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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros TEIXEIRA, CF., and SOLLA, JP. Modelo de atenção à saúde: vigilância e saúde da família [online]. Salvador: Editora EDUFBA, 2006. 237 p. Saladeaula series, nº3. ISBN 85-232-0400-8. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org >. All the contents of this chapter, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported. Todo o conteúdo deste capítulo, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada. Todo el contenido de este capítulo, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported. Acolhimento no sistema municipal de saúde Jorge Pereira Solla

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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros

TEIXEIRA, CF., and SOLLA, JP. Modelo de atenção à saúde: vigilância e saúde da família [online].

Salvador: Editora EDUFBA, 2006. 237 p. Saladeaula series, nº3. ISBN 85-232-0400-8. Available

from SciELO Books <http://books.scielo.org>.

All the contents of this chapter, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons

Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported.

Todo o conteúdo deste capítulo, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative

Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada.

Todo el contenido de este capítulo, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de

la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported.

Acolhimento no sistema municipal de saúde

Jorge Pereira Solla

Jorge Solla 209

Acolhimento no sistemamunicipal de saúde

Jorge José Santos Pereira Solla

Introdução

O setor saúde no Brasil tem passado por importantes mudan-ças com a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS). En-tre os princípios do SUS está a descentralização das ações eserviços de saúde. O processo de descentralização tem trans-ferido responsabilidades, prerrogativas e recursos para os go-vernos municipais.1

A descentralização tem sido uma opção muito freqüente nasmudanças constitucionais e nas estruturas organizacionais emalguns países. Através dela pode-se criar condições para umamaior autonomia do nível local no uso dos recursos e na defi-nição e implementação das políticas, com maior acesso e con-trole pelos setores organizados da população.2

Na dimensão política, a descentralização não é considera-da um valor e um fim em si mesma, mas uma condiçãonecessária para melhorar o acesso, a adequação da respostasocial, a participação, a qualidade, a sustentação e a eqüidade

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no campo da saúde. Consideramos que um sistema de saú-de descentralizado, em uma dinâmica de transferência derecursos e autoridade às diferentes instâncias do sistemade saúde, causa um impacto positivo na gestão e nas dife-rentes modalidades de atenção e dá oportunidade para queos processos de reforma permitam a geração e desenho denovos modelos de atenção, papéis e funções, modalidadesde capacitação, sistemas de remuneração e novas formas departicipação das instituições, sindicatos e setores acadê-micos (HORTALE et al., 2000, p. 232).3

O Brasil é um país continental e complexo, marcado por pro-fundas desigualdades econômicas, sociais, demográficas, cul-turais e sanitárias. Tal quadro aponta a importância dadescentralização das políticas públicas, inclusive na área de saúde.Além disso, reforça esta opção o fato de tratar-se de um siste-ma federativo especial, onde os municípios são entes federati-vos, dotados de autonomia política, administrativa e financei-ra. Assim, o processo de descentralização em curso reservaaos municípios um papel de protagonista da gestão do sistemade saúde em seu território, assumindo a execução das ações eserviços de saúde sendo, portanto, um processo de devolução,com a transferência de poder e recursos de uma esfera de go-verno para outra, a qual passa a assumir maior nível de auto-nomia política e administrativa.4 Pode-se considerar que nocaso brasileiro estão presentes também características de umprocesso de desconcentração, pelas limitações existentes ao graude autonomia dos municípios, relacionadas principalmente aograu incipiente da capacidade política e técnico-gerencial damaioria dos municípios.5

Muitos dos municípios que assumiram a gestão plena exerci-taram um processo extremamente rico de gestão do sistema

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de saúde, criaram capacidade de regulação, reorganizaram a redede serviços, ampliaram capacidade instalada pública, monta-ram serviços de controle, avaliação e auditoria, criaram siste-mas informatizados de marcação de consultas, procedimentosespecializados e internações hospitalares, desenvolveram a par-ticipação dos conselhos de saúde (municipais e locais), amplia-ram o acesso da população às ações e serviços de saúde, me-lhoraram a produtividade dos serviços, aumentaram a partici-pação relativa dos gastos ambulatoriais em relação aos hospita-lares e reduziram internações desnecessárias.4,6-10

Ao esforço de descentralização do sistema de saúde é associa-do outro para implantação de mudanças na forma concreta deoperacionalizar a atenção à saúde aos munícipes. O desafio deefetivar os princípios constitucionais de universalidade,integralidade e equidade e de viabilizar uma oferta de serviçosde saúde que consiga responder aos problemas de saúde dosusuários tem assumido papel de destaque, ganhando relevân-cia a discussão sobre modelos de atenção à saúde.11-15

Os avanços obtidos com a descentralização das ações e servi-ços de saúde verificados na última década apontam a necessi-dade de aprofundar este processo. Ocorreu uma ampladescentralização dos recursos e das responsabilidades de ges-tão sobre os serviços,16 contudo, o processo de descentralizaçãotraz embutido o risco de reprodução no nível municipal dosmodelos herdados do antigo INAMPS e das Secretarias Esta-duais de Saúde.

O presente artigo tem como objetivo descrever a experiênciadesenvolvida no município de Vitória da Conquista, Bahia, par-ticularmente o processo de implementação da proposta de �aco-lhimento� nas unidades que compõem a rede de serviços de

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saúde, considerando as concepções sobre os modelos e as estra-tégias de mudança na organização da atenção à saúde no SUS.

Debate sobre modelos de atenção à saúde noSUS: significado do �acolhimento�

A identificação dos limites dos modelos de atenção à saúdehegemônicos no Brasil e de experiências que têm buscado suasuperação e a construção de intervenções que concretizem osprincípios e diretrizes do SUS levaram a elaboração de diver-sas proposições, entre as quais têm se destacado: açõesprogramáticas de saúde, acolhimento, vigilância da saúde, ci-dades saudáveis e promoção da saúde.17

A Saúde da Família tem se configurado como a principal estra-tégia impulsionadora da reorganização do modelo de atenção àsaúde no âmbito do SUS. Apesar das dificuldades encontra-das, em especial nos grandes centros urbanos, tem demons-trado grande potencial de fortalecer a implantação do acolhi-mento na rede básica, o vínculo entre equipe, serviço e usuá-rio, e a humanização do atendimento. 18,19

Nesse particular, a intervenção mais ampla realizada noBrasil visando à modificação do modelo de atençãohegemônico talvez possa ser creditada à reorganização daatenção básica, particularmente por meio do PSF, vincula-do à vigilância da saúde. Estas duas propostas alternativasde modelo de atenção têm sido reconhecidas como eixosreestruturantes do SUS. Entretanto, cabe ressaltar quemuitas das propostas mencionadas são relativamente com-plementares e convergentes. Assim, o PSF progressiva-mente tem-se articulado com a vigilância da saúde e com oacolhimento, dispondo, ainda, de uma grande potencialidadede ajudar na construção da viabilidade de ações programáticas,

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da promoção da saúde e das cidades saudáveis. (PAIM,2004, p. 20) 20

Teixeira (2002, p. 88)17 considera que �[...] nenhuma das pro-postas e experiências em processo no país dá conta, sozinha,de todos os aspectos envolvidos na problemática do modeloassistencial. São respostas parciais, que precisam ser conheci-das e articuladas�.

A partir da análise das principais atribuições das equipes desaúde da família, Campos21 identifica que estas são coerentes eestão em perfeita sintonia com a proposta de �vigilância da saú-de�. Considera ainda que este tipo de atuação para além dasequipes de saúde da família deve ser disseminada no conjuntodos serviços, desde a atenção básica até a atenção hospitalar,envolvendo nessa lógica assistencial inclusive outros equipa-mentos e aparelhos sociais.

Assim, a articulação entre �Saúde da Família�, �Vigilância daSaúde�, �Promoção da Saúde� e �Acolhimento� seria uma pro-posta possível, desejável e necessária para a construção de ummodelo de atenção à saúde coerente com os princípios ediretrizes do SUS com a conjugação de elementos conceituais,metodológicos e operacionais.22,23

O �acolhimento� significa a humanização do atendimento, oque pressupõe a garantia de acesso a todas as pessoas. Diz res-peito, ainda, à escuta de problemas de saúde do usuário, deforma qualificada, dando-lhe sempre uma resposta positiva eresponsabilizando com a resolução do seu problema. Por con-seqüência, o Acolhimento deve garantir a resolubilidade que éo objetivo final do trabalho em saúde, resolver efetivamente oproblema do usuário. A responsabilização para com o proble-ma de saúde vai além do atendimento propriamente dito, diz

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respeito também ao vínculo necessário entre o serviço e a po-pulação usuária 7, 11, 13, 24,27.

Teixeira17 sistematizando propostas que têm tentado dar contada problemática do modelo assistencial considera que esfor-ços que visam incorporar o �acolhimento� e o �vínculo� entreusuários e trabalhadores da saúde, também têm contribuídopara desvelar e problematizar a �(des)humanização� do atendi-mento, determinada, principalmente pela tecnificação do cui-dado à saúde. Dessa forma a introdução do �foco no cliente� ea incorporação de alterações substantivas nos processos de tra-balho nos serviços de saúde poderiam �problematizar aspec-tos críticos do modelo médico hegemônico, como a relaçãomédico-paciente (em suas dimensões éticas e culturais) oumesmo os limites dos conhecimentos e tecnologias utilizadastão intensamente no âmbito deste modelo�.

Na perspectiva de incorporação do �acolhimento� nos serviçosde saúde, Franco et al.25 sistematizaram como princípios paraorganizar o serviço de forma usuário-centrada: �atender a to-das as pessoas que procuram os serviços de saúde, garantindoacessibilidade universal�; �reorganizar o processo de trabalho,a fim de que este desloque seu eixo central, do médico parauma equipe multiprofissional�; e �qualificar a relação trabalha-dor � usuário, que deve dar-se por parâmetros humanitários,de solidariedade e cidadania�.

Silva Júnior e Mascarenhas26 desenvolvendo aspectosconceituais e metodológicos da avaliação da atenção básica emsaúde identificam quatro dimensões do �acolhimento�: �aces-so� � geográfico e organizacional; �postura� � escuta, atitudeprofissional-usuário e relação intra-equipe; �técnica� � traba-lho em equipe, capacitação dos profissionais e aquisição de

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tecnologias, saberes e práticas; �reorientação de serviços� � pro-jeto institucional, supervisão e processo de trabalho.

Para estes autores,26 trabalhar o �acolhimento� enquanto pos-tura pressupõe uma atitude da equipe de saúde que permitareceber bem os usuários e escutar de forma adequada ehumanizada as suas demandas, inclusive solidarizando-se como sofrimento. Dessa maneira é possível construir relações deconfiança e apoio entre trabalhadores e usuários.

A discussão sobre acolhimento nas unidades, levanta questõesrelativas a qualidade do acesso e da recepção dos usuários edetermina uma mudança do foco de tensionamento para den-tro dos serviços, estabelecendo a relação médico-paciente comoo caso mais emblemático. Nesta dimensão do acolhimentocomo postura também se situam as relações ao interior da pró-pria equipe de saúde e entre níveis de hierarquia na gestão.

Em outra dimensão, o �acolhimento� enquanto técnica, impli-ca na construção de ferramentas que contribuam para a escutae análise, identificando entre as soluções possíveis de seremofertadas as mais adequadas às demandas apresentadas. A com-posição da equipe traduziria a incorporação de novos agentes ealterações no próprio processo de trabalho, relativas a mudan-ças na forma como os serviços são organizados. Assim, o �aco-lhimento� assume a condição de reorganizador do processo detrabalho, de �diretriz de serviço�, identificando demandas dosusuários e reorganizando o serviço. As atividades de acolhi-mento teriam objetivo de buscar ampliar e qualificar o acessodos usuários, humanizando o atendimento e impulsionando areorganização do processo de trabalho nas unidades de saúde.25-27

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Como a organização de serviços, o acolhimento detémuma proposta, um projeto institucional que deve norteartodo o trabalho realizado pelo conjunto dos agentes e apolítica de gerenciamento dos trabalhadores e da equipe.A proposta de trabalho para o serviço orienta desde o pa-drão da composição de trabalho na equipe, o perfil dosagentes buscados no processo de seleção, de capacitação,os conteúdos programáticos e metodológicos dos treina-mentos, até os conteúdos programáticos e metodológicosda supervisão e da avaliação de pessoal. Nesse contexto,tem destaque a supervisão, considerada importante nomodo de organização de serviços no acompanhamento docotidiano do trabalho. Esse quadro implica reflexão a res-peito do próprio processo de trabalho e das necessidadesde saúde�. Em relação à dimensão relativa ao acesso estesautores a definem como �a entrada potencial ou real dedado grupo populacional em um sistema de prestação decuidados de saúde. (SILVA JÚNIOR ; MASCARENHAS,2004, p. 246).26

Outros autores têm ressaltado a importância de expandir asfronteiras das propostas de �acolhimento� para além dos limi-tes da atenção básica em saúde. Malta et al.11 consideram que aimplantação do �acolhimento� não deve se restringir as unida-des básicas de saúde e outras portas de entrada do sistema desaúde, mas pressupõe uma postura de receber bem e resolvero problema dos usuários do SUS no Sistema Municipal deSaúde como um todo.

A diretriz de acolher, de responsabilizar, de resolver, de criarvínculos não pode se resumir às unidades básicas, mas devepermear todo o sistema, modulando os demais níveis da as-sistência (especialidades, urgência, hospitais), as áreas técnicasou meios, assim como todas as ações de gerência e gestão, cons-truindo um novo modelo técnico-assistencial da política emdefesa da vida individual e coletiva.(MALTA et al., 1998, p. 141)11

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�A partir dos conceitos mais correntes sobre �acolhimento�,anteriormente sistematizados e das principais experiências deimplantação desenvolvidas propomos identificar três grandesâmbitos de incorporação desta proposta no Sistema Único deSaúde, onde o �acolhimento� aparece como:

1. Postura/prática do profissional de saúde frente ao usuárioem seu processo de trabalho individual e coletivo (em equi-pe);

2. Ação gerencial de reorganização do processo de trabalho daunidade de saúde visando melhor atender aos usuários e am-pliar a capacidade de identificar e resolver os problemas;

3. Diretriz para as políticas de saúde, com vistas a criar, nosdiversos pontos de atenção do sistema de saúde capacidadepara dar respostas as demandas apresentadas pelos usuáriosdisponibilizando as alternativas tecnológicas mais adequadas.

Consideramos que esta terceira alternativa acima, de trabalharo �acolhimento� enquanto diretriz para as políticas de saúde,transforma esta proposta em uma eficiente estratégica paraoperacionalizar as principais diretrizes do SUS: Universalida-de, Integralidade e Eqüidade.

Assim, o �acolhimento� é mais do que uma triagem qualificadaou uma �escuta interessada�, pressupõe um conjunto formadopor atividades de escuta, identificação de problemas e inter-venções resolutivas para seu enfrentamento, ampliando a ca-pacidade da equipe de saúde em responder as demandas dosusuários, reduzindo a centralidade das consultas médicas emelhor utilizando o potencial dos demais profissionais.

Além disso, rompe com a lógica hegemônica de agendas fe-chadas e pré-definidas e busca redirecionar a demanda espon-

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tânea para atividades organizadas pelo serviço para oferta pro-gramada. Implica em integração horizontal e vertical no siste-ma de saúde criando mecanismos que permitam identificar eacionar os recursos necessários para dar resposta adequada acada ordem de problema identificado.

Dessa forma a incorporação da proposta de �acolhimento� podecontribuir para uma efetiva responsabilização clínica e sanitá-ria por parte do sistema de saúde e construir vínculos entreusuários e trabalhadores. Isso implica em incorporar estadiretriz na construção das políticas de saúde, na implantação dossistemas municipais de saúde, viabilizando os diversos pontosde atenção e recursos tecnológicos adequados na rede básica, narede de urgência/emergência, nas unidades ambulatoriaisespecializadas (de acesso direto e de acesso mediado por cen-trais de regulação), na rede hospitalar, implantando centrais deregulação e serviços de apoio terapêutico e social, e constituindoe fortalecendo espaços de controle social.

Vitória da Conquista e a construção do SistemaMunicipal de Saúde

Vitória da Conquista, localizado na Região Sudoeste, é o ter-ceiro maior município da Bahia, com uma população estimadaem 285.925 habitantes para 2005. Apesar de sua alta taxa deurbanização (80%), Vitória da Conquista possui uma grandepopulação rural, distribuída por 284 povoados em doze distri-tos da zona rural, com extensão territorial de 3.743 km2. Apartir de 1997 este município vem experimentando outraspossibilidades de exercício do poder local, que buscam contri-buir com a ampliação da cidadania. A atual administração, de

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perfil democrático-popular, vem se pautando nos princípiosda transparência administrativa, na inversão de prioridades, naparticipação popular e no trabalho em parceria, buscando fo-mentar a co-responsabilidade social e tomando a decisão deassumir a responsabilidade da gestão do sistema municipal desaúde.28

No início da gestão municipal, autodenominada �GovernoParticipativo�, em janeiro de 1997, eram apenas seis unidadesbásicas de saúde na rede pública municipal, com baixa ofertade ações e serviços de saúde, em precário estado de funciona-mento, com profissionais desmotivados e salários atrasados(cinco meses sem pagamento). Os agentes rurais de saúde,que durante vários anos desenvolviam um trabalho importan-te em suas comunidades, encontravam-se sem receber salári-os e sem suporte e estímulo para sua atuação. As atividades deVigilância Epidemiológica e Sanitária estavam desativadas ounão haviam sequer, sido implantadas efetivamente. A cobertu-ra vacinal em gestantes e crianças era muito baixa. O ConselhoMunicipal de Saúde estava desativado. A relação do SUS coma rede contratada/conveniada era caracterizada por ausência totalde ações de regulação, controle, avaliação e auditoria. A redeSUS no município era conformada por nove hospitais e elen-co de clínicas e consultórios médicos, a maior partecredenciados desde o período do antigo INAMPS.28

Rompendo com as formas tradicionais da política praticadasno Nordeste, a administração municipal assumiu como prio-ridade políticas públicas de caráter social, especialmente aque-las voltadas para a educação e a saúde.

A grande meta da saúde foi assegurar a municipalização,com a configuração de um Sistema Municipal de Saúde,

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permitindo, em um primeiro momento, a implantação devários serviços e programas de atenção básica, e o fortale-cimento das ações de vigilância, e posteriormente a ampli-ação da oferta de atenção especializada e a reorientação daatenção hospitalar. Priorizou-se oferecer uma assistênciaintegral que pudesse dar cobertura à maioria absoluta dasfamílias do Município. O Plano Municipal de Saúde (1998� 2001) teve como premissas a mudança na estratégia deintervenção sobre os problemas de saúde com a reorientaçãodo modelo assistencial e a descentralização das ações desaúde e teve suas metas totalmente cumpridas, e em muitosuperadas.

Em março de 1998 o município assumiu a Gestão Plena daAtenção Básica, iniciou a implantação do Programa de Agen-tes Comunitários de Saúde (PACS) e o Programa Saúdeda Família (PSF), fortalecendo a rede básica de saúde e orga-nizando as ações de vigilância (sanitária e epidemiológica) econtrole de doenças.

Em 1999, a realização da IV Conferência Municipal de Saúde,com grande participação popular (mais de 4000 pessoas envol-vidas em 76 pré-conferências) definiu as diretrizes para a polí-tica de saúde a ser assumida pelo município com a Gestão Ple-na do Sistema Municipal de Saúde, a qual iniciou em outubrode 1999 após a realização da primeira Programação PactuadaIntegrada (PPI) envolvendo 40 municípios da Região Sudoes-te. Foi reorganizada a atenção especializada e hospitalar, im-plantadas ações de controle, regulação e auditoria e efetivadauma ampliação progressiva da capacidade instalada pública. Emnovembro de 2003 a gestão dos serviços de alta complexidadepassou para o município e em setembro de 2004 uma nova PPIjá passou a contar com 75 municípios da região ampliando asreferências intermunicipais formalmente estabelecidas paraVitória da Conquista.

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A experiência de Vitória da Conquista na implantação de umSistema Municipal de Saúde coerente com os princípios ediretrizes estabelecidas para o Sistema Único de Saúde éidentificada como um dos mais importantes e bem sucedidosprocessos de municipalização da saúde no Estado da Bahia.

O �Acolhimento� no Sistema Municipal de Saúdeem Vitória da Conquista

Desde o início do �Governo Participativo� a administraçãomunicipal buscou viabilizar a proposta de �Vigilância da Saú-de�, empregando a estratégia de �Saúde da Família� e incorpo-rando tanto as �ações programáticas de saúde� quanto o �aco-lhimento� na rede de serviços. As proposições sistematizadascomo no âmbito da �promoção da saúde� e de �cidades saudá-veis� também estiveram fortemente presentes na construçãodo sistema municipal de saúde. Foi implantado um sistemamunicipal de saúde centrado no usuário, buscando humanizaras relações entre gestores, usuários e trabalhadores da saúde eviabilizar o �acolhimento� em todos os pontos de atenção.

A seguir faremos uma breve descrição das ações de �acolhi-mento� nos diversos pontos de atenção do sistema municipalde saúde em Vitória da Conquista destacando as particularesda implantação desta diretriz nos processos de trabalho con-cretos em cada tipo de serviço de saúde, iniciando pela rede deatenção básica à saúde.

A rede básica foi sendo montada com base na estratégia deSaúde da Família e atuam hoje 37 equipes, sendo 23 na zonaurbana (que trabalham em 12 unidades de saúde da família) e14 na zona rural, que contam com 13 unidades de saúde da

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família, 44 postos de saúde e uma unidade móvel como locaisde atendimento em função do grande território rural e a dis-persão da população. Odontólogos e auxiliares de consultóriodentário estão presentes em todas as equipes de saúde da fa-mília, realizando atividades preventivas e tratamentoodontológico. Existem também seis Centros de Saúde (já comsuas respectivas populações adscritas e áreas de abrangênciadefinidas e apesar de não contarem com equipes de saúde dafamília já têm agentes comunitários atuando), a Unidade deVigilância Sanitária e o Centro de Controle de Endemias.

Na rede básica várias ações caracterizam o acolhimento, di-zendo respeito a sete âmbitos diferenciados:

� Recepção, escuta, identificação de demandas e respostas ade-quadas aos pacientes pelos trabalhadores de saúde, que devemse empenhar em entender e resolver os problemas trazidospela população de seu território. Não existe um padrão únicopara todas as unidades na forma de desempenhar esta tarefa,contudo todas têm agendas contemplando a oferta organizadae com espaço para atender a demandas identificadas que preci-sam de respostas imediatas;

� Estrutura física das unidades, com ambiente adequado paraas diversas ações e para espera dos usuários; quase todas asunidades básicas foram construídas a partir de um projeto bá-sico que serviu de matriz, com algumas variações em funçãode particularidades locais, do terreno disponível e do númerode profissionais;

� Organização de oferta programática: atividades individuais eem grupos para hipertensos e diabéticos; triagem neonatal; pré-natal e puericultura; ações de diagnóstico e prevenção de cân-cer cérvico-uterino e de mamas; planejamento familiar; diag-

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nóstico e tratamento de tuberculose, hanseníase e DST portodas as equipes; em algumas áreas, em função da identificaçãoda alta prevalência, ações para controle de parasitoses intesti-nais; atividades de vigilância epidemiológica, controle de do-enças e vigilância nutricional; imunização em todas as unidadese horários, inclusive na zona rural;

� Realização na própria unidade de pequenos procedimentos,coleta de material para exames e dispensação de medicamen-tos básicos evitando que o paciente tenha que buscar estas açõesem outros serviços de saúde - implantação de postos de coletaspara exames laboratoriais nas unidades de saúde da família;realização de curativos, nebulização e outros procedimentos;coleta de material para citopatológico cérvico-uterino; edispensação de medicamentos de todo o elenco básico que nomunicípio foi ampliado incorporando alguns medicamentos quenão fazem parte da lista nacional;

� Realização de atenção a pequenas urgências - atenção às ur-gências, evitando a busca por serviços de pronto-socorro emsituações que podem ser resolvidas na rede básica; com isso éreduzida a sobrecarga aos pronto-socorros;

� Articulação com os serviços de urgência / emergência, com oServiço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) e com aCentral de Regulação de Urgência/Emergência; A portaria doMinistério da Saúde que normatizou os sistemas de urgênciae emergência estabelece como atribuições da atenção primáriaà saúde (unidades básicas de saúde e unidades de saúde da fa-mília) o acolhimento e atendimento das urgências de baixa gra-vidade e cuja complexidade seja compatível com este nível deatenção, com o acolhimento dos pacientes com quadros agu-

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dos ou crônicos agudizados de sua área de cobertura (BRASIL,2004).29

� Acesso as Centrais de Regulação para marcação de consultase procedimentos especializados e de internações hospitalareseletivas a partir das unidades básicas � a porta de entrada paraa atenção ambulatorial especializada eletiva é a unidade básica apartir de onde os usuários têm acesso, com a unidade sendo aresponsável por acionar a central e agendar os procedimentossolicitados. Na zona urbana o contato é feito �on-line� em al-gumas unidades básicas e por telefone acionando videofonistasda Central por outras. Na zona rural as equipes de saúde dafamília trazem diariamente as solicitações de procedimentos amarcar e levam os pedidos já agendados; quando atendido emserviços de urgência/ emergência e necessitam marcar consul-tas e procedimentos especializados os usuários são encami-nhados a suas respectivas unidades básicas de saúde para a par-tir delas ter acesso a atenção especializada eletiva. Da mesmaforma a solicitação de uma internação eletiva leva a unidadebásica, através da Central, a agendar uma consulta do pacientecom um dos médicos autorizadores. Os casos que necessita-rem de tratamento fora do domicílio, medicamentos especiaise apoio terapêutico e social são agendados para o serviço socialque tem a finalidade de atender estas demandas, a partir daunidade básica e mediada pela Central, que também adminis-tra esta agenda;

� Implantação de Conselhos Locais de Saúde � estes conse-lhos discutem os problemas enfrentados pela equipe de saú-de, a programação das ações e inclusive o aperfeiçoamento dasrelações entre usuários e trabalhadores de saúde; é importantetambém registrar uma interrelação entre os conselhos locais

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de saúde, a atuação dos agentes comunitários de saúde e a rea-lização do �orçamento participativo�.

O perfil da rede básica de Vitória da Conquista, apesar de nãoassegurar a priori e em todas as situações o pleno sucesso dasestratégias de acolhimento e humanização amplia o leque depossibilidades de resultados positivos, principalmente levan-do em conta que a atenção básica à saúde reúne certas caracte-rísticas que estabelecem relevância especial com este tipo depropostas em função da �extensão e capilaridade da rede deserviços de atenção primária à saúde, que não encontra parale-lo em nenhum outro equipamento da rede de serviços de saú-de, (...) a sua atuação referida às demandas de saúde maisfreqüentes, que se encontram muitas vezes na fronteira entreos �problemas da vida� e a �patologia� objetivamente definida eque, portanto, nem sempre estão claramente configuradascomo demandas cuja resposta mais adequada possa ser encon-trada exclusivamente no arsenal diagnóstico-terapêutico dabiomedicina; desta última característica decorrem duas outras,fundamentais: a importância excepcional que adquire nesteespaço o que Deslandes, segundo Teixeira (2005, p. 592).30cha-mou:

[...] tecnologias de escuta e de negociação das regrascomportamentais e organizacionais� ou, em outras pala-vras, a importância das �tecnologias de conversa� que faci-litariam a identificação, elaboração e negociação com osusuários das necessidades que podem vir a ser satisfeitasnaquele ou em outros espaços institucionais; e a impor-tância da ação multiprofissional e da articulação intersetorial,já que a atenção primária possui inevitavelmente essa voca-ção de �porta de entrada� não apenas para a rede de serviçosde saúde, mas para uma multiplicidade de outras deman-das sociais, que acabam por se traduzir em demandas de

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saúde ou simplesmente aí se apresentam pela ausência deoutros espaços sociais de expressão.

Além da rede básica também são portas de entrada no sistemamunicipal de saúde os serviços de urgência/emergência (pron-to-socorros e Serviço Atendimento Móvel de Urgência(SAMU) e algumas unidades especializadas ambulatoriais quepor suas características particulares foram definidas como deacesso direto � Centro de Estudos e Atenção às DependênciasQuímicas (CEAD � CAPS ad), Centro de AtendimentoPsicosocial (CAPS), Centro de Referência em DST/AIDS e oCentro de Pneumologia e Dermatologia Sanitária. O Labora-tório Central de Análises Clínicas além de receber materialcoletado nas unidades básicas de saúde também realizada coletaem sua sede com acesso direto aos pacientes que assim de-mandarem. Aqui temos três situações diferentes em relação aimplantação do acolhimento nestes tipos de serviços que ilus-tram bem a necessidade de adequar as ações de acolhimentoao tipo do serviço de saúde levando em consideração as pecu-liaridades da demanda espontânea e do fluxo referenciado.

Além da implantação do Serviço de Atendimento Móvel deUrgência e da Central de Regulação de Urgência/Emergência,foram criados �Postos Avançados� nos principais pronto-so-corros com prepostos da Secretaria Municipal de Saúde atuando24 horas na identificação de problemas e de soluções para suasuperação, orientando os pacientes e apoiando os profissionaisde saúde destes serviços. Estes funcionários foram treinados eatuam ajudando a resolver problemas no atendimento nestesserviços e fazendo a conexão imediata e direta destes com orestante da rede SUS, em especial com as Centrais deRegulação. Assim, demandas como, por exemplo, realizaçãode tomografia computadorizada para pacientes atendidos nos

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serviços de emergência são autorizadas a qualquer hora e con-tam com apoio para remoção interhospitalar. A ação destesprofissionais em conjunto com as equipes do SAMU e daCentral de Regulação de Urgência/Emergência potencializamos recursos disponíveis, podem convocar recursos extra-ordi-nários e ampliam o potencial de acolhimento dos usuários nosprincipais pronto-socorros da cidade. A implantação do SAMUem Vitória da Conquista foi iniciada ainda em 2000 sob a de-nominação de �Resgate Médico�, bem antes do Ministério daSaúde conformar uma proposta nacional � em janeiro de 2003existiam apenas 16 municípios no Brasil com serviços destetipo em funcionamento.

No caso dos serviços extra-hospitalares em saúde mental oacolhimento tem um papel especial e diferenciado, ganhandodestaque a qualidade da primeira abordagem a todas as pesso-as que procuram estas unidades tantos aos pacientes quantoaos seus familiares para a construção de vínculos efetivos comestes serviços. Tanto recebem pacientes por demanda espon-tânea como referenciados a partir da rede básica, de serviçosambulatoriais especializados, dos serviços de urgência/emer-gência e egressos de internação hospitalar. No caso do CAPS ad(CEAD) destaca-se ainda o �acolhimento� extra-muros através do�Consultório de Rua� para acolher e acompanhar crianças e adoles-centes em situação de rua envolvidas com o consumo de drogas.

O Centro de Referência em DST/AIDS trabalha estratégiaparticular para o �acolhimento�, recepcionando o usuário, oatendendo no Centro de Testagem Anônima (CTA), com aco-lhimento individual e coletivo através dos quais é identificadaa demanda e são prestadas orientações sobre prevenção deDSTs. O serviço faz também ações de busca ativa para mapear,convidar e acolher populações de risco como o caso de profis-

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sionais do sexo. Aqui também aparece o �acolhimento� forados muros da unidade. Com apoio dos agentes comunitáriosde saúde os pontos de prostituição no município foram iden-tificados e através de profissionais do serviço e alunos univer-sitários as profissionais do sexo foram entrevistadas e convi-dadas a comparecer ao serviço e a freqüentarem regularmen-te, inclusive para receberem mensalmente um quantitativo depreservativos. Este centro tem atuação forte junto a comuni-dade e articulação com a rede básica e hospitais. Caso o usuá-rio seja portador de HIV passa a ser acompanhado neste cen-tro de referência pelas equipes do Serviço de Assistência Es-pecializada/SAE, Hospital Dia/HD e Assistência DomiciliarTerapêutica/ADT.

Mesmo com as equipes de saúde da família realizando diag-nóstico e tratamento de tuberculose e hanseníase foi viabilizadoum Centro de Referência em Pneumologia e DermatologiaSanitária, que além de ser uma referência especializada paracasos de tuberculose e hanseníase, apoiando as equipes da aten-ção básica, acompanhando uma parte dos casos e atendendopacientes de outros municípios da região, também atua no di-agnóstico e tratamento de outras endemias (como lei-shmaniose). Recebe pacientes referenciados pela rede e tam-bém provenientes de demanda espontânea. Também coorde-na e supervisiona os casos de tratamento supervisionado e pro-videncia apoio social quando necessário. É importante registrarque pelo estigma social relacionado a estas patologias a quali-dade do �acolhimento� no primeiro contato e na continuidadedo acompanhamento são fundamentais para o sucesso do pro-cesso terapêutico.

Entre as unidades especializadas com acesso mediado pelaCentral de Marcação de Consultas e Procedimentos

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Especializados destaca-se o Centro Municipal de Atendimen-to Especializado (CEMAE), um grande ambulatório com 30especialidades diferentes, onde são realizadas sessões para osusuários visando informar sobre os recursos colocados a dis-posição pelo sistema municipal de saúde e orientando sobreseus fluxos e sua utilização adequada. Em 2004 esta ação envol-veu mais de 30.000 usuários do serviço. Neste centro os pacien-tes que precisam agendar retorno ou a realização de outros pro-cedimentos solicitados pelos especialistas fazem a marcação pes-soalmente em balcão da Central de Marcação, não necessitandose dirigir a sua unidade básica para contacto com a Central.

No CEMAE funciona também o Serviço Social para Tratamen-to fora do domicílio, Dispensação de Medicamentos Especiaise Apoio terapêutico e social (incluindo transporte social parapacientes em situações especiais). Em 2004 este serviço aten-deu 3776 usuários que apresentavam demandas não passíveisde resolução pelos outros serviços existentes. Aqui o �acolhi-mento� guarda a especificidade de atender situações mais dife-renciadas, de usuários que passaram por outros serviços e nãoalcançaram plena resolutividade no atendimento de demandase necessidades. Cabe ressaltar que as situações de tratamentofora do domicílio são restritas a algumas ações de alta comple-xidade que ainda não são ofertadas na rede municipal, o quepode ser observado pelo baixo percentual de internações deresidentes do município em hospitais fora de Vitória da Con-quista, que vem inclusive reduzindo a cada ano, tendo repre-sentado 2,43% em 2000, caindo para apenas 1,87% do total deinternações hospitalares em 2004.31

Algumas medidas inovadoras implantadas representaram re-dução de deslocamento dos pacientes entre os pontos de aten-ção, como a implantação de posto de coleta de exames

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laboratoriais para os pacientes nos serviços de quimioterapia eprioridade para a pronta realização destes exames por parte doLaboratório Central.

A rede hospitalar é conformada por três unidades públicas,um hospital geral filantrópico, e cinco serviços privados con-tratados pelo SUS. Destacam-se as ações de �acolhimento� noHospital Municipal Esaú Matos. Este serviço estava entregueem comodato a Santa Casa de Misericórdia há oito anos. Em2001 a administração municipal o retomou, realizou grandesreformas, ampliação e o reequipou. Neste serviço foram im-plantadas várias iniciativas importantes que já levaram ao títulode Hospital Amigo da Criança, menção honrosa do PrêmioFernando Figueira e ficou entre os finalistas do Prêmio Galbade Araújo, entre elas a criação de um Núcleo de Humanização ede Comissão de Ética, a presença regular de acompanhante nasinternações pediátricas com o suporte necessário, alojamentoconjunto na maternidade, adequação de espaço físico e �doulas�(voluntárias) no pré-parto, incentivo ao aleitamento maternoem todos os seus serviços, implantação de Banco de Leite Hu-mano, realização sistemática de pesquisa de satisfação entre osusuários internados e uma programação de educação continuadaque visa em especial fortalecer o acolhimento e a humanização.31

A rede hospitalar que antes da municipalização era marcada pelaatuação isolada de cada serviço, por alta ocorrência de fraudes ecobrança aos usuários, pela triagem de pacientes em função deprocedimentos mais �lucrativos�, pela baixa qualidade da assis-tência prestada, pela característica de principal porta de entrada naausência de uma rede básica e de mecanismos de regulação doacesso, e pelo predomínio dos interesses privados lucrativos dasempresas que atuam no setor, passou por profundas mudanças a

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partir do momento em que o município assumiu a Gestão Plenado Sistema Municipal.

Hoje, todas as internações eletivas passam por autorização pré-via após exame médico feito em serviço específico para tal fi-nalidade, existe uma equipe médica de supervisão hospitalarque avalia em cada hospital diariamente as internações realiza-das em regime de urgência/emergência, a programação de ofertadestes serviços passou por profunda reformulação com vistasa melhor adequação às necessidades da população do municí-pio e da região, e a cobrança �por fora� deixou de existir. As-sim o acesso da população à rede hospitalar foi ampliado equalificado, incorporando medidas que resultam em melhoracolhimento dos pacientes e humanização dos serviços.

Em Vitória da Conquista a participação popular e o controlesocial têm sido fomentados com a criação e fortalecimento dediversos espaços como os Conselhos e Conferências Munici-pais, os Conselhos Locais de Saúde, o Orçamento Participativoe o Congresso da Cidade. Na relação com o �acolhimento� osconselhos locais de saúde merecem ser destacados. Os trêsprimeiros foram implantados em 1998 e em 2004 já funciona-vam 23 Conselhos Locais de Saúde, sendo 17 na zona urbana e06 na zona rural, com 152 Conselheiros Titulares e 152 su-plentes.31,32 Os conselhos locais, entre outras atribuições, dis-cutem o funcionamento dos serviços e definem propostas paramelhorar o �acolhimento� dos usuários e superar os proble-mas detectados, apoiando, em algumas situações, a superaçãode conflitos entre trabalhadores de saúde e usuários.

Outro instrumento importante é a Ouvidoria criada no Siste-ma Municipal de Saúde. Através deste espaço em 2003 foramacolhidos 301 usuários, com medidas tomadas para superarproblemas identificados. Em 2004 foram 262 os atendidos pela

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Ouvidoria. Este é também um espaço de �acolhimento� dife-renciado que, via de regra, recebe usuários trazendo situaçõesde não-acesso, conflitos com trabalhadores ou outras ordensde questões geralmente já tensionadas.

Conclusões

Como descrito anteriormente o �acolhimento�, além de com-preender uma postura do profissional de saúde frente ao usu-ário, significa também uma ação gerencial de reorganização doprocesso de trabalho e uma diretriz para as políticas de saúde.Em Vitória da Conquista foram feitos vários esforços visandofortalecer esta última perspectiva (sem abrir mão das duas pri-meiras), buscando criar os pontos de atenção necessários paradar respostas às demandas e necessidades dos usuários tentan-do ampliar a resolutividade do sistema municipal de saúde,práticas de acolhimento em todos os pontos de atenção, gran-de ampliação da capacidade instalada pública, organização deações de regulação, controle e avaliação, um trabalho junto aosprofissionais com vistas a mudanças de práticas na relação comos usuários, e adoção de mecanismos e fluxos de encaminha-mentos de pacientes entre os serviços.

Impõe-se ainda muito a construir para melhorar a qualidadedas ações já implementadas, implantar outras ações ainda nãoefetivadas e continuar aperfeiçoando os fluxos e os mecanis-mos de controle social.

Entre as limitações existentes destacam-se as impostas pelofinanciamento, relacionadas com as dificuldades para continu-ar expandindo a arrecadação própria do município, a quase

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inexistente participação do Estado no financiamento do Siste-ma no que se refere a transferências para o município e o limi-tado crescimento dos repasses federais � estes desde 2001 sóocorreram quando o Ministério da Saúde aumentou valoresde tabela e incorporou o impacto destes reajustes diretamenteno teto do município, não dependendo de aprovação da Co-missão Intergestores Bipartite Estadual.

Uma preocupação forte diz respeito a continuar investimentoem educação permanente dos trabalhadores da saúde. Este tra-balho será reforçado com a inauguração da Escola de Saúde daFamília, uma unidade do Sistema Municipal de Saúde voltadapara este tipo de atuação, e com a implantação em Vitória daConquista de um campus da Universidade Federal da Bahia comcursos da área de saúde.

O processo de construção do Plano Municipal de Saúde para operíodo 2006 a 2009 poderá criar um espaço importante de ava-liação, entre outros aspectos, sobre a implantação do �acolhi-mento� no sistema municipal de saúde permitindo reflexões queapontem para a superação das dificuldades ainda existentes.

Agradecimentos

Este artigo é produto do grupo de estudos em �Formulação,Implementação e Avaliação de Políticas de Saúde� da Linha dePesquisa �Gestão em Saúde� do Programa de Pós-Graduaçãoem Medicina do Departamento de Clínica Médica da Univer-sidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O autor agradece ascontribuições prestadas por Emerson Merhy, Carmen Teixeira,Arthur Chioro e Ana Paula Soter.

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