always been within, sparkling, the great same as us all
We pleaded much with the nights for a new making of darkness
but when prayers are heard it’s just an illusion of idiots, a burnishing of the
eyes andthe ocean jerks inside, monster that feeds on
rocks
We were born already morbid whales poor devils drowned in this illuminated roleAnd it is such a teeny miser, this desire We just wanted to see the goddamned ocean please, for the first time.
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O Grande Plugue
À nossa geração nunca nos foi permitido ver o mar pela primeira vez.
Ele sempre esteve adentro, reluzente, o grande igual que nós mesmos
Rogamos tanto às noites que se faça novamente o escuro
mas quando as preces são atendidas é só uma ilusão dos trouxas, uma ardentia nos
olhos eo mar esbraveja aqui dentro, monstro comedor
de rocha
Já nascemos umas baleias mórbidas pobres diabas afogadas neste papel de luz E é tão mesquinho de pequeno o desejo A gente só queria ver o maldito mar por favor, pela primeira vez.
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The Fourth Person
come, pay attention that the water, in its truth,is never fresh: instead it’s the ocean’s flavorthat embitters the hoursthat coddles the brining beef, and lulls us in a
dirty gurgle.
And it was precisely in the fourth personthat I heard the it,that even here there are men who do horrible
things bullshit it’s useless to close your eyes,they lacerate and macerate you like that, eyes open and useless for shutting down,drowned doddered in white
So here I am crouching in the dark beachtourists holed up in music boxesthere’s a gated community, very straight streets
& orderthe sea is dirty, composed of dead crittersall that was forgotten heads back to sea
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A Quarta Pessoa
vem, presta atenção que a água, em sua verdade,nunca é doce: antes é o gosto de marque amarga as horasque aninha as carnes à salga, que nos embala
num marulho sujo.
E foi exatamente na quarta pessoaque escutei o isso,que mesmo aqui há homens que fazem coisas
horríveismentira que não adianta fechar os olhos,te laceram e maceram assim, vc de olhos abertos e sem conseguir se desligar,afogados lanhados em branco
Então estou aqui encolhida na praia escuraos turistas enfurnados nas caixinhas de músicahá um condomínio, ruas mui retas &
organizaçãoo mar é sujo, composto de animaizinhos mortostudo o que foi esquecido se volta ao mar
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the water is heavy, oily, with none of the smilesthat one day hankered those dreams.
I am before the machineno other beings in the horizonall is resignation and portability, taints of wet sandno sooner I gesture amiably,than she mimics me.I wave shyly,and she waves to myself.I’ve doubts, it’s all very terriblethis future thing, missing one eye, a confirmation
of the worstas though I had earphones implanted in the
meninges and it’s just a dirty noise, a gurgling, a broken shortwave
radio tuning in, am I Jessica or Ana or some other Marcia, so many,the ideas all and none, like in movies with
explosionsthe conjugations belong to an I, an other.
And there I was, both alone squeezed in the sandstrip between doubts.
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a água é pesada, oleosa, sem os sorrisosque enovelaram um dia esses sonhos.
Estou diante da máquinanão há outros seres no horizontetudo em resignação e portabilidade, máculas de
areia úmidamal faço um gesto simpático,e ela me copia.aceno tímida,e ela acena para mim mesma.tenho dúvidas, é tudo bem terrívelisso do futuro, sem um olho, uma confirmação do piorcomo se nas meninges eu tivesse fones de ouvido
implantados e ésó um ruído sujo, murmurejo, um rádio de ondas
curtas quebrado sintonizando, seria eu Jéssica ou Ana ou uma outra Márcia, tantas,as ideias todas e nenhuma, como nos filmes de
bombardeiosas conjugações pertencem a um eu, um outro.
E eu ali, sozinhas espremidas na faixa de areia entre dúvidas.
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The low sky, boxed-in tourists with their songs,immobile whales forgetful of how to dreamabout the days in which there was a world.
I hardly recognize myself, but the voice is identical, muffled, mic’d,
here I am no longernot even that makes me feel some embrace,
something that tells me: - I like you fine, girl.And so there we’re all like that, we’re no longerfleshless, uncoupled from limbs and skin.I’m waved to: I wave back with a tattoed arm
“hello world!”I wave to all, with the arm that could have been
identical,yet in species, texture, they proliferateeach one, the infinitesimal of choice and we’re not
the I at last,but we will never be the we, nor the you or the
that old foolhere that is no longer saidbecause there are horrible gestures not yet named,this threat of gloomy beauty that will visit us
without consent.
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O céu baixo, encaixotados turistas com suas músicas,baleias imóveis que se esqueceram de como sonharcom os dias, em que ainda existia um mundo. Mal me reconheço, mas a voz é idêntica, abafada,
microfonada,aqui já não sou e nem por isso sinto algum abraço, algo que me
diga: - te quero bem, menina. E então lá somos todos assim, já não somos descarnados, desconjungados de membros e pele. Me acenam: aceno de volta por um braço tatuado
“hello world!” aceno a todos, com o braço que poderia ser idêntico, mas se proliferam em espécies, textura, a cada um, o infinitéssimo da escolha e não somos
o finalmente eu, mas jamais seremos o nós, nem o você ou o aquele
velho trouxa aqui já não se diz isso pois há gestos horríveis que ainda não foram
nombrados, essa ameaça da beleza tenebrosa que virá nos
visitar sem consentimento.
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But see: it’s real, real more than the real, it’s the unbelievable
all we’re waiting for, the Great Plug that would revolve lands,
razing dreams and blind eyes, atrophying limbsand creating a person, away from I, from you and
you there,the inverse, the contained in us and at the same
time themthe fourth personthe birth, the alien answer to ourselvesto what stirs over there, in the other white
universe we touchslowly,
Come, and if you’re there,there on the other side,please, get a cockle house and touch the shell to
your ears,(but if you’re far from the sea, that very
monstrous sea, that eats away at us,that’s okay too: turn your back to an avenue and close your eyes).
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Mas veja: é real, real mais que o real, é o inacreditável
tudo o que esperamos, o Grande Plugue que revolveria terras,
arrasaria sonhos e olhos cegos, atrofiaria membros e criaria uma pessoa, longe do eu, de você e vocês
aí, o inverso, o contido em nós e ao mesmo tempo
neles a quarta pessoa o nascimento, a resposta alienígena de nós mesmos ao que se move ali, no outro universo branco que
tocamos devagarinho,
Vem, e se você estiver,aí do outro lado,por favor, arranja uma casa de molusco e põe a
concha nos ouvidos,(mas se estiver longe do mar, esse mar tão
monstruoso, que nos come adentro,também não tem problema: vira de costas pra uma avenida e fecha os olhos).
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Listen to the sea for me, listen in. Do you hear the swell? Brine your ears for love.
I’m sorry, but the sea and my days have always run offside
– so much from afar, that’s the thing with wracks.
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Escuta o mar pra mim, escuta. Ouve o marulho? Salga tuas orelhas por amor.
Desculpa, mas o mar e os meus dias sempre correram ao largo
– tão de longe, é isso dos sargaços.
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the body is a body
the body is a fieldof battlewhen it says mace it says makewhen it says tock it says touchhide huddle hide
my body is a fieldof battleof catchersand when will it saydawn flutejellyfish lychenpirates hot sandand horses pregnant with sea?
: more than nothing it will saywhena body becomes a bodya body becomes a bodya body is a bodya body is a body
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o corpo é um corpo
o corpo é um campode batalhase diz faca diz façase diz toque diz tocaesconde encolhe esconde
meu campo é um campode batalhade apanhadorese quando se diráamanhecer flautaáguas-vivas líquenspiratas areia quentecavalos grávidos de mar?
: mais que nada se diráquandoum corpo for um corpoum corpo for um corpoum corpo é um corpoum corpo é um corpo
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home cookery
now, on television, the river is blue.with the hands and with careI pluck all the bones from a wednesday chicken. amidst the flesh, I soon divined some submerged angel wings, white feathersand then I could read the deepest futures in those
innards : they were motoboys, who, in their mad-dog
prideno sooner they hit the tarmac than they take flight
like fallen angelsand from the top of the pylons, in the great bridge
going southtracing an x, tracing an xcross your heartso that everyone sees what has no namethe seated king, the dead godthe x of the departed undeserving of designation of the ignorant of the signature for all to remember that you should never name
what has no namelike so many flying boys, piercing the futures
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culinária doméstica
agora, na televisão, o rio é azul.com as mãos e com carinhotiro todos os ossos de um frango de quarta-feira. entre as carnes, logo adivinhei umasasas de anjo submersas, plumas brancase então podia ler os futuros mais profundos
naquelas entranhas: eram motoboys, que em seu orgulho de cachorro
loucomal batem no asfalto e já voam voam como anjos
decaídose lá dos altos das estaias, na grande ponte do
rumo ao sulmarca-se um x, marca-se um xno teu coraçãopara que todos vejam o que não tem nomeo rei posto, o deus mortoo x dos que se foram sem merecer designação dos que não sabem a assinatura para todos lembrarem que nunca se nomeia o que
não há nomecomo tantos meninos a voar, furando os futuros
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here now in the kitchen, from the television, the river is blue.
like my neighbors’ windows are blue as night fallsfrom where I can see that each building in town
houses a small corpsea uterus, cemetery of toothless plush toys,corpsies of those who died erecting foundations a vast city of buildings, raped horizon, seated
king, dead godbuilder who once spanked his girlfriend, cursed
by the good ma-in-lawwas drowned in a huge crater in between subway
lines and today they gaze gaze upon the great
monuments reflected with blue and fail to see homagesnot even a name, a designation, nothinghere now in the kitchen there are no words, no
present, no futures somedays we simply aren’t hungry and don’t wait for people to come over for dinner.I look on from afar, spleneticI won’t be fooled about the color of the stream
crossing my village.
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agora aqui na cozinha, da televisão, o rio é azul.como azuis são as janelas de meus vizinhos ao anoitecerde onde avisto que cada prédio da cidade guarda um
pequeno cadáverum útero, cemitério de bichos de pelúcia desdentados,cadáverezinhos dos que morreram erguendo
fundaçõesuma cidade vasta de edifícios, horizonte estuprado,
rei posto, deus mortoconstrutor que um dia espancou a namorada,
amaldiçoado pela boa sografoi afogado numa cratera imensa entre linhas de
metrôe hoje elas fitam fitam os grandes monumentos
refletidos de azul e não veem homenagensnem um nome, uma designação, nadaagora aqui na cozinha não há palavras, nem presente,
nem futurostem dias em que a gente simplesmente não está com
fomee nem espera ninguém pra vir jantar.fico olhando longe, enfastiadaninguém me engana sobre a cor do rio de minha aldeia.
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total visibility
these days of total engagement of all desires (no sooner is the word ‘alchemy’ uttered than
everyone hears ‘demagogy’),these days that get on the papers that feed the
fears that sells papers,I ask the dead to come revisit us.and whisper us so sweetly, so lovingly finally what is concealed.what is concealed is what is seen but not
pronounced in these two bright exile eyes of yours.what saves us then (when there’s no more distress, as there’s
anaesthesia)is this artillery of winds,this prayer deaf to yearning for the futureis to imagine the unerring fusilladeof impossible words.
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visibilidade total
nesses dias de ocupação total de todos os desejos(mal a palavra ‘alquimia’ termina de ser
pronunciada e todos ouvem ‘demagogia’),nesses dias que saem nos jornais que alimentam o
medo que vende jornais,peço aos mortos que venham nos revisitar.e nos sussurrem tão doces, tão amorosos finalmente o que está escondido.o que está escondido é o que se vê e não pronuncianestes teus dois olhos claros de exílio.o que nos vale nessa hora (em que já não há mais aflição, pois há anestesia)é esta artilharia de ventos,esta prece surda à saudade do porviré imaginar a saraivada certeiradas palavras impossíveis.
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the known ones
only tell me now about their others : the bosses, the providers, the little babies and with obese sidelong glances and low-calorie
meetings they tell of good yearsthat I hardly remember, forgot the day comments as desserts
- you’re a character, ana.
I lead a comic book sort of life (even though I take it quite seriously) I’m not happy, I’m sad and I have a doggie.
obs.: dirceu told me he also prefers a life likecomic books. those ones where you get shot and
lose yourhead and there’s only smoke above the neck, you
know?
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as conhecidas
só me dizem agora de seus outros : os chefes, os provedores, os bebezinhos e com soslaios obesos e encontros pouco calóricos dizem duns anos bons que mal me lembro, esqueci de dia comentam de sobremesa
- ah, ana, só você mesmo.
minha vida é de história em quadrinhos (embora eu a leve bem a sério) não sou feliz, sou triste e tenho um cachorrinho.
obs.: o dirceu me disse que também prefere uma vida de
história em quadrinhos. daquelas de receber o tiro e ficar sem
cabeça, no lugar dela, só fumaça, sabe?
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I’m sorry, I came underdressed
ii.I came with the wrong outfitI think that’s it, I’m not even sure,I left the house running, it’s an apartment,see, there is no bird feeder,and beans dream of cotton balls, there’s a riskI’m sorry, I came underdressed and I don’t even
know where I ended upI just left, it’s too much traffic, see, it’s always too
much workand now, the more I leer at you, a pinch, I know
nothing’s worthy,it’s not even the soul, or lack thereof,it’s short luck, I swear to you it’s purely shortness
of luck.
iii. Yesterday, before lunch, when the world does not
exist yet I prepared white meat with all the care allotted to
the future
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me desculpa, vim bem mal vestida
ii.vim com a roupa erradaacho que foi isso, nem estou bem certa,saí correndo de casa, é um apartamento,veja, por lá não há um bebedor de pássaros,e os feijões sonham algodõezinhos, há um risco me desculpa, vim bem mal vestida e nem sei onde
vim pararapenas saí, é um trânsito, veja, é sempre muito
trabalhoe agora, quanto mais te fito, um cisco, sei que
nada vale,nem é a alma, nem isso de ser pequena,é a falta de sorte, te juro que é a pura falta de
sorte.
iii. Ontem, antes do almoço, quando o mundo ainda
não existiu preparei a carne branca com todos os cuidados
que se deve ao futuro
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I got the spine out, mermaid’s comb in the bottom of the trash can
friends with the ants, I yanked the scales and the silvery gray skin
for the cats who look for a bottom in the trash can and meow like mermaids, velvety tails like weeds
in the bottom of the seafor the ants, I allotted my mouth, to wake up full
of them this day in which the world does not exist yet so we can spare ourselves the bullshit. I salted all the meat, my own, in the deep bellyful
cuts mine, marinated with love I look at the infinite whiteness, pink transparent
splinters I look for futures where the world doesn’t even
exist yet in the trash, among the ants, my wasted corners
to some wretched scabby cats
v. Yesterday, for dinner, I set myself at the table presented with ribs of raw meat and lard
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separei a espinha, pente das sereias no fundo da lata do lixo
amigas das formigas, separei as escamas e a pele cinzenta prata
para os gatos que procuram um fundo na lata do lixo
e miam como sereias, rabos aveludados como as algas do fundo do mar
para as formigas, separei minha boca, que amanheça cheia delas
neste dia em que o mundo ainda não existiu assim nos poupamos das besteiras. Salguei toda a carne, minha própria, no corte
profundo da barrigada a minha, com amor marinada olho para a brancura infinita, com lascas cor-de-
rosa transparentes procuro os futuros onde ainda nem existe mundo no lixo, entre as formiguinhas, meus cantos
desperdiçados a uns gatos sarnentos miseráveis
v. Ontem, para o jantar, preparei-me à mesa posta com as costelas de carne viva e toucinho
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beautiful hairdo and the clothes that I managed to get
I am inconsolable looking at the apron, so practical
I put the dolls to sleepcleaned napkins and pillows wiped out invisible dirt from the glasses and put some grapes in the blender thickened with sugar, lime rinds and in the
bottom of the potsome warm jam smeared my lips until they were crimson with
kissable bubblesThere’s too much magic in the hands and
ingredients still and poems still But one doesn’t even go up to the doorway
without something to charmHere, invariably, it rains and people don’t feel like
leaving the house.
ix.Today, when the world didn’t exist yet I vomited my uterus whole a taste of bitter contraction
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penteado bem bonito e roupas são as que consegui comprar
fico desconsolada a olhar para o avental, tão prático
Coloquei as bonecas para dormir limpei os guardanapos e travesseiros tirei sujeiras invisíveis dos copos E bati no liquidificador uvas engrossei com açúcar, raspa de limão e no fundo
da panelauma geleia quente lambuzei os lábios até ficarem rubros com bolhas
de beijar Nas mãos há magia demais e ainda ingredientes e
ainda poemas Mas não se vai nem até o umbral da porta sem se ter coisa alguma pra enfeitiçarAqui, invariavelmente chove, e as pessoas não têm
vontade de sair de casa.
ix.Hoje, quando o mundo ainda não existia vomitei meu útero inteiro pela boca um gosto de contração amarga
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sickened with this anger from not being of this planet of all the things that make no sense at all.
But since there wasn’t even a world, The little stars in my belly left floating through their void and their away and gradually, slowly, because even time was new began splitting, self-recriating, healthy dots of light energy fireflies in my dreams inundated, nursed the black hole with cosmic milk
until it overflowedagain with worlds, planets of histories, of
constellations, galaxies of affection
Somewhere in the other planet, even when it absolutely doesn’t exist.
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enjoada dessa raiva de não ser desse planeta de todas as coisas sem nenhum sentido.
Mas como nem havia mundo, as estrelinhas de meu ventre saíram flutuando pelo vazio e pelo seu afora e, aos poucos, lentamente, porque mesmo o tempo era novidade iam bipartindo-se, recriando-se, saudáveis pontinhos de luz pirilampos de energia dos meus sonhos inundavam, amamentavam de leite cósmico o
buraco negro, até transbordar novamente de mundos, planetas de histórias, de
constelações, galáxias de carinho
Em algum lugar do outro planeta, mesmo que absolutamente não exista.
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ANA RÜSCHE
Was born in September 14, 1979. She has four pub-lished poetry books: Rasgada (Quinze & Trinta, São Paulo: 2005), translated and published in Mexico (Limón Partido, Mexico City, 2008, translated by Alberto Trejo and Alan Mills), Sarabanda (Demô-nio Negro, São Paulo: 2007), later re-published by Patuá (São Paulo, 2013), Nós que Adoramos um Docu-mentário, funded by ProAC (Ourivesaria da Palavra, São Paulo: 2010) and Furiosa (2016). Some poems of Furiosa were selected and translated for this book by Maíra Mendes Galvão. She has one published novel, Acordados (Amauta, Brasil: 2007), also funded by pac, Secretariat of Culture of São Paulo.
She holds a PhD in English Literature and Lin-guistic Studies with the thesis “Utopia, feminism and resignation in The left Hand of Darkness and The
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Nasceu em setembro de 1979. Escritora, publicou quatro livros de poesia Rasgada (Quinze & Trinta, São Paulo: 2005), traduzido e publicado no México (Ed. Limón Partido, Cidade do México: 2008, trad. Alberto Trejo e Alan Mills), Sarabanda (Selo Demô-nio Negro, São Paulo: 2007), que recebeu uma reedi-ção pela Ed. Patuá (São Paulo: 2013) e Nós que Ado-ramos um Documentário, ganhador do ProAc (Ed. Ourivesaria da Palavra, São Paulo: 2010) e Furiosa (São Paulo: 2016). Alguns poemas do Furiosa foram selecionados e traduzidos por Maíra Mendes Galvão para este livro. Em prosa, publicou o romance Acor-dados (Ed. Amauta, São Paulo: 2007), também pre-miado pelo pac, Secretaria de Cultura de São Paulo.
Doutora em Estudos Linguísticos e Literários de Língua Inglesa com a tese “Utopia, feminismo
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Handmaid’s Tale” (fflch-usp), and an English major degree. She also holds a master degree in Interna-tional Law and a Law major by the same University of São Paulo.
As a teacher and/or speaker, she has worked with the following institutions: Casa das Rosas, sescs, b_arco, International Movie Academy, Ángel Rama Center (fflch-usp), unesco Chair of the Institute of Advanced Studies (usp) in São Paulo. Abroad, in the Brazil-Mozambique Culture Center in Maputo, at unam – National Autonomous University of Mexico and Diego Portales University in Santiago de Chile, among others.
Her writing is featured in many Brazilian mag-azines such as Revista Coyote nº 17, Inimigo Rumor nº 20 – 10-year anniversary issue, Revista Poesia Sempre nº 2. Her poetry has also been feature in in-ternational publications on Brazilian contemporary poetry, such as Rattapallax from New York, Litro from London and the Mexican anthologies Caos Portátil, Serra Tropicalia and ¿Qué será de ti? Como vai você? Her work was cited and commented in articles on vehicles such as Le Monde Diplomatique, O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo.
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e resignação em The left Hand of Darkness e The Handmaid’s Tale” pela Universidade de São Paulo (fflch-usp), possui graduação em Letras. Tam-bém é mestre em Direito Internacional e bacharel em Direito pela mesma Universidade de São Paulo.
Como professora e/ou palestrante, já atuou nas seguintes instituições: Casa das Rosas, sescs, b_arco, Academia Internacional de Cinema, Centro Ángel Rama (fflch-usp), Cátedra unesco do Ins-tituto de Estudos Avançados (usp) em São Paulo. No exterior, no Centro Cultural Brasil-Moçambique em Maputo, na unam – Universidade Nacional Autôno-ma do México e na Universidade Diego Portales em Santiago do Chile, entre outras entidades.
Seus textos figuram em muitas revistas brasi-leiras, como Revista Coyote no 17, Inimigo Rumor no 20 (edição comemorativa de 10 anos), Revista Poesia Sempre no 2. Em publicações internacionais a res-peito de poesia contemporânea brasileira, podem ser citadas a revista nova-iorquina Rattapallax, a revista londrina Litro e as antologias mexicanas Caos Portátil, Serra Tropicalia e ¿Qué será de ti? Como vai você?. Tem a obra comentada em artigos em veículos como Le Monde Diplomatique, O Estado
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Her writing is a source of research for final pa-pers in the areas of journalism and letters. She also writes about gastronomy. She wrote the texts in Pois sou um bom cozinheiro – Receitas, histórias e sabores da vida de Vinicius de Moraes (Org. Daniela Narciso and Edith Gonçalves, Companhia das Letras, 2013) and organized Sobre Farinha para Sonhos: Quixo-te, moinhos de vento e culinária com Dan Rolim e Vanderley Mendonça (Feirinha Gastronômica, abril, 2013). She is professionally trained as a beer somme-lier and has written pieces on the subject: Quando uma mulher decide fazer cerveja (When a woman decides to make beer), for Revista Vida Simples, Au-gust 2014 and De bar em bar – um guia sobre cervejas artesanais em Nova York (From pub to pub – a guide about artisanal beer in New York), for Have a Nice Beer Magazine, November 2014.
She lives with her dog, she makes her own bread and her own beer.
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de S. Paulo, Folha de S. Paulo. Seus escritos são fon-tes de estudo para trabalhos de conclusão de cursos na área de Jornalismo e Letras.
Escreve também sobre gastronomia. Partici-pou com os textos de Pois sou um bom cozinheiro: receitas, histórias e sabores da vida de Vinicius de Moraes (Orgs. Daniela Narciso e Edith Gonçalves, Companhia das Letras, 2013) e organizou Sobre farinha para sonhos: Quixote, moinhos de vento e culinária com Dan Rolim e Vanderley Mendonça (Feirinha Gastronômica, abril, 2013). Possui for-mação profissional como sommelier de cervejas e, sobre o assunto, fez reportagens como Quando uma mulher decide fazer cerveja (revista Vida Sim-ples, agosto, 2014) e De bar em bar – um guia sobre cervejas artesanais em Nova York (revista Have a Nice Beer, novembro, 2014). Mora com seu cão, faz o próprio pão e a própria cerveja.
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)C928
Rüsche, AnaFuriosa – a nautical chart and its monsters / Ana Rüsche.Prefácio de Caroline Micaelia.São Paulo: Edição da Autora, 2017. 96 p.
Edição bilíngue: Português / Inglês Poems in English by Maíra Mendes Galvão.
isbn 978-85-905632-5-9
1. Literatura Brasileira. 2. Literatura Inglesa. 4. Poesia. i. Título. ii. Furiosa. iii. A dureza agridoce: voz e fúria na poesia de Ana Rüsche. iv. Micaelia, Caroline. V. Galvão, Maíra Mendes.
cdu 821.134.1(81)cdd B869.1
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Acknowledgements | Agradecimentos
This work would not have been possible without the advice, cheerleading, hand-holding and support of many people. Special thanks to my imaginary band!
Alto sax – Caroline MicaeliaTenor sax – Francesca CricelliTrumpet – Ana Paula OliveiraTrombone – Mauricio Caqui SchuartzClarinet – Canek howlingBass – Maíra Mendes GalvãoVibraphone – PADrums, Percussion – Thiago T. VidalFlute [additional] – Dirceu VillaBanjo [additional] – Rhonda KaveMandolin [additional] – Sharon HoahingPiano [additional] – Rafael R. DaudPercussion [additional] – Tarsila Mercer de Souza
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title Furiosa – a nautical chart and its monstersauthor Ana Rüsche
translator Maíra Mendes Galvãopreface Carolina Micaeliaportuguese revision Lilian Aquinodesign Bloco Gráfico
New York, St. Marks PlaceSão Paulo, Rua Ariqueme2017
Second edition. The first and complete edition of Furiosa was published in Portuguese in 2016 (the electronic version is available in www.anarusche.com for free). The original poems are in public domain by the author’s will. The translator Maíra Mendes Galvão remains with all her copyrights.
isbn 978-85-905632-5-9
fontes/typography Silva, Neue Haas Grotesk
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