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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
Instituto de Artes
Adriane Maciel Gomes
GIORGIO STREHLER: APROPRIAÇÃO E RESSIGNIFICAÇÃO DE ELEMENTOS
DA TRADIÇÃO TEATRAL NA FORMAÇÃO DO ENCENADOR
GIORGIO STREHLER: OWNERSHIP AND RESSIGNIFICATION OF ELEMENTS FROM
THEATRICAL TRADITION IN THE FORMATION OF A DIRECTOR
Campinas
2017
Adriane Maciel Gomes
GIORGIO STREHLER: APROPRIAÇÃO E RESSIGNIFICAÇÃO DE ELEMENTOS
DA TRADIÇÃO TEATRAL NA FORMAÇÃO DO ENCENADOR
GIORGIO STREHLER: OWNERSHIP AND RESSIGNIFICATION OF ELEMENTS FROM
THEATRICAL TRADITION IN THE FORMATION OF A DIRECTOR
Tese apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutora em Artes da Cena na Área de concentração de Teatro, Dança e Performance
Thesis presented to the Institute of Artes of the University of Campinas in partial fulfilment of the requirements for the degree of Doctor, in ARTES DA CENA, in the area of TEATRO, DANÇA and PERFORMANCE
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNAADRIANE MACIEL GOMES, E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. ISA ETEL KOPELMAN
ORIENTADORA: PROFA. DRA. ISA ETEL KOPELMAN
Campinas
2017
Agência (s) de fomento e nº(s) de processo(s): CAPES, 99999.010712/2014-03; CAPES,
Acordo CAPES \ Fundação Araucária (FA) CP 18-2015
Ficha catalográfica Universidade
Estadual de Campinas Biblioteca
do Instituto de Artes
Juliana Ravaschio Franco de Camargo - CRB
8/6631
Gomes, Adriane Maciel, 1975-
G633g Giorgio Strehler: apropriação e ressignificação de elementos da tradição teatral na formação do encenador / Adriane Maciel Gomes. – Campinas, SP: [s.n.], 2017.
Orientador: Isa Etel Kopleman.
Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Artes.
1. Strehler, Giorgio, 1921-1997. 2. Encenação. 3. Stanislávski,
Konstantin, 1863-1938. 4. Commedia dell'arte. 5. Teatro - História. I.
Kopelman, Isa,1946-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de
Artes. III. Título.
Informações para Biblioteca Digital
Título em outro idioma: Girogio Strehler: ownership and ressignification of elements
from theatrical tradition in the formation of a director
Palavras-chave em inglês:
Strehler, Giorgio, 1921-1997
Stagings
Stanislávski, Konstantin, 1863-1938
Commedia dell'arte
Theater-History
Área de concentração: Teatro, Dança e Performance
Titulação: Doutora em Artes da Cena
Banca examinadora:
Isa Etel Kopelman
Inês Alcaraz Marocco
Marcelo Ramos Lazzaratto
Raquel Scotti Hirson Nair D'Agostini
Data de defesa: 24-07-2017
Programa de Pós-Graduação: Artes da Cena
Apoio:
Programa de Doutorado Sanduíche- PSDE- CAPES (Processo: 10712-14-3. Ano: 2015)
Programa de Apoio a capacitação docente das Instituições públicas de Ensino Superior do Paraná (Doutorado- Acordo
CAPES-FA-Edital CP 18-2015)
“Esta vocação totalizante para o
teatro, esta dedicação absoluta ao palco, me
levou a ver na arte alguma coisa além do
produto. [...]. Por isso o teatro sempre me
pareceu uma arte incrível, uma das invenções
mais elevadas na sua terrível imperfeição”.
(Giorgio Strehler)
AGRADECIMENTOS
A Profª Drª Isa Etel Kopelman, que aceitou embarcar comigo nessa
aventura strehleriana, pela disponibilidade, pelas orientações, pelas inúmeras leituras
e as delicadas e precisas conversas nesse período de conflitos e conquistas. Serei
sempre grata pela confiança e generosidade.
Aos professores artistas da banca de avaliação: Profº Drº Marcelo
Lazzaratto, por toda a disponibilidade e atenção para com a pesquisa. Profª Drª
Raquel Scotti Hirson, pelo carinho e amizade, pela leitura de antes e agora, pelas
provocações e indicações para a pesquisa. Às minhas sempre Mestras e amigas Profª
Drª Inês Marocco e Profª Drª Nair D’Agostini, que me ensinaram o amor pelo teatro
(nas pequenas e nas grandes aventuras), me fizeram compreender o verdadeiro
sentido de compartilhar na vida e na arte. A Profª Drª Ana Cristina Colla - “professora
Cris” - pela disponibilidade e carinho e à sua família por todo o aconchego nos
primeiros passos em Barão. Ao querido e generoso Profº Drº Eduardo Okamoto.
Ao professor Fausto Malcovati, pela confiança e tutoria durante o período
de pesquisas na Itália. A Silvia Colombo, responsável pelo arquivo fotográfico e
histórico do Piccolo Teatro di Milano, pela generosa atenção e disponibilização de
materiais. Aos funcionários do Civico Museo di Trieste - Fondo Giorgio Strehler. Aos
gentis artistas e pesquisadores italianos que abriram as portas de suas casas e de
suas memórias do trabalho com Strehler: Giulia Lazzarini, Enrico Bonavera, Paolo
Bosisio, Agnese Colle, Ferruccio Soleri, Fausto Malcovati, Giorgio Bongiovanni.
Ao professor Roberto Tessari, pelas boas histórias e pelo aprendizado.
Ao Cami Querido (Camilo Scandolara), pela amizade que supera os
turbilhões de emoções, pelos livros presenteados, pelas inúmeras leituras, pela
doçura do dia a dia, pela ajuda nas traduções, pelas perguntas estranhas e as longas
pausas, pelo convívio e pela imensa paciência que só os bons irmãos não de sangue
sabem ter. Aos meus amados “cocolinos” Bandit e Frida, fiéis companheiros.
Ao Simi (Carlos Simioni), por ter aberto as portas da sua casa e de seu
coração para as idas e vindas e para o que der e vier. Amo-te!
À minha família, meus irmãos Helinho, Jejão e Rodrigo e, em especial, à
minha mãe, por tentar entender e respeitar todas as minhas ausências.
Aos colegas do Curso de Artes Cênicas da Universidade Estadual de
Londrina, em especial: Ceres Vittori, Heloisa Bauab, Fernando Strático, Laura
Franchi, Mauro Rodrigues, Margha Vine, Thais D’Abronzo e Aguinaldo de Souza.
Aos estudantes do Curso de Artes Cênicas da UEL.
Aos “delicinhas” dos pesquisadores artistas do PATUANÚ – Núcleo de
Pesquisa em Dança de Ator, que a cada encontro dividem um pouco de suas energias
e tornam o caminho mais iluminado.
Aos amigos que compartilharam anseios e que sempre estiveram dispostos
a ajudar nas mais diversas “loucuras” e que abriram as portas de seus lares para me
aconchegar, criaram pausas nas suas rotinas para um café, um bolinho, um drink, um
bom papo, boas risadas, traduções, ajudinhas urgentes desesperadas e abraços:
Luciano Zampar, Silvia Pancera e Lorenzo, por terem sido um coração pulsante em
dias frios e pelo carinho de sempre. A Joice Aglaé Brondani, amiga de longa data,
parceira nos drinks, nas aventuras e nas performances na Itália. Ao Marcelo
Bulgarelli, pela amizade e por ter me presenteado com o primeiro livro a respeito de
Giorgio Strehler. A Stefania Mariano e Claudio Prima, pelo carinho, boas risadas e
amizade de Oltremundo. À Carol e ao Fran pelo encontro. Janaina Ribeiro pelo
sorriso e as boas energias necessárias para resistir. À sempre disposta Cynthia
Margareth, pelas caronas, pelos cafés corridos e pelo incentivo. A queridíssima
Cassiane Tomilhero e ao Marcelo Pinta, pela hospedagem que me deu sorte e as
panquecas daquela noite, jamais esquecerei. Ao João Fabbro, “caçador de
calangos”, parceiro das aventuras em Barão, nos estudos e nos cafés com bolo. Mais
uma vez e sempre, à “Dorogaia Elizabeth”, à “Fofa Cheka” e ao “Nardo” por
estarem com o coração e a mente abertos nas horas mais difíceis. Ao Lucas Pinheiro
Porpis, pela presença virtual contínua, por me ajudar em todas as dúvidas a qualquer
hora e por dividir o “desespero” e a alegria do final da pesquisa. Aos amigos de
plantão, interestadual, Camila Fontes, Michele Zaltron e Gustavo Muller, pela
enorme disponibilidade, agilidade e generosidade.
Aos amigos e amigas que agitei ao pedir, sem vergonha, mil favores e
ajudas; os sempre dispostos a tudo (ou quase tudo): Helena Ribeiro, Diego Zadra,
Renan Salvetti, Du Leite, Rosane Dornelles, Chico (Francisco Barganian), Antônio
Rodrigues, Rafael Gaona, Cri (Cristiane Werlang), Japonesa (Karina Yamamoto),
Liza Menzl, Patricia Galucci, Marcia Silva, Cleber Laguna, Fernando Martins,
Luciana Viacava, Marcus Vinícius Alves, Moacir Jr., Vicente Pereira e Guilherme
Corrêa. A minha querida e gentil professora de italiano Vanessa Araújo.
Aos colegas, funcionários e professores do Programa de Pós-Graduação
em Artes da Cena da UNICAMP. A Ludmila Castanheira, Lídia Olinto, Flávio
Campos, Paula Mathenhauer por toda a atenção, caronas e por me fazerem
entender as burocracias...
Às crianças que dividiram sorrisos nesse caminho e me fizeram, e fazem,
lembrar que a simplicidade na vida deve ser mantida: Pedro, Manu, Théo, Lorenzo,
Enrico, Nicolo, Guilherme, Theo, Alice, Maya “Ritinha” e a Minhoca (que está
vindo). Espero que consigamos um mundo melhor!
Ao apoio da CAPES por meio das Bolsas: PSDE - Doutorado Sanduíche
e Programa de Apoio à Capacitação Docente das Instituições Públicas de Ensino
Superior do Paraná (Acordo CAPES / Fundação Araucária).
RESUMO
Esta pesquisa apresenta aspectos da trajetória de Giorgio Strehler (1921-1997), um
dos principais encenadores da segunda metade do século XX e um dos fundadores
do Piccolo Teatro di Milano. O estudo aborda o resgate, a apropriação e a
transformação de alguns dos procedimentos da tradição teatral (especificamente a
commedia dell’arte e o sistema de K. Stanislávski) em encenações de Strehler. Neste
contexto, serão examinados os recursos por ele usados nos seguintes espetáculos:
Arlequim Servidor De Dois Patrões, O Jardim das Cerejeiras e A Tempestade, nos
quais se busca verificar alguns fundamentos das poéticas de encenação de Strehler
principalmente no que se refere à instauração de novos modos de composição
baseados na síntese de princípios da tradição com as inquietações artísticas de sua
época.
Palavras-Chave: Giorgio Strehler; Encenações; K. Stanislávski; Commedia Dell’arte;
Tradição Teatral
ABSTRACT
This research presents aspects of Giorgio Strehler´s trajectory (1921-1997), one of the main
directors of the second half of the 20th century and one of the founders of Piccolo Teatro di
Milano. The study deals with the redemption, ownership and transformation of some
procedures from the theatrical tradition (specifically the commedia dell'arte and the system
of K. Stanislavski) in Strehler's stagings. In this context, the resources used by him will be
examined in the following spectacles: Harlequim, Servant of Two Masters, The Cherry
Orchard and The Tempest in which one tries to verify some fundamentals of Strehler's
poetics of staging, mainly concerning the establishment of new modes of composition based
on the synthesis of principles of the tradition with the artistic uneasiness of his time.
Keywords: Giorgio Strehler; Stagings; K. Stanislavski; Commedia Dell’arte; Theatrical
Tradition
SUMÁRIO
TRADIÇÃO E RENOVAÇÃO: PERCURSO CRIATIVO DA ENCENAÇÃO DE
GIORGIO STREHLER ...............................................................................................13
CAPÍTULO I: GIORGIO STREHLER: TRAJETÓRIA E FORMAÇÃO DE UM
ENCENADOR ............................................................................................................21
1.1 Giorgio Strehler: apontamentos biográficos ...................................................25
1.2 A escolha de seus mestres ...............................................................................37
CAPÍTULO II: ARLEQUIM SERVIDOR DE DOIS PATRÕES: O RESGATE DA
COMMEDIA DELL’ARTE E O TRABALHO COM A MÁSCARA ..............................50
2.1. As encenações de Arlequim Servidor de Dois Patrões, de Strehler ...........63
CAPÍTULO III: O JARDIM DAS CEREJEIRAS ........................................................80
3.1 A elaboração do espetáculo .............................................................................86
CAPÍTULO IV: A TEMPESTADE ...........................................................................106
A TRADIÇÃO, A RENOVAÇÃO E A DISPOSIÇÃO PARA O DIÁLOGO ..............135
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ............................................................................149
BIBLIOGRAFIA GERAL .........................................................................................152
APÊNDICE ..............................................................................................................160
ANEXOS
Anexo A ..................................................................................................................168
Anexo B ..................................................................................................................193
Anexo C ..................................................................................................................194
Anexo D ..................................................................................................................195
Anexo E ..................................................................................................................196
Anexo F ..................................................................................................................197
13
TRADIÇÃO E RENOVAÇÃO: PERCURSO CRIATIVO DA ENCENAÇÃO DE
GIORGIO STREHLER
“Adorei o cheiro do palco, as tábuas, os projetores. Fui fascinado pela obscuridade da plateia, pelos atores em cena. Amo a poesia e a palavra, e ouvi-las ressoar no teatro foi meu verdadeiro prazer. Amo o teatro porque ele é diretamente humano! Amo o teatro porque fazemos aí o humano a cada noite e, no fundo, jamais me distanciei do teatro.”1
(Giorgio Strehler)
Primeiro movimento: um encenador do século XX
Esta tese focaliza o processo criativo do encenador italiano Giorgio Strehler
(1921-1997). Mais especificamente pretende verificar, em algumas de suas principais
encenações, a assimilação (pelo resgate e pelo diálogo) e a transformação (por um
processo de ressignificação) de elementos específicos da tradição teatral.
Em suas trajetórias como reformadores da arte teatral, muitos dos
encenadores do século XX evidenciaram pontos em comum. Aqui, refiro-me,
particularmente ao resgate da commedia dell’arte como estudo do ator e ao diálogo
com os conhecimentos teatrais sistematizados por K. Stanislávski. De modo geral,
esses encenadores (em seus percursos singulares) inauguraram novas metodologias
para a arte da atuação que serão abordadas no decurso deste trabalho.
A commedia dell’arte passou a ser revisitada, principalmente, pela
centralidade que nela é dada ao trabalho cênico do ator e da atriz. Como tal
centralidade foi uma das buscas da renovação teatral do século acima referido, a
valorização das práticas da commedia gerou também o resgate de elementos
técnicos, o que veio a possibilitar a assimilação e a transformação de seus usos. Da
mesma forma, as propostas de K. Stanislávski acabaram por fecundar interpretações,
apropriações e desdobramentos. Se fosse acompanhar criteriosamente os seus
continuadores e questionadores, terminaria por notar a presença de distorções,
desgastes e mistificações em torno das propostas originais. Porém, o envolvimento e
1 Giorgio Strehler em entrevista a Myrian Tanant, In Giorgio Strehler: a cena viva. Tradução Isa Kopelman. São
Paulo: Perspectiva, 2005, p 68.
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o interesse pela busca de renovação é uma evidência de que tais práticas constituíram
uma base inegável do fazer teatral daquela época.
Diante disso, o primeiro movimento desta tese parte da premissa de
perceber Giorgio Strehler como representante influente no processo dialógico (resgate
e transformação da tradição) que o aproxima do fazer teatral desenvolvido pela
maioria dos encenadores do início século do XX. A seguir, partindo de tal percepção,
cumpre analisar os modos pelos quais a tradição se tornou propensa a novas
propostas, abordagens e modificações através das principais encenações de Giorgio
Strehler.
O contexto em que suas apresentações foram realizadas era o de uma
Itália que se reerguia após a segunda guerra mundial, cercada de ruínas em um
cenário de desgraça extrema que, como uma ferida exposta, doía no coração de uma
sociedade que havia sobrevivido e que buscava recuperar a valorização da vida e de
suas possibilidades de continuidade na tentativa de recuperar a tranquilidade perdida.
Nesse período, as manifestações artísticas estavam asfixiadas e, de certa forma,
acuadas pelas marcas deixadas pela devastação. Em 1947, Giorgio Strehler, Paolo
Grassi (1919-1981) e Nina Vinchi (1911-2009) resolveram colocar em prática um
ambicioso projeto da criação de um teatro público que tivesse como proposta acolher
a todos, (um teatro para todos), com o intuito muito claro de resgatar o valor e o
orgulho da sociedade a qual pertencia através da arte e do teatro e, assim, surgiu o
Piccolo Teatro di Milano.
Cabe ressaltar que o meu interesse pelo trabalho artístico de Giorgio
Strehler se dá por perceber uma aproximação com os processos vivenciados em
minha formação, bem como nas práticas que tenho desenvolvido como pedagoga
teatral e artista.
Do percurso das motivações
O tema desta tese se liga aos estudos na área artística que foram de meu
interesse desde a graduação2 quando a professora Nair D’Agostini3 apresentou-me
2 Educação Artística – Licenciatura plena em Artes Cênicas – Centro de Artes e Letras – CAL – Universidade
Federal de Santa Maria – UFSM – RS (1993-1997). 3 Nair D’Agostini: Doutora em Literatura e Cultura Russa – FFLCH – USP. Professora aposentada do Curso de
Artes Cênicas da UFSM; diretora e pedagoga teatral. Estudou, no período de 1978 a 1981, no LGITMik – Instituto
15
aos encenadores russos do início do século XX colocando-me a par dos
desdobramentos contemporâneos de suas metodologias. E foi também ela, que de
modo inspirador, acenou para as relações de tradição, apropriação e ressignificação
do fazer teatral na atualidade.
E por meio da experimentação prática da direção teatral, sob a orientação
de D’Agostini, atingi o nível de compreensão dos elementos do sistema de K.
Stanislávski (e os modos de aproximação da sua realidade com a nossa) como um
processo de atualização constante da ética do teatro. Tais experimentações – em
forma de exercícios de direção teatral – desenvolvidas na Universidade, centravam-
se fundamentalmente no entendimento do sistema de Stanislávski.
Outros suportes importantes me foram oferecidos ainda na graduação; um
deles agora se liga diretamente à pesquisa: o aprendizado com a professora Inês
Marocco4 que me ilustrou com a história, a confecção e o porte das máscaras teatrais,
e lançou sobre mim as primeiras sementes de uma identidade com a commedia
dell’arte.
Estas duas perspectivas somadas aos cursos teóricos e práticos da área
teatral, e outros estudos e orientações assimilados na graduação e pós-graduação,
alicerçaram a minha pesquisa atual e forneceram a abertura para diálogos na atuação
como artista, como professora e como pesquisadora.
Recupero aqui, portanto, minhas crenças artísticas, que norteiam – a partir
da minha formação – a investigação sobre o tema do resgate e da transformação da
tradição no seio do trabalho (inaugural e profícuo) do encenador Giorgio Strehler. Vejo
também que este movimento de aproximação já constituía a base de interesse das
minhas atividades como docente5, no Curso de Artes Cênicas da Universidade
Estadual de Londrina, na área de direção teatral. De fato, unindo as pontas dos fios,
o conhecimento que fui buscar tem me possibilitado a ampliação do meu campo de
ação; o que ocorre por meio da orientação das pesquisas práticas dos estudantes,
Estatal de Teatro, Música e Cinema de Leningrado, atualmente Academia de Arte Teatral de São Petersburgo –
SPGATI, fundado em 1779. 4 Inês Alcaraz Marocco: diretora teatral. Graduada em Direção Teatral pela UFRGS. Doutora em Doctorat en
Esthétique Sciences et Technologie des Arts - Université de Paris VIII (1997). Formação na École Internationale
de Théâtre, Mime et Mouvement Jacques Lecoq (1983/1984). Atualmente é professora do departamento de Arte
Dramática e do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas – UFRGS – Porto Alegre – RS. 5 Professora Assistente na área de direção teatral no Curso de Artes Cênicas – Bacharelado em Interpretação
Teatral, da Universidade Estadual de Londrina – UEL desde 2001.
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como também de processos de direção desenvolvidos sob minha coordenação e em
parceria com outros artistas e colegas. Minha compreensão de direção parte desse
meu embasamento pois, para mim, o processo de criação de uma encenação está
fundamentalmente relacionado aos processos criativos do ator em comunhão com os
do diretor. Portanto, evidencia-se que para dirigir (sob a perspectiva que aqui defendo)
é preciso experimentar a arte de atuar, assim como o sistema de Stanislávski propõe,
mas também, conjugado a ela, outros entendimentos adquiridos no percurso da
vivência pessoal de cada encenador, estudante e ou artista.
Os trabalhos desenvolvidos pelos estudantes, sob minha orientação,
percorrem o mesmo caminho de minha aprendizagem, isto é, centram-se num
processo do exercício da direção teatral que é desenvolvido por meio de uma prática.
A partir dos insumos usados para a compreensão do que será encenado e do
detalhamento da obra escolhida (dramática ou não), segue-se a investigação do
contexto em que ela está inserida, o exame das possibilidades de diálogo com
pesquisas teatrais ou também com outras ordens artísticas e, pouco a pouco, cada
estudante passa a assimilar que a existência de uma obra teatral não implica em sua
ilustração, mas na busca de um modo próprio que começa no diálogo com os
conhecimentos, inquietações e desejos que ele traz em si.
Em seguida, se desencadeia uma espécie de libertação (de conceitos e
ideias pré-concebidas) e uma imersão na criação da qual desponta uma concepção
artística particularizada que deriva da inspiração artística a qual os conhecimentos
adquiridos vão sendo agregados até chegar a uma estruturação que corresponda ao
somatório de toda a bagagem pessoal que cada um possui dentro em si. Vivenciar
esse entendimento corresponde à introjeção da base do processo de análise ativa de
K. Stanislávski.
O meu percurso pessoal e profissional vem consolidando minhas
inquietações e interesses de pesquisa, pois todos os questionamentos e todas as
descobertas que foram surgindo estão diretamente ligados à minha formação e aos
meus desejos artísticos. Assim, esse estudo também dialoga com as experiências,
com as perspectivas teatrais que me inquietam e com a possibilidade de diálogos com
um fazer teatral da atualidade que possibilite o incentivo a uma reflexão sobre a arte
de atuar continuamente centrada nas (re) descobertas realizadas através do
entendimento prático.
17
O encontro com a pesquisa
E tudo começa pela constância com que as descobertas surgem, ou como
as possibilidades de serem redescobertas aumentam. Foi seguindo um caminho
assim (da prática diária e da percepção dos elementos do sistema na relação entre
atuar e dirigir) que comecei a pesquisar, e a estabelecer diálogos baseados na análise
da identificação e ressignificação como elementos recorrentes na trajetória do
encenador italiano Giorgio Strehler.
Giorgio Strehler não foi propriamente uma escolha intencional já que
comecei a me interessar por sua obra, por acaso, durante as pesquisas que fiz na
finalização de minha dissertação de mestrado6 sobre Evguiêni Vakhtângov (1883–
1922) 7 e o resgate da commedia dell’arte. Naquele momento específico, Strehler
surgiu como exemplo de um dos encenadores da segunda metade do século XX que,
em suas encenações, apresentava uma fusão dos procedimentos do sistema de
Stanislávski e da commedia dell’arte. Foi pelo diletantismo de descobrir e de
desvendar os processos criativos desse “estranho desconhecido”, que comecei a
buscar meios que me levassem a saber a história deste artista italiano. E de repente,
o que era pouco conhecido tornou-se pesquisa e se revelou como uma fonte quase
inesgotável de investigações e revelações que evidenciaram poéticas teatrais amplas
e altamente elaboradas, em diálogo constante com a tradição teatral e com as demais
experimentações cênicas de sua época que engrandeceram e extrapolaram os limites
do contexto teatral italiano.
O processo de pesquisa
Embora o encontro com grande parte da bibliografia que constitui este
estudo seja recente, devido à escassez de materiais de sua época em língua
portuguesa, busquei informações sobre Strehler nos livros originais em italiano, nos
6 A Princesa Turandot de Vaktângov: a renovação dos princípios da Commedia Dell’Arte no teatro moderno russo.
Orientação Profª Drª Arlete Orlando Cavalière. (Literatura e Cultura Russa – FFLCH/USP – SP. 2009). 7 Evguiêni Bogratiónovitch Vakhtângov (1883-1922): ator e diretor russo. Foi um importante colaborador do
Teatro de Arte de Moscou – TAM e das pesquisas desenvolvidas por Konstantin Stanislávski. Desenvolveu seus
trabalhos mais significativos nos Estúdios vinculados ao TAM.
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registros produzidos em vídeos, nas entrevistas que fiz e no contato direto que tive
com seus colaboradores de diferentes períodos e com pesquisadores de sua obra,
como: Enrico Bonavera, Agnese Colle, Ferrucccio Soleri, Paolo Bosisio, Giulia
Lazzarini, Giorgio Bongiovanni e Fausto Malcovati. Também foram fundamentais as
pesquisas realizadas no arquivo do Piccolo Teatro di Milano em Milão e no Fondo
Giorgio Strehler Civico Museo Teatrale "Carlo Schmidl" – Biblioteca da cidade de
Trieste. Essa vivência me ajudou a formular o escopo de minha tese, ora me
identificando com as propostas artísticas dele, ora questionando alguns dos caminhos
que escolheu, para finalmente optar por ter como objeto de pesquisa a identificação
de elementos da commedia dell’arte e, do sistema de Stanislávski presentes nas obras
que foram encenadas durante a sua carreira. A escolha pelo estudo de dois elementos
da tradição teatral na obra de Strehler se deu ao reconhecê-los em sua trajetória, na
apropriação e ressignificação deles em seu contexto histórico/ artístico e em suas
buscas estéticas. Como componentes da tradição teatral (o sistema de Stanislávski e
a commedia dell’arte) se apresentaram de forma recorrente na trajetória desse
encenador, o que me permitiu dialogar com práticas e metodologias do fazer teatral
da atualidade.
O tratamento dado por Giorgio Strehler às obras que encenou tinha como
princípio um detalhado estudo do texto e das suas circunstâncias propostas para, a
partir daí, desenvolver um diálogo com a situação de seu tempo. Esse processo de
estudo da obra é análogo àquele proposto por K. Stanislávski no que se diz respeito
à análise ativa. Por outro lado, o espaço criado para o jogo e para a improvisação dos
atores dialoga diretamente com a commedia dell’arte, e torna as cenas de improviso
geradas a partir de situações propostas, o elemento central do processo de criação
strehleriano.
O percurso da formação de Giorgio Strehler acompanha às inquietações
de muitos dos encenadores que pertenceram como ele à segunda metade do século
XX. No entanto, apesar de Strehler ter um grande reconhecimento internacional, o
Brasil não contém um bom acervo de sua trajetória teatral.
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A estrutura da tese
O corpo desta tese se articula em quatro partes: na primeira contextualizo
e apresento Giorgio Strehler; sua biografia e a sua trajetória artística; a criação do
Piccolo Teatro di Milano; as heranças e influências recolhidas com a convivência de
alguns de seus mestres e como muito dos ensinamentos, uma vez apropriados por
Strehler, ecoaram em seus processos criativos. Tal herança de conhecimento
ofereceu-me subsídios para a percepção dos pontos de partida que estruturam sua
formação artística, bem como os desdobramentos dos referenciais iniciais no decorrer
de sua trajetória.
No capítulo II serão abordadas as encenações que exploraram de modo
significativo o contato e o resgate da commedia dell’arte (principalmente as diversas
edições do espetáculo Arlequim servidor de dois patrões). No capítulo seguinte será
abordada outra encenação que teve uma repercussão bastante enfática no tipo de
direção adotada por Strehler: a segunda edição da montagem de O Jardim das
Cerejeiras, de Anton Tchékhov. Aqui serão enfatizados alguns dos aspectos mais
significativos da obra e sua relação com o processo criativo onde as aproximações
com o sistema de Stanislávski se tornam nítidas em função de meus conhecimentos
relativos às pesquisas feitas sobre este mestre russo e o contato que tive com o
material bibliográfico referente aos processos de encenação de Giorgio Strehler.
No capítulo IV, será abordada a encenação de A Tempestade, de William
Shakespeare, apresentando uma fusão de todos os experimentos da tradição teatral
particularizados no modo de direção peculiar de Strehler. A escolha dessa encenação
foi feita em função da existência de aspectos agregados à ela que foram ressaltados
nas edições que apresentamos nos capítulos anteriores. Nela pretendemos colocar
em destaque a relação entre o trabalho do diretor com o processo de criação dos
atores; a comunhão com os elementos que compõe a encenação e as aproximações
e fusão, com os elementos da commedia dell’arte e com os procedimentos do sistema
de K.Stanislávski nos diversos contextos da encenação.
Por meio destas encenações pode-se observar a elaboração de uma
relação específica da tradição teatral e de sua ressignificação centradas na utilização
de procedimentos que agem não só como deflagradores dos processos de criação
bem como estímulos, sem se fixar na reprodução das formas já consagradas.
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Na última parte, nas considerações finais, ressalto a herança de Strehler
em artistas contemporâneos, por meio das memórias de colaboradores e dos relatos
de alguns encenadores. Com base nesses relatos, busco estabelecer possíveis
diálogos que encontrem correspondência entre os modos de elaboração dos
procedimentos usados na direção de Strehler com os aspectos do fazer teatral da
atualidade, principalmente no que se refere à apropriação e ressignificação de
elementos da tradição dessa arte.
21
CAPÍTULO I
GIORGIO STREHLER: TRAJETÓRIA E FORMAÇÃO DE UM ENCENADOR
O Teatro do século XX caracterizou-se pelo desenvolvimento e
sistematização de pesquisas relacionadas à arte do ator. Neste sentido, o elemento
central das pesquisas da maioria absoluta dos grandes encenadores da época teve
como objetivo a imprescindível necessidade de renovar o processo criativo da
formação teatral. Tornaram-se, portanto, fatores determinantes nas experimentações
pedagógicas e poéticas ocorridas durante esse século, o surgimento da figura do
encenador e a busca por sistematizações metodológicas que pudessem aprimorar o
desempenho artístico do ator/atriz.
A centralidade de o ator/atriz no fazer teatral se expande e lança ao teatro
novas perspectivas. Nesse contexto despontam muitos dos reformadores teatrais da
primeira metade do século XX. Dentre eles podemos citar Konstantin Stanislávski
(1863-1938), Vsevolod Meyerhold (1874-1940), Evguiêni Vakhtângov (1883-1922),
Jacques Copeau (1879-1949) e seus principais alunos. Apesar dos relatos e escritos
desses pesquisadores da arte teatral terem sido publicados e traduzidos tardiamente,
a troca de correspondências entre eles era comum, e foi por meio dessa que as
inquietações e experimentações começaram a ultrapassar as fronteiras da
individualidade. Por intermédio desse movimento de renovação teatral, ocorre um
resgate de tradições, tal como a commedia dell’arte que ganha extremo valor pela
grande relevância da figura do ator/atriz e de sua capacidade improvisacional. Além
disso, os meios de estruturação do espetáculo passam a ser modificados por esses
fatores (resgatados da tradição), e também pelo advento da iluminação e pela
exploração de diversas formas de texto dramático.
O resgate das fontes da teatralidade visando à renovação da arte cênica,
por exemplo, tornou-se uma tônica recorrente ao longo do século XX e, ainda hoje,
mantém sua vitalidade e dialoga com outras áreas de conhecimento. O trabalho dos
encenadores-pedagogos do início desse mesmo século ecoa nos modos do fazer
teatral da atualidade, mesmo que muitos desconheçam as origens de tais heranças.
Parece-me que isto se refere principalmente, à percepção do conhecimento de certa
22
dimensão de artesania do fazer teatral relacionada à abordagem da tradição como um
meio, ou caminho de expansão, como um referencial para constantes buscas de
novos modos artísticos.
Desde o surgimento da figura do diretor teatral, muito do que se entende
por direção esteve desvinculado de um tipo de proposta de criação participativa, pois
os atores e atrizes esperavam que o diretor fornecesse uma espécie de material
preciso para que fosse usado na atuação. Por muito tempo, e com muito esforço, a
ideia de um diretor com tal perfil foi se dissolvendo, pois foi-se percebendo que não
deveria caber aos atores e as atrizes apenas ilustrar ideias pré-concebidas ou seguir
um modelo de como colocar o texto em cena, e sim se tornarem parte efetiva do
processo de criação.
O surgimento de diversas metodologias de formação de atores, e a sua
consolidação, contribuiu efetivamente para essas mudanças como um auxílio para
que os atores e atrizes tivessem outros pontos de partida que não apenas os textos
ou as meras intuições, para que pudessem se colocar em processo de trabalho8.
Neste contexto, os textos poderiam ser, e ainda o podem, um ponto de chegada, um
dos elementos para o jogo, mas nunca o elemento que o determina de forma completa
e restrita. Isso exigia que o diretor também não tivesse uma atitude de imposição de
seus desejos ou de uma interpretação fechada do texto. Ele deveria buscar alimentar-
se de materiais criativos para propor um processo de encenação que revisitasse
outros procedimentos, explorasse os diálogos com outras manifestações artísticas e
compreendesse o passado para poder reinventar o futuro.
Talvez seja essa uma das principais características dos encenadores da
segunda metade do século XX, quando em diversos países se observou o surgimento
de uma série de diretores teatrais que se centraram nas transformações do espetáculo
teatral, com ênfase na criação de uma dramaturgia da cena que, sem negar o passado
lhe dava continuidade e transformava os caminhos já trilhados. Na busca do diálogo
com a tradição, a nossa pesquisa busca apresentar e analisar a obra de um dos
8 Artistas pesquisadores do mundo inteiro eram responsáveis por esse movimento de mudança, tais como:
Meyerhold, Vakhtângov, Jacques Copeau e outros.
23
principais encenadores dessa época, o italiano Giorgio Strehler, um dos fundadores,
em 1947, do reconhecido Piccolo Teatro di Milano.
O surgimento do Piccolo Teatro di Milano teve grande impacto no teatro
europeu do pós-guerra. As produções do Piccolo Teatro percorreram a Europa em
turnês que difundiam a ideia de um teatro contemporâneo. Era necessário o resgate
e a renovação da cultura em um momento em que as apresentações teatrais não
tinham mais vez em face da presença impositiva das marcas recentes da destruição
que ainda se evidenciavam por toda a Europa. Mas foi exatamente nesse momento
de reconstrução da arte que as produções do Piccolo Teatro se firmaram. Mesmo em
meio às evidentes dificuldades impostas pelo contexto, Strehler levou em suas turnês
a imagem de uma Itália viva e poética que tentava se reerguer.
O modo como as propostas artísticas de alguns mestres e pesquisadores
do início do século XX foram apropriadas por Strehler lhe delineou um perfil de
encenador de seu tempo: daquele que busca a renovação, ao percorrer caminhos
desconhecidos, mas que também dialoga com a tradição teatral ao identificar e
escolher seus mestres; aproxima suas experimentações do autodidatismo (devido ao
caráter inédito dos procedimentos gerados), ainda que consciente de suas escolhas e
referências.
Em constante diálogo com as trajetórias e experiências de encenadores
que dedicaram suas vidas às suas descobertas teatrais (e que, compreendo, criaram
propostas abertas que não se fecharam em seus contextos históricos, mas se
lançaram como potências de desdobramentos e frescor em direção a um novo modo
de fazer teatral) Strehler, enquanto criador de sua arte, a ela agregou suas próprias
inquietações e manteve vivas e em constante vir a ser, as propostas de sua poética
artística, numa consonância incessante com as inquietações humanas de cada
período, não se fixando, assim, na eficácia das formas já concebidas.
A abordagem do estudo a respeito de Giorgio Strehler não pode se furtar à
particularidade do contexto de uma Itália devastada pela guerra, de uma sociedade
desacreditada que, embora com forte tradição artística e teatral, corria risco de ser
esquecida. Strehler partiu desse universo que lhe era próximo, e de fácil trânsito, para
mostrar as possibilidades que a arte teatral poderia oferecer, inclusive a de ultrapassar
as fronteiras. Assim, a maneira como Strehler conduziu seus processos de
descobertas teatrais está diretamente ligada ao contexto histórico italiano e à
24
apropriação de elementos da tradição teatral como base de suas experimentações, o
que acabou tornando seu teatro uma referência mundial.
A noção de “tradição teatral” é utilizada aqui na acepção que lhe deu Franco
Ruffini:
É a tradição que nos dá força. Não a tradição entendida como o peso do passado daqueles que nos querem impor o seu modo de viver, mas a tradição como força de poder mudar sem nos tornarmos caos, de continuarmos iguais sem nos tornarmos mortos, isto é, em última análise, de viver. Tradição e vida são sinônimas9.
Embora Ruffini não estivesse fazendo uma referência direta à Strehler, sua
definição poderia perfeitamente ser usada para descrever a relação de Strehler com
a tradição.
É a partir dos processos de elaboração das montagens de Strehler e do
tratamento dado às obras por ele encenadas que se pretende apontar as
características desse encenador, tendo como ponto de partida o resgate e a
ressignificação dos elementos da tradição teatral em diálogo com seu tempo e com
suas inquietações artísticas.
9 RUFFINI, Franco. Conferência no Seminário “Teatro em Fim de Milênio”, Porto Alegre: UFRGS, 1994, p.57
– Transcrição e tradução: Ricardo Pont, Maria Lúcia Raimundo e Nair D’Agostini (texto digitado).
25
1.1.Giorgio Strehler: apontamentos biográficos
“Eu pertenço à grande raça dos fanáticos, dos místicos e, ao mesmo tempo, dos revolucionários. Sou o menor deles, o último, pequeníssimo, mas sou daquela raça. Uma raça de grandes sonhos, de grandes lacerações, de grandes êxtases e calafrios e assombros. Não conseguirei mudar nunca”10
(Giorgio Strehler)
Giorgio Strehler nasceu na Itália, na pequena cidade de Barcola, vizinha à
Trieste, na região do Vêneto, no dia 14 de agosto 1921. Ainda criança, após a morte
inesperada de seu pai, mudou-se para Milão com sua mãe, uma musicista que o
influenciou no gosto pela música e no desenvolvimento de uma extensa cultura
musical e refinada percepção rítmica. Esta herança artística refletiu-se em seu
trabalho teatral dada a aguçada atenção musical que caracterizava suas encenações.
Strehler gostava de ser reconhecido como um “regente da cena” e afirmava
caracterizar-se por um pensamento rítmico.
Apesar de se considerar um autodidata, parte de sua formação teatral se
deu na Accademia dei Filodrammatici onde estudou de 1938 a 1940. Foi nesta ocasião
que conheceu Paolo Grassi11
Após o período de sua formação, fez parte de algumas companhias teatrais
tradicionais e de outras experimentais que tinham por tradição o teatro de
improvisação. Com essas companhias percorreu grande parte da Itália. Participou
também de um grupo experimental coordenado por Paolo Grassi, denominado
Palcoscenico12. Nesta época, dedicou-se à crítica teatral e publicou artigos nos quais
10 “Io appartengo alla grande razza dei fanatici, dei mistici e nello stesso tempo, dei rivoluzionari. Sono il più
piccolo di loro, l’ultimo, piccolissimo ma sono di quella razza, Una razza di grandi sogni, di grandi lacerazioni, di
grandi estasi e brividi e stupori. Non riuscirò a cambiare mai” (tradução nossa). BENTOGLIO. Alberto. Invito al
teatro di Strehler. Milano: Mursia, 2014, p.22. 11 Paolo Grassi (1919-1981): Foi diretor teatral, empresário, professor e um importante colaborador de Giorgio
Strehler. Juntos elaboraram e fundaram o Piccolo Teatro di Milano. Renomado empresário teatral italiano, foi
diretor do Teatro alla Scala no período de 1972-1977 e Presidente da RAI (denominação abreviada em italiano de
Radiotelevisão italiana S.p.A.) Um dos principais nomes do teatro italiano da segunda metade do século XX. 12 Tratava-se de um grupo de vanguarda criado por Grassi em 1941. Seu trabalho voltou-se à busca de uma
renovação radical da dramaturgia, encenando obras de autores contemporâneos como Rebora, Treccani, Pirandello
e O’Neill. Além de Grassi e Strehler também participavam do grupo os atores Mario Feliciani e Franco Parenti.
As atividades de Grassi com este grupo se encerraram em dezembro daquele mesmo ano devido a sua convocação
pelo exército.
26
afirma sua posição sobre a discussão dos caminhos do teatro de seu tempo e sobre
questões relacionadas à direção teatral.
Figura 1 – Giorgio Strehler (Foto: Arquivo do Piccolo Teatro di Milano-Teatro d’Europa)
Em 1943, convocado pelo serviço militar, foi transferido para a Suíça, para
o Campo de Mürren e, logo em seguida para Genebra onde passou a frequentar a
classe de teatro coordenada por Jean Bart13 no Conservatório de Artes. Neste mesmo
ano usando o pseudônimo de Georges Firmy, fundou a Compagnie des Masques,
com alguns jovens franceses.
De acordo com suas próprias palavras apesar de ter, anteriormente,
dirigido um espetáculo, Strehler considera sua primeira direção teatral o trabalho14
realizado com essa companhia, pois como não dominava a língua francesa para jogar
13 Jean Bart (1877-1955): Foi ator, diretor e escritor; aluno de Jean Louis Barrault. 14 Neste período os espetáculos que tiveram a direção de Strehler foram: Assassinato na Catedral de Eliot e
Calígula de Albert Camus.
27
com os atores, e queria muito fazer teatro, resolveu tomar a frente como diretor do
grupo. Naquela época teve a ideia de preparar pequenas maquetes para os ensaios
nas quais indicava o deslocamento dos atores e as possibilidades de jogo; e assim,
Strehler encontrou um modo para pensar a encenação e superar a barreira da língua.
Com o fim da Segunda Guerra, retornou à Itália e passou a dedicar-se
principalmente à crítica teatral15. Nesta ocasião já manifestava a Paolo Grassi seu
desejo de criar um teatro. Grassi, por sua vez, acreditava que a tarefa de criar um
teatro público e estável deveria caber ao município. Mesmo assim, em 1945, criaram
o Diogene, um círculo de cultura teatral no qual se dedicavam à leitura de textos de
novos autores italianos e estrangeiros e, de um modo geral, discutiam sobre os meios
da renovação do teatro italiano16. Esses debates remetem aos cabarés do início do
século XX17.
Inaugurou, junto com Paolo Grassi e Nina Vinchi18, em 14 de maio de
194719, o Piccolo Teatro di Milano20 localizado na Rua Rovello21, centro da cidade de
Milão, com a peça Ralé, de Gorki. No mesmo ano fez a sua primeira encenação de
Arlequim Servidor de Dois Patrões. Essa montagem do Arlequim teve um período de
ensaio muito curto, mas mesmo assim talvez hoje em dia se possa perceber que,
apesar de ter sido um espetáculo apenas esboçado, foi ele que deu início às
15 HIST, David L. Directors in Perspective: Giorgio Strehler. New York: Cambridge University Press, 2006,
p.06. 16 BENTOGLIO, Alberto. Invito al teatro di Strehler. Milano: Mursia, 2014, p.29. 17 Os cabarés eram muito difundidos na Rússia e Europa. Seus repertórios costumavam ser provocadores e
proporcionavam, assim, um amplo espaço para experimentação teatral. 18 A ajuda do então prefeito de Milão, Antonio Greppi (advogado e escritor de comédias) foi fundamental para a
concretização da criação do Piccolo Teatro di Milano. Apesar de o Piccolo ter sido inaugurado em 1947, o primeiro
documento expressando a necessidade de um convênio sobre a situação do teatro na Itália, data de abril de 1948.
Nessa discussão contribuíram grupos, artistas, intelectuais e pesquisadores de todo o teatro italiano da época, que
compreendiam o teatro como articulador político necessário à sobrevivência do indivíduo. Isto abriu caminho para
o reconhecimento oficial do Piccolo como teatro público. BENTOGLIO, Alberto (org). Milano, 1948: un
convegno per il teatro. Firenze: Casa Editrice, 2013, p.07. 19 Nina Vinchi (1911-2009): Esposa de Paolo Grassi e uma das fundadoras do Piccolo Teatro. Exerceu as atividades
de secretaria geral e produção do Piccolo no período de 1947 até 1993.Recebeu vários prêmios da cidade de Milão
por ter dedicado sua vida ao teatro. 20 O Piccolo Teatro di Milano – Teatro D’Europa, atualmente compreende três espaços: O Piccolo Teatro di
Milano – Paolo Grassi, localizado na Rua Rovello, o Teatro Giorgio Strehler e o Teatro Studio Melato, além da
Escola Piccolo Teatro di Milano – Lucca Ronconi, localizada na Rua Giorgio Strehler. Estes últimos estão em uma
mesma quadra, todos na cidade de Milão. O Piccolo Teatro está ligado à formação de público, não só da cidade
de Milão, mas foi um dos principais divulgadores do fazer teatral italiano para o mundo. 21 O espaço ocupado pela primeira sede do Piccolo Teatro di Milano havia sido um cinema e, antes disso, a sede
da polícia nazista e fascista, o que de acordo com Enrico Bonavera: “é muito significativo, pois agora é um espaço
de arte, de regeneração e força. Os antigos cárceres são os camarins”. Em entrevista a autora desta pesquisa. Milão.
2015.
28
produções teatrais renovadoras do Piccolo Teatro e que introduziu na Itália um frescor
revolucionário do fazer teatral.
Quanto à organização do Piccolo Teatro, segundo a observação de uma
jornalista italiana da época, Francesca Pini, coube ao Paolo Grassi, o lado político e
econômico e, ao Strehler, o lado estético e artístico22. Produzir, manter os contatos
para arrecadação de fundos e para a concretização de seus ideais artísticos eram
funções de Grassi, enquanto Strehler se ocupava da elaboração e estruturação de
ensaios. A relação que se estabeleceu entre Strehler e Grassi era muito semelhante
à relação de Konstantin Stanislávski e Nemiróvitch-Dântchenko no processo de
criação e elaboração de um projeto teatral que dialogasse com as inquietações
artísticas pessoais e com as necessidades dos demais, visando uma arte acessível a
todos. E, assim, dedicaram suas vidas à concretização de um projeto teatral que
também pudesse se efetivar como um meio de transformação da sociedade. Cabe
ressaltar também que, desde a elaboração dos primeiros espetáculos do Piccolo,
Grassi e Strehler não mediram esforços para alcançar uma dimensão internacional,
mediante a apresentação de suas produções em diversas turnês pelo mundo.
Em seu surgimento, o Piccolo Teatro tinha como objetivo um teatro de arte
para todos, livre de vínculos com uma programação comercial e com a submissão à
censura e ao oportunismo dos interesses das classes mais altas. O Piccolo Teatro
instituiu as bases de uma profunda revolução na formação do público; criou descontos
para os espectadores e foi ao encontro das pessoas em bibliotecas e fábricas em
busca da expansão dos frequentadores de teatro, pois era necessário que a
apreciação artística ganhasse um maior número de admiradores. O Piccolo Teatro era
um serviço público, de natureza artística, voltado à comunicação através do meio
artístico e poético, mas as exigências não se distinguiam dos demais serviços públicos
o que, de certo modo, fazia acelerar o ritmo de produção uma vez que o teatro deveria
dar retorno aos investimentos realizados.
22 PINI, Francesca. Il tempo di una vita: Conversazione con Giorgio Strehler. Genova: De Ferrari e Devega S.r.l.
Editoria e Comunicazione, 2005, p.62.
29
Figura 2 – Primeira Sede do Piccolo Teatro di Milano, Teatro Europa, Teatro Paolo Grassi 23
De acordo com as palavras do próprio Strehler, em entrevista à jornalista
Francesca Pini, o desejo era que o Piccolo Teatro fosse uma casa da arte; ressalta-
se: casa, e não lugar, dando à palavra “casa” um valor preciso.
[…] sempre acreditei neste Teatro ligado às Instituições, pois para mim o conceito de teatro está muito ligado à ideia de família: aquela dos cômicos, dos homens e das mulheres que fazem teatro juntos e que devem ficar juntos por muitos anos, envelhecer juntos. E crescendo juntos! [...]. Eu tenho um senso profundo do teatro, como sistema coletivo, como família humana, portanto como casa e como lugar24.
Foi nesse espaço, nesse teatro “casa”25, que o processo de
experimentação teatral, ao qual Strehler se propôs a dedicar a vida, ligou-se,
23 Foto da autora desta pesquisa. Milão,2015. 24 “[...]sempre ho creduto a questo Teatro legato alle Istituzioni in quanto per me il concetto di teatro è molto
connesso all’idea di famiglia: quella dei comici, degli uomini e delle donne che fanno teatro insieme e che
dovrebbero restare insieme per molti anni, invecchiando insieme. E crescendo insieme! [...] Io ho um senso
profondo del teatro, come sistema collettivo, come famiglia umana, quindi come casa e come luogo” (tradução
nossa). STREHLER in PINI, Ibidem, p.53-55. 25 Cabe observar que essa metáfora do “teatro-casa” também aparecia, como uma postura ética, no trabalho de K.
Stanislávski e L. Sulerjístski junto aos estúdios do TAM, como se destaca neste relato de Guiatzíntova (atriz do
Primeiro Estúdio): “O homem e o ator em uma única pessoa devem possuir a mesma dignidade; o teatro não é um
escritório, mas uma casa para qual cada um leva o melhor de si: estas considerações não eram para Leopold
Sulerjístski frases usuais, mas o sentido de toda a sua atividade” (in Mollica, 1989, p.163). A respeito dessa
definição de Teatro-Casa, Elena Vássina afirma: “O ‘conceito’ de Teatro-Casa, entidade que reúne palco e platéia
como um grupo de ‘crentes’ na mesma ideia estética, social e política, que possui o código comum da
30
diretamente ao Piccolo Teatro di Milano. Os primeiros dez anos do Piccolo Teatro
foram de intensa produção: quase oitenta peças apresentadas em diversos espaços
e lugares da Itália e da Europa. No entanto, a estrutura organizacional se manteve
relativamente simples. O Piccolo não era um grande teatro em comparação por
exemplo com o Teatro alla Scala26, caracterizado pela suntuosidade das produções e
pela estrutura organizacional grandiosa. Para Strehler: “Foi um trabalho duro, mas
recompensador. Nosso teatro foi desde o início um teatro pobre e permaneceu um
teatro pobre”27.
Nos primeiros vinte anos foram contabilizadas como produções de Strehler,
52 direções teatrais, 16 direções de óperas líricas, 142 viagens para apresentações
em cidades italianas e 116 espetáculos em cidades estrangeiras da Europa, África,
Estados Unidos e Canadá, com o objetivo de difundir e integrar o teatro mundial. Cabe
lembrar que a abrangência do público cativado pelo Piccolo Teatro era imensa, do
operário ao empresário, e, desde o momento de seu surgimento, caracterizou-se
como uma espécie de revolução no sistema teatral. A proposta era de ser um teatro o
mais aberto possível ao mundo e às pessoas, no qual se testemunhasse o tempo
histórico em que se vivia expondo, na medida do possível, a problemática
contemporânea em uma abordagem sempre propositiva.
Strehler se afastou do Piccolo Teatro no período de 1968 a 1972, devido a
acusações em torno de benefícios e privilégios que recebia do sistema político. Um
grupo de jovens artistas de teatro passou a questionar a destinação de recursos
públicos exclusivos para as atividades do Piccolo Teatro e, diante disso, Strehler optou
por se afastar das atividades do teatro. Neste período em que esteve distante do
Piccolo Teatro transferiu-se para Roma para criar o Grupo Teatro e Azione28, uma
comunicação” VÁSSINA, Elena. O teatro russo à luz dos problemas de recepção: abordagem semiótica.
Revista Repertório: Salvador, 2013, p.42. 26 Um dos mais famosos teatros de ópera do mundo. Foi construído em 1778, por determinação da imperatriz
Maria Teresa da Áustria, após o incêndio do teatro Teatro Ducale. O nome refere-se a uma igreja que antes se
erguia no local – Santa Maria Alla Scala. 27 apud HIRST, Directors in Perspective: Giorgio Strehler. New York: Cambridge University Press, 2006, p.07. 28 Em uma resenha sobre a produção teatral italiana na temporada 1970-71, Giorgio Pullini destaca a importância
dos “grupos autônomos de atores associados” e aponta o Teatro e Azione como um dos principais dentre eles.
Pullini afirma que essa forma de organização baseada na autogestão surgia como “uma das melhores soluções
entre os dois extremos de um teatro estável, mas burocratizado e politizado ao máximo, e de um teatro privado e
móvel, mas comercializado ou continuamente comprometido por dificuldades econômicas e práticas”. O autor
também destaca a “livre responsabilidade” de todos os criadores frente à escolha e a execução do repertório.
Pullini, Giorgio. Il teatro in Italia nella stagione 1970-71. Revista Itálica, v 48, nº 4, Columbus, OH, American
Association of Teachers of Italian, 1971.
31
espécie de cooperativa composta em sua maioria por atores que já trabalhavam com
ele e cujo foco era a contestação política e cultural.
Em 1972, retornou como diretor único do Piccolo Teatro a pedido de Paolo
Grassi29. No período de retomada Strehler contou com a ajuda fundamental de Nina
Vinchi, pois ela era uma grande conhecedora da estrutura organizacional do Piccolo
Teatro e, assim, pode auxiliá-lo em sua nova fase. As encenações que serão
abordadas na segunda parte da nossa pesquisa fazem parte do período posterior ao
retorno de Strehler ao Piccolo Teatro.
Para dar continuidade às propostas iniciais do grande projeto do Piccolo
Teatro, Strehler manteve seu posicionamento político e as implicações decorrentes
da sua postura, na vida e na sua história teatral, fizeram dele um homem de esquerda,
o que fica claro em suas palavras:
[...] Sempre me mantive socialista e não ligo isto a um partido político, mas a um modo de pensar: ser de esquerda é uma filosofia de vida. Acredito que a sociedade pode ser mudada, que pode ser diferente, que pode haver relações mais serenas entre os homens, que o mundo do trabalho deve ter um papel e deve ser ajudado a existir. [...] Creio que a grande diferença entre a direita e a esquerda consiste, evidentemente, na preocupação pelo bem da coletividade e pelo bem de quem tem menos, daqueles que têm menos e que devido às circunstâncias não podem possuir mais30.
Esse pensamento político e o desejo de mudanças por meio também da
política local fizeram com que Strehler se candidatasse ao Parlamento Europeu pelo
Partido Socialista, em 1979, com a proposta de construir “uma Europa mais humana,
uma Europa para os homens comuns e para a cultura”. No entanto, foi eleito para o
senado somente em 1982, ano em que sua candidatura foi lançada de forma quase
que independente, com um partido Socialista totalmente reformulado. Permaneceu
pouco tempo no senado e todo seu empenho foi dedicado a redigir propostas de leis
que garantissem um espaço para a permanência de um teatro público31.
29 Neste período Paolo Grassi passou a assumir a direção do Teatro alla Scala e, posteriormente, a presidência da
RAI. 30 [...] sono sempre rimasto socialista e per questo non intendo un partito politico, ma un modo di pensare: essere
di sinistra è una filosofia di vita. Credo che la società possa essere cambiata, che possa diventare diversa, che ci
possano essere rapporti più sereni tra gli uomini, che il mondo del lavoro debba avere un ruolo e debba essere
aiutato a esistere. […] Credo che la grande differenza tra la destra e la sinistra consista evidentemente nella
preoccupazione per il bene della collettività e per il bene di chi ha meno, di chi possiede meno e di chi a causa
delle circostanze non può possedere di più.(tradução nossa) in PINI, 2005. p.98. 31 BENTOGLIO,2014, p.32-38.
32
As propostas teatrais de Strehler não se limitavam apenas à Itália, mas
rompiam suas fronteiras com o objetivo de expandir a ideia de um teatro de arte para
todos. Em 1983, Strehler conseguiu que o governo francês aprovasse, por meio de
decreto de lei, a criação de um organismo que recebeu o nome de Théâtre del’Europa.
O Théâtre Nation Del Odeon, em Paris, foi disponibilizado para sede da instituição e
um conselho de ministros franceses nomeou Giorgio Strehler como diretor. Ele
permaneceu à frente deste projeto até 1988, mas paralelamente manteve suas
atividades junto ao Piccolo Teatro.
O objetivo central do projeto de Strehler com o Teatro da Europa era lançar,
para além das fronteiras, suas inquietações relacionadas ao fazer teatral. De acordo
com Cambiaghi, tratava-se de uma proposta abrangente da ideia strehleriana de um
teatro humano, capaz de falar aos homens de seu tempo e de perseguir o objetivo de
um teatro de arte elevado no conteúdo e voltado à coletividade mantendo uma postura
crítica no tocante à comercialização do produto espetáculo32. Esta é uma
peculiaridade do trabalho de Strehler destacada por vários críticos: a elaboração de
um teatro que fosse de grande valor artístico, mas que também estivesse inserido no
circuito comercial, contradizendo, de certa forma, a noção comumente difundida de
que um teatro de qualidade deve necessariamente estar à margem.
No primeiro ano de produção do Teatro da Europa, o tema escolhido foi –
teatro, ilusão e poder – com o objetivo de lançar aos espectadores uma reflexão a
respeito do metateatro e seu poder de ilusão, o teatro como grande metáfora do
mundo. Para o espetáculo de inauguração, Strehler preparou uma nova montagem de
A Tempestade33, de William Shakespeare. A escolha por essa obra foi feita, não só
pela possibilidade de exploração da temática por ele proposta como também por
considerá-la um possível caminho de autodescoberta, tanto para o intérprete teatral
quanto para o espectador. Strehler acreditava que as obras de Shakespeare poderiam
ser consideradas como um grande exercício de humanidade. Em 1978, Strehler
escreve: “A Tempestade agora existe, cada vez mais, como um caminho de
conhecimento, a exemplo de seu protagonista, Próspero, em busca da conquista do
real, assim ecoando nos intérpretes e nos espectadores”34.
32 CAMBIAGHI, Mariagabriella. L’avventura del Teatro D’Europa. In Giorgio Strehler e il suo teatro. Quaderni
di Gargnano. I protagonisti del teatro contemporaneo. Roma: Bulzoni, 1997, p.104. 33 Esta encenação será abordada no capítulo IV desta pesquisa. 34 in CAMBIAGHI. op.cit, p.104
33
A atividade que Strehler desenvolvia em Paris lhe deu, a ele e as suas
propostas teatrais, uma grande projeção mundial e a partir de 1986, o Piccolo Teatro
di Milano incorporou ao seu nome a designação Teatro D’Europa, nome com o qual
permanece até hoje. No entanto, esse título só foi reconhecido pelo governo italiano,
em 1991, por meio de decreto elaborado pelo Ministério do Turismo e do Espetáculo.
Os planos de internacionalização do teatro de Strehler se expandiram com
a Organização da União dos Teatros da Europa que reuniu diversos teatros de
diferentes países. Em seus seis primeiros anos a organização abrangeu quatorze
teatros35 e contou com uma subvenção mínima do Ministério da Cultura e da
Francofone. De acordo com o seu estatuto, tinha como objetivo principal a criação de
uma política que fosse comum a todos com a superação das barreiras linguísticas e
culturais proporcionaria, não só trocas de experiências, como também a circulação
livre dos artistas entre os países36 que dela faziam parte.
Dessa forma, o projeto do Teatro da Europa consistia no intercâmbio de
experiências teatrais entre cidades e países distantes transformando a cena e
buscando a criação de um teatro que dialogasse efetivamente com as questões da
época. As temporadas anuais deste espaço cênico prezam em ter uma programação
diversificada, onde se apresentam vários tipos de produções do mundo, e abrange
desde espetáculos de grupos e de diretores renomados a produções de jovens
diretores e de escolas de teatro.
Em 1986, Strehler fundou o Teatro Studio que no ano seguinte passou a
abrigar a escola37 do Piccolo, um espaço destinado à experimentação que nos remete
aos estúdios vinculados ao Teatro de Arte de Moscou. Um ano depois de sua
fundação, ele assumiu a direção do mesmo. E o novo espaço agregou atores
experientes e também iniciantes. O primeiro ano de atividade deste estúdio-escola foi
35 Dentre esses teatros, cita-se: Centro Dramático de Madrid (Espanha); Teatro Odeon, de Paris (França), Piccolo
Teatro di Milano (Itália); Royal Shakespeare Company e Royal Nation Theatre (Londres); Berliner Ensemble
(Alemanha); Teatro Mali, de São Petersburgo (Rússia) e Staty Teatr, de Cracóvia (Polônia). 36 CAMBIAGHI, 1997, p.106-107. 37 A escola do Piccolo Teatro foi fundada por Giorgio Strehler, em 1987, sob a coordenação didática de Enrico
D’Amato. O projeto didático é baseado na premissa de que em qualquer tipo de teatro existem técnicas
semelhantes, indispensáveis para agir em cena (atuar no palco). No desenvolvimento da prática e da teoria teatral
eles experimentaram critérios comuns para identificar a especificidade do trabalho do ator. Estes critérios
pressupunham princípios pedagógicos e técnicos de expressão complementares. O curso é gratuito e a formação
se dá em três anos (com oito horas de aulas diárias, em seis dias da semana). A formação dos estudantes envolve
aulas práticas e teóricas e estágios nas produções do Piccolo Teatro. Após a morte de Lucca Ronconi, em 2015, a
escola passou a chamar-se Escola Lucca Ronconi.
34
dedicado a Jacques Copeau e às experimentações com a máscara, bem como ao
estudo da tradição da commedia dell’arte. Muitos dos atores que fizeram parte da
primeira turma apresentam até hoje a edição do espetáculo Arlequim Servidor de Dois
Patrões, ainda em cartaz, sob a assinatura de direção de Giorgio Strehler.
Os processos de montagem desenvolvidos, no estúdio ou nesse teatro-
escola, eram abertos, isto é, qualquer pessoa podia acompanhar a criação e a
estruturação da encenação, pois para Strehler “os ensaios eram um espaço de
transmissão, por isso permitia que fossem assistidos, não só pelos alunos, mas
também pelos interessados na arte da encenação”38. Isto ajudou a ampliar a formação
de público e de interessados no fazer teatral e afastou o trabalho desenvolvido por
Strehler de qualquer conotação mística ou de devoção.
Em relação à intensa produção e aos diversos projetos desenvolvidos por
Strehler, ele afirma: “eu sempre soube que nasci um intérprete. Não um criador. Mas
não um intérprete que trabalha sozinho. Alguém que trabalha em um grupo”39. A
característica do trabalho coletivo estava presente no Piccolo Teatro di Milano desde
seu início. Devido à sua formação de ator, Strehler acabou por desenvolver uma
maneira de dirigir que se caracterizava pelo constante jogo com os atores durante o
processo de criação das encenações. Além das orientações, propunha-se a
improvisar junto com os atores e atrizes. Esse modo de interação com os artistas fazia
com que Strehler tivesse uma visão de dentro e de fora do processo de criação dos
atores/atrizes, além de ser uma estratégia para provocar a criatividade de seus
participantes.
Pode-se afirmar que esta foi uma das marcas que particularizaram os
processos de criação de Strehler como encenador e que estão relacionadas ao
processo improvisacional característico da commedia dell’arte. Esses aspectos serão
tratados na análise das encenações de Arlequim Servidor de Dois Patrões.
Em 1996 Strehler deixou de ser diretor único do Piccolo Teatro di Milano e,
no ano seguinte, resolveu dedicar-se ao preparo de uma nova edição40 da obra
Arlequim Servidor de Dois Patrões para comemorar os 50 anos do Teatro, sendo que
38 HIRST,2006, p.11 39 Ibidem, p.17 40 No decorrer desta tese a palavra “edição” será utilizada para se referir a cada nova montagem da obra Arlequim
Servidor de Dois Patrões, seguindo a terminologia adotada nos próprios materiais de divulgação e registro do
espetáculo.
35
é a mesma encenação que se mantém até hoje no repertório do Piccolo. Infelizmente,
no dia 25 de dezembro de 1997, noite de natal, ele veio a falecer em sua casa de
Lugano, na Suíça. Seu velório aconteceu no teatro que leva seu nome, e que Strehler
não chegou a conhecer uma vez que foi inaugurado somente em janeiro do ano
seguinte. Como era desejo dele, foi velado em um espaço todo branco como via a
morte. Foi como seu Jardim das Cerejeiras41e inundado de música.
Pelo Piccolo Teatro passaram atores de diversas gerações, desde os mais
reconhecidos atores italianos até uma geração de iniciantes em busca de uma
formação. No entanto, isto nunca foi um problema para a realização dos projetos do
teatro, pois um de seus objetivos era “ser uma casa da qual se poderia se separar e
voltar, um lugar onde se poderia regressar para reabastecer-se depois de uma longa
viagem”42
Figura 3 – Piccolo Teatro di Milano – Teatro D’Europa – Teatro Giorgio Strehler43
Após a morte de Strehler, Luca Ronconi44 (que era amigo pessoal de
Strehler e acompanhava muitos de seus processos de encenação) assumiu a direção
41 Esta encenação será abordada no capítulo III desta tese. 42 HIRST, 2006, p.10. 43 Foto da autora desta pesquisa. Milão.2015. 44 Luca Ronconi (1933-2015): Ator e diretor. Formou-se na Accademia Nationale d’arte drammatica di Roma.
Fundou e dirigiu o Laboratorio de Proggetazione Teatrale di Prado; dirigiu o Teatro Estável de Turim (1989-1994);
foi diretor artístico do Teatro de Roma. A convite de Sérgio Escobar (que em 1998 assumiu a direção geral do
Piccolo Teatro) passou a ser o consultor artístico e diretor da escola do Piccolo Teatro, que após sua morte, recebeu
seu nome.
36
artística do Piccolo Teatro di Milano e tinha como propósito dar a ele uma nova
configuração teatral. O caráter humanitário permaneceu, assim como acontecia nas
encenações de Strehler, mas em relação às questões sociais buscou-se outra forma
de mostrar a vida, talvez menos popular e mais filosófica.
Durante esse período o Piccolo Teatro também recebeu alguns diretores
convidados, como por exemplo: Carmelo Rifici45, Laura Curino46, Lucio Diana47 e
Flávio Albanese48, porém a memória de Strehler não caiu no esquecimento, mas se
agregou às proposições feitas por esses novos diretores. Na encenação de Lehman
Trilogy49 realizada por Ronconi, por exemplo, são destacadas as questões sociais
contemporâneas urgentes, principalmente as relacionadas aos conflitos sociais e à
imigração. Estes temas são discutidos de forma ampla com o propósito de estimular
a sociedade a refletir sobre essa realidade e, quem sabe, transformá-la através da
arte.
Pelos palcos do Piccolo Teatro passaram e, passam, espetáculos de todas
as partes do mundo, sob a direção dos mais significativos nomes do teatro dos séculos
XX e XXI, tais como: Peter Brook, Ingmar Bergman, Bob Wilson, Peter Stein, Ariane
Mnouchkine, Lev Dodin, Robert Lepage, Jurij Liubimov, Pina Bausch, Roland Petit,
Emma Dante, Pipo Delbono além de outros grupos e artistas reconhecidos,
45 Carmelo Rifici (1973): Graduado em Letras Modernas. Em 2000 formou-se na Escola de Teatro de Torino. Foi
diretor colaborador de Luca Ronconi. Em 2015 foi nomeado diretor artístico do LuganoInSCena e também diretor
da Escola de Teatro Luca Ronconi do Piccolo Teatro di Milano. 46Laura Curino (1956): Atriz, diretora e dramaturga. Em 1974 fundou com a diretora Gabriele Vacis a companhia
de pesquisa teatral, denominada Laboratorio Teatro Settimo. Ganhadora de diversos prêmios pela dramaturgia de
espetáculos, dentre eles: Prêmio Ubu (1992), Prêmio Urbino - Prêmio Fringe Festival de Edimburgo (1989). Fez
algumas participações no cinema como atriz. 47 Lucio Diana: Diretor multimídia, cenógrafo, designer de iluminação, figurinista, video maker, pintor e escultor.
Foi um dos fundadores, em 1975, do Laboratorio Teatro Settimo com o qual colaborou de diversas formas: criação
de espetáculos teatrais; concepção de projetos teatrais educativos; design de exposições e instalações e produções
de vídeo. 48 Flavio Albanese (1967): Formou-se, em 1990, na Escola do Piccolo Teatro. Posteriormente formou-se no
laboratório para professores, diretores e atores dirigido por Jurij Alschitz (o trabalho desse laboratório,
desenvolvido durante três anos, foi concluído com a apresentação de um estudo cênico da obra As Três Irmãs, de
Tchékhov). Participou de oficinas dirigidas por Antonio Fava (Commedia dell'arte), Thierry Salmon, Dominic De
Fazio (Actors Studio Los Angeles), Jerzy Grotowski e Thomas Richards (Pontedera). Desde 1994 dirige
laboratórios de teatro e Commedia dell'arte na Itália e no exterior (Alemanha, Polónia, Suécia e Hungria). Teve
participações como ator na TV e no cinema. Foi professor da Commedia dell'Arte na Academia de Artes I.T.A.C.A.
Dramático, em Puglia. 49 Lehman Trilogy, texto de Stefano Massini, direção de Luca Ronconi. A obra aborda a saga dos Lehman - o
desembarque da Baviera em Nova York em meados do século XIX; o colapso do Lehman Brothers em 2008,
criando um retrato extraordinário da história americana recente. Tive a oportunidade de assistir a esse espetáculo
no Teatro Paolo Grassi na temporada de 2015 na cidade de Milão.
37
preservando a concepção de que para a arte não deve haver fronteiras e nenhum tipo
de preconceito.
1.2 A escolha de seus mestres
“Nunca pensei que pudesse inventar tudo sozinho e fico feliz por reconhecer as dívidas. Penso que um encenador deve ter muitos conhecimentos para elaborar sua própria escrita e conhecer as realizações dos outros para encontrar seu estilo preservando totalmente uma atitude crítica”50.
(Giorgio Strehler)
Na primeira metade do século XX, na Itália, a cultura teatral estava ligada
à figura do primeiro ator e à ópera lírica caracterizada pelo direcionamento às classes
sociais mais altas e pela resistência à renovação. A exploração de novos modelos e
probabilidades para o fazer teatral surgiu somente após a Segunda Guerra Mundial,
momento em que a figura do diretor começou a ser questionada e, por conta disso,
em relação a outros países europeus, novas experimentações sobre a direção teatral
surgiram ainda que tardiamente.
Giorgio Strehler pertence a este período de uma Itália pós-guerra e suas
inquietações teatrais estão diretamente ligadas ao estilo de elaboração da encenação
e ao tratamento do texto que foram apoiados por muitos dos registros dos mestres do
início do século XX.
Cabe ressaltar que o próprio Strehler afirmava fazer parte da geração de
artistas desse tempo e que escolheu seus mestres pelos apontamentos que eles
deixaram e pelo contato direto com seus alunos/atores.
Segundo Hirst51, por conta do caráter autodidata de sua formação, Strehler
afirmava que sua geração não contava com mestres diretos, pessoas de experiência
50 STREHLER In TANANT, Mirian. Giorgio Strehler: a cena viva. Trad. Isa Etel Kopelman. São Paulo:
Perspectiva, 2015, p.61. 51 David L. Hirst: pesquisador com diversas publicações relacionadas à história da encenação. Foi professor
honorário no Departamento de Teatro da Universidade de Birmingham.
38
prática que pudessem passar seus ensinamentos52 diretamente aos interessados. E
Strehler afirma:
Nós éramos uma geração sem professores, sem líderes. Nós éramos garotos que haviam nutrido um amor pelo teatro, mas a uma grande distância, porque nós crescemos em outro lugar, em uma guerra que foi para muitos de nós uma fonte de grande infelicidade e para outros a desculpa para uma retórica louca, vazia. Nós éramos jovens em idade e também em experiência teatral e humana. E nós éramos aqueles que iriam ter que guiar os “outros”. Esses “outros” viviam à parte em um mundo deles no qual sua maneira de trabalhar, a totalidade da sua abordagem do teatro, havia se tornado decadente. Eles estavam profundamente separados da realidade em todos os sentidos; eles não sabiam nem as palavras que deveriam ser ditas nem a maneira de dizê-las. Eles estavam tentando manter vivo um teatro que, seja de um ponto de vista histórico ou humano, estava com um atraso de pelo menos cinquenta anos53.
Assim, na ausência de mestres diretos, era necessário dialogar com
algumas das principais fontes da tradição teatral ocidental na tentativa de estabelecer
as diretrizes de um próprio fazer. Neste sentido, além da inevitável herança de K.
Stanislávski, principalmente no que se refere ao estudo e à análise das obras que
visavam à encenação (aspecto que esta pesquisa apresentará nos capítulos
seguintes), Strehler também se considerava um seguidor do pensamento teatral de
Jacques Copeau, Louis Jouvet e Bertolt Brecht, sendo que com esses dois últimos
teve um contato direto. Também fazem parte de seu imaginário teatral o contato,
quando jovem, com as encenações do austríaco Max Reinhardt54 e também dos
52 HIRST, 2006, p. 09 53 We were a generation without teachers, without leaders. We were kids who had nurtured a love for theatre, but
at a great distance because we had grown old somewhere else, in a war that was for so many of us a source of great
unhappiness or for others the excuse for mad, empty rhetoric. We were young in years, though, and in human and
theatrical experience. And we were the ones who were going to have to guide “the others”. These ‘others’lived
apart in world of their own in which their way of working, their whole approach to theatre had grown decadent.
They were profoundly cut off from reality in every sense; they knew neither the words to speak nor the way to
speak them. They were trying to keep alive a theatre which both from a historical and a human point of view was
at least fifty years out of date (tradução nossa). HIRST, 2006, p.9. 54 Max Reinhardt (1873-1943): ator, pedagogo e encenador austríaco. Um dos pioneiros do processo de renovação
da cena moderna que levou o diretor ao posto de criador principal do espetáculo cênico. Manteve uma colaboração
artística significativa com o compositor alemão Richard Strauss. Teve papel destacado no desenvolvimento do
teatro e do cinema expressionistas na Alemanha. Fundou e dirigiu o Neues Theater (1902-1905). Em 1905 assumiu
a direção do Deutsches Theater. Seguindo as ideias de Richard Wagner, buscou a unidade dos elementos do
espetáculo em busca de uma experiência teatral total. Em 1920, junto a Strauss, deu início ao Festival de Salzburg.
Em 1934, devido à ascensão do nazismo, exilou-se nos Estados Unidos, onde deu continuidade a sua carreira
artística e pedagógica.
39
diretores italianos Luchino Visconti55 e Orazio Costa56, cujas encenações teve
oportunidade de acompanhar. Em relação a Max Reinhardt, Strehler afirmava ter se
interessado pelas pesquisas que fez sobre Shakespeare, pelas encenações de
Servidor de Dois Patrões e pelo hábito que tinha de representar inúmeras vezes a
mesma obra57. Estas referências que foram alvo do interesse de Strehler também
marcariam a sua trajetória. Outra afinidade que encontrou se deu em função do ritmo
da cena e a busca por uma musicalidade do espetáculo que eram próprios de
Reinhardt. As mesmas características também acompanhariam Strehler por toda sua
vida, não só pela influência de Reinhardt, mas pelo seu diálogo com outras pesquisas
e pelo seu conhecimento musical aguçado.
A conexão com os mestres ou com os modelos instaura uma reflexão fecunda que permite a Strehler transformar o teatro italiano para abrir caminho, de forma decisiva, a um teatro resolutamente moderno, combinando abordagens diversas sem, por isso, renunciar a sua própria autonomia de criador 58.
Através do conhecimento artístico adquirido, Strehler se apropriou de
propostas lançadas e experimentadas por alguns dos mestres por ele escolhidos. A
exemplo pode-se observar na citação que se segue, as suas considerações a respeito
de Copeau:
Devo a Copeau uma visão de teatro austera, moral, quase jansenista. O teatro que representava a responsabilidade moral em um contexto coletivo. Um doloroso sentimento religioso pelo teatro. Eu acredito profundamente que Copeau abandonou o teatro porque percebeu que para fazê-lo como queria, e fez, teria que exigir de seu elenco, e de sua equipe, o tipo de coisas que somente Deus pode exigir59.
55 Luchino Visconti (1906-1976): diretor italiano de projeção internacional. Considerado um dos pais do
neorrealismo italiano e um dos mais importantes homens da cultura italiana do século XX. Teve uma grande
produção de direção cinematográfica e teatral. 56 Orazio Costa (1911-1999): Foi diretor teatral e professor. Estudou com Jacques Copeau e Silvio D’Amico. Fez
parte do novo movimento cultural que buscou a renovação do conceito de teatro no pós-segunda guerra. Sua visão
teatral esteve ligada ao teatro como missão espiritual. Também dirigiu obras líricas no Teatro alla Scala de Milão.
Em 1948 fundou o Piccolo Teatro de Roma. Um dos maiores expoentes da pedagogia teatral da Europa do Século
XX. Desenvolveu uma metodologia de trabalho para os atores denominada “Método Mímico”. Seu método foi
empregado na Bélgica, França e outros países da Europa. 57 TANANT,2015, p.61. 58 Ibidem, p.10. 59 I owe to Copeau an austere, moral, almost jansenist vision of theatre. Theatre representing moral responsability
in a collective context.A painfully religious feeling for theatre. I believe that deep down Copeau abandoned the
theatre because he’d come to realise that in order to perform theatre as he wanted it performed he would have had
to demand of his cast and crew the sort of things only God can require. in HIRST, 2006, p.10.
40
Esta devoção que Strehler observa nas pesquisas de Copeau também
esteve presente em sua própria dedicação ao teatro. De acordo com Strehler, o
contato com as abordagens de Copeau foi intuitivo e fez com que construísse para si
uma ideia de “homem de teatro” que talvez estivesse distante da real. Strehler
costumava afirmar que a ideia de unidade enfatizada por Copeau tornou-se a base de
seu trabalho:
[...] o teatro como compromisso absoluto, como dádiva de si aos outros, um teatro que não é um fim em si. Ele me fez compreender que devia existir aí uma unidade entre a escrita e a representação, uma unidade entre autores, atores, cenógrafos, músicos e maquinistas60.
Segundo Strehler, à influência inicial do trabalho de Copeau em sua
trajetória seguiu-se uma forte presença das práticas e do pensamento teatral de Louis
Jouvet com quem manteve uma amizade que ultrapassou as fronteiras do campo
teatral. Para ele,
Jouvet [...] tinha uma ideia muito restritiva de teatro, no sentido de que o considerava verdadeiramente como tudo. E nós vivíamos, quase diariamente, aventuras paradoxais. [...] Jouvet viveu o teatro como única dimensão da vida. Por muitos anos eu também estive muito próximo dessa espécie de mística do teatro. Mas não é uma mística religiosa, é uma mística do ofício, aquela de se estar por inteiro no teatro, de se devotar a ele completamente61.
No entanto, Strehler afirma que percebeu que junto à dedicação integral
citada acima era preciso também o ensinamento da vida; que este teatro sacro e
totalizante precisava de artistas que compreendessem a vida e a política e estivessem
diretamente ligados à sociedade civil.
Strehler sempre afirmou que foi Jouvet quem lhe deu a coragem para
aceitar o teatro e, com ele, todas as suas misérias; o teatro como um trabalho cotidiano
e não como uma “arte divina” e afirmava sua dívida com ele:
[...] Devo a Jouvet, em particular, o sentido de uma imaginação crítica trabalhando dentro de um espetáculo, como também, a descoberta de
60 in TANANT, 2015, p.55-56. 61 Jouvet […] aveva un’idea molto restrittiva del teatro, nel senso che considerava il teatro veramente tutto. E noi
abbiamo vissuto direi quasi giornalmente delle avventure paradossali. […] Jouvet ha vissuto il teatro come unica
dimensione della vita. Per molti anni anch’io sono stato molto vicino a questa specie di mistica del teatro. Ma non
è una mistica religiosa, è una mistica del mestiere, quella di essere totalmente nel teatro, di votarsi a esso
completamente. in PINI, 2005, p.101-102.
41
que uma encenação não é somente um empreendimento filológico, técnico ou cultural, mas também uma interpretação viva do texto, uma aceitação intuitiva de seus valores poéticos62.
Strehler foi aluno de outro grande mestre, Bertolt Brecht. O contato com
Brecht aconteceu nos anos 50, quando durante três anos Strehler acompanhou as
suas aulas no Berliner Ensemble, entre idas e vindas da Itália para Alemanha. Essas
lições e a proximidade com a produção e o pensamento brechtiano acabou por
contribuir de maneira determinante para o seu amadurecimento como diretor. Strehler
costumava dizer que Brecht lhe ensinou muitas coisas, sobretudo uma: “a duvidar, a
nunca pensar que se é dono da verdade, a escutar as críticas”63. No entanto, a
influência brechtiana nas obras de Strehler se efetivou na década de 60, pois foi nesse
período que o encenador tomou como referencial as produções do Berliner e os
relatos de Brecht, no livro Theaterarbeit, no qual documentou os processos de seus
espetáculos.
Strehler ressaltava o que Brecht lhe ensinou:
[...] que um bom teatro não deve criar um consenso, mas dividir. Foi, talvez, a noção mais difícil de assimilar; eu era tão afeito à ideia de que o teatro da fraternidade devia unir. Ele me ensinou a realizar um “teatro humano” rico, inteiramente teatro, mas sem ser um fim em si. Um teatro que divertisse, mas ao mesmo tempo também ajudasse os homens a evoluir e a transformar este mundo num mundo melhor, num mundo para o homem. Gostaria de explicitar algo. Se Brecht influenciou minha maneira de pensar o teatro, eu jamais fiz um teatro brechtiano segundo a ortodoxia brechtiana, que foi, aliás, mais transmitida por alguns de seus discípulos do que por ele mesmo. Não creio que ele esperasse que se fizesse o teatro para imitá-lo ou satisfazê-lo. Para mim, Brecht foi o mestre não de um dogma, mas de uma severa liberdade64.
Sobre esses aprendizados com Brecht, Bosisio65 afirma que Strehler
sempre se recusou a adotar um método, no sentido fechado. Talvez essa seja a
62 […] I owe to Jouvet in particular the sense of a critical imagination working within a show. The discovery that
a production isn’t just a philological, technical or cultural undertaking, but also a living interpretation of the text,
an intuitive acceptance of its poetic values (tradução nossa). HIRST, 2006, p.09. 63 TANANT, 2015, p.57. 64 Ibidem, p.57-58. 65 Paolo Bosisio (1949): Graduado em Letras e Filosofia na Università degli Studi di Milano. Foi professor
universitário e pesquisador, tendo atuado em diversas universidades, tais como: Università degli Studi di Milano,
Sorbone Paris III e Università Cattolica del Sacro Cuore. Foi assistente de Luchino Visconti. Atuou sob a direção
de Giorgio Strehler em diversos papéis. Trabalhou como diretor e roteirista de TV e como crítico teatral. A partir
dos anos noventa concentra sua atividade artística exclusivamente no teatro operístico, dirigindo espetáculos na
Itália e em diversos países estrangeiros. Foi diretor artístico do Teatro del Vittoriale degli Italiani, do Teatro
42
grande lição do teatro épico experimentado por ele, pois sempre trabalhou de forma
muito pessoal, e em novas e diversas abordagens, o que acabava gerando em seus
espetáculos diferentes dimensões de estranhamento66.
Outra referência significativa na trajetória de Strehler é a do teatro russo da
primeira metade do século XX. Ele sempre afirmou que não tinha como negar em seu
trabalho, a herança dos grandes encenadores russos principalmente K. Stanislávski.
Além disso, o contato com as pesquisas de Meyerhold se deu de forma mais
aprofundada por meio de Brecht, ao passo que Vakhtângov lhe interessou devido ao
trabalho com a commedia dell’arte.
Como exemplo específico de sua aproximação com os mestres do teatro
russo, pode-se apontar o engajamento teatral e a preocupação com a qualidade da
relação com o público que foram questões permanentes na trajetória de Strehler e que
o aproximaram das inquietações de K. Stanislávski e de Meyerhold (evidentemente
consideradas particularidades de cada contexto).
A aproximação com o sistema de Stanislávski, principalmente no que
concerne à exploração do texto e à identificação de elementos fundamentais para o
processo de criação a começar pelas ações e pela improvisação em situações
propostas pela obra, permitiu a Strehler uma personalização desses recursos e a
criação de procedimentos próprios desenvolvidos ao longo dos processos de criação
de muitas de suas encenações.
Em especial atenção a K. Stanislávski, Strehler destaca:
Foi Brecht quem nos ensinou a recuperâ-lo para avançar, ao demonstrar que ele foi o mestre de todos nós. Creio que, apesar de nossas diferenças, tanto no plano ideológico quanto artístico, Stanislávski esteve sempre presente em meu percurso67.
Entre os encenadores aqui citados existe uma conexão que se manteve, o
que reflete inquietações que tiveram continuidade e instigaram novas buscas teatrais
que, talvez, não sejam tão distintas das de hoje. O reconhecimento próprio de que era
Giacosa di Ivrea, do Metropoli Ballet Festival, do Farnese Opera Festival e do Sforzesco Ballet Festival. Foi
professor de História do Teatro na Escola do Piccolo Teatro. Publicou diversos livros a respeito da história do
teatro italiano. 66 BOSISIO. 1998, p.23 67 in TANANT, 2015, p.59.
43
um autodidata se dá em função da apropriação de um amplo repertório de
conhecimentos teatrais que foi acumulando durante a vida.
O trabalho teatral de Strehler também sofreu influências de Étienne
Decroux68, de Jacques Lecoq69 (principalmente no que se refere ao trabalho sobre a
máscara), dos filmes de Charles Chaplin (que por ele era considerado como um gênio,
não só por sua atuação, mas também pela estruturação e composição crítica de seu
fazer artístico) e de Ingmar Bergman70.
O cinema o auxiliou muito em sua escrita cênica, que era fundamentada
em modelos roteirizados que deixavam espaço para a improvisação, como nos
tempos dos cômicos dell’arte, mas com os recursos teatrais de seu tempo. Foi
também, um meio de nutri-lo criativamente, já que tanto a composição fotográfica
quanto os recursos de edição das cenas serviam para ele como um modo de
inspiração.
A música também foi uma referência fundamental em sua vida. Segundo o
próprio Strehler ela era a base de seu conhecimento teatral: “A música me ajuda a dar
uma dimensão poética aos meus espetáculos e a apagar o realismo, pois não sou um
encenador realista no sentido que se atribui geralmente a esse termo”71.
Ao se analisar a formação de Strehler como encenador é preciso considerar
o fato de que suas propostas artísticas foram delineadas a partir de uma concepção
de quem havia experienciado a arte da atuação, mas que fora conduzido a se dedicar
à direção teatral em virtude das especificidades de suas inquietações com a arte e
com a vida.
68 Étienne Decroux (1898-1991): Ator e mímico francês. Estudou na Escola do Vieux Colombier. Teve como
principal estudo a expressão do corpo, e, nos últimos 40 anos de sua vida, abandonou as grandes apresentações
públicas e a carreira como ator para se dedicar inteiramente à técnica chamada de Mímica Corporal Dramática.
Em 1940 fundou uma escola em Paris pela qual passaram vários artistas importantes do mundo inteiro. Ele
ensinou, também, em várias instituições de prestígio mundial, como o Piccolo Teatro di Milano e o Actor’s
Studio de Nova York . Criou sua própria companhia nos Estados Unidos na década de 1950. Considerado como o
pai da mímica moderna, pode-se citar entre seus alunos Marcel Marceau, Yves Lebreton, Thomas Leabhart, Jean
Asselin, Corinne Soum, Steven Wasson e Luís Otávio Burnier. 69 Jacques Lecoq (1921-1999): Ator, pesquisador e pedagogo francês. Mundialmente conhecido por desenvolver
um trabalho de pedagogia teatral centrado no movimento e no porte das máscaras (principalmente a neutra).
Fundador da École Internationale de Théâtre Jacques Lecoq, em 1956. Um dos responsáveis pela retomada do
porte da máscara na segunda metade do século XX. 70 Ingmar Bergman (1918-2007): Foi dramaturgo, diretor teatral e cineasta sueco. Estudou na Universidade de
Estocolmo, onde nutriu seu interesse pelo teatro e pelo cinema. Os temas que abordava estavam ligados à
mortalidade, à solidão e à fé. Dirigiu filmes que marcaram a história do cinema mundial. 71 STREHLER in TANANT, 2015, p.70.
44
O professor e diretor Paolo Bosisio destaca que Strehler foi um
extraordinário diretor de atores, reuniu um grupo de artistas de sensível estilo criativo,
cultivou as particularidades de cada ator, facilitou a livre expressão e renovou os
procedimentos em cada processo por ele dirigido. Para ele, interpretar sempre teve o
significado de exprimir-se por meio de todas as linguagens à disposição do ator/atriz
mantendo uma relação dialética com os demais artistas72. E quando diferentes
metodologias da arte da atuação chegaram à Itália, experimentou-as em seus
processos. Por exemplo, no processo de elaboração de Arlequim Servidor de Dois
patrões, de 1947, Marise Flach73 colaborou com o movimento mímico74.
Segundo Bosisio, é apoiado nos “ensinamentos” dos que frequentemente
denominava como mestres que Strehler...:
[...] concebe a direção como um ato de humildade que permita alcançar a compreensão e a interpretação de uma obra por meio do trabalho duro e prolongado dos ensaios, na contribuição sinérgica de muitas linguagens e de muitos seres humanos: cenografia, figurinos, música, luzes, movimentos de cena, são os ingredientes irrenunciáveis da mistura sempre nova da qual germina a atuação do ator e se condensa a ideia interpretativa da direção75.
A iluminação cênica foi um dos elementos mais destacados nas
encenações de Strehler. Ela aparece na poética cênica de Strehler como um elemento
indiscutível e determinante que tinha como função auxiliar as ações. Parte significativa
de seu trabalho de direção lhe é dedicada. Ele fez da iluminação um elemento de jogo,
uma linguagem indispensável que dialogava com todos os elementos da cena76.
Bosisio afirma que esta capacidade criativa de Strehler com a iluminação é inata,
72 BOSISIO, 1998, p.24 73 Marise Flach (1927 – 2016): nasceu em Garches (França). Foi mima e coreógrafa. Estudou na escola de Arte
Dramática em Paris – EPJD - Education par le jeu dramatique. Em 1953 assumiu a direção da Escola Cívica de
Arte Dramática de Milão (atualmente conhecida como Escola Paolo Grassi), com a qual colaborou até a sua morte
em 2016. Participou como assistente de movimento mímico em muitos espetáculos na Europa, principalmente nas
encenações de Giorgio Strehler, tais como: “A alma boa de Setsuan”, “Marat-Sade”, “Os gigantes da Montanha”,
“Arlequim servidor de dois patrões”, “A Tempestade” e tantos outros. Contribuiu com encenadores como Luca
Ronconi, Franco Enriquez e Angelo Corti. Em 1963 recebeu o Prêmio Internacional Hondas. Seu trabalho se
expandiu para o teatro lírico italiano, cinema e televisão. 74 Esta informação será aprofundada no capítulo II desta pesquisa. 75 …concepisce la regia come un atto di umiltà che alla comprensione e all’interpretazione di un’opera consenta
di pervenire attraverso il lavoro duro e prolungato delle prove, nel sinergico contributo do molti linguaggi e di
molti esseri umani: scenografia, costumi, musica, luci, movimenti di scena, sono gli ingredienti irrinunciabili degli
impasti sempre nuovi entro cui germina la recitazione dell’attore e si condensa l’idea interpretativa della regia
(tradução nossa). In Quaderni di Gargnano - I protagonisti del teatro contemporaneo. BOSISIO, 1998, p.21 76 Ibidem, p.22.
45
talvez herdada dos maiores mestres do século XX, a qual ele uniu um domínio
artesanal significativo.
Pode-se afirmar, enfim que alicerçado pela escolha de seus mestres e pelo
vínculo que se criou com as pesquisas deles, desenvolvidas em diferentes contextos,
que Giorgio Strehler se sentiu instigado à provocação e ao distanciamento do papel
de discípulo, ora dialogando com os ensinamentos (diretos ou não) dos “mestres”, ora
questionando os caminhos propostos, e foi em consequência dessas experiências
enriquecedoras que ele se denominou de autodidata. Através do processo de
experimentação resultante de suas pesquisas foi particularizando seu modo de
encenar. Para tanto, teve uma necessidade constante de percorrer muitos dos
caminhos revisitados pelos pesquisadores teatrais que lhe serviam de referência,
como um aprendizado que o ajudasse a compreender as propostas teatrais que deles
eram oriundas.
A preocupação de Strehler não era a de ser fiel a um modo de estruturação
da encenação, mas a de explorar ao máximo as possibilidades de combinação e de
apropriação de elementos da tradição teatral em favor da renovação da cena e da
elaboração de sua identidade artística.
Seus desejos de transformação e seu engajamento social e político o
fizeram retomar autores italianos e clássicos desconhecidos da população do pós-
guerra e, recorrendo a eles, buscar a renovação e a sensibilização da sociedade de
seu país e, posteriormente, das pessoas do mundo afora frente a um contexto de
desgaste e descrédito. Seu maior ato político era o fazer teatral engajado, voltado à
transformação da sociedade. Isto caracterizou a poética de seus espetáculos e
marcou uma geração de artistas e cidadãos, já que, devido ao seu caráter de teatro
público, muitos artistas italianos passaram pelo Piccolo Teatro ou tiveram sua
formação lá.
Ao se apropriar de alguns procedimentos de encenação dos seus mestres,
Giorgio Strehler os transformou e os ressignificou. Isto o conduziu a um processo de
estilização e limpeza de tudo que fosse puramente decorativo. Mesclou princípos
simbólicos com intenções fundamentalmente realistas chegando a resultados
caracterizados pela fusão da originalidade constante com o fascínio discreto e
inconfundível gerado mediante elementos cênicos simples. Assim, fazia alusão a uma
46
realidade reelaborada sobre a cena criando fantasia e “uma imprescindível
teatralidade”77.
Hoje Strehler faz parte da história no teatro mundial. A criação do Piccolo
Teatro di Milano e a relação que se estabeleceu entre Strehler e Grassi, nos remetem
ao processo de criação do Teatro de Arte de Moscou e à relação entre Stanislávski e
Nemiróvitch-Dântchenko. As semelhanças se dão, fundamentalmente, pelo fato de
que, em ambos os casos, o projeto de renovação da arte teatral visava um teatro que
fosse ao encontro do público. A divisão das funções em relação ao funcionamento
cotidiano do teatro também era semelhante: Grassi, assim como Nemiróvitch-
Dântchenko, conjugava suas atividades artísticas com o trabalho de produção e
administração; enquanto Strehler, assim como Stanislávski, dedicou-se
prioritariamente às atividades artísticas.
Giorgio Strehler fundou a direção teatral num país que estava acostumado
com a tradição do grande ator e, surgiu essencialmente como um dos encenadores
que apresentava outras possibilidades de elaboração do espetáculo além da recitação
do primeiro ator. Tais possibilidades baseavam-se na valorização do conjunto de
elementos que compunham o fazer teatral e que eram explorados por Strehler. Como
já foi dito anteriormente, merece destaque o forte papel que a música e a iluminação
desempenharam em seus espetáculos com o fito de criar tensões e de realçar as
circunstâncias da obra encenada. Outros elementos, como os figurinos, cenários e
adereços eram igualmente importantes, assim como quaisquer outros que se fizessem
necessários para auxiliar na criação e no jogo entre os atores e na construção da
imaginação do espectador. Desta forma, os focos de atenção do espetáculo se
deslocavam e faziam com que um conjunto de fatores trouxesse vida à encenação,
sem destacar apenas um elemento ou ator/atriz.
Não há como enquadrar a imensa variedade da produção de Strehler em
definições estilísticas redutoras que possam nos guiar. Mas deve-se pensar que o
teatro foi, para Strehler, um lugar e um propósito para estimular o debate civil
caracterizado pelo empenho social e cultural. Para ele, o teatro era destinado a
realizar uma importante função na consciência da nação; em resumo, era um lugar,
destinado à criação de ações artísticas capazes de promover um diálogo ideal que
77 BOSISIO, 1998, p.22.
47
envolvesse os atores e o diretor de um lado e o público de outro78. Isto está
diretamente ligado à própria escolha das obras a serem encenadas, já que, por
intermédio delas, Strehler buscou criar espaços para que as discussões geradas
propiciassem identificações com sua época. Nos relatos de Strehler encontraram-se
muitas referências a esse seu modo de pensar que refletia uma devoção engajada em
um fazer artístico que pudesse dialogar com a sociedade de seu tempo.
Dentro desse contexto, abordarei aspectos da trajetória de Strehler em três
de suas principais encenações como um desafio às discussões atualmente relevantes
quanto à direção teatral e à identificação e reapropriação/exploração de elementos da
tradição teatral em processos artísticos e pedagógicos de direção. Ao se recusar a
ficar preso a um único modelo e ao estipular possibilidades de diálogo com
metodologias muito diferenciadas entre si, ele conseguiu estabelecer uma perspectiva
única de atuação do diretor na construção do espetáculo. No entanto, nunca a fixou
como um método. Para afirmar isto, resgato as palavras de Giorgio Strehler em uma
entrevista à Stampalia, quando é questionado se há ou não um método strehleriano.
Em resposta, é assim que ele descreve como inicia seu processo de construção de
um espetáculo:
[...] Neste ponto iniciamos os ensaios. Os primeiríssimos, aqueles de mesa. O que conto aos atores? Aquilo que sei. Quando o texto foi escrito, como foi escrito, os enigmas que ele apresenta, o que entendi um pouco, coisas que não entendi, porque não tem como se saber de tudo, as coisas que devemos descobrir juntos. Em seguida, lendo, falando, ensaiando, com a voz viva e a presença das diversas pessoas que te dizem coisas inteligentes e coisas estúpidas (e inclusive isso ajuda), pouco a pouco se começa a criar, em torno daquele primeiro núcleo de ideias, outro material de compreensão do texto; e quando estamos prontos colocamos esse núcleo criativo no palco e começamos a movê-lo. Talvez aconteça o melhor, talvez aconteça o pior, talvez não aconteça absolutamente nada. Geralmente outras coisas acontecem. Se – e este é um segundo ponto do que denominam como meu método – eu tiver colocado os atores em fase criativa. O ponto fundamental, é que sempre coloco os meus atores em fase de criatividade e de não-passividade, de não-comodidade do ofício. Coloco-os sempre defronte ao vácuo. Quando alguém faz alguma coisa, sempre questiono “e se não fosse assim, como o faria?” ou “fez muito bem aquela entrada, mas podemos pensar que pode ser feita de maneira completamente diferente? Experimente outra vez”. E o ator experimenta, talvez não muito bem, mas depois, ao final, pode descobrir que talvez [...] Neste trabalho coletivo e criativo, ao início, quando se deixa livre e se estimula a fantasia das pessoas, surgem
78 BOSISIO, 1998, p.24.
48
frequentemente coisas muito interessantes (e muito contrastantes também). Às vezes os atores estão desleixados, não têm vontade, é cansativo, e saem depois de cinco ou seis horas de ensaio decididos a desistir: porque eu não coloco em movimento somente os pés e as réplicas, mas os estimulo a criar, a se colocarem em discussão: coisas que perturbam. Alguns nunca alcançam isto, este jogo, mas aqueles que permanecem criam forças inacreditáveis79.
Esse modo de abordar o processo de encenação determina os espetáculos
que analisarei nos próximos capítulos, ressalvando seus contextos e particularidades.
Strehler foi um encenador de obras dramáticas, e seu estímulo criador
constava em descobrir as potencialidades de um texto dramático, não o negar, mas
reinventá-lo por meio do conhecimento da obra, do jogo com os atores e com o diretor.
Talvez estivesse aí o maior desafio: desvendar seu modo criativo particular de lidar
com a arte, pois muitos de seus contemporâneos acabaram por negar o texto teatral
como uma forma de revolucionar o teatro. A transformação teatral proposta por
Strehler não nega o texto, mas extrai dele todas as possibilidades criativas e busca
nele estímulos a serem despertados em todos os envolvidos no processo de criação.
Em diversos momentos de sua trajetória Strehler abordou, de um modo
específico, alguns elementos dos procedimentos utilizados por ele em seus processos
de criação. Tais aspectos particularizados serão conhecidos no decorrer da análise
das encenações aqui apresentadas. Neste sentido, optou-se por considerar obras que
dialogassem com uma das principais inquietações de Strehler: a condição do homem
79 [...] a questo punto siamo arrivati alle prove. Le primissime, quelle a tavolino. Cosa racconto agli attori? Quello
che so. Quando è stato scritto il testo, come è stato scritto, che enigmi ci sono dentro, cosa ho capito un po’, cosa
non capisco per niente perché più di così non posso, cosa dovremo scoprire insieme. Dopodiché, leggendo,
parlando, provando, con la voce e la viva presenza delle diverse persone, con l’intelligente che ti dice la cosa
intelligente e lo stupido che dice quella stupida (che serve anch’essa), a poco a poco si viene a creare, attorno a
quel primo nucleo di idee, altro materiale di comprensione del testo; e quando siamo pronti, questo nucleo cresciuto
lo mettiamo sul palcoscenico e cominciamo a muoverlo. Può darsi che si verifichi in meglio, può darsi che si
verifichi in peggio, può darsi che non succeda assolutamente niente; in genere succede che altre cose avvengono.
Se – e questo è un secondo punto del mio chiamiamolo metodo – ho messo gli attori in fase creativa. Il punto
fondamentale è che io metto sempre miei attori in una fase di creatività e di non- passività, di non-comodità del
mestiere. Li metto sempre di fronte al vuoto. Quando uno fa una cosa dico “e se non fosse così come la faresti?”
o “hai fatto molto bene quell’entrata; ma non pensi che si potrebbe fare in maniera completamente diversa? Prova
un secondo.” E lui prova, magari male, ma poi alla fine può scoprire che forse…In questo lavoro collettivo e
creativo, all’inizio, quando viene lasciata libera e stimolata la fantasia di persone che non siano proprio negate,
vengono spesso fuori cose molto interessanti( e molto contrastanti anche).Qualche volta gli attori sono dei
tardigradi, non hanno voglia, è faticoso, ed escono dopo cinque-sei ore di prove che non ce la fanno più: perché io
non metto in moto solo i piedi e le battute ma li stimolo a creare, a mettere in discussione: cose che turbano. Alcuni
non riescono mai, a questo gioco; ma quelli che ci stanno, creano delle forze incredibili. (tradução nossa)
STREHLER in STAMPALIA, Giancarlo. Strehler dirige: le fasi di un allestimento e l’impulso musicale nel
teatro. Venezia: Marsilio Editori,1997, p.31-32.
49
em sociedade. Não é à toa que dentre os autores frequentemente revisitados por ele
estão: Carlo Goldoni, William Shakespeare e Anton Tchékhov.
50
CAPÍTULO II
ARLEQUIM SERVIDOR DE DOIS PATRÕES: O RESGATE DA COMMEDIA
DELL’ARTE E O TRABALHO COM A MÁSCARA
“[...] ao final de uma sanguinolenta guerra que havia deixado seu inevitável débito de desconforto e de desespero para tantos, o reencontro de alguns valores eternos da poesia e ao mesmo tempo de uma mensagem de confiança para os homens, por meio da liberação do riso mais aberto, do jogo mais puro... Era o teatro que, com seus atores, retornava (ou tentava retornar) às fontes primitivas de um acontecimento cênico esquecido, ao longo da história, e indicava um caminho de simplicidade, de amor e de solidariedade aos públicos contemporâneos. Era o teatro que redescobria (se assim se pode dizer) uma sua época gloriosa: a Commedia dell’Arte, não mais como um fenômeno intelectual, mas como um exercício de vida presente, operante. Justamente neste sentido de vitalidade, não literária, mas real, neste desejo de reconstruir idealmente, primeiro entre nós comediantes, um mundo mais solidário – o mundo de uma ‘companhia’ dell’arte – e depois ao ‘inventar’ um jogo de arte todas as noites junto ao público, em um acordo feliz e abandonado, o nosso trabalho adquiriu então, e mantém hoje – apesar das mudanças das contingências – um valor moral e estético do qual não temos como não nos orgulhar”80.
(Giorgio Strehler)
80 alla fine di una sanguinosa guerra che aveva ceduto il suo inevitabile debito di sconforto e di disperazioni per
tanti, il ritrovamento di alcuni eterni valori di poesia e al tempo stesso di un messagio di fiducia per gli uomini,
attraverso la liberazione del riso più aperto, del gioco più puro… Era il teatro che, con i suoi attori, ritornava (o
tentava di ritornare) alle fonti primitive di un avvenimento scenico dimenticato, attraverso le vicende della storia,
e indicava un cammino di semplicità, di amore e di solidarietà ai pubblici contemporanei. Era il teatro che
riscopriva (si così si può dire) una sua epoca gloriosa: la Commedia dell’Arte, non più come un fatto intellettuale,
ma come un esercizio di vita presente, operante. Proprio in questo senso di vitalità, non letteraria ma reale, in
questo voler ricostruire idealmente, prima tra di noi commedianti, un mondo più solidale – il mondo di una
‘compagnia’ dell’arte – e poi nell’“inventare” un gioco d’arte ogni sera assieme al pubblico, in un accordo felice
e abbandonato, il nostro lavoro acquistò allora, e mantiene oggi – pur in mutate contingenze – un suo valore morale
ed estetico di cui non possiamo che essere orgogliosi” (tradução nossa). STREHLER, Giorgio In SESSO, Fausto
(org). Commedia dell’arte Voci, Volti, Voli. Bergamo: Moretti &Vitali Editori, 2015, p.9.
51
A obra Arlequim Servidor de Dois Patrões, de Carlo Goldoni81, foi encenada
dez vezes por Giorgio Strehler e hoje em dia faz parte do repertório do Piccolo Teatro.
Cada vez que é montada traz com ela uma nova encenação, um novo tratamento,
uma atualização nos temas a serem abordados de acordo com o contexto da época
em que for apresentada. O elenco de cada encenação foi sendo modificado através
dos tempos, mas o Arlequim teve até agora somente três interpretações. A primeira
foi a do ator Marcello Moretti82 que, vítima de uma morte inesperada, deixou o
espetáculo em 1961. A segunda foi a do ator Ferruccio Soleri83 que ainda permanece
no papel de Arlequim84 e, eventualmente, é substituído por Enrico Bonavera85.
De acordo com os relatos do próprio Strehler, Carlo Goldoni foi o
dramaturgo que mais se aproximou de sua visão da natureza humana, pois havia
muita semelhança entre as raízes culturais de Goldoni e as suas. Era uma espécie de
espelhamento. Strehler se projetava na natureza goldoniana, já que ambos, além de
terem vindo da região do Vêneto, eram intelectuais e reformadores do teatro,
comprometidos com as principais questões da época em que viveram.
Strehler encenou oito comédias86 de Goldoni. São elas: Arlecchino
servitore di due padroni, Le baruffe chiozzotte, Il campiello, La trilogia della
villeggiatura, La vedova scaltra, Gli innamorati, La putta onorata e L' amante militare.
81 Carlo Goldoni (1707-1793): Autor e dramaturgo italiano, nascido em Veneza, região de Vêneto, na Itália.
Considerado um dos principais autores de comédia e um dos autores italianos mais conhecidos fora da Itália. Suas
comédias abordam temas contemporâneos com personagens realistas. 82Marcello Moretti (1910-1961): Formou-se na Accademia Nazionale d'Arte Drammatica em Roma e ficou
conhecido mundialmente por sua interpretação de Arlequim na encenação de “Arlequim servidor de dois patrões”,
com a direção de Giorgio Strehler 83 Ferruccio Soleri (1929): Diplomou-se na Accademia dell’Arte Drammatica de Roma. Depois de algumas
experiencias em diversas companhias teatrais, em 1959 ingressa e faz parte do Piccolo Teatro. Nas temporadas de
1958/59 e 1959/60 de Arlequim Servidor de dois patrões faz o 2º garçom. Foi designado como substituto de Moretti
e a partir de 1963 começa a interpretar Arlequim, o que lhe deu reconhecimento mundial. Conhecido como o ator
vivo que mais interpretou o mesmo personagem. Dedicou-se também a direção teatral e aos ensinamentos da
commedia dell’arte 84 Nina Vinchi, em entrevista a Agnese Colle, menciona que na turnê do espetáculo Arlequim Servidor de dois
patrões de 1967 pela Europa e Itália, Arlequim foi feito pelo ator Angelo Corti em substituição a Ferrucci Soleri
que havia sofrido um acidente e estava doente, mas ela mesma afirma que essa informação não consta em nenhum
material produzido pelo Piccolo Teatro. Cf. COLLE. Agnese. Arlecchino in Viaggio – com quelli
dell’Arlecchino. Trieste, 1997). 85 Enrico Bonavera (1955): É ator, pesquisador e professor. Reveza entre as personagens Briguela e Arlequim na
encenação de Arlequim Servidor de Dois Patrões. Foi aluno de Ferruccio Soleri. Desde 2004 é docente da DAMS
(Disciplina de Arte, música e espetáculo), onde ministra o curso Dramaturgia do ator. Professor da Escola de
Ricitazione del Teatro di Genova. Foi colaborador do Odin Teatret. 86 Optou-se por manter os títulos das obras originais, pois nem todas foram publicadas em tradução brasileira.
52
As encenações dessas obras foram responsáveis pela projeção mundial que Strehler
obteve em suas turnês artísticas com o Piccolo Teatro di Milano fazendo com que se
tornasse um dos principais diretores da segunda metade do século XX, o que acabou
por instigar a redescoberta da commedia dell’arte.
A escolha da obra Arlequim Servidor de Dois Patrões para fazer parte do
repertório da primeira temporada oficial do Piccolo Teatro se deu por muitos fatores,
dentre eles, a necessidade de valorizar autores italianos; a identificação de Strehler
com Goldoni e, segundo suas próprias palavras, o fato da obra de Goldoni apresentar
claras preocupações em relação à busca de uma sociedade esclarecida e mais
humana. Ainda segundo Strehler, outro motivo para sua escolha foi a encenação
desta obra realizada por Max Reinhardt87, a qual havia assistido na juventude.
O processo de resgate da commedia dell’arte já havia sido objeto de
pesquisa de encenadores que fundaram a cena moderna, como K. Stanislávski,
Gordon Craig, Meyerhold, Jacques Copeau, Evguiêni Vakhtângov, Louis Jouvet e
outros88 que, no início do século XX, propiciaram um novo modo de compreender e
praticar a arte teatral por meio da revalorização de uma simplicidade convencional da
tradição e da improvisação dos atores. Em suas experimentações cada um usou seu
modo particular de resgatar elementos da arte italiana, principalmente através da
improvisação entre os atores e da estilização da ação com o uso das máscaras. O
objetivo não era recriar a realidade dos cômicos dell’arte, mas explorá-la e recriá-la
dentro das especificidades do contexto de criação de cada encenador.
Os interesses e as pesquisas teatrais de Strehler se aproximam dos
métodos de estudo e de resgate da tradição cultural do teatro popular italiano dos
quais participaram os encenadores do início do século XX. Na mesma direção se
destacam as experimentações de Copeau com a commedia dell’arte. Assim como
Copeau, Strehler não pretendia reconstruir ou ressuscitar a velha commedia dell’arte,
87
O servidor de dois patrões, de 1924, feito por Max Reinhardt para o Theater in der Josefstad, de Viena,
posteriormente reelaborada para a turnê na Itália (apresentado em Milão em 1932). Arlequim era feito sem
máscara. 88 A exemplo destaco o espetáculo A princesa Turandot encenado por Vakhtângov no Terceiro Estúdio do TAM,
em 1922, que conjugou o resgate da commedia dell’arte e o sistema de Stanislávski em seu processo de criação.
Também é possível apontar relações com a Commedia na montagem de As Bodas de Fígaro, realizada por
Stanislávski em 1927 (principalmente nos momentos da representação nos quais os atores estabeleciam
comunicação direta com os espectadores).
53
mas dar vida a uma commedia improvisada com os tipos e os principais argumentos
ligados à época em que vivia.
O resgate feito por esses encenadores fez da commedia dell’arte uma
tradição vivente capaz de contagiar todo o movimento teatral do início do século XX,
na Europa. Naquele momento, os italianos não compreendiam o porquê de tanto
interesse por algo que para eles estava “morto e enterrado” 89.
A commedia dell’arte só foi resgatada na Itália depois da Segunda Guerra
Mundial, a partir da repercussão da peça Arlequim Servidor de Dois de Patrões,
encenada por Strehler. O título original da obra de Goldoni é Servidor de Dois
Patrões90, mas desde a primeira encenação, Strehler inicia o título com a palavra
Arlequim91, como referência para informar ao público de que se tratava de uma
encenação baseada na commedia dell’arte e foi assim, então, que tornou-se
mundialmente conhecida como Arlequim Servidor de Dois Patrões.
A decisão tomada por Strehler de encenar Servidor de Dois Patrões na
inauguração do Piccolo Teatro tinha como propósito devolver ao povo italiano a
alegria, um estado de espírito quase impossível num período pós-guerra repleto de
ruinas e de destruição. Ele precisava valorizar o que a Itália tinha de melhor: sua
cultura, seus autores e sua tradição popular teatral representada pela commedia
dell’arte que haviam sido abandonados e esquecidos. A iniciativa da construção de
um teatro estável com um repertório popular, e uma plateia lotada todas as noites foi,
sem dúvida, uma espécie de ato político teatral.
Como já foi citado, o processo desenvolvido pelos encenadores da
segunda metade do século XX é muito semelhante às descobertas feitas por alguns
dos encenadores da primeira metade do mesmo século, sobretudo quanto a fusão de
tradição e de inovação em suas práticas artísticas e pedagógicas. De certa forma tal
processo foi um prenúncio dos procedimentos que caracterizariam grande parte do
teatro das décadas seguintes e da composição de algumas bases do fazer teatral da
89 DE MARINIS, Marco. Il teatro dopo l’età d’oro: Novecento e oltre. Roma: Bulzoni, 2013, p.136. 90 Este texto foi escrito por Goldoni, em 1745, a pedido do ator Antonio Sacchi. As traduções brasileiras desta obra
já sofrem a interferência no título, já que conhecemos a obra de Goldoni por Arlequim Servidor de Dois Patrões,
conforme Giorgio Strehler propôs em seus espetáculos. 91 Na obra original de Carlo Goldoni o nome de Arlequim é Trufaldino.
54
atualidade. No que se refere ao surgimento da encenação no teatro moderno,
Bornheim afirma:
[...] o diretor assume um papel extremamente importante: ele se empenha em expressar uma problemática moderna a partir de um texto antigo.
Poderíamos dizer que o espetáculo, através do diretor, pensa e assume uma posição em relação ao texto. É verdade que toda direção sempre e necessariamente, interpreta o texto, mas no presente caso trata-se de fazer derivar do diretor, e não do autor, a intenção geral do espetáculo92.
Esta relação do diretor com o texto é herança do movimento de vanguarda
que ocorreu no início do século XX, “o fundamental do teatro de vanguarda não
consiste tão só em recusar por estas ou aquelas razões, preceitos tradicionais”93, mas
em adequá-los à necessidade do momento, conferindo ao ”teatro uma função viva,
atual” e o aproximando cada vez mais das inquietações do espectador.
Este aspecto que nasce entre às inovações resgatadas da tradição teatral
popular aproxima-se de diversas poéticas cênicas contemporâneas ao propor que
todos os envolvidos participem ativamente da criação da encenação e ao ressaltar
que todos os elementos que compõem o espetáculo têm igual importância durante o
processo. Esta atualização contínua também se dá durante as apresentações através
do jogo dos atores que precisa ser renovado continuamente para manter o frescor e
a vivacidade.
Na busca pela recuperação da dimensão espetacular da commedia
dell’arte da obra de Goldoni, Strehler conduziu os atores e atrizes a uma grande
liberdade de improvisação, à criação de lazzi94 e de inserções textuais que, uma vez
aprovadas, poderiam ser fixadas e inseridas no texto-espetáculo. Strehler ia definindo
o espetáculo a partir dos mínimos detalhes, sempre igual e diferente a cada
apresentação; a gênese de seu espetáculo resulta numa sinergia criativa em que a
92BORNHEIM, Gerd A. O sentido e a máscara. São Paulo: Perspectiva, 1975, p.22. 93 Ibidem, p.23. 94 Lazzi: “Efeitos especiais”, espécie de cenas mais ou menos breve, os segredos próprios de cada ator. Os lazzi
preenchiam com efeitos cômicos os vazios da ação. Nada mais é que uma pequena peripécia alegre, engraçada,
destinada a dar comicidade à ação sem arrastar o ritmo ou modificar- lhe o rumo. Surge, quase sempre, pelo
inesperado surpreendente, tornando-se, por isso, mais engraçado ainda. Se não for levada a efeito, não prejudica o
enredo, se for oferece um breve instante de reforço ao bom humor geral.
55
palavra do autor não é mais forte do que a do diretor e dos atores95 mantendo assim
o frescor da criação.
Na primeira edição do espetáculo Arlequim servidor de dois patrões, em 24
de julho de 1947, no Piccolo Teatro di Milano, a encenação foi montada quase que de
modo intuitivo em um período curto de tempo. Durante a elaboração desse
espetáculo, houve questionamentos em relação à apropriação de elementos da
commedia dell’arte, principalmente em relação ao porte da máscara. Acompanhando-
se a pesquisa de materiais sobre o assunto, é possível perceber que tais
questionamentos, aos poucos foram sendo resolvidos, principalmente pelo trabalho
coletivo que era um compromisso que estava se desenvolvendo naquele processo de
redescoberta.
Nessa primeira edição (1947), de Arlequim servidor de Dois Patrões, o ator
Moretti compôs o seu Arlequim com o rosto pintado, sem o uso da máscara, o que
justificou como sendo mais cômodo para ele, já que estava sempre em movimento.
No entanto, como percebeu Strehler:
... também era um sintoma de resistência do ator ao uso da máscara. A máscara é um instrumento misterioso, terrível. Para mim ela sempre me deu, e continua a dar, uma sensação de desânimo. Com a máscara estamos no limiar de um mistério teatral. Ressurgem os demônios, os rostos imutáveis, estáticos, o êxtase, que estão nas raízes do teatro. [...] a máscara não suporta a concretude do gesto real. A máscara é ritual96
95 BOSISIO, Paolo. Il teatro di Goldoni sulle scene italiane del Novecento. Milano: Elemond Editori, 1993,
p.71. 96 “… era anche il sintomo più segreto della resistenza dell’attore alla maschera. La maschera è uno strumento
misterioso, terribile. A me ha sempre dato e continua a dare un senso di sgomento. Con la maschera, siamo alle
soglie di un mistero teatrale, riaffiorano i demoni, i visi immutabili, immobili, estatici, che stanno alle radici del
teatro. […] La maschera insomma non sopporta la concretezza del gesto reale. La maschera è rituale” (tradução
nossa). STREHLER, Giorgio. Shakespeare, Goldoni, Brecht. Milano: Edizioni Piccolo Teatro di Milano, 1988,
p.82.
56
Figura 4 – Marcello Moretti (Foto: Arquivo do Piccolo Teatro di Milano-Teatro d’Europa)
Em relação à alusão feita à máscara como ritual, ele se recorda de ter
solicitado aos atores que a retirassem ao final do espetáculo para agradecer ao
público. Nas primeiras vezes, as máscaras eram jogadas nas coxias do teatro mas,
pouco a pouco, os atores começaram a mantê-las em suas mãos ou no alto da
cabeça97. A compreensão de sua importância no trabalho foi sendo assimilada
vagarosamente pelos atores como se, até aquele momento, elas fizessem parte de
algum mistério inexplicável. Mas acabaram por se render aos seus ritos. O único que,
por um longo período, continuou resistente foi Moretti. Ele afirmava que com a
máscara se perdia o jogo da expressão e, assim sempre buscava uma justificativa
para resistência do seu uso.
97 STREHLER, 1988, p.82.
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De acordo com o Strehler, as inquietações deste momento giravam em
torno das “relações do corpo no espaço, o sentido do movimento expressivo, do gesto,
do ‘silêncio’ animado que estava diante de nós, cheio de interrogações e de
mistérios”98.
Para contribuir com a possibilidade da abordagem das questões com as
máscaras e para a experimentação no trabalho com os atores foi importante o contato
direto com as propostas de Étienne Decroux e com as provocações criativas que
surgiam a partir de seu uso. O trabalho com Decroux foi fundamental principalmente
no que concerne à exploração das possibilidades da máscara neutra.
Sobre esse período Strehler afirmava:
Era a época das lições de Etienne Decroux, que fomos os primeiros a convidar ao Piccolo Teatro, e que de imediato, nos pareceram desconcertantes. Ainda hoje penso naqueles anos com Decroux, na escola do Piccolo, e depois com Marise Flach, sua aluna direta, e com Jacques Lecoq como momentos fundamentais para a minha formação teatral, e não apenas para a minha: para a de meia geração de teatrantes. Todo o teatro posterior foi marcado pela experiência-predicação de Decroux. Para os exercícios “com a máscara” (praticávamos muito intensamente também inúmeros exercícios “sem máscara”, a rosto nu), Sartori preparou uma máscara básica famosa e desconhecida por ignorância pelos demais, mesmo os dedicados ao trabalho, e que na minha opinião é sua obra-prima, a “máscara neutra”, isto é uma máscara “sem expressão”.100
Aos poucos esse trabalho com a máscara neutra foi se aproximando das
experimentações com as que eram usadas pela commedia dell’arte. Entretanto, o
confronto com a comédia improvisada trouxe a Strehler alguns problemas, dentre eles
o trabalho dos atores com a máscara e a adequação de seu uso.
De acordo com Giorgio Strehler:
A conquista da máscara, por todos, e por Marcello [Moretti], foi um caminho progressivo de fatores que colidiu com um número impreciso de fatores: da falta de uma tradição viva, portanto de um hábito mental e físico, à falta de uma técnica, verdadeira e própria, de “instrumentos” adequados. Na primeira edição de Arlequim os atores se apresentaram com máscaras pobres confeccionadas com papelão e gaze, feitas em camadas e construídas, pode-se dizer, com as nossas próprias mãos, dia a dia. Eram máscaras “infernais”, incômodas, dolorosas. As partes em relevo penetravam na carne, a visibilidade era relativa e distorcida... Havia também o drama pessoal dos atores que
98 STREHLER in SARTORI, Amleto; SARTORI, Donato. A arte mágica. São Paulo: É Realizações, 2013, p.115. 100 STREHLER in SARTORI, op.cit., p.115.
58
com as máscaras não se “ouviam”. Por um fenômeno psíquico o ator com o rosto coberto “ouvia” menos a si mesmo e aos seus companheiros. Além disso, também se sentiam “inexpressivos” pois haviam lhes tirado uma arma potente: o jogo facial. O ator devia agora conquistar a mobilidade da máscara. Devia reinventar uma tradição sepulta, que ninguém podia ensinar. Nesta primeira versão do Arlequim, Marcello acabou por representar a sua parte sem máscara. Resolveu o problema brutalmente pintando a máscara preta em seu rosto101.
Strehler aponta em seus escritos a importância que teve o encontro com
Amleto Sartori102 para o processo de redescoberta da máscara e da commedia
dell’arte. Sobre este encontro, ele relata que certo dia, sem saber precisar muito bem
quando, estava conversando com Amleto Sartori em seu ateliê, em Padova, a respeito
do teatro e da máscara no teatro. Tal conversa detonou as buscas e explorações da
confecção da máscara e de seu uso em cena.
Amleto Sartori fez uma exaustiva pesquisa histórica a respeito das
máscaras e dos materiais que poderiam ser utilizados para confeccioná-las. Testou o
couro e, bem devagar, foi encontrando um modo de torná-lo mais leve e resistente, o
que seduziu pouco a pouco os atores e, progressivamente, a “visão da máscara no
espaço” acabou por convencer Moretti”103.
A teoria de Sartori de que o Arlequim poderia ter uma máscara tipo “gato”, tipo “raposa”, tipo “touro” (suas definições disponíveis para diferentes expressões fundamentais da máscara), interessou, infantilmente, Marcello que quis (a sua primeira) de “gato” porque “ele é o mais ágil!”. Como não se enternecer ao recordar desse jogo sobre o curso do grande teatro, sobre o curso da grande vida! Assim,
101“ La conquista della maschera fu, per tutti e per Marcello, un cammino progressivo che si urtò contro un numero
impreciso di fatti: dalla mancanza di una tradizione viva, quindi di una abitudine mentale e fisica, alla mancanza
di tecnica vera e propria, di “strumenti” idonei. Gli attori della prima edizioni dell’Arlecchino recitarono con
povere maschere di cartone e garza, a strati sovrapposti. Le costruimmo si può dire, con le nostre mani, giorno per
giorno. Erano maschere “infernali”, scomode, dolorose. Le parti in rilievo penetravano ben presto nella carne, la
visibilità era relativa e distorta. …[...] Esisteva anche il dramma personale degli attori che con la maschera non si
“sentivano”. Per un fenomeno psichico l’attore con il viso coperto sentiva meno se stesso ed i compagni. Inoltre
gli sembrava di essere “inespressivo”, gli era stata tolta un’arma potente: il gioco facciale. L’attore doveva ancora
conquistare la mobilità della maschera. Doveva reinvetare anche in questo una tradizione sepolta e che nessuno
poteva più insegnarci. Marcello, in questa prima edizione dell’Arlecchino, fini per recitare la sua parte senza
maschera. Aveva brutalmente risolto il problema dipingendosi la mascehra di nero sul viso” (tradução nossa)
STREHLER, 1988, p.81-82. 102 Amleto Sartori (1915-1962): Escultor. Dedicou-se ao estudo morfológico e da anatomia da face humana. Em
1937 fez a primeira máscara em papier-mâchè, pesquisa que com o tempo foi se aprofundando e, no período pós-
guerra, redescobriu e reinventou as máscaras de couro da commedia dell’arte. Em 1948 se tornou professor de
modelagem de máscaras da Escola de Teatro da Universidade de Padova. Neste período uniu seus conhecimentos
às inquietações de Jacques Lecoq e Giafranco De Bosio e, posteriormente, agregou outros artistas teatrais com
interesse no trabalho com as máscaras como Jean Louis Barrault, Giorgio Strehler e Eduardo De Filippo (COLLE,
1997, p.26). 103 STREHLER, 1988, p.82.
59
Marcello se cobre pela primeira vez com a máscara marrom “tipo gato”, para depois passar para o “tipo raposa” e por fim (conquista!) a um tipo fundamentalmente original dos zannis104 primitivos, adoçado naturalmente pela cadência estilística do Servidor de Dois Patrões de Goldoni105.
Nesse período não só Strehler como grande parte dos jovens diretores da
época estavam interessados em desvendar o “teatro gestual”, por isso o resgate da
máscara parecia ser um meio para explorar amplamente as possibilidades de
movimento e ação dos atores fugindo de uma interpretação realista. Foi um momento
de redescoberta das experimentações do corpo por meio da máscara.
Nesse tempo Amleto Sartori, que já havia se proposto a confeccionar
máscaras, trabalhava com Jacques Lecoq na elaboração de uma que não tivesse
expressividade, que possibilitasse ao ator desvendar e explorar as possibilidades do
corpo sem uso da expressão facial. Começaram, então, as experimentações para a
confecção de uma máscara neutra.
Esse foi um processo exaustivo de pesquisas e de muitas descobertas.
Amleto realizou uma detalhada e abrangente pesquisa histórica e, por um longo
tempo, experimentou diferentes possibilidades de confecção da máscara. Os atores
também tiveram que explorar atentamente as possibilidades de seu porte, tanto em
relação aos limites que ela lhes impunha, como no processo de redescoberta e
ampliação das possibilidades corporais que ela lhes proporcionava.
Segundo Strehler, a criação da primeira máscara “neutra”, que deveria
representar a íntima essência humana, custou a Amleto Sartori inúmeras tentativas e
várias experimentações até a criação da versão final. Sartori confessou a ele que
talvez esse tivesse sido o trabalho mais difícil que já havia enfrentado. A Strehler foi
dado o primeiro exemplar e, ainda segundo ele, quando precisava encontrar o silêncio
o colocava em sua mesa, na tentativa de capturá-lo106. Incontáveis vezes, depois de
104 Zanni: deriva de Giovanni (em italiano). Refere-se aos servos (criados) da commedia dell’arte. O mais popular
deles é Arlequim. 105 “La teoria, poi, di Sartori, circa l’Arlecchino che può avere la maschera tipo “gatto”, tipo “volpe”, tipo “ toro”
(sue definizioni di comodo per diverse espressioni fondamentali delle maschere) interessò, infantilmente, Marcello
che la volle (la sua prima) da “ gatto” perché “el xe più agile!”. Come non intenerirsi nel ricordare questo gioco,
sul filo del grande teatro, sul filo della grande vita! Così Marcello si copri per la prima volta con la maschera bruna
“tipo gatto” per poi passare al tipo volpe, e per finire (conquista!) ad un tipo fondamentale originale, di zanni
primitivo, addolcito naturalmente dalla cadenza stilistica del Servitore de Due Patroni di Goldoni” (tradução
nossa). STREHLER, op. cit., p.83 106 STREHLER, 1988, p.88.
60
elaborada a primeira matriz, a máscara neutra foi reproduzida em papel machê para
utilização nas experimentações dos atores durante o processo de expansão e clareza
do movimento.
Trabalharam por anos usando esse primeiro molde de máscara neutra e
Strehler recorda uma passagem de sua utilização:
... justamente com ela (a máscara neutra) certa noite Étienne Decroux mostrou-nos, pela primeira e última vez, a “levitação” de um corpo humano. Realmente, por um instante, Decroux com a máscara neutra de Sartori e também graças a uma perfeita coordenação de cada gânglio nervoso e cada feixe muscular de seu corpo e uma concentração tão absoluta quase de causar medo, ficou diante de nós, espectadores atônitos, “suspenso no espaço”, imóvel. Instante que nos pareceu eterno107.
Recorda ainda que, naquele tempo, ele e outros jovens diretores teatrais
eram quase obcecados pelo teatro gestual, que eles denominavam “teatro mímico”. O
corpo no espaço, o movimento expressivo, o gesto, o silêncio, tudo era cheio de
interrogações e mistérios. Foi nesse período que tiveram exaustivas aulas com
Étienne Decroux e, posteriormente, com sua ex-aluna Marise Flach. Flach fora aluna
da Escola de Arte Dramática – educação para a recitação dramática – em Paris. Em
1948, foi chamada por Etienne Decroux para ser sua aluna e atuar em seus
espetáculos. Em 1952, participou em Milão, como assistente de Decroux, da criação
da Escola de Mimo no Piccolo Teatro e de muitos espetáculos de Strehler108. Flach
colaborou com as aulas da Escola do Piccolo e com alguns dos processos de Arlequim
Servidor de Dois Patrões, principalmente da edição feita no Teatro Odeon em Paris
(1977).
A colaboração de Jacques Lecoq foi fundamental não só para Strehler, mas
para uma geração de atores e diretores teatrais, pois foi o encontro entre ele e Amleto
Sartori que deflagrou o retorno do interesse pelo trabalho com a máscara como um
meio de compreensão do teatro gestual e de descobrimento das possibilidades de
trabalho, tanto com a neutra como as expressivas. Cabe lembrar que o resgate do
trabalho com as máscaras teve um caráter extremamente experimental e que, ao
107 STREHLER in SARTORI, 2013, p.116. 108 COLLE, 1997, p.223.
61
passar por tantas experiências de confecção, permitiu que se chegasse ao modelo
que é conhecido nos dias de hoje109.
O trabalho realizado pelos atores de Strehler com o porte de máscara se
deu na segunda edição de Arlequim servidor de dois patrões em 1951-52. Essa
experiência foi essencial para a integração dos atores com o corpo no espaço, com o
movimento e, consequentemente, com o processo de experimentação das máscaras
da commedia dell’arte. O trabalho com a máscara neutra ofereceu aos atores a
descoberta não só de novas possibilidades do uso corporal como, por exemplo, o
desenho que o corpo poderia traçar através do espaço e também a criação de ações
que não fossem ilustradas por emoções.
O resgate e atualização da commedia dell’arte que esteve presente desde
o início do trabalho de Strehler, estava agora sendo realizado no processo de
encenação e investigação da obra de Goldoni. Na primeira edição do Arlequim
Servidor de Dois Patrões os atores não se adaptaram ao porte das máscaras.
Somente depois, no decorrer da elaboração da segunda edição, e de um exaustivo
trabalho prático proposto por Strehler, os atores, e em especial Marcello Moretti,
reconheceram as potencialidades expressivas que eram acrescentadas por seu porte
e, então, conseguiram explorar as expressividades do corpo todo sem a habitual
convergência para as expressões do rosto.
109 Para mais informações em relação às descobertas, transformações e imagens das máscaras ver SARTORI,
Amleto e Donato. A Arte Mágica. São Paulo: É Realizações, 2013.
62
Figura 5 – Giorgio Strehler com atores e atrizes do Piccolo Teatro di Milano (Foto: Arquivo do
Piccolo Teatro di Milano-Teatro d’Europa)
Marise Flach ressalta a abertura e a receptividade às modificações e aos
desvios surgidos durante os processos como uma das peculiaridades criativas de
Strehler:
Apesar de tudo, Strehler tem uma perspectiva desde o início, mesmo que não seja sobre todos os pontos, mas não tem nada escrito. No começo ele tem imagens bastante precisas de certas coisas; e depois me soou consistente que certas outras coisas que, com frequência pareciam ter sido inventadas na hora, ele as tivesse em mente desde o princípio110.
Outro fator importante no processo de resgate do “segredo” da commedia
dell’arte, de acordo com Bosisio, era encontrar uma solução para o problema da
redução da visibilidade imposta pela máscara. Era necessário “tomar posse com o
olhar” e, de certo modo, racionalizar previamente sobre o movimento a ser realizado.
Era preciso, por exemplo, observar os próprios pés e investigar o espaço em torno de
si para poder, finalmente, executar o movimento de modo ágil e preciso (rápido). Outra
ação estudada era: desenvolver uma marcha muito particular, que lentamente
110 “Malgrado tutto Strehler ha una visione fin dall’inizio, anche se non di tutti i punti; ma non ha niente di scritto.
Al l’inizio ha delle immagini abbastanza precise di certe cose; e poi mi sono spesso chiesta se certe altre cose, che
lui sembra inventare lì per lì, non le avesse invece già in mente prima” (tradução nossa). FLACH apud
STAMPALIA, 1997, p.53)
63
avançasse, complementada por uma maneira, a princípio mecânica, de mover a
cabeça e os braços. Nascia assim uma forma marionetizada de movimentação de
Arlequim e Briguela, com um deslocamento continuado composto de flicks111. Estes
elementos de movimentação foram recuperados tendo como base uma longa
investigação crítica da tradição da commedia dell’arte e atualizados durante o
processo de improvisação dos atores para o espetáculo.
Assim, o porte da máscara modificou todo o sentido de gestualidade,
ampliou os movimentos e deu aos atores, ao espetáculo e ao público uma nova noção
de teatralidade (ainda que tomada de resgate da tradição). As máscaras elaboradas
por Amleto Sartori para as experimentações de Arlequim servidor de Dois Patrões
foram incorporadas ao espetáculo, portanto, a partir dos anos 50.
O processo acima relatado (de estudo da máscara como mecanismo de
preparação dos atores) nos parece evidente e até mesmo gera em nós uma sensação
de proximidade temporal com tais procedimentos, mas é bom lembrar que a primeira
edição do espetáculo se deu em 1947 em um país que tentava se reconstruir após
uma guerra; e que, para a prática teatral de então, a commedia dell’arte era apenas
uma tradição esquecida.
2.1. As encenações de Arlequim Servidor de Dois Patrões, de Strehler
Arlequim Servidor de Dois Patrões foi a obra mais encenada por Strehler
no decorrer de seu percurso artístico112 e, por isso, tornou-se um referencial de sua
poética cênica principalmente no que se refere ao jogo improvisacional proposto pela
commedia dell’arte.
O texto de Goldoni apresenta-nos um criado, Arlequim, que decide servir a
dois patrões sem que um saiba da existência do outro. A partir daí começam todos os
quiproquós que compõem o enredo da história. A obra utiliza tipos sociais estilizados
e de fácil identificação do público. A fome, de comida e de dinheiro, (metáforas da
111 Pequenos saltos para frente, com batidas com a ponta de um pé, tendo o tornozelo como base. 112 Como já citado, Strehler realizou dez edições diferentes desse espetáculo.
64
“fome de vida”) de Arlequim o faz realizar as mais absurdas e ingênuas trapaças. Nas
situações que vivencia na trama da obra, ele retrata todas as nuances carnais do ser
humano. Paralelamente às peripécias de Arlequim, há o desdobramento das
tentativas de concretização do amor entre Clarice e Silvio, Beatrice e Florindo e
Arlequim e Esmeraldina. Os emaranhados (temáticos e estruturais do texto) vão se
desenvolvendo de modo a esclarecer, aos poucos, as trapaças de Arlequim; os
enamorados concretizam seus amores e, ao final, tudo se resolve com alegria e
diversão.
A abordagem strehleriana dessa obra sempre foi rica em seu caráter festivo
que ia além das fronteiras do palco e contaminava as dinâmicas de trabalho e a própria
convivência dentro do grupo. O caráter improvisacional, o jogo e o prazer das
descobertas do fazer teatral, presentes em todos os processos de elaboração deste
espetáculo, nunca foram impositivos, mas funcionaram sempre como uma
oportunidade de descoberta para todos os envolvidos.
Em relação à alegria e ao prazer de participar desse espetáculo, o ator
Antonio Pierfederici recorda:
... o espetáculo tinha um ritmo velocíssimo, e talvez por correr excessivamente tivesse necessidade de novas apresentações para encontrar o tempo certo. Quanto me diverti! Só guardo recordações de um divertimento desvairado: o prazer de estar em cena, o prazer de atuar com ótimos atores, o prazer de estar nas coxias escutando os outros113.
A mesma valorização do caráter festivo do acontecimento cênico,
fundamentada na ênfase que se dá ao prazer do jogo da atuação também é
encontrada nas tradições teatrais populares (no nosso caso específico, na commedia
dell’arte).
Como o Arlequim servidor de dois patrões foi encenado durante toda a
trajetória artística de Giorgio Strehler, cada nova encenação mantinha, ou
reformulava, algumas características da primeira encenação quando novos trechos
da obra eram acrescentados ou excluídos. Cito aqui os períodos nos quais a
113 “[...] lo spettacolo aveva ritmo velocissimo, forse correva fin tropo, aveva bisogno delle repliche per trovare il
tempo giusto. Quanto mi sono divertito! Non ho che ricordi di un divertimento pazzesco: il piacere di stare in
scena, il piacere di recitare con attori tutti bravi, il piacere di stare tra le quinte a sentire gli altri […] diventava una
cosa incredibili di divertimento” (tradução nossa). PIERFEDERICI apud COLLE, 1997, p.37. Antonio
Pierfederice interpretou Florindo nas temporadas de 1949/1950 e 1952 1953.
65
encenação, sob a direção de Giorgio Strehler, foi revisitada. Cabe ressaltar que
passaram pelo elenco desses espetáculos centenas de artistas. Alguns
permaneceram e, no decorrer do tempo em que a encenação foi remontada por
Strehler, foram trocando de papéis114.
Strehler costumava afirmar que a lembrança que permaneceu de Moretti
estava relacionada ao processo de transmissão durante a preparação para a turnê
nos Estados Unidos, quando ele deveria ter um substituto115 e, para tal função,
convidaram o ator Ferruccio Soleri. O jovem e o velho Arlequim revezavam a mesma
encenação nos processos de ensaios, longos, silenciosos e atentos, mas a energia
desses momentos era repleta de alegria e paixão pela arte.
Moretti era um mestre vigilante e generoso, que mesmo sem método fazia
e via surgir um novo Arlequim. Era o ator veterano (Marcello Moretti) que ao orientar
o novato (Ferruccio Soleri) permitia que ele se apropriasse do personagem
gradualmente e lhe desse os sotaques e o novo tratamento e compusesse seu
Arlequim116. Esse meio de transmissão tornou-se uma prática entre os atores e atrizes
que vivenciaram as várias encenações desse trabalho e foi assim que nasceram
inúmeras Clarices, criados e tantos outros personagens que compõem a obra.
A maioria dos artistas que fizeram parte dessas encenações se referem a
elas como uma grande e inesquecível escola de formação, uma vez que os que
tiveram a oportunidade de participar desses espetáculos no decorrer de suas carreiras
se revezaram entre diferentes personagens (muitos deles iniciaram fazendo o criado
e, posteriormente, passaram a fazer uma das máscaras ou o papel dos enamorados).
Fazia parte dessa vivência teatral a intenção de que os atores aprendessem todos os
papéis, o que só foi possível porque todos os envolvidos no processo estavam sempre
presentes aos ensaios acompanhando os estágios da criação e colaborando com a
encenação.
114 No Anexo A desta pesquisa se encontram as fichas técnicas das diferentes encenações desta obra realizadas por
Strehler. 115 De acordo com Ferruccio Soleri, nos Estados Unidos, naquela época, as leis que respaldavam os artistas da
cena proibiam que um ator protagonista de espetáculo fizesse mais de uma apresentação no mesmo dia. Por isso a
necessidade de Marcello Moretti ter um substituto. SOLERI, Ferruccio. Entrevista concedida a autora desta
pesquisa, Milão: janeiro 2016. 116 STREHLER. 1988, p.85-86.
66
A primeira edição, como já citamos, foi a de 1947 e depois dela se deu
início a um resgate sistemático da commedia dell’arte.
A segunda edição do espetáculo foi realizada na temporada de 1951/1952.
Como observou o professor Marco De Marinis “essa edição foi um grande
acontecimento teatral. Uma obra-prima de valor excepcional e de altíssima qualidade
artística que consolidou o interesse pela commedia dell’arte, até então vista pelos
italianos como uma tradição morta117”. Nesta versão Arlequim veste a famosa
máscara Arlequim-Gato criada e confeccionada por Amleto Sartori.
Figura 6 – Segunda Edição (Foto: Arquivo do Piccolo Teatro di Milano-Teatro d’Europa)
Esta edição do espetáculo118 fez uma turnê pela América Latina em 1954.
Naquela ocasião, Strehler fez uma análise sobre o desafio e a aventura a que havia
se proposto ao colocar uma investigação do passado para dialogar com a atualidade
e com a obra de Goldoni. Ele escreveu:
Difícil para nós cômicos contemporâneos este trabalho de se lançar contra a correnteza do tempo no mundo fabuloso de uma aventura teatral ligada a tramas sutis, a histórias complicadas entregues
117 Marco de Marinis, 2013, p.136. 118 Trecho do espetáculo, com Marcello Moretti como Arlequim, disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=C1ltGSs6OGU
67
totalmente ao gesto e à palavra do intérprete e, depois, queimadas desde tempos imemoráveis, pó nos palcos dos séculos. É um exercício perigoso empenhar-se em uma técnica teatral riquíssima em meios expressivos, em ecletismos, em maestrias físicas e vocais119.
Tal citação confirma nossas considerações acerca da intenção de resgate
da tradição e do enfrentamento de desafios técnicos, tanto para os atores quanto para
a encenação, nas aventuras vivenciadas nas remontagens de Arlequim, servidor de
dois patrões. Percebe-se que este trabalho foi um empreendimento, uma pesquisa
dedicada e profunda.
Figura 7 – Arlequim e Beatrice travestida de homem – Edição de Edimburgo(Foto: Arquivo
do Piccolo Teatro di Milano-Teatro d’Europa)
Após a turnê surge uma nova edição realizada para o Festival de
Edimburgo120. Por esse motivo, foi denominada Edição de Edimburgo-1956/1957.
119 “Difficile opera questa di gettarsi all’indietro nel tempo, per noi comici contemporanei, nel favoloso mondo di
un’avventura teatrale, legata ad esili trame, a complicate storie giocate tutte sul gesto e sulla parola dell’interprete
e quindi bruciate da tempi immemorabili, polvere di palcoscenico da secoli. E pericoloso esercizio tentare una
tecnica teatrale ricchissima di mezzi espressivi, di eclettismi, di padronanze fisiche e vocali” (tradução nossa).
STREHLER, Giorgio. Appunti di regia. (em ocasião da turnê pela América Latina. 1954). Disponível no site do
Piccolo Teatro di Milano http://archivio.piccoloteatro.org/eurolab/
120 Trata-se de uma série de eventos simultâneos de arte e cultura, que acontece desde 1947 em Edimburgo na
Escócia. Foi o primeiro festival europeu criado após a Segunda Guerra Mundial e, por este motivo, naquele
momento revestiu-se de um caráter de resgate e valorização cultural e humanista. Neste sentido, muitos de seus
fundamentos relacionavam-se aos objetivos éticos e políticos do trabalho do Piccollo Teatro.
68
Em 1963, mais uma edição do espetáculo, denominada de Villa Litta affori,
foi apresentada ao ar livre no Jardim da Villa Litta, em Milão. Após quatro anos de
pausa, devido à morte de Marcello Moretti, Strehler retomou a encenação com poucas
modificações. O cenário era composto por duas carroças que davam a ideia de
pertencer a uma antiga trupe de cômicos dell’arte e proporcionava aos espectadores
uma relação direta com a encenação.
Figura 8 – Edição de Villa Litta (Foto: Arquivo do Piccolo Teatro di Milano – Teatro d’Europa)
O jogo era iniciado desde o momento em que se chegava ao local da
apresentação: os atores que estavam presentes e se preparavam na frente do público;
os personagens tipos (máscaras) que discutiam se estava na hora de iniciar a
apresentação e em seguida improvisavam pequenos problemas ligados a questões
correlatas. Assim, os espectadores eram levados a se envolver com a atmosfera da
peça muito antes do espetáculo ter começado formalmente.
A mudança mais significativa dessa edição era a figura do Arlequim, agora
interpretado por Ferruccio Soleri (que havia atuado neste papel nas apresentações de
Nova Iorque, em 1960). A proposta de metateatro se evidencia mais na figura do
69
Arlequim interpretado por Soleri, que, fora da cena, faz comentários e antecipa
algumas das ações que dão andamento ao espetáculo.
Strehler, em uma nota publicada posteriormente sobre o espetáculo,
descreve o local da ação desta edição da seguinte forma:
Duas grandes carroças pararam suas rotas pelo prado [...]. Os cavalos haviam sido retirados, levados embora. Duas escadinhas de madeira as transformavam quase em duas pequenas casas, colocadas há poucas dezenas de passos uma da outra. No meio, os atores levantaram o palco: um estrado quase quadrado, delimitado de um lado pela fileira de anteparos para as velas – as luzes da ribalta – e do lado oposto, por duas colunas e um travessão de madeira: com dois trilhos de cortina sobre os quais deslizam os telões que vão compor o cenário do palco: uma rua, um “salão na casa de Pantalone”, o interior da taberna, etc. Entre o palco e as carroças – em uma ordem que não exclui elementos de desordem – os objetos dos cômicos: os que servirão para o espetáculo, os que servirão para outros espetáculos: tambores, elmos de rei e tecidos de rainha para as tragédias; máscaras para as comédias, um frango de papel machê, um troféu, um ídolo inca talvez para algum drama sobre Cortez... E atrás do palco, duas mesas com todos os apetrechos necessários para a apresentação da noite. Mais distante, nos dois opostos da área delimitada pelas carroças, dois “cartazes” – qualquer coisa entre o quadro dos contadores de histórias e uma Sacra Imagem de procissão – representam Arlequim e Briguela, fracamente iluminados pela chama de duas tochas que tremulam ao vento121.
Já na edição di Villa Reale Milano em 1972/1973, conhecida pelo nome do
espaço em que foi apresentada, Strehler se utiliza de uma leitura mais radical do teatro
no teatro. Nessa montagem começa a se consolidar com maior profundidade a
exploração do metateatro entre as características modernas usadas para compor o
jogo estético com elementos resgatados da commedia dell’arte (máscara e
improvisação). A isto se somam as propostas de exploração da iluminação e do
espaço cênico – com a quebra dos limites entre palco e plateia.
121 Due grandi carri hanno bloccato le loro ruote sul prato-[…]. I cavalli sono stati staccati, portati via. Due scalette
di legno ne fanno quasi due piccole case, affrontate a poche decine di metri l’una dall’altra. In mezzo, gli attori
che sono scesi hanno rizzato il palcoscenico: una pedana pressoché quadrata, delimitata da un lato dalla fila degli
schermi per le candele- le luci della ribalta – e dal lato opposto, da due montanti e una traversa in legno: sulla
traversa due riloghe, sulle quali scorrono i fondali che fanno da scena: una calle, un “salotto – in- casa- di
Pantalone”, un interno d’osteria, eccetera. Tra palcoscenico e carri – in un ordine che non esclude frange di
disordine – le cose dei comici: quelle che serviranno per lo spettacolo, quelle che serviranno per altri spettacoli:
tamburi, elmi di re e drappi di regine per la tragedia, maschere per la commedia, un pollo di cartapesta, un trofeo,
un idolo Incas per chissà quale dramma su Cortez…E dietro il palco, due tavoli con tutto il trovarobato necessario
alla recita della sera. Più lontano, ai due opposti dell’area delimitata dai carri, due “cartelli” -qualcosa a mezzo tra
il tabellone dei cantastorie e una Sacra Immagine da processione – raffigurano Arlecchino e Brighella, debolmente
illuminati dalla fiamma di due fiaccole, mossa dal vento. (tradução nossa) STREHLER. Nota in Arlecchino,
Servitore di due Patroni di Carlo Goldoni. Milano: Biblioteca Universale Rizzoli. 197, p.27
70
Figura 9 – Arlequim Edição de Villa Reale di Milano (Arquivo do Piccolo Teatro di Milano – Teatro
d’Europa)
Em 1975, uma nova montagem foi feita pela Cooperativa de atores do
Piccolo Teatro di Milano.
Já em 1977, na edição da obra para o Teatro Odéon, em Paris, a ação se
passa numa sala antiga de um palácio em ruínas, com paredes acinzentadas. A
estátua de um grande cavalo de mármore quebrada faz parte da composição do
cenário.
71
Figura 10 – Edição Odéon (Foto: Arquivo do Piccolo Teatro di Milano − Teatro d’Europa)
A respeito desta edição, Ferruccio Soleri recorda:
[...] Strehler elaborou a encenação a partir da condição de rejeição e de afastamento súbito dos comediantes italianos da França, anteriormente adorados, quando os atores foram caçados e a Comedie Italienne foi dissolvida. Esta era a ideia, o pensamento de Strehler: mostrar uma companhia de cômicos ambulantes que, provavelmente, retornando à pátria acampam em um castelo semi-abandonado para pernoitarem. E ali, de modo natural, começam a repassar seus papéis e, de repente, descobrem que há alguém de fora entrando, talvez atraído pelas luzes e pelas vozes... é o público que entra e, então, o mecanismo maravilhoso do teatro é despertado e os atores começam a atuar esquecidos de tudo ao redor. Esse era o início do espetáculo feito somente à luz de velas, porque como se pode deduzir esses cômicos estavam no escuro... e isso foi uma coisa extraordinária do ponto de vista da atmosfera criada... e a tristeza se evapora... Antes o Arlequim era um espetáculo solar, realizado totalmente a céu aberto, com o sol de plena luz do dia. Em vez disso, ao fazê-lo à noite, involuntariamente, encontramos uma tensão diferente, mas muito interessante122.
122 [...] Strehler lavorò partendo dalla condizione di rifiuto e di allontanamento subito dai comici italiani in Francia;
prima adorati, gli attori italiani furono cacciati e la Comedie Italiene fu sciolta. Questa era l’idea, il pensiero di
Strehler: far vedere una compagnia di comici vaganti che probabilmente rientrando in patria si accampano in un
castello semi abbandonato per pernottare. E lì spontaneamente ripassano la loro parte e scoprono che ad un certo
punto qualcuno sta entrando, richiamato forse dai lumi, dalle voci… è il pubblico e allora si avvia il meraviglioso
meccanismo del teatro e gli attori cominciano a recitare dimentichi di tutto il resto. Questo era l’inizio dello
spettacolo fatto a sole candele perché naturalmente questi comici vivevano al buio… e quindi fu una cosa
straordinaria dal punto di vista dell’atmosfera… e questa tristezza che svapora … Prima l’Arlecchino era uno
spettacolo solare, completamente fatto al cielo scoperto con il sole in pieno giorno. Invece trovandoci a farlo di
72
Pelo que foi descrito, pode-se considerar que a simples mudança de horário
acaba por interferir na expressividade do espetáculo como um todo, cria um “clima
noturno”, além da introdução do metateatro – parece que os elementos resgatados da
tradição foram submetidos a uma nova configuração – que potencializa não só esses
elementos como elementos modernos, como os submete a circunstâncias específicas:
o ambiente noturno e uma situação metateatral (passa pela imagem da troupe que
acha que está ensaiando e está se apresentando e, ao mesmo tempo, pela imagem
da plateia que acha que está vendo um espetáculo e está vendo um ensaio).
Outra edição do espetáculo, Edizione di Addio (Edição de Adeus) em
1987/1988, teve bastante repercussão. Esse nome foi dado em intenção ao
aniversário de quarenta anos do Piccolo Teatro (e também pelos quarenta anos da
primeira versão da encenação).
Em relação a essa edição Strehler afirmou, em seus diários de direção:
Denominamos este Arlequim de “a edição do adeus”, e é um adeus que nós damos à nossa antiga aventura teatral sempre renovada no tempo. Nós, aqueles que permanecemos de uma companhia teatral nascida em 1947, sentimo-nos o símbolo de tantos intérpretes que deram vida a personagens de um texto e de um espetáculo certamente extraordinário na sua vitalidade e na sua capacidade de reconstruir-se das formas mais diferentes, mesmo permanecendo fundamentalmente o mesmo123.
Foi uma espécie de despedida dos atores que não tomavam mais parte
atuante no espetáculo, e de boas-vindas a uma nova geração de atores que estavam
ingressando na aventura de Arlequim. Nessa edição do espetáculo as personagens
foram duplicadas, pois os atores e atrizes que haviam feito edições anteriores
retomavam seus antigos papéis, como uma despedida, e apresentavam os novos
atores que seguiriam adiante na interpretação da obra. Foi um encontro de gerações
de artistas.
sera ci mise, involontariamente, in una tensione diversa, ma molto interessante (tradução nossa). SOLERI apud
COLLE, 1993, p.120. 123 Abbiamo chiamato questo Arlecchino “l’edizione dell’addio”, ed è un addio che noi diamo ad una nostra
avventura teatrale antica, ma sempre rinnovata nel tempo. Noi, quelli che siamo rimasti di una compagnia nata nel
1947, ci sentiamo il simbolo dei tanti interpreti che hanno dato vita ai personaggi di un testo e di uno spettacolo
certamente straordinario nella sua vitalità e nella sua capacità di rifarsi diverso, pur restando fondamentalmente lo
stesso. STREHLER, Giorgio. Appunti di Regia. p. 05. Disponível no site do Piccolo Teatro di Milano
http://archivio.piccoloteatro.org/eurolab/
73
Nunca tanto quanto nessa edição, o Arlequim servidor de dois patrões foi um trabalho de grupo. É o grupo que agora são ex-alunos que “jogam” com o espetáculo e com eles mesmos, em duas, três, quatro companhias diferentes, que se misturam, se substituem, se repetem, se amam e se contrastam. É certo que cada um deles tem seu espaço, mas o que importa tanto para nós como para eles é a vida do espetáculo-texto que transcende qualquer pessoa, e que deve começar em um certo ponto e acabar, necessariamente em outro, sem interrupções nem hesitações. Em suma, ao se tornar um ato coletivo o teatro conquistou um valor maior do que a singularidade124.
O Arlequim servidor de dois patrões de Strehler esteve no Brasil por três
vezes. Esta edição, em particular, foi apresentada na cidade de São Paulo no ano de
1989.
Enrico Bonavera, ator que naquela época trabalhava mais vinculado às
propostas do “Terceiro Teatro”125 e tinha aulas com Ferruccio Soleri, ficou interessado
no trabalho de Strehler, sobretudo no que dizia respeito às pesquisas relacionadas à
commedia dell’arte e, foi por indicação desse último que ingressou nesta edição
strehleriana de Arlequim, na qual inicialmente fez um criado que auxiliava dentro e
fora da cena, o que na proposta de Strehler ressaltava o caráter metateatral da
encenação.
A edição seguinte do espetáculo foi chamada de Edizione di Buongiorno
(Edição de Bom dia) – 1990/1991, pois nela apenas permaneceram os jovens atores
e atrizes que estavam finalizando a primeira turma126 da escola do Piccolo Teatro e
que haviam acompanhado alguns ensaios das encenações desenvolvidas por
Strehler.
124 Mai come in questa edizione l’Arlecchino servitore di due patrone è stato un lavoro di gruppo. É il gruppo degli
ormai ex allievi che “giocano” con lo spettacolo e con loro stessi, in due, tre, quattro compagnie diverse, che si
mescolano, si sostituiscono, si ripetono, si amano e si contrastano. Ognuno certo ha il suo spazio, ma ciò che conta
per noi e per loro è la vita dello spettacolo-testo, che va al di là di ogni singola persona e che deve incominciare
ad un certo punto e finire ineluttabilmente ad un altro, senza arresti né esitazioni. È insomma il teatro diventato
atto collettivo che ha valore, più della singolarità (tradução nossa). STREHLER, Giorgio. Appunti di Regia
Arlecchino, p. 08. Disponível no site do Piccolo Teatro di Milano http://archivio.piccoloteatro.org/eurolab/ 125 Esta definição foi forjada por Barba em meados da década de 1970. Referia-se, inicialmente, a grupos teatrais
que desenvolviam suas atividades de pesquisas e processos de criação fora do contexto do teatro institucionalizado.
“A dificuldade de compreender a natureza do Terceiro Teatro tem raízes na tentativa de encontrar uma definição
unitária, que fixe o sentido de uma realidade teatral distinta. Mas o Terceiro Teatro se define precisamente pela
ausência de um sentido comum. É o conjunto de todos aqueles teatros que são, cada um para si mesmo, construtores
de sentido, e, cada um dos quais, portanto, define de forma autônoma o próprio sentido pessoal da ação de fazer
teatro - aquilo a que Jouvet chamava “ a herança de nós para nós mesmos”. O mais importante, no entanto, é que
define o sentido de herança, encarnando-os em atividades precisas, em uma identidade profissional bem
diferenciada”. BARBA. Eugenio. Além das Ilhas Flutuantes. Campinas: HUCITEC, 1991, p. 214. 126 A primeira turma da escola do Piccolo Teatro recebeu o nome de Jacques Copeau.
74
Arlequim continuava sendo Ferruccio Soleri, mas a maior parte do elenco
era nova. Nessa edição, Strehler duplicou a figura do velho Pantaleão, um dos quais
foi feito por ele mesmo aparecendo apenas em uma das cenas. Foi uma espécie de
celebração entre os alunos da escola e os artistas que haviam participado da formação
desses atores, como por exemplo, Soleri, que foi professor na escola. A respeito dessa
encenação Soleri complementa:
Com a Escola, Strehler pensou em fazer essa edição dos Jovens como apresentação de formatura; é a juventude que segue o velho mestre deste Arlequim no qual Strehler habilmente, sabendo que nem todos os estudantes estavam à altura de atuar em papéis importantes – pelo menos quatro papéis são importantíssimos – jogou com os personagens fazendo-os duplos, triplos e até mesmo quádruplos que roubam os papéis uns dos outros, criando certa rivalidade no jogo porque enfatiza a vontade de todos de fazer o Arlequim... Ele foi muito astuto ao fazer essa mistura para que os defeitos e as qualidades ficassem equilibrados. E o espetáculo funciona e, mais do que isso, é divertido127.
Esta última edição foi a culminância do processo de formação da primeira
turma da Escola do Piccolo Teatro. A respeito dela Strehler recordava:
... o eterno jogo continuava, a aventura da máscara, os equívocos do amor, a fome, as refeições esperadas e consumadas, só que daquela vez quem os levava adiante eram os alunos de nossa Escola de Teatro. E hoje, em continuação, muitos deles permaneceram, não mais como alunos, mas, por direito, inseridos como profissionais. A ligação física com a história foi – e é dada – pela presença de um único grande ator, que permaneceu no elenco deliberadamente para ser um ponto de referência concreto, o Arlequim de ontem e de hoje: Ferruccio Soleri. Afinal, a formação desses jovens deve-se, também a ele. Falo de formação e não de ensinamento. Por três anos parte de nós envolveu seu tempo e paixão para ajudar “outros” a se dedicarem ao teatro. Um teatro que não fosse somente um ofício, mas sim um “modo de ser no mundo”. Em algumas breves anotações sobre a Escola do Teatro, no início, eu escrevi: “queríamos que esta preparação para o teatro servisse também para a vida. Quem não fizer teatro, depois desta escola, não terá perdido seus dias em vão”128.
127 Con la Scuola, Strehler ha pensato a questa edizione dei Giovini come saggio di diploma; è la gioventù che
segue il vecchio maestro di questo Arlecchino dove Strehler furbescamente, non essendo gli allievi tutti all’altezza
di recitare ruoli importanti – almeno quattro ruoli sono importantissimi – ha giocato con i personaggi facendone
doppi, tripli e spesso quadrupli; i rubano le parti, c’è una certa rivalità nel gioco perché tutti vorrebbero fare
l’Arlecchino…È stato molto astuto nel mescolarli di modo che i defetti e i pregi venissero equilibrati. E lo
spettacolo funziona, anzi è divertente (tradução nossa). SOLERI apud COLLE, 1993, p. 120.)
128 “… continuava l’eterno gioco, l’avventura della Maschera, gli equivoci d’amore, la fame, i pranzi sperati ed
avverati, ma quella volta chi li portava avanti erano gli allievi della nostra Scuola di Teatro. E, oggi, a continuare,
ci sono rimasti molti fra loro, ormai ex allievi, ormai entrati, di diritto, nella professione. Il legame fisico con la
storia era- ed è – dato dalla presenza di un solo grande attore, volutamente rimasto lì, per essere un punto di
75
Em relação às encenações de Arlequim Servidor de Dois Patrões Strehler
afirmou:
... com a minha direção Arlequim servidor de dois patrões de Goldoni, teve várias edições, ora semelhantes a dele, ora totalmente diferentes, não no espírito, mas na forma, de modo que a cada cinco ou seis anos o público assistiu a outro espetáculo, não a cópia do precedente, não o seu oposto, mas sua continuidade dialética, igual e heterogêneo ao mesmo tempo. Como a vida 129.
Figura 11 – Edição de Buongiorno Strehler na figura duplicada de Pantaleão (Arquivo do Piccolo Teatro di Milano-Teatro d’Europa)
A liberdade improvisacional de Strehler nasceu das experimentações
oriundas das encenações de Arlequim Servidor de Dois Patrões gerando uma
riferimento concreto, l’Arlecchino di ieri e di oggi: Ferruccio Soleri. Del resto, questi ragazzi, appartengono come
formazione anche a lui. Parlo di formazione e non di insegnamento. Per tre anni una parte di noi ha dedicato tempo
e passione ad aiutare “altri” a votarsi al teatro. Un teatro che non fosse solo un mestiere ma “un modo di essere”
nel mondo. In qualche breve appunto sulla Scuola di Teatro, all’inizio, ho scritto:” vorremmo che questo
ammaestramento al teatro servisse anche per la vita. Chi non farà teatro, dopo questa scuola, non avrà perso invano
i suoi giorni” (tradução nossa). STREHLER, Giorgio. Appunti di Regia Arlecchino. (26/10/1990). Disponível no
site do Piccolo Teatro di Milano http://archivio.piccoloteatro.org/eurolab/ 129 “… dell’Arlecchino servitore di due patrone di Goldoni, con la mia direzione, ha avuto edizioni diverse, talvolta
simili, talvolta totalmente diverse, non nello spirito ma nella forma, cosicchè almeno ogni cinque o sei anni il
pubblico ha visto un altro spettacolo, non la copia del precedente, non il suo contrario, ma la sua continuità
dialettica, uguale e differente al tempo stesso. Come la vita” (tradução nossa). STREHLER, Giorgio. Appunti di
Regia Arlecchino,1984. Disponível no site do Piccolo Teatro di Milano http://archivio.piccoloteatro.org/eurolab/
76
característica muito pessoal da commedia dell’arte que se manteve presente de forma
determinante em todas as suas encenações. Parece contraditório falar de liberdade
improvisacional nos processos de direção de um encenador que só se debruçou sobre
obras dramáticas, mas talvez essa seja uma das razões que o aproximam ao mesmo
tempo do trabalho dos cômicos dell’arte e dos processos de Stanislávski. Em ambos,
a liberdade improvisacional dos atores tinha a intenção de apropriação do texto e de
uma verdadeira vivência do processo de construção da encenação sem se fechar,
necessariamente, em um estilo teatral específico.
A modalidade de trabalho com os atores passou a ser uma das
características da poética de Strehler. Assim, o caráter improvisacional auxiliava os
atores a se apropriarem do texto sem ilustrá-lo enquanto iam descobrindo suas
potencialidades e recursos gerados de estímulos criativos específicos.
As inovações que surgiram nas encenações de Strehler estão ligadas a
formas de interpretar uma obra para a cena cujas peculiaridades acabaram por definir
seu fazer teatral como o de um teatro executado e explorado com base no texto
dramático e na maneira com que direcionou os elementos da tradição teatral para
torná-la concreta.
O nome de Strehler não é diretamente associado a uma pedagogia teatral
específica. Ele é mais comumente lembrado como um grande diretor de espetáculos
e, raramente, é colocado dentre os grandes encenadores-pedagogos do século XX.
No entanto, apesar de afirmar que não teve a pretensão de desenvolver um método,
percebe-se a maestria com que conduzia seus atores nos processos de criação
propostos com a intenção de que todos se colocassem em jogo. Isto ficava evidente
na maneira com que equalizava o trabalho dos atores que vinham de diferentes
formações gerando uma clara unidade de atuação.
Conforme relembra Giorgio Bongiovanni130, as aulas da escola de teatro
ocupavam o dia inteiro, e no período da noite e nos finais de semana acompanhavam
os processos de encenação dirigidos por Strehler. Para Bongiovanni, esse era um
aprendizado extremamente importante, pois ao se colocar em jogo com os atores,
Strehler apresentava a eles um modo bem particular de direção, movido pela paixão
130 Giorgio Bongiovanni(1966): ator e diretor, formado na Primeira Turma da Escola de Teatro do Piccolo Teatro
di Milano. Interpreta Pantalone na versão atual do espetáculo Arlequim Servidor de Dois Patrões, sob a direção
de Giorgio Strehler.
77
pelo teatro, por um conhecimento da tradição teatral e pelo desejo de transformá-la e
desenvolvê-la131.
Em relação ao trabalho com os atores e ao desejo de atuar, Strehler
afirmava:
Creio que compreendo melhor seus temores, sofrimentos, problemas, que também têm sido os meus. Enquanto encenador, investi uma grande energia para ajudá-los a avançar. Interpretar com os atores é minha maneira de ser encenador. E, pessoalmente, teria dificuldade de fazer de outro modo [...]. Tenho necessidade de idas e vindas incessantes da plateia ao palco e do palco à plateia [...]. Dou muito de mim mesmo nos ensaios para gerar uma tensão criativa que permite um grande espaço à mudança. Não imponho nada, proponho, mostro. Geralmente, atuo em vez de explicar, digo o texto para indicar um ritmo, o que surpreende os atores que dirijo pela primeira vez. Gosto de trabalhar com atores que refutam, rechaçam minhas propostas e, de algum modo, me impelem para onde eu não havia pensado em ir. Gosto também que me façam propostas que eu também posso refutar. A improvisação está na base de nosso trabalho. Os atores se desenvolvem desde que consigam se liberar e entrar no jogo da improvisação: são momentos de felicidade criativa também para mim. Mas não pode ser sempre assim. Ali habitam a grandeza, a danação e a disciplina do teatro. O jogo e a invenção criativa devem ser sempre fixados, reproduzidos, ou aquele que inventou não se lembrará mais ou não conseguirá mais recuperar o que fez. Meu papel é então registrar e tornar consciente o que surgiu de nosso confronto132.
Segundo os relatos a respeito desse processo o texto que comporia a
encenação ia surgindo aos poucos. Por ser extremamente exigente, Strehler acabou
sendo citado como um exemplo não só dos processos de direção como também de
uma forma de aprendizado que se baseia no que é visto, refeito e reelaborado
ultrapassando as fronteiras de uma sala de aprendizagem.
De acordo com Giorgio Bongiovanni, essa experiência foi um privilégio e
permanece numa geração de atores e artistas que tiveram a possibilidade de
acompanhar os processos de Strehler. A célebre encenação de Arlequim é referência
no mundo inteiro e reverbera no imaginário de gerações.
As pesquisas sobre as máscaras feitas em parceria com Amleto Sartori e
Jacques Lecoq, posteriormente continuadas por Donato Sartori133 (no que se refere à
131 Entrevista BONGIOVANNI, Giorgio. Entrevista concedida a autora desta pesquisa, Milão: julho de 2015. 132 TANANT, 2015, p.29-30 133 Donato Sartori (1939- 2016): Frequentou o ateliê de seu pai, Amleto Sartori, em Padova, e seguiu seus caminhos
artísticos. Foi um dos maiores escultores e pesquisadores da máscara. Especialista e pioneiro no resgate da máscara
em couro da commedia dell’arte. Em 1979, ao lado do cenógrafo Paolo Trombetta e da arquiteta Paola Piizzi,
78
criação e à construção das máscaras), ainda são referência para metodologias atuais
do trabalho do ator.
Ainda em concordância com Bongiovanni ator do espetáculo Arlequim
servidor de dois patrões há mais de 25 anos (atualmente na máscara de Pantaleão):
a experiência de frequentar a escola do Piccolo foi intensa, não só por ter aulas com
os grandes atores e pesquisadores italianos, mas também por poder acompanhar, nos
períodos extraclasses, a habilidade de Strehler em conduzir os ensaios. Inesquecível
experiência para Bongiovanni que, além de lhe trazer grandes ensinamentos, lhe deu
noções de um fazer teatral muito além dos que se pode encontrar nos livros didáticos
e na escola. Bongiovanni ainda afirma, “muito do que sou hoje, devo a esses
momentos”. Esta afirmação vai ao encontro das palavras de Strehler que afirmava:
“sempre pensei e proclamei que o espaço do ensaio é o melhor espaço de
transmissão”134.
A possibilidade de um ator/atriz percorrer diferentes personagens na obra
durante sua trajetória artística é um dos fatores que chama muito atenção, e no meu
entendimento, refere-se à formação do ofício em cena. Um jovem aprendiz da arte da
interpretação que inicia como um contrarregra que auxilia todo o processo da atuação,
devido a sua presença constante no ambiente de trabalho, tem grande possibilidade
de no decorrer de sua vida artística atuar em cena como um jovem apaixonado e ou
um velho avarento, Pantaleão. Arlequim servidor de dois patrões é um espetáculo
generoso no processo de formação, pois conjuga atores já experientes e reconhecidos
no teatro mundial com jovens aprendizes. Isso nunca foi tomado como regra, mas
durante toda a trajetória de vida deste espetáculo, o percurso por ele traçado o levou
a essa prática constante.
As diferentes edições de Arlequim servidor de dois patrões, de Strehler
foram apresentadas em todos os continentes e é o espetáculo mais assistido e
fundou o Centro Maschere e Strutture Gestuali, um centro multidisciplinar que estuda os vários aspectos
etnológicos, antropológicos e espetaculares que envolvem a Máscara. Em 2005, com um espetáculo de Dario Fo,
inauguraram o Museu Internacional da Máscara Amleto e Donato Sartori em Abano Termi, que narra a história do
homem por meio das máscaras. Colaborou com importantes grupos e artistas do mundo todo, como: Living
Theatre, Bread and Puppet, Kantor, Peter Brook, Eduardo de Filippo, Giorgio Strehler, Lecoq, Dario Fo, Ferrucio
Soleri, Enrico Bonavera, Peter Oskarson, com atores dos teatros Kyogen e Nô Japonês e com diversos outros
artistas. 134 STREHLER in TANANT, 2015, p.96
79
apresentado da história do teatro do século XX135. Neste ano completa 70 anos desde
sua primeira apresentação. A edição que permanece em cartaz foi elaborada por
Giorgio Strehler em 1997 para a comemoração do cinquentenário do Piccolo Teatro.
Todos os atores que entrevistei para a realização desta pesquisa referem-
se a Arlequim Servidor de Dois Patrões como um espetáculo fundamental na história
do teatro italiano. Afirmam ainda, que essa obra não projetou apenas Strehler e o
Piccolo Teatro, mas a Itália inteira e toda a geração de atores e atrizes que por ele
passaram.
135 Arlecchino servitore di due patroni, narrato da Giorgio Strehler e Ferruccio Soleri. Direção: Chiara Boeri.
Disponível no youtube em https://www.youtube.com/watch?v=RLBV9ihDtYI
80
CAPÍTULO III
O JARDIM DAS CEREJEIRAS
“Hoje é simplesmente necessário aproximar-se – com humildade e objetividade – das fontes. Não é, hoje, a ‘mitologia’ que interessa – mas ‘o homem’. O homem e seus instrumentos de trabalho. O homem e seus ensinamentos. Compartilhados de um homem a homens – não de um santo a discípulos. É justamente aqui que estas páginas de ‘trabalho sobre o personagem’ adquirem um valor emblemático. Aqui se vai para bem longe de ‘teorias’ carismáticas. Aqui se fala de trabalho cotidiano, de difíceis descobertas diárias, de reflexões estreitamente ligadas à praxis do palco.”136
(Giorgio Strehler)
O Jardim das Cerejeiras, peça de Anton Tchékhov137, teve duas
encenações, e entre elas um hiato de 20 anos (a primeira edição é datada de 1954 e
a segunda de 1973). Na primeira, Strehler explorou as “palavras amargas” de uma
geração e de uma sociedade incapazes de enfrentar as mudanças de uma época138,
e parece ter seguido à risca a ilustração do texto, sem muito espaço para criação dos
atores/atrizes e do diretor. A encenação teve um caráter luxuoso e declamatório. Na
segunda139, Strehler estudou a encenação de Georg Pitöeff140 e buscou se afastar de
tal referência. Discordava do tom acinzentado e com poucos móveis dado à
136 STANISLAVSKIJ. Konstantin. Il lavoro dell’attore sul personaggio. Trad. Fausto Malcovati. Bari: Laterza.
Bari, 1993. Prefácio de Giorgio Strehler. (p.VII) 137 Anton Pavlovitch Tchékhov (1860-1904): escritor, dramaturgo e médico. Reconhecido mundialmente por sua
dramaturgia e contribuições com o Teatro de Arte de Moscou. Considerado um dos mais importantes contistas
russos do início do século XX. Para Tennessee Williams “Anton Tchekhov é considerado o primeiro e maior
dramaturgo moderno”. apud BETTI, Maria Silvia. Projeções tchekhovianas no teatro norte-americano. In
Cavaliere, Arlete; VÁSSINA, Elena (orgs). Teatro Russo: literatura e espetáculo. São Paulo: Atelier Editorial,
2011 p.270. 138 Il Piccolo Teatro di Milano – 1947-2008. Catálogo de comemoração dos 60 anos do Piccolo Teatro.p.22. 139 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=DRBdCO03n7U (ParteI-RAI) e
https://www.youtube.com/watch?v=Nk1FxwCAaa0 (Parte II -RAI) 140 Georg Pitöeff (1884-1939): Diretor e produtor teatral; um dos quatro membros fundadores de O Cartel, coletivo
dedicado a buscar novas propostas para o teatro francês.
81
encenação, na qual se ressaltava apenas a atmosfera das palavras da obra de
Tchékhov141, como ele mesmo havia concebido em sua primeira edição da obra.
Da segunda vez142, mais maduro em seu ofício e consciente das
transformações necessárias às encenações de obras clássicas, Strehler percebeu
que deveria repensar e atualizar seu modo de criação, fugindo dos clichês de
concepção artística. Procurou escapar da mera ilustração cênica, ou seja, da simples
descrição/exposição das situações propostas pelo texto. Escolheu abordar as
situações em sua complexidade, em um jogo refinado e diversificado.
A edição de O Jardim das Cerejeiras que estreou na temporada de 1973-
74, permaneceu no repertório do Piccolo Teatro até a temporada de 1977-78. Na
revisita à obra de Tchékhov, Strehler ampliou seu caráter questionador e o espírito
crítico e investigativo da primeira encenação que havia apresentado.
Strehler parece ter se valido do clichê da edição anterior, na qual apostara
em reproduzir o original com bastante fidelidade, para se lançar em direção a um
estudo mais detalhado do texto e em busca dos aspectos trágicos, irônicos e cômicos
aos quais Tchékhov expõe as personagens e, consequentemente, os espectadores.
Nesta montagem Strehler deixa claro que encenar Tchékhov não implica na exclusão
da alegria e do riso e apresenta as variações de humor próprias da natureza humana,
o que aproxima os atores e atrizes das personagens e estas de seus espectadores.
Assim amplia o olhar sobre a questão que aborda maneiras de pensar, sentir ou agir
diferentes que os seres humanos tendem a ter, e apresenta as personagens que
transitam entre as memórias da infância, as perdas, as conquistas, mas também a
aceitação do curso da vida. Mostra a influência do caráter social e as diferentes faixas
etárias e se reporta às transformações sofridas por essas pessoas em função do
tempo e de uma sociedade em decadência.
Outro aspecto a ser considerado nesse espetáculo é a relação com alguns
dos elementos que compõem o sistema de K. Stanislávski. O jardim das Cerejeiras foi
escrito em 1903 e teve sua primeira encenação em 1904, no Teatro de Arte de
141 STREHLER, Giorgio. Appunti di regia di Il Giardino dei ciliegi, 1974. Disponível no arquivo digital do
Piccolo Teatro di Milano http://archivio.piccoloteatro.org/eurolab 142 O material utilizado como referência a respeito desta encenação são os apontamentos de direção de Strehler,
que datam de 1974; matérias de jornais da época e o registro em vídeo feito pela RAI do espetáculo O Jardim das
Cerejeiras; além de um restrito número de materiais bibliográficos.
82
Moscou, com a direção de Konstantin Stanislávski143. Um dos temas principais
abordados nessa obra é o efeito que as mudanças sociais exercem sobre as pessoas.
Tal aspecto estava em concordância com o fazer teatral de Strehler o que, com
certeza, o impulsionou a se interessar por esta peça. Foi através das encenações que
fez das obras de autores russos144 que Strehler tornou evidentes elementos das
metodologias e das abordagens da direção teatral lançadas por K. Stanislávski.
No texto de Tchékhov, as personagens não se rebelam, não buscam
transformações concretas para o futuro. Por mais que suas falas expressem as
conquistas do passado, vivem o presente na tentativa de buscar estratégias para
evitar grandes transformações, aceitam o destino e o futuro desconhecido. O sonho
parece ter sido o que foi vivido, não o que está por vir. Todas as mudanças são aceitas
e muitas vezes são a única alternativa para fazer mover algo que parecia estagnado.
De modo geral, os personagens nas obras de Tchékhov são existenciais.
Por muito tempo a dramaturgia de Tchékhov quando encenada levava a
Stanislávski, como meio de compreensão das circunstâncias da obra e de
conhecimento de alguns elementos do sistema que se potencializaram na dramaturgia
dele. A montagem de O Jardim das Cerejeiras145 com a direção de Stanislávski foi um
143 Segundo Stroeva, para Stanislávski: “O jardim das cerejeiras soa como uma história trágica da mudança de
épocas e de gerações na vida da sociedade russa. A mudança pode ser necessária, mas certamente cruel, quando
as pessoas são forçadas a destruir umas às outras. O trágico da inércia das peças tchekhovianas anteriores é
substituído aqui pelo trágico da ação, a qual não carrega a libertação do ser humano. A única ação possível é
desumana. As reformas burguesas no país são necessárias como é necessário o ‘metabolismo’ na natureza, mas
elas fatalmente carregam consigo a destruição do refinamento da poesia, da alta cultura, agora ninho da nobreza
em decomposição. Para o passado a libertação humana permanece admirável, mas está longe de uma perspectiva
futura”. Tradução direta da língua russa feita por Michele Almeida Zaltron e Nair D’Agostini. (STROEVA, 1973,
p.122) STROEVA, M. N. As investigações de direção de Stanislávski: 1898-1917. Moscou: Nauka,
1973.Marianna Stroeva (1917-2006) – Crítica e historiadora de teatro. 144 Giorgio Strehler encenou as seguintes obras de autores russos enquanto esteve à frente do Piccolo Teatro di
Milano: L’Abergo dei poveri (1947), de Máximo Gorki; Il revisori (1952-53), de Nikolai Gógol e L’Uragano
(1947-48), de Alexander Ostrowski, além das obras de Anton Tchékhov. 145 Stroeva, referindo-se à montagem de Stanislávski de O jardim das cerejeiras, afirma: “Três gerações da Rússia
- o seu passado, presente e futuro - passam diante do olhar mental do diretor. Ele as investiga objetivamente e sob
todos os aspectos, percebe as contradições dialéticas internas de cada grupo, revela sua dignidade e suas limitações,
desvela o lado cômico da situação trágica e o trágico das pessoas ridículas e inúteis. Em tais complexos
entrelaçamentos polifônicos desenvolvem-se melodias independentes da vida de Ranevskaia, de Lopakhin, de
Petia, de Trofimov e de todas as pessoas mais próximas a eles. A primeira - a melodia do passado – não é real, é
insustentável e tênue como uma flor de cerejeira que passa voando. A última [a melodia do futuro] – ainda não é
real, ainda é insustentável e abstrata em sua entusiasta retidão e aspiração superficial no futuro. A única melodia
real são os golpes do machado de Lopakhin, que derruba as cerejeiras e prega portas e janelas da casa, onde
"esqueceram um ser humano". Traduções de Michele Almeida Zaltron e Nair D’Agostini (STROEVA, 1973,
pp.122-123) STROEVA, M. N. As investigações de direção de Stanislávski: 1898-1917. Moscou: Nauka,
1973.Marianna Stroeva (1917-2006) – Crítica e historiadora de teatro.
83
referencial146 para que Strehler buscasse compreender as propostas do sistema147 e
os indícios esboçados para o surgimento de uma nova abordagem da pesquisa teatral.
Mais uma vez, a prática em seus procedimentos e os elementos
transformadores da tradição teatral ajudaram Strehler a compreender esse legado e
a perceber a base sólida dos processos de criação artística do diretor russo. Nos
estudos de Strehler para a encenação de O Jardim das Cerejeiras pode-se observar
a similitude com o sistema criado por Stanislávski. Cabe mencionar que, de acordo
com a opinião de Vássina, “o sistema de Stanislávski não é uma obra acabada, um
conjunto fixo de regras e exercícios; sempre foi um projeto em expansão, orgânico,
dinâmico e crítico”.148 Esta é mais uma das evidências que reforça a coerência da
relação entre os dois.
Strehler não se utilizou de uma terminologia que remetesse diretamente a
Stanislávski, nem mesmo criou uma, mas suas práticas de direção estavam centradas
nos processos de criação dos atores e do diretor por meio do jogo com o texto para a
criação de ações em situação, e não em uma mera ilustração, para compor a fala
usada na declamação de um texto. Ao contrário, mais uma vez, buscou a retomada e
ressignificação da herança teatral deixada por Stanislávski.
O processo adotado por Strehler como estudo da obra a ser encenada
assemelhou-se, portanto, aos procedimentos empregados por Stanislávski que se
debruçava por um longo período sobre a análise do desenvolvimento da ação “para
penetrar na psicologia das personagens, por meio da análise de seu conteúdo,
determinando o tema, o superobjetivo, a ideia, a linha transversal de ação, as
circunstâncias dadas”149. Entretanto, Strehler manteve uma estreita relação com o
texto, preservou a fidelidade das situações, sem intervenções ou cortes, pois, de
acordo com ele, na obra de Tchékhov isso era imprescindível.
146 Giorgio Strehler encenou as seguintes obras dramáticas de Anton Tchékhov: A Gaivota (1948-49), Platov e
outros (1958-59) (a tradução em português também é conhecida como Platanov ou o Orfão ou Peça Sem Título)
e O Jardim das Cerejeiras (1954-55) e (1973-74). 147 Cabe lembrar que Stanislávski passou a organizar o sistema somente alguns anos após a morte de Tchékhov.
No entanto, questionamentos e realizações surgidos no seu confronto com a dramaturgia tchekhoviana
permaneceram como um dos aspectos do complexo conjunto de referências que formariam o seu sistema 148 VÁSSINA, Elena. AIMAR, Labaki. Stanislávski Vida, obra e Sistema. Rio de Janeiro: Funarte, 2015, p. 17. 149 D’AGOSTINI. Nair. O método de Análise Ativa de K. Stanislávski como base para a leitura do texto e da
criação do espetáculo pelo diretor e pelo ator. São Paulo, 2007, p.251 f. Tese (Doutorado em Literatura e Cultura
Russa) – FFLCH-USP. p.36. Optou-se pela utilização desta referência por estar diretamente ligada ao meu
aprendizado em relação ao sistema de Stanislávski e por oferecer traduções diretas de diversos textos russos
significativos em relação aos desenvolvimentos do sistema.
84
A elaboração de um novo projeto para seu espetáculo colocou Strehler
frente a um profundo mergulho na obra e nas convicções de Tchékhov buscando
aproximá-las de questões sociais pertinentes à sua época. Como tinha também
conhecimento da importância histórica da versão apresentada por Stanislávski,
Strehler procurou conhecer os caminhos percorridos por este diretor russo para
buscar pontos de convergêngia com a obra de Tchékhov que, ao complementar suas
informações, pudesse satisfazer seus próprios desejos e crenças teatrais baseados
em um teatro mais humano capaz de expor as dores e alegrias mais íntimas dos
homens e propiciar a repercussão delas no convívio social. A preocupação de Strehler
com o tratamento dado ao verdadeiro sentido de humano denotava sua incansável
perseguição artística.
Em sua opinião sobre o autor, Stanislávski afirmava:
... Tchékhov apresenta-se inesgotável, porque, apesar da aparente descrição da vida trivial, em seu leitmotiv (motivo condutor) principal, ou seja, espiritual, ele sempre fala sobre o Humano com maiúscula”150.
Tanto Stanislávski quanto Strehler partiram de uma visão de ator que foi se
transformando dentro da base estabelecida à concretização de seu fazer artístico,
sempre atentos a toda uma tradição teatral que marcou suas épocas e que repercute
até hoje nos padrões e nas inovações da arte teatral. Esta ênfase dada aos processos
criativos do ator remete ao processo de análise ativa151 proposto por Stanislávski.
O processo de imersão na obra a ser encenada foi um atributo muito forte
no percurso teatral de Giorgio Strehler. Não haveria encenação se Strehler não fosse
movido por uma paixão quase que fulminante de desvendar a obra. Como para ele a
renovação era uma premissa, o que já foi enfatizado anteriormente, os desejos iniciais
em relação à criação do espetáculo iam sendo modificados e aprimorados de acordo
com as necessidades que surgiam ao longo do processo. O jogo de encenação era
iniciado com a escolha da obra, e nesse pequeno espaço entre Strehler e a
criatividade, autor e texto iam se infiltrando todos os elementos do espetáculo, em
150 K. Stanislávski. Minha vida na Arte. in Elena Vássina. Um clássico contemporâneo da literatura russa.
Revista Cult (formato digital). Disponível em https://revistacult.uol.com.br/home/anton-pavlovitch-tchekhov/ 151 Análise ativa foi um método experimentado e desenvolvido por Stanislávski em seus últimos anos de vida.
Consiste num método capaz de acionar o pensamento criativo do diretor e do ator, gerando um processo de
conhecimento da estrutura da ação dramática que se completa e concretiza na prática através do processo de criação
do ator que envolve todo seu aparato psicofísico. (D’Agostini. Nair. 2007, p.251)
85
uma forma de justificar o texto para si, para os atores, para os espectadores e para
todos os colaboradores que participassem da montagem.
Evidencia-se aqui, mais uma vez, a semelhança entre as convicções de
Stanislávski e Strehler. Foi no entendimento de Stanislávski em suas próprias
experiências como ator e como diretor que as experimentações de Strehler foram se
solidificando. Stanislávski, assim como ele, possuía formação como ator o que foi um
fator decisivo para a dimensão teatral que seu sistema pôde atingir. É indispensável
ao sistema de Stanislávski que o diretor tenha conhecimento e domínio do ofício da
arte do ator/atriz, pois para o exercício da direção esse atributo saberá conduzi-lo e
acompanhá-lo durante o período de criação. Sem dúvida, o ator/atriz é a essência da
criação e, consequentemente, da encenação. O mesmo pressuposto se faz presente
nas perspectivas teatrais de Strehler, como uma herança desse mestre russo em suas
propostas de criação. Suas trajetórias se mesclam na imensa exigência da postura de
seus atores e atrizes no decurso da implementação de seus sistemas, pois suas
visões eram muito específicas quanto as ações precisas, diante de cada circunstância
proposta, o que exigia de seus elencos uma dedicação exclusiva e grande
conhecimento cultural e, particularmente, da obra a ser encenada
A atenção e a presença constante de seus atores e atrizes durante a fase
de desenvolvimento do espetáculo (dentro e fora da cena), a busca de subsídios que
os ajudassem a encontrar meios para descobertas de criação que pudessem ir além
do texto, o apuramento do sentido ritmo e plástico, o encontro do que estava
subtendido nas palavras do texto, o uso do acervo das experiências pessoais de cada
um na ação e no relacionamento com os demais, eram princípios que estavam ligados
às concepções de grandes diretores como os que aqui são enumerados.
Neste sentido, o contato de Strehler com as cartas de Tchékhov enviadas
a Nemiróvicth-Dâncthenko e a K. Stanislávski, bem como os registros da encenação
de O Jardim das cerejeiras, sob a direção de Stanislávski, foram fundamentais para
lhe dar a compreensão do universo tchekhoviano e a transformação e adaptação
possibilitadas por esse acervo à sua realidade artística.
Em um dos trechos de seus apontamentos de direção de O Jardim das
Cerejeiras, Strehler expressa seu desejo de representar Tchékhov de forma distinta à
apresentada por Stanislávski. De acordo com ele, “uma vertente mais universal-
86
simbólica, mais aberta às solicitações fantásticas” e atenta à realidade plástica das
sugestões tchekhovianas No entanto, Strehler destaca a sua preocupação em não
cair em uma abstração cênica absoluta, pois isolar um ato de Tchékohv em uma cena
abstrata, em um vazio simbólico é impedir “realidade plástica à história”152.
3.1 A elaboração do espetáculo
A obra aborda uma família aristocrata russa que perde, em leilão, sua
propriedade rural da qual fazia parte um imenso cerejal. O cerejal representava um
símbolo das alegrias e das riquezas da família, pois durante muito tempo a
propriedade foi sede de bailes, festas e saraus nos quais se ostentava toda a fortuna
e o prestígio que tinham na sociedade. A peça mostra uma família em decadência que
revive seu passado durante a despedida da propriedade que precisa ser vendida e,
com isso, todos sofrem o baque de transformações inevitáveis do tempo, em seus
mundos particulares e na sociedade em que vivem, como, por exemplo, a expansão
das classes menos favorecidas. A peça se inicia com a chegada da proprietária e sua
filha à propriedade e se encerra com a partida de todos da casa, deixando para trás,
esquecido, o velho criado Firs. Simultaneamente à partida, ouve-se um som que indica
que o cerejal está sendo posto abaixo, destruído, em função do progresso dos novos
tempos que surgem.
Strehler definiu a problemática do contexto da obra de Tchékhov como o
que ele denominava de “as três caixas chinesas”: uma dentro da outra, com estreito
contato entre elas: a última contém a penúltima, a penúltima a primeira.
À primeira caixa pertencia o verdadeiro, “do verdadeiro possível no teatro”,
de acordo com as palavras do próprio Strehler, com acontecimentos que se
aproximam da vida das pessoas que assistem ao espetáculo, ou seja, uma história
humana, com encontros, com atmosferas identificadas pelo espectador e com reações
e temperamentos que vão sendo transformados. Para Strehler a aventura
tchekhoviana apresentada nessa primeira caixa em O jardim das Cerejeiras era
definida da seguinte forma:
152 STREHLER, Giorgio. Appunti di regia di Il Giardino dei ciliegi, 1974,. Disponível no arquivo digital do
Piccolo Teatro di Milano http://archivio.piccoloteatro.org/eurolab
87
É uma belíssima história humana, é uma aventura humana emocionante. Nesta primeira caixa, conta-se a história da família de Gaev e de Liubov, dentre outros. É uma história verdadeira que se coloca de forma clara na história e na importância da vida, mas o seu interesse é mesmo demonstrar como vivem realmente os personagens e onde vivem153.
Segundo Strehler, na segunda caixa percebe-se o objetivo da história, vê-
se a história pela realidade da família e não como fantasia. Nela apresenta-se o tema
de uma forma mais próxima dos conflitos sociais.
Aqui interessa mais o movimento das classes sociais em uma relação dialética estabelecida entre elas. As alterações dos temperamentos e de situações como mudanças de propriedade. Os personagens são obviamente “gente humana”, com temperamentos individuais determinados154.
A terceira caixa apresenta a vida, a condição humana, o homem e sua
trajetória. Apresenta, enfim, o caráter universal da peça e a problemática proposta.
De acordo com os relatos do próprio Strehler, uma “eterna parábola (pelo tanto de
eterno que possa existir no breve curso do homem sobre a terra)”155. Aqui as
personagens são vistas, não somente na realidade de um conto, na realidade de uma
história “política” que se movimenta, como também em uma dimensão quase
“metafísica” em um tipo de parábola sobre o destino do homem.
Sobre a terceira caixa Strehler afirma:
A casa é “A casa” e os quartos são “Os quartos do homem” e a história torna-se uma grande paráfrase poética da qual não está ausente a narrativa, não está ausente a história, mas está toda contida na grande aventura do homem enquanto homem, carne humana que passa. Essa última caixa leva a representação a um aspecto “simbólico e
153 “È una storia umana bellissima, è un’avventura umana emozionante. In questa prima scatola si racconta dunque
la storia della famiglia di Gaiev e di Liubov, e di altri. Ed è una storia vera, che si colloca certo nella storia, certo
nella grande vita, ma il suo interesse sta proprio in questo suo far vedere come vivono davvero i personaggi, e
dove vivono” (tradução nossa). STREHLER, Giorgio. STREHLER, Giorgio. Appunti di regia di Il Giardino
dei ciliegi, 1974, p.04. Disponível no arquivo digital do Piccolo Teatro di Milano
http://archivio.piccoloteatro.org/eurolab 154 Qui interessa di più il muoversi delle classi social in rapporto dialettico tra di loro. Il mutamento dei caratteri e
delle cose come passaggi di proprietà. I personaggi sono certo loro stessi “gente umana”, con precisi caratteri
individuali. STREHLER, Giorgio. STREHLER, Giorgio. Appunti di regia di Il Giardino dei ciliegi, 1974, p.04.
Disponível no arquivo digital do Piccolo Teatro di Milano http://archivio.piccoloteatro.org/eurolab. ( tradução
nossa) 155 Idem
88
metafisico alusivo”, não sei encontrar a palavra exata. Decanta-se do excesso anedótico, torna-se muito mais elevada…”156.
O conjunto das três caixas resultaria na representação complexa da
condição humana. Strehler, em seus apontamentos de direção de O Jardim das
cerejeiras destaca:
Porque todo grande poeta de qualquer época quando é um poeta de verdade, se move simultaneamente sobre três planos; e estes três planos só podem ser divididos para jogo ou para estudo, como o entomologista que secciona um ser vivo para lhe estudar algumas características in vitro.
Porque o estar vivo não é tangível em seu movimento e não pode ser atribuído a uma das suas características. É necessário assimilá-lo em conjunto para compreendê-lo. Os poetas são e nos dão imagens circunstanciais eternas, a história dialética (revolução e reação, mundo velho e mundo novo) e a história da aventura humana que toda ela também é uma coisa pequena que só dá significado a si mesma e ao seu amor, ou dor, ou alegria, e ao mesmo tempo História, membro implacável ao outro, dentro do contexto social e ao mesmo tempo “ser humano”, que leva adiante esta coisa estranha, profunda, misteriosa; sim, claro, também misteriosa, que é a vida do homem, do primeiro dia àquele que será o último. Uma representação “precisa” deve nos oferecer sobre o palco as três perspectivas unidas, ora deixando-nos ver melhor o movimento de um coração ou de uma mão, ora deixando a história dançar defronte aos nossos olhos, ora propondo-nos uma questão sobre o destino da nossa humanidade que nasce e deve envelhecer e morrer, apesar de todo o resto, incluindo Marx. Uma cena “precisa” deve ser capaz de vibrar como uma luz que se move entre os três requisitos...157.
156 Ibidem, p5. “La casa è “La casa” e le stanze sono “Le stanze dell’uomo” e la storia diventa una grande parafrasi
poetica da cui non è assente il racconto, non è assente la storia, ma una grande parafrasi poetica da cui non è assente
il racconto, non è assente la storia, ma è tutta contenuta nella grande avventura dell’uomo in quanto uomo, carne
umana che passa. Questa ultima scatola porta la rappresentazione sul versante “simbolico e metafisico allusivo”,
non so trovare la parola esatta. Sì decanta di molto aneddoto, diventa molto più alta” (tradução nossa). 157 Ibidem, p 05-06. “Perché ogni grande poeta di ogni tempo si muove, quando è veramente poeta, sui tre piano
contemporaneamente; e questi tre piano possono essere scissi solo per gioco o per studio, come l’entomologo che
seziona un essere vivente per studiare alcune caratteristiche sotto vitro. Perché l’essere vive, non è afferrabile nel
suo movimento e non è riconducibile ad una delle sue caratteristiche. Bisogna prenderlo tutto insieme, per saperlo.
I poeti sanno, e ci danno figure eterne e contingenti, la storia dialettica ( rivoluzione e reazione, mondo vecchio e
mondo nuovo) e la storia dell’avventura umana che è anch’essa tutto, piccola cosa che significa solo sé stessa e il
suo amore o dolore o gioia, e al tempo stesso Storia, membro irriducibile ad altro di un suo contesto sociale, e
nello stesso tempo “ essere umano” che porta avanti questa cosa strana, profonda, misteriosa; si certo anche
misteriosa, che è la vita dell’uomo, dal primo giorno a quello che sarà l’ultimo. Una rappresentazione “giusta”
dovrebbe darci sulla scena le tre prospettive unite insieme, ora lasciandoci vedere meglio il moto di un cuore o di
una mano, ora facendoci balenare davanti agli occhi la storia, ora ponendoci una domanda sul destino di questa
nostra umanità che nasce e deve invecchiare e morire, nonostante tutto il resto, Marx compreso. Una scena “giusta”
dovrebbe essere capace di vibrare come una luce che si muove alle tre sollecitazioni[…]”( tradução nossa)
89
A imagem das “caixas” oferecida por Strehler traz a dimensão da obra de
Tchékhov. A visão da obra foi construída como fruto de uma leitura minuciosa e
detalhada que o fez chegar bem próximo do que K. Stanislávski definiu como
circunstâncias propostas.
D’Agostini define as circunstâncias propostas, segundo Stanislávski, da
seguinte forma:
Na sua prática, ele afirmou a expressão “circunstâncias dadas”, pois elas são propostas pelo autor, enquanto que o diretor e o ator as aceitam como uma máxima para a criação, por isso são dadas. Elas constituem um dos pilares básicos do sistema de K. Stanislávski que lhes atribuiu grande valor, pois elas envolvem todo o processo da criação, desde nossa posição e constituição como artistas, a escolha da obra, a sua análise, até as condições da criação e a criação em si158.
A definição precisa das circunstâncias propostas e a sua compreensão,
permitem encontrar o ritmo e as intenções de cada ação, o que, por sua vez, ajuda a
estabelecer as atmosferas propícias e o desenvolvimento da proposição do jogo. Um
tipo de abordagem detalhada que gera autonomia, tanto para os atores e atrizes como
para o diretor, para criar, adaptar e encontrar o diálogo necessário entre o processo
de criação e as indicações propostas pelo autor. Quando tudo isso é assimilado, outro
entendimento da obra e do fazer artístico começa a ser abordado, estruturado e a
ganhar vida através das descobertas do diretor e do elenco.
Strehler partia de um estudo detalhado de cada personagem, da
descoberta das paixões e das motivações pessoais buscando desafiar os atores para
se colocarem em jogo com a obra, com o espaço, com os objetos e com seus colegas,
e a agirem conforme as circunstâncias propostas; a buscarem a “verdade” em cena
colocando-se nesses contextos e evitando os clichês, a mera ilustração ou
declamação do texto. Nas propostas de Strehler em colocar o ator/atriz em
circunstâncias propostas identificamos a existência de uma identidade com as
pesquisas de Stanislávski definidas por este como études159.
158 D’AGOSTINI, 2007, p. 33 - 34 159 Études: exercícios de improvisação, de duração curta, sobre um determinado tema que têm a mesma estrutura
de um relato ou de uma obra teatral (apresentação, nó e desenlace), e que devem apresentar pelo menos um
90
Dentro do sistema de Stanislávski os études são exercícios práticos de
improviso, investigação e desenvolvimento das situações dramáticas por meio de
ações físicas. Através deles, o ator, ao confrontar-se com as circunstâncias propostas,
apropria-se do universo da obra e dá aos acontecimentos uma evolução particular e
individual.
De acordo com D’Agostini:
Na criação do espetáculo, que parte de um texto dramatúrgico ou literário, a estrutura da obra obtida pela análise da ação desse material constitui o projeto do sistema do espetáculo, sendo esse o material de criação do ator. Essa estrutura, semelhante aos canovacci160, é composta de acontecimentos, que devem ser criados pelo ator através da prática dos études. [...] uma das etapas mais importantes é o momento em que o ator imerge na prática para a investigação da ação. Nessa fase, o conhecimento da obra realizado pelo diretor se une com a prática do ator pelo domínio de ambos do método das ações físicas. A essência consiste em que o ator crie cadeias de ações físicas, as quais fazem explodir o conflito e revelam a ideia, explicam em profundidade as inter-relações das personagens161.
A segunda edição de O Jardim das Cerejeiras ficou reconhecida pela
ambientação cenográfica totalmente branca: um grande tecido que cobria o palco em
toda a sua extensão e um tecido em formato de cúpula que invadia um pedaço da
plateia colocando o público como parte do imenso jardim repleto de folhas e flores que
simbolizavam o cerejal.
Em seu diário de ensaio de 21 de março, Strehler comenta uma carta de
Tchékhov, escrita em Yalta, na qual ele descreve as características do seu Jardim:
Nesta carta tem uma incrível concentração de tempo; ele fala de um jardim de verão branco, tudo branco, totalmente branco, e de senhores vestidos de branco. Depois de uma pausa acrescenta, “está nevando lá fora”. Extraordinária esta imagem dupla, verão-inverno, conectados num branco total. Este eterno branco do jardim sob as flores brancas da primavera e sob a neve do inverno. Assim me parece que O Jardim
acontecimento que faça modificar os objetivos que têm os personagens ao começar a atuar. SAURA, Jorge. (org)
E. Vajtángov: Teoria y Práctica teatral. Madrid: Realizacion Gráfica: Carácter S. A, 1997, p.159. 160 Canovacci: roteiros surgidos no século XVI que serviam como base para as representações da commedia
dell’arte. O canovaccio continha, em linhas gerais, o tema, a descrição das situações e as personagens
intervenientes. A partir desses elementos, desenvolvia-se a improvisação dos atores. 161 P.106 scambio dell’arte
91
das Cerejeiras foi criado por Tchékhov em um brilho branco lancinante, é um branco “sem estação”162.
O início do espetáculo se desenvolve no lugar que Tchékhov indica como
sendo a antiga sala das crianças. Na concepção de Strehler foram colocados móveis
brancos cobertos com tecidos brancos dando a ideia de que aquele era um lugar em
desuso, mas que já havia sido repleto de vida. Com a volta da viagem de Liubov e
Ania, os móveis vão sendo descobertos e junto com a ação, as personagens Gaev e
Liubov acordam lembranças de suas infâncias.
Pertencia também a este cenário, um armário grande e centenário repleto
de objetos-memórias que, no decorrer do espetáculo, serviam para acionar
recordações sublimes e amargas das personagens e algumas delas eram revividas
por meio do jogo com estes objetos. Strehler denominou tal acontecimento de o
cemitério da vida que passou163. As transformações dos objetos por meio do jogo dos
atores também nos remetem à realidade daquela família do cerejal, àquilo que a cerca
e ao futuro que está bem próximo.
Um exemplo da fusão do passado com o presente dava-se no jogo de Gaev
com o pequeno trem infantil e com o apito que estavam no armário. Isto era uma
alusão de que a propriedade estava próxima à linha do trem, enfocando a chegada do
progresso e o aumento de valor das terras ocupadas pelo cerejal. No entanto, esse
jogo é simbólico, o mesmo progresso referenciado pôs a família em decadência e nos
reporta aos questionamentos do tempo presente. Os trilhos, que outrora
representavam status e orgulho para a família, serão os que a levarão para longe
desse cerejal.
Uma das inquietações de Strehler em relação ao espetáculo era como
conjugar o tempo, pois deveriam encontrar o equilíbrio entre o tempo real e o tempo
teatral, entre o presente e as memórias. A obra de Tchékhov sugere nuances das
cores do dia como, por exemplo o nascer do sol. Além disso, o tempo já estava em
162 “In questa lettera c’è una incredibili concentrazione di “tempo”, egli parla di un giardino estivo bianco, tutto
bianco anzi totalmente bianco e signore vestite di bianco. Dopo un attimo aggiunge “Fuori nevica. Straordinaria
questa doppia immagine, estate-inverno, collegata sul bianco totale. Questo eterno bianco di giardino sotto i Fiori
Bianchi della primavera e sotto la neve dell’inverno. Così mi appare certo che il Giardino dei Ciliegi è nato per
Cecov in un lanciamento bagliore di bianco, è un bianco “senza stagione” (tradução nossa). STREHLER, Giorgio.
Appunti di regia di Il Giardino dei ciliegi, 1974, p.4. Disponível no arquivo digital do Piccolo Teatro di Milano
http://archivio.piccoloteatro.org/eurolab 163 Idem
92
jogo na chegada da Liubov e sua filha, pois havia cinco anos que estavam morando
fora e no instante em que retornam os indícios de que o tempo havia modificado as
coisas e as pessoas eram bem claros.
Figura 12 – Strehler com os atores de O Jardim das Cerejeiras (Foto: Arquivo do Piccolo Teatro di Milano
– Teatro d’Europa)
A passagem de tempo na encenação foi traduzida na delicadeza da
mudança dos lugares, como um suave folhear de um livro de páginas de seda, frágil
e transparente. Isto se dava pelo rebaixamento do teto, com uma suave brisa e, ao
93
ser alçado novamente, o espaço tinha se modificado, o amanhecer já havia se
estabelecido. É evidente que os recursos de iluminação também contribuíram para a
concretização da poesia que sugere o passar do tempo.
Os desencadeamentos das cenas pareciam compor quadros, nos quais as
personagens que não estavam em foco em determinadas cenas muitas vezes
compunham o desenho do espaço e auxiliavam à sua transformação. O espaço era
rompido em diferentes ângulos, por entre os espectadores, nas coxias ou, ao fundo,
o que também ajudava na construção cênica da passagem do tempo.
Na passagem do primeiro para o segundo ato, que ocorre na área externa
da casa, a iluminação é baixa, um vento parece soprar, o tecido do teto move-se
deixando cair algumas folhas, todos os móveis saem do cenário e ao fundo o palco
sofre uma inclinação. O palco está totalmente vazio. Aqui também a música é entoada
em cena. No segundo ato os personagens quebram a convenção do espaço cênico,
saem em direção ao público, surgem por debaixo do palco, sugerindo a ideia de que
as fronteiras foram rompidas Trata-se de um ato mais “lírico”, no qual as palavras nos
transportam às imagens.
A composição cênica desse ato demonstra a importância da música nos
espetáculos de Strehler. Ele esclarece:
A música me ajuda também a dar uma dimensão poética aos meus espetáculos e a apagar o realismo, pois não sou um encenador realista no sentido que se atribui geralmente a esse termo. Tenho consciência também que o silêncio pode, às vezes, ser um elemento “sonoro” importante. Por exemplo, no Jardim das Cerejeiras, no segundo ato, encontramos uma das armadilhas sonoras “mais célebres” da encenação. A didascália diz: De repente, surge um som longínquo, como que vindo do céu, de um acorde que se rompe antes de morrer tristemente. ” E Liubov pergunta: “ O que é? ” Que som é esse, de fato? Talvez o som de uma sociedade que se desfaz, um som de inquietação: esse achado de Tchékhov foi um problema para os encenadores que montaram a obra, alguns encontraram soluções muito belas, outros menos. [...] decidi suprimir esse som. Todas as personagens voltavam-se para escutar alguma coisa que o público não ouvia. Não se tratava de uma astúcia de minha parte, mas de uma conquista do silêncio. Tudo isso para dizer que o silêncio é também um elemento musical164.
164 STREHLER apud TANANT, 2015, p.70.
94
No texto, Tchékhov indica as passagens de tempo por meio das visitas
recebidas na propriedade, visitas que faziam parte do cotidiano daquele lugar.
Nenhuma iria transformar diretamente o destino já traçado da família
Figura 13 – No Jardim das Cerejeiras (Foto: Arquivo do Piccolo – Teatro di Milano - Teatro d’Europa)
A encenação de O Jardim das cerejeiras de Strehler aborda um futuro
urgente e inevitável das personagens e um passado sem volta, acabado, que não foi
transformado, mas sim encerrado. Passado que chegou a ser questionado, mas sem
movimentos para transformá-lo em um futuro esperado ou planejado, limitando-se a
aceitar o que estava sendo imposto pelas circunstâncias sociais de um país em
transformação. Nesta versão as dores são impossíveis de suportar, as derrotas fazem
mal, as emoções são tristes. Algumas das cenas nos fazem lembrar dilacerações de
um passado aguçado pelas memórias das coisas. Com tal proposição, cada objeto da
sala de infância acentua as histórias individuais das personagens e faz com que
aflorem suas memórias como um veículo para tentar compreender o futuro já traçado,
inevitável. Nenhum objeto é decorativo, cada um deles tem sua particularidade e sua
relação com o desenvolvimento das ações e da encenação. O presente parece ser
95
uma forma de rememorar, de aceitar e não de buscar uma saída. As mágoas são
carregadas e não exorcizadas.
Em relação ao trabalho com elenco, nessa segunda edição de O Jardim
das Cerejeiras o encenador foi bastante incisivo. A cada ator e atriz ele exigia um
estudo detalhado da personagem, e acompanhava tudo de perto e de um modo
individualizado.
A atenção dada ao desempenho do ator nos processos de encenação de
Strehler, quanto ao detalhamento e à expansão do campo de jogo para elaboração da
personagem e da encenação, nos faz lembrar da noção stanislavskiana dos “círculos
de atenção”.
D’Agostini define os círculos de atenção do seguinte modo:
O chamado círculo de atenção é um espaço traçado pela visão do ator no qual pode haver muitos objetos, pontos ou focos. Sobre eles o ator pode dirigir a sua atenção, dentro do limite estabelecido do círculo. Os círculos de atenção se tornam relativos conforme a ação que se desenvolve no espaço. K. Stanislávski determinou que a extensão dos espaços internos e externos do círculo de atenção fossem definidos como pequeno, médio e grande círculo165.
Os círculos de atenção estão divididos, portanto, em três: pequeno, médio
e grande círculo, e estão ligados à relação do ator com a obra e com o próprio
momento do jogo cênico, assim como a proposta das caixas de Strehler.
De acordo com as definições de D’Agostini,
O pequeno círculo é um espaço íntimo do ator, onde se realizam ações próximas, de caráter complexo e singular, seja com o objeto, com o espaço, consigo mesmo, com o pensamento ou com o partner. Pela sua característica espacial condensada, ele permite ao ator experimentar em cena, diante do público, o isolamento de tudo aquilo que está fora do limite determinado pelo pequeno círculo.
O médio círculo amplia a extensão da área de visibilidade da atenção e pertence ao particular, ou seja, abarca o espaço da atuação do jogo cênico, onde estão contidos os pequenos círculos de atenção com seus objetos de atenção.
O grande círculo possui o caráter universal. É o lugar das grandes ideias, memórias, reflexões que se realizam pela visualização das imagens do pensamento que o ator projeta externamente. Esses limites dependem das convenções dadas pelo diretor, pelo texto e pelo
165 D’AGOSTINI, 2007, p. 64
96
próprio imaginário do ator, ao estabelecer e relativizar os espaços em que atua e os objetos cênicos concretos ou imaginários de sua atenção num determinado momento166.
As caixas às quais Strehler se refere, assim como os círculos de atenção,
permitem ao ator/atriz uma compreensão da obra e de seu papel diante dela. Voltam-
se todas as atenções para o jogo entre o interno e o externo, o espaço, os objetos e,
consequentemente, o desencadeamento das circunstâncias propostas.
O ator deve e pode transitar entre um círculo e outro o que lhe ajudará a
manter-se por inteiro no desenvolvimento de suas ações, consciente de seu processo.
Isso lhe permitirá agir nas circunstâncias propostas e assim desencadear um processo
de criação que parte do particular, mas que estabelece relações com o todo no qual a
encenação está estruturada, isto é, atores e atrizes, objetos de cena, iluminação,
cenografia e a própria necessidade dos diálogos.
Faziam parte do elenco dessa segunda edição, atores e atrizes que já
haviam trabalhado com Strehler e que tinham um grande reconhecimento no teatro
italiano, tais como: Valentina Cortese167 (Andreievna Liubov), Renato di Carmine168
(Gaev), Giulia Lazzarini169 (Varia), Franco Graziosi170 (Lopakhine – mercador), Renzo
166 Ibidem, p.64-65 167 Valentina Cortese (1923): Renomada atriz de teatro, cinema e televisão. Trabalhou em vários espetáculos do
Piccolo Teatro di Milano, sob a direção de Giorgio Strehler, com quem teve uma relação amorosa. No cinema
trabalhou com diretores como Federico Fellini, François Truffaut, Franco Zeffirelli e outros. Mundialmente
reconhecida pelas inúmeras atuações no cinema, que lhe renderam vários prêmios internacionais. Uma das divas
da Itália. 168 Renato de Carmine (1923-2010): Estudou na Accademia Nazionale d’Arte Drammatica e no Centro
Sperimentale di Cinematografia, ambos em Roma. Iniciou sua carreira de ator teatral no final dos anos 40.
Trabalhou com cinema e televisão e desenvolveu atividades no setor de prosa radiofônica. Trabalhou com Strehler
por um longo período, inclusive quando ele esteve afastado no Teatro Azione. 169 Giulia Lazzarini (1934): Estudou no Centro Sperimentale di Cinematografia de Roma. Dedica-se a
interpretação no teatro, cinema e televisão. Realizou vários trabalhos no Piccolo Teatro di Milano, com a direção
de Giorgio Strehler, dentre eles destaca-se: A tempestade (no papel de Ariel) e Dias Felizes. Esses espetáculos lhe
renderam uma grande projeção. Pelo filme Mia Madre, de 2015, recebeu diversos prêmios. Mantem-se ativa nos
trabalhos como atriz. 170 Franco Graziosi (1929): Estudou na Accademia de Silvio D’Amico. Em 1953 iniciou sua carreira teatral no
Piccolo Teatro di Milano.
97
Ricci171 (Firs, velho criado de 87 anos), Claudia Lawrence172 (Charlotta – governanta)
Gianni Santuccio173, Marisa Minelli174 (Duniacha – empregada).
No entanto, a experiência não os poupou da meticulosidade e do
aprofundamento exaustivo e crítico em cada uma das personagens a serem criadas
e, se necessário fosse, chegavam a quebrar as próprias regras que haviam sido
estabelecidas em seu fazer teatral. As provocações de Strehler, muitas vezes, eram
de ordem pessoal para que os atores e atrizes atingissem determinadas expectativas
do diretor. Esse modo de trabalho exaustivo e exigente renderia a Strehler a fama de
o mais adorado e o mais odiado dos encenadores italianos.
Tratava-se de um modo de trabalhar bastante desgastante, baseado em
provocações, com as quais os atores e atrizes muitas vezes extrapolavam suas
próprias emoções. Assim, o que deveria ser um processo de descobertas e criação
passava por momentos de uma espécie de tortura. Com o passar do tempo, Strehler
percebeu que tal prática distanciava todos do fazer artístico e que um meio concreto
de retomar à criação era valer-se das descobertas que haviam sido alcançadas
durante o estudo da obra. Passou então a criar espaços para que os atores e atrizes
tivessem a compreensão das situações que iriam abordar e pudessem criar livremente
para depois adequá-las à estruturação das cenas.
Para a jovem personagem Ania, de O Jardim das Cerejeiras, Strehler se
propôs a um desafio: buscar uma atriz semelhante à de uma descrição feita por
Tchékhov em uma carta a Nemiróvitch-Dâncthenko na qual ele elencava algumas
características da jovem personagem. Para selecioná-la fez uma audição com jovens
atrizes no Piccolo Teatro e lhe chamou muito à atenção a semelhança dos traços de
Monica Guerritore175 com os de Ingrid Bergman (sua atriz preferida).
171 Renzo Ricci (1899-1978): Ator e diretor teatral. Formou-se na Accademia dei Fidenti. Participou como ator de
várias produções do Piccolo teatro, dentre elas destaca-se sua última interpretação na encenação de O Balcão (de
Jean Genet). Também participou como ator numa extensa produção do cinema italiano 172 Claudia Lawrence (1925): Atriz e bailarina com formação clássica e moderna. Atuou no cinema, teatro e
televisão. Exerceu atividades de coreógrafa. Reconhecida também por sua grande formação cultural. 173 Gianni Santuccio (1911-1989): Ator e diretor italiano, com formação na Accademia Nazionale d’Arte
Drammatica Silvio D’Amico, em Roma. Atuou no teatro, cinema, televisão e rádio. Muito reconhecido por sua
voz potente e forte. 174 Marisa Minelli (1936-1998): Estudou na Accademia dei Filodrammatici, em Milão. Interpretou durante muitos
anos a Esmeraldina do espetáculo Arlequim Servidor de Dois Patrões. 175 Monica Guerritore (1958): Atriz, diretora e dramaturga teatral, atua no cinema e televisão. Recebeu vários
prêmios em festivais de cinema e teatro. No cinema trabalhou com diretores como Orsini e Bertolucci. Em 1995
98
Guerritore, na época com 17 anos, não tinha uma experiência teatral
significativa. No entanto, este foi um dos fatores que levou Strehler a escolhê-la, já
que acreditava que atrizes mais experientes teriam dificuldades em construir a
personagem. Strehler afirma: “esta personagem requer um frescor nada convencional,
uma capacidade de disponibilidade que me levaram a estender minha busca fora do
meio tradicional”. Por isso em Mônica ele esperava ter encontrado “aquele cavalinho
selvagem” no ponto de ser modelado e amestrado segundo as precisas indicações de
Tchékhov176.
Ao trabalhar com atores e atrizes experientes, e ao mesmo tempo buscar
uma jovem aspirante, Strehler se colocou em um processo desafiador de ensaios, pois
deveria lidar com a formação da atriz que faria Ania em pleno jogo de cena com os
atores e atrizes já acostumados com seu modo de criação.
Os ensaios eram iniciados com uma espécie de resumo da cena a ser
trabalhada e com um detalhamento da ambientação como estava descrita no texto, o
que no contexto desta encenação seria simbolizado por poucos objetos,
representando assim a plasticidade que iria caracterizar o espetáculo. Strehler
comentava e questionava os participantes a respeito dos acontecimentos que
deveriam ser improvisados. Os atores já tinham um conhecimento prévio do texto e
da trajetória de desenvolvimento deste estabelecidos durante a leitura de mesa( nesse
processo de “ mesa” era o espaço criado por Strehler para apresentar aos atores e
atrizes todas suas pesquisas em relação a obra, suas relações com outras artes).
No entanto, o detalhamento das situações que compunham o enredo dava-
se no decorrer de cada ensaio. Isto gerava uma proximidade maior dos atores e das
atrizes com a obra, e, ao mesmo tempo, fazia com que se apropriassem dos
acontecimentos, o que os levava a espontaneamente criar e a agir de acordo as
situações. O texto falado, os diálogos, acabavam por se tornar uma necessidade das
personagens no decorrer da obra. Sob esse aspecto, é possível observar também
aqui uma evidente aproximação aos procedimentos da análise ativa
stanislavskiana177.
voltou a interpretar O Jardim das Cerejeiras, no papel de Liubov sob a direção de Gabriele Lavia. Tem se dedicado
à investigação de mulheres que deixaram sua marca e que ajudaram a mudar o mundo. 176 M.E. Corriere della Sera. Milão, 02 março 1974. 177 Em relação às modificações das abordagens de Stanislávski de seus processos de criação, Zinguerman afirma:
“Nos últimos anos ele pondera persistentemente a respeito da forma interna da peça. Agora ele não se apressa em
99
Como já se sabe Strehler fazia questão de que todos os envolvidos no
espetáculo participassem de tudo desde o primeiro ensaio. Não só os atores, mas
também seus fiéis companheiros de criação nas aventuras cênicas: o músico Fiorenzo
Carpi178 e o cenógrafo e figurinista Luciano Damiani179 e os iluminadores e
cenotécnicos.
Sempre elaborei meu trabalho no palco. Foi no palco que desatei os nós e resolvi os problemas de meus espetáculos. Foi na prática do palco, trabalhando com os materiais como um artesão, modelando vozes, os cenários, os figurinos com meus colaboradores, que realizei meus espetáculos; mas inserindo também alguma iluminação no espaço desde o primeiro dia, tirando das caixas os figurinos e acessórios, relacionando o trabalho dos maquinistas e eletricistas com o dos atores – modelando aos poucos, com meus colaboradores [...]180.
O espetáculo surgia da comunhão entre todos os participantes e se
concretizava, progressivamente, a cada dia de ensaio. Como nota-se acima as
propostas de cenografia e de criação de objetos iam sendo estabelecidas durante os
ensaios, de acordo com as necessidades das situações cênicas e com propostas que
desafiavam o jogo dos atores. A presença exigida dos iluminadores era justificada,
pois a luz era concebida a partir do jogo e também das tensões criadas. O mesmo
acontecia com a música. Todos os elementos poderiam ser retomados, recriados, ou
mesmo descartados a cada dia de ensaio, até que fosse encontrada uma forma
precisa que fechasse o ciclo da montagem, das necessidades criativas e da proposta
de concepção.
fixar mises em scène, mas espera que elas surjam de maneira natural e inevitável no decorrer da improvisação
coletiva. Quer que a forma espacial da peça nasça por si só, para que os intérpretes improvisem mises em scène
como os atores da commedia dell’arte fazem suas improvisações. Ensaiando, Stanislávski não constrói mises em
scène (elas virão mais tarde), mas ação” ZINGUERMAN. Boris. As inestimáveis lições de Stanislávski. In
CAVALIERE, Arlete e Elena Vássina (orgs), 2011, p.19. 178 Fiorenzo Carpi (1918-1996): Formado em composição musical no Conservatório de Milão, foi o compositor
predileto de Giorgio Strehler, com quem manteve uma longa amizade. Trabalhou como compositor com outros
diretores teatrais e produtores. Desenvolveu trilhas sonoras para o cinema e compôs algumas canções de sucesso
na Itália. 179 Luciano Damiani (1923-2007): Um dos cenógrafos mais reconhecidos da Itália. Trabalhou por um longo
período com Giorgio Strehler e foi responsável pela cenografia de todas as obras de Brecht encenadas por ele.
Realizou a cenografia da segunda versão de A tempestade e de muitos outros espetáculos do Piccolo Teatro di
Milano. 180 TANANT, 2015, p.38.
100
Como Strehler tinha profunda intimidade criativa com as personagens
(parecia que ele mesmo já havia vivenciado cada uma delas), em muitos momentos
interferia e limitava os atores em suas descobertas de criação. Como estava atento
até ao seu próprio comportamento, muitas vezes se colocava em jogo com os atores
e atrizes, ora questionando, ora afrontando-os como uma maneira de despertar a
criatividade de cada um deles.
Giulia Lazzarini relata algumas recordações do período de trabalho com
Strehler:
Strehler costumava contar a história do ator, as dificuldades de entrar em cena e os conflitos de uma atriz, em uma espécie de metateatro. E completava, deve-se ter o humano no jogo, isto é, interpretar a diversão do fazer teatral. O homem a serviço do homem. Jogava com as paixões dos atores, com sua coragem diante do teatro181.
Através desses relatos foi que cheguei à conclusão de que Strehler era
mesmo um diretor minucioso que se dedicava ativa e diretamente a todo o processo
criativo dos espetáculos que encenava.
No entanto, Giorgio Strehler tinha o costume não estar presente nas suas
estreias. Como justificativa para tais ausências costumava dizer que seu trabalho
como diretor havia terminado antes daquele momento, e que a partir dali, o espetáculo
era exclusivamente dos atores. No entanto, costumava emitir cartas aos atores no dia
da estreia nas quais expressava seus arrependimentos, ressaltava pontos aos quais
deveriam estar atentos durante a atuação de seus personagens e, algumas vezes,
questionava integralmente o próprio processo
Essas cartas eram enviadas, principalmente, aos atores ou atrizes que
interpretariam as personagens centrais. A carta da qual foi extraído o trecho a seguir
foi enviada a Valentina Cortese, a Liubov da segunda edição de O Jardim.
[....] Hoje tenho quase certeza que não devia fazer este Jardim. Nem por mim nem por você. Estou certo que você tinha razão. Que não era preciso submeter-te a esta dor cotidiana, renovada todos os dias naquele palco cênico, entres aqueles muros, naquele “lugar”... Você estava com a razão e, involuntariamente, fui monstruoso e cruel. Mas
181 LAZZARINI, Giulia. Entrevista concedida a autora desta pesquisa. Milão: 2015.
101
não queria. Assim me justifico. Não tinha eu, nenhuma necessidade de fazer o Jardim!
Deveria ter desistido de fazê-lo para salvar a minha saúde já tão comprometida. E ao fazê-lo acabei por destruir uma parte de você. Posso, então, me dar razão e me sentir em paz? Essa indagação também habita o fundo do meu trabalho, nessa hora em que já impotente espero que se realize uma parte única e pequena daquilo que eu desejava e sabia. Peço somente que me perdoe porque o que aconteceu, aconteceu com pureza de coração e não por irresponsabilidade. Por engano, e mais nada.
Apenas aquilo que eu te disse, aquele milagre que poderia me absolver e dar um sentido ao seu enorme mal que é correlato ao imenso mal que causei a mim mesmo. Assim, concluo estas minhas linhas desesperadas, mais desesperadas do que parecem. Estou aqui, já sem forças, nem palavras, cansado, cansado, cansado...182.
A carta enviada a Valentina é extensa. Nela Strehler mistura questões de
ordem pessoal entre os dois e a correlação entre a obra e o espetáculo. As cartas
eram o meio encontrado para se penitenciar por seus próprios erros quando revia sua
postura, e os questionava diante da participação criativa dos artistas. Também era
uma forma de se aproximar deles através do fazer artístico e de superar possíveis
conflitos resultantes de sua insatisfação com o resultado de sua própria criação.
Outro aspecto que deve ser ressaltado é que o movimento provocado por
Strehler em direção a seus atores e atrizes, no que dizia respeito à criação e à
composição do trabalho em questão, lhe exigia um diálogo que tivesse o caráter
plástico e simbólico que a obra requeria. A exemplo disso, pode-se citar os
questionamentos de Strehler quanto a forma mais adequada para abordar o terceiro
ato da peça. Neste ato, em que Strehler entendia ser preciso enfatizar o presente das
personagens, acontece a concretização cênica de um baile. Em cena havia uma série
de indicações de imagens e acontecimentos: um jogo de bilhar; a pequena orquestra
182“…Oggi sono quasi sicuro che non dovevo fare questo Giardino. Né per me né per te. Sono sicuro che tu avevi
ragione. Che non bisognava sottoporti a questo dolore quotidiano, quotidianamente rinnovato, in quel
palcoscenico, tra quei muri, in quel “luogo” … Avevi ragione e io sono stato involontariamente mostruoso e
crudele. Ma non volevo. Mi giustifico così. Non avevo nessun bisogno di fare il Giardino, io! Avrei dovuto non
farlo per salvare la mia salute ormai tanto compromessa. E facendolo ho distrutto ancora altro di te. Posso dunque
darmi pace e ragione? Anche questo sta al fondo del mio lavoro, in queste ore in cui aspetto ormai impotente che
si realizzi una parte solo e piccola di ciò che volevo e sapevo. Ti prego solo di perdonarmi perché ciò che avvenuto
è avvenuto in purità di cuore e non per incoscienza. Per errore, niente altro. Solo ciò che ti ho detto, quel miracolo
poteva assolvermi e dare un senso a questo enorme tuo male al quale fa riscontro un altro mio enorme male. Così
chiudo queste mie righe disperate, più disperate di quello che paiono. Sono qui, ormai senza forze, né parole,
stanco stanco stanco…” (tradução nossa) STREHLER. Giorgio. Appunti di regia di Il Giardino dei ciliegi. Carta
a Valentina Cortese. Protagonista de O Jardim Das Cerejeiras. p. 16.
102
que toca; as intervenções artísticas e os números de magia com cartas realizados por
Charlotte travestida de homem. Transpira no ar a expectativa do leilão e, ao mesmo
tempo, a tensão decorrente da festa se tratar de uma espécie de adeus ao lugar.
Em relação às expectativas de Strehler de como esse ato se desenvolveria,
encontramos a seguinte reflexão em seus apontamentos:
Tudo. O drama do leilão e da “perda da propriedade”, da mudança, da transferência de posses e de bens, tem lugar nessa atmosfera festiva, música, jogo, figuras e rumores, aplausos e danças. E ainda é, claramente, a realidade plausível, possível e eterna. É possível, portanto, escolher o bilhar como “centro de focalização” de tudo isto? Não é limitá-lo a um símbolo total da realidade? Seria como colocar no centro a pequena orquestra hebraica. Ou fazer todos dançarem o tempo inteiro. Ou outra coisa.
Todavia, já que o “salãozinho que um arco divide da sala” deve necessariamente ter seu centro e seus elementos de apoio para a atuação, mais ainda do que a situação; podemos sugerir uma hipótese para a solução: “fora”, todos os elementos sonoros (música, bilhar, dança, vozes e outros); “dentro”, somente as ações importantes. Mas eis que temos algumas ações de jogo também em cena: o jogo de cartas, o espetáculo, o disfarce. Onde estão acontecendo? E, antes disso, em que consistiu o elemento plástico simbólico-realista do salãozinho para os personagens? Obviamente em “coisas para se sentar”-: divã e cadeiras, talvez poltronas e cadeiras. É este o elemento típico que pode dar sustentação às ações, pode significar uma “história”, pode dar o sentido da propriedade em ruína, também o metafísico da cadeira vazia, o tempo ou outra coisa. A cadeira ou poltrona, certamente, se sozinha em cena é um elemento de estranha força: nunca irá significar somente “sentar-se”. Uma quantidade maior de cadeiras vazias sugerem “angústia”: incerteza, mistério: quem vai sentar-se? Ninguém vai sentar? Aquelas cadeiras estão à espera de que? De quem? Vazias, são também solidão; ocupadas, podem ser uma conversa, a sociedade reunida, as pessoas. Pessoas que podem fazer tudo com as cadeiras: podem fazer amor nelas, ou morrer sobre elas183.
183 “Tutto. Il dramma dell’asta e della “perdita della proprietà”, del mutamento, del trapasso di poteri e di beni,
avviene in questo clima di festa, musica, gioco, figure e rumori e suoi a applausi e danze. Ed è chiaramente ancora
il vero plausibile, possibile ed eterno. È possibile dunque scegliere come “centro di focalizzazione” di tutto ciò il
biliardo? Non è limitare a un simbolo di realtà del tutto? Sarebbe come mettere al centro l’orchestrina ebraica. O
far ballare sempre tutti. O altro. Purtuttavia, poiché questo “salotto che un arco divide dalla sala” deve avere per
forza un suo centro e delle sue parti di appoggio alla recitazione, più ancora che alla situazione, possiamo ipotizzare
questa soluzione: “fuori”, tutti gli elementi sonori (musica, biliardo, danza, voci, brindisi e altro); “dentro”, solo
le azioni importanti. Ma ecco che avvengono alcune azione del gioco anche in scena: il gioco delle carte, lo
spettacolo, il travestimento. Dove avvengono? E prima ancora, in che cosa consiste l’elemento plastico simbolico
realistico del salotto per i personaggi? Ovviamente nelle “cose per sedersi”: divano e sedie, oppure poltrone e
sedie. Sono queste l’elemento tipico che può dare sostegno all’azione, può significare una “storia”, può dare il
senso della proprietà in rovina, il metafisico anche della sedia vuota, il tempo o altro. La sedia o poltrona, certo,
se sola in scena è un elemento straniante potentissimo: non significa mai solo “sedersi”. Più sedie vuoto sono
“angoscia”: incertezza, mistero: chi si sederà? Si sederà mai qualcuno? Cosa aspettano quelle sedie? Chi? Vuote,
103
Na concretização final da encenação, Strehler utilizou-se apenas das
cadeiras, dos sons do bilhar e da orquestra (que estavam fora da cena, como o texto
indica). Os níveis de tensão propostos nas cenas desse ato aconteciam por meio dos
jogos dos atores e da relação deles com as cadeiras. A primeira cena é iniciada com
a entrada do velho criado Firs bailando com uma cadeira, ao som da orquestra, para
estabelecer que naquele espaço acontecerá o baile. As personagens entram com
taças nas mãos; dançam por entre as cadeiras; reorganizam o espaço para a exibição
artística de Charlotte que está vestida de mágico e faz jogos acrobáticos e com cartas.
Neste jogo também aparecem verdades sendo ditas e expectativas sendo
desmanchadas. O ato encerra com a chegada de Gaev com a notícia da perda da
propriedade. As cadeiras desabam ao chão, assim como Liubov, ao receber a notícia.
Uma imagem simples e potente. A dimensão simbólica estava presente nos elementos
cenográficos e nas próprias ações dos atores e atrizes. O que havia começado
festivamente parece terminar em ruína.
sono anche solitudine; occupate, possono essere la conversazione, la società raccolta, la gente. Gente che con le
sedie può fare tutto: può fare all’amore, o morirci sopra” (tradução nossa). STREHLER, Giorgio. Appunti di
regia di Il Giardino dei ciliegi, 1974, p.07. Disponível no arquivo digital do Piccolo Teatro di Milano
http://archivio.piccoloteatro.org/eurolab
104
Figura 14 – O Baile (Foto: Arquivo Piccolo Teatro di Milano – Teatro d’Europa)
A ambientação do último ato remete a do primeiro como o fechamento de
um ciclo. Os móveis voltam a ser cobertos; todos partem com seus pertences
deixando esquecido o velho criado Firs que nutre a esperança de que retornarão, em
breve, para buscá-lo; a luz vai sumindo lentamente e nos deixa a dúvida se ele partirá
com os outros ou com a morte.
Nessa montagem Strehler desenvolveu uma relação estreita com o estudo
do texto se prendendo aos detalhes para a criação do espetáculo. Esse procedimento
reaparece em vários outros momentos de seu percurso criativo nos quais mantém,
repete e amplia os modos de concepção, evidentemente, conjugados a outras
metodologias e procedimentos que dependem das necessidades e características
exigidas pelas especificidades de cada obra.
105
Figura 15 – Fim de Firs (Foto: Arquivo do Piccolo Teatro di Milano – Teatro d’Europa)
Após um período afastado do Piccolo Teatro di Milano, o retorno de Strehler
a este teatro veio acompanhado de um desejo imenso de superar-se. Foi exatamente
nesse período que ele produziu suas encenações mais emblemáticas que marcaram
uma geração de espectadores e artistas pelo mundo. Esse tempo revela elementos
recorrentes, que caracterizo como procedimentos strehlerianos de direção, que
passam, consequentemente, a configurar um percurso de sua formação como
encenador.
As relações com a commedia dell’arte em Arlequim Servidor de Dois
Patrões e alguns dos procedimentos do sistema de Stanislávski em O jardim das
Cerejeiras podem ser verificados como recorrências em sua última montagem de A
Tempestade.
106
CAPÍTULO IV
A TEMPESTADE
“Depois de tanto errar, depois de tanto amar, depois de tanto teatrar, teatrar como a união total entre errar e amar, no teatro, dentro do teatro, no fundo do teatro, eu faço A Tempestade porque dentro de mim senti que é preciso dar mais importância à “vida” do que ao teatro. E na vida talvez, também fazer teatro, mas não fazer teatro em lugar da vida ou o teatro como substituto da vida. Na Tempestade há a extrema fadiga e a vaidade do teatro, a extrema importância desiludida da vida e ao mesmo tempo a glorificação do teatro desiludido e triunfante, como um meio altíssimo, mas dentro de certos limites e abrangências, inúteis para o mover inconcebível da vida que sempre os supera”184.
(Giorgio Strehler)
William Shakespeare foi o autor mais explorado por Giorgio Strehler em sua
trajetória artística. O contato de Strehler com as obras de Shakespeare se deu,
principalmente, no final dos primeiros anos de fundação do Piccolo Teatro. A
Tempestade185 foi o décimo segundo texto de Shakespeare encenado por Strehler.
Dos espetáculos realizados a partir das obras186 de Shakespeare oito foram
encenados nos primeiros sete anos do Piccolo Teatro, os outros quatro foram
intercalados dentro de um grande espaço de tempo, cerca de vinte anos, na trajetória
artística de Strehler.
... os textos a partir dos quais elaborei minhas encenações foram escolhidos em função de seu conteúdo, daquilo que eles relatavam do homem, das relações do homem nas sociedades de todos os tempos,
184 “Dopo tanto errare, dopo tanto amare, dopo tanto teatrare, teatrare come somma unica di errare ed amare, nel
teatro, dentro il teatro, nel fondo del teatro io faccio la Tempesta perché dentro di me ho sentito che bisogna dare
più importanza alla vita che al teatro. E nella vita, anche forse fare del teatro ma non fare il teatro al posto della
vita o il teatro come sostituto della vita. Nella Tempesta c’è l’estrema stanchezza e vanità del teatro, l’estrema
importanza delusa della vita e nello stesso tempo la glorificazione del teatro delusa e trionfante, come un mezzo
altissimo ma entro certi limiti e vasti, inutile per il muoversi inconcepibile della vita che sempre lo
supera”.(tradução nossa) In COLOMBO, Rosy. William Shakespeare, Agostino Lombardo, Giorgio Strehler -
La Tempesta - Tradotta e Messa in scena. Roma: Donzelli Editore, 2007, p.XXVII . 185 Reconhecida como a última peça escrita por Shakespeare. 186 Obras de Shakespeare encenadas por Giorgio Strehler: Ricardo II e A Tempestade (1948); A Megera domada
(1949); Ricardo III (1950); Rei Enrique IV, Noite de Reis (1951); Macbeth (1952); Júlio Cesar (1953); Coriolano
(1957); Rei Lear (1972) e A Tempestade (1978).
107
mas também em função das propostas de interrogação da teatralidade, dos motivos e do modo de nosso fazer teatral187.
Sua primeira encenação de A Tempestade foi realizada em 1948, no Jardim
de Boboli188, em Florença, mas, de acordo com críticos teatrais italianos foi um
espetáculo que deixou a desejar. Tais críticos chegaram a afirmar que o local da
encenação não foi adequado para a proposta de Strehler (dentre diversas outras
afirmações que acentuaram o fracasso do experimento shakespeariano). E, apesar
do tom fantasioso da peça, se referiram a ela, com certa ironia, como o último
espetáculo renascentista da Itália.
Figura 16 – Tempestade do Jardim de Boboli (Foto: Arquivo do Piccolo Teatro di Milano – Teatro d’Europa)
Sobre suas experiências com as obras de Shakespeare, Strehler afirmava:
Aprendi uma coisa fundamental: é preciso enfrentar os grandes textos em condições de disponibilidade total, depois de um tempo de muita
187 TANANT, 2015, p.41 Myriam. 188 A cenografia desta encenação de A Tempestade foi criada por Gianni Ratto.
108
meditação, tendo a possibilidade de ensaiar tantas vezes quanto for necessário. A consciência da derrota me fez compreender a necessidade de amadurecer. De resto, estou convencido de que, na verdade, de engano em engano se progride, mas, sobretudo, trabalhando189.
O processo da última encenação de A Tempestade190 ocorreu na
temporada de 1978, no Teatro Lírico de Milão191 e, posteriormente, foi retomado em
1983, no Teatro Odéon −Teatro da Europa, em Paris. Nessa encenação Strehler
exprimiu cenicamente sua própria reflexão sobre A Tempestade como gigantesca
matéria de espetáculo: como obra que realiza um processo metacrítico sobre a
escritura teatral, sobre os ofícios do dramaturgo e do diretor. Portanto, “um objeto
cênico”, o campo de experimentações em torno do qual se discute o que é fazer
teatro”192.
A Tempestade esteve secreta e constantemente presente em minha longa pesquisa sobre Shakespeare. Ao montar pela primeira vez o espetáculo, praticamente iniciava meu trabalho de encenador e parecia importante desafiar o impossível que representava e representa até hoje aos meus olhos a encenação deste texto. [...] Ao retomar A Tempestade, compreendi que era uma obra desesperada: um grito final diante da derrota de um projeto falho. É também a caminhada de seu herói, Próspero, em direção ao conhecimento, em direção à conquista do real. É a nossa própria caminhada laboriosa em direção ao conhecimento, de nós outros, intérpretes e espectadores193.
Para o reencontro com a obra de Shakespeare Strehler passou mais de um
ano estudando e investigando suas possíveis interpretações textuais, e construindo
uma tradução que se adequasse à língua italiana. Para tanto contou com a ajuda de
Agostino Lombardo194 na tradução e de Jan Kott195 e Luigi Lunari196 na discussão e
189 TANANT, 2015, p.43 190 A encenação, filmada pela RAI, está disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=aVN94wgXRd4 191 De acordo com Gaipa, o espetáculo A tempestade, que deveria acontecer no Piccolo Teatro, foi transferido para
o Teatro Lírico por questões de espaço (2012. p.46). 192 GRIGA, Stefano Bajma. La Tempesta di Shakespeare per Giorgio Strehler. Firenze: Edizioni ETS, 2005. 193 TANANT, op. cit., p. 44-45 194 Agostino Lombardo (1927-2005): Foi professor de língua e literatura inglesa na Universidade La Sapienza, de
Roma. Crítico literário. Responsável pelas traduções em língua italiana da obra de Shakespeare. Colaborador de
Giorgio Strehler, Peter Stein e outros encenadores europeus. 195 Jan Kott (1914-2001): poeta, tradutor e renomado crítico teatral da obra de William Shakespeare. 196 Luigi Lunari (1934): dramaturgo, tradutor e ensaísta italiano. Colaborou como dramaturgo e tradutor das obras
de Shakespeare, Brecht e Tchékhov no Piccolo Teatro di Milano até 1982. Sua experiência com o Piccolo Teatro
lhe rendeu muitos ensaios históricos e críticos sobre o teatro produzido por Giorgio Strehler.
109
compreensão das principais características do texto. Para os estudos de pré-
encenação Strehler costumava reunir imagens, músicas e poesias que, de alguma
forma, remetessem ao texto e às suas personagens. Esses materiais eram um
estímulo muito particular do encenador, pois muitas vezes não estavam ligados
diretamente ao contexto da obra e serviam mais propriamente como associações
imagéticas, apropriações poéticas que propiciassem diálogos particulares expandidos
entre Strehler e a obra.
Como exemplos de alguns desses estímulos podemos citar as músicas
Lamento di Arianna197, de Claudio Monteverdi (1608) e Didone abbandonata198, ópera
lírica de Leonardo Vinci (1726). Essas músicas estiveram presentes nos ensaios e
serviram como inspiração nas composições desenvolvidas por Carpi para o
espetáculo.
Figura 17 – Imagens fotografadas pela autora dessa pesquisa no Civico Museo Teatrale C. Shimidt – Fondo Giorgio Strehler – Comune di Trieste – Itália, em 2015.
197 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ZgGAKG2lM7I, interpretação de Les Arts Florissants,
Paul Agnew 198 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=4OpO2Y9hZwk, interpretação dos Solistas da Orquestra
Internacional da Itália, direção de Massimiliano Carraro.
110
Figura 18 – Imagens fotografadas pela autora dessa pesquisa no Civico Museo Teatrale C. Shimidt – Fondo Giorgio Strehler - Comune di Trieste – Itália, em 2015.)
Apresento acima algumas das imagens que Strehler utilizou como fonte de
inspiração para esta montagem. Parte delas está hoje no acervo do Fondo Giorgio
Strehler (um particular arquivo de materiais pessoais e profissionais) em uma pasta
denominada A Tempestade, junto com outros materiais referentes ao espetáculo.
A tarefa de tradução, feita por Lombardo, abrangia também a de
compreender o processo de análise que Strehler estava experimentando. Assim, o
trabalho conjunto foi muito importante como suporte para a fase inicial que traçava o
percurso da encenação que começava a ser delineado. A interlocução entre os dois
era frequente depois de cada ato traduzido. Em busca de desejo obsessivo de
compreensão, Strehler enviava a Lombardo inúmeros questionamentos e sugestões
para cada detalhe da obra. Em sua opinião deveria existir duas traduções: uma para
ser lida e outra para ser encenada e, embora as duas dialogassem entre si, deveriam
ser distintas. Em resposta a esse questionamento Lombardo escreveu:
A Tempestade é particularmente difícil porque, na tentativa de representar o movimento da vida e o modo pelo qual nós a conhecemos, Shakespeare tenciona o instrumento teatral ao limite
111
extremo – ou seja, ao limite onde a ilusão teatral e realidade se identificam199.
Cabe ressaltar que as traduções feitas para os espetáculos de Strehler iam
além da reprodução literária, pois que também abrangiam a análise detalhada da
intenção dos versos, dos significados de cada palavra e deveriam compreender o
subtexto de cada situação do texto. Por isso que um longo período era dedicado ao
estudo e compreensão da obra. Ele era primoroso quanto a escolha de uma linguagem
que fosse acessível ao público e aos atores. Isto era uma conduta importante no
desenvolvimento dos ensaios, já que proporcionaria aos atores e atrizes ir além das
palavras da obra de Shakespeare contidas no texto, ampliando as possibilidades de
criação, e dando assim maior liberdade para o jogo e para a compreensão das
situações da obra mediante a prática. No estudo e análise da obra, em parceria com
Kott e Lunari, eram discutidos a situação geral da obra, o tema central e as
particularidades das personagens.
Ao longo dos estudos para o espetáculo, Ariel, Caliban e a dupla de
cômicos Stefano e Trínculo, por portarem aspectos que se distanciam das virtudes
humanas, foram identificadas como máscaras. A partir dessas observações começou
a se esboçar um estudo detalhado das peculiaridades dessas personagens. Muitos
questionamentos foram discutidos e através deles o processo de criação começou a
ganhar forma. Dentro de tal contexto, voltou à tona a discussão em torno da máscara,
do teatro barroco e de toda e qualquer contribuição que pudesse acrescentar algo à
encenação.
Para Strehler os estudos feitos com Kott ressaltaram o caráter de
representação dentro da própria obra. Em seus apontamentos de direção Strehler
expressa o seguinte questionamento:
... “toda” A Tempestade é uma espécie de masque teatral, ou seja, (um intermezzo com máscaras) com outras masques em seu interior (bastaria pensar no bufão “napolitano”, no Pulcinella-Trinculo, no zanni-Stefano). Representação na representação. Dirigida por Próspero com a ajuda de Ariel. Tudo, ou quase tudo, é ficção, é
199 “La Tempesta è così ardua perché, nel tentativo di rappresentare il movimento della vita, e il modo in cui noi
conosciamo la vita, Shakespeare tende lo strumento teatrale all’estremo limite – al limite, cioè, in cui l’illusione
teatrale e la realtà si identificano” (tradução nossa). LOMBARDO In COLOMBO (org), 2007, p. XX.
112
representado “com um objetivo”. O objetivo da representação é o ponto focal da Tempestade. Por que?200.
A partir dessa constatação, várias indagações foram surgindo no processo,
tal como a reflexão sobre o que há de verdadeiro em A Tempestade. Os personagens
são verdadeiros, Próspero, Miranda, Caliban e todos os outros, mas as situações que
representam são fictícias. Com base nisso, Strehler exemplifica: o amor entre Miranda
e Ferdinando é verdadeiro, pois esse amor não é inventado por Próspero. Além disso,
o comportamento de Próspero que não consegue fugir da percepção realista de um
pai enciumado severo e tirano, acaba por contradizer a tentativa de manter controle
total das situações criadas por ele próprio. Ainda no raciocínio de Strehler, nesse
metateatro, Próspero aproxima-se da caracterização de diretor, visto por muitos como
um tirano. Esse mascaramento sofre mudanças de acordo com a condução das
situações e, tudo passa pelas mãos de Próspero e pela capacidade que tem de
transformação.
Strehler utilizou o próprio teatro como metáfora para realizar A
Tempestade. É Próspero que, como um diretor de cena, dá a batuta do andamento às
cenas e às suas transformações com sua vara mágica. A gruta em que Próspero mora
seria o próprio teatro, confirmando a ideia de ficção, de magia e de teatralidade como
propostas da concepção desse projeto.
... o lugar do teatro, da ficção: o livro que Próspero tem entre as mãos é o copião de direção que acolhe o repertório das ações cênicas, é o texto escrito por Strehler, assim como a vara mágica de Próspero é a batuta do regente da orquestra, daquele que conduz inteiramente a cena, desenvolve as situações, constrói os personagens e os faz se movimentarem dentro de um desenho de sua total responsabilidade.201
200 “[…]” tutta” la Tempesta è una specie di masque teatrale (cioè intermezzo con maschere) con dentro altri
masques ( basterebbe pensare al buffone “ napolitano”, al pulcinella – Trinculo, allo zanni Stefano).
Rappresentazione nella rappresentazione. Diretta a Prospero e da Ariele suo aiuto. Tutto o quasi è finto, è
rappresentato “per uno scopo”. Lo scopo della rappresentazione è il punto focale della Tempesta. Perché?”
(tradução nossa) STREHLER - Apontamentos de direção de 27 de janeiro de 1977. Este trecho foi enviado para
Agostinho Lombardo. In COLOMBO, 2007,p. 339. 201 “[…] il luogo del teatro, della finzione: il libro che Prospero tiene tra le mani è il copione di regia che accoglie
il repertorio delle azioni sceniche, è il testo scritto di Strehler così come la verga magica di Prospero non è altro
che la bacchetta del direttore d’orchestra, di colui che gestisce interamente la scena, sviluppa le situazioni,
costruisce il personaggio e li fa muovere all’interno di un suo disegno di cui lui solo è il responsabile”. (tradução
nossa) GRIGA, 2005, p.34.
113
Para Kott, o tema geral de A Tempestade é um passado que retorna, o que
está diretamente ligado às revisitações de Strehler às obras já encenadas, visando
aproximá-las do contexto da arte da época, da política202 e da sociedade. As últimas
grandes encenações teatrais de Strehler aprofundam o tema de uma sociedade que
o ser humano parece não ter mais como transformar; uma sociedade sobre a qual
paira uma espécie de desesperança, uma impressão de impossibilidade de saída.
Esta perspectiva de abordagem da obra dramatúrgica nos remete às
abordagens stanislavskianas da análise da ação dramática. Estas não se limitam à
compreensão da sua estruturação, mas compreendem também dimensões
ideológicas e buscam aproximar a arte teatral das inquietações humanas ao abranger
a universalidade do texto.
Na terminologia stanislavskiana a dimensão social ou ideológica da
encenação (a relação dela com o contexto sociocultural no qual se insere) é designada
pela noção de super-superobjetivo. D’Agostini o define da seguinte maneira:
...contempla a totalidade da vida do homem-artista, toda a atividade do autor, diretor e ator e possibilita ligar a individualidade artística com os problemas de importância fundamental na contemporaneidade, fazendo com que autores clássicos tenham voz no mundo atual, unindo os pensamentos e os sentimentos dos autores, diretores, atores e do espectador, num só impulso203.
Aqui se destaca o valor da direção teatral, em que o encenador se coloca
em jogo com a obra a ser encenada, exaltando o caráter de sua criação e de seu
diálogo com as propostas dos atores e das circunstâncias propostas pela obra.
Em relação a concepção de sua encenação, Strehler aponta:
... na Tempestade, podemos falar de “repetição”, seja no sentido da língua inglesa, seja no da francesa ou italiana, mas também na conotação mais específica de “repetição” do fazer teatro. Assim, podemos identificar cinco modalidades de repetição. A primeira é a
202 A Itália vivia naquele momento uma constante luta pelo poder político, dando origem a inúmeros protestos e
manifestações. O caso do assassinato do primeiro ministro Aldo Moro que, após permanecer 55 dias em cativeiro,
foi encontrado morto, assassinado por membros das Brigate Rosse (Brigadas Vermelhas) em um carro no centro
de Roma, no dia 16 de maio de 1978, foi o mais emblemático daquele momento. Esse episódio inquietou a
sociedade italiana e, em meio a tantos acontecimentos desastrosos, acabou sendo um dos mais marcantes daquele
ano. A maior parte da população italiana vivia em constante tensão, oriunda de atos injustos e tirânicos no âmbito
político e sofria suas duras consequências. O assassinato de Aldo Moro, de acordo com Strehler “era uma espécie
de apocalipse em que tudo se confundia, tudo se misturava: revolta, assassinato calculado, ritual político, numa
assustadora indiferença” (Corriere dela Sera, Milão: 1983. Disponível no arquivo do Piccolo Teatro). Para Strehler,
o momento em que estava elaborando a encenação de A Tempestade era um momento crucial para a Itália. 203 D’AGOSTINI, 2007, p. 27.
114
repetição do passado, a história que se revela e que se repete: é a história da humanidade, do homem que se revela; a segunda é a repetição do ensaio teatral, ou seja, a repetição que pode transformar ou não as coisas; a terceira é a repetição de temas shakespearianos fundamentais; a quarta é a repetição da história de Próspero; a última é a repetição de temas e situações de Homero e Virgílio. Portanto, há cinco diferentes repetições que fazem, todas juntas, a “repetição”204.
Observa-se aqui que Strehler ao se basear nas especificidades detectadas
em seus estudos, passa a estipular novas aproximações da obra com as
circunstâncias históricas nas quais ele estava inserido. O próprio fato de tornar a
remontá-la depois de ter vivenciado diversas experiências artísticas e teatrais, e as
transformações pessoais dele, serviram como estímulo para buscar um ponto de
conexão entre a escolha da obra e as transformações da realidade histórica e cultural
em seu entorno.
A este respeito Ettore Gaipa205 afirma:
Mas deve-se continuar a trabalhar e talvez, justamente em um dia como hoje, fosse gratificante 206 se fechar e imergir no trabalho como arma para se opor à tragédia! Arte impotente? Teatro que não é capaz de se comunicar e de mudar? É curioso como muitos jovens correm em busca de evasões – falou-se novamente de vanguarda como nos anos vinte, agora se fala de “pós-vanguarda”. É produtivo e producente refutar a comunicação da palavra ou torná-la instrumento desvinculado dos conceitos? É desejável a informalidade? Há pessoas que, dos palcos, galpões, tendas, tendem a contestar as luzes, músicas, cores, palavras – pessoas que querem rejeitar o público e chamam de “populismo” quando se trata de atrair massas em torno do palco. Pessoas falando em ir “contra” o público. Não é, talvez, uma atitude aristocrata? Não é um erro elitista trágico? E por que tudo isso acontece mais de trinta anos depois das ruínas da guerra? Seria mais lógico que isto tivesse acontecido na Europa conturbada/caótica de 45. E como, por outro lado – se agarram desesperadamente à cultura clássica? Por que Sófocles e Shakespeare coexistem com os experimentos de Grotowski? Por que até mesmo a vanguarda dos
204 “[…] nella Tempesta, possiamo parlare di “ripetizione”, sai nel senso della lingua inglese che francese o italiani,
ma anche in più specifica connotazione di “ripetizione” del fare teatro. Dunque possiamo identificare ben cinque
modalità di ripetizione. La prima è la ripetizione del passato, la storia che si rivela, che si ripete: è la storia
dell’umanità, dell’uomo che si rivela; seconda è la ripetizione della prova teatrale, cioè la ripetizione che può far
cambiare o non cambiare le cose; la terza è la ripetizione di temi shakespeariani fondamentali; la quarta è la
ripetizione della storia di Prospero; l’ultima è la ripetizione di temi e situazioni di Omero e di Virgilio. Dunque, vi
sono cinque differenti ripetizioni che fanno, tutte insieme, la “ripetizione” (tradução nossa). STRHELER In
GRIGA, 2005, p. 92 205 Ettore Gaipa (1920-1993): Formado na Accademia Silvio D’Amico, foi ator e escritor. Em 1947 iniciou sua
colaboração com o Piccolo Teatro. Foi ator da 1ª versão de A Tempestade dirigida por Strehler e, posteriormente,
revezava o papel de ator com o de tradutor, dramaturgo e estudioso. Foi autor da primeira biografia sobre Giorgio
Strehler. Acompanhou e registrou todo o processo de montagem da segunda versão de A Tempestade. Ele e Strehler
foram amigos pessoais. 206 O autor refere-se ao dia do assassinato de Aldo Moro.
115
anos setenta reexamina o mundo elisabetano? É certo que as analogias – e aqui retornamos à Tempestade! – entre o “novo mundo” do Renascimento e do início do século XVII e a era espacial de hoje são surpreendentes. O Doutor Fausto de Marlowe abraça o físico nuclear de hoje. A “crueldade” elisabetana se une ao terror de nosso mundo em que vivemos dias nebulosos dos quais não conseguimos vislumbrar o fim. Mas tenho certeza que não são somente estas analogias chocantes e suas tragédias que criam os pontos de encontro. É como voltar à perfeição harmônica de um Bach em uma era de vibrações eletrônicas e de agressões de sons “concretos”. A violência perpetrada nos confrontos da cultura clássica é, ao mesmo tempo, nostalgia e amor. Mesmo que se venha a destroçar Romeu e Julieta e As Bacantes, Ricardo III e Édipo. Mesmo que se venha a exasperar os Ibsen e os Büchner, os Pirandello e os Tchékhov – mesmo que se manipule Molière e Kleist – mesmo que se revire o Cristianismo e marxismo, iluminismo e Neue Sachlichkeit [Nova Objetividade].
Esta Tempestade é a amarga tempestade em todos e em cada um de nós. Uma vez mais, neste dia trágico, me dou conta da necessidade de realizá-la207.
Strehler considerava necessário que o teatro fosse algo transformador no
seu tempo, tanto para os artistas da cena, quanto para os espectadores. Embora
retomasse à tradição teatral e aos procedimentos construídos em outras montagens,
principalmente no que se refere à abordagem da análise do texto e à utilização de
elementos inspirados na commedia dell’arte, entendia ser imprescindível colocá-los
em diálogo com os acontecimentos de seu momento histórico.
207 “Ma si deve continuare a lavorare e forse, proprio in un giorno come quello di oggi sarebbe gratificante chiudersi
e immergersi nel lavoro come arma da opporre alla tragedia! Arte impotente? Teatro che non riesce a comunicare
e a mutare? È curioso come molti giovani corrano a cercare evasioni – s’è riparlato di avanguardia come negli
anni. Venti, ora si parla già di “post-avanguardia”. È produttivo e producente rifiutare la comunicazione della
parola o farne strumento avulso da concetti? È auspicabile l’informalità? C’ è gente che, da palcoscenici, pedane,
capannoni, tende rifiuta luci, musiche, colori, parola – gente che vuole rifiutare il pubblico e parla di populismo
quando si tratta di attirare masse intorno a un palcoscenico. Gente che parla di andare “contro” il pubblico. Non è
forse un atteggiamento aristocratico? Non è un tragico errore elitario? E come mai tutto questo avviene a oltre
trent’anni dalle macerie della guerra? Più logico sarebbe stato che questo fosse avvenuto nell’Europa sconvolta
del ’45. E come mai, d’altra parte – ci si aggrappa disperatamente alla cultura classica? Come mai Sofocle e
Shakespeare coesistono con gli esperimenti di Grotowski? Come mai persino l1 avanguardia degli anni Settanta
riesamina il mondo elisabettiano? Certo le analogie – e qui torniamo alla Tempesta! Tra il “nuovo mondo” del
Rinascimento e del primo Seicento e l’era spaziale di oggi sono sconvolgenti. Il Doctor Faust di Marlowe
abbraccia il fisico nucleare di oggi. La “crudeltà” elisabettiana si sposa al terrore del nostro mondo in cui viviamo
giornate appannate di cui non si riesce a intravedere la fine. Ma sono certo che non sono soltanto queste analogie
sconvolgenti per la loro tragicità a creare i punti d’incontro. È come tornare alla perfezione armonica di un Bach
in un ‘era di vibrazioni perpetrata nei confronti della cultura classica è, al tempo stesso, nostalgica e amore. Anche
se si esasperano gli Ibsen e i Büchner, I Pirandello E i Cechov – anche se si manipolano i Molière e i Kleist –
anche se si ribaltano Cristianesimo e marxismo, iluminismo e Neue Sachkichkeit [Nuova oggettivitá]. Questa
Tempesta è l’amara tempesta in tutti e in ciascuno di noi. Una volta di più, in questa tragica giornata, mi rendo
conto della necessità di portarla a compimento” (tradução nossa). CASIRAGHI, Stella (org). Il metodo Strehler
- Diario di prova della Tempesta- scritti da Ettore Gaipa. Milano: Skira Editore, 2012, p.32- 33.
116
Em relação à abordagem do texto e de suas sugestões e ações é possível
encontrar similaridade nos processos desenvolvidos por Strehler e naqueles
experimentados por Stanislávski em seu sistema. Ressalto aqui, mais uma vez, que
apesar de Strehler não se utilizar da terminologia de Stanislávski, a maneira com que
explora e analisa o texto nos remete diretamente aos estudos feitos pelo encenador
russo.
Strehler afirmava ter aprendido sobre a necessidade de uma análise
detalhada da obra pela contribuição do tradutor, dos historiadores e dos críticos
literários durante o processo de O Jardim das Cerejeiras. Em uma carta de 1974 a
Roberto de Monticelli208 escreveu:
Não sou um artista. Sou alguém que exerce o ofício de intérprete, o que também tem a ver com a arte, que interpreta não somente como ofício, mas também com intuição e sensibilidade: o velho coração genérico, mas sempre nos seus limites. Que escreve sobre as palavras que os outros dizem. Quão bom eu sou em interpretar o que os outros disseram, como soam bem as músicas que outros escreveram e que me parecem melhores. Sou ótimo, talvez insubstituível, mas O Jardim das Cerejeiras quem o escreveu, em 1903, foi A. Pavlovich Tchékhov, não eu. Eu não saberia escrever nem mesmo uma linha do Jardim. Mas eu sei lê-lo bem, talvez muito bem. Tento lê-lo junto com outros, auxiliá-los a ler de maneira precisa: Eis tudo209.
A imposição de ter um domínio abrangente da obra e das suas
possibilidades de exploração fazia com que se concentrasse no entendimento preciso
e minucioso do texto para então experimentá-lo em cena. Este foi um dos fatores que
lhe fizeram desvendar, por um longo tempo, as obras de Shakespeare. Em relação à
A Tempestade cabe ressaltar que o período de estudos durou mais tempo do que os
processos de ensaios propriamente ditos.
208 Roberto Monticelli (1919- 1987): Crítico teatral italiano que esteve presente em muitos dos ensaios abertos das
encenações realizadas por Giorgio Strehler. 209 No sono un artista. Sono uno che fa il mestiere dell’interprete e che ha “anche” a che fare con l’arte, che
interpreta non solo col mestiere, ma anche con l’intuizione e la sensibilità, il vecchio generico cuore, ma sempre
nei suoi limiti. Che scrive sulle parole degli altri. Come sono bravo io a interpretare quello che altri hanno già
detto, come suono bene, meglio di altri, le musiche che altri hanno scritto! Sono bravissimo, insostituibile forse,
ma il Giardino dei Ciliegi, l’ha scritto nel 1903 a. Pavlovic Cechov, non io. Io non saprò mai scrivere neanche una
riga del Giardino. Io so però leggerlo bene. Forse benissimo. Tento di leggerlo con gli altri, di aiutarli a leggere
giusto. Ecco tutto. ( tradução nossa)STREHLER. Giorgio. Lettere sul Teatro. Milano: Archinto, 2008, p.76.
117
A partir de agora, apresento algumas de suas experimentações que dizem
respeito a esta encenação como meio de elucidar seus modos de direção.
Figura 19 – O navio (Foto: Arquivo do Piccolo Teatro di Milano – Teatro d’Europa)
A Tempestade é uma peça em cinco atos. Seu início é em meio a uma
tempestade provocada por Próspero, usando os poderes mágicos que tinha, cujo
intuito era fazer naufragar o navio em que estavam seus irmãos. Opto por apresentar
o resumo da ação, proposto por Jan Kott, já que ele colaborou diretamente com o
Strehler durante os estudos para a encenação da obra:
Próspero, duque de Milão, negligencia os negócios do Estado em favor do estudo da magia; ele confia o governo a seu irmão Antônio, que o expulsa para o mar com sua filha Miranda. Próspero e Miranda vão ter a uma ilha onde mora o monstro Caliban, filho da feiticeira Sicorax, que por sua vez aprisionou Ariel. Próspero reduz Calibã à escravidão e liberta Ariel, colocando-o a seu serviço.
Doze anos mais tarde, no instante em que a peça se inicia, Próspero causa, com sua magia, o naufrágio do navio que transporta Alonso, rei de Nápoles, seu irmão Sebastião, seu filho Ferdinando, o honesto conselheiro Gonçalo e o irmão malvado de Próspero, Antônio. Na ilha, Ferdinando se separa dos outros e encontra Miranda. Os dois jovens se apaixonam imediatamente. Próspero, responsável pelo acontecido, mesmo assim finge que não julga ser Ferdinando um
118
espião, lança-lhe um feitiço e trata-o como escravo. Enquanto isso, Sebastião e Antônio tentam assassinar o rei Alonso; Caliban encontra Stefano e Trínculo e convence-os a participar de uma conspiração contra a vida de Próspero. O mago desfaz o feitiço lançado sobre Ferdinando, oferece-lhe a mão de Miranda e ordena a Ariel que promova um baile de máscaras para o casamento; Próspero, porém, interrompe a festa para frustrar as manobras de Caliban, Stefano e Trínculo. Ele manda procurar o rei e seu séquito, além de oferecer o perdão a Antônio, seu irmão, contanto que este lhe devolva o ducado. Depois, Próspero renuncia à magia, libertando Ariel. Todos se aprestam a retornar a Itália no navio, milagrosamente encontrado sem nenhum dano, junto com a tripulação. Caliban volta a ser o único habitante da ilha210.
Na encenação de Strehler, quando as cortinas se abriam o público se
deparava com um palco totalmente nu e os bastidores da cena à mostra. Toda a
preparação da montagem também estava à mostra. Alguns atores211 vestidos de azul
espalhavam pelo palco extensos tecidos que se prolongavam pelo proscênio e eram
movimentados remetendo as ondas do mar. Progressivamente o ritmo se intensificava
e a agitação desses tecidos dava aos espectadores a imagem de um mar em fúria.
Um tecido que se estendia do teto ao chão, no centro do palco, servia como
uma tela de projeção da sombra de um navio no meio deste mar agitado. Fora do
palco, na boca de cena, próximo à plateia, na sombra dessa movimentação toda,
estava Próspero que, com sua vara mágica, passava a imagem de que ele era quem
movia as forças da natureza.
Os músicos circulavam nos bastidores executando sons com os mais
diversos e inusitados instrumentos, como rabeca, saltério, realejos, folhas de zinco
agitadas (alusão aos trovões). A luz oscilava e explosões de claridade remetiam aos
relâmpagos, anunciando A Tempestade.
... um último lampejo e depois, por um átimo, a escuridão mais
completa. [...] Depois da primeira cena de tempestade, realizada
realisticamente com ondas e o barco danificado, a terra queimada era
obtida com a jangada/ilha de madeira sólida (e com cor de terra
queimada) sobre a qual se moviam todos os personagens. Strehler
cria, assim, também um extraordinário objeto metateatral: um palco
cênico sobre um palco cênico212.
210 KOTT, Jan. Shakespeare nosso Contemporâneo. São Paulo: Cosac&Naify, 2003, p.374-375. 211 Os atores que desenvolviam essa função eram alunos da Escola do Piccolo Teatro preparados por Marise Flach. 212 “[…] un ultimo lampo e poi, per un attimo, il buio più completo. […] Dopo la prima scena di tempesta, resa
realisticamente con onde e nave allo sconquasso, la terra bruciata è resa dalla zattera / isola di solito legno (e di
color terra bruciata) su ci muoveranno tutti i personaggi. Strehler crea così anche uno straordinario oggetto
119
Na estreia, percebeu-se que essa primeira cena era muito longa e que os
sons do vento e da chuva acabavam se sobressaindo à fala dos atores. Para a
temporada do espetáculo, no mesmo ano, Strehler adaptou e condensou a cena.
Realizou grandes cortes de texto por entender que as imagens dessa cena eram muito
poderosas. Por esse motivo, optou pela economia das palavras, pelo ajuste da
qualidade, pelas cadências e volumes dos sons e das palavras. Na primeira cena o
texto praticamente desaparece, pois, a cenografia é preponderante. A tempestade é
produto da magia teatral de Próspero que, com os efeitos cênicos, cancela a
palavra213.
No processo de elaboração do espetáculo, o cuidado com o ritmo e com as
sonoridades foi assumido pelo próprio Strehler, que muitas vezes tocava os
instrumentos, sugeria soluções aos músicos e assim buscava formar uma paisagem
sonora que dialogasse efetivamente com a encenação.
Figura 20 – A magia de Próspero. (Foto: Arquivo do Piccolo Teatro di Milano – Teatro d’Europa)
metateatrale: un palcoscenico su un palcoscenico” (tradução nossa). ANZI, Anna In COLOMBO, Rosy (org),
2007, p. 371
213 RESTIVO,G.; CRIVELLI.R, S. e ANZI, A. (org). Strehler e oltre - il Galileo di Brecht e La Tempesta di
Shakespeare. Bologna: CLUEB, 2010, p.170.
120
A questão rítmica ligada à palavra demonstrava a intenção de ser fiel a
Shakespeare, de acordo com as anotações de Lombardo e o relato dos
colaboradores, mas encontrar no vocabulário italiano as palavras adequadas à
dimensão que a poesia shakespeariana requeria, precisou de ajustes. Assim, toda vez
que a tradução era levada à cena e as palavras faladas pelos atores e atrizes não se
aproximavam do ritmo que a fala original sugeria, retornava-se a busca por palavras
que compreendessem a dimensão poética-rítmica da cena e da obra. Desta forma, se
estabelecia um jogo entre os intérpretes e o texto que iam se adequando
progressivamente.
O início do espetáculo apresentava o que Strehler chamava de “teatro feito
à mão”. Como foi relatado, o encenador deixava à mostra todos os mecanismos
teatrais, toda a maquinaria. No palco havia apenas uma plataforma retangular, dividida
em diagonal e formada por vários planos que se moviam de forma independente
durante o espetáculo em alusão aos diferentes lugares da ilha de Próspero nos quais
se desenvolvem os vários momentos do enredo da peça. Além disso havia alçapões
de onde eram retirados alguns dos objetos de cena, e de onde eram realizadas as
aparições de Caliban.
Este espaço cênico aproxima-se do utilizado em O Jardim Das Cerejeiras.
O ciclorama e o palco seminu, com os bastidores da cena à vista, são uma tônica nos
espetáculos teatrais dirigidos por Strehler, cada um com as peculiaridades que cada
trabalho demandava214.
214 Esta revelação dos bastidores da cena buscando uma abordagem metateatral que rompesse com o ilusionismo
também pode ser compreendida como uma herança vinda de espetáculos nos quais Piscator, Vakhtângov e Brecht
utilizaram-se desse mesmo recurso.
121
Figura 21 – O naufrágio (Foto: Arquivo do Piccolo Teatro di Milano – Teatro D’Europa)
As cenas iniciais da Tempestade, com a sucessão de imagens-quadros,
informavam aos espectadores a situação anterior215 a que estava sendo mostrada. Os
momentos nos quais era usada a mesma técnica de montagem, de acordo com Griga,
faziam lembrar sequências cinematográficas. As entradas dos personagens e o
naufrágio foram construídos em um plano sequencial de imagens que tinham como
objetivo esclarecer aos espectadores, de forma simbólica, o essencial da obra. O
confronto entre a natureza e a ordem social, presente na obra de Shakespeare, era
exibido de forma explícita no espetáculo. Esse tipo de tratamento dado às cenas que
se valem do artifício das sequências de imagens, esteve presente nas últimas criações
de Strehler nas quais, com propriedade, o diretor joga com os elementos plásticos e
sonoros do espetáculo sem excluir a potência que a cena deve conter.
215 Na análise ativa esta corresponderia ao “acontecimento inicial”, ou seja, ao acontecimento que nos situa no
contexto em que surgirá o problema da obra. D’Agostini afirma: “Saber determinar o universo da obra, o solo no
qual ela vai germinar e se desenvolver, é de importância fundamental, pois é nele que as personagens tecem a sua
vida. Do entendimento multifacetado desse universo, em seus aspectos sociais, econômicos, políticos, culturais,
existenciais, depende, em grande parte, a complexidade da história. Esse universo deve ser concretizado
cenicamente, no espetáculo, através da construção dos acontecimentos ou acontecimento inicial. Ele é o trilho
onde a vida da obra passa a transcorrer, no qual as personagens lutam, desejam, odeiam, amam, etc.”. 2007, pg 50.
122
Em relação a essa espécie de jogo entre os elementos da concepção do
espetáculo e o diálogo com a obra, Casiraghi aponta:
A forma do espetáculo pouco a pouco se faz clara nas experimentações no palco: cada gênero teatral conquista espaço, da comédia à tragédia, da fábula de amor ao drama pastoril. Contaminam-se realismo da época elisabetana e ilusões barrocas, citações da ópera e da commedia dell’arte que, historicamente, fazia suas primeiras aparições na Inglaterra justamente naquela época. Cada nova ideia leva horas e horas de tentativas para que se traduza completamente em objeto de dramaturgia. Shakespeare ensina a não descuidar de mesclar intuições poéticas e necessidade de palco
cênico216.
O trabalho com A Tempestade foi singular. Anna Anzi217 ressalta em seus
relatos que Strehler descrevia, aos seus colaboradores, o espetáculo como tinha em
mente, mas não fornecia imagens precisas. Propunha inicialmente apenas uma
descrição sugestiva baseada em sensações. A transformação da sensação em
imagem caberia ao cenógrafo ao qual era concedida uma grande liberdade criativa218.
A interferência de Strehler também se dava efetivamente na criação de
imagens cênicas. Um exemplo é a supressão dos espíritos Íris, Ceres e Juno que
foram substituídos pela projeção de uma luz âmbar com a qual os atores se
relacionavam como a imagem abaixo nos ilustra:
216 “La forma dello spettacolo si fa chiara via via nelle sperimentazioni sul palco: ogni genere teatrale prende
spazio, dalla commedia alla tragedia, dalla fiaba d’amore al dramma pastorale. Sì contaminano realismo dell’età
elisabettiana e inganni barocchi, citazioni dall’opera in musica e dalla commedia dell’arte che, storicamente, faceva
proprio a quei tempi le sue prime apparizioni in Inghilterra. Ogni nuova idea costa ore e ore di tentativi perché si
traduca compiutamente in oggetto drammaturgico. Shakespeare insegna non trascurare di amalgamare intuizioni
poetiche e necessità di palcoscenico” (tradução nossa). CASIRAGHI, 2012, p.11. 217 Anna Anzi: Professora de História do Teatro Inglês na Università degli Studi di Milano. Pesquisa,
principalmente, o teatro inglês do Renascimento, atentando-se às relações entre palavra e imagem. 218 ANZI In COLOMBO, 2007, p. 364.
123
Figura 22 – Os espíritos em forma de luz (Foto: Arquivo do Piccolo Teatro di Milano – Teatro d’Europa)
Em relação ao trabalho com os atores, este se dava, mais uma vez, na
cena. Strehler costumava colocar sua mesa na oitava fila do teatro e o espaço era
aberto para quem desejasse assistir aos ensaios. Portanto, tinham um público
constante de colaboradores, artistas curiosos, estudantes e críticos teatrais. Para
Strehler, o teatro deveria ter as portas sempre abertas para que os espectadores
também pudessem vivenciar todas as etapas do fazer teatral. Esse modo de trabalho,
que se tornou uma referência nos processos de criação de Strehler, ajudava os atores
na concentração mantendo-os atentos às trajetórias de criação de cada uma das
situações e fazendo com que se acostumassem com a presença do público.
Certamente a presença do público era estimulante para todos, mas
também, existiam momentos de recolhimento nos quais Strehler sentia a necessidade
de fechar as portas para os observadores. Em A Tempestade isso aconteceu por duas
vezes. A primeira se deu durante a leitura da obra com os atores e atrizes. A segunda,
na elaboração da primeira cena do terceiro ato (encontro entre Miranda e Ferdinando),
pois, de acordo com Strehler, haviam chegado a um ponto em que necessitavam de
recolhimento, devido à exigência de uma concentração extrema.
124
Strehler referia-se a esses momentos como “a pura e simples prática de
raciocínio e sensibilidade profissional”219. Também serviam para que os artistas da
cena envolvidos estabelecessem um espaço pessoal de relação com suas criações,
podendo por meio de seus processos de criação particularizados, revê-las, adaptá-las
e modificá-las em jogo, ou até mesmo fora dele, e, assim, sentirem-se livres em suas
ações. Além disso, nesses momentos também eram resolvidos os problemas técnicos
e organizativos, com a cenografia, a iluminação, os instrumentos musicais e outras
demandas.
Figura 23 – Strehler em jogo com os atores (Foto/Arquivo do Piccolo Teatro di Milano – Teatro d’Europa)
Os atores que vivenciaram esses processos de criação, bem como os
colaboradores que os acompanharam, referiram-se a um work in progress, pois o
diretor conhecia muito bem cada detalhe das personagens e das situações das obras,
o que muitas vezes fazia com que participasse ativamente da criação. Esse work in
progress não se limitava apenas ao período de construção do espetáculo. Mesmo
após a estreia, muitas cenas foram modificadas, extraídas ou tiveram partes do texto
219 GAIPA In CASIRAGHI, 2012, p.128.
125
suprimidas. Esse processo de transformação do espetáculo era constante, a cada
nova temporada220. Tratava-se de uma constante recriação.
Strehler não sugeria ações, entonações ou movimentos. Costumava dizer
aos atores para lhe fornecerem ações que pudessem ser trabalhadas, modificadas ou
até mesmo excluídas caso fosse necessário. Os atores deveriam fornecer os materiais
para que pudessem construir juntos as cenas. Há aqui um entendimento da
centralidade da criação do ator/atriz na realização do espetáculo que se aproxima de
muitos processos criativos da atualidade. Nesta perspectiva, o diretor é uma espécie
de espelho para o ator em sua entrega criativa221.
O trabalho com o ator Tino Carraro, que interpretou Próspero, era
extremamente exaustivo. Travava-se de um verdadeiro duelo de criação, um duelo de
dois grandes artistas em prol do teatro. De acordo com os relatos de Gaipa, nesses
processos de ensaios, Carraro jogava como se utilizasse as garras e a força de um
leão em uma batalha, muitas vezes contra si mesmo (pelas falhas de memória ou
simplesmente porque seu físico às vezes o traía). Strehler era implacável com ele na
elaboração dos movimentos, das intenções e na limpeza das ações. Eram ensaios
muito longos, que transitavam entre a frustração e a exaltação, pois não havia a
possibilidade de ele sair de cena antes de seis ou sete horas de trabalho222.
Strehler subia ao palco para jogar com os atores e atrizes interferindo
diretamente na atuação. Muitas vezes não interpretava nenhuma das personagens
que estavam sendo encenadas, apenas se colocava em cena para provocar,
aprofundar, propor ritmos, estimular deslocamentos e transformações no
desenvolvimento das situações. Os atores e atrizes deveriam saber repetir,
transformar e aperfeiçoar, criar um desenho no espaço, reafirmar a teatralidade e se
220 A Tempestade esteve em cartaz na Itália nas temporadas de 1977-1978 e 1978-1979. Além disso, com essa
encenação inaugurou-se o projeto Teatro da Europa em Paris, no ano de 1983. Em 1984 fez uma turnê pelos
Estados Unidos. 221 Esta metáfora do diretor como espelho do trabalho do ator remete, novamente, ao trabalho realizado por
Stanislávski e Sulerjítski no Primeiro Estúdio do Teatro de Arte de Moscou. A este respeito Sulerjítski afirmava:
“O diretor é o melhor, e necessário, amigo do ator; ou pelo menos deveria sê-lo. E quanto mais agudo, talentoso e
preciso for o diretor como espelho do ator, tanto mais será útil e necessário para ele. Todo o mérito do diretor não
está em ensinar ao ator, mas em dar ao ator a capacidade de se ver, de compreender o próprio ‘eu’. [...] Toda a arte
do diretor está em mostrar ao ator, como um espelho, a sua imagem quando segue as indicações do próprio talento,
quando, enganado pelas próprias deficiências, cai nos procedimentos da trivial rotina cênica, cai em poder dos
clichês e de criador livre se torna copiador profissional, vendendo o espírito e o corpo para a diversão da multidão”.
In MOLLICA, Fabio (org). Il teatro possibile: Stanislavskj e il Primo Studio del Teatro D’Arte di Mosca.
Firenze: La Casa Usher, 1989, p.104. 222 GAIPA In CASIRAGHI, 2012, p.12.
126
surpreenderem com suas próprias descobertas em relação às personagens e aos
desdobramentos delas. Este modo de direção, com a interferência direta no jogo da
cena, é um procedimento strehleriano que foi se consolidando ao longo de sua
trajetória.
.... Costumo dizer que em cada encenação minha há uma metade que
é minha própria criação corrigida pelos atores, e outra metade que é
uma criação dos atores, corrigida por mim. O teatro é uma arte
coletiva, complexa que se serve dos talentos e das possibilidades de
um grande número de pessoas colaborando juntas. É uma das
características mais fundamentais e fascinantes do teatro223.
Nesta encenação, as similaridades com a commedia dell’arte se
evidenciam, principalmente, nas intervenções dos personagens Stefano e Trínculo (o
primeiro apresentava aspectos de um zanni e o segundo aproximava-se do bufão
napolitano Pulcinella). No trabalho com esses atores, Strehler se utilizou bastante dos
experimentos feitos nas encenações de Arlequim Servidor de Dois Patrões no que se
refere ao tratamento rítmico e à ampliação dos gestos e das ações.
Embora no texto de Shakespeare não haja indicações específicas a
respeito dos figurinos destes personagens, Strehler optou por utilizar figurinos
característicos da commedia e não da tradição elisabetana. Os figurinos de Stefano e
Trínculo eram brancos e ambos possuíam uma máscara preta que cobria somente a
região dos olhos.
Trínculo, representava um Pulcinella napolitano, usava por cima de suas
vestes brancas uma capa vermelha, era tipicamente carnavalesco, tinha medo de tudo
e de todos e utilizava-se desse medo para sobreviver. Em suas falas mesclava o
dialeto napolitano com o italiano padrão.
Já Stefano, a princípio, era visto apenas como um zanni, mas com passar
do tempo, com as apresentações e as constantes transformações que o espetáculo
estava sofrendo, Stefano deixou de ser um zanni genérico e passou a ser uma
máscara mais precisa, definindo-se, então, com a máscara de Briguela. Até mesmo
os seus figurinos foram se adaptando e ganhando uma estilização da própria
commedia dell’arte. Utilizava uma capa verde oliva e um chapéu de marinheiro com
duas penas, uma referência direta à commedia dell’arte; falava e cantava em uma
223 TANANT, 2015, p. 54.
127
mistura entre o dialeto vêneto e o italiano padrão, para auxiliar o público na
compreensão.
As entradas de Stefano eram anunciadas pelo ritmo dos instrumentos, um
bumbo e pratos; ele entoava um canto estridente e vulgar intercalado com soluços,
indicando que havia bebido além da conta224.
Figura 24 – Ariel, Caliban, Trínculo e Stefano – ensaio (Foto/Arquivo do Piccolo Teatro di Milano – Teatro
d’Europa)
Caliban também era considerado uma máscara. Seu aspecto selvagem,
quase demoníaco, exigiu do ator Michele Placido225 um preparo físico bastante
apurado que incluía força e plasticidade. Caliban era físico, atlético e se caracterizava
com a pele coberta por uma maquiagem preta, vestindo apenas uma espécie de tapa-
sexo. Caliban representava as forças terrenas, um personagem concreto que
retratava a própria natureza humana, ou seja, a negatividade e a bondade, os vícios
e as virtudes. Era escatológico e primitivo. Suas ações tinham dimensões que se
distanciavam do caráter realista; eram amplas e com um domínio virtuoso do espaço.
224 ANZI In RESTIVO, G.; CRIVELLI, R.S. e ANZI, A. (org), 2010, p. 186. 225 Michele Placido (1946): Estou na Accademia Nazionele d’ Arte drammatica. É ator, roteirista e diretor de
cinema e teatro. Suas atividades mais expressivas estão voltadas ao teatro.
128
Remetiam a um misto de homem e animal, com instintos humanos e selvagens que
se revelam por meio delas.
Diferentemente do que o público pretendia ver, o Caliban proposto na
encenação strehleriana não é um monstro, mas um homem com seus desejos e
repressões. Um personagem que tem sentimentos, que está dividido em sua própria
natureza de colonizado e colonizador e que tem como único desejo a liberdade. É um
personagem diferente, e não disforme226.
Outro personagem que teve um estudo bastante detalhado foi Ariel. O
trabalho para a sua elaboração teve especial atenção, exaltando o misto entre o real
e o irreal, pois, de acordo com Strehler:
A ideia de fazê-lo um jovenzinho, um menino elisabetano, era muito teórica. Não teremos um menino suficientemente jovem, quase hermafrodita que saiba interpretar, cantar e se movimentar com a inteligência que Ariel requer. De um lado o frescor necessário e do outro a ciência teatral227.
Por isso a escolha em colocar uma mulher para interpretá-lo parecia
coerente naquele momento. Uma atriz madura teria a capacidade de confrontar-se e
elaborar a personagem com a destreza necessária. A escolha da atriz Giulia Lazzarini
se deu por sua capacidade de adequar-se e elaborar um Ariel com agilidade e
profundidade, como Strehler almejava, bem como por suas caraterísticas físicas: ter
um porte pequeno, um ar infantil e parecer quase assexuada. A maquiagem e o
figurino, unidos aos movimentos, palavras e tons, seriam importantes para auxiliá-la
na criação de Ariel.
Na concepção do espetáculo, Ariel aparece, na maior parte do tempo,
suspenso por cabos, o que impunha um preparo físico bastante específico. Em função
de estar no ar, a atriz desenvolveu um treino físico bastante exigente e pesado, pois
226 STREHLER. Appunti di regia 1992. STREHLER, Giorgio. Disponível no arquivo digital do Piccolo Teatro
di Milano http://archivio.piccoloteatro.org/eurolab 227 “L’idea di farlo un “ragazzino”, il boy elisabettiano, è troppo teorica. Non si troverà mai un ragazzo
giovanissimo, quasi “ermafrodito” che sappia recitare, cantare e muoversi con la sapienza che Ariel richiede. Da
una parte l’acerbità necessaria, dall’altra la scienza teatrale” (tradução nossa). STREHLER In COLOMBO, 2007,
p. 21-22.
129
não poderia perder a precisão das ações, deveria manter o fôlego para executar as
canções e os textos e manter o ritmo adequado a cada situação.
A caracterização de Ariel era composta por uma roupa branca, leve e
transparente, e por uma máscara branca, levemente triste, pintada no rosto e que
diretamente aludia à tradicional imagem do Pierrot. O jogo estabelecido nas
interferências de Ariel desenvolvia destreza, agilidade e, ao mesmo tempo, tensão e
dramaticidade. No entanto, isto não se fundamentava na exploração de psicologismos
dos conflitos humanos, mas em intervenções voltadas ao público como uma forma de
aproximação e sedução. A figura de Ariel era extremamente importante, pois ele
auxiliava com prestatividade e agilidade todos os projetos e desejos de Próspero. Em
muitos momentos, os espectadores eram guiados pelas perspectivas de Ariel que
permanecia sendo o fiel escravo de Próspero à espera de tornar-se livre.
O jogo e caracterização das personagens nesta encenação eram uma
aproximação bastante evidente para o público em relação à tradicional commedia
italiana.
Evidentemente, outra aproximação possível com a commedia dell’arte é a
condensação de uma ou mais cenas do texto em forma de canovaccio, ou até mesmo
a inclusão de pequenas situações que parodiavam acontecimentos ou ações dos
personagens. Isto permitia maior agilidade no jogo dos atores e a situação era
informada de modo rápido, sem causar danos à linha de ação da encenação. Essa
intervenção no texto se deu depois de uma análise detalhada da obra e da indicação
das situações fundamentais. Essa preocupação com a transversalidade da ação na
obra remete à noção de linha transversal de ação228, conforme formulada por
Stanislávski.
228 Linha transversal de ação - “é o caminho por onde o superobjetivo se afirma ao longo da obra [...] não é
criada por si só, mas por uma longa série de objetivos menores e outros mais importantes que cumprem o
superobjetivo da obra e são absorvidos por este”. D’AGOSTINI, 2007, p.32
130
Figura 25- Ariel e Próspero (Foto: Arquivo do Piccolo Teatro di Milano-Teatro d’Europa)
A citação que segue refere-se à primeira cena do II Ato, na qual houve
interferência do encenador:
Gonzalo, olhando ao redor de si, diz: “A relva, como é viçosa e resistente! E como é verde!”. Responde Antônio: “Toda a terra queimada”. Intervém Sebastião: “Com uma pontinha verde sobre ela”.
Strehler reescreve dramaticamente a cena, elimina a relva e a substitui por uma folha. A folha aparece sobre um pequeno feixe de gravetos colocado em primeiro plano sobre a jangada/ilha e, se por um lado este pequeno elemento confirma as palavras de Sebastião, por outro tem um importante papel metateatral e simbólico, dá vigor e força visual à fala “Toda a terra queimada” de Antônio, fala sarcástica se somente lida, mas também genial se atuada.229
229 “Gonzalo guardandosi, attorno dice: “L’erba, com’è lussureggiante e vigorosa! E com’è verde!” Risponde
Antonio: “Tutta terra bruciata”. Interviene Sebastiano:” Con una puntina di verde su”. Strehler riscrive
drammaticamente la scena, elimina l’erba e la sostituisce con una foglia. La foglia compare su rametto di legno
collocato in primo piano sulla zattera/isola e, se da un lato questo piccolo elemento basta a confermare le parole
di Sebastiano, dall’ altro gioca un importante ruolo metateatrale e simbolico, dà vigore e pregnanza visiva alla
battuta. “Tutta terra bruciata” di Antonio, battuta sarcastica se solo letta, ma anche molto geniale se agita.” ANZI
In COLOMBO, 2007, p.371.
131
Nas anotações de Enrico D’Amato230 percebemos os cortes que eram feitos na
obra por Giorgio Strehler no decorrer dos ensaios. As imagens que seguem referem-se aos
cortes da cena 3 do ato III e cena 1 do ato IV respectivamente. A imagem da direita
corresponde ao texto de tradução de Lombardo e a da esquerda à adaptação feita por
Strehler. Percebe-se por meio das imagens a supressão de grandes trechos de texto:
Figura 26 – Imagens dos registros dos ensaios feitos por Enrico d’Amato231
230 Enrico D’Amato (1932-2015): Ator, diretor e professor. Formou-se em Letras e, posteriormente, frequentou a
Accademia de Arte Drammatica Silvio D’Amico. Em 1968 ingressou no Piccolo Teatro e foi um colaborador e
assistente muito próximo de Giorgio Strehler. Com a Fundação da Escola do Piccolo Teatro, em 1986, passou a
exercer a função de professor. No processo de A tempestade foi assistente de Strehler e registrou os ensaios por
meio de diários de encenação. 231 RESTIVO, G; CRIVELLI, R.S e ANZI, A., 2010, p.176-177.
132
Figura 27 − imagens dos registros de ensaio feitos por Enrico D’Amato232
Esse modo de tratamento do texto ocorreu em vários momentos da
encenação. Outro exemplo é a última cena, na qual, como uma metáfora simbólica233
“o desmoronamento dos andaimes e a exposição de toda a maquinaria cênica aludem
à queda das utopias renascentistas e, simultaneamente, ao fracasso do teatro como
possibilidade de melhorar a vida humana em tempos tão difíceis”.234
Assim, como no início tudo aparece sendo montado para que a encenação
se desenvolva, no final tudo está em ruína e desmorona subitamente. Ariel, em meio
233 Remetendo ao sistema de Stanislávski, este momento do espetáculo corresponderia ao “acontecimento
principal”, por meio do qual a ideia do diretor se concretiza em uma imagem final. 233 Remetendo ao sistema de Stanislávski, este momento do espetáculo corresponderia ao “acontecimento
principal”, por meio do qual a ideia do diretor se concretiza em uma imagem final. 234 COLOMBO, 2007, p.372.
133
à ruina, se retira entre os espectadores e Próspero pronuncia o epílogo: “e meu fim
será o desespero”. Próspero assume sua impossibilidade de intervir sobre a realidade
e, ilustra esse pensamento, partindo ao meio sua vara mágica. Nas palavras de
Strehler isso simboliza “um projeto humano e maravilhoso não alcançado”.235
De acordo com a atriz Giulia Lazzarini, encenar Shakespeare foi uma
necessidade para Strehler, pois através das suas obras ele conseguia abordar as
questões humanas com maior propriedade e reacender sua paixão pelo teatro. Foi
assim com A Tempestade, pois, de certa forma, Strehler se identificava com
Próspero.236
No que concerne à sua semelhança com Próspero, o próprio Strehler
chegou a afirmar que essa talvez pudesse ter se dado pela busca de sua teatralidade.
Em relação a essa questão, Agostino Lombardo destaca que a identificação com
Próspero aconteceu já no momento em que Strehler iniciou sua investigação da obra
de Shakespeare e dos modos como poderia compreender e expandir seus inúmeros
significados.237
Giulia Lazzarini também relata a respeito da importância que Strehler dava
ao espetáculo. Após a temporada na Itália, e de algumas apresentações nos Estados
Unidos, a atriz havia decidido não continuar a atuar o papel de Ariel pela sobrecarga
que as ações causavam em sua coluna (“A Tempestade é o espetáculo do meu
coração e da minha coluna”238). Naquele momento estavam prestes a fazer a
temporada em Paris, no projeto Teatro da Europa. Em um primeiro momento Strehler
aceitou sua decisão. No entanto, em seguida escreveu uma carta a ela na qual
explicava que era imprescindível fazer a temporada de A Tempestade em Paris e que
isso iria acontecer com ou sem ela, pois para ele era fundamental que a abertura do
Projeto Teatro da Europa fosse realizada com essa encenação, por inúmeras razões
sociais e políticas239.
Em sua entrevista Giulia cita essa passagem como meio de ilustrar a
persistência de Strehler e a importância que ele dava para o espetáculo. De acordo
235 GRIGA, 2003, p. 24. 236 LAZZARINI, Giulia. Entrevista concedida à autora desta pesquisa. Milão: 2015. 237 1992.p. 65. 238 LAZZARINI, op.cit. 239 Idem
134
com ela: “Strehler me provocou, jogou com minhas paixões e minha coragem diante
o teatro, foi inevitável não retornar A Tempestade”240.
A Tempestade do Piccolo Teatro teve seu reconhecimento, quase
inesperado, quando foi transmitida em 1981 pela RAI, sob a direção televisiva de Carlo
Battistoni.241 De acordo com Giulia Lazzarini, a transmissão de A Tempestade para
TV242 foi feita sem aviso prévio a Giorgio Strehler, o que causou uma certa tensão,
mas para sua surpresa, em uma ligação a Battistoni, Strehler manifestou sua alegria
por ele ter mantido a linha cênica da encenação de A Tempestade sem cortes,
respeitando as interferências da iluminação que o espetáculo necessitava para as
passagens de tempo243.
A tempestade teve enorme repercussão na cena italiana e mundial e foi
objeto de inúmeros estudos críticos que reverberam até hoje. Muitos desses estudos
se fundamentaram nos relatos dos apontamentos de direção de Strehler, nas cartas
trocadas entre ele e seus colaboradores (que explicitam os questionamentos surgidos
no decorrer do processo) e nos diários de Ettore Gaipa e Enrico D’Amato que
acompanharam todos os ensaios.
Percebe-se que Strehler se utilizou de procedimentos conjugados, isto é,
continuou com o processo de redescoberta da tradição teatral e se apropriou dela para
dialogar com suas necessidades artísticas em seu tempo. Isto fez com que ele se
consolidasse como um referencial nas artes cênicas da segunda metade do século
XX e com que suas criações tivessem grande repercussão dentre seus
contemporâneos.
Em A Tempestade Strehler repete alguns modos de feitura e soluções de
cena, mas também questiona o próprio fazer teatral que havia vivenciado até aquele
momento e faz desse espetáculo uma espécie de revisitação a seus princípios
artísticos, éticos e sociais.
240 LAZZARINI, Giulia. Entrevista concedida à autora desta pesquisa. Milão: 2015. 241 Carlo Battistoni (1935-2004): Diretor e grande colaborador de Giorgio Strehler nas produções do Piccolo
transpostas para a TV. 242 Sobre essa transposição do espetáculo para a TV, Strehler afirmou: “uma obra de teatro transposta para TV [...]
deve manter-se íntegra e não manipulada”. In GRIGA, 2003, p. 30. 243 LAZZARINI, op.cit.
135
A TRADIÇÃO, A RENOVAÇÃO E A DISPOSIÇÃO PARA O DIÁLOGO
“Eu sei e não sei por que faço teatro mas sei que devo fazê-lo, que devo e quero fazê-lo fazendo entrar no teatro a totalidade de mim mesmo, homem político e não, civil e não, ideólogo, poeta, músico, ator, palhaço, amante, crítico, eu em suma, com aquilo que sou e penso ser e aquilo que penso e creio que seja a vida. Pouco sei, mas esse pouco o digo244[...]”
(Giorgio Strehler)
As encenações escolhidas para fazer parte desta tese marcam a
maturidade de Giorgio Strehler como encenador. Em todas elas, ele foi além da mera
ilustração da obra e gerou modos de tratamento, análise e apropriação do texto para
a concepção de um processo criativo intenso e espetacular (grandioso) no qual foi
mantida uma atenção refinada à artesania do fazer teatral. Tais aspectos estavam
também vinculados à preservação de um compromisso ético, já que a produção teatral
de Strehler esteve ligada à sua obstinação, e a de seus colaboradores, em popularizar
as artes cênicas e buscar a transformação da sociedade através da arte teatral. Paolo
Bosisio, em entrevista, afirma que no final dos anos 70, Strehler atinge a maturidade
artística e define seu modo de dirigir como a herança de seus mestres, como uma
síntese única dos legados teatrais de K. Stanislávski e B. Brecht. Bosisio afirma que
existe um modo unicamente strehleriano de dirigir e, para caracterizá-lo, lança a
imagem de que Strehler teria sido capaz de fazer Stanislávski e Brecht se darem as
mãos e conduzi-lo a uma abordagem particular da arte da encenação245.
Segundo Paolo Bosisio, professor e diretor teatral, o período pós-guerra na
Itália foi um momento no qual tudo era possível, um momento cultural “mágico” em
244 “[...] io so e non so perché lo faccio il teatro ma so che devo farlo, che devo e voglio farlo facendo entrare nel
teatro tutto me stesso, uomo politico e no, civile e no, ideologo, poeta, musicista, attore, pagliaccio, amante, critico,
me insomma, con quello che sono e penso di essere e quello che penso e credo sia vita. Poco so, ma quel poco lo
dico[...]”. In Giorgio Strehler e la storia del “Piccolo”. Documentário. Direção: Pino Galeotti. Disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=y7ZVjyRQRTM 245 BOSÍSIO, Paolo. Entrevista concedida a autora desta pesquisa. Milão: 2015.
136
que os sonhos poderiam se tornar realidade e, isso certamente ajudou Strehler na
realização do sonho de criar um teatro de arte para todos. Bosisio ressalta que os
ingredientes necessários para a implementação de um projeto teatral com tais
características eram: o estudo minucioso do texto, que sempre foi indispensável para
Strehler e a interpretação individual e sensível. Eram elementos assim que davam a
chave para a totalidade do espetáculo. Os outros ingredientes eram os recursos
próprios da composição da encenação: o cenário, a música, o figurino e a iluminação
que seriam criados plenamente em função das propostas e das exigências específicas
de cada trabalho. Foi com Strehler, por exemplo, que pela primeira vez, na Itália, a
iluminação assumiu um grande peso estético e psicológico na apresentação de um
espetáculo. Ainda de acordo com Bosisio, ele diz ter tomado de herança para sua vida
de artista, a descoberta de que o trabalho cuidadoso e atento de iluminação era uma
das partes determinantes da linguagem visual de uma montagem teatral246. Os
espetáculos de Strehler caracterizavam-se, enfim, pela perfeição dos detalhes, pela
dedicação minuciosa e extremada que tinha com todos os elementos da encenação.
No modo de dirigir de Strehler, os componentes cênicos (iluminação,
objetos, músicas, cenografia e figurino) adquiriam grande relevância como um recurso
fundamental para introduzir os atores às circunstâncias da obra e da encenação.
Desde os primeiros ensaios coletivos, Strehler já procurava auxiliar a adaptação dos
atores colocando-os na atmosfera da cena, motivo pelo qual os elementos, mesmo
que provisórios, (já que eram modificados e aprimorados ao longo dos ensaios), eram
cuidadosamente elaborados e construídos.
O ambiente do teatro, e o comportamento dos participantes durante os
ensaios, também deveriam favorecer a oportunidade de imersão na atmosfera que,
aos poucos, tomava conta do espaço cênico. Com isto Strehler conseguia estimular o
imaginário dos atores, dar início à construção concreta das situações e esboçar
propostas estéticas. A música também era um recurso primordial em seus processos
criativos, pois por intermédio dela ele conseguia enfatizar as tensões da obra e dar
aos atores uma percepção rítmica importante na elaboração das personagens.
Nas encenações de Strehler, o interesse pelo resgate da commedia
dell’arte acaba por nos revelar um diálogo com os fundamentos da teatralidade,
246 BOSÍSIO, Paolo. Entrevista concedida a autora desta pesquisa. Milão: 2015.
137
principalmente no que se refere à valorização da presença do ator/atriz, por meio de
suas possibilidades corporais e vocais, e a disponibilidade ativa para o jogo e para a
improvisação no contexto do roteiro ou da obra. Nos processos criativos de Strehler a
improvisação não acontecia como resultado de um “espontaneísmo” sem a
determinação de elaborações prévias, mas como resultado de um domínio preciso do
desenvolvimento da ação por parte do ator/atriz.
No momento em que se resgata e se vivencia as experiências provocadas
pela utilização das máscaras dell’arte, por exemplo, está sendo também acionado, ou
melhor, retomado, elementos constituintes dos fundamentos da teatralidade e não
apenas do gênero cômico.
Sob tal perspectiva, o trabalho de Strehler propõe uma centralidade do
ator/atriz que extrapola sua presença cênica e que se efetiva na compreensão e no
domínio concreto de todos os elementos que compõem o espetáculo. Era de uma
clareza absoluta para Strehler, a importância da abertura do espetáculo para a relação
com os espectadores, concretizando-se através do jogo dos atores com a intenção de
estabelecer envolvimento ativo do espectador com o espetáculo. Tal enfoque gera
também uma aproximação entre as poéticas de Strehler e as diversas propostas
cênicas de hoje em dia.
Em suas encenações ele mobilizava um amplo e complexo conjunto de
elementos que servia de base para o processo de criação. O estudo minucioso das
situações e das circunstâncias propostas pela obra dramatúrgica consolidava-se
como o ponto inicial de sua criatividade, o qual se somava um conjunto de referências
imagéticas, iconográficas e musicais que também amparavam a concepção da
encenação. Ao artista que fazia parte do elenco era dada total liberdade nos processos
improvisacionais e maior concretude para o jogo teatral, ainda que seu campo, de
certa forma, estivesse delimitado pela proposta do encenador, sua concretização em
elementos estéticos da encenação era sendo criada durante o processo de atuação.
Talvez em razão dos elementos de cena serem concretamente manipulados desde o
início dos ensaios, configuravam-se tanto como suportes para a atuação, quanto como
recursos operacionais de investigação sobre a obra e a concepção do espetáculo que
se dava, fundamentalmente, na concretude do palco.
138
Em relação à compreensão do texto, Bosisio recorda sua herança
strehleriana:
Strehler me ensinou a não me contentar com a palavra, a recuar, antes e, entre cada palavra; a ler entre as palavras, entre as palavras247, sem jamais ir direto às palavras. Ensinou-me a descobrir o que tem dentro e entre cada palavra do texto; a encontrar outra dimensão, e esta dimensão é o subtexto248.
A atenção detalhada de Strehler a uma análise que não se esgota nos
aspectos literários e linguísticos, mas que se dirige, particularmente, a uma
abordagem aprofundada do desenvolvimento da ação e de criação de outras camadas
de significado não explícitos no texto, nos leva diretamente à herança stanislavskiana.
Segundo Banu, para encenadores como Copeau, Jouvet, Stanislávski e depois
Strehler, o texto ”existe como material cujo subtexto deve ser progressivamente
descoberto, aquele fluxo interior que dá vida ao texto, aquelas forças que o dirigem,
aquele segredo que a encenação deve revelar” 249.
O interesse pelo sistema de Stanislávski se dá pelo fato de ter sido um forte
alicerce ao fazer teatral do início do século XX que ecoa até hoje nos processos de
formação cênica. Muitos diretores daquela época, e de hoje em dia, se utilizam de
alguns dos procedimentos elaborados por Stanislávski como uma diretriz que norteia
suas propostas em construção, o que reforça os indícios de que as pesquisas desse
mestre russo são atemporais e ainda necessárias para a reflexão sobre processos de
criação em encenação. Evidentemente, isto não implica em uma reprodução exata
dos procedimentos utilizados por Stanislávski, mas em um diálogo renovador com os
fundamentos lançados por ele, para que a criação de outras poéticas cênicas seja
pleiteada e acompanhe as inquietações de cada momento.
Em relação à abordagem da dramaturgia nos processos desenvolvidos por
Strehler, destaco a proposta de entendimento sensorial do texto que se tornou uma
marca de seu estilo de direção. Por meio dela, se abria um complexo campo de
possibilidades, de entrosamento entre texto dramatúrgico e dramaturgia cênica, já que
247 A repetição porposital e o grifo buscam reproduzir a ênfase dada por Bosísio a essa expressão durante sua
entrevista. 248 BOSÍSIO, Paolo. Entrevista concedida a autora desta pesquisa. Milão: 2015. 249 BANU, Georges. Strehler and Art Theatre. In TIAN, Renzo e MARTINEZ, Alessandro (orgs). Giorgio
Strehler or a passion for theatre. Prix Europe pour le Théâtre, 2007, p.114.
139
o texto, ao ser trabalhado durante o processo dos ensaios em conjunto com os demais
elementos cênicos, poderia sofrer, em diferentes contextos e períodos, modificações,
críticas e valores, que certamente, serviriam para enriquecer a atuação de todos. Com
isto, o espetáculo refletia, não somente a criação do autor da obra dramática, mas
também daqueles que se permitiam criar a partir dela e com ela.
Strehler tinha como hábito apresentar aos atores e à equipe, imagens,
poesias e outras obras de temática semelhante àquela que iriam encenar e que, por
algum motivo específico, poderiam vir servir de diálogo ou, então, simplesmente, os
apresentava motivado por um impulso de ilustração a ser compartilhada com os
atores. Assim, não havia uma única regra ou modelo de como iniciar um novo trabalho
baseado na escolha da obra, já que esse contato podia acionar diferentes ligações
com outras referências que eram utilizadas para engrandecer a atuação teatral.
Embora todos os processos, aqui descritos e analisados, tenham se
apoiado em textos dramatúrgicos que antecediam aos processos de criação, parece
pertinente supor a validade desse mesmo modelo criativo em procedimentos, ainda
em fase de criação teatral, que não tenham textos teatrais ou literários como seus
pontos de partida. Os exemplos de Strehler sobre como estruturar a encenação e os
diálogos com a tradição teatral permitem que todos estejam envolvidos ativamente na
arte da criação, e não somente na execução de tarefas, fazendo com que o espetáculo
tenha vitalidade e alcance uma integração efetiva entre os que o produzem e o público
que o assiste.
Era talvez uma das constantes intervenções de Strehler: o incentivo à
improvisação teatral, como já citado aqui algumas vezes. Para provocá-lo, ele se
colocava em cena para jogar com os atores. Esse seu fascínio pelo jogo da cena, em
cena, o levava efetivamente a dividir o palco como ator em alguns dos trabalhos sob
sua direção. Em Elvira ou a Paixão Teatral, feita em 1986 para a inauguração do
Teatro Estúdio, Strehler dizia as palavras de Jouvet, interpretando o papel de um
encenador, ou melhor, seu próprio papel. Outro espetáculo no qual Strehler atuou foi
na primeira parte de Faust Frammenti, realizado em 1989, após dois anos de estudo.
No entanto, seu grande projeto era atuar em as Memórias de Goldoni250,
que havia começado a escrever em 1960. O projeto consistia em apresentar três fases
250 O texto, escrito por Giorgio Strehler em cinco episódios e um epílogo, foi publicado em 2005.
140
da vida de Goldoni (juventude, idade adulta e maturidade). A última fora a escolhida
para sua atuação, pois era como ele mesmo se sentia frente à realidade. A obra
apresentava uma reflexão de Strehler sobre o teatro e a vida, tendo como propósito
se basear na biografia e nas obras de Goldoni, no formato parecido de um diário.
Strehler tentou realizá-lo em diversos momentos, mas por contingências variadas,
teve que desistir dele repetidas vezes. Ele estava preparando esta encenação para
estrear no verão de 1998, mas faleceu antes que pudesse ver realizado seu grande
sonho no papel de dramaturgo e ator.
Foi de um volume impressionante a produção teatral de Strehler. Durante
sua vida, dirigiu mais de duzentos espetáculos somente no Piccolo Teatro, além de
diversas produções operísticas e colaborações com outros teatros. A reflexão
constante sobre seu momento histórico e seu engajamento político também se deram,
como não podia deixar de ser, como consequência de suas atividades no teatro.
A pluralidade de seus talentos fez com que Strehler, como encenador,
transitasse de um extremo ao outro da arte teatral assinando tanto as obras
extremamente luxuosas e grandiosas de caráter lírico, quanto os espetáculos que
dialogavam com a tradição popular da commedia dell’arte italiana. Foi um dos
responsáveis pela popularização do teatro italiano, pelo seu repertório de obras de
seus compatriotas e de clássicos mundiais que por ele foram encenadas por toda a
Europa e pelo mundo.
Seu aspecto pluralista de ideias e de concepções se destaca nas
entrevistas que realizei com seus colaboradores. Giorgio Bongiovanni afirma que
Strehler “era teatro puro”, pois, pela sua concepção, “Strehler transformava em teatro
qualquer coisa que tocasse. Ele gostava de contar histórias, desde as coisas mais
simples e cotidianas às mais eruditas. Vivia para contá-las e tudo era motivo para uma
narrativa de fatos reais ou fictícios. Era como uma criança; jogava o tempo todo” 251.
Giulia Lazzarini também recorda a importância do jogo nos trabalhos
criativos de Strehler. De acordo com ela, “o jogo era fundamental [...]. O jogo e a
humanidade eram características imprescindíveis nas obras de Strehler”. Lazzarini
ainda destaca o enorme conhecimento de Strehler em literatura, em poesia, em obras
251 BONGIOVANNI, Giorgio. Entrevista concedida à autora desta pesquisa. Milão: 2015.
141
teatrais e em música, e afirma que todo esse conhecimento se transformava em um
recurso que o auxiliava a contar suas histórias, a realizar suas aventuras252.
O ator Enrico Bonavera, afirma que “trabalhar no Piccolo Teatro foi, e é,
uma belíssima experiência que deu dignidade e sentido ao meu trabalho (também nas
pequenas coisas), pelo respeito ao trabalho e pela valorização da arte” 253.
Sobre a formação, ou equalizando diferenças
Um dos fatores que cabe ser ressaltado no percurso de Strehler como
encenador é o respeito às formações diversas dos atores e atrizes que com ele
trabalharam e a maestria em equalizar as diferenças em função de um processo de
montagem equilibrado. Durante sua trajetória como encenador, Strehler teve a
colaboração de atores e atrizes que já tinham uma projeção na cena teatral italiana;
artistas com formação em diferentes escolas e conservatórios de arte da Itália; atores
que já haviam se dedicado ao estudo das máscaras; estudantes em formação na
escola ligada ao Piccolo Teatro e até mesmo pessoas sem uma formação artística
definida. Isto não impedia que todas as pessoas trabalhassem juntas, muito pelo
contrário, era um dos desafios que o encenador encarava como meio de agregar
artistas, difundir trocas e desafiar-se em seus processos de elaboração dos
espetáculos.
No que dizia respeito à sua visão sobre formação teatral, pode-se observar
seu principal desejo quanto à escola do Piccolo Teatro na entrevista dada por Strehler
à Myrian Tanant. Embora longa, a citação é necessária, pois permite revelar aspectos
fundamentais da pedagogia proposta por Strehler.
[…] não há disciplina reservada à direção em minha escola, simplesmente porque eu penso que aquele que se destina à encenação deve dominar a fundo todas as disciplinas que constituem a profissão: a interpretação, a cenografia, a técnica, a iluminação, os figurinos, a música. Do contrário, não se pode possuir a arte da composição do conjunto que caracteriza toda boa encenação é por isso que todas essas disciplinas são ensinadas na escola junto à arte do ator e à história do teatro. É por isso também que penso que uma boa escola de teatro não deveria nunca estar separada de um teatro. Creio que uma escola, para ser ser eficaz, deve colocar imediatamente o aluno, tão logo esteja em condição de se movimentar e falar, em
252 LAZZARINI, Giulia. Entrevista concedida à autora desta pesquisa. Milão: 2015. 253 BONAVERA, Enrico. Entrevista concedida à autora desta pesquisa. Milão: 2015.
142
contato com a realidade do teatro. Consequentemente, quis criar uma escola que fosse uma companhia teatral em devir e instaurar aí a disciplina do teatro e não a da escola. Desejei colocar os alunos em contato com o espetáculo vivo, todas as noites. Todos os alunos são, na realidade, membros de um coletivo ligado ao palco, atuando, provavelmente, apenas com uma fala ou auxiliando uma atriz a decorar seu papel. Portanto, estão sempre em contato com o teatro vivo e naturalmente recebem pequenos papéis às vezes até papéis importantes bem rapidamente. Todos eles são trabalhadores e trabalhadoras regulares: um trabalho muito humilde que, no entanto, possibilita aos jovens uma relação direta com o público. Por turnos individuais, eles ajudam os maquinistas ou os eletricistas, e isto também lhes é útil: aprender a bater com um martelo nos dedos ao pregar pregos, o que nunca farão na vida depois de se tornarem atores, mas saberão o que significa montar um cenário. Naturalmente, assistem aos ensaios dos espetáculos: aos meus e aos dos encenadores convidados do Piccolo, quando isso é possível254.
No que concerne à dimensão ética da formação dos estudantes da escola
do Piccolo Teatro, Strehler afirma:
Os alunos da minha escola aprendem rapidamente a se dirigir uns aos outros, porque eu os conduzo à observação ao mesmo tempo objetiva e sensível do outro. [...]. Eu gostaria também de instruir o ator, portanto, o futuro encenador a não renunciar a nada do que deve ou quer saber sobre o mundo ao seu redor, nem renunciar, pelo teatro, à vontade de transformar o mundo, atuando aí em seu papel qualquer que seja sua importância255.
Observa-se nessas citações uma compreensão da formação do artista e
da cena completamente centrada nos processos práticos relacionados à artesania do
ofício. Com essa concepção, valoriza-se a experiência direta de todos os elementos
envolvidos no complexo processo de criação de um espetáculo. “Bater um martelo”,
“montar um cenário”, conquistar experiência, enfim, participar do trabalho cotidiano
profissional do teatro em todas as suas dimensões, não está hierarquicamente
separado da reflexão sobre as dimensões estéticas, éticas e políticas da criação
teatral, mas, pelo contrário, é ressaltado como uma de suas bases.
No entanto, destaca-se a grande importância dada à atuação, tanto no que
se refere à criação dos espetáculos, quanto às propostas pedagógicas que estão
envolvidas no fazer teatral. Torna-se claro que Strehler não concebia uma
254 STREHLER apud TANANT, 2015, p.95-96. 255 Ibidem, p.97.
143
possibilidade de formação em encenação que não passasse por uma vivência
aprofundada em atuação. Neste sentido, evidencia-se a necessidade de
conhecimento, da prática e experimentação da arte de atuar, já que ela pode ser
considerada um elemento que transversaliza todos os demais e propicia o diálogo
entre o encenador, os elementos que constituem o espetáculo e o público. Por este
motivo, a formação prática na atuação era um componente imprescindível para a
formação de diretores, segundo Strehler.
A particularidade de Strehler em relação ao cenário mundial das artes
cênicas está ligada à forma como desenvolveu seus processos criativos que
encontraram eco em muitas propostas de criação atuais.
Strehler manteve uma postura autocrítica atenta que o fez rever suas
crenças, na arte e na vida (talvez esse seja um dos principais motivos do meu
interesse em desenvolver essa pesquisa) criou muito, destruiu e reformulou tantas
vezes quanto sentia necessária a transformação de seus conceitos, bem como
questionou sua posição diante do mundo e de sua própria arte; desistiu, reformulou e
resistiu, tendo como objetivo o renascimento e a recriação de seus próprios meios de
ver e de fazer teatro.
Sob a direção de Strehler e Grassi, o Piccolo Teatro teve, como um de seus
focos, a formação de público. Neste sentido, alcançaram sua meta, pois construíram
um grande projeto de arte que alcançou rapidamente o público e desenvolveu o gosto
pelo teatro. Até hoje as produções do Piccolo Teatro fazem parte do imaginário cultural
da Itália e repercutem em outros países que com elas tiveram contato.
Encenadores contemporâneos a Strehler mantiveram profunda admiração
por seu engajamento com o teatro e suas incansáveis tentativas de reformulá-lo para
um melhor desempenho. Robert Wilson. (1941), costuma dizer que tem Strehler como
seu “pai” no teatro. De acordo com ele, após ter assistido seus espetáculos, o próprio
trabalho se modificou.
A primeira encenação de Strehler que assisti foi a de Bodas de Fígaro,
em Paris. E raramente, em trinta anos de trabalho teatral, lembro-me
de ter visto alguém que tivesse uma compreensão tão pessoal da cena
quanto ele, que tivesse uma marca pessoal, um modo seu de fazer as
coisas, um léxico seu para cada aspecto da cena: o comportamento
144
dos atores, os figurinos, as luzes, a cenografia, a dramaturgia: um
sentido completo do teatro256.
O estudo apresentado permitiu estabelecer conexões entre as encenações
aqui estudadas e as bases de formação do teatro do século XX, principalmente no
que se refere ao entendimento e aos desenvolvimentos da arte da encenação.
Evidencia-se aqui um modo de direção que não negligencia o passado, mas cria e
personaliza o modo de criação do espetáculo com base em um diálogo efetivo com a
tradição teatral, valorizando a potência transformadora da interlocução com os
conhecimentos teatrais já estabelecidos e assim, princípios da teatralidade e da arte
da encenação não ficam restritos aos seus contextos históricos e/ou poéticos, mas
alavancam novos processos criativos e renovam os possíveis desajustes das relações
entre texto, encenação, atuação e recepção do espetáculo.
Dentre os elementos resgatados da tradição e ressignificados no
desenvolvimento do teatro da encenação, destaco: a valorização do jogo e do
processo improvisacional como elementos transversais no processo de criação da
encenação; tanto o estudo aprofundado da obra, de suas circunstâncias e de suas
relações com o contexto histórico (da época de sua redação ao momento da
encenação), quanto à consideração dos aspectos sociais, culturais e políticos como
componentes que ampliam as perspectivas do encenador.
Como também é fator de destaque a criação, baseada em processos
improvisacionais, que possibilita a ampliação das metodologias decorrentes do
trabalho do ator/atriz para que não permaneçam fechadas em si mesmas, tornando
maior a integração com o contexto e com a vitalidade da pesquisa e da criação. Assim,
a estruturação do espetáculo, quando parte de processos improvisacionais é uma das
principais heranças adquiridas por Strehler, e difundidas por ele, como um elemento
resgatado da tradição em sua tentativa de renovação da cena teatral italiana.
256 “La prima regia di Strehler che vidi fu quella per Le nozze di Figaro a Parigi. E raramente, in trent’anni di
lavoro teatrale, mi è capito di vedere qualcuno che come lui avesse un senso così personale della scena, che avesse
una sua sigla, un suo modo di fare le cose, un suo lessico, per ogni aspetto della scena: il comportamento degli
attori, i costumi, le luci, la scenografia, la drammaturgia: un senso completo del teatro” (tradução nossa). WILSON
In STAMPALIA, 1997, p.11.
145
O que vejo em Strehler é uma proposta de formação ampla e generalista,
não especializada, do encenador que deve agregar conhecimentos relacionados à
arte teatral; apropriar-se de outras linguagens artísticas em função da encenação;
manter-se em constante jogo com a criação; ter o entendimento básico de todos os
aspectos da construção da cena e dominar a concretude artesanal do seu ofício. Ao
proceder desta forma, os limites das formas teatrais instituídas rompem as fronteiras
e geram um teatro em constante fluxo de atualização que se confronta ou até mesmo
propõe as mudanças de seu tempo, pois a direção não pode ser vista como uma área
do conhecimento das artes que ficou estagnada. Ela é uma arte da transição, que
necessita de constante movimento e renovação.
Na prática strehleriana afirma-se, portanto, uma compreensão da direção
(e de sua aprendizagem) totalmente fundada na concretude do acontecimento cênico.
Nesta perspectiva, o diretor não pode ser compreendido como um criador de ideias e
conceitos, como um demiurgo cuja criação se dá em um universo cênico idealizado,
mas sim como um “artesão da cena” cujas ideias surgem do/e no confronto com a sua
materialidade. Por esse motivo, só é possível compreender os traços de um
encenador, os fios condutores de seus processos de criação, quando nos colocamos
frente a frente com suas obras e com o curso de sua criatividade.
Os principais aspectos da poética strehleriana destacados ao longo desta
tese se mantêm presentes nas produções cênicas de grupos e encenadores da
atualidade. Podemos constatar as reapropriações de elementos de tradições teatrais
(bem como a valorização da teatralidade), de forma bastante clara, nas criações de
Ariane Mnouchkine com o Théâtre du Soleil. Nas peças dirigidas por Peter Brook, por
sua vez, observa-se a atualização constante dos clássicos em função dos contextos
das produções e das inquietações sociais. A recriação da tradição da commedia
dell’arte, pela qual Strehler foi um dos principais responsáveis, é utilizada por
criadores, grupos e pedagogos teatrais das últimas décadas e da contemporaneidade
(o já citado Théâtre du Soleil, Dario Fo e Franca Rame, Enrico Bonavera, Carlo Boso,
Philipp Gaulier, Jacques Lecoq, Barracão Teatro, Moitará, e tantos outros). A
preocupação com a manutenção da união de uma refinada elaboração artística da
obra com uma contato amplo e horizontal do espetáculo com seu público, além de ser
uma característica do trabalho de todos os criadores já citados, também é observável
146
nos trabalhos do Grupo Galpão, do Teatro Tascabile di Bergamo , do Teatro de Los
Andes e de diversos artistas da cena da atualidade.
Um possível legado teatral deixado por Strehler, não deve se resumir,
portanto, nem na continuidade de seus modos de dirigir, nem na reprodução das
formas de seus espetáculos, mas com maior propriedade, em um desafio ético e
artístico baseado na necessidade de gerar respostas pessoais a um confronto
simultâneo entre a tradição teatral e as questões urgentes da atualidade. De certa
forma, a pesquisa aqui apresentada reforçou e ampliou o que, inicialmente, me
mobilizou a realizá-la e termino por concluir que o que me comove é o modo de
resistência e crença num teatro que não negligencia o passado, mas que procura, em
função disso, reinventar o presente e permitir, constantemente, a abertura de
possibilidades que possam trazer o frescor da novidade nas formas de se dirigir e de
criar um espetáculo teatral.
***
Paradoxalmente, encerro este texto retornando às motivações iniciais que
me levaram ao desenvolvimento desta pesquisa. Paradoxalmente, também, busco um
“fechamento” desta tese apontando para as aberturas que ela pode propiciar no
campo relativo ao meu trabalho pedagógico na área da direção teatral. Realizo aqui
aproximações pessoais com os elementos da poética strehleriana apresentados que,
embora extrapolem os limites da minha pesquisa, se constituíram como um “subtexto”,
ou como um “superobjetivo” ao longo da realização do estudo ao qual me propus. No
mesmo contexto, um dos elementos que norteou a estruturação do meu pensamento
sobre o legado strehleriano aqui apresentado foi a tentativa de problematizar e
repensar, no confronto com a tradição, aspectos de minhas práticas atuais. Embora
eles permaneçam como aspectos que serão abordados em possíveis trabalhos
derivados da pesquisa que lhes apresento, parece-me pertinente pontuar alguns
deles.
De certa forma, minha identificação pessoal com esse tipo de abordagem
está ligada à minha formação e ao desenvolvimento das minhas atividades
pedagógicas com os estudantes na Universidade, seja no decurso de projetos que
147
faço ou da disciplina de direção teatral. Em ambos, a artesania teatral constitui a base
do percurso, e a união de todos os processos experienciados leva os estudantes a
começarem a traçar um perfil próprio de sua maneira de encenar.
Além disso, no contexto das disciplinas de direção teatral do Curso de Artes
Cênicas da Universidade Estadual de Londrina, a proposição do diálogo entre as
metodologias abordadas para a criação da cena ou do espetáculo definiu um modo
de exploração que busca a constante reflexão sobre a formação dos estudantes e as
perspectivas que eles têm em relação ao teatro, bem como a aproximação com outras
linguagens artísticas. Por mais que se parta do entendimento das situações e das
circunstâncias propostas, e de uma aproximação à criação por meio da concretude
das ações físicas em uma metodologia de base stanislavskiana, agrupar a esse
entendimento outras práticas de trabalho vivenciadas pelos estudantes, é ponto
fundamental. Somente assim é possível se evitar o risco da cristalização de quaisquer
pretensos “métodos” de direção e fazer que, com base nos elementos que sustentam
essas práticas como por exemplo, o jogo, a valorização do coletivo e o
desenvolvimento da encenação fundamentado no trabalho sobre as ações físicas,
surjam a cada turma formas específicas de abordagem vinculadas aos interesses e
às inquietações dos estudantes participantes.
O espaço do coletivo é um dos primeiros passos no desenvolvimento de
um trabalho cênico. O estabelecimento dele é fundamental para que se entenda a
criação do espetáculo como um fenômeno colaborativo em que todos comungam em
função do que se realiza na encenação. Assim, ele também acaba por se constituir
como um espaço onde são colocados em movimento diversos conhecimentos
adquiridos ao longo da formação do estudante, na medida em que se tem por objetivo
desenvolver a capacidade de integrá-los em seu contexto pessoal de criação.
Este espaço, muitas vezes incômodo ao impor o confronto com as
diferenças, acaba por alimentar e transformar os desejos de criação dos estudantes.
Ao serem desafiados a se verem defronte de suas inquietações artísticas nos
processos integrados de criação cênica dos quais são participantes, um grande jogo
começa a ser jogado: o da arte com a vida, da própria descoberta do jogar, do estar
fora de cena e colocar-se em jogo com os elementos que compõem o fazer teatral.
Um jogo, enfim, que muito se aproxima das heranças deixadas por Strehler e por
tantos outros encenadores.
148
Tal abordagem do ensino da direção e das descobertas de outras ordens
relacionadas à organização do espetáculo, ainda que desenvolvidas no contexto de
um bacharelado em Interpretação, fazem com que a direção passe a ser vista sob
outro aspecto (mesmo por aqueles estudantes que, inicialmente, não se interessam
diretamente por ela). O ator continua sendo o centro do processo de criação em
constante jogo com os elementos do espetáculo, o que possibilita aprendizagens
significativas em todas as áreas envolvidas na criação cênica. Trata-se de um
aprendizado completamente mediado pelo fazer (um fazer questionador, cheio de
observação) que vai sendo particularizado por cada estudante. Muitos dos processos
de criação desenvolvidos na disciplina de direção teatral acabaram gerando trabalhos
de conclusão de curso, ou incentivaram a formação de grupos e a elaboração de
projetos independentes.
Desde que me lancei ao desenvolvimento desta pesquisa tive como
impulso tanto a tentativa de gerar novos materiais para subsidiar o desenvolvimento
de reflexões acerca da encenação, quanto à necessidade pessoal de me mobilizar e
questionar meu próprio trabalho como artista-pedagoga desta área. A imersão neste
“universo” criativo estabelecido por Strehler me impulsiona, neste momento, a retornar
à sala de aula e a continuar a busca por novos modos de direção. Hoje, revendo a
trajetória que foi feita, penso que a simplicidade no fazer teatral e o constante
movimento de transformação exigem um confronto com a atualidade e com os
próprios anseios de criação artística, com um olhar atento e aberto para aquilo com
que a tradição segue a nos acenar, como Strehler parece estar nos ensinando, neste
momento. Assim, cada proposta, ou cada nova criação, devem estar relacionadas às
inquietações pessoais e à busca por modos particulares de investigação em relação
à arte, em constante troca com os outros e com os conhecimentos adquiridos até o
momento, mantendo total abertura às experiências, às ampliações e às redescobertas
que por ventura venham a enriquecer nosso horizonte.
149
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disponíveis no acervo digital do Piccolo Teatro Teatro di Milano: http://archivio.piccoloteatro.org/eurolab/
Programas dos Espetáculos Produzidos pelo Piccolo Teatro di Milano:
Programa do Espetáculo – Quarantesimo anniversario del Piccolo Teatro di
Milano.Arlecchino Servitori di due padroni, regia di Giorgio Strehler. Stagione
1987/88. 42ªdalla fondazione. Edizione dell’addio.Milano.
Programa do Espetáculo – La Tempesta, regia di Giorgio Strehler. Piccolo Teatro
di Milano. American Tur.1984.
Programa do Espetáculo – Arlecchino Servitori di due padroni, regia di Giorgio
Strehler. I Giovani Del Piccolo. Stagione 1990/1991.Milano
Programa do Espetáculo – Arlecchino Servitori di due padroni, regia di Giorgio
Strehler. Stagione 2015. Milano.
Catalogo da Scuola di Teatro - del Piccolo Teatro di Milano (a cura di: Giovanni
Soresi, Sara Russino, Silvia Colombo, Marco Fusar Poli, Silvia Finotti) 2009.
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Filmes de espetáculos e documentários:
300 anni di Carlo Goldoni - Le Barufe chiozzotte. Direção de Giorgio Strehler.
(Ripresa Televisiva del 1966).01 Distribution.2005.
Arlecchino servitore di due patroni, narrato da Giorgio Strehler e Ferruccio
Soleri. Direção: Chiara Boeri. Disponível no youtube em
https://www.youtube.com/watch?v=RLBV9ihDtYI
Arlecchino servitore di due padroni:
https://www.youtube.com/watch?v=C1ltGSs6OGU
La Tempesta: https://www.youtube.com/watch?v=aVN94wgXRd4
Strehler, il Maestro. Ultima intervista (prima parte):
https://www.youtube.com/watch?v=7fHqfTAD5HQ
Strehler, il Maestro. Ultima intervista (seconda parte):
https://www.youtube.com/watch?v=vxdlmp6nYys
Arlecchino, Servo Vostro!
https://www.youtube.com/watch?v=y4V93Ax8hpk
A colloquio con... Giorgio Strehler:
https://www.youtube.com/watch?v=xS00FGPAKLU
Giorgio Strehler e la storia del "Piccolo”:
https://www.youtube.com/watch?v=y7ZVjyRQRTM
Il giardino dei ciliegi:
https://www.youtube.com/watch?v=DRBdCO03n7U
https://www.youtube.com/watch?v=Nk1FxwCAaa0
Cenas de Valentina Cortese:
https://www.youtube.com/watch?v=8E8_XH3YfxU
Intervista con Arlecchino, Ferruccio Soleri:
https://www.youtube.com/watch?v=bKyHpgxwkU4
Arlecchino servitore di due padroni - Carlo Goldoni:
https://www.youtube.com/watch?v=SNWlW-pABQs
Arlecchino servitore di due padroni - edizione 1992:
https://www.youtube.com/watch?v=YflQ_gVA4n8
Arlecchino servitore di due padroni in tournée in Russia nel 2011:
https://www.youtube.com/watch?v=O1maq8aJbpE
159
Sipario: Ferruccio Soleri:
https://www.youtube.com/watch?v=5bTO3X_Qwts
Elvira o la Passione Teatrale- G. STREHLER:
https://www.youtube.com/watch?v=1wN7KeTnUF4
Profilo di un maestro - Omaggio a G. Strehler:
https://www.youtube.com/watch?v=p8TEr4HVa4I
Strehler Cosi' Fan Tutte. Addio al teatro e alla vita:
https://www.youtube.com/watch?v=GO-8yrEtM5g
Alla morte di Strehler:
https://www.youtube.com/watch?v=f-D443lx5nU
Milva e Giorgio Strehler cantano insieme Ma Mi:
https://www.youtube.com/watch?v=UT3dLxpEUMo
.
160
APÊNDICE
161
APÊNDICE
CRONOLOGIA DAS ENCENAÇÕES DE GIORGIO STREHLER REALIZADAS NO
PICCOLO TEATRO DI MILANO
Ano: 1947
Ralé, de M. Gorki
Il Mago dei Prodigi (O mágico prodigioso), de Calderón de La Barba
Le notti dell’ira (As Noites de Ira), de Armand Salacrou
Arlequim Servidor de Dois Patrões, de Carlo Goldoni
O gigante da Montanha, de Luigi Pirandello
L’Uragano (O furacão), de Aleksandr Nikolaevic Ostrovskj
Ano: 1948
Crime e Castigo, de Gaston Baty (a partir do romance homônimo de
Dostoiévski)
Ricardo III, de William Shakespeare
A Tempestade, de William Shakespeare
A Gaivota, de Anton Tchékhov
A Família Antropus, de Thornton Wilder
Ano: 1949
A Megera Domada, de William Shakespeare
O pequeno Eyolf, de Henrik Ibsen
Ano: 1950
La Parigina (A parisiense), de Henry Becque
Ricardo III, de William Shakespeare
Don Juan, de Mollière
Os Justos, de Albert Camus
Alcesti di Samuele (Alceste de Samuel), de Alberto Savinio
La puta onorata (A prostituta honrada), de Carlo Goldoni
Estate e fumo (Almas de Pedra), de Tennese Williams
162
A Morte de Danton, de Georg Büchner
Ano: 1951
L’Oro Matto (O Ouro dos Tolos), de Silvio Giovaninetti
Non giurare su niente (Não jure sobre nada), de Alfred de Musset
Frana allo scalo Nord (Deslizamento na Estação Norte), de Ugo Betti
L’amante Militare (O Amante Militar), de Carlo Goldoni
Oplà, noi viviamo (Eia, nós vivemos), de Ernest Toller
Ano: 1952
Macbeth, de William Shakespeare
Emma, de Federico Zardi
Il cammino sulle acque (O caminho sobre as águas), de Orio Vergani
O Inspetor Geral, de Nikolai Gogol
A Engrenagem, de Jean-Paul Sartre
Ano: 1953
Sacrilegio massimo (Sacrilégio Máximo), de Stefano Pirandello
Lulù, de Carlo Bertolazzi
Um caso clínico, de Dino Buzzati
Júlio Cesar, de William Shakespeare
La sei giorni (Os seis dias), de Ezio D’Errico
Ano: 1954
O Corvo, de Carlo Gozzi (segunda edição)
L’imbecille; La Patente; La giara (O imbecil; A licença; O jarro), de Luigi
Pirandello
La folle di Chaillot, de Jean Giradoux
A mascarada, de Alberto Moravia
La moglie ideale (A mulher ideal), de Marco Praga
La línea di condotta (A linha de conduta), de Bertold Brecht
Nostra Dea (Nossa Deusa), de Massimo Nontempelli
La trilogia dela Villeggiatura (A trilogia do feriado), de Carlo Goldoni
163
Ano: 1955
O Jardim das Cerejeiras, Anton Tchékhov
A Casa de Bernarda Alba, Federico Garcia Lorca
Tre quarti di luna (Três quartos de lua), Luigi Squarzina
El nost Milan, Carlo Bertolazzi
Ano: 1956
A Ópera dos Três Vinténs, de Bertolt Brecht
Dal tuo al mio (Do teu ao meu), Giovanni Verga
Arlequim Servidor de Dois Patrões (3ª Edição)
Ano: 1957
I giacobini (Os Jacobinos), de Federico Zardi
Coriolano, de William Shakespeare
Goldoni e le sue sedici commedie nuove (Goldoni e as suas dezesseis
comédias novas), de Paolo Ferrari
Ano: 1958
A alma boa de Setsuan, de Bertolt Brecht
Ano: 1959
Platónov e outros, de Anton Tchékhov
Ano: 1960
A Visita da Velha Senhora, de Friedrich Dürrenmatt
L’egoista (O Egoísta), de Carlo Bertolazzi
Ano: 1961
Schweyk na segunda guerra mundial, de Bertolt Brecht
Ano: 1962
A exceção e a regra, de Bertolt Brecht
Ricordo di due lunedí (Recordação de duas segunda-feiras), de
164
Ano: 1963
A vida de Galileu, de Bertolt Brecht
Arlequim Servidor de Dois Patrões, de Carlo Goldoni (4ªedição)
Ano: 1964
Le notti dell’ira (As noites de ira), de Armand Salacrou (2ª edição)
Ano: 1965
Poesia e Canções, de Bertolt Brecht
Ano: 1966
Duecentomila e uno (Duzentos mil e um), de Salvato Cappelli
O Gigante da Montanha, de Luigi Pirandello (2ª edição)
Ano: 1967
Eu, Bertolt Brecht nº I (canções e poesias), de Bertolt Brecht
Ano: 1969
Cantata di um mostro lusitano (A balada de um fantoche lusitano), de Peter
Weiss
Ano: 1972
Rei Lear, de William Shakespeare
Ano: 1973
A Ópera dos três Vinténs, de Bertolt Brecht (2ª edição)
Arlequim Servidor de Dois Patrões (5ª Edição)
Ano: 1974
O Jardim das Cerejeiras, de Anton Tchékhov (2ª edição)
Ano: 1975
Il campiello, de Carlo Goldoni
O Balcão, de Jean Genet
165
Ano: 1976
La storia della bambola abbandonata (A história da boneca abandonada),
de Giorgio Strehler, a partir de Alfonso Sastre e Bertolt Brecht.
Ano: 1977
Arlequim Servidor de Dois Patrões, de Carlo Goldoni (6ª edição)
Ano: 1978
A Tempestade, de William Shakespeare (2ª edição)
Ano: 1979
Eu, Bertolt Brecht nº III (poesias e canções), de Bertolt Brecht
Ano: 1980
Temporale (Temporal), de Johan August Strindberg
Ano: 1982
Ato sem palavras e Dias Felizes, de Samuel Beckett
Ano: 1983
Minna von Barnhelm, de Gotthold Ephraim Lessing
Ano: 1985
A grande magia, de Eduardo Filippo
Ano: 1986
Elvira, ou a Paixão teatral, de Louis Jouvet
Ano: 1987
Arlequim Servidor de Dois Patrões, de Carlo Goldoni (Edição de Adeus)
Ano: 1988
Come tu mi vuoi (Como tu me desejas), de Luigi Pirandello
166
Il tempo stringe (O tempo está se esgotando), de Antonio Tabucchi e Livre,
de Renato Sarti
Ano: 1989
Faust Frammenti (Faust Fragmentos) - 1ª Parte, de Johann Wolfgang
Goethe
Ano: 1990
Arlequim Servidor de Dois Patrões, de Carlo Goldoni (Edição de Bom Dia)
Ano: 1991
Faust Frammenti - 2ª Parte, de Johann Wolfgang Goethe
Ano: 1993
Il Campiello, de Carlo Goldoni (2ª Edição)
Ano: 1995
Non sempre splende la luna, Milva canta un nuovo Brecht (Nem sempre
brilha a lua, Milva canta um novo Brecht), textos de Bertolt Brecht
Ano: 1997
Arlequim Servidor de Dois Patrões, de Carlo Goldoni (Edição do
Cinquentenário)
Durante sua carreira de encenador Strehler também dirigiu, como
convidado, em outros teatros italianos e em outros países (principalmente Alemanha
e França). Teve também uma extensa produção como diretor de óperas.
167
ANEXOS
168
ANEXO A
Fichas Técnicas das Edições do Espetáculo Arlequim Servidor de Dois Patrões
Primeira Edição - julho de 1947
Pantalone Antonio BattisteÌla
CIarice Maria Marchi
Dottor Lombardi Armando Alzelmo
Silvio Roberto Villa
Beatrice Elena Zareschi
Florindo Gianni Santuccio
Brighella Franco Parenti
Smeraldina Anna Maestri
Arlecchino Marcello Moretti
Um garçom Dino Riefolo
Un carregador Otello Zago
Cenografia Gianni Ratto
Figurinos Ebe Colciaghi
Música Fiorenzo Carpi
Coreografia Rosita Lupi
Giorgio Strehler substituiu Antonio Battistella em algumas apresentações devido a problemas de saúde do ator.
1947/1948
Pantalone Antonio Battistella
Clarice Liana Casartelli
Dottor Lombardi Armando Alzelmo
Silvio Ettore Conti
Beatrice Mirella Pardi
Florindo Gianni Santuccio
169
Brighella Franco Parenti
Smeraldina Dedi Rizzo
Arlecchino Marcello Moretti
Um garçom que fala Dino Riefolo
Um carregador Otello Zago
1949/50
Pantalone Antonio Battistella
Clarice Adriana Sivieri
Dottor Lombardi Checco Rissone
Silvio Renzo Giovampietro
Beatrice Edda Albertini
Florindo Antonio Pierfederici
Brighella Franco Parenti
Smeraldina Vittoria Martello
Arlecchino Marcello Moretti
Um garçom que fala Marcello Bertini
Um carregador Arrigo Cominotto
Assistência de direção Flaminio Bollini
Máscaras (em papel machê) Amleto Sartori
Segunda Edição - 1951/52
Pantalone Antonio Battistella
Clarice Adriana Sivieri
Dottor Lombardi Checco Rissone
Silvio Nino Cestari
Beatrice Lia Zoppelli
Florindo Raoul Grassilli
Brighella Franco Parenti
170
Smeraldina Vittoria Martello
Arlecchino Marcello Moretti
Um garçom que fala Marcello Bertini
Um carregador Giulio Bosetti
Cenografia Gianni Ratto
Figurinos Ebe Colciaghi
Música Fiorenzo Carpi
Coreografia Rosita Lupi
Máscaras (em couro) Amleto Sartori
1952/53
Pantalone Carlo Bagno (1)
Clarice Adriana Sivieri (2)
Dottor Lombardi Checco Rissone
Silvio Nino Cestari
Beatrice Lia Zoppelli
Florindo Antonio Pierfedaici (3)
Brighella Franco Parenti
Smeraldina Vittoria Martello (4)
Arlecchino Marcello Moretti
Um garçom que fala Marcello Bertini
Um carregador Giulio Bosetti (5)
2º garçom (a partir de 3/3/53) Camillo Milli
3º garçom (a partir de 3/3/53) Antonio Cannas
1) a partir de 3/3/53 Agostino Contarello
2) a partir de 3/3/53 Adriana Asti
3) a partir de 3/3/53 Achille Millo
4) a partir de 3/3/53 Marina Bonfigli
a partir de 20/4/53 Vittoria Martello
5) a partir de 20/4/53 Antonio Cannas
171
1953/54
Pantalone Agostino Contarello (1)
Clarice Adriana Asti (2)
Dottor Lombardi Nino Cestari
Beatrice Edda Albertini (3)
Florindo Achille Millo (4)
Brighella Franco Parenti (5)
Smeraldina Vittoria Martello (6)
Arlecchino Marcello Moretti
Um garçom que fala Marcello Bertini (7)
Um carregador Antonio Cannas (8)
2º garçom (a partir de 3/3/53) Camillo Milli (9)
3º garçom (a partir de 3/3/53) Antonio Cannas (10)
Assistência de direção Checco Rissone
1) a partir de 4/6/54 Tino Carraro
2) a partir de 4/6/54 Marisa Perciavalle
3) a partir de 4/6/54 Lia Angeleri
4) a partir de 4/6/54 Giorgio De Lullo
5) a partir de 4/6/54 Ferruccio De Ceresa
6) a partir de 4/6/54 Stella Aliquò
7) a partir de 4/6/54 Franco Graziosi
8) a partir de 4/6/54 Ottavio Fanfani
9) a partir de 4/6/54 Giulio Chazalettes
10) a partir de 4/6/54 Francesco Pettenati
1954/55
Pantalone Tino Carraro
Clarice Marisa Perciavalle (1)
Dottor Lombardi Checco Rissone
172
Silvio Nino Cestari (2)
Beatrice Lia Angeleri (3)
Florindo Giorgio De Lullo (4)
Brighella Ferruccio De Ceresa (5)
Smeraldina Stella Aliquò (6)
Arlecchino Marcello Moretti
Um garçom que fala Franco Graziosi
Um carregador Ottavio Fanfani
2º garçom (a partir de 3/3/53) Giulio Chazalettes (7)
3º garçom (a partir de 3/3/53) Franco Pettenati (8)
1) a partir de 14/6/55 Giulia Lazzarini
2) a partir de 14/6/55 Giulio Chazalettes
3) a partir de 14/6/55 Edda Albertini
4) a partir de 14/6/55 Achille Millo
5) a partir de 14/6/55 Franco Parenti
6) a partir de 14/6/55 Vittoria Martello
7) a partir de 14/6/55 Raoul Consonni
8) a partir de 14/6/55 Roberto Pistone
1955/56
Pantalone Agostino Contarello
Clarice Giulia lazzarinni
Dottor Lombardi Checco Rissone
Silvio Giulio Chazalettes
Beatrice Edda Albertini
Florindo Achille Millo
Brighella Ermanno Roveri (1)
Smeraldina Vittoria Martello
Arlecchino Marcello Moretti
Um garçom que fala Marcello Bertini
Um carregador Raoul Consonni
173
2º garçom (a partir de 3/3/53) Raoul Consonni
3º garçom (a partir de 3/3/53) Roberto Pistone
1) a partir de 23/9/55 Franco Parenti
Terceira Edição de Edimburgo - 1956/57
Pantalone Antonio Battistella
Clarice Relda Ridoni
Dottor Lombardi Checco Rissone
Silvio Nino Cestari
Beatrice Valentina Fortunato (1)
Florindo Tino Carraro (2)
Brighella Gianfranco Mauri (3)
Smeraldina Marina Bonfìgli (4)
Arlecchino Marcello Moretti
Um garçom que fala Franco Graziosi (5)
Um garçom Ottavio Fanfani (6)
2º garçom (a partir de 3/3/53) Raoul Consonni (7)
3º garçom (a partir 3/3/53) Ezio Marano
Cenografia e Figurinos Ezio Frigerio
Assistêncai de direção Virginio Puecher
1) a partir de 23/4/57 Lydia Alfonsi
2) a partir de 23/4/57 Antonio Pierfederici
3) a partir de 27/12/56 Franco Parenti
4) a partir de 27/12/56 Narcisa Bonati
s) a partir de 23/4/57 Marcello Bertini
6) a partir de 23/4/57 Raoul Consonni
7) a partir de 23/4/57 Angelo Corti
174
1957/58
Pantalone Antonio Battistella
Clarice Nicoletta Rizzi
Dottor Lombardi Checco Rissone
Silvio Giancarlo Dettori
Beatrice Relda Ridoni
Florindo Luigi Vannucchi
Brighella Gianfranco Mauri
Smeraldina Narcisa Bonati
Arlecchino Marcello Moretti
Um garçom que fala Marcello Bertini
Um carregador Raoul Consonni
garçom (a partir de 3/3/53) Angelo Corti
Assistente de direção Virginio Puecher
Foi incluído no espetáculo um quarteto de instrumentos, executados ao vivo, composto por duas trompas (vindas do Scalla) um bumbo (Angelo Corti) e um violão (Raoul Consonni)
1958/59
Pantalone Nico Pepe
Clarice Maiagrazia Antonini
Dottor Lombardi Bruno Lanzaini
Silvio Mauro Carbonoli
Beatrice Lydia Alfonsi
Florindo Luigi Vannucchi
Brighella Gianfranco Mauri
Smeraldina Narcisa Bonati
Arlecchino Marcello Moretti
Um garçom que fala Marcello Bertini
175
Um carregador Angelo Corti
2º garçom (a partir de 3/3/53) Ferruccio Soleri
1959/60
Pantalone Gianrico Tedeschi
Clarice Giulia Lazzarini
Dottor Lombardi Bruno Lazzarini
Silvio Giancarlo Dettori
Beatrice Relda Ridoni (1)
Florindo Warner Bentivegna
Brighella Gianfranco Mauri
Smeraldina Narcisa Bonati
Arlecchino Marcello Moretti*
Um garçom que fala Vincenzo De Toma
Um carregador Angelo Corti
2º garçom (a partir de 3/3/53) Ferruccio Soleri (2)
3º garçom (a partir de 3/3/53) Augusto Salvi (3)
Assistente de direção Francesco Carnelutti
Diretor Assistente Mario Missiroli
1) em substituição na turnê nos EUA e Canadá Liliana Zoboli
2) a partir de 8/7/60 Raoul Consonni
3) turnê nos EUA e Canadá Giuliano Mariani
Ferdinando Mazzola
Quarta Edição - Edizione di Villa Litta (Affori) 1962/63
Pantalone Nico Pepe
Clarice Mariagrazia Antonini
Dottor Lombardi Checco Rissone
Silvio Mauro Carbonoli
Beatrice Valentina Cortese
176
Florindo Franco Graziosi
Brighella Gianfranco Mauri
Smeraldina Narcisa Bonati
Arlecchino Ferruccio Soleri
Um garçom da hospedaria Ivan Cecchini
Um carregador Giancarlo Cajo
Um garçom Vittorio Bertolini
Músicos Vito Calabrese
Ferdinando Mazzola
Edmondo Sanchini
Cenografia e Figurinos Ezio Frigerio
Música Fiorenzo Carpi
Máscaras Amleto e Donato Sartori
Assistente de direção Gianfranco Mauri
Roberto Pallavicini
1963/64
Pantalone Nico Pepe
Clarice Mariagrazia Antonini
Dottor Lombardi Bruno Ianzarini
Silvio Mauro Carbonoli (1)
Beatrice Anna Nogara
Florindo Franco Graziosi
Brighella Gianfranco Mauri
Smeraldina Narcisa Bonati (2)
Arlecchino Ferruccio Soleri
Un garçom que fala Ivan Cecchini
Um carregador Giancarlo Cajo
2º garçom Vittorio Bertolini
Músicos Vito Calabrese
Ferdinando Mazzola
177
Edmondo Sanchini
1) a partir de 12/5/64 Giancarlo Dettori
2) a partir de 12/5/64 Anna Priori
1966/67
Pantalone Nico Pepe
Clarice Mariagrazia Antonini
Dottor Lombardi Bruno Lanzarini
Silvio Mauro Carbonoli
Beatrice Relda Ridoni
Florindo Mario Valdemarin(1)
Brighella Gianfranco Mauri
Smeraldina Graziella GaÌvani
Arlecchino Ferruccio Soleri (2)
Um garçom que fala Ivan Cecchini
Um carregador Giuseppe Pambieri
2º garçom Salvatore Aricò
Músicos Attilio Casiero (3)
Antonio Cavazzuti (4)
Vincenzo Porsio
1) a partir de 10/4/67 Franco Graziosi
2) na Espanha Angelo Corti
3) a partir de 5/4/67 Giampaolo Grecchi
4) a partir de 5/4/67 Renato Grimaldi
1967/68
Pantalone Nico Pepe (1)
Clarice Luciana Luppi
Dottor Lombardi Bruno Lanzarini
178
Silvio Mauro Carbonoli
Beatrice Anna Saia
Florindo Gianfianco Ombuem
Brighella Renzo Fabris
Smeraldina Graziella Galvani (2)
Arlecchino Ferruccio Soleri
Um garçom que fala Ivan Cecchini
Um carregador Carlo Boso
2º garçom Salvatore Aricò
Músicos Vincenzo Brandi
Angelo Mai
Giorgio Oltremari
Assistente de direção Nico Pepe
1) a partir de 2/4/68 Gianfranco Mauri
2) a partir de 4/12/67 Ginella Bertacchi
1968/69
Pantalone Gianfranco Mauri
Clarice Luciana Luppi
Dottor Lombardi Bruno Ianzarini
Silvio Mauro Carbonoli
Beatrice Relda Ridoni
Florindo Ettore Conti
Brighella Renzo Fabris
Smeraldina Graziella Galvani
Arlecchino Ferruccio Soleri
Um garçom que fala Ivan Cecchini
Um carregador Domenico Negri
2º garçom Roberto Colombo
179
Músicos Vincenzo Brandi
Tolmino Marianini
Giorgio Oltremari
Quinta Edição - 1972/73 Edizione di Villa Reale (Milano)
Pantalone Gianrico Tedeschi
Clarice Ginella Bertacchi
Dottor Lombardi Andrea Matteuzzi (1)
Silvio Giancarlo Dettori
Beatrice Anna Saia
Florindo Franco Graziosi
Brighella Gianfranco Mauri
Smeraldina Marisa Minelli
Arlecchino Ferruccio Soleri
Um garçom que fala Cip Barcellini
Um carregador Angelo Corti
2º garçom Giorgio Naddi
Músicos Vincenzo Brandi
Tolmino Marianini
Giorgio Oltremari
Assistente de direção Gianfranco Mauri
Assistente musical Raoul Ceroni
1) a partir de ?/?/73 Giorgio Naddi
1974/75
Pantalone Gianrico Tedeschi
Clarice Ginella Bertacchi
Dottor Lombardi Enzo Tarascio
180
Silvio Giancarlo Dettori
Beatrice Anna Saia
Florindo Franco Graziosi
Brighella Gianfranco Mauri
Smeraldina Marisa Minelli
Arlecchino Ferruccio Soleri
Um garçom que fala Cip Barcellini
Um carregador Angelo Corti
2º garçom Angelo Corti
3º garçom Guido Gagliardi
Músicos Franco Baudo
Tolmino Marianini
Giorgio Oltremari
Assistente musical Raoul Ceroni
Sexta Edição - 1975 Cooperativa Attori del PiccoloTeatro di Milano
Pantalone Gianfranco Mauri
Clarice Ginella Bertacchi
Dottor Lombardi Andrea Matteuzi
Silvio Fulvio Ricciardi
Beatrice Anna Saia
Florindo Umberto Ceriani
Brighella Carlo Boso
Smeraldina Graziella Galvani
Arlecchino Ferruccio Soleri
Um garçom que fala Lorenzo Grechi
Um carregador Ernesto M. Rossi
2º garçom Guido Gagliardi
Músicos Franco Baudo
Tolmino Marianini
Giorgio Oltremari
181
O ponto [Il suggeritore] Enrico D'Amato
Sétima Edição 1977/78 Edizione dell'Odéon
Pantalone Nico Pepe
Clarice Pamela Villoresi
Dottor Lombardi Enzo Tarascio
Silvio Roberto Chevalier
Beatrice Anna Saia
Florindo Franco Graziosi
Brighella Gianfranco Mauri
Smeraldina Marisa Minelli
Arlecchino Ferruccio Soleri
Um garçom que fala Elio Veller
Um carregador Carlo Boso
2º garçom Piergiorgio Fasolo
O ponto [Il suggeritore] Armando Benetti
Músicos Raoul Emarten
Antonio Cavazzutti
Leonardo Cipriani
Cenografia e figurinos Ezio Frigerio
Música Fiorerzo Carpi
Movimento mímico Marise Flach
Máscaras Amleto Sartori
Diretor Assistente Carlo Battistoni
Enrico D'Amato
Assistente de direção Gianfranco Mauri
Assistente musical Raoul Ceroni
182
1978/79
Pantalone Gianfranco Mauri (1)
Clarice Susanna Marcomeni
Dottor Lombardi Enzo Tarascio
Silvio Roberto Chevalier
Beatrice Anna Saia
Florindo Umberto Ceriani (2)
Brighella Renzo Fabris (3)
Smeraldina Marisa Minelli
Arlecchino Ferruccio Soleri
Um garçom que fala Elio Veller
Um carregador Carlo Boso
2º garçom Francesco Cosenza (4)
O ponto [Il suggeritore] Armando Benetti (5)
Músicos Giovanni Bertocchi
Antonio Cavazzuti
Leonardo Cipriani
Tolmino Marianini
Assistente de direção Enrico D'Amato
Assistente musical Raoul Ceroni
1) a partir de 10/1/79 Ettore Conti
2) a partir de 10/1/79 Franco Graziosi
3) a partir de 10/1/79 Gianfranco Mauri
4) a partir de 10/1/79 Riccardo Magherini
5) a partir de 16/3/79 Alighiero Scala
1979/80
Pantalone Ettore Conti
Clarice Susanna Marcomeni
Dottor Lombardi Enzo Tarascio
Silvio Roberto Chevalier
183
Beatrice Anna Saia
Florindo Umberto Ceriani
Brighella Renzo Fabris
Smeraldina Marisa Minelli
Arlecchino Ferruccio Soleri
Um garçom que fala Elio Veller
Um carregador Augusto Di Bono
2º garçom Riccardo Magherini
3º garçom Natale Russo
O ponto [Il suggeritore] Alighiero Scala
Músicos Giovanni Bertocchi
Antonio Cavazzuti
Leonardo Cipriani
Raoul Emarten
Virgilio Neri
Assistentência de direção Gianfranco Mauri
Assistência musical Raoul Ceroni
1982/83
Pantalone Tino Carraro (1)
Clarice Susanna Marcomeni
Dottor Lombardi Enzo Tarascio
Silvio Stefano Onofri
Beatrice Valentina Fortunato
Florindo Franco Graziosi
Brighella Gianfranco Mauri
Smeraldina Marisa Minelli
Arlecchino Ferruccio Soleri
Um garçom que fala Enrico Maggi
Um carregador Ettore Gaipa
2º garçom Mauro Cerana (2)
3º garçom Rocco Mortelliti
O ponto [Il suggeritore] Alighiero Scala
Músicos Giovanni Bertocchi
184
Antonio Cavazzuti
Leonardo Cipriani
Tolmino Marianini
Virgilio Neri
Diretores assistentes Carlo Battistoni
Enrico D'Amato
Assistência de direção Gianfranco Mauri
Assistência musical Raoul Ceroni
1) a partir de 13/4/83 Ettore Conti
2) a partir de 13/4/83 Riccardo Magherini
1983/84
Pantalone Ettore Conti
Clarice Susanna Marcomeni
Dottor Lombardi Enzo Tarascio
Silvio Stefano Onofri
Beatrice Valentina Fortunato
Florindo Franco Graziosi
Brighella Gianfranco Mauri
Smeraldina Marisa Minelli
Arlecchino Ferruccio Soleri
Um garçom que fala Mario Porfito
Um carregador Ettore Gaipa
2º garçom Roberto Petrolini
3º garçom Domenico VaÌente
O ponto [Il suggeritore] Alighiero Scala
Músicos Walter Battagliola
Mario Ciuffolini
Giovanna Correnti
Anna Ferraresi
Valerio Geroldi
Diretores Assistentes Carlo Battistoni
Enrico D'Amato
185
Assistência de direção Gianfranco Mauri
Assistência musical Raoul Ceroni
1986/87
Pantalone Ettore Conti
Clarice Giulia Lazzarini
Dottor Lombardi Enzo Tarascio
Silvio Giancarlo Dettori
Beatrice Andrea Jonasson
Florindo Mario Valdemarin
Brighella Gianfranco Mauri
Smeraldina Marisa Minelli
Arlecchino Ferruccio Soleri
Um garçom que fala Enrico Bonavera
Um carregador Ettore Gaipa
2º garçom Antonio Carlucci
3º garçom Sergio Lomazzi
O ponto [Il suggeritore] Alighiero Scala
Músicos Walter Battagliola
Anania Battagliola
Anna Ferraresi
Valerio Geroldi
Cenário Ezio Frigerio
Figurinos Franca Squarciapino
Músicas Fiorerzo Carpi
Movimentos mímicos Marise Flach
Máscaras Amleto Sartori
Diretores Assistentes Carlo Battistoni
Enrico D'Amato
Assistência de direção Gianfranco Mauri
Assistência musical Raoul Ceroni
186
Oitava Edição - 1987/88 Edizione dell'Addio
Pantalone Ettore Conti
Clarice Giulia Lazzarini
Dottor Lombardi Enzo Tarascio
Silvio Giancarlo Dettori
Beatrice Andrea Jonasson
Florindo Franco Graziosi
Brighella Gianfranco Mauri
Smeraldina Marisa Minelli
Arlecchino Ferruccio Soleri
Um garçom que fala Enrico Bonavera
Um carregador Ettore Gaipa
2º garçom Antonio Carlucci
3º garçom Sergio Lomazzi (1)
O ponto [Il suggeritore] Alighiero Scala
Músicos Walter Battagliola
Anania Battagliola
Anna Ferraresi
Ivo Meletti
Cenografia Ezio Frigerio
Figurinos Franca Squarciapino
Música Fiorerzo Carpi
Movimento mímico Marise Flach
Máscaras Amleto Sartori
Diretores Assistentes Carlo Battistoni
Enrico D'Amato
Assistência de direção Gianfranco Mauri
Assistência musical Raoul Ceroni
1) a partir de 9/7/89 (Brasil) Mario Guariso
187
Nona Edição - 1990/91 (outubro de I990) Edizione del Buongiorno
Pantalone Giorgio Bongiovanni
Paolo Calabresi
Leonardo De Colle
Clarice Gabriella Campanile
Marta Comerio
Gaia De Laurentiis
Nicoletta Maragno
Laura Pasetii
Dottor Lombardi Paolo Calabresi
Stefano De Luca
Sergio Leone
Silvio Stefano Guizzi
Stefano Quatrosi
Beatrice Sara Alzetta
Sonia Bergamasco
Simona Fais
Simona Ferraro
Paola Morales
Rossana Piano
Marica Roberto
Victoria S. Villalba
Florindo Umberto Carmignani
Leonardo De Colle
Mario Guariso
Sergio Leone
Mace Perlman
Brighella Giorgio Bongiovanni
Luca Criscuoli
Silvano Torrieri
Smeraldina Nicoletta Maragno
Claudia Negrin
Ilaria Onorato
188
Maria Teresa Sintoni
Laura Torelli
Arlecchino Ferruccio Soleri
Um garçom que fala Stefano De Luca
Um carregador Mace Perlman
Músicos Walter Battagliola
Anania Battagliola
Anna Ferraresi
Ivo Meletti
Cenografia Ezio Frigerio
Figurinos Luisa Spinatelli
Música Fiorerzo Carpi
Movimento mímico Marise Flach
Máscaras Amleto Sartori
Natale Panaro
Assistência musical Raoul Ceroni
1990/91 (abril de 1991)
Pantalone Giorgio Bongiovanni
Paolo Calabresi
Leonardo De Colle
Clarice Gabriella Campanile
Marta Comerio
Gaia De Laurentiis
Nicoletta Maragno
Laura Pasetii
Dottor Lombardi Paolo Calabresi
Stefano De Luca
Leonardo De Colle
Silvio Stefano Guizzi
Stefano Quatrosi
189
Beatrice Sara Alzetta
Sonia Bergamasco
Simona Fais
Paola Morales
Rossana Piano
Marica Roberto
Florindo Umberto Carmignani
Leonardo De Colle
Mario Guariso
Brighella Giorgio Bongiovanni
Luca Criscuoli
Silvano Torrieri
Smeraldina Nicoletta Maragno
Claudia Negrin
Ilaria Onorato
Maria Teresa Sintoni
Laura Torelli
Arlecchino Ferruccio Soleri
Um garçom que fala Stefano De Luca
Um carregador Stefano Quatrosi
Músicos Paolo Bettoli
Fabio Carlucci
Leonardo Cipriani
Anna Ferraresi
Ilaria Onorato
1992/93
Pantalone Giorgio Bongiovanni
Paolo Calabresi
Leonardo De Colle
Clarice Gabriella Campanile
Marta Comerio
Nicoletta Maragno
190
Dottor Lombardi Paolo Calabresi
Sergio Leone
Enrico Maggi
Silvio Fabio Balasso
Leonardo De Colle
Silvano Torrieri
Beatrice Simona Fais
Rossana Piano
Marica Roberto
Florindo Umberto Carmignani
Leonardo De Colle
Mario Guariso
Sergio Leone
Brighella Giorgio Bongiovanni
Luca Criscuoli
Silvano Torrieri
Smeraldina Nicoletta Maragno
Claudia Negrin
Ilaria Onorato
Laura Torelli
Um garçom que fala Enrico Maggi
Um carregador Luca Criscuoli
Mimi Carlo Ottolini
Piero Varetto
Músicos Alessandro Castelli
Paolo Cotti Cometti
Anna Ferraresi
Giovanni Mandunzio
Franz Piatto
Cenografia Ezio Frigerio
Figurinos Luisa Spinatelli
Música Fiorerzo Carpi
Máscaras Amleto Sartori
Natale Panaro
191
Assistência musical Raoul Ceroni
Décima Edição - 1997 Edizione del Cinquantesimo
Pantalone Giorgio Bongiovanni
Clarice Laura Pasetti
Dottor Lombardi Paolo Calabresi
Silvio Stefano Quatrosi
Beatrice Giorgia Senesi
Florindo Sergio Leone
Brighella Gianfranco Mauri
Smeraldina Nicoletta Maragno
Arlecchino Ferruccio Soleri
Um garçom da hospedaria Maxmilian Mazzotta
Garçom Francesco Cordella
Maria Grazia Solano
O ponto [Il suggeritore] Alighiero Scala
Um carregador Luca Criscuoli
Músicos Alberto Bertolotti
Gianni Bobbio
Alessandro Castelli
Ivo Meletti
Celio Regoli
Direção Giorgio Strehler
Cenografia Ezio Frigerio
Figurinos Franca Squarciapino
Música Fiorerzo Carpi
Movimento mímico Marise Flach
Diretor assistente Gianfranco Mauri
Máscaras Amleto Sartori
192
Temporada de 2015
Pantalone Giorgio Bongiovanni
Clarice Giulia Valenti
Dottor Lombardi Tommaso Minniti
Silvio Stefano Onofri
Beatrice Annamaria Rossano
Florindo Sergio Leone
Brighella Enrico Bonavera / Stefano Guizzi
Smeraldina Alessandra Gigli
Arlecchino Ferruccio Soleri / Enrico Bonavera
Garçom da hospedaria Francesco Maria Cordella
Garçom Frabrizio Martorelli
Davide Gasparro
O ponto [Il Suggeritore] Stefano Guizzi
Fabrizio Martorelli
Músicos Gianni Bobbio/ Leonardo Cipriano
Francesco Mazzoleni/ Valerio Mazzucconi
Valerio Panzolato
Elisabetta Pasquinelli
Celio Regoli
Cenografia Ezio Frigerio
Figurino Franca Squarciapino
Música Fiorenzo Carpi
Iluminação Geraldo Modica
Movimento mímico Marise Flach
Máscaras Amleto e Donato Sartori
Mise èn scene Ferruccio Soleri com a colaboração de Stefano de Lucca
193
ANEXO B
FICHA TÉCNICA DA SEGUNDA EDIÇÃO DE O JARDIM DAS CEREJEIRAS, DE
ANTON TCHÉKHOV
Liubov Andreievna Ranescaia( proprietária) Valentina Cortese
Ania, sua filha Monica Guerritore
Firs, velho mordomo Renzo Ricci
Leonid Andreievitch Gaev Renato di Carmine
Vania, filha adotiva Giulia Lazzarini
Piotr Sergeievitch Trofimov (Petia), estudante Pierro Sammataro
Charlotta Ivanovna- Governanta Claudia Lawrence
Duniacha- empregada Marisa Minelli
Iermolai Alexeievitch Lopakhine- mercador Franco Graziosi
Tradução Luigi Lunari e Giorgio
Strehler
Música Fiorenzo Carpi
Cenografia e Figurinos Luciano Damiani
194
ANEXO C
FICHA TÉCNICA DA SEGUNDA EDIÇÃO DE A TEMPESTADE, de WILLIAM
SHAKESPEARE
Alonso, Rei de Nápoles Claudio Gora
Sebastião, seu irmão Luciano Virgilio
Prospero, legítimo Duque de Milão Tino Carraro
Antônio, seu irmão, o usurpador Duque de Milão Osvaldo Ruggieri
Ferdinando, filho do Rei de Nápoles Massimo Bonetti
Gonçalo, um velho conselheiro e honesto Mario Carrara
Adriano, um Lorde Fabrizio Bentivoglio
Francisco, um Lorde Franco Sangermano
Calibã, um escrevo selvagem e deformado Michele Placido
Trínculo, um bufão Armando Marra
Stefano, um despenseiro bêbado Mimo Craig
Capitão do Navio Bruno Noris
Miranda, filha de Próspero Fabiana Udine
Ariel, um espírito do etéreo Giulia Lazzarini
Outros espíritos: Massimo Bagliani, Ivano Borra, Mauro Cerana, Maria
Cioffi, Patrizia Cipriani, Claudio Lobbia, Riccardo Magherini, Marco Marelli, Manuela
Massarenti, Luciano Mastellari, Caterina Mattea, Massimo Petronio, Lucia Pozzi,
Renato Sarti, Giuliana Soldani, Andrea Tidona, Adriano Todeschini, Manuela Verchi
Tradução Agostino Lombardo
Música Fiorenzo Carpi
Cenário e Figurinos Luciano Damiani
Assistentes de direção Carlo Battistoni, Enrico
D’Amato e Walter Pagliaro
Movimento Mímico Marise Fach
195
ANEXO D
196
ANEXO E
197
ANEXO F