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INVESTIDAS DO CAPITAL: a precarização do modo de viver na comunidade Ilha do Capim- Abaetetuba/Pa. Layana Azevedo dos Santos 1 Thais Santos Pinheiro 2 Lailson Azevedo dos Santos 3 RESUMO: O presente artigo pretende contextualizar as investidas do grande capital em território amazônico a partir da percepção de como estas se configuram nas tentativas de invasão no território da comunidade ribeirinha e agroextrativista da Ilha do Capim - Abaetetuba/Pa, pontuado neste também, as iniciativas e estratégias de enfrentamento empunhadas pela comunidade. Faz-se ainda, breve análise sobre como as tentativas desses empreendimentos, impactam diretamente o modo de viver tradicional da comunidade, colocando essa população em risco de sobrevivência. Conclui-se com a constatação de que a resistência, integrante do dia a dia da comunidade é uma necessária ferramenta para existência da comunidade. Palavras-chave: Amazônia. Comunidades tradicionais. Ilha do Capim. Resistência. ABSTRACT: This Article intends to contextualize the invested of the great capital in Amazonian territory from the perception of how they are configured nas tentativas de invasão the territory of the riverside and agroextractivist community of Ilha do Capim - Abaetetuba / Pa, punctuated in this too, community-led coping strategies and initiatives. In addition, brief analysis on how the attempts of these ventures, directly impact the traditional way of living of the community putting this population at risk of survival. It concludes with the observation that resistance integral part of the day-to-day is a necessary tool for community existence. Keywords: Amazon. Traditional communities. Ilha do Capim. Resistance. 1 INTRODUÇÃO As afirmações que ditam a Amazônia enquanto um celeiro de belezas exuberantes, de grandes riquezas naturais e que conta com uma multiplicidade de povos e comunidades 1 Assistente social graduada pela Universidade Federal do Pará. Ribeirinha. E-mail: [email protected] 2 Assistente social graduada pela Universidade Federal do Pará. E-mail: [email protected] 3 Professor de escola pública municipal, licenciado em matemática pela Universidade do Estado do Pará. Ribeirinho. E-mail: [email protected]

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Page 1: INVESTIDAS DO CAPITAL: Layana Azevedo dos Santos1 · 2019. 11. 12. · Layana Azevedo dos Santos1 Thais Santos Pinheiro2 Lailson Azevedo dos Santos3 RESUMO: O presente artigo pretende

INVESTIDAS DO CAPITAL: a precarização do modo de viver na comunidade Ilha do

Capim- Abaetetuba/Pa.

Layana Azevedo dos Santos1

Thais Santos Pinheiro2

Lailson Azevedo dos Santos3

RESUMO: O presente artigo pretende contextualizar as investidas do grande capital em território amazônico a partir da percepção de como estas se configuram nas tentativas de invasão no território da comunidade ribeirinha e agroextrativista da Ilha do Capim - Abaetetuba/Pa, pontuado neste também, as iniciativas e estratégias de enfrentamento empunhadas pela comunidade. Faz-se ainda, breve análise sobre como as tentativas desses empreendimentos, impactam diretamente o modo de viver tradicional da comunidade, colocando essa população em risco de sobrevivência. Conclui-se com a constatação de que a resistência, integrante do dia a dia da comunidade é uma necessária ferramenta para existência da comunidade.

Palavras-chave: Amazônia. Comunidades tradicionais. Ilha do Capim. Resistência.

ABSTRACT: This Article intends to contextualize the invested of the great capital in Amazonian territory from the perception of how they are configured nas tentativas de invasão the territory of the riverside and agroextractivist community of Ilha do Capim - Abaetetuba / Pa, punctuated in this too, community-led coping strategies and initiatives. In addition, brief analysis on how the attempts of these ventures, directly impact the traditional way of living of the community putting this population at risk of survival. It concludes with the observation that resistance integral part of the day-to-day is a necessary tool for community existence. Keywords: Amazon. Traditional communities. Ilha do Capim. Resistance.

1 INTRODUÇÃO

As afirmações que ditam a Amazônia enquanto um celeiro de belezas exuberantes,

de grandes riquezas naturais e que conta com uma multiplicidade de povos e comunidades

1 Assistente social graduada pela Universidade Federal do Pará. Ribeirinha. E-mail: [email protected] 2 Assistente social graduada pela Universidade Federal do Pará. E-mail: [email protected] 3 Professor de escola pública municipal, licenciado em matemática pela Universidade do Estado do Pará. Ribeirinho. E-mail: [email protected]

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tradicionais, possuindo cada qual seu modo único de viver, de se relacionar com as

condições de existência impostas pela natureza e com os seres em que coabitam, não

constitui-se em nenhuma novidade. Contudo os processos que levam dia a dia à destruição

massiva de tudo aquilo que comumente se elogia, nem sempre tornam-se conhecidos e

expostos, levando a uma morte silenciosa de vidas e histórias.

Nessa perspectiva, torna-se necessário acompanhar, analisar, interpretar e expor

criticamente a incidência do Capital neste território, como este se apresenta e quais as

consequências e lastros de mazelas que este comumente deixa por onde se avizinha e

toma posse.

Compreende-se que neste chão e nestas águas, o desenvolvimento acirra e traz

consigo novas faces da Questão social, expressando-se de variadas e diferentes formas

(FIALHO, 2012), contrastando com os discursos de desenvolvimento que costumam

acompanhar as várias investidas de empreendimentos do capital.

Neste trabalho, objetiva-se dar visibilidade à realidade da comunidade ribeirinha da

Ilha do Capim, componente do arquipélago de setenta e duas ilhas do município de

Abaetetuba/Pa e que por possuir proximidade de empreendimentos instalados (e em

especulação de instalação), sente os impactos sociais, ambientais e inúmeras alterações

em seu modo de viver, além da especulação de invasão do território, bem como os conflitos

que os acompanham. Buscou-se ainda destacar os processos de lutas e resistências

empunhados pela comunidade, que embora aquém de políticas públicas que as favoreçam,

conseguem atuar na emancipação dos sujeitos inseridos neste contexto, bem como traçar

as inúmeras ameaças que a rondam e impõe alterações na vida da comunidade.

Para construção deste trabalho, contou-se como fundamento principal a experiência

adquirida da vivência na comunidade, a participação nos enfrentamentos, lutas e embates,

ou seja nos processos de resistência, tão presentes e necessários para que esta existisse

nos dias atuais. E ainda, contou-se com pesquisa bibliográfica, usando-se de autores que

pesquisam acerca da Amazônia, que de alguma maneira subsidiam a luta ribeirinha, bem

como documentos que certificam as denúncias e impactos desses empreendimentos.

2 O VIVER NA AMAZÔNIA, LUTAS E RESISTÊNCIAS

Sobreviver no mundo atual capitalista, tem sido um dos principais desafios para

grande parte parcela populacional mundial, em face do processo de acumulação do capital

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que contraditoriamente dispara a desigualdade social, engendrando o que Marx (2008)

denomina como a história das lutas de classe.

A moderna sociedade burguesa, que surgiu do declínio da sociedade feudal, não aboliu as contradições de classe. Ela apenas colocou novas classes, novas condições de opressão e novas formas de luta no lugar das antigas (MARX 2008 p.09).

A leitura de Marx não poderia ser mais atual, em um contexto que o Capital torna-

se mais e mais ferrenho em detrimento das classes subalternas. Nesse contexto, encontra-

se a Amazônia, um terreno em que acontece a luta diária de muitos povos e populações

tradicionais, seja pela sobrevivência ou permanência de seu modo de viver, conforme suas

tradições, costumes, pela luta da terra, firmando-se e resistindo.

De acordo com o Decreto 6040 do Governo federal, denomina-se como povos e

comunidades tradicionais, os grupos culturalmente diferenciados que se reconhecem dessa

maneira, com organização social própria, que ocupam e usam um território e seus recursos

naturais como essenciais para sua reprodução cultural, social e religiosa, usando de

inovações e práticas transmitidos por gerações.

Entre os povos e comunidades tradicionais do Brasil estão quilombolas,

seringueiros, castanheiros, comunidades de fundo de pasto, pescadores artesanais,

ribeirinhos, entre outros. Grande número desses povos e populações resistem e vivem na

Região Amazônica,

Essa região, vive nos dias atuais, um processo que podemos (sem exageros)

chamar de um processo de “redescoberta”. Nos moldes capitalistas de exploração, a região

vem recebendo cada dia mais, intervenções degradantes, mascaradas pelos discursos de

desenvolvimento, colocando em riscos de existência seus bens naturais, sociais,

antropológicos e relegando os sujeitos que aqui vivem, à margem desse processo.

Quando usa-se o termo “redescoberta”, faz-se referência aos processos históricos

anteriormente pensados e vivenciados na região. Em discursos presidenciais,

planejamentos e projetos direcionados para um suposto desenvolvimento local, a Amazônia

sempre foi considerada como um berço carente de civilização, colocando as intervenções

quase como algo messiânico e de benfeitoria tamanha.

Podemos mencionar aqui, os discursos proferidos pelo presidente Getúlio Vargas

(1940), que continham a promessa do progresso e apresentava a floresta como um inimigo

a ser vencido em nome do progresso e da integração da Amazônia à nação brasileira. Ou

ainda, no governos instaurados no Golpe Militar de 1964, que apresentavam uma suposta

ameaça à soberania brasileira, colocando a Amazônia na linha da Doutrina de Segurança

Nacional e a ofertava como um espaço vazio a ser ocupado e desenvolvido.

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A concepção, de espaço vazio traz em si a ideia de que os povos originários presentes no território não representam nada de significativo – para muitos nem gente seriam, pois não eram civilizados. Deste modo, a terra que habitavam não lhes pertencia. A ocupação e transformação das terras em instrumento gerador de lucros deveria ser tarefa dos de fora da região em questão - ainda que isso nem sempre fosse falado explicitamente (MARQUES, 2019, p. 87).

Constata-se assim, que ideia de que a Amazônia é um espaço vazio na geografia

brasileira, quiçá mundial, não é nova. Percebe-se que nos tempos atuais houveram poucas

alterações tanto nos discursos quanto nos projetos pensados para a região. Vive-se nos

dias atuais, as mazelas dos tempos passados e repensa-se novos moldes de

empreendimentos para a região, como no setor da agricultura e do transporte de cargas. Daí

a afirmação do termo “redescoberta”.

Em meio a essa realidade, as populações tradicionais vivem em uma constante luta

e rebeldia pela permanência na terra, pela continuidade de seu modo de viver, pela união

frente aos conflitos que os discursos de desenvolvimento o trazem.

O capital cria as condições históricas necessárias para a generalização de sua lógica de mercantilização universal, submetendo aos seus domínios e objetivos de acumulação o conjunto das relações sociais: a economia, a política, a cultura (IAMAMOTO 2006, p.162).

A beleza da diversidade amazônica, tornou-se um espaço de disputa e busca de

conquista. A cobiça internacional por meio de grandes empresas, faz com que o que há de

belo na região, como suas riquezas naturais, incidam na disputa pelo território. Forte

exemplo disso são os projetos de mineração e do agronegócio que com sua expansão, tem

expulsado inúmeros povos de suas terras e extinguido culturas e saberes, além de contribuir

para o processo de pauperização das cidades com o êxodo que influencia.

A Amazônia brasileira se constitui como um vasto e rico território, onde a implantação de empreendimentos diversos, como grandes projetos (especialmente os minerometalúrgicos), grandes intervenções do poder público (como rodovias e estradas federais e estaduais) projetos agroexportadores(como a monocultura de soja),etc., tem contribuído dentre outros, para a expropriação do nativo, que foi perdendo aquilo que lhe permite a reprodução das suas condições materiais de existência – a terra e os espaços da natureza (FIALHO 2012, p. 14).

Uma expressão disso são os municípios que pertencem à Região do Baixo

Tocantins, com destaque para Abaetetuba e Barcarena, que com a implantação do

Complexo Albrás e Alunorte, tiveram seu modo de viver e relacionar-se totalmente alterado

(CLEDSON ALVES, 2007), como o crescimento demográfico desencadeando outros fatores

(VILHENA, 2010).

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2.1- Abaetetuba, na linha do desenvolvimento e da degradação.

Abaetetuba, localizada no Estado do Pará, é um município que faz limite com o

município de Barcarena, e que por isso “colaborou” e colabora grandemente com a

implantação Projetos como o Complexo ALBRAS/ALUNORTE, muito embora hoje, usufrua

grandemente dos malefícios dessa “colaboração”, como os desastres ambientais que ali

tornaram-se corriqueiros.

Por estar muito próximo a essas empresas, os rejeitos químicos que

frequentemente são despejados nos rios e correm pelo leito de suas 72 ilhas, são

consumidos pelas comunidades ribeirinhas. A exemplo do desastre ambiental acontecido

em 2007, quando mais de 200 mil metros cúbicos de caulim atingiram as águas do Rio Pará,

fato noticiado em vários meios de comunicação.

A usina de beneficiamento de caulim da mineradora Imerys Rio Capim Caulim,

localizada no Distrito Industrial de Vila do Conde, no município de Barcarena, a 75

quilômetros de Belém (PA), foi interditada, na tarde de ontem (14), pela Secretaria

Executiva de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente do Estado do Pará. A Imerys

está sendo responsabilizada pelo vazamento, no último domingo, de quase 300 mil

metros cúbicos de caulim misturados com água de uma das bacias de terra batida

construídas pela empresa para armazenar caulim considerado de pouco valor

comercial. O vazamento atingiu o rio Pará. Estima-se que o total da mistura que

alcançou os igarapés do Curuperé e Dendê, na região, possa ter chegado a 60 mil

metros cúbicos - o equivalente a 24 piscinas olímpicas (GLOBO,2007, online.)

Outro recente desastre ambiental, não de caráter minerador, mas nem por isso

menos impactante, foi o naufrágio do navio Haydar, em outubro de 2015, no porto da Vila do

Conde. A embarcação possuía como carga, mais de 5 mil bois vivos, que seriam

exportados.

O navio naufragou na manhã de terça-feira (6) no porto de Vila do Conde, em

Barcarena, no nordeste do Pará, quando estava carregado com cerca de cinco mil

bois vivos. A carga pertencia à multinacional Minerva, com sede em Barretos (SP).

Três praias de Vila do Conde, o píer onde ocorreu o naufrágio e a praia de Beja, em

Abaetetuba, foram interditados e proibidos para qualquer tipo de atividade. De

acordo com a Companhia Docas do Pará (CDP), a embarcação transportava cerca

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de 700 toneladas de combustível. Ainda segundo a CDP, o óleo pode chegar em

outras praias da região. (GLOBO,2015, online)

Esses desastres trazem grandes malefícios ambientais, atingido diretamente à

população que ali habita, pois a destruição de seu espaço implica na destruição de sua

única maneira de subsistência, ameaçando assim a sua sobrevivência.

Ademais, existem alguns novos empreendimentos pensados para a região. A

revisão do Plano diretor municipal, aprovado em 2016, embora sem a legitimação dos

movimentos sociais comprometidos com o bem comum do município, previu em seu mapa

de zoneamento, áreas destinadas a empreendimentos, como a ampliação do complexo

industrial de Barcarena e áreas propícias à construção de portos4.

Recentemente, a empresa CARGILL S. A, tem especulado a construção de um

Terminal de Uso Privativo a ser construído na zona ribeirinha do município, mais

precisamente na Ilha Xingú. E ainda, a Ferrovia de integração Paraense (FEPASA),

atravessará grande parte da zona rural de estradas, destruindo territórios quilombolas e

degradando a vida destas comunidades.

2.1.1 Ilha do Capim: trajetos de lutas, resistências e sobrevivência.

Partícipe das degradações impostas por esses empreendimentos, representando

as investidas do Capital na Amazônia Paraense é a comunidade ribeirinha da Ilha do Capim.

Esta comunidade, banhada pelas águas do Rio Pará, localiza-se nos limites do município de

Abaetetuba/PA, mais precisamente a 13,79 km da área industrial de Barcarena e distante 60

km de Belém, capital do Estado do Pará.

Na localidade moram 138 famílias e 690 habitantes, que possuem um modo de

viver diretamente relacionado à natureza, manejando uma ampla variedade de recursos

naturais, baseados no extrativismo, no cultivo e na cria. É na comunidade que se

estabelecem os vínculos sociais, familiares, afetivos e de sobrevivência.

Tal comunidade, por estar muito próxima a área industrial de Barcarena, vem

sofrendo fortes ameaças de sobrevivência, seja por seus recursos naturais em extinção e

consequentemente a alteração na qualidade de vida, seja pelas ameaças de extermínio e

4 O plano diretor revisado, bem como o mapa de zoneamento, embora aprovado em 2016, não estão disponíveis para a consulta no site da prefeitura e não conseguiu-se a versão impressa para referenciar. A informação foi adquirida após a participação na audiência que o “legitimou”.

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expulsão. Cada vez mais, são frequentes os relatos que a pesca tornou-se escassa e o

aumentos dos caos de peixes mortos nas águas e ribanceiras. E ainda, o cultivo do açaí

apresentou queda na produção, pois o fruto seca no cacho e as árvores morrem sem

produzir, além de outras frutas cultivadas que também apresentam um aspecto doentio.

Existem ainda, problemas de saúde apresentando-se com mais incidência, como

problemas de pele, respiratórios e mais recentemente o caso de uma criança diagnosticada

com um índice muito alto de metais pesados no sangue, vindo a ficar totalmente paralisada

e impossibilitado de viver normalmente.

Essa realidade, foi denunciada em vários canais de mídia do Estado, como na

edição de 29 de abril de 2018, do Jormal O Liberal que trouxe como manchete “Ilha de

Abaeté é como ‘Lixão’ industrial”. Neste vários moradores denunciam casos de doenças e

escassez da pesca e agricultura, atribuindo o fato às empresas instaladas no município de

Barcarena, como o relato do Sr. Antônio, morador da Comunidade.

São impactos na saúde e na renda familiar. As pessoas têm coceira, infecções. Já caiu o cabelo de algumas pessoas e até hoje não se identificou o que causou a queda. Há pessoas que tem ‘resíduos’ (metais pesados) no sangue e não se tem estudo mais detalhado para saber de onde está vindo isso. Antes, havia muito camarão e peixe. Com os acidentes fomos perdendo pescado. A pesca e para manter a renda e também um meio para o pescador melhorar a vida de sua família, pagar estudo do filho. Hoje não está conseguindo mais, porque mal arranja pra alimentação (PIMENTEL 2018, p. 4)

Tais características assemelham-se às relatadas por moradores do município de

Barcarena em uma audiência pública em 2013, que veio debater acerca das precariedades

e os impactos do polo industrial de Barcarena, divulgado no “Mapa de Conflitos Envolvendo

Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil” organizado pelo Instituto FIOCRUZ em parceria com

a FASE (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional).

Peixe é que nem gente, corre pra longe quando o cheiro é ruim. Foi o que aconteceu

aqui. Quando eu cheguei, em 85, 86, pegava numa ‘linhada’ só 60, 70kg quando era

mês de julho, e no igarapé atrás de casa. Hoje (quarta) eu fiz R$ 16. Se eu pegar

20kg essa semana vai ser muito”, confirmou Raimunda Souza, que se arrisca indo

para alto-mar atrás de pescada, o único tipo de peixe que ainda consegue por

aquelas bandas.

Segundo laudo do Instituto de Criminalística, os rejeitos da mineração de caulim

contêm "uma alta concentração de metais como ferro, alumínio, zinco e cádmio",

entre outros que se acumulam no organismo, podendo trazer diversos agravos à

saúde, como doenças degenerativas, disfunções hepáticas, deficiências

imunológicas e demência. (FIOCRUZ, online).

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As trajetórias de luta da Ilha fizeram-se uma constante na vida da comunidade, pois

esta possui um histórico de tentativas de invasão do território. Nos anos de 2005 a 2015

houveram três tentativas de empresas interessadas na compra da Ilha. Na primeira

investida, o fato foi levado ao Ministério Público Federal(MPF) pela Associação de

Moradores, gerando o Procedimento Administrativo nº 1.23.000.001969/2005-61, onde após

audiência pública, a empresa ALBRÁS/ALUNORTE foi notificada, bem como os moradores

interessados na venda da terra, proibindo sua compra e venda. Desde então, a vigilância

tem se tornado uma estratégia de resistência comunitária.

Como forma de resistência à entrada de alguma forma de degradação na Ilha, foi

criada a associação do assentamento dos moradores em 2005, vinculada ao Movimento dos

Ribeirinhos/as das Ilhas e Várzeas de Abaetetuba (MORIVA), denominada “Projeto de

Assentamento Agroextrativista (PAE) Santo Antônio II”. Considerando que a modalidade do

projeto agroextrativista é equiparado à unidade de conservação na modalidade de uso

sustentável, outra estratégia foi a criação da Reserva Ecológica da Ilha do Capim, pela

portaria nº 30 de 15 de setembro de 2013 do Instituto de colonização e reforma

agrária(INCRA), por meio de solicitação da Comunidade e interveniência do MPF visando

conservar e preservar os recursos naturais da Ilha.

Porém, as investidas não pararam por aí. Urge na atualidade, o setor de logística e

transportes como a “menina dos olhos” do grande capital nestas terras e águas, Destaca-se

aqui o transporte de grãos, dando suporte a indústria do agronegócio que também avança

nas florestas amazônicas.

Este também é o caso da Ilha do Capim. A comunidade está no caminho do

agronegócio. Todos os dias muitos comboios de barcaças ancoram em pontos muito

próximos à Ilha, poluindo as águas e impedindo que os/as pescadoras/es usem de seus

pesqueiros. E mais, nos anos de 2011 a 2013, a especulação da compra da terra tem

aumentado e novamente por meio da organização local impediu-se que alguns moradores a

vendessem. O empreendimento atravessou então o Furo do Capim, comprou terra de

maneira duvidosa na Ilha Xingú, localizada em frente à Ilha do Capim.

Após muita mobilização popular, especialmente da articulação dos movimentos

sociais feita pela Pastoral Social5 da Paróquia Nossa Senhora Rainha da Paz, conseguiu-se

aos poucos desvelar o que havia acontecido descobriu-se que a terra havia sido “comprada”

e concedida para uso da empresa KF de Menezes Consultoria Logística, que possui como

representante legal o Sr. Kleber Menezes, ex-secretário de transportes da gestão do PSDB,

5 A Pastoral Social constitui-se enquanto organismo social da Igreja Católica, vinculada às Comunidades

Eclesiais de Base(CEB’S). Na região das Ilhas de Abaetetuba, é um forte instrumento de luta e organização do povo.

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(Partido da Social Democracia Brasileira), com a intenção de ali se instalar um Porto de

transporte de grãos.

Recentemente, por motivos desconhecidos, em 2012 a área passou para o

interesse da empresa CARGILL S.A e desde então, esta tem encaminhado todo o processo

obrigatório de licenciamento da área para a construção de um Terminal de Uso Privativo

(TUP)6, isto contudo, não sem o enfrentamento e resistência das comunidades do entorno,

incluso, a Ilha do Capim.

Para esta nova investida, a utilização da Convenção 169 da Organização

Internacional do Trabalho(OIT), ao qual o Brasil é signatário, tornou-se um sinal de

esperança e tem alimentado a resistência da comunidade, ao prever o direito de consulta,

livre, prévia e informada aos povos e comunidades tradicionais, quando a instalação de

empreendimentos se faz ameaça.

3 CONCLUSÃO

Ao acompanhar proximamente todo esse processo de expansão capitalista pelo

avanço das empresas, é perceptível a resistência como algo inerente a esse povo. A luta

pela permanência na terra, pela preservação da cultura, identidade, do modo tradicional de

viver, dos meios de sobrevivência e consequentemente da própria sobrevivência lhes é algo

tão necessário quanto respirar.

Contudo, muitas famílias da comunidade Ilha do Capim, não conseguem ver-se no

processo de expansão capitalista como um povo com seus costumes e modo particular de

viver ameaçados. Muitos ainda são iludidos pelo “canto da Iara”, pelas promessas de

empregos, melhorias de vida, ou mesmo, cestas básicas e outros tipos de esmolas. Essa é

uma estratégia muito usada por esses empreendimentos assim como a cooptação de

lideranças e a formação de conflitos, implodindo a organização.

Cientes dessa realidade, algumas estratégias vem sendo usadas, como usar de

serviços e espaços públicos, a exemplo da escola, das reuniões de grupos religiosos e

sociais para formar e informar, favorecendo a emancipação dos sujeitos. E ainda, foi criada

6 Este empreendimento faz parte da Fase Atual do Projeto ARCO NORTE, que constitui-se como um projeto de

expansão do grande capital para a Amazônia (com início no Governo instaurado após o Golpe Militar de 64) objetivando integrar e desenvolver a região. O setor de logística e transportes apresenta-se atualmente como o grande potencial local, por conta de seus inúmeros rios, com calados apropriados para o transportes de cargas em tempo hábil e baixo custo.

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uma comissão para monitorar as movimentações suspeitas na Ilha, acompanhar mais

diretamente outras iniciativas de enfrentamento das comunidades da redondeza e direcionar

o processo de construção do Protocolo de Consulta, pautados na Convenção 169 da OIT.

Ressalta-se ainda, a consciência de que os ataques aos diretos das comunidades

serão intensificados com o novo governo eleito no Brasil. O governo de Bolsonaro, em

poucos meses, inferiu duros ataques à população pobre e dessa forma está atingindo

diretamente os povos e comunidades tradicionais. A tentativa de fundir o ministério do meio

ambiente ao ministério da agricultura e posteriormente o esvaziamento da pasta do meio

ambiente é um exemplo disso, bem como a concessão de terras indígenas ao agronegócio.

Mencionamos ainda, que existe na comunidade a carência de políticas públicas que

favoreça as condições existenciais básicas da comunidade. E embora haja um interesse da

gestão municipal para que esses empreendimentos sejam instalados no município, não há

nenhuma política pública pensada e direcionada a atender as comunidades diretamente

impactadas, o que leva a crer que há um plano de extinção de saberes, costumes e povos

em curso, seja em âmbitos municipais ou nacionais.

Portanto, pode-se afirmar que os processos de avanço do capital na Amazônia

nunca aconteceram sem a resistência do povos que aqui vivem há séculos. Na atualidade

não será diferente. O enfretamento ao grande capital, faz parte da história da Ilha do Capim

assim como de tantas outras espalhadas Amazônia afora, onde o aprimoramento e a

reinvenção da resistência traduz-se enquanto necessidade e uma realidade que enseja a

luta de classes nestes chãos e águas.

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REFERÊNCIAS

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