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REQUIEMSérie Delírio #03

Lauren Oliver

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Sinopse:

O final épico extraordinário para atrilogia Delirium best-seller do NewYork Times. Agora que é umaintegrante ativa da resistência, Lena setransformou. A rebelião que estavanascendo em Pandemônio cresceu ese transformou em uma revolução emRequiem, e Lena está no centro daluta. Após resgatar Julian de umasentença de morte, Lena e seus

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amigos fugiram para as florestas. Maselas não são mais um porto seguro –ramificações da rebelião são vistas portodo o país, e o governo não podenegar a existência dos Inválidos.Reguladores se infiltram nas bordaspara acabar com os rebeldes, eenquanto Lena se guia pelo terrenocada vez mais perigoso, sua melhoramiga Hana leva uma vida segura esem amor como noiva do jovemprefeito de Portland. Requiem énarrado por Lena e Hana, que vivemlado a lado em um mundo que as

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mantém divididas até que, enfim, suashistórias convergem.Com a escritalírica, Lauren Oliver entrelaçaperfeitamente o perigo que enfrentaLena com o tumulto interior elaexperimenta após o reaparecimentodo seu primeiro amor, Alex, o meninoque ela achava que era morto.Sofisticado e abrangente, Requiemtraz a trilogia Delirium a umaconclusão emocionante.

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Lena

Eu comecei a sonhar comPortland novamente.

Desde que Alex reapareceuressuscitado, mas também mudado,torcido, como um monstro de uma dashistórias de fantasmas que usamospara contar às crianças, o passado temvoltado. Ele borbulha através dasrachaduras quando eu não estouprestando atenção, e puxa-me com

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dedos ávidos.Isso foi o que me alertou todos

esses anos: o peso em meu peito, osfragmentos de pesadelo que meseguem, mesmo acordada.

Eu te avisei, tia Carol diz naminha cabeça.

Nós lhe dissemos, Rachel diz.Você deveria ter ficado. Esta é

Hana, estendendo a mão através deuma extensão de tempo, através dascamadas obscuras da memória, queestende uma mão leve para mim

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enquanto eu estou afundando.Cerca de duas dezenas de nós

vieram de Nova York: Graúna, Prego,Julian, e eu, e também Dani, Gordo, ePike, e mais ou menos outros quinzeque se contentavam em ficaremquietos e seguirem as instruções.

E Alex. Mas não o meu Alex:um estranho que nunca sorri, não ri, equase não fala.

Os outros, aqueles queestavam usando o armazém de WhitePlains como moradia, espalharam-se

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ao sul ou oeste. A essa altura não hádúvida que o armazém devia seresvaziado e abandonado. Não éseguro, não após o resgate de Julian.Julian Fineman é um símbolo, e umimportante. Os zumbis vão caçá-lo.Eles vão querer prender o símbolo, efazê-lo sangrar significativamente, demodo que os outros aprendam a lição.

Temos que ter cuidado extra.Hunter, Bram, Lu, e alguns

dos outros membros do antigo lar deRochester estão esperando por nós

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logo ao sul de Poughkeepsie.Demoramos cerca de três dias paracobrir a distância; somos obrigados acircular por meia dúzia de cidadesválidas.

Então, de repente, chegamos:As florestas simplesmente acabam àbeira de uma enorme extensão deconcreto, pavimentada com grossasfissuras, e ainda marcada muitofracamente com as linhas brancasfantasmagóricas de vagas deestacionamento. Carros enferrujados,

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faltando várias peças - pneus, pedaçosde metal - ainda estacionados. Elesparecem pequenos e um tantoridículos, como brinquedos antigosjogados fora por uma criança.

O estacionamento flui comoágua cinza em todas as direções,terminando, finalmente, contra umagrande estrutura de aço e vidro: umantigo shopping center. Uma placa emescrita cursiva, listras brancas cheiasde coco de pássaro, anuncia EMPIRESTATE PLAZA MALL.

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O reencontro é alegre. Prego,Graúna, e eu saímos correndo. Brame Hunter estão correndo também, enós os interceptamos no meio doestacionamento. Eu salto sobreHunter, rindo, e ele joga os braços emvolta de mim e levanta-me. Todomundo está gritando e falando aomesmo tempo.

Hunter me coloca no chãonovamente, enfim, mas eu mantenhoum braço travado em torno dele,como se ele pudesse desaparecer.

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Estendo a mão e enrolo o meu outrobraço em torno de Bram, que estáagitando as mãos com aderência, e dealguma forma, todos acabamempilhados, pulando e gritando,nossos corpos entrelaçados, no meiodo sol brilhante.

"Bem, bem, bem." Nós nosseparamos, viro e vejo Lu andando emnossa direção. Suas sobrancelhasestão levantadas. Ela deixou o cabelocrescer por muito tempo, e escovou-opara frente, por isso cascateava sobre

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os ombros. "Olha o que o gato trouxepara dentro"

É a primeira vez que eu mesinto realmente feliz em dias.

Os curtos meses que passarammudaram tanto Hunter quanto Bram.Bram está, contra todas asprobabilidades, mais envelhecido.Hunter tem novas rugas nos cantosdos olhos, embora o seu sorriso é tãopueril como sempre.

"Como está Sarah?" Eu digo."Ela está aqui?"

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"Sarah ficou em Maryland",diz Hunter. "O lar é bastanteresistente, e ela não terá que migrar.A resistência está tentando avisar airmã dela."

"E o vovô e os outros?" Estousem fôlego, e há uma sensação deaperto no peito, como se eu aindaestivesse sendo espremida.

Bram e Hunter trocam de umpequeno olhar.

"Vovô não resistiu", diz Hunterlaconicamente. "Nós o enterramos nos

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arredores de Baltimore." Graúna olhapara longe, cospe no chão.

Bram acrescenta rapidamente,"Os outros estão bem." Ele estende amão e coloca um dedo na minhacicatriz da cura, a que ele me ajudou afalsificar ao iniciar-me na resistência."Parecem bem", diz ele, e pisca.

Nós decidimos acampardurante a noite. Há água limpa a umacurta distância do velho shopping, ealguns escombros de casas eescritórios comerciais renderam

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alguns suprimentos úteis: algumaslatas de comida ainda soterradas nosescombros, ferramentas enferrujadas;mesmo um rifle, que Hunterencontrou aninhado em um par depatas de veado virado para cima, sobum monte de gesso desabado. E ummembro do nosso grupo, Henley, umamulher baixinha e calma, com umlongo cabelo grisalho, estava comfebre. Isto ia dar-lhe tempo paradescansar.

Até o final do dia, uma duvida

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irrompe sobre onde ir em seguida."Nós poderíamos nos dividir",

diz Graúna. Ela estava de cócoras aolado de um buraco já limpo para ofogo, alimentando as primeiras lascasbrilhantes de fogo, com a pontacarbonizada de uma vara.

"Quanto maior for o nossogrupo, mais seguros estamos", Pregoargumentou. Ele tirou seu casaco eestava vestindo apenas uma camiseta,de modo que os músculosproeminentes de seus braços estavam

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visíveis. Os dias estão se aquecendolentamente, e as florestas têm voltadoà vida. Podemos sentir a primaverachegando, como um animal mexendolevemente em seu sono, exalandohálito quente.

Mas está frio agora, agora queo sol está baixo e as selvas sãoengolidas pelas longas sombras roxas,quando já não estamos emmovimento.

"Lena", grita Graúna. Eu estiveolhando para o início do fogo,

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observando as chamas ao redor damassa de agulhas de pinheiro, galhos efolhas quebradiças. "Vá checar astendas, ok? Vai ficar escuro embreve."

Graúna construiu o fogo emuma vala rasa, que uma vez deve tersido um riacho, onde o fogo estará umpouco protegido do vento. Ela evitoumontar o acampamento muito pertodo shopping e seus espaços mal-assombrados, que pairam acima dalinha das árvores, todo metal negro

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retorcido e olhos vazios, como umanave alienígena encalhada.

Em um aterro a uma dúzia demetros, Julian está ajudando a montaras tendas. Ele está de costas paramim. Ele, também, está vestindoapenas uma camiseta. Apenas trêsdias no Wilds já o mudou. Seu cabeloestá enrolado, e uma folha está presaatrás de sua orelha esquerda. Eleparece mais magro, embora ele nãotenha tido tempo para perder peso.Isso é apenas o efeito de estar aqui, a

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céu aberto, com sucatas, roupasgrandes demais, cercado por desertoselvagem, uma lembrança perpétua dafragilidade da nossa sobrevivência.

Ele está prendendo uma cordaa uma árvore, esticando-a bem.Nossas barracas são velhas e foramrasgadas e remendadas repetidamente.Elas não ficam por conta própria. Elasdevem ser apoiadas e amarradas entreárvores e persuadidas à vida, comovelas ao vento.

Gordo está pairando ao lado de

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Julian, observando com aprovação."Vocês precisam de alguma ajuda?"Paro a alguns metros de distância.

Julian e Gordo se viram."Lena"! O rosto de Julian se

ilumina, logo em seguida se apaganovamente quando ele percebe quenão pretendo me aproximar. Eu otrouxe aqui, comigo, a este estranho enovo lugar, e agora eu não tenho nadapara lhe dar.

"Estamos bem", diz Gordo.Seu cabelo é vermelho brilhante, e

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mesmo que ele não seja mais velho doque Prego, ele tem uma barba quecresce até o meio do peito. "Estamosterminando."

Julian se endireita e enxuga asmãos na parte de trás da calça jeans.Ele hesita, e depois desce o barrancoem direção a mim, colocando umamecha de cabelo atrás da orelha."Está frio", diz ele quando está apoucos metros de distância. "Vocêficar perto do fogo."

"Eu estou bem", eu digo, mas

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eu coloquei minhas mãos nos bolsosdo meu casaco. O frio está dentro demim. Sentar ao lado do fogo não vaiajudar. "As barracas ficaram ótimas."

"Obrigado. Eu acho que estoupegando o jeito disso." Seu sorriso nãochega a atingir os olhos.

Três dias: três dias deconversas tensas e silêncio. Eu sei queele está se perguntando o que mudou,e se isso pode ser alterado novamente.Eu sei que estou machucando-o. Háperguntas que ele está se forçando a

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não fazer, e coisas que ele estálutando para não dizer.

Ele está me dando tempo. Eleé paciente e gentil. "Você está muitobonita sob essa luz", diz ele.

"Você deve estar f icandocego." Eu pretendo que isso seja umapiada, mas minha voz soa dura.

Julian balança a cabeça,franzindo a testa e olha para longe. Afolha, de um amarelo vívido, aindaestá emaranhada em seus cabelos,atrás da orelha. Nesse momento, eu

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estou desesperada para me aproximar,removê-la e correr meus dedos porseu cabelo e rir com ele sobre isso.Esta é a selva, eu vou dizer. Algumavez você já tinha sonhado? E ele vaientrelaçar seus dedos nos meus eapertar. Ele vai dizer, O que eu fariasem você?

Mas eu não consigo me mover."Você tem uma folha em seu cabelo."

"Uma o quê?" Julian pareceassustado, como se eu o tivesselembrado de um sonho. "Uma folha.

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Em seu cabelo."Julian passa a mão

impacientemente pelos cabelos."Lena, eu..."

Bang.O som de um tiro de rifle nos

faz dar um pulo. Pássaros voam dasárvores atrás de Julian, escurecendotemporariamente o céu todo de umavez, antes de se dispersar em formasindividuais. Alguém diz: "Droga".

Dani e Alex emergem dasárvores além das tendas. Ambos têm

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rifles pendurados nos ombros.Gordo se endireita."Veado?", ele pergunta. Quase

toda a luz desapareceu. O cabelo deAlex parece quase preto.

"Grande demais para umveado", diz Dani. Ela é uma mulhergrande, ampla nos ombros, com umatesta larga e plana e olhosamendoados. Ela me lembra Miyako,que morreu antes de irmos para o sulno inverno passado. Nós a cremamosem um dia frio, pouco antes da

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primeira neve."Urso?", pergunta Gordo."Podia ser", responde Dani

laconicamente. Dani é mais afiada deMiyako foi: Ela deixou a selva talhá-la, esculpi-la em aço.

"Será que você atingiu-o?" eupergunto, muito ansiosa, apesar de eujá saber a resposta. Mas desejo queAlex me olhe, fale comigo.

"Posso ter apenas o ferido",diz Dani. "Difícil dizer. Não osuficiente para pará-lo, no entanto."

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Alex não diz nada, nemmesmo registra minha presença. Elecontinua andando, fazendo o seucaminho através das tendas, passa porJulian e por mim, perto o suficientepara que eu imagine que posso sentiro cheiro dele - o velho cheiro degrama e madeira-de-sol, um cheiro dePortland que me faz querer chorar eenterrar meu rosto em seu peito, einalar.

Então, ele está descendo oaterro quando a voz da Graúna flutua

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até nós: "O jantar está pronto. Comerou perder."

"Vamos lá". Julian roça meucotovelo com as pontas dos dedos.Gentil, paciente.

Meus pés se mexem e memovo para baixo do aterro, para ofogo, que agora está queimandoquente e forte, em direção ao garotoque se torna sombra de pé ao ladodele, apagado pela fumaça. Isso é oque Alex é agora: uma sombra, umailusão.

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Ele não falou comigo por trêsdias ou olhou para mim.

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HanaQuer saber o meu segredo

profundo e escuro? Na escoladominical, eu costumava mentir nosquestionários.

Eu nunca gostei do Livro daShhh, nem mesmo quando criança. Aúnica parte do livro que meinteressava era "Lendas e Queixas",que é cheia de lendas sobre o mundoantes da cura. Minha favorita, a

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história de Salomão, é assim: Era uma vez, durante os dias

de doença, duas mulheres e umacriança ficaram diante do rei.

Cada mulher alegou que acriança era dela. Ambas recusaram-se a dar a criança para a outramulher e confessaram seus casosapaixonadamente, cada umaalegando que iria morrer de tristezase o bebê não fosse devolvido paraela.

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O rei, cujo nome era Salomão,ouviu os seus discursos e, finalmenteanunciou que ele tinha uma soluçãojusta.

"Vamos cortar o bebê emdois," ele disse, "e dessa maneiracada uma de vocês terá uma parte."

As mulheres concordaramcom isso, e assim o carrasco foitrazido para a frente, e com seumachado, cortou o bebê em dois.

E o bebê nunca chorou, ou fezum único som, e as mães olhavam, e

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depois, durante mil anos, havia umamancha de sangue no chão dopalácio que nunca poderia ser limpaou diluída por qualquer substância naterra....

Eu devia ter apenas oito ou

nove anos quando li essa passagem,pela primeira vez, mas realmente meimpressionou.

Por dias eu não conseguia tirara imagem do pobre bebê da minhacabeça. Fiquei imaginando que ele se

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abrindo no chão de ladrilho, comouma borboleta presa atrás do vidro.

Isso é que é ótimo sobre ahistória. Ela é real. O que quero dizeré que, mesmo se ela não chegou aacontecer - mas não há detalhes sobreisto em Lendas e Queixas, ou se éhistoricamente exato - ele mostra omundo com sinceridade. Lembro-mede me sentir como o bebê: dilaceradapelo sentimento, dividida em duas,presa entre lealdade e desejos.

Foi assim que o mundo ficou

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doente.Era assim que eu era, antes

que eu fosse curada.Em exatamente 21 dias, eu vou

me casar.Minha mãe parece que vai

chorar, e eu quase espero que elachore. Eu a vi chorar duas vezes naminha vida: uma vez quando elaquebrou o tornozelo e uma vez no anopassado, quando ela chegou em casa edescobriu que manifestantesescalaram o portão, e destruíram o

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nosso gramado, e deixaram seu belocarro em pedaços.

Na prova do vestido, elaapenas disse: "Você está linda, Hana."E depois: "Isso está um pouco largodemais na cintura, no entanto."

Sra. Killegan – me chame deAnne, disse afetadamente, na primeiravez que viemos para uma prova - mecirculando silenciosamente, fixando eanalisando. Ela é alta, com cabeloloiro desbotado e um olhar apertado,como se ao longo dos anos ela tivesse

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ingerido acidentalmente váriosalfinetes e agulhas de costura. "Vocêtem certeza que quer as mangascompridas?"

"Eu tenho certeza", eu disse,ao mesmo tempo que minha mãedisse: "Você acha que eles são muitojovens?"

Sra. Killegan – Anne –gesticulou expressivamente com amão ossuda. "Toda a cidade estaráassistindo", diz ela.

"O país inteiro", minha mãe a

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corrige."Eu gosto das mangas", eu

digo, e eu quase adicionei, é o meucasamento. Mas isso não era maisverdade – não desde o incidente emjaneiro, a morte do prefeito Hargrove.Meu casamento pertence ao povoagora. Isso é o que todo mundo estáme dizendo há semanas. Ontemrecebemos um telefonema do ServiçoNacional, de Notícias perguntando seeles poderiam pegar nossa filmagem,ou enviarem sua própria equipe de

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televisão para filmarem a cerimônia.Agora, mais do que nunca, o

país precisa de símbolos.Estávamos de pé na frente de

um espelho de três lados. A carrancada minha mãe é refletida de trêsdiferentes ângulos. "A Sra. Killeganestá certa", diz ela, tocando meucotovelo. "Vamos ver como fica coma manga três quartos, ok?"

Eu sei quando é melhor nãodiscutir. Três reflexos concordaramsimultaneamente, três meninas

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idênticas com suas idênticas trançasloiras, em três vestidos brancos longosidênticos. Assim, eu quase não mereconheço. Eu estou transfiguradapelo vestido, pelas luzes brilhantes doprovador. Por toda a minha vida eutenho sido apenas Hana Tate.

Mas a menina no espelho nãoera Hana Tate. Ela é Hana Hargrove,prestes a ser esposa do futuro prefeito,e um símbolo de tudo o que era certono mundo curado.

Um trajeto e um caminho para

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todos."Deixe-me ver o que eu tenho

lá atrás", disse a Sra. Killegan. "Nósvamos mostrar-lhe em um estilodiferente, só assim você vai ter umacomparação." Ela deslizou pelo tapetecinza desgastado e desapareceu nodepósito.

Pela porta aberta, eu videzenas de vestidos cobertos deplástico, balançando molemente nasararas.

Minha mãe suspirou. Nós já

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estávamos aqui há duas horas, e eucomeçava a me sentir como umespantalho: recheada, picada ecosturada. Minha mãe se sentou emum banquinho desbotado ao lado dosespelhos, segurando sua bolsaafetadamente no colo para que ela nãotocasse no tapete.

A Sra. Killegan semprefrequentou a loja de casamento maisbonita em Portland, mas, também,sentiu claramente o efeitosremanescentes dos incidentes, e as

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repressões de segurança que ogoverno implementouconsequentemente. O dinheiro estavaapertado para praticamente todomundo, e isso era visível. Uma daslâmpadas incandescentes estavaqueimada, e a loja tinha um cheiro demofo, como se ela não tivesse sidolimpa recentemente. Em uma parede,uma mancha de umidade começava aestufar o papel de parede, e mais cedoeu notei uma grande mancha marromem um dos sofás listrados.

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A Sra. Killegan me pegouolhando e estendeu casualmente umxale para escondê-la.

"Você realmente está linda,Hana", minha mãe diz.

"Obrigada", eu digo. Eu seique estou linda. Pode soar esnobe,mas é a verdade.

Isso também mudou desde aminha cura. Quando eu não estavacurada, mesmo quando as pessoas mediziam que eu era bonita, eu nuncame senti assim. Mas, após a cura, um

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muro caiu dentro de mim. Agora vejoque sim, eu sou simplesmente eindiscutivelmente linda.

Eu também já não meimportava.

"Aqui estamos." A Sra.Killegan ressurgiu da parte de trás,segurando vários vestidos envoltos emplástico sobre seu braço. Eu engoli umsuspiro, mas não rápido o suficiente.Sra. Killegan colocou a mão no meubraço. "Não se preocupe, querida",diz ela. "Nós vamos encontrar o

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vestido perfeito. Isso é do que se trata,não é?"

Eu organizo meu rosto em umsorriso, e a menina bonita no espelhoorganiza seu rosto comigo. "É claro”,eu digo.

Vestido perfeito. Casalperfeito. Uma vida perfeita defelicidade.

A perfeição é uma promessa, euma garantia de que não estamoserrados.

A loja da Sra. Killegan ficava

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no Porto Velho, e quando saímos paraa rua eu inalei os aromas familiares dealgas secas e madeira velha. O diaestava claro, mas o vento era frio forada baía. Apenas alguns barcosestavam flutuando na água,principalmente barcos de pesca ouplataformas comerciais. De longe, astabuas de madeira salpicadas de fezespareciam juncos que crescem fora daágua.

A rua estava vazia, exceto pordois reguladores e Tony, o nosso

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guarda-costas. Meus pais decidiramcontratar o serviço de segurança sódepois dos incidentes, quando o pai deFred Hargrove, o prefeito, foi morto, efoi decidido que eu deveria deixar afaculdade e me casar o mais rápidopossível.

Agora Tony ia a todos oslugares com a gente. Em seus dias defolga, ele enviava seu irmão, Rick,como substituto. Eu levei um mês paraser capaz de distinguir os dois. Ambossão fortes, pescoços curtos e cabeças

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carecas brilhantes. Nenhum delesfalava muito, e quando o fazem, elesnunca tinham nada de interessantepara dizer.

Esse era um dos meus maioresmedos sobre a cura: a de que oprocedimento iria me desligar dealguma forma, e inibir a minhacapacidade de pensar. Mas foi ocontrário. Eu penso mais claramenteagora. De certa forma, eu até sinto ascoisas mais claramente. Eu costumavame sentir em uma espécie de estado

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febril, eu estava cheia de pânico,ansiedade e desejos conflitantes.Havia noites em que eu mal podiadormir, e dias em que me sentia comose meu interior estivesse tentandorastejar para fora da minha garganta.

Eu estava infectada. Agora, ainfecção desapareceu.

Tony estava encostado nocarro. Eu me perguntava se ele ficouparado nessa posição por todas as trêshoras em que nós estivemos na loja daSra. Killegan. Ele endireitou-se à

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medida que nos aproximamos, e abriua porta para minha mãe.

"Obrigado, Tony", diz ela."Houve algum problema?"

"Não, minha senhora.""Bom." Ela sentou-se no banco

de trás, e eu deslizei atrás dela. Nóstínhamos esse carro há apenas doismeses, um substituto para aquele quefoi vandalizado e poucos dias depoisque chegou, minha mãe saiu dosupermercado para ver que alguémtinha escrito a palavra PORCO na

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pintura. Secretamente, eu acho que averdadeira motivação da minha mãepara contratar Tony era proteger seucarro novo.

Depois que Tony fechou aporta, o mundo colorido fora dasjanelas ficou tingido de um azulescuro. Ele mudou o rádio para oNNS, o Serviço Nacional de Notícias.As vozes dos comentaristas eramfamiliares e reconfortantes.

Eu inclinei a cabeça para trás evi o mundo começar a se mover. Eu

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vivi em Portland toda a minha vida etenho memórias de quase todas asruas e de cada esquina. Mas estastambém pareciam distante agora,seguramente submersas no passado.Um tempo atrás eu costumava sentarnesses bancos de piquenique comLena, atraindo gaivotas com migalhasde pão.

Nós conversávamos sobrevoar. Nós conversávamos sobre afuga. Era coisa de criança, comoacreditar em unicórnios e magia.

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Eu nunca pensei que ela iriarealmente fazê-lo.

Sinto cãibras no meuestômago. Eu percebo que eu nãocomo desde o café da manhã. Devoestar com fome.

"Semana cheia", minha mãediz.

"Sim"."E não se esqueça, o Post quer

entrevistá-la esta tarde.""Eu não esqueci.""Agora só precisamos

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encontrar um vestido para a posse deFred, e nós estaremos com tudopronto. Ou você decidiu ir com oamarelo que vimos em Lava nasemana passada?"

"Eu não tenho certeza ainda",eu disse.

"O que você quer dizer comvocê não tem certeza? A posse é emcinco dias, Hana. Todo mundo vaiestar olhando para você."

"O amarelo, então.""É claro, eu não tenho ideia do

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que vou vestir...."Passamos para o West End, o

nosso antigo bairro. Historicamente, oWest End havia sido o lar de muitosdos figurões da igreja e da áreamédica: sacerdotes da Igreja da NovaOrdem, funcionários do governo,médicos e pesquisadores doslaboratórios. Isso era, sem dúvida, omotivo de ter sido alvo tão fortementedurante os tumultos após osincidentes.

Os tumultos foram acalmados

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rapidamente, ainda havia muito debatesobre se os motins representaram ummovimento real ou se foram resultadode raiva mal direcionada e das paixõesque estamos tentando, tão duramente,erradicar. Ainda assim, muitas pessoasachavam que o West End era muitopróximo ao centro da cidade, muitopróximo a alguns dos bairros maisproblemáticos, onde simpatizantes eopositores estavam ocultados. Muitasfamílias, como a nossa, mudaram-seda península agora.

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"Não se esqueça, Hana, quenós precisaremos falar com osfornecedores na segunda-feira."

"Eu sei, eu sei."Tomamos a Danforth para a

Vaughan, nossa velha rua. Eu meinclino para frente um pouco,tentando pegar um vislumbre de nossacasa antiga, mas o muro dosAndersons a esconde quaseinteiramente de vista, e tudo o que euvejo é um flash do telhado verde deduas caídas.

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Nossa casa, com os Andersonsde um lado e os Richards do outro,estava vazia e, provavelmente,continuará assim. Ainda assim, nãovemos uma única placa de VENDE-SE. Ninguém pode se dar ao luxo decomprar. Fred diz que a economiacongelada vai permanecer no local porpelo menos alguns anos, até que ascoisas comecem a se estabilizar. Porenquanto, o governo precisa retomar ocontrole. As pessoas precisam serlembradas do seu lugar.

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Eu me pergunto se os ratos jáestão encontrando seu caminho pelomeu antigo quarto, deixandoexcrementos no piso de madeirapolida, e se as aranhas começaram afazer suas teias nos cantos. Logo acasa vai ficar como a casa da Brooks37, estéril, quase destruída, caindolentamente de podridão pelos cupins.

Outra mudança: já possopensar na casa da Brooks 37 agora,em Lena, e em Alex, sem o velhosentimento estrangulado.

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"E eu aposto que você nãoanalisou a lista de convidados quedeixei no seu quarto"

"Eu não tive tempo", eu digodistraidamente, mantendo meus olhosna paisagem patinando pela nossajanela.

Nós manobramos para oCongresso, e o bairro mudarapidamente. Em breve vamos passarpor um dos dois postos de gasolina dePortland, em torno do qual um grupode reguladores fica de guarda, armas

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apontando para o céu, então lojas de1,99 e uma lavanderia com um toldolaranja desbotado, e uma delicatessende aparência suja.

De repente, minha mãe seinclina para frente, colocando umamão na parte de trás do banco deTony. "Aumente o volume", diz elaacentuadamente.

Ele ajusta o botão de volumedo rádio. A voz do rádio fica maisalta.

"Após a recente explosão em

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Waterbury, Connecticut -""Deus", minha mãe diz. "Não

acredito.""- todos os cidadãos, em

particular os dos quadrantes sudeste,foram fortemente encorajados aevacuarem temporariamente suascasas nas vizinhanças de Bethlehem.Bill Ardury, chefe das ForçasEspeciais, ofereceu garantias para oscidadãos preocupados. ‘A situaçãoestá sob controle’, disse ele duranteseu discurso de sete minutos.

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'Militares estaduais e municipaisestão trabalhando juntos para contera doença e assegurar que a área éisolada, purificada e higienizada omais rapidamente possível. Não háabsolutamente nenhuma razão paratemer mais contaminação -"

"Isso é o suficiente", minhamãe disse abruptamente, encostando-se. "Eu não posso ouvir mais".

Tony começou a mexer norádio. A maioria das estações eraapenas estática. No mês passado, a

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grande notícia foi a descoberta dogoverno de uma estação que era usadapelos Inválidos. Foram capazes deinterceptar e decodificar váriasmensagens críticas, o que levou a umataque triunfante em Chicago, e àprisão de meia dúzia de Inválidoschaves. Um deles foi o responsávelpor planejar a explosão emWashington, DC, no ano passado,uma explosão que matou vinte e setepessoas, incluindo uma mãe e umacriança.

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Fiquei feliz quando osInválidos foram executados. Algumaspessoas se queixaram de que a injeçãoletal era muito humana para terroristascondenados, mas eu pensei queenviava uma mensagem poderosa: Nósnão somos os maus. Somos razoáveise compassivos. Nós lutamos porjustiça, estrutura e organização.

Era o outro lado, os nãocurados, que trazem o caos.

"É muito nojento", diz minhamãe. "Se tivéssemos começado o

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bombardeio quando houve o primeiroproblema - Tony, cuidado!"

Tony pisa no freio. Os pneusguincham. Eu fui atirada para frente,por pouco não bati minha testa noencosto de cabeça na minha frenteantes que meu cinto de segurança mepuxar para trás. Houve um baqueforte.

O ar cheirava a borrachaqueimada.

"Merda," minha mãe disse."Merda. O que, em nome de Deus?"

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"Me desculpe, minha senhora,eu não a vi. Ela saiu das lixeiras...."

A jovem estava em pé nafrente do carro, com as mãos apoiadasno capô. Seu cabelo formava umatenda ao redor de seu rosto magro eestreito, e seus olhos eram grandes eaterrorizados. Ela parecia vagamentefamiliar.

Tony abaixou o vidro. Ocheiro das lixeiras - existem váriasdelas, alinhadas ao lado umas dasoutras, - flutua dentro do carro, doce

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e podre. Minha mãe tossiu, e coloca apalma da mão em concha sobre onariz.

"Você está bem?" Tonypergunta, esticando a cabeça para forada janela.

A menina não respondeu. Elaestava ofegante, quase arfando. Seusolhos vão de Tony para minha mãe nobanco de trás, e depois para mim. Umchoque passa por mim.

Jenny. A prima de Lena. Eunão a via desde o verão passado, e ela

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estava muito mais magra. Ela pareciamais velha também. Mas erainconfundivelmente ela. Eu reconhecia chama de suas narinas, seu orgulho,o queixo pontudo, e os olhos.

Ela me reconheceu também.Eu podia sentir. Antes que eu pudessedizer qualquer coisa, ela tirou as mãosdo capô do carro e disparou para ooutro lado da rua. Ela estava usandouma velha mochila manchada de tintaque eu reconheci como uma das deLena. Em um de seus bolsos dois

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nomes estavam escritos em letraspretas redondas: o de Lena, e o meu.Nós os escrevemos em sua mochila nasétima série, quando estávamosentediadas em sala de aula. Esse foi odia em que surgiu pela primeira vez anossa pequena palavra em código, onosso grito de guerra, que mais tardeusávamos em nossos encontros decorrida. Halena. A combinação denossos nomes.

"Pelo amor de Deus. Você nãoacha que esta menina tem idade

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suficiente para saber que não devecorrer na frente do trânsito? Ela quaseme deu um ataque cardíaco."

"Eu a conheço", eu digoautomaticamente. Eu não conseguiame livrar da imagem dos enormesolhos escuros de Jenny, seu rostopálido e esquelético.

"O que você quer dizer comvocê a conhece?" Minha mãe se viroupara mim.

Eu fechei meus olhos e tenteipensar em coisas pacíficas. A baía.

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Gaivotas voando contra um céu azul.Rios de tecido branco

imaculado. Mas ao invés disso eu vejoos olhos de Jenny, os ângulos agudosde sua bochecha e queixo.

"O nome dela é Jenny", eudigo. "Ela é prima da Lena"

"Cuidado com a boca," minhamãe me corta bruscamente. Eupercebo, tarde demais, que eu nãodeveria ter dito nada. O nome de Lenaera pior do que um palavrão em nossafamília.

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Durante anos, minha mãeficou orgulhosa da minha amizadecom Lena. Ela via isso como umaprova de seu liberalismo.

Nós não julgamos a garotapor causa de sua família, ela dizia aosconvidados quando eles falavam sobreisso. A doença não é genética, isso éuma ideia antiga.

Ela tomou quase como uminsulto pessoal, quando Lena contraiua doença e conseguiu escapar, antesque ela pudesse ser tratada, como se

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Lena tivesse deliberadamente feitoisso para enganá-la.

Todos esses anos nós arecebemos em nossa casa, ela dizia,do nada, nos dias seguintes à fuga deLena. Mesmo sabendo dos riscos.Todos nos avisaram .... Bem, achoque devíamos ter escutado.

"Ela parecia magra", eu disse."Para casa, Tony." Minha mãe

inclinou a cabeça contra o encosto dobanco e fechou os olhos, e eu já seique a conversa acabou.

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Lena

Eu acordei no meio da noite deum pesadelo. Nele, Grace estava presasob o assoalho do nosso velho quartona casa da tia Carol. Estava gritandolá de baixo - fogo. O quarto estavacheio de fumaça. Eu estava tentandochegar até Grace, para resgatá-la, massua mão escorregava da minha mão.Meus olhos ardiam, e a fumaça estavame sufocava, e eu sabia que se eu não

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corresse, eu iria morrer. Mas elaestava chorando e gritando para mim,salvá-la, salvá-la....

Sento-me. Repito mantra deGraúna na minha cabeça, o passadoestá morto, ele não existe, mas issonão ajuda. Eu não consigo me livrarda sensação da mãozinha de Grace,molhada de suor, escorregando daminha mão.

A tenda estava superlotada.Dani estava pressionada ao meu lado,e havia três mulheres enroladas contra

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ela.Julian tinha sua própria tenda.

Era uma cortesia. Eles estavamdando-lhe tempo para se adaptar,como fizeram quando vim pelaprimeira vez para a Selva. Levavatempo para se acostumar com asensação de proximidade, e corposconstantemente encostando no seu.Não havia privacidade na Selva, e nãohavia nenhuma modéstia, também.

Eu poderia ter me juntado aJulian em sua tenda. Eu sei que ele

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esperava que eu fosse, depois do quenós compartilhamos no subterrâneo: osequestro, o beijo. Eu o trouxecomigo, depois de tudo. Eu o salvei eo arrastei para uma nova vida, umavida de liberdade e sentimento. Nãohavia nada que me impedia de dormirao seu lado. Os curados - os zumbis –diriam que já estamos infectados. Nósnos chafurdamos na nossa sujeira, damaneira que os porcos chafurdam nalama.

Quem sabe? Talvez eles

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estivessem certos. Talvez nósfossemos levados à loucura pelosnossos sentimentos. Talvez o amorfosse uma doença, e que estaríamosmelhor sem ela.

Mas nós escolhemos umcaminho diferente. E, no final, esteera ponto ao escaparmos da cura: nóséramos livres para escolher.

Mesmo que escolhamos acoisa errada.

Eu não ia ser capaz de voltar adormir imediatamente. Eu precisava

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de ar. Eu deslizei sob o emaranhadode sacos de dormir e cobertores, etateei no escuro até a entrada datenda. Eu sai da tenda me arrastando,tentando não fazer muito barulho.Atrás de mim, Dani chutou em seusono e murmurou algo ininteligível.

A noite estava fria. O céuestava claro e sem nuvens. A luaparecia mais próxima do que ohabitual, e ela pintava tudo com umbrilho prateado, como uma finacamada de neve. Eu fiquei, por um

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momento, saboreando a sensação dequietude e calma: as tendas tocadascom o luar, os galhos baixos, malbrotando com folhas novas, o pioocasional de uma coruja à distância.

Em uma das tendas, Julian estádormindo.

E em outra: Alex.Me afastei das tendas. Abaixei

a cabeça em direção ao barranco,passando pelos restos da fogueira, quejá não eram nada mais do quepedaços carbonizados de madeira

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enegrecida e algumas brasas soltandofumaça. O ar ainda cheirava,levemente, metal queimado e feijão.

Eu não tinha certeza para ondeestava indo, mas era estúpido meafastar do acampamento - Graúna meavisou um milhão de vezes sobre isso.À noite, as florestas pertenciam aosanimais, e era fácil se virar, perder-seentre o crescimento, o desvio dasárvores. Mas eu tinha uma coceira nomeu sangue, e a noite estava tão clara,não havia problemas em dar uma

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volta.Eu desci pelo leito seco, que

era coberto por uma camada depedras e folhas e, ocasionalmente,uma relíquia da velha vida: uma latade refrigerante amassada, um sacoplástico, um sapato de criança. Euandei para o sul por algumas centenasde metros, e fui impedida de ir maislonge por um enorme carvalhotombado. O tronco era tão grandeque, na horizontal, quase atingia omeu peito. As raízes apontavam em

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direção ao céu, como o spray escurode água de uma fonte.

Escutei um barulho atrás demim. Eu olhei ao redor. Uma sombrapassou, tornou-se sólida, e por umsegundo o meu coração parou - nãoestou protegida, não tenho armas, nãohá nada para me defender de umanimal faminto. Em seguida, a sombrasaiu das sombras e tomou a forma deum garoto.

À luz da lua, era impossíveldizer se o cabelo era da cor exata das

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folhas no outono: marrom dourado, eriscado com vermelho.

"Oh", disse Alex. "É você."Estas eram as primeiras palavras queele disse para mim em mais de trêsdias. Havia milhares de coisas que euqueria dizer a ele.

Por favor, entenda. Por favor,me perdoe.

Rezei todos os dias para quevocê pudesse estar vivo, até que aesperança se tornou dolorosa.

Não me odeie.

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Eu ainda te amo.Mas tudo o que saiu foi: "Eu

não conseguia dormir."Alex devia lembrar-se que eu

estava sempre preocupada compesadelos. Nós conversamos muitosobre isso durante o nosso verãojuntos em Portland. No verão passado- menos de um ano atrás. Eraimpossível imaginar a grande distânciaque eu percorri desde aquela época, oabismo que se formou entre nós.

"Eu não conseguia dormir", diz

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Alex simplesmente.Apenas isso, a simples

declaração, e o fato de que ele estavafalando comigo apesar de tudo, soltoualguma coisa dentro de mim. Euqueria abraçá-lo, beijá-lo da maneiraque eu costumava fazer.

"Eu pensei que você estivessemorto", eu disse. "Isso quase mematou".

"Será mesmo?" Sua voz eraneutra. "Você se recuperou muitorápido."

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"Não. Você não entende ".Minha garganta estava apertada.Sinto-me como se eu estivesse sendoestrangulada. "Eu não conseguiamanter a esperança, e depois acordartodos os dias e descobrir que não eraverdade, que você ainda não estavacomigo. E -Eu não fui forte osuficiente".

Ele ficou quieto por umsegundo. Estava muito escuro para versua expressão: Ele estava de pé nasombra de novo, mas eu podia sentir

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que ele estava olhando para mim.Por fim, ele disse: "Quando

eles me levaram para as Criptas, eupensei que eles iam me matar. Elesnem sequer se incomodaram. Eles sóme deixaram lá para morrer. Eles mejogaram numa cela e trancaram aporta."

"Alex." A sensação de apertose mudou da minha garganta para omeu peito, e sem perceber, comecei achorar. Eu caminhei na direção dele.Queria passar minhas mãos pelo seu

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cabelo, beijar sua testa e cada uma desuas pálpebras e tirar a memória tudoque ele viu. Mas ele foi para trás, forado meu alcance.

"Eu não morri. Eu não seicomo. Eu deveria ter morrido. Eutinha perdido muito sangue. Elesficaram tão surpresos quanto eu.Depois disso, tornou-se uma espéciede jogo ver o quanto eu podiasuportar. Para ver o que eles poderiamfazer comigo antes de eu mor-"

Ele parou abruptamente. Eu

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não podia ouvir mais nada, não queriasaber, não queria que isso fosseverdade, não podia pensar o quefizeram com ele lá. Eu dei mais umpasso para frente para alcançar seupeito e ombros no escuro. Desta vez,ele não me afastou. Mas ele não meabraçou também. Ele ficou lá, parado,como uma estátua.

"Alex". Repito o seu nomecomo uma oração, como uma magiaque vai fazer tudo ficar bemnovamente. Eu passo minhas mãos

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por seu peito e seu queixo. "Eu sintomuito. Estou tão, tão triste."

De repente, ele me empurroupara trás, segurando ao mesmo tempoos meus pulsos e puxando-os parabaixo para os meus lados. "Havia diasem que eu preferia que eles mematassem." Ele não soltou meuspulsos, ele aperta-os com força,prendendo meus braços, memantendo imobilizada. Sua voz estavabaixa, urgente, e tão cheia de raivaque me doía ainda mais do que o seu

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aperto. "Havia dias em que eu pediapor isso - rezava por isso quando iadormir. A crença de que eu iria vê-lanovamente, que eu pudesse encontrá-la, a esperança que isso ocorresse, eraa única coisa que me permitiu seguiradiante." Ele me libertou e dá mais umpasso para trás. "Então, não. Eu nãoentendo."

"Alex, por favor."Ele fecha os punhos. "Pare de

dizer o meu nome. Você não meconhece mais."

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"Eu conheço você." Eu estouchorando, engolindo de volta meussoluços na garganta, lutando pararespirar. Isto é um pesadelo e eu vouacordar. Esta era uma história demonstro, e ele voltou-se para mimcomo uma criação de terror,remendada, incompleta e odiosa, e euvou acordar e ele vai estar aqui,inteiro, e meu novamente. Acho quesuas mãos roçaram meus dedosenquanto ele tenta se afastar. "Sou eu,Alex. Lena. Sua Lena. Lembra-se?

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Lembre-se da casa da Brooks 37, e docobertor que usamos para ficar noquintal -"

"Não", diz ele. Sua vozengasga com a palavra.

"E eu que sempre ganhava devocê na palavras cruzadas", eu digo.Eu tenho que continuar falando,mantê-lo aqui, e fazê-lo lembrar."Porque você sempre me deixavaganhar. E lembra quando fizemos umpiquenique, e a única coisa quepudemos encontrar na loja foi

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espaguete enlatado e alguns feijõesverdes? E você disse para misturá-los-"

"Não faça isso.""E nós misturamos, e não ficou

ruim. Nós comemos toda a estúpidalata, estávamos com tanta fome. Equando começou a escurecer vocêapontou para o céu, e me disse quehavia uma estrela para cada coisa quevocê amava em mim". Estavaofegante, sentindo que estava prestesa afogar-me; me aproximava dele

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cegamente, agarrando seu colarinho."Para". Ele agarrou meus

ombros. Seu rosto estava a umcentímetro do meu, masirreconhecível: uma grosseira máscararetorcida. "Chega. Acabou, ok? Estátudo acabado agora."

"Alex, por favor...""Pare!" Sua voz saiu

bruscamente, dura como umabofetada. Ele me soltou e eu tropeceipara trás. "Alex está morto, você estáme ouvindo? Tudo isso - o que

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sentimos, o que significava - estáacabado agora, ok? Sepultado.Despedaçado".

"Alex!"Ele começou a se virar, agora

ele rodopiou ao redor. As luzes da luao tornaram completamente branco efurioso, uma imagem fotográfica,bidimensional, tomada pelo flash. "Eunão te amo, Lena. Você pode meouvir? Eu nunca te amei."

O ar some. Tudo some. "Eunão acredito em você." Eu estou

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chorando tanto, mal posso falar.Ele dá um passo em minha

direção. E agora eu não o reconheçode forma alguma. Ele se transformoutotalmente, se transformou em umestranho. "Foi uma mentira. Ok? Foitudo uma mentira. Loucura, como elessempre disseram. Apenas esqueçatudo isso. Esqueça o que aconteceu."

"Por favor." Eu não sei comofico em pé, por que eu não medesfaço em pó ali mesmo, por quemeu coração continua batendo

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quando eu quero tanto que ele pare."Por favor, não faça isso, Alex."

"Pare de dizer o meu nome."Então nós ouvimos: o crack e o

farfalhar de folhas atrás de nós, o somde algo grande se movendo pelafloresta. A expressão de Alex muda.A raiva desaparece e é substituída poroutra coisa: uma tensão congelada,como um cervo antes que ele seassuste.

"Não se mova, Lena", diz eleem voz baixa, mas suas palavras ditas

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com urgência.Mesmo antes que eu me vire,

eu posso sentir a forma aparecendoatrás de mim, o fungar de respiraçãoanimal, o apetite - desejoso,impessoal.

Um urso.Ele já fez o seu caminho pelo

barranco e estava agora a não mais dequatro metros de distância de nós. Eraum urso preto, seu pêlo emaranhadoriscado de prata ao luar, e grande:1,50m de altura, e, mesmo em todas

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as quatro patas, quase tão alto quantoo meu ombro. Olhou de Alex paramim, e voltou para Alex. Seus olhoseram como pedaços de ônixesculpidos, sem brilho, sem vida.

Duas coisas me chamavamatenção: o urso estava magro, faminto.O inverno tinha sido difícil.

Também: Não tinha medo denós.

Uma sacudida de medo passoupor mim, um curto-circuito de dor, umcurto-circuito de todos os outros

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pensamentos além de um: Eu deveriater trazido uma arma.

O urso deu mais um passopara frente, balançando a cabeçaenorme para frente e para trás, nosavaliando. Eu podia ver o vapor da suarespiração no ar frio, os ombrospontiagudos altos e nítidos.

"Tudo bem", disse Alex, coma voz baixa. Ele estava de pé atrás demim, e eu podia sentir a tensão emseu corpo - ereto, petrificado. "Vamoslidar com isso. Bem devagar. Vamos

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recuar, certo? Calma e lentamente."Ele deu um único passo para

trás e apenas isso, pouco movimento,fez com que o urso ficasse tenso emum agachamento, mostrando osdentes, que brilhavam brancos sob oluar. Alex congelou novamente. Ourso começou a rosnar. Estava tãoperto que eu podia sentir o calor doseu corpo maciço, sentir o cheiro daacidez de sua respiração morrendo defome.

Eu deveria ter trazido uma

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arma. Não havia maneira de virar ecorrer, o que nos fazia presas, e ourso estava à procura de presas.Estúpida. Essa era a regra da Selva:Você deve ser maior e mais forte emais resistente. Você deve ferir ou serferido.

O urso balançou para frentemais um passo, ainda rosnando.Todos os músculos do meu corpoestavam em alerta, gritando para eucorrer, mas eu fiquei enraizada nolugar, forçando-me a não me mover,

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não me contorcer.O urso hesitou. Eu não vou

fugir. Então talvez não ataque. Elerecuou alguns centímetros - umavantagem, uma pequena concessão.

Eu aproveitei."Ei!" Eu gritei, o mais alto que

eu podia, e levantei meus braçosacima da minha cabeça, tentando mefazer parecer tão grande quantopossível. "Ei! Saia daqui! Vá embora.Vá".

O urso recuou mais um

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centímetro, confuso, assustado."Eu disse vá." Eu estendi a

mão e bati contra a árvore maispróxima com o meu pé, mandandoum pedaço da casca da árvore nadireção do urso. Como o urso aindahesitava - incerto, mas não rosnando,na defensiva, confuso - eu me agacheie peguei a primeira pedra queconseguia pegar, e então eu melevantei e joguei com força. Ela bateuum pouco abaixo do ombro esquerdodo urso com um baque pesado. O

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urso se arrastou para trás,choramingando. Em seguida, ele sevirou e correu para dentro da floresta,um borrão preto rápido.

"Puta merda", Alex explodiuatrás de mim. Ele exalou, longo e alto,se inclinou, endireitou-se novamente."Puta merda".

A adrenalina, a liberação detensão, o fez esquecer, por umsegundo, da nova máscara, e umvislumbre do antigo Alex foi revelado.

Senti uma breve onda de

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náusea. Eu fiquei pensando nosferidos e desesperados olhos do urso,e o baque pesado da pedra contra oseu ombro. Mas eu não tive escolha.

Era a regra da Selva."Isso foi uma loucura. Você é

louca". Alex balançou a cabeça. "Avelha Lena teria travado."

Você tinha que ser maior, maisforte e mais resistente.

A frieza irradiava através demim, uma parede sólida que estavacrescendo, peça por peça, no meu

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peito. Ele não me amava.Ele nunca me amou. Foi tudo

uma mentira."A velha Lena está morta", eu

digo, e, em seguida, empurro-o epasso por ele, de volta para baixoatravés do barranco em direção aoacampamento. Cada passo é maisdifícil do que o último, o peso meenche e transforma meus membrosem pedra.

Você deve ferir ou ser ferido.

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Alex não me seguiu, e eu nãoesperava que ele o fizesse. Eu não meimportava aonde ele vai, se elepermanecesse na floresta durante todaa noite, se ele nunca retornasse para oacampamento.

Como ele disse, tudo isso - ocarinho - havia acabado.

Só quando eu quase alcanceias barracas que começei a chorar denovo. As lágrimas vinham todas deuma vez, e eu tinha que parar deandar e dobrar-me agachada. Eu

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queria sangrar todos os sentimentosdentro de mim. Por um segundo eupensei em como seria fácil passar devolta para o outro lado, andar em linhareta até os laboratórios e oferecer-mepara os cirurgiões.

Vocês estavam certos, euestava errada. Tirem isso de mim.

"Lena?"Eu olhei para cima. Julian

surgiu de sua tenda. Devo tê-loacordado. O cabelo dele estavaespetado para cima em ângulos

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loucos, como os raios de uma rodaquebrada, e seus pés estavamdescalços.

Eu endireito-me, passandomeu nariz na manga da minhacamisola. "Eu estou bem", eu digo,ainda soluçando em lágrimas. "Euestou bem."

Por um minuto ele fica lá,olhando para mim, e tenho certezaque ele sabe porque eu estouchorando, e que ele entende, e que vaidar tudo certo. Ele abre os braços

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para mim."Venha aqui", diz ele em voz

baixa.Não consigo me mover rápido

o suficiente para ele. Eu praticamenteme jogo nele. Ele me pega e me puxacom força contra seu peito, e eudesabo de novo, deixando os soluçoscorrerem através de mim. Ele fica lácomigo e murmura no meu cabelo ebeija o topo da minha cabeça e medeixa chorar por ter perdido um outrogaroto, um garoto que eu amei

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demais."Sinto muito", eu digo mais e

mais em seu peito. "Eu sinto muito."Sua camisa cheira a fumaça, comocobertura morta e ao crescimento daprimavera.

"Está tudo bem," ele sussurrade volta.

Quando eu me acalmo umpouco, Julian pega a minha mão. Eu osigo até a escuridão de sua tenda, quecheira como sua camisa, até aindamais. Deito-me em cima de seu saco

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de dormir e ele se deita ao meu lado,fazendo uma concha perfeita pelomeu corpo. Eu me enrolo nesteespaço – seguro, acolhedor - e deixoas últimas lágrimas que eu vou chorarpor Alex, saírem em um fluxo quentesobre o meu rosto, para o chão, e parafora.

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Hana

“Hana." Minha mãe estavaolhando para mim com expectativa."Fred pediu-lhe para passar o feijãoverde."

"Desculpe," eu disse, forçandoum sorriso. Ontem à noite, eu quasenão dormi. Eu tive pequenos trechosde sonhos –imagens que deslizarampara longe antes que eu pudesse meconcentrar nelas.

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Eu peguei o prato de cerâmicavitrificada - como tudo na casaHargrove, era bonito - apesar de Fredser mais do que capaz de alcançá-loele mesmo. Isso fazia parte do ritual.Em breve serei sua esposa, e vamosnos sentar assim todas as noites,executando uma dança bemcoreografada.

Fred sorri para mim."Cansada?", pergunta ele. Nos últimosmeses, nós passamos muitas horasjuntos; nosso jantar de domingo era

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apenas uma das muitas maneiras quecomeçamos a praticar a fusão denossas vidas.

Eu passava muito tempoanalisando suas feições, tentandodescobrir se ele era atraente, e, nofinal, eu decidi: Ele era muitoagradável de se olhar. Ele não era tãoatraente como eu, mas ele era maisinteligente, e eu gostava do seu cabeloescuro, e do jeito que caia sobre asobrancelha direita quando ele nãotinha tempo para joga-lo de volta.

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"Ela parece cansada", disse aSra. Hargrove. A mãe de Fred muitasvezes falava de mim como se eu nãoestivesse na sala. Eu não levava para olado pessoal, ela fazia isso com todomundo. O pai de Fred foi prefeito pormais de três mandatos. Agora que osenhor Hargrove estava morto, Fredera preparado para assumir o seulugar. Desde os incidentes em janeiro,Fred lutava incansavelmente pelanomeação, e valia a pena. Apenasuma semana atrás, um comitê especial

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interino o nomeou o novo prefeito. Eleseria apresentado ao público napróxima semana.

A Sra. Hargrove estavaacostumada a ser a mulher maisimportante na sala. "Eu estou bem",eu disse. Lena sempre dizia que eupoderia estar a caminho do inferno.

A verdade era que eu nãoestava bem. Eu estava preocupadaporque eu não conseguia parar de mepreocupar com Jenny e quão magraela estava. Eu estava preocupada

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porque estive pensando em Lenanovamente.

"É claro que os preparativos docasamento são muito estressantes",diz minha mãe. Meu pai grunhiu."Você não é a única a escrever oscheques."

Isso fez todo mundo rir. A salafoi subitamente iluminada por umbreve flash de luz do lado de fora: Umjornalista, parado nos arbustos de forada janela, estava tirando a nossafotografia, que seria então vendida

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para os jornais locais e emissoras deTV.

A Sra. Hargrove tinhaarranjado para um paparazzi estaraqui esta noite. Ela também haviaprovidenciado os fotógrafos para umjantar de Ano Novo que Fredprovidenciou para nós no Eve. Fotosoportunas eram organizadas ecuidadosamente traçadas, para que opúblico pudesse assistir a nossahistória emergente e ver a felicidadeque conseguimos com nosso

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emparelhamento, por sermos tãoperfeitos juntos.

E eu estou feliz com Fred. Nósnos damos muito bem. Nós gostamosdas mesmas coisas, temos muito sobreo que conversar.

É por isso que eu estavapreocupada: Tudo ia virar fumaça se oprocedimento não funcionoucorretamente.

"Eu ouvi no rádio que elesevacuaram partes Waterbury", disseFred. "Partes de San Francisco,

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também. Tumultos no fim desemana."

"Por favor, Fred", disse a Sra.Hargrove. "Nós realmente temos quefalar sobre isso no jantar?"

"Não vai ajudar ignorar osfatos", disse Fred, voltando-se paraela. "Isso foi o que meu pai fez. E olhao que aconteceu."

"Fred". A voz da Sra.Hargrove estava tensa, mas elaconseguiu manter o sorriso. Clique.Só por um segundo, as paredes da

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sala de jantar foram iluminadas peloflash da câmera. "Agora realmentenão é a hora -"

"Nós não podemos fingir."Fred olhando em volta da mesa, comose apelasse para cada um de nós. Eudeixei cair de meus olhos. "Aresistência existe. Ela pode mesmoestar crescendo. Uma epidemia - é oque é."

"Eles isolaram mais deWaterbury," minha mãe disse. "Tenhocerteza que eles vão fazer o mesmo

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em São Francisco." Fred balançou a cabeça. "Isto

não é apenas sobre os infectados.Esse é o problema. Há todo umsistema de simpatizantes - uma redede apoio. Eu não vou fazer o que meupai fez", disse ele com ferocidadesúbita. A Sra. Hargrove aindacontinuava imóvel. "Durante anoshouve rumores de que os Inválidosexistiam, que os números estavamcrescendo. Você sabe disso. Papaisabia. Mas ele se recusou a acreditar."

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Eu mantinha a minha cabeçainclinada sobre o meu prato. Umpedaço de cordeiro estava largado,intocado, ao lado do feijão verde egeléia de hortelã fresca. Só o melhorpara os Hargroves. Rezei para que osjornalistas do lado de fora não tiraremuma foto agora, eu tinha certeza quemeu rosto está vermelho. Todos namesa sabiam que a minha ex melhoramiga havia fugido com um Inválido, eeles sabiam - ou suspeitavam - que euhavia dado cobertura a ela.

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A voz de Fred ficou maiscalma. "No momento em que eleaceitou, na hora que ele estavadisposto a agir, já era tarde demais."Ele estendeu a mão para tocar a mãode sua mãe, mas ela pegou o garfo ecomeçou a comer novamente,apunhalando o feijão verde com talforça, que os dentes de seu garfobateram, fazendo barulho contra oprato.

Fred limpou a garganta. "Bem,eu me recuso a olhar para o outro

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lado", disse ele. "É hora de todos nósenfrentamos isso de cabeça erguida."

"Eu não vejo por que temosque falar sobre isso no jantar", disse aSra. Hargrove. "Quando nós estamostendo um momento tão agradável eperfeito"

"Eu posso ser dispensada?"Perguntei muito bruscamente. Todosna mesa se viraram para mim comsurpresa. Clique. Eu só podiaimaginar que essa imagem seria algocomo: a boca de minha mãe

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congelada em um O perfeito, a Sra.Hargrove franzindo a testa, meu pailevando um pedaço sangrento decordeiro aos seus lábios.

"O que você quer dizer comdispensada?", perguntou minha mãe.

"Viu?" A Sra. Hargrovesuspirou e balançou a cabeça paraFred. "Você fez Hana infeliz."

"Não, não. Não é isso. É sóque... Você estava certo. Não estoume sentindo bem", eu digo. Euembolei meu guardanapo na mesa e,

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em seguida, vendo o olhar de minhamãe, dobrei-o e coloquei-o ao lado domeu prato. "Eu tenho uma dor decabeça."

"Eu espero que você não estejapegando alguma coisa", disse a Sra.Hargrove. "Você não pode estardoente na posse."

"Ela não vai ficar doente",disse a minha mãe rapidamente.

"Eu não vou ficar doente", eurepeti mecanicamente. Eu não seiexatamente o que havia de errado

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comigo, mas pequenos pontos de dorestavam explodindo na minha cabeça."Eu só preciso me deitar, eu acho."

"Vou ligar para Ton y." Minhamãe se afastou da mesa.

"Não, por favor." Mais do quequalquer coisa, eu queria ser deixadasozinha. No mês passado, uma vezque a minha mãe e a Sra. Hargrovedeterminaram que o casamentoprecisava ser acelerado, paracorresponder com a ascensão de Freda prefeito, parecia que a única vez que

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eu podia estar sozinha era quando euia ao banheiro. "Eu não me importode andar."

"Andar a pé!" Isso provocauma erupção em miniatura. Derepente, todos estão falando aomesmo tempo. Meu pai estavadizendo: Fora de questão, e minhamãe dizia: Imagine o que issopareceria. Fred se inclinou para mim- Não é seguro agora, Hana - e a Sra.Hargrove dizia: Você deve estar comfebre.

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No final, os meus paisdecidiram que Tony vai me levar paracasa e voltar para buscá-los maistarde. Este era um acordo decente.Pelo menos, isso significava que eu iater a casa só para mim um pouco. Eume levantei e levei meu prato para acozinha, apesar da insistência da Sra.Hargrove que a governanta ia fazê-lo.Eu joguei a comida no lixo, e tive umflashback com o cheiro das lixeiras deontem, a maneira como Jenny sematerializou de entre elas.

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"Espero que a conversa nãotenha te incomodado."

Eu me viro. Fred me seguiu atéa cozinha. Ele deixou uma distânciarespeitosa entre nós. "Não meincomodou", eu digo. Estou muitocansada para tranquilizá-lo aindamais. Eu só quero ir para casa.

"Você não tem febre, não é?"Fred olhou para mim com firmeza."Você está pálida." "Eu estoucansada", eu disse.

"Bom". Fred colocou as mãos

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nos bolsos, sombrio, amassado nafrente, como os do meu pai. "Euestava preocupado que eu tivesseencontrado um defeito."

Eu balanço minha cabeça, comcerteza eu havia ouvido mal. "Oquê?"

"Eu estou brincando." Fredsorriu. Ele tinha uma covinha nabochecha esquerda, e os dentes muitobonitos, e eu admirava isso nele."Vejo você em breve." Ele se inclinoupara frente e beijou minha bochecha.

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Eu recuei involuntariamente. Eu aindanão estava acostumada a ser tocadapor ele. "Vá ter o seu sono de beleza".

"Eu vou", eu falei, mas ele jáestava saindo da cozinha e retornandopara a sala de jantar, onde em breve,sobremesa e café seriam servidos. Emtrês semanas, ele ia ser meu marido, eesta seria a minha cozinha, e agovernanta seria minha também. ASra. Hargrove vai ter de me ouvir, eeu irei escolher o que comer todos osdias, e não haverá nada a desejar.

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A menos que Fred esteja certo.A menos que eu tivesse um defeito.

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Lena

A duvida continuou: para ondeir, se devíamos nos separar.

Alguns membros do grupoqueriam voltar para o sul novamente,ou então leste para Waterbury, ondehavia rumores de um movimento deresistência bem sucedido e um grandeacampamento de Inválidosflorescendo em segurança. Algunsqueriam seguir todo o caminho para

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Cape Cod, que era praticamentedespovoada e, portanto, seria um lugarmais seguro para acampar. Alguns denós - Gordo, em particular - queriamcontinuar para o norte e tentaremfazer uma pausa do outro lado dafronteira com os EUA e irem para oCanadá.

Na escola, sempre nosensinaram que outros países - lugaressem a cura - tinham sido devastadospela doença e se transformaram emterrenos baldios. Mas isso, como a

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maioria das outras coisas que foramensinadas, eram, sem dúvida, umamentira. Gordo havia ouvido históriasde caçadores e andarilhos sobre oCanadá, e ele fazia isso soar como oÉden no Livro da Shhh.

"Eu voto em Cape Cod", dissePike. Ele tinha cabelo loiro claro,impiedosamente cortado até o courocabeludo. "Se o bombardeio começanovamente."

"Se o bombardeio começaroutra vez, não estaremos seguros em

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qualquer lugar", interrompe-o Prego.Pike e Prego estão constantementedando cabeçadas.

"Estaremos mais segurosquanto mais distantes estivermos deuma cidade", Pike argumentou. Se aresistência se transformasse em umarebelião extrema, podíamos esperarrepresálias rápidas e imediatas dogoverno. "Teremos mais tempo."

"Para quê? Atravessar ooceano?" Prego balançou a cabeça.Ele estava de cócoras ao lado de

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Graúna, que estava preparando umade nossas armadilhas. Era incrível oquão feliz ela estava aqui, sentada nochão, depois de um longo dia decaminhadas e armadilhas - mais felizdo que ela esteve quando vivíamosjuntos no Brooklyn, posando comoCurados, em nosso belo apartamentocom bordas brilhantes e superfíciesduras polidas. Lá, ela era uma dasmulheres que estudamos na aula dehistória, que se amarrava emespartilho, até que mal podiamrespirar ou falar: pálida, sufocada.

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"Olha, não podemos fugir disso. Nóstambém podemos unir forças,construir nossos números o melhorque pudermos."

Prego me chamou a atençãodo outro lado da fogueira. Eu sorripara ele. Eu não sabia o quanto Pregoe Graúna decifraram sobre o queaconteceu entre Alex e eu, ou qual eranossa história - eles não me disseramnada sobre isso - mas eles estavammais agradáveis comigo do que ohabitual.

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"Estou com Prego", disseHunter. Ele jogou uma bala no ar,pegou-a na parte de trás de sua mão,em seguida, virou-a em sua mão.

"Nós poderíamos nos dividir"Graúna sugeriu pela centésima vez.Era óbvio que ela não gostava de Pike,ou de Dani. Neste novo grupo, aslinhas de dominação não foram tãoclaramente desenhadas, e o que Pregoe Graúna diziam não iaautomaticamente para o evangelho.

"Nós não vamos nos separar,"

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Prego disse com firmeza. Mas logo eletoma a armadilha dela e diz: "Deixe-me ajudá-la."

Era assim que Prego e Graúnatrabalhavam: era a linguagemparticular deles de pressão e retorno,argumento e concessão. Com a cura,os relacionamentos eram todos iguais,e as regras e as expectativas eramdefinidas. Sem a cura, as relaçõesdeviam ser reinventadas todos os dias,as linguagens constantementedecodificadas e decifradas.

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Liberdade era desgastante."O que você acha, Lena?"

Graúna perguntou, e Pike, Dani, e osoutros giraram em torno para olharpara mim. Agora que eu já tinha sidoaprovada pela resistência, a minhaopinião tinha peso. Das sombras, eupodia sentir Alex olhando para mimtambém.

"Cape Cod", eu disse,alimentando mais lenha no fogo."Quanto mais longe estamos dascidades, melhor, e qualquer vantagem

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é melhor do que nenhuma. Não écomo se nós fôssemos ficar sozinhos.Haverá outros colonos lá, outrosgrupos para nos juntarmos." Minhavoz soava alta na clareira. Gostaria desaber se Alex notou essa mudança: Eume tornei mais forte e mais confiante.

Houve um momento desilêncio. Graúna olhou para mim,pensativa. Então, de repente, ela sevirou e lançou um olhar sobre oombro. "E quanto a você, Alex?"

"Waterbury", ele respondeu

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imediatamente. Meu estômago deunó. Eu sabia que era estúpido - eusabia que os riscos eram maiores doque nós dois - mas eu não podiaevitar, eu senti um flash de raiva.Claro que ele discordava de mim.Claro.

"Não é nenhuma vantagem sercortado da comunicação e dainformação", disse ele. "Há umaguerra. Podemos tentar negá-lo,podemos tentar enterrar a cabeça naareia, mas essa é a verdade. E a

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guerra vai encontrar-nos de qualquerforma, eventualmente. Eu digo quedevemos enfrentá-la de frente."

"Ele está certo", Julianmurmurou.

Virei-me para ele, assustada.Ele raramente falava durante a noiteao redor da fogueira. Eu não achavaque ele se sentia confortável ainda.Ele ainda era o novato, o estranho e -pior ainda, um convertido do outrolado. Julian Fineman, filho do falecidoThomas Fineman, fundador e chefe da

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América Livre da Delíria e inimigo detudo o que defendemos. Nãoimportava que Julian virasse as costaspara sua família e para a causa - equase desistir de sua vida para estaraqui com a gente. Eu podia dizer quealgumas pessoas não confiavam nele.

Julian falava com a cadênciamedida de um orador públicoexperiente. "Não há nenhum pontopara usar táticas de evasão. Isso nãovai passar. Se a resistência cresce, ogoverno e os militares vão fazer tudo o

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que puderem para detê-la. Nósteremos uma chance melhor derevidar se nos colocarmos no meio dacoisa. Caso contrário, vamos serapenas coelhos em um buraco,esperando para ser levados para fora".

Mesmo que Julian concordassecom Alex, ele ainda tinha o cuidadode manter os olhos treinados emGraúna. Julian e Alex nunca sefalaram ou sequer olharam para ooutro, e os outros tinham o cuidado denão comentarem sobre isso.

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"Eu digo Waterbury," Lu disse,o que me surpreendeu. No anopassado, ela não queria ter nada a vercom a resistência. Ela queriadesaparecer na Selva, fazer um lar,tão longe quanto possível das cidadesválidas.

"Tudo bem, então." Graúnaergueu-se, escovando a parte de trásde sua calça jeans. "Waterbury, então.Quaisquer outras objeções?"

Ficamos todos em silêncio porum minuto, olhando um para o outro,

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os nossos rostos consumidos pelasombra. Ninguém falou. Eu não estavafeliz com a decisão, e Julian deviasentir isso. Ele colocou a mão no meujoelho e apertou.

"Então está decidido. Amanhãpartimos."

Graúna foi cortada pelo somde gritos, uma onda repentina devozes. Nós todos nos levantamos -uma resposta instintiva.

"Que diabos?" Prego colocouseu rifle no ombro e começou a

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vasculhar a massa de árvores que nosrodeava, uma parede emaranhada degalhos e cipós. A floresta caiu emsilêncio novamente.

"Shh." Graúna levantou a mão.Então: "Eu preciso de ajuda

aqui, gente" E então, houve um aliviocoletiv, um relaxamento da tensão.Nós reconhecemos a voz de Sparrow.Ele afastou-se mais cedo para fazeralguma coisa na floresta.

"Ouvimos você, Sparrow!"Pike avisou. Figuras correram para as

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árvores, transformando-se emsombras assim que deixavam apequena circunferência brilhante dofogo. Julian e eu ficamos ondeestamos, e eu percebo que Alextambém. Há uma confusão de vozes einstruções -"Suas pernas, as pernas,agarrem suas pernas" - e entãoSparrow, Prego, Pike e Dani surgemmais uma vez na clareira, cada um emum lado de um corpo. No começo euachei que cada um deles estavatransportando um animal, agrupadosem lonas, mas depois eu vejo um

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braço branco pálido, oscilando emdireção ao chão, cruamente iluminadopelo fogo, e meu estômago revira.

Pessoas."Água, peguem água!""Pegue o kit, Graúna, ela está

sangrando."Por um momento, eu estou

paralisada. Quando Prego e Pikecolocam os corpos no chão, perto dofogo, dois rostos são revelados: umvelho, escuro, castigado pelo tempo,uma mulher que tem estado na Selva

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pela maior parte de sua vida, se nãotoda ela. Saliva está borbulhando noscantos de sua boca, e sua respiraçãoestá rouca e cheia de fluido.

A outra face éinesperadamente encantadora. Eladeve ser da minha idade ou até umpouco mais jovem. Sua pele é da cordo interior de uma amêndoa, e seucabelo longo, castanho-escuro estáespalhado atrás dela no chão. Por ummomento eu estou de volta para minhaprópria fuga para a Selva. Graúna e

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Prego devem ter me achadoexatamente desta forma - mais mortado que viva, espancada e ferida.

Prego se vira e me pegaolhando.

"Um pouco de ajuda, Lena",diz ele bruscamente. Sua voz me tirado meu transe. Eu vou e me ajoelhoao lado dele, ao lado da mulher maisvelha. Graúna, Pike e Dani estãocuidando da menina. Julian paira atrásde mim.

"O que posso fazer?", ele

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pergunta."Nós precisamos de água

limpa", Prego diz, sem olhar paracima. Ele tira a faca e está cortandosua camisa. Em alguns lugares parecequase se fundir com a sua pele, eentão eu vejo, horrorizada, que a suametade inferior está queimada, com aspernas cobertas de feridas abertas einfecções. Eu tenho que fechar meusolhos por um segundo e virar-me paranão vomitar. Julian escova meu ombrouma vez com a mão, em seguida, sai

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em busca da água."Merda", murmura Prego,

quando ele descobre outra ferida; esteum longo corte irregular ao longo desua canela, profundo e jorrando com ainfecção. "Merda." A mulher solta umgemido borbulhante e depois fica emsilêncio. "Não bata em mim agora",diz ele. Ele tira seu casaco. O suorbrilha em sua testa. Estamos perto dofogo, que os outros estão alimentandoo fogo.

"Preciso de um kit." Prego

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pega uma toalha de mão e começa arasgá-la em tiras, habilmente erapidamente. Elas serão ostorniquetes. "Alguém me dê ummaldito kit."

O calor é uma parede ao ladode nós. A fumaça escura apaga o céu.Ele tece o seu caminho em meuspensamentos, também, distorcem asminhas impressões, que começam aassumir a qualidade de sonho: asvozes, o movimento, o calor e o cheirode corpos, tudo fraturado e sem

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sentido. Eu não posso dizer se estouajoelhada ali por alguns minutos ouhoras. Em algum momento Julianvolta, carregando um balde de águafervente. Em seguida, ele sai e retornanovamente. Estou ajudando a limparas feridas da mulher, e depois de umtempo eu paro de ver seu corpo comopele e carne, mas como algo retorcidoe deformado e estranho, como aspeças escuras de madeira petrificadasque se transformam na floresta.

Prego me diz o que fazer e eu

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faço. Mais água, o tempo está frio.Pano limpo. Eu fico, me movo, levo osobjetos que são dados a mim e voltocom eles. Mais minutos se passam,mais horas.

Em algum momento eu olhopara cima e não é Prego que está aomeu lado, mas Alex. Ele estácosturando um corte no ombro damulher, usando uma agulha de costurae linha regular longa e escura. Ele estápálido, concentrado, mas ele se movecom fluidez e rapidez. Ele obviamente

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não tinha prática. Ocorre-me que hátanta coisa que eu nunca soube sobreele - seu passado, seu papel naresistência, como era sua vida naSelva, antes de ir para Portland, esinto um flash de dor tão intensa quequase me faz chorar: não pelo que euperdi, mas pelas chances que eu perdi.

Nossos cotovelos se tocam. Elese afasta.

A fumaça reveste minhagarganta agora, tornando difícil deengolir. O ar cheira a cinzas. Eu

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continuo a limpeza das pernas de pauda mulher e do corpo, da maneira queeu usei para ajudar a minha tia a polira mesa de mogno, uma vez por mês,com cuidado e devagar.

Em seguida, Alex desaparece,e Prego está ao meu lado novamente.Ele coloca as mãos nos meus ombrose me chama suavemente para trás.

"Está tudo bem", ele estádizendo. "Deixe-a. Está tudo bem. Elanão precisa mais de você."

Por um segundo, eu penso,

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Nós fizemos isso, ela está seguraagora. Mas então, quando Prego medirige em direção às barracas, eu vejoseu rosto se iluminar com o brilho dofogo - branco, cera, os olhos abertos eolhando cegamente para o céu - e eusei que ela está morta, e tudo o que fizfoi para nada.

Graúna ainda está ajoelhada aolado da jovem, mas seus cuidados sãomenos frenéticos agora, e eu possoouvir que a menina está respirandoregularmente.

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Julian já está na tenda. Estoutão cansada, sinto-me como se eufosse sonâmbula. Ele se afasta e deixaum espaço para mim, e eupraticamente desmorono nele, nopequeno ponto de interrogaçãoformado por seu corpo. Meu cabelocheira a fumaça.

"Você está bem?" Juliansussurra, encontrando a minha mãono escuro. "Estou bem", eu sussurrode volta.

"Ela está bem?"

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"Morreu", digo logo.Julian suga a respiração, e eu

sinto o seu corpo endurecer atrás demim. "Sinto muito, Lena".

"Você não pode salvá-lostodos", eu digo. "Não é assim que issofunciona." Isso é o que Prego diria, eeu sei que é verdade, mesmo se, nofundo, eu ainda não acreditasse.

Julian me aperta, e beija ascostas da minha cabeça, e então eume deixo levar para dentro do sono, elonge do cheiro de queimado.

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HanaPela segunda noite, o nevoeiro

do meu sono é perturbado por umaimagem: dois olhos, flutuando atravésda escuridão. Em seguida, os olhossão discos de luz, faróis vindo paracima de mim - estou congelada nomeio da estrada, cercada pelos cheirospesados de lixo e escapamento decarro... achatada, imóvel, com obarulho ensurdecedor do motor....

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Eu acordei um pouco antes dameia-noite, suando. Isso não podiaestar acontecendo. Não comigo.

Eu me levanto e tateio para obanheiro, batendo a minha pernacontra uma das caixas no meu quarto.Mesmo que tenha me mudado no finalde janeiro, mais de dois meses atrás,eu não me preocupei emdesempacotar outra coisa além dobásico. Em menos de três semanas euvou estar casada, e eu vou ter quemudar de novo. Além disso, meus

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antigos pertences - os bichos depelúcia e livros e estatuetas deporcelana engraçadas que eucostumava colecionar quando criança- não significam muito para mimagora.

No banheiro, eu jogo água friano meu rosto, tentando tirar damemória aqueles olhos-farol, o apertono meu peito, o terror de serachatada. Digo a mim mesma que nãosignifica nada, que a cura funciona umpouco diferente para todos.

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Fora da janela, a lua estavaredonda e improvavelmente brilhante.Eu pressiono meu nariz contra ovidro. Do outro lado da rua tem umacasa quase idêntica à nossa, e ao ladodela tem outra casa como umaimagem no espelho. Em além delasexistem dezenas de réplicas: osmesmos telhados de duas águas,recém-construídas e concebidas paraparecerem mais velhas.

Eu sinto uma necessidade deme mover. Eu costumava sentir uma

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coceira o tempo todo, quando meucorpo estava gritando por umacorrida. Eu não corri mais do que umaou duas vezes desde que fui curada,as poucas vezes que eu tentei,simplesmente não era a mesma coisa,e mesmo agora, a ideia não me atraia.Mas eu queria fazer alguma coisa.

Me troco com um par decalças de moletom velhas e ummoletom escuro. Coloco um boné debeisebol velho, também, que pertenciaao meu pai - em parte para manter o

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meu cabelo para trás, e, em parte,para que, se alguém me vir, eu nãoserei reconhecida. Tecnicamente, nãoera ilegal para mim sair depois dotoque de recolher, mas eu não queriaresponder a nenhuma pergunta dosmeus pais. Não era algo que HanaTate, em breve Hana Hargrove,deveria fazer. Eu não quero que elessaibam que eu tenho tido problemaspara dormir. Eu não posso dar-lhesuma razão para desconfiar.

Eu amarro meu tênis e na

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ponta dos pés caminho para a portado quarto. No verão passado, eucostumava fugir o tempo todo. Houvea rave proibida no armazém atrás dasTintas Otremba e a festa em DeeringHighlands que foi invadida, houvenoites na praia em Sunset Park eencontros ilegais com os meninos nãocurados, incluindo o momento emBack Cove quando eu deixei StevenHilt colocar a mão por dentro daminha coxa nua e o tempo pareceuparar.

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Steven Hilt: cílios escuros,dentes brancos e retos, o cheiro deagulhas de pinheiro, o nó no estômagoquando ele olhava para mim.

As memórias pareceminstantâneas da vida de outra pessoa.

Eu desçi as escadas emsilêncio quase total. Acho a trava daporta da frente e giro-a emmovimentos minúsculos, de modo queo ferrolho se retira silenciosamente.

O vento está frio e agita osarbustos de azevinho que circundam

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nosso quintal, dentro do portão deferro. Os arbustos são, também, umacaracterística da Farms WoodCove:Por questões de segurança eproteção, dizem os folhetosimobiliários, e uma medida real deprivacidade.

Faço uma pausa, ouvindo sonsde patrulhas. Nada. Mas eles nãodevem estar muito longe. WoodCoveanuncia uma guarda voluntária vinte equatro horas, sete dias por semana.Ainda assim, a comunidade era

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grande e cheia de dezenas deramificações e ruas sem saída. Comalguma sorte, eu vou ser capaz deevitá-los.

Desço a calçada da frente, nocaminho de pedra, para o portão deferro. Um borrão preto de morcegosvoa passando pela lua, enviandosombras no gramado. Eu tremo. Acoceira é drenada para fora de mim.Eu penso em voltar para a cama,enterrar-me sob os cobertores maciose os travesseiros perfumados

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fracamente de detergente; acordarrevigorada para um grande eagradável café da manhã com ovosmexidos.

Algo bate na garagem. Eu giroao redor. A porta da garagem estavaparcialmente aberta.

Meu primeiro pensamento é deum fotógrafo. Um deles pulou oportão e acampou no pátio. Mas eurapidamente descarto a ideia. A Sra.Hargrove orquestrou cuidadosamentetodas as nossas oportunidades de

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imprensa, e até agora, não tenho sidoobjeto de atenção, a menos que euesteja com Fred.

Meu segundo pensamento eraladrão de gás. Recentemente, porcausa das restrições impostas peloGoverno, especialmente nas partesmais pobres da cidade, tem havidouma onda de arrombamentos em todaPortland. Era especialmente ruimdurante o inverno: com oracionamento de gás e petróleo, casasforam invadidas e vandalizadas. Em

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fevereiro, houve duzentos assaltos, omaior número de crimes desde que acura tornou-se obrigatória há quarentaanos.

Eu penso em ir para dentro eacordar meu pai. Mas isso significariaperguntas e explicações.

Em vez disso, atravesso o pátioem direção à garagem, mantendomeus olhos na porta semiaberta,verificando se há sinais de movimento.A grama estava coberta com orvalho,que é absorvido rapidamente pelos

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meus tênis. Eu tinha uma sensaçãoespinhosa por todo meu corpo.Alguém estava me observando.

Um galho estala atrás de mim.Eu giro ao redor. Uma onda de ventonovamente perturba o azevinho. Eurespiro fundo e volto para a garagem.Meu coração bate forte na minhagarganta, uma sensação dedesconforto e desconhecido. Eu nãotenho medo – medo real - desde amanhã da minha cura, quando eu nãoconseguia nem desatar a camisola do

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hospital, porque minhas mãos tremiamdemais.

"Olá", eu sussurro.Outro rumor. Algo - ou alguém

- definitivamente está na garagem. Euestou a poucos metros da porta, ficorígida com medo. Estúpido. Isso eraestúpido. Eu vou entrar na casa eacordar papai. Eu vou dizer que ouvium barulho, e eu vou lidar com asperguntas mais tarde.

Em seguida, fracamente: umsom choramingado. Olhos de gato

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piscam momentaneamente para mimna porta aberta.

Eu exalo. Um gato de rua,nada mais. Portland estava cheiodeles. De cães também. Pessoas oscompram, e depois não podem cuidardeles ou não se importam em mantê-los e jogam nas ruas. Durante anos,eles se reproduziram. Ouvi quehaviam ninhadas inteiras de cãesselvagens que vagueiam em torno dasHighlands.

Eu avanço lentamente. O gato

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me observa. Eu coloco minha mãosobre a porta da garagem, facilmenteela abre mais alguns centímetros.

"Vamos lá," eu chamo."Vamos, saia daí."

O gato de rua se afasta nagaragem. Ele dispara passando porminha velha bicicleta, batendo contrao apoio lateral. A bicicleta começa acambalear, e pulo para frente eagarro-a antes que ela possa cair nochão. O guidão estava empoeirado,mesmo que esteja praticamente escuro

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como breu, eu posso sentir a sujeira.Eu mantenho uma mão na

bicicleta, firmando-a, e procuro ointerruptor na parede. Eu acendo asluzes do teto. Imediatamente, anormalidade da garage ressurge: ocarro, latas de lixo, o cortador degrama no canto, latas de tinta etanques extras de gás empilhadosordenadamente no canto, em umaformação de pirâmide. O gato estavaagachado entre eles. Pelo menos ogato parecia relativamente limpo, não

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estava espumando pela boca oucoberto com escaras. Nada a temer.Mais um passo em direção a ela, e elaafasta novamente, desta vez em tornodo escapamento do carro e circulandopara o quintal.

Quando eu inclino a bicicletacontra a parede da garagem, perceboo desbotado elástico de cabelo roxoainda preso a um cabo. Lena e eucostumávamos ter bicicletas idênticas,mas ela me provocava que a dela eramais rápida. Estávamos sempre

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trocando de bicicleta por acidente,depois soltá-las na grama ou na praia.Ela saltava em cima do acento, malconseguia alcançar os pedais, e eusubia em sua bicicleta todo amassadacomo uma criança, e gostávamos de irpara casa juntas, rindo histericamente.Um dia, ela comprou dois elásticos decabelo na loja de conveniência de seutio - roxo para mim, azul para ela einsistiu para os mantermos fixos emtorno do guidão, para que pudéssemosdiferenciá-las.

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O elástico agora estava cobertocom a sujeira. Eu não montava minhabicicleta desde o último verão. Estepassatempo, como Lena, desapareceucom o passado. Por que éramosmelhores amigas, Lena e eu? Sobre oque falávamos? Não tínhamos nadaem comum. Nós não gostamos dosmesmos alimentos ou da mesmamúsica. Nós nem sequer acreditamosnas mesmas coisas.

E então ela se foi, e issoquebrou meu coração tão

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completamente que eu mal conseguiarespirar. Se eu não tivesse sidocurada, não sei o que eu teria feito.

Eu posso admitir, agora, queeu devo ter amado Lena. Não de umaforma não natural, mas meussentimentos por ela devem ter sido umtipo de doença. Como é que alguémpode ter o poder de transformar-lheem poeira - e também para fazer vocêse sentir completa?

A vontade de correr foidrenada completamente. Tudo o que

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eu queria fazer era cair na cama.Eu desligo as luzes e fecho a

porta da garagem, certificando-me deouvir o fechamento das travas.

Quando eu volto para casa,vejo um pedaço de papel caído nagrama, já manchado com a umidade.Não estava lá há um minuto. Alguémtinha, obviamente, jogado-o peloportão, enquanto eu estava no quintal.

Alguém estava me observando- Alguém que poderia estar meobservando agora.

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Eu atravesso o pátiolentamente. Eu me vejo chegar aopapel. Vejo-me curvar para pegá-lo.

É uma foto em preto-e-brancogranulada que foi, obviamente,reproduzida a partir do original: Elamostra um homem e uma mulher sebeijando. A mulher na foto estádobrada para trás, entrelaçando osdedos no cabelo do homem. Ele estásorrindo, mesmo enquanto ele a beija.

Na parte inferior da foto estãoimpressas as palavras: HÁ MAIS DE

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NÓS DO QUE VOCÊ PENSA.Instintivamente, eu amasso a

foto no meu punho. Fred estava certo:A resistência estava aqui, aninhadaentre nós. Eles devem ter acesso acopiadoras, ao jornal, aosmensageiros.

Uma porta bate à distância, eeu pulo. De repente, a noite pareceviva. Eu praticamente corro para avaranda da frente e esqueçocompletamente de ficar quieta quandoeu escorrego porta adentro, fechando

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a tranca tripla atrás de mim. Por ummomento eu permaneço no corredor,a foto ainda enrolada na mão,respirando os cheiros familiares demobiliário polido e Cloro.

Na cozinha, eu jogo a foto nolixo. Depois, pensando melhor, eu acoloco no triturador de lixo. Não estoumais preocupada em acordar meuspais. Eu só quero me livrar daimagem, livrar-me das palavras, umaameaça - não há dúvida sobre isso. Hámais de nós do que você pensa.

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Lavo as mãos com água quentee, desajeitadamente, volto para o meuquarto. Eu nem sequer me preocupoem me despir, apenas tiro os sapatos,tiro o boné de basebol, e entrodebaixo das cobertas. Mesmo que ocalor esteja cantarolando, eu aindanão me sinto quente.

Dedos longos e escuros estãome envolvendo. Mãos com luvas develudo, macias e perfumadas, estãoenvolvendo em torno de minhagarganta, e Lena está sussurrando em

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algum lugar longe - O que você fez? -E, felizmente, a liberação dos dedos,as mãos caem em torno de minhagarganta, e eu estou caindo, caindo,em um sono profundo e sem sonhos.

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Lena

Quando abro meus olhos, atenda está cheia de luz verde nebulosacomo o sol tivesse se transformado emcor pelas paredes finas da tenda. Ochão debaixo de mim está um poucoúmido, como sempre fica no períododa manhã, a terra exala a orvalho, esacode o congelamento noite. Euposso ouvir vozes e o barulho depanelas de metal. Julian desapareceu.

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Não me lembro quanto tempo sepassou desde que eu dormi tãoprofundamente. Eu nem me lembro desonhar. Eu me pergunto se isso écomo estar curado, acordardescansado e renovado, imperturbávelpelas longas sombras que perturbamvocê no sono.

Lá fora, o ar estáinesperadamente quente. A florestaestá cheia de pássaros. Nuvenspatinam vertiginosamente através deum céu azul pálido. Os Wilds estão

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corajosamente afirmando a chegadada primavera, como um primeiroorgulho, cheio de flores que aparecemem março.

Eu vou até o pequeno riachoonde estamos pegando a nossa água.Dani acaba de sair do banho e está depé completamente nua, enxugando oscabelos com uma camiseta. Nudezcostumava me chocar, mas agora euquase não noto, ela poderia ser umaescura, lontra de pelo liso agitando-seao sol. Ainda assim, eu dirijo me dirijo

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rio abaixo de onde ela está, tirando aminha camisa para lavar meu rosto eaxilas e enterrar minha cabeçadebaixo d'água, ofegando um poucoquando eu vim para cima. A águaainda está gelada, e eu não possofazer-me submergir.

De volta ao acampamento, euvejo que o corpo da velha senhora jáfoi removido. Espero que eles tenhamencontrado um lugar para enterrá-la.Eu penso em Azul, e como tivemosque deixá-la para fora na neve

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enquanto o gelo congelava seus cíliosescuros e selava os olhos fechados, eem Miyako, que foi queimado.Fantasmas, figuras nas sombras emmeus sonhos. Pergunto-me se eununca vou me livrar deles.

"Bom dia, luz do sol", dizGraúna, sem olhar para cima a partirda jaqueta que ela está remendando.Ela está segurando várias agulhas emsua boca, se espalharam entre oslábios, e ela teve de falar através elas."Dormiu bem?" Ela não esperava que

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eu respondesse. "Há algumas larvasno fogo, coma antes que Dani seapodere delas em segundos."

A menina que nós regatamosontem à noite está acordada e sentadaperto de Graúna, a uma curtadistância do fogo, com um cobertorvermelho envolto em torno de seusombros. Ela é ainda mais linda do queeu pensava. Seus olhos são verdesvivos, e sua pele é luminosa e suave.

"Oi", eu digo enquanto me movoentre ela e o fogo. Ela me dá um

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sorriso tímido, mas não fala, e eu sintouma onda de simpatia por ela. Eu melembro como eu estava apavoradaquando eu escapei para o Wilds eencontrei-me entre Graúna e Prego eos outros. Gostaria de saber de ondeela veio, e as coisas terríveis que elaviu.

Na borda do fogo, uma panelaamassada está semienterrada nascinzas. Dentro está um pouco defarinha de aveia-e-de feijão pretocozido, sobra do nosso jantar ontem à

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noite. Está crocantementecarbonizado e praticamente semsabor. Eu coloco um pouco em umcopo de lata e me forço a comerrapidamente.

Quando eu estou terminando,Alex sai da floresta, carregando umjarro de plástico de água. Eu olho paracima, instintivamente, para ver se elevai me reconhecer, mas, como decostume, ele mantém os olhos fixos noar sobre a minha cabeça.

Ele passa por mim e para na

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nova garota."Aqui", diz ele. Sua voz é suave,

a voz do velho Alex, o Alex de minhasmemórias. "Eu trouxe um pouco deágua. Não se preocupe. Está limpa."

"Obrigado, Alex", ela responde.O nome soa mal em sua boca e mefaz sentir fora de forma, do jeito queeu costumava me sentir como umacriança no Festival de Morango emProm Oriental, em pé no corredor deespelhos do parque de diversões:como se tudo tivesse distorcido.

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Prego, Pike e alguns dos outrosvêm saindo da floresta, logo apósAlex, se acotovelando através datrama de galhos. Julian é um dosúltimos a sair, e eu levanto-me eencontro-me correndo em suadireção, me embrulhando em seusbraços.

"Ei." Ele ri, tropeçando para trás

um pouco e me apertando,obviamente surpreso e satisfeito. Eununca demonstro carinho com ele

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durante o dia, na frente dos outros. "Oque foi isso?"

"Eu senti sua falta", eu digo,sentindo falta de ar sem qualquerrazão. Eu coloquei minha testa em suaclavícula, coloquei uma mão sobre seupeito. Seu ritmo me tranquiliza: Ele éreal, e ele está aqui agora.

"Fizemos uma varreduracompleta," Prego está dizendo."Perímetro de três quilômetros. Tudoparece bem. Os Catadores devem terido em uma direção diferente." Julian

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enrijece. Eu me viro e encaro Prego."Catadores?", eu pergunto.

Prego me lança um olhar e nãoresponde. Ele parou em frente à novagarota. Alex ainda está sentado ao seulado. Seus braços estão separados porapenas alguns centímetros, e eucomeço a me fixar no espaço negativoentre os ombros e cotovelos, queparecem como metade de umaampulheta.

"Você não se lembra que diaeles vem?", Ele pergunta para a

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garota, e eu posso dizer que ele estálutando para não parecer impaciente.Na superfície, Prego é um pouco –um pouco áspero, assim comoGraúna. É por isso que eles ficam tãobem juntos.

A menina morde o lábio. Alexestende a mão e toca-lhe a mão, suavee reconfortante, e eu me encho derepente, dos pés à cabeça, com asensação de que vou ficar doente.

"Vá em frente, Coral", diz ele.Coral. É claro que o nome dela seria

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Coral. Bonito, delicado e especial."Eu-eu não me lembro." Sua

voz é quase tão baixa quanto de ummenino.

"Tenta", diz Prego. Graúnaatira-lhe um olhar. Sua expressão éclara. Não force a barra.

A menina coloca o cobertor umpouco mais apertado ao redor de seusombros. Ela limpa a garganta. "Eleschegaram a poucos dias, três, quatro.Eu não sei exatamente. Encontramosum velho celeiro, totalmente intacto....

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Nós estávamos batendo lá. Haviaapenas um pequeno grupo de nós.Tinha David e Tigg e - e Nan." Suavoz se quebra um pouco, e ela suga arespiração. "E alguns outros, oito denós total. Nós ficamos juntos desdeque eu vim pela primeira vez aoWilds. Meu avô era um sacerdote deuma das antigas religiões." Ela olhapara nós desafiadoramente, como seestivesse nos desafinado a criticá-la."Ele se recusou a se converter à NovaOrdem e foi morto." Ela encolhe osombros. "Desde então, a minha

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família foi monitorada. E quando aminha tia se tornou umasimpatizante... bem, ficamos na listanegra. Não era possível conseguir umemprego, não poderia ficaremparelhada para salvar nossas vidas.Não havia um senhorio em Boston,que iria alugar para nós, já que nãotínhamos dinheiro para pagar."

Amargura penetrou em sua voz.Eu posso dizer que é apenas o traumarecente que a fazia parecer frágil. Sobcircunstâncias normais, ela era uma

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líder – como Graúna. Como Hana.Eu sinto outra pontada de

ciúme, observando Alex olhando paraela. "Os Catadores", Prego pergunta aela.

"Deixa prá lá, Prego," Graúnaamansa "Ela não está pronta para falarsobre isso."

"Não, não. Eu posso. É só que...Eu quase não me lembro..." Mais umavez ela balança a cabeça, desta vezolhando intrigada. "Nan teveproblemas com suas articulações. Ela

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não gostava de ficar sozinha noescuro, quando ela teve que usar obanheiro. Eu estava preocupada queela poderia cair." Ela aperta os joelhosmais perto de seu peito. "Nós nosrevezamos andando com ela. Foi aminha vez naquela noite. Essa é aúnica razão pela qual eu não estou...Essa é a única razão..." Ela arrasta.

"Os outros estão mortos,então?" Voz de Prego é oca.

Ela acena com a cabeça. Danimurmura, "merda", e joga alguma

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sujeira no ar, com o objetivo de nada."Queimados", a menina diz.

"Enquanto eles estavam dormindo.Vimos isso acontecer. Os Catadorescercaram o local e então puff.Queimou como um fósforo. Nanperdeu a cabeça. Fui arremessadapara trás em direção ao celeiro. Eu fuiatrás dela... depois disso, eu não melembro de muita coisa. Eu pensei queela estava pegando fogo... e então eume lembro que eu acordei em umavala, e estava chovendo... e então

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vocês me encontraram...""Merda, merda, merda." Cada

vez que Dani diz a palavra, ela jogaoutro jato de sujeira. "Você não estáajudando" Graúna estala.

Prego esfrega a testa e suspira."Eles limparam a área", diz ele. "Issoé uma oportunidade para nós. Vamosesperar que a gente não se cruze".

"Quantos eram?" Pike perguntapara Coral. Ela balança a cabeça."Cinco? Sete? Uma dúzia? Vamos.Você tem que nos dar algo."

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"Eu quero saber o porquê", Alexinterrompe. Mesmo que ele falassebaixinho, todo mundo ficou quieto eescutou imediatamente. Eu costumavaadorar isso nele: o jeito que ele podiaassumir o comando de uma situaçãosem levantar a voz, a facilidade econfiança que sempre irradiava.

Agora eu deveria não sentirnada, então vou me concentrar no fatode que Julian está atrás de mim,apenas a alguns centímetros dedistância, eu me concentro no fato de

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que os joelhos de Alex e Coral estãose tocando, e ele não se afastou ounão parece se importar nem um pouco.

"Por que o ataque? Por quequeimar o celeiro? Isso não fazsentido." Alex balança a cabeça. "Nóstodos sabemos que os catadores sóquerem para saquear e roubar, e nãodestruir. Isso não foi roubo, foimassacre."

"Os catadores estão trabalhandocom o DFA", diz Julian. Ele atenuou

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fluidamente sobre as palavras, aindadeve ser difícil para ele. O DFA era aorganização de seu pai, o modo devida de sua família, e até que Julian eeu fossemos sequestrados juntosapenas poucas semanas atrás, era omodo de vida de Julian também.

"Exatamente." Alex se levantou.Mesmo que ele e Julian estejamnovamente falando um do outro,chamada-e-resposta, ele se recusa aolhar em nossa direção. Ele mantémos olhos em Graúna e Prego. "Não é

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mais uma questão de sobrevivênciapara eles, não é? É sobre pagamento.Os riscos são maiores e os objetivossão diferentes."

Ninguém o contradiz. Todossabem que ele está certo. OsCatadores nunca se importaram com acura. Eles vieram para as florestas,porque eles não pertenciam ou foramempurrados para fora da sociedadenormal. Eles não tinham lealdade oufiliação, não havia sentido de honra ouideais. E embora fossem sempre

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implacáveis, seus ataques eramutilizados para servir a um propósito,eles saqueavam e roubavam, levavamsuprimentos e armas, e não seimportavam de matar no processo.

Mas o matar sem sentido e semganho... Isso era muito diferente. Issoera assassinato por contrato.

"Eles estão nos pegando."Graúna fala devagar, como se a ideiaestivesse ocorrendo apenas para ela.Ela se virou para Julian. "Eles vão noscaçar como animais. Não é?" Agora

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todo mundo olha para ele, algunscuriosamente, alguns comressentimento.

"Eu não sei." Ele gagueja muitolevemente sobre as palavras. Então?"Eles não podem se dar ao luxo denos deixar viver"

"Agora posso dizer merda" Danifala sarcasticamente.

"Mas se o DFA e osReguladores estão usando osCatadores para nos matar, é a provade que a resistência tem poder", eu

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protesto. "Eles nos vêem como umaameaça. Isso é uma coisa boa."

Durante anos, os inválidos queviviam no Wilds foram efetivamenteprotegidos pelo governo, cuja posiçãooficial era de que a doença, de amordeliria nervosa, tinha sido dizimadadurante a blitz, e todas as pessoasinfectadas erradicadas. O amor nãoexistia mais. Reconhecer que ascomunidades inválidas existiam teriasido uma admissão de fracasso.

Mas agora a propaganda não

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podia se segurar. A resistência tornou-se demasiada grande e demasiadavisível. Eles não podiam nos ignorarpor mais tempo, ou fingir que nãoexistimos, então agora eles deviamtentar nos eliminar.

"Sim, vamos ver como é bomquando os catadores fritam-nosdurante nosso sono", dispara Dani devolta. "Por favor." Graúna chega a seulado. Uma fita de cor branca atravessaseu cabelo preto, eu nunca tinhanotado isso antes, e me pergunto se

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ela sempre esteve lá ou sórecentemente apareceu. "Nós vamoster que ter mais cuidado. Vamospatrulhar os locais dos nossosacampamentos mais de perto, emanter alguém de guarda à noite.Tudo bem? Se eles estão nos caçando,nós vamos ter que ser mais rápidos emais inteligentes. E nós teremos quetrabalhar juntos. Há mais de nós acada dia, né?" Ela olha fixamente paraPike e Dani, em seguida, direciona oolhar para Coral. "Você acha quevocê é forte o suficiente para andar?"

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Coral concorda. "Eu acho quesim."

"Tudo bem, então." Prego estáobviamente, ficando impaciente.Deviam ser pelo menos dez horas."Vamos fazer as rondas finais.Verifiquem as armadilhas; trabalhempara ter tudo embalado. Vamos dar ofora o mais rápido que pudermos."

Prego e Graúna não tinham maiso controle incontestável do grupo, maseles ainda podiam fazer as pessoas semexerem, e, neste caso, ninguém

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discutia. Acampamos pertoPoughkeepsie por quase três dias, eagora que decidimos sobre nossodestino, todos nós estavámos ansiosospara chegar lá.

O grupo dividiu-se quando aspessoas começaram a se dispersar emdireção as árvores. Estávamosviajando juntos por um pouco menosde uma semana, mas cada um de nósjá havia assumido um papel diferente.Prego e Pike eram os caçadores;Graúna, Dani, Alex, e se revezavam

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preparando as armadilhas; Lucozinhava e fervia a água. Julianembalava, desembalava e reembalavaas coisas. Outros reparavam roupas eremendavam as tendas. Nos Wilds, aexistência dependia da ordem.

Nisso, os Curados e Incuradosconcordavam.

Eu sigo a atrás de Graúna, queestava andando até um morro, ondehavia uma série de fundaçõesbombardeadas, onde um bloco decasas devia ter existido. Havia

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evidências de guaxinins."Ela está vindo com a gente?"

Eu perguntei."Quem?" Graúna pareceu

surpresa em me ver ao seu lado. "Agarota." Eu tento manter minha vozneutra. "Coral".

Graúna levanta uma sobrancelhapara mim. "Ela não tem muitaescolha, não é? É isso ou elapermanece e morre de fome."

"Mas ..." Eu não podia explicarporque eu sentia, teimosamente, que

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ela não devia ser confiável. "Nós nãosabemos nada sobre ela."

Graúna para de andar. Se virapara mim. "Nós não sabemos nadasobre ninguém", diz ela. "Você nãoentendeu isso ainda? Você não sabenada sobre mim, eu não sei nadasobre você. Você também não sabenada sobre você."

Eu penso sobre Alex - oestranho, a figura de pedra de ummenino que eu pensava que uma vezeu tinha conhecido. Talvez ele não

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tivesse mudado tanto assim. Talvez eununca tivesse realmente conhecidoele.

Graúna suspira e esfrega o rostocom as duas mãos. "Olha, eu quisdizer o que eu disse lá atrás. Estamostodos juntos nessa, e temos que agircomo tal".

"Eu entendo", eu digo. Eu olhopara trás em direção aoacampamento. De longe, o cobertorvermelho envolto sobre ombros deCoral parece chocante, como uma

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mancha de sangue em um piso demadeira polida.

"Eu não acho que vocêentende", diz Graúna. Ela dá umpasso na minha frente, forçando-me aencontrar o seu olhar. Seus olhosestão duros, quase negros. "Isto - oque está acontecendo agora - é aúnica coisa que importa. Não é umjogo. Não é uma piada. Isto é umaguerra. É maior do que você ou eu. Émaior do que todos nós juntos. Nadaimporta mais." Sua voz se suaviza.

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"Lembra-se do que eu sempre tedisse? O passado está morto."

Eu sei, então, que ela estáfalando sobre Alex. Minha gargantacomeça a apertar, mas eu me recuso adeixar Graúna me ver chorar. Eu nãovou chorar por Alex nunca mais.

Graúna começa a andarnovamente. "Vá em frente", ela falapor cima do ombro. "Você deveriaajudar Julian arrumar as barracas."

Eu olho por cima do meuombro. Julian já está com metade das

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barracas desmontadas. Enquanto euvejo, ele desmonta ainda uma outra, eele encolhe para o nada, como umcogumelo brotando no sentido inverso.

"Ele tem tudo sob controle", eudigo. "Ele não precisa de mim." Eume movo para segui-la.

"Confie em mim" Graúna gira aoredor, seu cabelo preto abanandoatrás dela, “ele precisa de você."

Por um segundo, nós apenasficamos ali, olhando uma para a outra.Algo como flashes nos olhos de

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Graúna, uma expressão que eu nãoconsigo decifrar. Um aviso, talvez.

Então ela sutilmente move seuslábios em um sorriso. "Eu ainda estouno comando, você sabe", diz ela."Você tem que me ouvir."

Então eu viro e volto a descer acolina, em direção ao acampamento,para Julian, que precisa de mim.

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Hana

De manhã quando eu acordei,fiquei momentaneamentedesorientada: A sala estava seafogando na luz solar. Devo teresquecido de fechar as cortinas.

Sentei-me, empurrando ascobertas até o pé da minha cama.Gaivotas estavam voando lá fora, e deonde eu estava, eu via o sol tocando agrama de um verde vívido.

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Na minha mesa eu encontreiuma das poucas coisas que mepreocupei em pegar das malas: Pós-Cura, o grosso manual que me foidado depois do meu procedimento,que, de acordo com a introdução,contém as respostas para as perguntas- Mais comuns e incomuns! - sobre oprocedimento e seus efeitos colaterais.

Eu abro rapidamente no capítulosobre sonhos, várias páginas detalham,em termos técnicos chatos, o efeitocolateral da cura: um sono sem

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sonhos. Então eu detecto uma fraseque me faz querer abraçar o livro emmeu peito: "Como temosrepetidamente enfatizado, as pessoassão diferentes, e embora oprocedimento minimize as variaçõesde temperamento e personalidade, háa necessidade de trabalhardiferentemente em todos. Cerca decinco por cento dos Curados aindarelatam ter sonhos."

Cinco por cento. Não era umaquantidade enorme, mas ainda assim,

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não era uma percentagemassustadoramente pequena também.Eu me senti melhor do que eu estavame sentindo há dias. Eu fecho o livro,depois de uma resolução súbita.

Eu irei de bicicleta até a casa deLena hoje.

Eu não estive em qualquer lugarperto de sua casa em Cumberland emmeses. Esta será a minha forma dehomenagear a nossa velha amizade ede colocar para descansar osentimento ruim que me incomodava

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desde que eu vi Jenny. Lena podia tersucumbido à doença, mas em parteera, afinal de contas, culpa minha.

Devia ser por isso que eu aindapensava nela. A cura não suprimiatodos os sentimentos, e era a culpaainda estava me sufocandocompletamente.

Eu irei de bicicleta até a antigacasa e verei que todos estão bem, eentão vou me sentir melhor. Culparequer uma absolvição, e eu ainda nãotinha me absolvido da minha parte em

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seu crime. Talvez, eu acho, eu irei atélevar mais um pouco de café. Sua tiaCarol adorava as coisas.

Então eu vou voltar para aminha vida.

Eu joguei água no meu rosto,peguei um par de jeans e minhafavorita blusa de lã, macia a devido aanos de secadora, e torci o cabelo emum coque bagunçado. Lenacostumava fazer uma cara sempre queeu usava dessa maneira. Desleal, eladiria. Se eu tentasse fazer isso, eu

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ficaria como se um pássaro tivessefeito um ninho na minha cabeça.

"Hana? Está tudo bem?" Minhamãe me chamou do corredor, com avoz abafada, preocupada . Eu abri aporta.

"Tudo bem", eu digo. "Porquê?"

Ela aperta os olhos para mim."Você estava – estava cantando?"

Devo ter cantaroladoinconscientemente. Eu sinto umchoque quente de vergonha.

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"Eu estava tentando pensar naspalavras de uma canção que Fredbrincou comigo", eu digorapidamente. "Eu não me lembro maisdo que algumas palavras."

O rosto de minha mãe relaxa."Eu tenho certeza que você podeencontrá-lo em Lamm," ela diz. Elaestende a mão e segura meu queixo,analisa meu rosto criticamente por umminuto. "Você dormiu bem?"

"Perfeitamente", eu digo. Eu meafasto de sua mão e vou em direção às

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escadas.No andar de baixo, meu pai

estava andando pela cozinha, vestidopara o trabalho, exceto pela gravata.Eu podia dizer só de olhar para o seucabelo que ele estava assistindo aonoticiário fazia um tempo. Desde oano passado, quando o governo emitiusua primeira declaração reconhecendoa existência dos Inválidos, ele insistiaem manter a notícia correndo quaseconstantemente, mesmo quando iasair de casa. Enquanto ele assistia, ele

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torcia o cabelo entre os dedos.No noticiário, uma mulher com

uma boca com um batom laranjaestava dizendo, "cidadãos indignadosinvadiram a delegacia de polícia naState Street nesta manhã, exigindosaber como os Inválidos foramcapazes de se mover livremente pelasruas da cidade para entregar as suasameaças ..."

Sr. Roth, nosso vizinho, estavasentado na mesa da cozinha, girandouma caneca de café entre as mãos.

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Ele estava se tornando uma presençaregular na nossa casa.

"Bom dia, Hana", diz ele, semtirar os olhos da tela. "Olá, Sr. Roth."

Apesar do fato de que os Rothsviverem na casa da frente, e Sra. Rothestava sempre falando sobre as novasroupas que ela comprava para suafilha mais velha, Victoria, eu sabia queeles estavam fazendo um grandeesforço. Nenhum de seus filhos fizeraum emparelhamento particularmentebom, principalmente por causa de um

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pequeno escândalo que envolveuVictoria, e dos rumores de ter sidoforçada a um procedimento logo apósser capturada nas ruas após o toquede recolher. A carreira de Roth parou,e os sinais de dificuldade financeiraestavam lá: Eles não usavam mais ocarro, apesar de ele ainda ficar,brilhando, além do portão de ferro naentrada. E as luzes se apagavam cedo,obviamente, eles estavam tentandoeconomizar eletricidade. Eususpeitava que o Sr. Roth se desfez dequase tudo, porque ele já não tinha

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nem televisão funcionando."Oi, pai", eu digo, enquanto eu

fujo passando pela mesa da cozinha.Ele grunhe para mim em

resposta, agarrando e torcendo outropouco de cabelo. O locutor diz: "Ospanfletos foram distribuídos em umadúzia de áreas diferentes, inclusive emplaygrounds e escolas elementares."

O filme corta para uma multidãode manifestantes em pé nos degrausda prefeitura. Seus sinais ler RETIREnossas ruas e DELIRIA-LIVRE

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AMERICA. O DFA recebeu umamanifestação de apoio desde que oseu líder, Thomas Fineman, foiassassinado na semana passada. Ele jáestá sendo tratado como um mártir, ememoriais para ele surgiram em todoo país.

"Por que ninguém está fazendonada para nos proteger?" Um homemestava falando em um microfone. Eletinha que gritar acima do barulho dosoutros manifestantes. "A políciadeveria manter-nos a salvo desses

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lunáticos. Em vez disso eles estãofervilhando nas ruas. "

Eu me lembrei do quão frenéticaeu estava para me livrar do passageirona noite passada, como se issosignificasse que ele nunca tivesseexistido. Mas, claro, os Inválidos nãonos visavam especificamente.

"É ultrajante!" Meu pai explode.Eu o vi levantar a voz apenas duas outrês vezes na minha vida, e ele sótinha se alterado totalmente uma vez:quando anunciaram os nomes das

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pessoas que tinham sido mortasdurante os ataques terroristas, e FrankHargrove, pai do Fred - estava entreos listados como mortos. Estávamostodos assistindo TV na sala e, derepente, meu pai virou-se e jogou ocopo contra a parede. Foi tãochocante, minha mãe e eu sóconseguimos olhar para ele. Eu nuncavou esquecer o que ele disse naquelanoite: Amor Deliria Nervosa não éuma doença de amor. É uma doençade egoísmo. "Qual é o objetivo daAdministração de Segurança Nacional

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se -"Mr. Roth corta "Vamos, Rich,

sente-se. Você está ficandochateado."

"Claro que eu estou chateado.Estas baratas ..."

Na despensa, caixas de cereaise sacas de café estavam alinhadasperfeitamente em múltiplos. Euescondi um saco de café debaixo dobraço e reorganizo os outros para quea diferença não seja perceptível. Entãoeu pego um pedaço de pão e passo

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um pouco de manteiga de amendoimsobre ele, embora a notícia tenhaquase completamente matado minhafome.

Eu passo de volta através dacozinha e estou no meio do corredorquando meu pai vira e me pergunta:"Onde você está indo?"

Eu inclino meu corpo para longedele, de modo que o saco de café nãoesteja visível. "Eu pensei em ir a umpasseio de bicicleta," eu digobrilhantemente.

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"Um passeio de bicicleta?" Meupai repete.

"O vestido de noiva está ficandoum pouco apertado." Eu gesticuloexpressivamente com o pedaço de pãodobrado. “Engordei com o estresse,eu acho." Pelo menos a minhacapacidade de mentir não mudoudesde a minha cura.

Meu pai franze o cenho. "Bastaficar longe do centro da cidade, ok?Houve um incidente na noitepassada..."

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"Vandalismo", diz Roth. "Nadamais que isto".

Agora, a televisão estavamostrando imagens dos incidentesterroristas em janeiro: o colapsorepentino do lado oriental das Criptas,capturado por uma câmera de mãocom imagem granulada; o incêndio naprefeitura, as pessoas saindo dosônibus parados e correndo,apavorados e confusos, pelas ruas,uma mulher agachada na baía, ovestido esvoaçante atrás dela em

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ondulações, gritando que o julgamentochegou, uma massa de pó flutuantesoprando por toda a cidade,transformando tudo em giz branco.

"Isto é apenas o começo", meupai responde bruscamente. "Eles,obviamente, querem passar que amensagem é um aviso."

"Eles não serão capazes defazer qualquer coisa. Eles não sãoorganizados."

"Isso foi o que todo mundo disseno ano passado, também, e acabamos

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com um buraco nas Criptas, umprefeito morto, e uma cidade cheia depsicopatas. Você sabe quantos presosescaparam naquele dia? Trezentos".

"Nós já reforçamos a segurançadesde então", disse Roth insiste.

"A segurança não impediu queos Inválidos tratassem Portland comoum escritório gigante ontem à noite.Quem sabe o que poderia acontecer?"Ele suspira e esfrega os olhos. Então,ele se vira para mim. "Eu não queroque minha única filha seja explodida

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em pedaços.""Eu não vou ir para o centro,

pai", eu digo. "Vou ficar fora dapenínsula, ok?" Ele balança a cabeçae volta para a televisão.

Lá fora, eu fico na varanda ecomo o meu pão com uma mão,mantendo o saco de café debaixo domeu braço. Eu percebo, tarde demais,que eu estou com sede. Mas eu nãoquero voltar para dentro.

Ajoelho-me, transfiro o cafépara a minha velha mochila - ainda

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cheirando, levemente, como a gomade morango que eu costumavamastigar - enfio o boné de basebolsobre o meu rabo de cavalonovamente. Coloco meus óculos desol também. Eu não estavaparticularmente com medo de serdescoberta pelos fotógrafos, mas nãoqueria correr o risco de encontraralguém que eu conhecia.

Eu pego a minha bicicleta dagaragem e levo-a até a rua. Todomundo diz que andar de bicicleta era

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uma habilidade que ficava com vocêpara sempre, mas por um momento,depois de eu subir no banco eubalanço descontroladamente, comouma criança aprendendo a andar.Após alguns segundos, oscilando, euconsigo encontrar meu equilíbrio. Eudireciono a bicicleta para baixo ecomeço a descer no acostamento paraBrighton Court, em direção à guaritada fronteira de Farms WoodCove.

Havia algo de reconfortantesobre o tic-tic-tic das minhas rodas

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contra o asfalto, e a sensação do ventono meu rosto, cru e fresco. Eu nãotinha o mesmo sentimento que eucostumava ter ao correr, mascertamente trazia um contentamento,como se estivesse deitando em lençóislimpos no final de um longo dia.

O dia esta perfeito, brilhante, esurpreendentemente frio. Em um diacomo hoje, parecia impossívelimaginar que metade do país estavamarcado pelo surgimento dos não-curados, que os Inválidos estavam

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correndo como esgoto através dePortland, espalhando uma mensagemde paixão e violência. Pareciaimpossível imaginar que alguma coisaestava errada no mundo todo. A trilhade amores-perfeitos acena para mim,como se estivesse de acordo, quandoeu passo por elas, ganhandovelocidade, deixando a inclinaçãolevar-me para a frente. Eu deslizoatravés dos portões de ferro e passo oportão sem parar, levantando a mãoem um gesto de saudação rápida,embora eu duvide Saul me reconheça.

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Fora de Farms WoodCove, obairro muda rapidamente. Terrenos depropriedade do governo dividem comespaços decadentes, e eu passo portrês ruas de trailers em uma linha, queestavam lotados com churrasqueiras acarvão ao ar livre e fogueiras, eenvolto por mais de um filme defumaça e cinzas, já que as pessoasque viviam ali usam a eletricidade sócom moderação.

A Avenida Brighton me guiapara a península, e tecnicamente

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através da fronteira e para o centro dePortland. Mas a prefeitura, e oconjunto de edifícios municipais elaboratórios, onde as pessoas sereuniam para protestar, ainda estava avários quilômetros de distância. Osedifícios distantes do Porto Velho nãoeram mais do que uns poucosandares, e intercaladas com cantossujos, lavanderias baratas, igrejasacabadas e postos de gasolina delongo abandono.

Eu tento me lembrar da última

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vez que fui para a casa de Lena, emvez de ela ir a minha, mas tudo que euvejo é um misturado dos anos e dasimagens, o cheiro de ravióli enlatado eleite em pó. Lena estava envergonhadapor sua casa apertada e por suafamília. Ela sabia o que as pessoasdiziam. Mas eu sempre gostava de irpara a casa dela. Eu não sei por que.Eu acho que naquele tempo era abagunça que me atraia - as camasamontoadas juntas na sala do andar decima, os aparelhos que nãofuncionavam corretamente, fusíveis

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que estavam sempre de desligando, amáquina de lavar que estavaenferrujada, sendo usada apenascomo um lugar para guardar roupasde inverno.

Mesmo que tenha se passadooito meses, eu encontro o caminhopara a antiga casa de Lena facilmente,até lembrando do atalho através doparque de estacionamento que fazia oretorno para Cumberland.

Até este ponto, estou suando, eparo minha bicicleta algumas portas

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abaixo da casa dos Tiddles, lutando omeu boné e passando a mão pelo meucabelo, para então eu pelo menosparecer semi-apresentável. Uma portabate na rua, e uma mulher surge emsua varanda, que está cheia de móveisquebrados e até mesmo,misteriosamente, um assento sanitáriomanchado de ferrugem. Ela estácarregando uma vassoura, e elacomeça a varrer para trás e parafrente, para trás e para a frente, sobreos mesmas seis polegadas de varanda,com os olhos fixos em mim.

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O bairro está pior, muito pior,do que costumava ser. Metade dosedifícios estão vazios. Eu me sintocomo um mergulhador em um novosubmarino, mergulhando através deum navio naufragado. Cortinas mexemnas janelas, e eu tenho uma sensaçãode olhos invisíveis seguindo o meuprogresso na rua e raiva, também,fervendo dentro de toda a tristeza dascasas decadentes.

Eu começo a me sentirincrivelmente estúpida por ter vindo.

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O que vou dizer? O que podia dizer?Mas agora que estava tão perto,

eu não podia voltar até que eu vejo: onúmero 237, antiga casa de Lena. Tãologo que levo minha bicicleta até oportão, eu posso dizer que a casa estaabandonada por algum tempo. Váriastelhas estão faltando no telhado e asjanelas foram tapadas com madeira dacor de fungo. Alguém pintou umgrande X vermelho sobre a porta dafrente, um símbolo de que a casaestava abrigando doença.

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"O que você quer?"Eu giro ao redor. A mulher na

varanda parou de varrer, ela detém avassoura em uma mão e blinda seusolhos com a outra.

"Eu estava procurando osTiddles", eu digo. Minha voz soamuito alto na rua aberta. A mulher semantém olhando para mim. Eu meforço a aproximar-me dela,empurrando minha bicicleta para ooutro lado da rua e até o seu portão,apesar de algo dentro de mim

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repugnar, me dizendo para ir embora.Eu não pertenço aquele lugar.

"Tiddles se foram no anopassado", diz ela, e começa a varrernovamente. "Eles não eram mais bem-vindos por aqui. Não depois do" - Elapara de falar de repente. "Bem. Dequalquer forma. Não sei o queaconteceu com eles, e não meimporto, também. Eles podemapodrecer nas Highlands, tanto quantoeu estou preocupada. Arruinando obairro, tornando tudo difícil para todo

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mundo.""É para onde eles foram?"

Aproveito o pequeno pedaço deinformação. "Para DeeringHighlands?"

Instantaneamente, eu possodizer que eu coloquei-a em suaguarda. "O que te interessa?", Diz ela."Você é da Guarda da Juventude oualgo assim? Esta é uma boavizinhança, um bairro limpo." Elagolpeia na varanda com sua vassoura,como se estivesse tentando conter os

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insetos invisíveis. "Leio o manualtodos os dias e faço todas as revisões,assim como qualquer outra pessoa.Mas ainda assim as pessoas vêmcutucando e forçando, cavandoproblemas"

"Eu não sou do DFA," Eu digopara tranqüilizá-la. "E eu não estoutentando causar problemas."

"Então o que você está tentandofazer?" Ela aperta os olhos para mimde perto, e eu vejo uma centelha dereconhecimento em seu rosto. "Ei.

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Você esteve aqui antes ou algo assim?"Não", eu digo rapidamente, e

aperto o boné de volta na minhacabeça. Não vou encontrar mais ajudaaqui, eu sabia.

"Tenho certeza que te conheçode algum lugar", diz a mulher quandoeu subo em minha bicicleta. Eu seique ela vai lembrar a qualquermomento: Essa é a garota que vaicasada com Fred Hargrove.

"Você não me conhece", eudigo, e eu empurro para a rua.

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Eu deveria deixar isso pra lá. Eusei que eu deveria deixá-lo ir. Mas,mais do que nunca, eu tenho umdesejo de ver a família de Lenanovamente. Eu preciso saber o queaconteceu desde que ela os deixou.

Eu não ia para DeeringHighlands desde o verão passado,quando Alex, Lena, e eucostumávamos sair na 37 Brooks, umadas muitas casas abandonadas dobairro. 37 Brooks foi onde Lena eAlex foram pegos pelos reguladores, e

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a razão pela qual tentaram de últimahora, uma fuga mal planejada.

Deering Highlands, também,estava ainda mais degradado do queeu me lembrava. O bairro foipraticamente abandonado anos atrás,depois de uma série de falências naárea pegou a reputação de sercontaminado. Quando eu erapequena, as crianças mais velhas ousavam para contar histórias defantasmas dos Incuráveis que tinhammorrido de amor deliria nervosa e

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ainda vagavam pelas ruas. Nóscostumávamos desafiar uns aos outrospara ir para as Highlands e colocar amão sobre os edifícios abandonados.Você tinha que manter a sua mão lápor dez segundos, tempo suficientepara que a doença se infiltrasseatravés de seus dedos.

Lena e eu fizemos juntas umavez. Ela se acovardou depois dequatro segundos, mas eu esperei todosos dez segundos, contandolentamente, e alto, assim para que as

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meninas que estavam assistindopudessem ouvir. Eu fui a heroína dasegunda série por duas semanasinteiras.

No verão passado, houve umataque a uma festa ilegal nasHighlands. Eu estava lá. Deixei StevenHilt inclinar e sussurrar para mim,com a boca batendo contra a minhaorelha.

Foi um dos quatro festas ilegaisque eu participei desde a graduação.Lembro-me de como fiquei

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entusiasmada me esgueirando pelasruas, muito depois do toque derecolher, meu coração quase saindopela boca, e como Angelica Marston eeu nos encontramos no dia seguintepara rir de como tínhamos ido emfrente com isso. Falávamos emsussurros sobre o beijo eameaçávamos fugir para a floresta,como se fôssemos as meninas falandosobre o país das Maravilhas.

Esse era o ponto. Era coisa decriança. Um grande jogo de faz-de-

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conta.Isso nunca deveria ter

acontecido para mim, para Angie, oupara qualquer outra pessoa. Edefinitivamente não era paraacontecer a Lena.

Após a invasão, o bairro foioficialmente recuperado pela cidadede Portland, e várias casas foramdestruídas. O plano era a criação denovos condomínios de baixa rendapara alguns dos trabalhadoresmunicipais, mas a construção parou

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após os incidentes terroristas, equando eu passava para o Highlands,tudo o que via era entulho: buracos nochão, e as árvores derrubadas e comsuas raízes expostas ao céu, sujeira,terra revirada, e os sinais de metalenferrujado declarando uma área dedifícil acesso.

Era tão tranquilo que até mesmoo som das minhas rodas se emsobrecarga. Um pensamento me vem,de repente, espontaneamente -silenciosa através da sepultura eu vou

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eu, ou então sob as sepulturas euminto - a velha rima sussurramosquando somos crianças quandopassamos por um cemitério.

Um cemitério: Isso é exatamenteo que o Highlands parece agora.

Subo a minha bicicleta e inclino-me contra uma placa de rua antiga,que aponta o caminho para a AvenidaMaple, outra rua de grandes bacias,esculpidos de terra escura e árvoresarrancadas.

Eu ando na Maple por um

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momento, sentindo-me cada vez maisestúpida. Não havia ninguém aqui.Isso era óbvio. E Deering Highlandsera um bairro enorme, umemaranhado de pequenas ruas semsaída. Mesmo que a família de Lenaesteja escondida em algum lugar poraqui, não vou necessariamenteencontrá-los.

Mas meus pés continuam semantendo um em frente do outro,como se controlado por algo diferentedo que o meu cérebro. O vento varre

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silenciosamente ao longo dos muitoslotes nus, e o ar cheira a podridão. Eupasso por uma fundação antiga,exposta ao ar, e isso me lembra,estranhamente, dos raios-X que meudentista usou para me mostrar:estruturas de dentes cinzentos, comose fosse uma mandíbula aberta epregada ao chão.

Então eu sinto o cheiro: fumaçade madeira, fraca, mas definitiva,enfiada debaixo dos outros cheiros.Alguém está fazendo uma fogueira.

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Eu viro à esquerda no próximocruzamento e começo a descerWynnewood Road. Este era oHighlands que eu me lembro doúltimo verão. Aqui as casas não foramdemolidas. Elas ainda aparecem,sombrias e vagas, atrás de suportesgrossos de antigos pinheiros.

Minha garganta começa aapertar e soltar, apertar e soltar. Eunão posso estar longe de 37 Brooksagora. Eu tenho um terror repentinode entrar através disso.

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Eu tomo uma decisão: Se eu forpara Brooks Street, será um sinal deque eu deveria voltar. Eu vou voltarpara casa, eu vou esquecer estamissão ridícula.

"Mamãe, mamãe... ajude-me achegar em casa..."

A voz melodiosa me pára. Eufico parada por um minuto, segurandoa minha respiração, tentando localizara fonte do som.

"Eu estou na floresta, eu estousozinha..."

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As palavras são de uma velhacanção de ninar sobre os monstrosque foram espalhados para viver nasflorestas. Vampiros. Lobisomens.Inválidos.

Só que os Inválidos, ao queparece, são reais.

Eu saio da estrada e vou para agrama, tecendo através das árvoresque margeiam a rua. Eu movo-melentamente, tomando cuidado paratocar meus dedos levemente no chãoantes de mudar meu peso para frente,

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a voz é tão silenciosa, tão fraca.A estrada vira uma esquina, e eu

vejo uma menina de cócoras no meioda rua, em uma grande mancha desol, o cabelo escuro pegajosopendurado como uma cortina nafrente de seu rosto. Ela tem todos osossos. Seus joelhos são como duasvelas espetadas.

Ela está segurando uma bonecasuja em uma mão e um pedaço de pauna outra. Seu fim é talhado para umponto. A boneca tem cabelos feitos de

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fios emaranhados amarelo e olhos debotões pretos, embora apenas umdeles ainda está ligado ao seu rosto.Sua boca não é mais do que um pontode fio vermelho, também desfilado.

"Eu conheci um vampiro, umantigo destroço podre ..."

Eu fecho meus olhos, quando oresto das linhas da rima, voltam paramim.

Mamãe, mamãe, me coloca nacama

Eu não vou fazer disso casa, eu

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já estou meio mortaEu conheci um inválido, e caí

em sua arteEle me mostrou o seu sorriso, e

foi direto para o meu coração.Quando abro meus olhos

novamente, ela olha para cima, deforma breve, quando ela apunhala o arcom sua estaca improvisada, como separa afastar um vampiro. Por ummomento, tudo em mim se acalma. ÉGrace, prima mais nova de Lena.Prima favorita de Lena.

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É Grace, que nunca, nunca disseuma palavra a ninguém, nem uma veznos últimos seis anos, vi a crescerdesde bebê.

"Mamãe, me colocou nacama..."

Mesmo que seja fresco, àsombra das árvores, uma gota de suorse reuniu entre os meus seios. Euposso sentir isso traçando seucaminho até meu estômago.

"Eu conheci um inválido, e caína sua arte...”

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Agora ela leva o pau e começa atrabalhar contra o pescoço da boneca,como se fizesse uma cicatrizprocessual. "feitiço de Segurança,Saúde e Felicidade Shh", ela entoamonotonamente.

Sua voz esta um pouco mais altaagora, uma canção de ninar ecoa."Shh. Seja uma boa menina. Isto nãovai doer nada, eu prometo."

Eu não posso ver mais. Ela estáapontando para o pescoço flexível daboneca, fazendo a sua cabeça

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estremecer em resposta como seestivesse acenando sim. Eu passo parafora das árvores.

"Gracie", eu chamo-lhe.Inconscientemente, eu estendo umbraço, como se eu estivesse meaproximando de um animal selvagem.

Ela congela. Eu dou mais umpasso cuidadoso em sua direção. Elaestá segurando a vara em sua mãocom tanta força que os nós dos dedosestão brancos.

"Grace." Eu limpo minha

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garganta. "Sou eu, Hana. Eu sou umaamiga - eu era uma amiga de suaprima, Lena".

Sem aviso, ela está em cima deseus pés e correndo, deixando aboneca e a vara para trás.Automaticamente, eu começo a correre vou atrás dela depois que ela desce arua.

"Espere", eu falo. "Por favor, eunão vou te machucar."

Grace é rápida. Ela já colocou a50 metros de distância entre nós. Ela

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desaparece em uma esquina, e nahora que eu chego lá, ela se foi.

Eu paro de correr. Meu coraçãobate forte na minha garganta, e há umgosto ruim na minha boca. Eu tiromeu boné e passo a mão no suor natesta, sentindo-me como umacompleta idiota.

"Estúpida", eu digo em voz alta.Porque isso me faz sentir melhor,repito, um pouco mais alto,"estúpida".

Há um risinho em algum lugar

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atrás de mim. Eu giro em torno:ninguém. O cabelo arrepia no meupescoço, de repente, tenho a sensaçãode que estou sendo vigiada, e ocorre-me que, se a família de Lena estáaqui, deve haver outros, também.Percebo que as cortinas de chuveirode plástico barato estão penduradasnas janelas da casa do outro lado darua, ao lado dele tem um quintal comcamadas de detritos de plásticosbrinquedos e banheiras e blocos deconstrução de plástico, mas dispostasordenadamente, como se alguém

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estivesse recentemente jogando lá.Sentindo-me de repente

autoconsciente, eu recuo para aproteção das árvores, mantendo meusolhos na rua, a verificação de sinais demovimento.

"Nós temos o direito de estaraqui, você sabe."

A voz sussurrada vemdiretamente atrás de mim. Eu giro aoredor, tão assustada que por ummomento eu posso falar. Uma meninaacaba de sair das árvores. Ela olha

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para mim com grandes olhoscastanhos. "Willow?", eu sufoco.

Suas pálpebras piscam. Se elame reconhece, ela não demonstraisso. Mas era definitivamente ela –Willow Marks, minha antiga colega,que foi tirada da escola antes dagraduação, depois de rumorescircularam de que ela tinha sidoencontrada com um menino, um nãocurado, em Deering Oaks Park após otoque de recolher.

"Nós temos direito", ela repete,

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no mesmo sussurro urgente. Ela torcesuas finas e longas mãos juntas. "Umaestrada e um caminho para todos ...Essa é a promessa da cura ...."

"Willow." Eu dou um passo paratrás e quase tropeço em mim mesma."Willow, sou eu. Hana Tate. Tivemosmatemática juntas no ano passado.Classe do Sr. Fillmore. Lembra-se?"

Suas pálpebras vibram. Seucabelo esta longo e irremediavelmenteemaranhado. Eu me lembro de comoela costumava pintar de listras de

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cores diferentes. Meus pais sempredisseram que ela iria entrar emapuros. Eles me disseram para ficarlonge dela.

"Fillmore, Fillmore", ela repete.Quando ela vira a cabeça, vejo que elatem a marca processual de trêspontas, e eu me lembro que ela foitirada abruptamente da escola apenaspoucos meses da formatura: Todomundo disse que os pais dela aobrigaram a fazer o procedimentomais cedo. Ela franze a testa e

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balança a cabeça. "Eu não sei ... Eunão sei ..." Ela traz as unhas à boca, eeu vejo que suas cutículas estão roídasem pedaços.

Meu estômago surta. Eu precisosair daqui. Eu nunca deveria ter vindo.

"É bom ver você, Willow", eudigo. Eu começo andar lentamente aoseu redor, tentando não me movermuito rapidamente, embora eu estejadesesperada para entrar em umacorrida.

De repente, Willow se aproxima

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e coloca um braço em volta do meupescoço, me puxando para perto,como se ela quisesse me beijar. Eugrito e tenciono contra ela, mas ela ésurpreendentemente forte.

Com uma das mãos, ela começaa sentir o seu caminho em meu rosto,cutucando minhas bochechas equeixo, como uma pessoa cega. Asensação de suas unhas em minhapele me faz pensar em pequenosroedores com garras afiadas.

"Por favor." Para meu horror,

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eu acho que estou quase chorando.Minha garganta está com espasmos, omedo faz com que seja difícil respirar."Por favor, deixe-me ir."

Seus dedos encontrar minhacicatriz processual. De uma só vez,ela parece esvaziar. Por um segundo,os olhos estalam em foco, e quandoela olha para mim, eu vejo a velhaWillow: inteligente e desafiadora e,agora, neste momento, derrotada.

"Hana Tate", diz ela, comtristeza. "Eles pegaram você também."

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Então ela me libera, e eu corro.

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Lena

Coral nos atrasa. Ela não tinhaferimentos visíveis, agora que ela selavou e teve vários cortes e arranhõesenfaixados, mas ela obviamente estavafraca. Ela caia para trás, assim quecomeçava a se mover, e Alex asegurava pela cintura. No início dodia, mesmo que eu tentasse ignorar,eu podia ouvir a conversa tecendo-seatravés das outras vozes. Uma vez, eu

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ouvi Alex até soltar uma gargalhada.Na parte da tarde, nos

deparamos com um grande carvalho.Seu tronco foi arrancado e cortado emvárias linhas. Eu soltei um grito dereconhecimento assim que eu vi: umtriângulo, seguido por um número euma seta rudimentar. Era o sinal deBram, a série específica de marcasque ele usou durante a mudança dolar no norte ano passado para marcaro nosso progresso e nos ajudar aencontrar nosso caminho de volta na

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primavera.Esta marca me lembrava

especificamente, indicava o caminhopara uma casa com a qual nosdeparamos ano passado, intacta ehabitada por uma família de Inválidos.Graúna devia reconhecê-la também.

"Bingo", disse ela, sorrindo.Em seguida, ela levantou sua voz parao grupo. "Este é o caminho para umtelhado!" Houve gritos e exclamações.Apenas uma semana fora dacivilização nos fazia desejar as coisas

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mais simples: telhados e paredes ebanheiras cheias de vapor de água.Sabonete.

Estamos a menos de umquilômetro da casa, e quando eu vi umtelhado de duas águas, coberto poruma pele de marrom e emaranhadahera, meu coração pulou. A Selva -tão vasta e mutável, por issodesorientadora - também nos faziasonhar com o familiar.

Eu expliquei para Julian,"Paramos aqui no último Outono.

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Durante a viagem para o sul dePortland. Eu me lembro daquelajanela quebrada - vê como elesremendaram com madeira? E apequena chaminé de pedraespreitando por cima da hera."

Percebo, porém, que a casaestá mais degradada do que estava háseis meses. Sua fachada de pedra estámais escura, revestida com umasuperfície lisa de bolor negro quegrudou na calafetagem. A pequenaclareira ao redor da casa, onde no ano

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passado nós armamos nossasbarracas, está cheia de grama altamarrons e plantas espinhosas.

Não havia fumaça saindo dachaminé. Devia estar frio dentro dacasa, sem o fogo aceso. No Outonopassado, as crianças correram paranos receber quando estávamos a meiocaminho da porta da frente. Elasestavam sempre fora, rindo e gritando,provocando uns aos outros. Agora,havia calma e silêncio, exceto o ventoatravés da hera, num suspiro lento.

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Eu comecei a me sentirdesconfortável. Os outros devemsentir isso também. Nós andamos oúltimo quilômetro rapidamente, nosmovendo juntos como um grupogrande, impulsionados pela promessade uma verdadeira refeição, umespaço interior, a chance de nossentirmos como humanos. Mas agoratodo mundo ficou em silêncio.

Graúna chegou primeiro àporta. Ela hesitou com o punholevantado, então ela bateu. O som é

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oco e ecoa na quietude. Nadaaconteceu.

"Talvez estejam caçando", eudigo. Estou tentando acabar com opânico que estava se construindo, asensação de medo. Eu costumavaficar assim sempre que eu passavapelo cemitério em Portland. Melhor irmais rápido, Hana costumava dizer,ou eles vão chegar e agarrar seustornozelos.

Graúna não responde. Elacoloca a mão na maçaneta e gira. A

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porta se abre.Ela se vira para Prego. Ele

empunha seu rifle e passa na frentedela, entrando na casa. Graúna parecealiviada por ele assumir a liderança.Ela tira uma faca do cinto que ela usaem seus quadris e segue-o paradentro. O resto de nós segue atrásdeles.

Tinha um cheiro terrível. Umpouco de luz penetra na escuridão,derramando-se pela porta aberta eperfurando as ripas de madeira que

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cobrem a janela quebrada. Nóspodemos apenas ver os contornos nusdo mobiliário, muitos dos quaisquebrados ou tombados. Alguém soltaum grito.

"O que aconteceu?" Eusussurro. Julian encontra a minha mãona escuridão e aperta. Ninguémresponde. Prego e Graúna se movemmais para dentro da sala, seus sapatosesmagando vidro quebrado. Pregoaponta seu rifle e atira contra as ripasde madeira da janela, elas se quebram

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facilmente, e o fluxo de luz enche oambiente.

Não era de admirar quecheirasse tão mal, havia comida,apodrecida, derramando de umapanela de cobre caída. Quando eu douum passo adiante, os insetos corrempara os cantos. Eu luto contra umaonda de náusea. "Deus", murmuraJulian.

"Vou ver o andar de cima",disse Prego, em um volume normal, oque me faz saltar. Alguém clica em

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uma lanterna, e o feixe varre o chãocheio de lixo. Então eu me lembro queeu também tenho uma lanterna, e euvasculho minha mochila por ela.

Eu movo-me com Julian para acozinha, mantendo a lanterna naminha frente, rígida, como se ela fossenos proteger. Há mais sinais de lutaaqui, alguns frascos de vidroquebrados, mais insetos e comidapodre. Puxo minha manga até o meunariz e respiro através dela. Eu passoo feixe de luz sobre as prateleiras da

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despensa. Elas ainda estão bemabastecidas: potes de legumes emconserva e carnes estão alinhadasordenadamente ao lado de feixes decarne seca. Os potes estão etiquetadoscom letra simples, escrito à mão queidentifica os seus conteúdos, e eu sintouma vertigem súbita, um balançoselvagem, quando eu me lembro deuma mulher com cabelo vermelho-fogo, curvando um frasco com umacaneta, sorrindo, dizendo: Não háquase nenhum papel. Logo teremosque adivinhar o que é o quê.

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"Livre", Prego anuncia. Nós oouvimos batendo lá embaixo, e Julianme puxa pelo pequeno corredor e noquarto principal, onde a maioria dogrupo ainda está reunido.

"Carniceiros de novo?" Gordopergunta rispidamente. Prego passa amão pelo cabelo.

"Eles não estavam à procurade comida ou suprimentos", eu digo."A despensa ainda está abastecida."

"Talvez não fossemCarniceiros, então", diz Bram. "Talvez

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a família tenha apenas saído.""O quê? E destruiu o lugar

antes que eles se afastassem?" Pregochuta um copo de metal. "E deixarama sua comida para trás?"

"Talvez eles estivessem compressa," Bram insiste. Mas eu possodizer que nem ele não acredita nisso,a atmosfera na casa esta rançosa,errada. Esta é uma casa onde algomuito ruim aconteceu, e todos nóspodemos sentir isso.

Eu vou em direção à porta e

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saio para a varanda, inalando o cheirolimpo e perfumado do espaço aberto.Eu gostaria que não tivéssemos vindo.

Metade do grupo já se retiroupara o lado de fora. Dani está semovendo lentamente pelo pátio,separando as gramíneas com umamão - procurando o quê, eu não sei -como se ela estivesse vasculhandoágua na altura do joelho. Da parte detrás da casa ouço conversa, então avoz de Graúna, elevando-se acima doruído. "Volte, volte. Não vá lá. Eu

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disse, não vá lá."Meu estômago aperta. Ela

encontrou algo.Ela vem em torno do lado da

casa, sem fôlego. Seus olhos estãoreluzentes, brilhantes, com raiva. Mastudo o que ela diz é: "Eu osencontrei." Ela não tem que dizer queeles estão mortos.

"Onde?" Eu sussurro."Na parte inferior da colina",

diz ela laconicamente, então ela meempurra para trás, de volta para a

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casa. Eu não quero voltar para dentro,para o cheiro e as trevas e a finacamada de morte que cobre tudo -que é o que isso é, coisa ruim, silênciodo mau - mas eu volto.

"O que você achou?" Pregopergunta. Ele ainda está de pé nomeio da sala. Todos o rodeiam em umsemicírculo, congelados, quietos, epor um momento, quando eu entronovamente na sala, eu tenho aimpressão de estátuas cinzeladas emcinza claro.

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"Evidência de fogo", Graúnadiz, em seguida, acrescenta, umpouco mais calma,"ossos".

"Eu sabia." A voz de Coral soaalta e um pouco histérica. "Elesestavam aqui. Eu sabia."

"Eles foram embora agora",Graúna diz suavemente. "Eles nãovoltarão."

"Não foram Carniceiros."Todos nós vasculhamos ao

redor. Alex está de pé na porta. Algovermelho - uma fita, ou tira de tecido -

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está enrolado livremente em seupunho.

"Eu lhe disse para não ir láembaixo", diz Graúna. Ela estáolhando para ele - mas debaixo daraiva, eu vejo o medo também.

Ele a ignora e passa para oambiente, agitando o tecido quandoele anda, segurando-o para nósvermos: É uma longa tira de fita deplástico vermelho. Em intervalos estáimpressa uma imagem de uma caveirae ossos cruzados, e as palavras

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CUIDADO: PERIGO BIOLÓGICO."Toda a área está isolada", diz

Alex. Ele mantém sua face neutra,mas sua voz tem uma qualidadeestrangulada, como se estivessefalando através de um silenciador.

Agora eu me sinto como umaestátua. Eu quero falar, mas minhamente está em branco.

"O que significa isso?",pergunta Pike. Ele morava na Selvadesde que era uma criança. Ele nãosabia quase nada sobre a vida dentro

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dos lugares limitados - sobre osreguladores e as iniciativas de saúde,as quarentenas e as prisões, ostemores de contaminação.

Alex se vira para ele. "Osinfectados não são enterrados. Elessão ou separados, nos pátios dasprisões, ou eles são queimados." Porapenas um segundo, os olhos de Alexescorregam para os meus. Eu sou aúnica pessoa aqui que sabe que ocorpo do seu pai foi enterrado nopequeno pátio da prisão das Criptas,

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sem marcação, sem celebração; eusou a única pessoa que sabe que háanos Alex visitou o túmuloimprovisado e escreveu o nome do seupai em uma pedra, para impedir de elefosse esquecido. Sinto muito, eupassar para ele, mas seus olhos já seafastaram de mim.

"Isso é verdade, Graúna?"Prego pergunta bruscamente.

Ela abre a boca, em seguida,fecha-a novamente. Por um segundoeu acho que ela vai negar. Mas,

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finalmente, ela diz, em tom deresignação, "isso parece coisa dosreguladores".

Há uma inspiração coletiva."Foda-se", murmura Hunter.

Pike diz: "Eu não acreditonisso."

"Reguladores..." Julian repete."Mas isso significa que..."

"A Selva não é mais segura",eu termino por ele. O pânico estáconstruindo agora, coroando no meupeito. "A Selva não é mais nossa."

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"Feliz agora?" Graúna perguntaa Alex, atirando-lhe um olhar sujo.

"Eles tinham que saber", dizele laconicamente.

"Tudo bem." Prego ergue suasmãos. "Acalmem-se. Isso não mudanada. Nós já sabíamos que osCarniceiros estavam à espreita. Nósvamos ter que estar em guarda.Lembrem-se, os reguladores nãoconhecem a Selva. Eles não estãoacostumados com deserto ou territórioaberto. Esta é a nossa terra".

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Eu sei que Prego está fazendoo seu melhor para nos tranquilizar,mas ele está errado sobre uma coisa:Alguma coisa mudou. Uma coisa eranos bombardear dos céus. Mas osreguladores estavam quebrando asbarreiras, reais e imaginárias, queestavam mantendo nossos mundosseparados. Eles rasgaram o tecido dainvisibilidade que nos camuflava poranos.

De repente, eu me lembro deuma vez voltando para casa que

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encontrei um guaxinim que, dealguma forma conseguiu entrar nacasa da tia Carol e mastigou todas ascaixas de cereais, espalhandomigalhas em cada cômodo. Nós oencurralamos no banheiro e tioWilliam atirou, dizendo queprovavelmente ele tinha uma doença.O guaxinim tinha deixado migalhasem meus lençóis; ele tinha subido naminha cama. Lavei os lençóis trêsvezes antes de eu dormir neles denovo, e mesmo assim eu tive sonhoscom pequenas garras cavando minha

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pele."Vamos limpar um pouco

dessa bagunça", diz Prego. "Nósvamos abrigar o maior número depessoas dentro do possível. O resto vaiacampar no terreno."

"Nós vamos ficar aqui?" Julianexplode.

Prego olha para ele rígido."Por que não?"

"Porque..." Julian olhaimpotente para todo mundo. Ninguémencontra seu olhar. "As pessoas foram

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mortas aqui. É apenas... errado.""O que é errado é voltarmos

para a Selva quando temos um teto, euma despensa abastecida comalimentos, e melhores armadilhas aquido que os pedaços de lixo queestamos usando", diz Pregobruscamente. "Os reguladoresestiveram aqui uma vez. Eles não vãovoltar. Eles fizeram o seu trabalho naprimeira vez."

Julian olha para me pedirajuda. Mas eu conheço Prego muito

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bem, e conheço a Selva também. Eusó balanço minha cabeça para Julian.Não discuta.

Graúna diz: "Vamos tirar ocheiro mais rápido quebrando maisalgumas janelas." "Há lenha cortadaempilhada lá atrás", diz Alex. "Euposso acender uma fogueira."

"Tudo bem, então." Prego nãoolha para Julian novamente. "Estáresolvido. Acampamos aqui estanoite."

Nós juntamos os detritos. Eu

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tento não olhar muito para as taçasquebradas, as cadeiras lascadas, oupensar sobre o fato de que seis mesesatrás eu me sentei nelas, quente ealimentada.

Nós esfregamos o chão comvinagre que encontramos nosarmários, e Graúna reúne algumaservas secas do pátio externo equeima-as nos cantos, até que oaroma doce asfixie e o cheiro depodridão é finalmente expulso.

Graúna envia-me com algumas

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pequenas armadilhas e Julian sevoluntaria para vir comigo. Eleprovavelmente está procurando umadesculpa para ficar longe de casa. Euposso dizer que, mesmo depois quevocê limpa os quartos de quase todasas provas da luta, ele ainda estavadesconfortável.

Nós caminhamos em silênciopor um pouco, do outro lado do pátiocoberto, para o grosso emaranhado deárvores. O céu estava manchado derosa e roxo, e as sombras eram

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pinceladas grossas, duras no chão.Mas o ar ainda estava quente, e váriasárvores estavam cobertas compequenas folhas verdes.

Eu gostava de ver a Selva destaforma: descarnada, nua, ainda nãovestida da primavera. Mas que estavachegando, também, apreendendo ecrescendo, cheia de desejo e umasede de sol e que fica saciada umpouco mais a cada dia. Logo a Selvaia explodir, bêbada e vibrante.

Julian me ajuda a colocar as

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armadilhas, socando-as no chão maciopara escondê-las. Eu gosto dessesentimento: de terra quente, dos dedosde Julian.

Quando posicionamos as trêsarmadilhas e marcamos seus locaisamarrando um pedaço de barbante emvolta das árvores que as rodeiam,Julian diz: "Eu não acho que eu possavoltar para lá. Ainda não."

"Tudo bem." Eu me levanto,enxugando as mãos no meu jeans. Eunão estou pronta para voltar também.

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Não era apenas a casa. Era Alex. Erao grupo, também, as brigas e asfacções, ressentimentos e resistências.Era tão diferente do que eu encontreiquando vim pela primeira vez para aSelva, no lar antigo: Lá, todo mundoparecia uma família.

Julian endireita-se também. Elepassa a mão pelo cabelo. De repente,ele diz: "Lembra-se de quando nosconhecemos?"

"Quando os Carniceiros -?" Eucomeço a dizer, e ele me corta.

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"Não, não." Ele balança acabeça. "Antes isso. Na reunião daASD."

Concordo com a cabeça.Ainda era estranho imaginar que omenino que eu vi naquele dia - ogaroto-propaganda para a causaanti-delíria, a personificação dacorreção - possa ser conectadoremotamente com o rapaz quecaminha ao meu lado, cabeloemaranhado na testa com fioscaramelos trançados, rosto corado do

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frio.Isso é o que me espanta: que

as pessoas se renovam a cada dia.Que nunca são as mesmas. Vocêsempre deve reinventá-los, e elesdevem reinventar-se, também.

"Você deixou sua luva. E vocêvoltou e me encontrou olhando asfotos...."

"Eu me lembro", eu digo. "Asimagens de vigilância, certo? Você medisse que estava procurando campos eInválidos."

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"Isso foi uma mentira." Julianbalançou a cabeça. "Eu apenas- eugostava de ver toda aquela amplitude.Aquele espaço, você sabe? Mas eununca imaginei que - mesmo quandoeu sonhasse com a Selva e lugaressem fronteiras - eu não acho que elepoderia realmente ser assim".

Eu estendo a mão e pego adele, dou-lhe um aperto. "Eu sabiaque você estava mentindo", eu digo.

Os olhos de Julian são azulpuro, hoje, a cor do verão. Às vezes,

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eles se transformam em tempestade,como o oceano ao amanhecer, outrasvezes eles são tão pálidos como umnovo céu. Estou aprendendo conhecertodos eles. Ele traça o meu queixocom um dedo. "Lena ..."

Ele está me olhando tãoatentamente, eu começo a sentir-meansiosa. "O que há de errado?" Eudigo, tentando manter minha voz leve.

"Nada." Ele chega para o meuoutro lado também. "Nada estáerrado. Eu-Eu quero te dizer algo."

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Não, eu quero dizer, mas apalavra rompe em uma efervescênciade riso, uma sensação histérica que eucostumava ter antes dos testes. Eletem acidentalmente um pouco desujeira em toda a maçã do rosto, e eucomeço a rir.

"O quê?" Ele pareceexasperado.

Agora que eu comecei a rir, eunão posso parar. "Sujeira", eu digo, eestendo a mão para tocar seu rosto."Na sua bochecha."

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"Lena". Ele diz isso com tantaforça, eu finalmente fico quieta. "Euestou tentando lhe dizer uma coisa,ok?"

Por um segundo, ficamos emsilêncio, olhando para o outro. A Selvaestá perfeitamente imóvel pelaprimeira vez. É como se até mesmo asárvores estivessem prendendo arespiração. Eu posso me ver refletidanos olhos de Julian - uma sombra demim mesma, uma forma, semsubstância. Eu me pergunto o que eu

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pareço para ele.Julian suga uma respiração

profunda. Então, ele dispara de umavez: "Eu te amo."

Assim como eu deixo escapar:"Não diga isso."

Há outro momento de silêncio.Julian parece assustado. "O quê?" Elefinalmente diz.

Eu gostaria de poder tomar aspalavras de volta. Eu gostaria de poderdizer Eu amo você, também. Mas aspalavras são capturadas na gaiola do

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meu peito. "Julian, você tem que sabero quanto eu me importo com você."Eu tento tocá-lo, e ele se afasta.

"Não", diz ele. Ele olha paralonge de mim. O silêncio se estendepor muito tempo entre nós. Estáficando mais escuro a cada minuto. Oar está manchado de cinza, como umdesenho a carvão que começou aborrar.

"É por causa dele, não é?", dizele, finalmente, voltando seus olhos devolta para os meus. "Alex." Eu acho

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que Julian nunca disse o nome dele."Não", eu digo com muita

força. "Não é ele. Não há nada entre agente." Ele balança a cabeça. Possodizer que ele não acredita em mim.

"Por favor", eu digo. Meaproximo dele novamente, e dessa vezele me deixa correr minha mão aolongo de sua mandíbula. Eu fico naponta dos pés e beijo-o uma vez. Elenão se afastar, mas ele não me beijarde volta, também. "Só me dê umtempo."

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Finalmente ele relaxa. Eu pegoseus braços e enrolo-os em volta domeu corpo. Ele beija o meu nariz, eentão a minha testa, em seguida, traçaseu caminho para a minha orelha comos lábios.

"Eu não sabia que seria assim",diz ele em um sussurro. E depois: "Euestou com medo."

Eu podia sentir seu coraçãobatendo através das camadas denossas roupas. Eu não sei a que,exatamente, ele está se referindo – a

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Selva, a fuga, estar comigo, amaralguém - mas eu aperto-o com força,e descanso minha cabeça no seupeito.

"Eu sei," eu digo. "Eu tambémestou com medo."

Em seguida, de longe, a voz deGraúna ecoa através do ar. "Hora dorango! Coma ou saia!"

Sua voz assusta um bando depássaros. Eles vão gritando para océu. O vento assovia, e a Selva ganhavida novamente com o farfalhar e a

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correria e o ranger: uma constantebalbúrdia sem noção.

"Vamos lá", eu digo, e levoJulian de volta para a casa morta.

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Hana Explosões: luz repentina no

céu. Primeiro uma, depois outra,depois de uma dúzia delas, sons detiros rápidos, fumaça e luz e explosõesde cor contra um céu noturno azul-claro.

Todos aplaudem quando arodada final de fogos de artifíciofloresce acima do terraço. Meusouvidos estão zumbindo, e o cheiro defumaça faz com que minhas narinas

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queimem, mas eu aplaudo também.Fred era oficialmente o

prefeito de Portland agora."Hana" Fred se move em

direção a mim, sorrindo, com ascâmeras disparando em torno dele.Durante os fogos de artifício, quandotodos subiram para os terraços doHarbor Golf and Country Club,estávamos separados. Agora ele tomaminhas mãos.

"Parabéns", eu digo. Maiscâmeras disparam - click, click, click

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- como outra rajada de fogos deartifício em miniatura. Toda vez queeu pisco, eu vejo explosões de coratrás das minhas pálpebras. "Estou tãofeliz por você."

"Feliz por nós, você querdizer", diz ele. Seu cabelo – que elepenteou com gel tão cuidadosamente -ao longo da noite tornou-se cada vezmais incontrolável, e migrou parafrente, de modo que uma mecha caisobre seu olho direito. Sinto uma ondade prazer. Esta era a minha vida e

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meu lugar: aqui, ao lado de FredHargrove.

"Seu cabelo," eu sussurro. Eletraz uma mão automaticamente parasua cabeça, acariciando seu cabelo nolugar novamente. "Obrigado", diz ele.Só então uma mulher, que reconheçovagamente do pessoal do Diário dePortland, se encaminha até Fred.

"Prefeito Hargrove", diz ela, eisso me dá uma emoção ao ouvi-lo serreferido dessa maneira. "Eu tenhotentado ter uma palavra com você a

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noite toda. Você tem um minuto? "Ela não espera para ouvir a

resposta dele, e leva-o para longe demim. Ele vira a cabeça sobre o ombroe murmura me desculpe. Dou-lhe umpequeno aceno para mostrar que euentendo.

Agora que os fogos de artifícioacabaram, as pessoas vão de voltapara o salão de baile, onde a recepçãocontinua. Todo mundo está rindo econversando. Esta era uma bela noite,um momento de celebração e de

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esperança. Em seu discurso, Fredprometeu restaurar a ordem eestabilidade para a nossa cidade eacabar com os simpatizantes eopositores que estão aninhados entrenós - como cupins, disse ele,lentamente corroendo a estruturabásica da nossa sociedade e de nossosvalores.

Não mais, ele disse, e todosaplaudiram.

É assim que futuro será: paresfelizes, luzes brilhantes e música

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bonita, roupas usadas com bom gostoe uma conversa agradável. WillowMarks e Grace, as casas podres deDeering Highlands, e a culpa que mecompeliu para fora de casa e para aminha bicicleta ontem - tudo issoparece um sonho ruim.

Eu acho que a forma comoWillow olhou para mim, tãotristemente: Eles pegaram você,também.

Eles não me pegaram, eudeveria ter dito. Eles me salvaram.

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As últimas nuvens soltas defumaça se dispersaram. As colinasverdes do campo de golfe sãoengolidas na sombra roxa.

Por um segundo eu fico navaranda, aproveitando o fim de tudo: agrama aparada e cuidadosamentetraçando a paisagem, a passagem dedia para a noite em dia de novo, umfuturo previsível, uma vida sem dor.

Enquanto a multidão noterraço dilui, eu travo os olhos em ummenino que está no lado oposto da

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plataforma. Ele sorri para mim. Eleparece familiar, embora, por ummomento eu não posso saber de onde.Mas quando ele começa a se moverem minha direção, eu sinto umchoque de reconhecimento.

Steve Hilt. Eu quase nãoacredito nisso.

"Hana Tate", diz ele. "Eu achoque ainda não preciso chamá-la deHargrove, posso?"

"Steven." No verão passado,eu o chamei Steve. Agora parecia

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inadequado. Ele estava diferente, edevia ser por isso que eu não oreconheci à primeira vista. Quando eleinclina a cabeça em direção a umagarçonete, depositando sua taça devinho vazia em uma bandeja, eu vejoque ele foi curado.

Mas era mais do que isso: Eleestá mais pesado, seu estômago uminchaço redondo sob a camisa deabotoar, sua mandíbula indefinida emseu pescoço. Seu cabelo estavapenteado em sua testa, da mesma

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forma que meu pai usa.Eu tento me lembrar da última

vez que o vi. Poderia ter sido a noitedo ataque nas Highlands. Eu tinha idopara a festa principalmente porque euestava esperando vê-lo. Lembro-meestar de pé no porão meio-escuro,enquanto o chão tremia com o ritmoda música, suor e a umidade dorevestimento das paredes, o cheiro deálcool e protetor solar e corposembalados em um espaço apertado. Eele pressionou seu corpo contra o

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meu, ele era tão magro então, alto emagro e bronzeado - e eu tinhadeixado-o deslizar as mãos em voltada minha cintura, sob minha camisa, eele se inclinou e apertou seus lábioscontra os meus, abriu a minha bocacom a língua.

Eu acreditava que o amava. Euacreditava que ele me amava. E então:o primeiro grito.

Tiros.Cães."Você está ótima", diz Steven.

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Até a sua voz soa diferente. Mais umavez, não posso deixar de pensar emmeu pai, a gordura na barriga de umadulto.

"Assim como você", eu minto.Ele inclina a cabeça, me dá um

olhar que diz Obrigado e Eu sei.Inconscientemente, eu me afastoalguns centímetros. Eu não possoacreditar que eu o beijei no verãopassado. Eu não posso acreditar queeu arrisquei tudo - contágio, infecção -por esse rapaz.

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Mas não. Ele era um garotodiferente naquela época.

"Então. Quando é o felizacontecimento? No próximo sábado,não é?" Ele coloca as mãos nos bolsose balança em seus calcanhares.

"Na sexta-feira." Eu limpominha garganta. "E você? Você foiemparelhado, então?" Nunca meocorreria perguntar isso no verãopassado.

"Claro que fui. Celia Briggs.Você conhece? Ela está na UP agora.

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Nós não nos casaremos até que elatermine."

Eu conheço Celia Briggs. Elafoi para New Friends Academy,escola rival do St. Anne. Ela tinha umnariz adunco e forte, que sacudiaquando ela ria, o sempre soava comose ela estivesse lutando contra umainfecção de garganta ruim.

Como se pudesse saber o queeu estou pensando, Steven diz: "Elanão é a garota mais bonita, mas ela édecente. E seu pai é o chefe do

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Gabinete de Regulamentação, por issoestaremos com tudo pronto. Foi assimque conseguimos um convite para estebaile." Ele ri. "Não é ruim, eu tenhoque dizer."

Apesar de sermospraticamente as únicas duas pessoasna varanda, de repente eu me sintoclaustrofóbica. "Sinto muito." Eutenho que me forçar a olhar para ele."Eu tenho que voltar para a festa. Foiótimo ver você, no entanto."

"O prazer foi meu", diz ele, e

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pisca. "Divirta-se".Eu só posso concordar. Eu

passo através das portas francesas eprendo a bainha do meu vestido emuma lasca do batente. Eu não paro,dou um puxão no vestido e ouço-orasgar. Eu avanço por entre osconvidados: os membros mais ricos eimportantes da comunidade dePortland, todo mundo perfumado eempoado e bem vestido. Quando eufaço o meu caminho através da sala,eu pego alguns trechos de conversa,

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um fluxo e refluxo de som."Você sabe que o prefeito

Hargrove tem laços com o ASD.""Sem publicidade.""Ainda não."Ver Steven Hilt me

desestabilizou por razões que eu nãoconsigo entender. Alguém coloca umataça de champanhe em minha mão, eeu bebo rapidamente, sem pensar. Asbolhas borbulham na minha garganta,e eu tenho que reprimir um espirro.Tem sido um longo tempo desde que

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eu bebi algo.Pessoas giram em torno da

sala, em torno da banda, dançandobolero e valsa, braços rígidos, passosgraciosos e definidos: padronizados,girando e voltando, estonteante deassistir. Duas mulheres, ambas altas,com uma real aparência de aves derapina, olham para mim enquanto eupasso por elas.

"Uma menina muito bonita.Aparência saudável."

"Eu não sei. Ouvi que suas

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pontuações foram manipuladas. Achoque Hargrove poderia ter feitomelhor...."

As mulheres se movem parafora para o redemoinho dedançarinos, e eu perco o fio de suasvozes. Outras conversas as abafam.

"Quantos filhos foramatribuídos a eles?"

"Não sei, mas parece que elapode lidar com uma ninhada deles."

O calor começa a subir emmeu peito e rosto. De mim: Eles estão

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falando de mim.Eu olho em volta procurando

por meus pais ou pela Sra. Hargrove enão os encontro. Eu não posso verFred, também, e eu tenho ummomento de pânico - estou em umasala cheia de estranhos.

Então chego a conclusão queeu não tenho mais amigos. Suponhoque agora farei amizade com osamigos de Fred - pessoas de nossaclasse e categoria, pessoas quecompartilham interesses semelhantes.

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Pessoas como essas pessoas.Eu respiro fundo, tentando me

acalmar. Eu não deveria me sentirassim. Eu deveria me sentir corajosa econfiante.

"Aparentemente, houve algunsproblemas com o seu último ano antesde ela ser curada. Ela começou amanifestar sintomas ...."

"Assim, muitos deles o fazem,não é? É por isso que é tão importanteque o novo prefeito se alinhe com aASD. Se eles podem cagar em uma

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fralda, eles podem ser curados. Isso éo que eu digo."

"Por favor, Mark, dê-lhe umdescanso...."

Finalmente eu localizo Fred dooutro lado da sala, cercado por umapequena multidão e ladeado por doisfotógrafos. Eu tento empurrar o meucaminho em direção a ele, mas soubloqueada pela multidão, que pareceestar crescendo conforme a noitepassa. Um cotovelo me bate na lateral,e eu tropeço contra uma mulher

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segurando um copo grande de vinhotinto.

"Desculpe-me", murmuro,empurrando-a. Ouço um suspiro ealgumas risadas nervosas, mas euestou muito focada em passar atravésda multidão para me preocupar com oque tem atraído a atenção deles.

Então, minha mãe aparece naminha frente. Ela agarra meucotovelo, duramente.

"O que aconteceu com seuvestido?", ela sussurra.

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Eu olho para baixo e vejo umamancha vermelha brilhante seespalhando por todo o meu peito. Eutenho o desejo impróprio de rir, masparece como se eu tivesse levado umtiro. Felizmente, eu consegui mecontrolar.

"Uma mulher derramou emmim," eu disse, me separando dela."Eu estava prestes a ir ao banheiro."Assim, enquanto eu digo, eu me sintoaliviada: Eu vou ter uma pausa nobanheiro.

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"Bem, se apresse." Ela balançaa cabeça para mim, como se a culpafosse minha. "Fred vai fazer umbrinde em breve."

"Vou me apressar", eu digo aela.

No hall, está muito mais frio, emeus passos são abafados pelo tapetede pelo. Eu vou para banheirofeminino, abaixando a cabeça paraevitar fazer contato visual com opunhado de convidados que passampara o corredor. Um homem está

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falando em voz alta, ostensivamente,em um telefone celular: Todo mundoaqui tem esse tipo de dinheiro. O archeira a potpourri e, levemente, afumaça de charuto.

Quando eu chego ao banheiro,eu paro com a mão na porta. Eu possoouvir vozes murmurando dentro, euma explosão de gargalhadas. Emseguida, uma mulher diz, muitoclaramente: "Ela será uma boa esposapara ele. É uma coisa boa, depois doque aconteceu com Cassie."

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"Quem?""Cassie O'Donnell. Seu

primeiro par. Você não se lembra?"Faço uma pausa com a mão na

porta. Cassie O'Donnell. A primeiraesposa de Fred. Não me disserampraticamente nada sobre ela. Prendo arespiração, esperando que elascontinuem falando.

"É claro, é claro. Quando foi?Dois anos atrás?"

"Três".Outra voz: "Você sabe, minha

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irmã foi para a escola primária comela. Ela passou a usar seu nome domeio, em seguida. Melanea. Nomeestúpido, você não acha? Minha irmãdisse que ela era uma vadia perfeita.Mas eu acho que ela terá o dela nofinal."

"Os moinhos de Deus..."Passos atravessaram em minha

direção. Eu dou um passo para trás,mas não rápido o suficiente. A portase abre. A mulher está de pé na porta.Ela é, provavelmente, apenas alguns

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anos mais velha do que eu sou, e bemgrávida. Assustada, ela recua para medar espaço para entrar.

"Você estava entrando?", elapergunta agradavelmente. Ela nãorevela nenhum sinal de desconforto ouconstrangimento, mesmo que ela devasuspeitar que escutei a conversa. Seuolhar desliza até a mancha em meuvestido.

Atrás dela, duas mulheresestão alinhadas em frente do espelho,me olhando com expressões idênticas

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de curiosidade e diversão. "Não," eudigo, e giro ao redor e continue pelocorredor. Eu posso imaginar asmulheres se voltando para as outras,sorrindo.

Eu viro uma esquina emergulho cegamente em outrocorredor, este ainda mais silencioso emais frio do que o último. Eu nãodeveria ter tomado o champanhe; eledeixou-me tonta. Eu me firmo contraa parede.

Eu nunca pensei muito sobre

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Cassie O'Donnell, o primeiro par deFred. Tudo o que sei é que eles foramcasados por mais de sete anos. Algoterrível deve ter acontecido, aspessoas não ficam mais sedivorciando. Não há necessidade. Épraticamente ilegal.

Talvez ela não pudesse terfilhos. Se ela fosse biologicamentedefeituosa, seria motivo para odivórcio.

As palavras de Fred voltampara mim: Eu estava com medo que

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eu tivesse encontrado um defeito.Está frio na sala, e eu tremo.

Uma placa indica o caminhopara banheiros adicionais abaixo deum lance acarpetado de escadas. Aquiestá totalmente silencioso, exceto porum zumbido baixo e elétrico. Eumantenho a minha mão no corrimãogrosso para me equilibrar nos meuscalcanhares.

Na parte inferior da escada, euparo. Este piso não tem carpete, e éprincipalmente engolido pela

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escuridão. Eu fui ao Harbor Clubapenas duas vezes, ambas as vezescom Fred e sua mãe. Meus pais nuncaforam membros, embora meu paiesteja pensando em aderir agora. Freddiz que metade de negócios do país érealizada em clubes de golfe comoeste, há uma razão, diz ele, para que oConsórcio tenha feito o golf o esportenacional quase trinta anos atrás.

Um jogo de golfe perfeito nãodesperdiça nenhum movimento:Ordem, forma e eficiência são suas

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marcas registradas. Tudo isso, euaprendi com Fred.

Eu passo por vários salões debanquetes, todos escuros, que devemser usados em eventos privados e,finalmente, reconheço o grande Caféonde Fred e eu uma vez almoçamosjuntos. Eu finalmente encontro obanheiro feminino: uma sala rosa,como uma gigantesca almofadaperfumada.

Eu puxo meu cabelo para cimae seco meu rosto rapidamente com

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toalhas de papel. Não há nada que eupossa fazer sobre a mancha, então euretiro a faixa em volta da minhacintura e amarro-a em volta dos meusombros frouxamente, atando-a entremeus seios. Não é minha melhoraparência, mas pelo menos eu estousemi-apresentável.

Agora que eu estou orientada,eu percebo que posso pegar um atalhode volta para o salão de baile, indopara a esquerda em vez da direita dobanheiro e indo para os bancos do

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elevador. Quando eu passo pelocorredor, ouço o murmúrio de vozes euma explosão estática de televisão.

A porta entreaberta leva a umaárea de preparação da cozinha. Váriosgarçons - gravatas soltas, camisasparcialmente desabotoadas, aventaisfora e enrolados no balcão - estãoreunidos em torno de uma pequenaTV. Um deles tem os pés em cima dobalcão de metal brilhante.

"Levante", uma das garotas decozinha diz, e ele grunhe e se inclina

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para frente, balançando as pernaspara fora do balcão, para cutucar obotão de volume. Quando ele seinstala em sua cadeira, eu avisto aimagem na tela: uma massa oscilantede verde, misturada com tufos defumaça escura. Eu sinto uma pequenaemoção elétrica, e sem querer, eucongelo.

A Selva. Tem que ser.A apresentadora está dizendo:

"Em um esforço para exterminar osúltimos locais de reprodução da

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doença, os reguladores e as tropas dogoverno estão penetrando as Selvas...."

Corta para: tropasgovernamentais, vestidas decamuflagem, batendo ao longo de umarodovia interestadual, acenando esorrindo para as câmeras.

"À medida que o Consórcio sereúne para debater o futuro dessasáreas descaracterizadas, o presidentefez um discurso programado para aimprensa, na qual ele prometeu

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erradicar os Inválidos restantes e vê-los punidos ou tratados."

Corta para: Presidente Sobel,fazendo seu infame aceno no pódio,como se ele mal pudesse evitar de seinclinar mais para a plateia decâmeras.

"Vai levar tempo e tropas.Levará coragem e paciência. Masvamos vencer essa guerra...."

Cortar para: A visão depedaços de quebra-cabeça verde ecinza, fumaça e mata, e minúsculas

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labaredas de fogo. E, em seguida, umaoutra imagem: mais selva, um rioestreito e sinuoso entre os pinheiros esalgueiros. E depois outra, desta vezem um lugar onde as árvores foramqueimadas por todo o caminho até osolo vermelho.

"O que estamos vendo agorasão imagens aéreas de todo o país,onde as nossas tropas forammobilizadas para caçar os últimoshospedeiros da doença ...."

Pela primeira vez, parece-me

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que Lena está, com toda aprobabilidade, morta. Era estúpidoque eu não pensasse nisso até agora.Eu vejo a fumaça subindo das árvorese imagino pequenos pedaços de Lenaflutuando para longe com ela: unhas,cabelo, cílios, todos transformados emcinzas.

"Desligue isso", eu digo semquerer.

Todos os quatro garçons viramde uma só vez. Imediatamente, eleslevantam-se de suas cadeiras,

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reajustam os seus laços, e começam acolocar suas camisas por dentro suascalças pretas de cintura alta.

"Podemos fazer alguma coisapor você, senhorita?" Um deles, umhomem mais velho, perguntaeducadamente. Outro alcança edesliga a televisão. O silêncioresultante é inesperado.

"Não, eu..." Eu balanço minhacabeça. "Eu estava apenas tentandoencontrar meu caminho de volta parao salão de baile."

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O garçom mais velho piscauma vez, com o rosto impassível. Elesai para o corredor e aponta emdireção aos elevadores, que estão amenos de dez metros de distância."Você só vai ter que subir um andar,senhorita. O salão de baile é no finaldo corredor." Ele deve achar que eusou uma idiota, mas ele continuasorrindo agradavelmente. "Vocêgostaria que eu a acompanhasse até láem cima?"

"Não", eu digo muito rápido.

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"Não, eu vou ficar bem." Epraticamente saio correndo pelocorredor. Posso sentir os olhos dogarçom em mim. Estou aliviada, pois oelevador chega rapidamente, e euexalo quando as portas se fechamatrás de mim. Inclino-me minha testabrevemente contra a parede doelevador, que parece frio contra aminha pele, e inalo.

O que há de errado comigo?Quando o as portas do

elevador deslizam, o som de vozes

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ondula - um rugido de aplausos - e euviro a esquina e entro no brilhoofuscante do salão de baile,exatamente quando milhares de vozesecoam: "Para a sua futura esposa!" Euvejo Fred no palco, levantando umataça de champanhe, a cor do ourolíquido. Vejo milhares de rostosbrilhantes e inchados virarem paramim, como luas inchadas. Eu vejomais champanhe, mais líquido, maisaplausos.

Eu ergo a minha mão. Eu

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aceno. Eu sorrio.Mais aplausos.No carro, a caminho de casa

da festa, Fred está tranquilo. Eleinsistiu que ele gostaria de ficarsozinho comigo, e enviou a sua mãe eos meus pais antes de nós com ummotorista diferente. Eu assumi que eletinha algo para me dizer, mas não sepronunciou até agora. Seus braçosestão cruzados, e ele colocou o queixono peito. Ele parece quase como seestivesse dormindo. Mas reconheço o

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gesto, ele herdou de seu pai. Issosignifica que ele está pensando.

"Eu acho que foi um sucesso",eu digo, após o silêncio torna-seintolerável.

"Mmm." Ele esfrega os olhos."Você está cansado?" Eu

pergunto."Eu estou bem." Ele levanta o

queixo. Então, abruptamente, ele seinclina para frente e bate na janela quenos separa do motorista. "Pare por umsegundo, Tom, está bem?"

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Tom estaciona o carroimediatamente e desliga o motor. Estáescuro, e eu não posso ver exatamenteonde estamos. Em ambos os lados docarro estão aparecendo paredes deárvores escuras. Uma vez que osfaróis apagam, fica praticamente umbreu. A única luz vem de um poste 15metros à frente de nós.

"O que nós estamos-?" Eucomeço a perguntar, mas Fred virapara mim e me corta.

"Lembra-se quando expliquei

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as regras do golfe para você?",pergunta ele.

Estou tão assustada, tanto pelaurgência em sua voz e pelaaleatoriedade da pergunta, só possoconcordar.

"Eu disse a você", diz ele,"sobre a importância do caddy.Sempre um passo atrás – um aliadoinvisível, uma arma secreta. Sem umbom caddy, mesmo o melhor jogadorpode ser afundado."

"Ok." O carro parece pequeno

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e muito quente. A respiração de Fredcheira azedo, como o álcool. Eu tateiopara abrir a janela, mas é claro, eunão posso. O motor está desligado, asjanelas estão trancadas.

Fred passa a mãoagitadamente pelo cabelo. "Olha, oque eu estou dizendo é que você émeu caddy. Você entende isso? Euespero que você - eu preciso que você- esteja por trás de mim cem porcento."

"Eu estou", eu digo, e, em

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seguida, limpo a garganta e repito. "Euestou".

"Você tem certeza?" Ele seinclina para frente mais um centímetroe coloca a mão na minha perna."Você vai me apoiar sempre, nãoimporta o quê?"

"Sim." Eu sinto um lampejo deincerteza - e abaixo disso, medo. Eununca vi Fred tão intenso antes. Suamão está segurando minha coxa comtanta força, que eu estou preocupadaque ele vá deixar uma marca. "Esse é

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o objetivo do emparelhamento."Fred olha para mim por mais

um segundo. Então, de repente, eleme libera.

"Bom," ele diz. Ele batecasualmente contra a janela domotorista, mais uma vez, e Tomentende como um sinal para ligar ocarro novamente e continuar dirigindo.Fred se inclina para trás, como senada tivesse acontecido. "Eu estoucontente que nós nos entendemos.Cassie nunca me entendeu. Ela não

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ouvia. Isso foi uma grande parte doproblema." O carro começa a semover novamente.

"Cassie?" Meu coração batecontra minhas costelas.

"Cassandra. Meu primeiropar." Fred sorri com força.

"Eu não entendo", eu digo.Por um momento ele não diz

nada. Então, de repente: "Você sabequal era o problema do meu pai?" Euposso dizer que ele não espera umaresposta, mas eu balanço minha

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cabeça de qualquer maneira. "Eleacreditava nas pessoas. Ele acreditavaque, se as pessoas pudessem ver ocaminho certo - o caminho para asaúde e ordem, uma vida livre dainfelicidade - elas fariam a escolhacerta. Elas obedeceriam. Ele eraingênuo." Fred vira para mimnovamente. Seu rosto estava engolidopela escuridão. "Ele não entendia.Pessoas são teimosas e estúpidas. Elassão irracionais. Elas são destrutivas.Esse é o ponto, não é? Essa é a razãopara a cura. As pessoas deixarão de

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destruir suas próprias vidas. Elas nãoserão capazes disso. Você entende?"

"Sim." Eu penso em Lena enas imagens das Selvas em chamas.Eu me pergunto o que ela estariafazendo agora que ela fugiu. Elaestaria dormindo tranquilamente emuma cama decente, ela iria levantaramanhã para ver o sol nascendo sobrea baía?

Fred volta-se para a janela, esua voz torna-se inflexível. "Nóstemos sido negligentes. Nós já

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permitimos muita liberdade, e muitaoportunidade para a rebelião. Issodeve parar. Eu não vou permitir maisisso, não vou assistir a minha cidade, omeu país, serem consumidos dedentro. Isso termina agora."

Mesmo que Fred e euestejamos separados por trintacentímetros, eu estou tão assustadacom ele quanto eu estava quando eleestava pegando minha coxa. Eu nuncao tinha visto assim - duro e estranho.

"O que você pretende fazer?"

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Eu pergunto. "Precisamos de um sistema",

diz ele. "Vamos premiar as pessoasque seguirem as regras. É o mesmoprincípio, realmente, como treinar umcão."

Eu me lembro da mulher nafesta: Parece que ela pode lidar comuma ninhada deles.

"E nós vamos punir as pessoasque não se conformam. Nãofisicamente, é claro. Este é um paíscivilizado. Eu planejo nomear Douglas

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Finch como o novo ministro daenergia".

"Ministro da energia?" Eurepito. Eu nunca tinha ouvido o termo.

Chegamos a um semáforo -um dos poucos que ainda funcionamno centro. Fred aponta vagamentepara ele.

"O poder não é livre. Energianão é livre. Isso tem de serconquistado. Eletricidade - luz, calor –serão dadas para as pessoas quemerecerem isso."

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Por um momento, eu nãoconsigo pensar em nenhuma resposta.Queda de energia e apagões têm sidosempre obrigatórios durante certashoras da noite, e nos bairros maispobres, especialmente agora, muitasfamílias simplesmente optam nãoterem máquinas de lavar louça e delavar roupa. Elas são simplesmentedemasiado caras para manter.

Mas todo mundo sempre teveo direito à eletricidade.

"Como?" Eu finalmente

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pergunto.Fred leva a minha pergunta

literalmente. "É simples, na verdade.O sistema já está no local, e tudo issoé informatizado hoje em dia. Ésimplesmente uma questão de coletaros dados e algumas teclas. Um cliqueliga, um clique desliga. Finch será oresponsável por tudo isso. E nóspodemos reavaliar a cada seis mesesou algo assim. Queremos ser justossobre isso. Como eu disse, este é umpaís civilizado".

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"Haverá tumultos", eu digo.Fred dá de ombros. "Espero

uma certa resistência inicial", diz ele."É por isso que é tão importante quevocê esteja ao meu lado. Olha, umavez que temos as pessoas certas portrás de nós – a pessoa importante -todo mundo vai entrar na linha. Elesvão ter que entrar". Fred alcança epega a minha mão. Ele aperta-a. "Elesvão aprender que tumultos eresistência só vão piorar as coisas.Precisamos de uma política de

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tolerância zero."Minha cabeça está girando.

Sem energia significa sem luz, semrefrigeração, sem fornos trabalhando.Sem fornalhas.

"O que as pessoas farão parater calor?" Eu deixo escapar.

Fred ri um pouco, comindulgência, como se eu fosse umcachorro e acabei de aprender umnovo truque. "O verão está quasechegando", diz ele. "Eu não acho queo calor vai ser um problema."

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"Mas o que acontece quandocomeçar a ficar frio?" Eu insisto. NoMaine, os últimos invernos,frequentemente foram de setembroaté maio. No ano passado tivemosoitenta centímetros de neve. Eu pensoem Grace magra, com os cotoveloscomo maçanetas, as omoplatas comoasas pontiagudas. "O que eles vãofazer, então?"

"Eu acho que eles vãodescobrir que a liberdade não osmantêm aquecidos", diz ele, e eu

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posso ouvir o sorriso em sua voz. Elese inclina para frente e bate na janelado motorista novamente. "Que tal umpouco de música? Eu estou no climapara um pouco de música. Algoanimado, você não acha, Hana?"

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Lena

A noite se aproximarapidamente e, com isso, o frio.

Estamos perdidos.Nós estamos procurando por

uma estrada antiga que devia nos levara Waterbury. Pike está convencido deque estamos muito ao norte, Graúnaacha que estamos muito ao sul.

Vamos a maior parte docaminho às cegas, usando uma

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bússola e uma série de esboçosantigos que foram passados adianteentre outros comerciantes e inválidos,preenchidos um pouco a cada vez,mostrando uma dispersão aleatória demarcos: rios, estradas desmanteladas,cidades antigas bombardeadas pelaBlitz, os limites das cidadesestabelecidas, sabendo assim evitar osbarrancos e lugares intransitáveis.Direção, assim como o tempo, erauma coisa mutável, desprovida delimites e fronteiras. Era um processointerminável de interpretação e

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reinterpretação, retornando eajustando.

Chegamos a uma paradaenquanto Pike e Graúna discutem.Meus ombros estão doendo. Eudescarrego a minha mochila e sentoem cima dela, tomo um gole de águada garrafa que tenho amarrada nocinto em volta da minha cintura. Julianestá parado atrás de Graúna, com orosto vermelho, seu cabelo escurosuado e sua jaqueta amarrada nacintura tentando ver além dela, o

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mapa que Pike está segurando. Eleestá ficando mais magro.

À margem do grupo, Alex estásentado, como eu, em sua mochila.Coral faz o mesmo, se aproximandodele até que seus joelhos se toquem.Ao longo de poucos dias, eles setornaram praticamente inseparáveis.

Mesmo que eu queira, nãoconsigo não olhar para ele. Eu nãoentendo o que ele e Coral têm parafalar. Eles conversam enquantocaminham e enquanto eles montam

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acampamento. Eles falam na hora dasrefeições isolados no canto. Enquantoisso, ele dificilmente fala com maisalguém, e ele não trocou uma palavracomigo desde o nosso confronto como urso.

Ela deve ter-lhe feito umapergunta, porque eu o vi sacudir acabeça.

E então, apenas por umsegundo, ambos olham para mim. Eume afasto rapidamente com o rostocorando. Eles estavam falando sobre

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mim. Eu sei disso. Eu me pergunto oque ela perguntou a ele.

Sabe aquela garota? Ela estáolhando para você.

Você acha que a Lena é bonita?Eu aperto meus punhos até

minhas unhas cravarem a carne daspalmas das minhas mãos, inspiroprofundamente, e afasto opensamento. Alex e o que ele pensade mim são irrelevantes.

Pike diz: "Eu estou te dizendo,que deveríamos ter ido a leste da

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antiga igreja. Esta marcado no mapa.""Isso não é uma igreja”, Graúna

argumenta, pegando o mapa de volta."É a árvore por onde passamos,aquela dividida por um raio. E issosignifica que deveríamos tercontinuado para o Norte."

"Eu estou te dizendo, que é umacruz"

"Por que nós não mandamosexploradores?" Julian os interrompe.Assustados em silêncio, eles se voltampara ele. Graúna franze as

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sobrancelhas, e Pike encara Juliancom hostilidade. Meu estômagocomeça a se contorcer, e eu rezosilenciosamente em sua direção: Nãose envolva. Não diga nada estúpido.

Mas Julian continuacalmamente: "Nós nos movemos maislentamente como um grupo, e é umdesperdício do nosso tempo e energiase estivermos indo na direção errada."

Por um segundo eu vejo seuantigo eu voltar à superfície, o Juliande conferências e cartazes, o líder da

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juventude do DFA, auto-confiante."Duas pessoas vão para o

Norte”"Por que o Norte?" Pike

interrompe com raiva.Julian mal perde o ritmo. "Ou

Sul, tanto faz. Caminhar por metadede um dia, olhar para a estrada. Senão for por lá, caminhar em outradireção. Pelo menos vamos ter maissenso do terreno. Nós podemos ajudara orientar o grupo."

"Nós?" Interrompe Graúna.

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Julian olha para ela. "Eu queroser voluntário", ele diz.

"Não é seguro", eu estouro,levantando. "Há caçadorespatrulhando, talvez reguladorestambém. Precisamos ficar juntos.Caso contrário, somos presa fácil. "

"Ela está certa", Graúna diz,voltando-se para Julian. "Não éseguro."

"Eu já lidei com caçadoresantes", afirma Julian.

"E quase morreu", eu disparo.

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Ele sorri. "Eu não morri, apesarde tudo."

"Eu vou com ele." Prego cospeum grosso maço de tabaco no chão elimpa a boca com as costas da mão.Eu olho para ele. Ele me ignora. Elenão fez segredo do fato de achar quefoi um erro ter resgatado Julian e umaresponsabilidade tê-lo conosco. "Vocêsabe usar uma arma?"

"Não", eu digo. "Ele não sabe."Agora todos estão olhando para mim,mas eu não me importo. Eu não sei o

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que Julian está tentando provar, maseu não gosto.

"Eu posso usar uma arma",Julian mente rapidamente.

Prego concorda. "Tudo bem,então." Ele tira outro pouco de tabacoda bolsa que ele usa no pescoço ecoloca em sua boca. "Deixe-medescarregar um pouco da minhamochila. Partiremos em meia hora."

"Ok." Graúna levanta os seusbraços num gesto de resignação. "Nóspodemos acampar aqui." O grupo

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todo começa a colocar as mochilas esuprimentos no chão, como um únicoanimal trocando a pele.

Eu agarro o braço de Julian e olevo para longe de todos os outros.

"O que foi aquilo?" Luto paramanter minha voz baixa. Eu posso verAlex nos observando. Ele parece sedivertir. Eu gostaria de ter algo parajogar nele.

Aproveito e giro Julianbloqueando Alex da minha vista.

"O que você quer dizer?" Ele

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enfia as mãos nos bolsos."Não se faça de idiota", eu digo.

"Você não deveria se voluntariar paraexplorar. Isto não é uma piada, Julian.Estamos no meio de uma guerra."

"Eu não acho que isso seja umapiada." Sua calma era irritante. "Eu seimelhor do que ninguém do que ooutro lado é capaz, lembra?"

Eu desvio o olhar, mordendomeu lábio. Ele tem um ponto. Sealguém conhece as táticas dos zumbis,é Julian Fineman.

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"Você ainda não conhece osWilds", eu insisto. "E Prego não iráprotegê-lo. Se você for atacado, algoacontecer, é uma questão de você ouo resto de nós. Ele vai te deixar. Elenão prejudicará o grupo."

"Lena". Julian coloca as mãossobre os meus ombros e obriga-me aolhar para ele. "Nada irá acontecer,ok?"

"Você não sabe isso", eu digo.Eu sei que eu estou exagerando, masnão posso ajudá-lo. Por alguma razão,

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sinto vontade de chorar. Penso nosilêncio da voz de Julian quando disse eu te amo, a firmeza de suas costassubindo e descendo nas minhas enquanto dormíamos.

Eu te amo, Julian. Mas aspalavras não vêm.

"Os outros não confiam emmim", diz Julian. Eu abri a minhaboca para protestar, mas ele me corta."Não tente negar. Você sabe que éverdade."

Eu não contradigo. "Então o

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quê? Você precisa provar a simesmo?"

Ele suspira e esfrega os olhos."Eu escolhi fazer o meu lugar aqui,Lena. Eu escolhi fazer o meu lugarcom você. Agora eu tenho que ganhá-lo. Não se trata de provar a mimmesmo. Mas como você disse, há umaguerra acontecendo. Eu não queroficar à margem." Ele inclina-se para afrente e beija a minha testa uma vez.Ele ainda hesita por uma fração desegundo antes de me beijar, como se

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tivesse que se livrar daquele velhomedo, o terror do toque econtaminação. "Por que você está tãochateada com isso? Nada vaiacontecer."

Estou com medo, eu querodizer. Eu tenho um maupressentimento. Eu te amo e nãoquero que você se machuque. Mas,novamente, é como se as palavrasestivessem presas, enterradas sob osmedos do passado e vidas passadas,como fósseis compactados

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sob camadas de sujeira."Estaremos de volta em poucas

horas", diz Julian e aperta o meuqueixo brevemente. "Você vai ver."

Mas eles não estão de volta na

hora do jantar, e eles não estão devolta no momento em que jogamos aterra sobre o fogo apagando-o durantea noite. Era uma responsabilidadeagora, mesmo que fiquemos com maisfrio, e Julian e Prego terão problemaspara encontrar o caminho até nós sem

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o fogo. Mas Graúna é insistente.Sou voluntária para ficar

acordada e de guarda. Estou muitoansiosa para dormir. Graúna me dáum casaco extra da nossa loja deroupa. As noites ainda são marcadaspelo frio forte.

A poucas centenas de metros doacampamento há uma ligeirainclinação, e uma parede velha decimento, ainda gravada com grafitesfantasmagóricos, que vai me protegerdo vento. Eu me aconchego com as

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costas contra a pedra apertando acaneca com a água que Graúna ferveupara mim mais cedo para ajudar aesquentar os meus dedos. Minhasluvas foram perdidas ou roubadas, emalgum lugar entre Nova York e aqui, eagora eu tenho que me virar sem elas.

A lua sobe e toca oacampamento, as formasadormecidas, as tendas abobadadas eos abrigos improvisados, com um belobrilho branco. Ao longe, uma torre deágua, ainda intacta, paira sobre as

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árvores como um inseto de aço,empoleirado com pernas longas efinas. O céu está claro e sem nuvens,e milhares de estrelas flutuam parafora da escuridão. Uma coruja pia, umsom triste e oco que ecoa pelafloresta. Desta curta distância, oacampamento parece pacífico,embrulhado em sua névoa branca,cercado pelos destroços estilhaçadosde casas antigas: telhados desabadosno chão, um balanço, virado, umescorregador de plástico cheio desujeira.

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Depois de duas horas, estoubocejando tanto que o meu maxilardói, e todo o meu corpo se sentecomo se tivesse sido preenchido comareia molhada. Eu inclino a minhacabeça contra a parede, lutando paramanter meus olhos abertos. Asestrelas acima parecem borradas ...elas se tornaram um feixe de luz –obrilho do sol - Hana aparece no meioda luz do sol, o brilho nos cabelosdela, dizendo: "Não foi uma piadaengraçada? Eu nunca planejei ficar

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curada, você sabe .... " Seus olhosestão fixos nos meus, e conforme elaavança, eu vejo que ela está prestes acolocar o pé em uma armadilha. Eutento avisá-la, mas...

Estalo. Eu acordo sobressaltada,o coração pulsando na minhagarganta, e rapidamente, o maissilenciosamente possível me movoagachada. O ar está em silêncionovamente, mas eu sei que eu nãoimaginei ou sonhei com o som: o somde um galho estalando.

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O som de um passo.Que seja Julian, eu penso. Que

seja Prego.Eu faço a varredura do

acampamento e vejo uma sombra semovendo entre as barracas. Fico tensae chego à frente, muito lentamente,facilitando o rifle em minhas mãos.Meus dedos estão inchados com ofrio, e desajeitados. A arma parecemais pesada do que era antes.

O vulto pisa em uma mancha deluar, e eu expiro. É apenas a Coral.

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Sua pele brilha um branco vívido à luzda lua, e ela está vestindo um suéterenorme que eu reconheço comosendo de Alex. Meu estômago aperta.Eu trago o rifle até meu ombro,balanço o cano na direção dela,penso: Bang.

Recolho a arma rapidamente,envergonhada.

Os antigos não estavamtotalmente errados. O amor era umaespécie de possessão. Era um veneno.E se Alex já não me ama, eu não

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posso suportar a ideia de que elepossa amar outra..

Coral desaparece nas matas,provavelmente para fazer xixi. Tenhocâimbras nas pernas, então eu asalongo. Estou cansada demais paracontinuar de guarda. Vou descer eacordar Graúna, que se ofereceu parame substituir.

Estalo. Outro passo, este maisperto e, no lado leste doacampamento. Coral foi para o norte.Instantaneamente, estou em estado de

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alerta novamente.Então eu o vejo: Ele avança

lentamente, arma levantada, saindo detrás de um espesso bosque depinheiros. Eu posso dizer de imediatoque não é um caçador. Sua postura émuito perfeita, sua arma muito nova,suas roupas bem assentadas.

Meu coração para. Umregulador. Deve ser. E isso significaque os Wilds realmente foramassassinados. Apesar de todas asevidências, uma parte de mim

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desejava que não fosse verdade.Por um segundo, tudo fica em

silêncio, e depois assustadoramentealto, como o sangue correndo para aminha cabeça, martelando em meusouvidos, e a noite parece iluminar combuzinas e gritos assustadores, animaisestranhos e selvagens rondando aescuridão. Minhas mãos suamenquanto eu trago a arma mais umavez para o meu ombro. Minhagarganta está seca. Eu acompanho oregulador enquanto ele se move para

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mais perto do acampamento. Coloco omeu dedo no gatilho. O pânico tomaconta do no meu peito. Eu não sei seatiro. Eu nunca atirei em nada a estadistância. Eu nunca atirei em umapessoa. Eu nem sabia se conseguiria.

Merda, merda, merda, merda.Queria que Prego estivesse aqui.

Merda.O que Graúna faria?Ele se aproxima do

acampamento. Ele abaixa a arma, eeu tiro o meu dedo do gatilho. Talvez

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ele seja apenas um explorador. Talvezele só queira se informar. Isso nosdará tempo de mudar, limpar,e nosprepararmos. Talvez ficaremos bem.

Então Coral volta dos bosques.Por uma fração de segundo, ela

está lá, congelada dura e branca comose enquadrada no flash de umfotógrafo. Por uma fração de segundo,ele não se move também.

Em seguida, ela engasga, e elebalança a arma em sua direção e, sempensar ou planejar o meu dedo

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encontra o gatilho novamente e puxa.O joelho do regulador é atingido e elegrita, afundando no chão.

Então, tudo é caos.O chute do rifle me empurra

para trás, e eu tropeço, tentandomanter o equilíbrio. Um denteirregular de rocha bate fortemente nasminhas costas, e a dor vai de minhascostelas para o meu ombro. Há maistiros - um, dois e, em seguida, gritos.Eu corro a toda velocidade em direçãoao acampamento. Em menos de um

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minuto, tudo se transformou em umenxame de pessoas e vozes.

O regulador está deitado debruços no chão, braços e pernasabertos. Uma poça de sangue seestende como uma sombra escura aoredor dele. Dani está de pé perto delecom a sua arma. Ela deve ter sidoquem o matou.

Coral tem seus braços em voltade sua cintura, parecendo chocada eum pouco culpada, como se dealguma forma ela tivesse atraído o

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regulador para ela. Ela estava salva oque é um alívio. Fico feliz que meusinstintos foram para salvá-la. Melembro de ter mirado nela antes e mesinto envergonhada novamente. Estanão é a pessoa que eu queria ser: Oódio conquistou um lugar permanentedentro de mim, um buraco onde ascoisas são tão facilmente perdidas.

Ódio, os zumbis também tinhamme avisado.

Pike, Hunter, e Lu estão todosfalando ao mesmo tempo. O resto do

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nosso grupo se encolhe em um semicírculo ao redor deles, pálidos eassustados, olhando para o luar, seusolhos vazios, como fantasmasressuscitados.

Apenas Alex não está de pé. Eleestá agachado, arrumando a suamochila rápida e metodicamente.

"Tudo bem." Graúna falacalmamente, mas a urgência chama anossa atenção. "Vamos olhar os fatos.Nós temos um regulador morto emnossas mãos."

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Alguém choraminga."O que vamos fazer?" Gordo

pergunta com seu rosto em pânico."Nós temos que ir."

"Ir para onde?" Graúna diz."Nós não sabemos onde eles estão, enem de onde eles estão vindo. Nóspoderíamos estar correndo em direçãoa uma armadilha ".

"Shh." Dani nos silenciabruscamente. Por um segundo hásilêncio total exceto pelo baixo gemidodo vento através das árvores e um pio

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de coruja. Então ouvimos: O ecodistante de vozes vindas do sul.

"Eu digo que devemos ficar elutar", diz Pike. "Este é nossoterritório."

"Nós não lutamos a menos quesejamos obrigados", Graúna diz,voltando-se para ele. "Nós nãosabemos quantos reguladores existem,ou que tipo de armas eles têm. Elesestão melhor alimentados e maisfortes do que nós."

"Estou cansado de fugir", Pike

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dispara de volta. "Nós não estamos fugindo",

disse ela, calmamente. Ela vira-separa o resto do grupo. "Nós vamosnos dividir e nos espalhar ao redor doacampamento. Nos esconder. Algunsde nós podem se dirigir até o antigoleito do rio. Vou ficar de olho nacolina. Arbustos, pedras, ou qualqueroutra coisa vai escondê-los. Use-os..Subam em árvores, pelo amor deDeus. Fiquem fora de vista." Ela olhapara cada um de nós, individualmente.

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Pike teimosamente recusa-se aencará-la.

"Levem suas armas, facas,qualquer coisa que vocês possuam.Mas lembrem-se, nós não lutamos amenos que tenhamos que fazê-lo. Nãofaçam nada até que eu dê o sinal, ok?Ninguém se mexe. Ninguém respira,tosse, espirra ou peida. Isso estáclaro? "

Pike cospe no chão. Ninguémfala.

"Tudo bem", diz Graúna.

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"Vamos lá".O grupo se divide, de forma

rápida e sem palavras. Pessoaspassam por mim borradas e tornam-sesombras, as sombras se ajustam noescuro. Sigo até Graúna, que seajoelhou ao lado do regulador morto eprocura por armas, dinheiro, tudo oque possa ser útil.

"Graúna." O nome dela pega naminha garganta. "Você acha que?"

"Eles vão ficar bem", diz ela,sem olhar para cima. Ela sabe que eu

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ia perguntar sobre Julian e Prego."Agora sai daqui."

Corro pelo acampamento,encontro a minha mochila amontoadaao lado de várias outras na borda dafogueira. Penduro minha mochila porcima do meu ombro direito, ao ladodo rifle, a alça cava dolorosamente aminha pele. Pego duas das outrasmochilas e as jogo no meu ombroesquerdo.

Graúna corre atrás de mim."Hora de ir, Lena." Ela também some

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na escuridão.Levanto-me, em seguida,

percebo que alguém mexeu nossuprimentos médicos na noitepassada. Se acontecer algo teremosque correr, e não poderemos voltar-vamos precisar deles.

Eu pego uma das mochilas e meajoelho.

Os reguladores estão seaproximando. Eu posso ouvir vozesindividuais agora, palavras individuais.Me dou conta de repente de que o

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acampamento foi totalmenteesvaziado. Eu sou a única que sobrou.

Eu abro a mochila. Minhasmãos estão tremendo. Eu tiro umacamiseta para fora da mochila, ecomeço a encher de Band-Aids ebacitracina.

Uma mão bate no meu ombro."Que diabos você está fazendo?"

É Alex. Ele põe a mão por baixo domeu braço e me levanta. Eu sóconsigo fechar o zíper da mochila."Vamos lá".

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Eu tento puxar meu braço, masele mantém um controle firme sobremim, praticamente me arrastando paradentro da floresta, longe doacampamento. Isso me leva de voltapara a noite de incursão em Portland,quando Alex me levou desse mesmomodo para um labirinto de quartos;quando nos aconchegamos no chão,com cheiro de urina, de um galpão dearmazenamento e ele embrulhousuavemente minha perna ferida, asmãos suaves e fortes, e estranhas na

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minha pele.Ele me beijou naquela noite.Eu afasto a memória.Nós mergulhamos em um aterro

íngreme, afundando através de umacamada podre de barro e folhasúmidas, em direção a um buracosaliente de terra que forma umacaverna natural, um local oco naencosta. Alex me guia para agachar epraticamente me empurra para oespaço pequeno e escuro.

. "Cuidado" Pike também está

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lá: alguns dentes brilhantes, um poucode escuridão sólida. Ele se desloca umpouco para nos acomodar. Alexdesliza ao meu lado, joelhos dobradoscontra o peito.

As tendas não estão a mais decinquenta metros de distância de nós,até a colina. Eu oro silenciosamentepara que os reguladores pensem quefugimos, e não percam o seu tempoprocurando.

A espera é uma agonia. Asvozes dos bosques sumiram. Os

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reguladores devem estar se movendolentamente agora, perseguindo-nos, seaproximando. Talvez eles estejamainda no acampamento, abrindocaminho pelas tendas: sombrasmortais e silenciosas.

O espaço é muito estreito, aescuridão intolerável. A ideia me vem,de repente, que estamos presos emum caixão.

Alex se desloca ao meu lado. Aparte de trás de sua mão roçando omeu braço. Minha garganta fica seca.

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Sua respiração está mais rápida doque o habitual. Eu fico dura,perfeitamente rígida, até ele retirar asua mão. Deve ter sido um acidente.

Outro trecho de silêncioagonizante. Pike resmunga: "Isso éestúpido."

"Shh." Alex silencia-ofortemente.

"Sentados aqui como ratos emuma armadilha ..."

"Eu juro, Pike ..."“Fiquem quietos os dois", eu

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sussurro ferozmente. Ficamos emsilêncio novamente. Depois de maisalguns segundos, alguém grita. Alexfica tenso. Pike tira o seu rifle de seuombro, me espetando na lateral com ocotovelo. Eu engulo um grito.

"Eles se foram." A voz vem aténós desde o acampamento. Então eleschegaram. Acho que agora que elesencontraram as barracas vazias, elesnão pensam que precisem mais ficarquietos. Eu me pergunto qual era oplano: nos cercarem, e nos matarem

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enquanto dormimos.Eu me pergunto quantos são."Droga. Você estava certo sobre

os tiros que ouvimos. É Don.""Morto?""Sim".Há um farfalhar fraco, como se

alguém estivesse chutando as tendas."Olha como eles vivem aqui.Embalados juntos. Se esfregando nochão. Animais".

"Cuidado. Está tudocontaminado.”

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Até agora, eu contei seis vozes."Fede, não é mesmo? Eu posso

sentir o cheiro deles. Merda.""Respire pela boca.""Bastardos", murmura Pike."Shh", eu digo reflexivamente,

apesar da raiva ter me atingidotambém, juntamente com o medo. Euos odeio. Eu odeio cada um deles, porpensar que eles são melhores do quenós.

"Para onde você pensa queestão indo?"

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"Onde quer que seja, eles nãopodem ter ido longe."

Sete vozes distintas ao todo.Talvez oito. É difícil dizer. E nóssomos cerca de duas dúzias. Aindaassim, como disse Graúna, éimpossível saber que tipo de armasestão carregando, e se há reforços nasproximidades.

"Vamos deixa-lo aqui, então.Chris?"

"Entendi".A cãibra começou a atacar as

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minhas coxas. Alivio o meu peso parater algum alívio, pressionando Alexnovamente.

Ele não se afastou. Mais umavez, sua mão roça o meu braço, e eunão tenho certeza se é acidental, ouum gesto de conforto. Por umsegundo, apesar de tudo - meu interiorestá elétrico, e Pike, os reguladores eo frio desaparecem, e há apenas oombro de Alex contra o meu e ascostelas expandindo e contraindocontra a minha, e o áspero calor de

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seus dedos.O ar cheira a gasolina.O ar cheira a fogo.Volto chocada à consciência.

Gasolina. Fogo. Queimando. Elesestão queimando as nossas coisas.Agora o ar está estalando ecrepitando. As vozes dos reguladoressão abafadas pelo ruído. Faixas defumaça ao longo da encosta, flutuam ànossa vista, se contorcendo comocobras no ar.

"Bastardos", diz Pike

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novamente, com a voz estrangulada.Ele começa a se atirar para fora doburaco e eu tento puxá-lo de volta.

"Não faça isso. Graúna dissepara esperar o sinal."

"Graúna não está no comando."Ele se solta de mim e desliza searrastando, segurando seu rifle à suafrente como um franco-atirador.

"Não, Pike."Ou ele não me ouve ou me

ignora. Ele começa a avançar searrastando até a colina..

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"Alex". O pânico está meenchendo como uma maré. A fumaça,a raiva, o rugido do fogo conforme elese espalha, tudo isso tornandoimpossível pensar.

"Merda". Alex se move,passando por mim e começa aalcançar Pike. Até agora, apenas asbotas ainda estão visíveis. "Pike, nãoseja um idiota maldito"

Bang. Bang.Dois tiros. O ruído parece ecoar

e amplificar no espaço oco. Eu cubro

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os meus ouvidos.Então: bang, bang, bang, bang.

Tiros de todos os lugares, e pessoasgritando. Uma chuva de sujeira caisobre mim de. Meus ouvidos estãozumbindo, e minha cabeça está cheiade fumaça.

Concentre-se.Alex já saiu para fora do buraco

e eu o segui, lutando para tirar a armado meu ombro. No último segundo eume livro das mochilas. Elas só medeixarão mais lentas.

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Explosões de todos os lados, e orugido do inferno.

Os bosques estão cheios defumaça e fogo. Labaredas laranjas evermelhas por entre as negras árvores- como testemunhas eretascongeladas em horror. Pike estáajoelhado, meio escondido atrás deuma árvore, atirando. Seu rosto éiluminado de laranja pelo fogo, e suaboca aberta em um rugido. VejoGraúna movendo-se através dafumaça. O ar está vivo com tiros:

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tantos que me lembram de estarsentada no baile com Hana no Dia daIndependência e assistir a queima defogos, os estouros rápidos e os flashesde cor deslumbrante. O cheiro defumaça.

"Lena!"Eu não tenho tempo para ver

quem chama o meu nome. Uma balapassa por mim e se aloja na árvorediretamente atrás de mim, soltando opó da casca. Eu descongelo, correndoem frente, e me encostando grudada

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ao grande tronco de uma árvore.Vários metros à minha frente, Alex serefugiou atrás de uma árvore também.A cada poucos segundos, ele desvia acabeça do tronco, dá vários disparoscom a arma, então volta à segurança.

Meus olhos estão lacrimejando.Eu desvio minha cabeçacautelosamente do tronco, tentandodistinguir as figuras lutando no escuro,iluminadas pelo fogo. A distância, elesquase parecem bailarinos - paresbalançando, lutando, mergulhando e

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girando.Eu não posso dizer quem é

quem. Eu pisco, tusso, cubro meusolhos. Pike desapareceu.

Lá: Eu vejo o rosto de Danirapidamente quando ela se vira para ofogo. Um regulador pulou por trás, etem um braço em torno de seupescoço. Os olhos de Dani estãoesbugalhados, o rosto roxo. Eu trago aminha arma para cima, em seguida aabaixo novamente. Impossível mirar apartir daqui, não com eles

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cambaleando para trás e para frente.Dani está retorcendo e resistindocomo um touro tentando sacudir seuvaqueiro.

Há outro coro de tiros. Oregulador retira o braço do pescoço deDani, segurando o cotovelo, gritandode dor. Ele se vira em direção à luz, eeu posso ver sangue borbulhandoentre os dedos. Eu não tenho amínima ideia de quem disparou ou sea bala foi destinada a Dani ou aoregulador, mas a liberação

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momentânea de Dani dá a vantagemque ela precisa. Ela tateia em buscade sua faca em seu cinto, arfando eengasgando. Ela está obviamentecansada, mas se move com apersistência de um animal que luta atéa morte.

Ela mexe o braço em direção aopescoço do regulador; flashes demetal em seu punho. Depois que ela oapunhala, ele sacoleja, uma enormeconvulsão. Seu rosto mostra asurpresa. Ele engatinha para frente de

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joelhos, e depois cai de rosto no chão.Dani se ajoelha ao lado dele, apoia abota por baixo de seu corpo e tira afaca de seu pescoço.

Em algum lugar, além do murode fumaça, uma mulher grita. Giro omeu rifle em vão para um lado doacampamento que queima para ooutro, mas tudo é confusão e umborrão. Eu tenho que chegar maisperto. Eu não posso ajudar ninguémaonde estou.

Corro pelo campo aberto,

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mantendo-me o mais abaixadapossível, e me movo em direção aofogo e ao caos de corpos, passo porAlex que está acompanhando a açãopor trás de um sicômoro (um tipo deárvore).

"Lena!", ele grita quando eupasso por ele. Eu não respondo.Preciso me concentrar. O ar estaquente e grosso. O fogo estácrepitando nos galhos das árvores,uma marquise mortal sobre nós.Labaredas se trançam ao redor dos

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troncos transformando-os em carvãobranco.. O céu está escuro escondidopor toda a fumaça. Isso é tudo o queresta do nosso acampamento, denossos suprimentos que reunimos comtanto cuidado - as roupas quecaçamos, lavadas no rio, aos farrapos:e as tendas que remendamos tãometiculosamente, até que estivessemcom todos os pontos costurados, ocalor que tudo consome.

A quinze metros de mim, umhomem do tamanho de uma rocha

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jogou Coral ao solo. Vou na direçãodele, quando alguém me ataca portrás. Conforme caio, o acerto fortecom a coronha do meu rifle. Ohomem cospe uma maldição e recuaalguns centímetros, dando-me tempoe espaço para rolar no chão. Eu usominha arma como um bastão debaseball, balançando-a em direção asua mandíbula. Ele faz um estaloenjoativo e cai para os lados.

Prego estava certo sobre umacoisa: Os reguladores não são

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treinados para combates assim. Quasetodo o seu combate tem sido feito doar, a partir do cockpit de umbombardeiro, à distância.

Eu levanto meus pés e corro emdireção a Coral, que ainda está nochão. Eu não sei o que aconteceu coma arma do regulador. Mas ele tem asmãos enroladas em torno de seupescoço.

Eu levanto o meu rifle acima daminha cabeça. Os olhos de Coralbatem com os meus. Enquanto estou

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trazendo o rifle para baixo para baterna cabeça do regulador, ele se virapara mim. Eu consigo acertar o ladode seu ombro, mas perco o equilíbriocom a força que aplico. Eu tropeço, eele acerta o braço em minhas canelase me derruba. Eu mordo o meu lábioe sinto o gosto de sangue. Quero mevirar mas de repente há um peso emcima de mim, me batendo, esmagandoo ar dos meus pulmões. A arma éarrancada da minha mão.

Eu não posso respirar. Meu

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rosto é pressionado no chão. Algumacoisa- um joelho? um cotovelo? - estáapertando o meu pescoço. Explosõesde luz atrás de minhas pálpebras.

Em seguida, há uma paulada, eum grunhido, e o peso é liberado. Eume viro, sugando o ar, chutando longeo regulador. Ele ainda está montadoem mim, mas agora está caído delado, os olhos fechados, um pouco desangue escorrendo da testa, onde elefoi atingido. Alex está de pé em cimade mim, segurando seu rifle.

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Ele se inclina para baixo eagarra meu cotovelo, me levantando.Então ele pega o meu rifle e passapara mim. Atrás dele, o fogo aindaestá se espalhando. Os dançarinos sedispersaram. Agora eu não posso vernada somente uma enorme parede defogo e diversas formas amontoadas nochão. Meu estômago embrulha. Eunão posso dizer quem está caído, seeles são o nosso povo.

Próximo a nós, Gordo levantaCoral e a pendura em suas costas. Ela

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geme, pálpebras tremendo, mas nãoacorda.

"Vamos", Alex grita. O barulhodo fogo é enorme: uma cacofonia desons como um monstro sugador.

Alex nos leva para longe dofogo, usando a coronha da suaespingarda para abrir caminho pelafloresta. Eu reconheço que estamoscaminhando na direção a um pequenoriacho que localizamos ontem. Gordoestá ofegante atrás de mim, e eu aindaestou tonta, e não muito firme nos

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meus pés. Eu mantenho meus olhosfixos na parte de trás da jaqueta deAlex, não penso em mais nada,somente em me mexer, um pé nafrente do outro, indo o mais longepossível do fogo.

"Coo-ee!"Assim que nos aproximamos do

riacho, o chamado de Graúna ecoouaté nós através da floresta. À nossadireita, uma lanterna corta aescuridão. Nós abrimos caminhoatravés de um emaranhado grosso de

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plantas mortas e emergimos em umasuave encosta de terra pedregosa,através da qual passa um riacho raso.A quebra do toldo que as árvoresformavam acima de nós permite que obrilho da lua penetre. Ele risca asuperfície do córrego de prata,fazendo com que as pedras pálidasque revestem o riacho brilhemlevemente.

Nosso grupo está agachado,amontoados, a uma centena de metrosde distância do outro lado do riacho.

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O meu peito se alivia. Estamosintactos, nós sobrevivemos. E Graúnavai saber o que fazer com Julian ePrego.

Ela vai saber como encontrá-los."Coo-ee!" Graúna chama

novamente, mirando uma lanterna emnossa direção.

"Nós vemos você," Gordogrunhe. Ele se empurra adiante demim, sua respiração agora grossa erouca, espirrando através do riachopara o outro lado.

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Antes que possamos atravessar,Alex gira e volta dois passos emdireção a mim. Estou surpresa de verque seu rosto está torcido de raiva.

"Que diabos foi aquilo?", elepergunta. Quando eu só posso olharpara ele, ele continua: "Você poderiater morrido, Lena. Se não fosse pormim, você estaria morta."

"Esta é a sua maneira de pedirum obrigado?" Estou trêmula, ecansada e desorientada. "Vocêpoderia simplesmente aprender a

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dizer, por favor, você sabe.""Eu não estou brincando." Alex

balança a cabeça. "Você deveria terficado onde estava. Você nãoprecisava ir lá atacar como umaespécie de herói."

Eu sinto um lampejo de raiva. Edespejo toda essa raiva. "Desculpe-me", eu digo. "Se eu não tivesseatacado, sua nova - sua novanamorada estaria morta agora."Raramente eu tive a oportunidade deusar a palavra em minha vida, e levo

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um segundo para me lembrar dela."Ela não é de sua

responsabilidade", diz Alexigualmente.

Ao invés de me fazer sentirmelhor, a sua resposta me faz sentirpior. Apesar de tudo o que aconteceuhoje à noite, é esse fato estúpido ebásico que me faz sentir vontade dechorar: Ele não negou que ela era suanamorada.

Eu engulo, o gosto amargo emminha boca. "Bem, eu não sou sua

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responsabilidade também, lembra?Você não pode me dizer o que fazer."Eu encontro o fio da raiva novamente.Agora eu estou seguindo, puxando araiva rapidamente. "Por que você seimporta, afinal? Você me odeia."

Alex olha para mim. "Vocêrealmente não entende, não é?" Suavoz esta baixa.

Eu cruzo os meus braços e osaperto, tentando espremer a dor, paraempurrá-la para dentro. "Não entendoo quê?"

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"Esqueça isso". Alex passa amão pelo cabelo. "Esqueça que eudisse qualquer coisa." "Lena!"

Eu me viro. Prego e Julianacabam de sair da floresta, do outrolado do riacho, e Julian corre emdireção a mim, espirrando a água semparecer notar. Ele passa reto por Alexe me levanta do chão em seus braços.Deixei escapar um único soluçoabafado em sua camisa.

"Você está bem", ele sussurra.Ele está me apertando com tanta força

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que eu mal posso respirar. Mas eu nãome importo. Eu não quero que elesolte, nunca.

"Eu estava tão preocupada comvocê", eu digo. Agora que a minharaiva do Alex, foi drenada, anecessidade de chorar estáressurgindo, empurrando a minhagarganta.

Eu não tenho certeza que Julianme entende. Minha voz é abafada pelacamisa. Mas ele me dá outro apertoforte antes de me soltar. Ele tira o

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cabelo do meu rosto."Quando você e Prego não

voltaram... Achei que talvez algotivesse acontecido ...."

"Decidimos acampar durante anoite." Julian parece culpado, como sea sua ausência fosse de algum modo acausa do ataque. "A lanterna de Pregoapagou e não podíamos ver nada,quando o sol se pôs. Estávamospreocupados de nos perdemos. Nósprovavelmente estávamos a apenasmeia milha daqui." Ele balança a

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cabeça. "Quando ouvimos os tiros,viemos o mais rápido que pudemos."Ele encosta sua testa na minha eacrescenta mais suave: "Eu estava tãoassustado."

"Eu estou bem", eu digo. Eumantenho meus braços em volta desua cintura. Ele é tão firme, tão sólido."Haviam reguladores - sete ou oitodeles, talvez mais. Mas nós osperseguimos."

Julian encontra a minha mão elaça os dedos na minha.

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"Eu deveria ter ficado comvocê", ele diz, sua voz falhando umpouco.

Eu trago a sua mão aos meuslábios. Este simples fato: poder beijá-lo assim, livremente, de repenteparece um milagre. Eles tentaram nosapertar, para nos esmagar no passado.Mas ainda estamos aqui.

E há mais de nós a cada dia."Vamos lá", eu digo. "Vamos

garantir que os outros estejam bem."Alex já deve ter atravessado o

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riacho e voltado ao grupo. Na beira daágua, Julian abaixa e passa um braçopor trás dos meus joelhos, então eutropeço para trás e para os seusbraços. Ele me pega, e eu colocomeus braços ao redor de seu pescoçoe descanso minha cabeça contra seupeito: O seu coração tem um ritmoconstante, tranquilizando. Ele passaatravés da corrente e me deixa dooutro lado.

"Que bom você se juntar a nós"Graúna está dizendo para Prego,

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quando Julian e eu abrimos caminhopara o círculo. Mas eu posso ouvir oalívio na voz dela. Apesar do fato deGraúna e Prego estaremfrequentemente brigando, é impossívelimaginar um sem o outro. Eles sãocomo duas plantas que cresceramuma em torno da outra - eles seestrangulam, se espremem e seapoiam ao mesmo tempo.

"O que devemos fazer?",Pergunta Lu. Ela é uma formaindistinta na escuridão. A maioria dos

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rostos no círculo são escuros ovais, decaracterísticas individuais fragmentadas pelas pequenas manchasde luar. Um nariz é visível aqui, umaboca lá, o cano de uma arma.

"Nós vamos para Waterbury,como planejamos", Graúna diz comfirmeza.

"Com o quê?", Diz Dani. "Nãotemos nada. Sem comida. Não hácobertores. Nada."

"Poderia ter sido pior", dizGraúna. "Nós saímos, não é? E não

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podemos estar muito longe.""Nós não estamos." Prego fala.

"Julian e eu achamos a estrada. Émeio dia a partir daqui. Nós estamosmuito ao norte, como Pike disse."

"Eu acho que nós podemosperdoá-lo então" Graúna diz: "porquase ter nos matado." Pike, pelaprimeira vez em sua vida, não temnada a dizer.

Graúna suspira dramaticamente."Okay. Eu admito. Eu estava errado.É isso que vocês querem ouvir"

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Mais uma vez: Nenhumaresposta.

"Pike?" Dani se arrisca,, nosilêncio.

"Merda", murmura Prego. Entãoele diz novamente: "Merda".

Outra pausa. Eu tremo. Juliancoloca o braço em volta de mim, e eume inclino para ele.

Graúna diz baixinho: "Nóspodemos acender uma pequenafogueira. Se ele estiver perdido, issoajudará a encontrar o caminho até

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nós."Este é o seu presente para nós.

Ela sabe, como todos nós sabemos,naquele instante, lá no fundo, quePike está morto.

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Hana

Deus me perdoe, pois eupequei. Purifica-me dessas paixões,porque o doença vai chafurdar nalama com os cães, e só o puro subiráao céu.

As pessoas não devem mudar.Essa é a beleza do emparelhamento,as pessoas podem ser colocadas emconjunto, os seus interesses foramfeitos para se cruzarem, suas

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diferenças minimizadas.Isso é o que promete a cura.

Mas isso é uma mentira.Fred não é Fred, pelo menos,

ele não é o Fred que eu pensei queera. E eu não sou a Hana que eudeveria ser. Não sou a Hana que todomundo me disse que eu seria depoisda minha cura.

A realização traz consigo umadecepção e uma sensação física,também, de alívio.

Na manhã depois da posse de

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Fred, eu me levanto para tomar umbanho, sentindo-me alerta e muitoatualizada. Eu sou excessivamenteconsciente do brilho das luzes, o sinalsonoro da máquina de café do andarde baixo, e o tum-tum-tum das roupasna secadora. Poder, poder, poder emtorno de nós: nós pulsamos com ele.

Mr. Roth, mais uma vez virápara assistir ao noticiário. Se ele secomportar, talvez o ministro daenergia vai dar-lhe a energia de volta,e então eu não vou ter que vê-lo todas

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as manhãs. Eu poderia falar com Fredsobre o assunto.

A ideia me faz querer rir."Bom dia, Hana", diz ele,

mantendo os olhos fixos na TV."Bom dia, Sr. Roth", eu digo

alegremente, e passo para a despensa.Eu examino as prateleiras bemabastecidas, corro meus dedos sobreas caixas de cereais e arroz, osfrascos idênticos de manteiga deamendoim, meia dúzia mantimentos.

Vou ter que tomar cuidado, é

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claro, para roubar apenas um poucode cada vez.

Eu faço o meu caminhodiretamente pela Wynnewood Road,onde eu via graça em brincar com aboneca. Eu mais uma vez abandonominha bicicleta e faço a maior partedo caminho a pé, com cuidado paraficar perto das árvores. Ouço vozes. Aúltima coisa que eu quero é ser pegode surpresa por reguladores.

Minha mochila pesadolorosamente em meus ombros, e

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debaixo das cintas, minha pele estaescorregadia de suor. Esta pesada. Euposso ouvir o barulho do líquidobalançando quando me movo, e rezopara que a tampa do velho jarro deleite que eu enchi com gasolina dagaragem, para poder fugir com oroubo. Não vaze, eu aperteifirmemente.

Mais uma vez, o ar estaperfumado fracamente com cheiro demadeira. Eu me pergunto comomuitas das casas estão ocupadas, e

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como outras famílias foram forçadas aviver aqui, levar a vida. Eu não seicomo eles fazem isso através dosinvernos. Não é à toa que Jenny,Willow, e Grace está tão pálidos ecansados.

-É um milagre que eles aindaestejam vivos.

Eu acho que Fred disse: Elesdevem aprender que a liberdade nãoirá mantê-los aquecidos. Assim, adesobediência vai matá-loslentamente.

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Se eu puder encontrar a casados Tiddles, posso deixar-lhes acomida que eu roubei, e uma garrafade gasolina. É uma coisa pequena,mas é alguma coisa.

Assim eu viro paraWynnewood somente duas ruas dedistância da Brooks e vejo mais umavez Grace na rua, desta vez decócoras na calçada em frente a casaque resistiu cinza, lançando pedras nagrama como se estivesse tentandoignorar tudo.

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Eu respiro fundo e saio dasárvores. Grace se levantaimediatamente.

"Por favor, não corra", eu digobaixinho, porque parece que ela estáprestes a fugir. Dou um passohesitante em direção a ela e elaembaralha os pés, para que eu pararde andar. Mantendo meus olhos emGrace, tiro a mochila do meu ombro."Você pode não se lembrar de mim",eu digo. "Eu era amiga de Lena." Euengasgo um pouco sobre o seu nome

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e tenho que limpar minha garganta."Eu não vou machucar você, ok?"

Coloco a mochila contra acalçada quando eu arrumo para baixo,seus olhos voam para ela por algunsinstantes. Eu tomo isso como um sinalencorajador e movo-me em umagachamento, ainda mantendo meusolhos sobre ela, disposta a não correr.Lentamente, eu abro a mochila.

Agora os olhos estão entre amochila e eu. Ela relaxa os ombrosum pouco.

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"Eu trouxe-lhe algumascoisas", eu digo, chegando lentamentedentro do saco e retirando o que euroubei: um saco de farinha de aveia,creme de trigo, duas caixas demacarrão, queijo, latas de sopa,legumes, atum , um pacote debiscoitos. Eu coloco todos na calçada,um por um. Grace dá um passo rápidopara frente e depois para.

Por último, eu retiro o antigojarro de leite cheio de gasolina. "Isto épara você também", eu digo. "Para

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sua família." Eu vejo o movimento emuma janela do segundo andar e sintouma sacudida rápida de alarme. Mas éapenas uma toalha suja, penduradacomo uma cortina, tremulando aovento.

De repente, ela da uns passospara a frente e agarra a garrafa deminhas mãos.

"Tenha cuidado", eu digo. "Égasolina. É muito perigoso. Achei quevocê poderia usá-la para queimarcoisas", eu termino sem convicção.

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Grace não diz nada. Ela estátentando encher os braços com toda acomida que eu trouxe. Quando eu meagacho e tento ajudá-la, ela agarra opacote de biscoitos e aperta eleprotetora contra o peito. "Calma", eudigo. "Eu só estou tentando ajudar."

Ela bufa, mas permite-meajudá-la a empilhar e recolher as latasde legumes e sopas. Estamos a apenasalguns centímetros de distância, tãoperto que eu posso sentir suarespiração, azeda e com fome. Há

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sujeira debaixo de suas unhas,manchas de grama nos joelhos. Eununca estive tão perto de Grace antes,e encontro-me procurando seu rostopor uma semelhança com Lena. Onariz de Grace é mais nítido, comoJenny, mas ela tem grandes olhoscastanhos de Lena e cabelos escuros.

Eu sinto um impulso rápido deuma coisa: um aperto no fundo domeu estômago, um eco de outrotempo, os sentimentos que deveriamter sido acalmados para sempre.

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Ninguém pode saber, ousequer suspeitar.

"Eu não tenho mais para dar-lhe" Digo. Grace rapidamente selevanta, segurando uma pilha oscilantede pacotes e sacolas nos braços, juntocom a garrafa de plástico. "Eu vouvoltar. Eu só posso trazer um poucode cada vez."

Ela só fica olhando para mimcom os olhos de Lena.

"Se você não estiver aqui, euvou deixar a comida para você em

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algum lugar seguro. Em algum lugarque não vá ficar danificada." Eu medetenho no último segundo paraperguntar: "Você conhece um bomesconderijo?"

Ela se vira bruscamente e dápassos em torno da casa cinza, atravésde um pedaço de grama e mato alto.Eu não tenho certeza se ela quer queeu a siga, mas eu o faço. A pinturaestá descascando, uma das persianasestá torta em uma janela no segundoandar, batendo levemente com o

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vento.Na parte de trás da casa,

Grace espera por mim ao lado umagrande porta de madeira situada nosolo, o que deve levar a um porão. Elacoloca a pilha de comidacuidadosamente na grama, então pegaa alça de metal enferrujado do alçapãoe levanta. Debaixo da porta esta umaentrada escancarada de escuridão, eum conjunto de escadas de madeiraque leva a um espaço pequeno,embaixo da terra. O porão está vazio,

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exceto por várias prateleiras demadeiras tortas, que contêm umalanterna, duas garrafas de água, ealgumas baterias.

"Isso é perfeito", eu digo. Porapenas um segundo, um sorriso norosto de Grace.

Eu a ajudo a levar a comidapara o porão e estocá-lo nasprateleiras. Eu coloco a garrafa degasolina contra uma parede. Elamantém o pacote de biscoitosabraçado contra o peito, e se recusa a

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deixá-lo. O quarto cheira mal, como arespiração de Grace: azeda e terrosa.Fico feliz quando saímos de volta paraa luz do sol. A manhã deixou umasensação de peso no peito que serecusa a se dissolver.

"Eu vou estar de volta", eudigo à Grace.

Eu quase dobrei a esquinaquando ela fala.

"Eu me lembro de você", dizela, com a voz quase tão baixa queum sussurro. Eu giro ao redor,

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surpresa. Mas ela já está correndopara longe, para as árvores, edesaparece antes que eu tenha achance de responder.

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Lena

O amanhecer veio logo: umaluz esfumaçada no horizonte atrás denós, por cima das árvores, onde ofogo continuava a arder. As nuvens eos desvios de fumaça negra eramquase indistinguíveis.

No escuro, e na confusão, nósnão percebemos que estavam faltandodois membros do nosso grupo: Pike eHenley. Dani queria voltar parar e

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procurar seus corpos, mas o fogofazia com que fosse impossível. Nãopodiamos nem mesmo voltar para veras latas que não estavam queimadas,procurar suprimentos através daschamas.

Em vez disso, assim como océu era luz, eu sigo.

Nós andamos em silêncio, emuma linha reta, os nossos olhostreinados no chão. Devíamos chegarao acampamento em Waterbury, logoque possível, sem desvios, sem

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descanso, sem explorações das ruínasde cidades antigas, seguindo umafonte limpa por muito tempo. O arestava carregado com ansiedade.

Podíamos nos contentar com asorte de uma coisa: o mapa que estavacom Graúna, Julian e Prego e não foidestruído com o resto de nossasfontes.

Prego e Julian caminhavamjuntos na linha de frente,ocasionalmente parando paraconsultar anotações que fizeram no

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mapa. Apesar de tudo o queaconteceu, me dava uma onda deorgulho assistir Prego pedir ajuda aJulian, e um tipo diferente de prazertambém , porque eu sei que tambémAlex notava.

Alex, obviamente, ia na partetraseira com Doral.

Era um dia quente, tão quenteque eu tirei minha jaqueta e enroleiminha camisa de manga comprida atéos cotovelos, o sol estava fritandoliteralmente sobre a terra. Era quase

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impossível acreditar que apenasalgumas horas atrás, fomos atacados,exceto pelo fato de as vozes de Pike ede Henley estarem ausentes daconversa sussurrada.

Julian estava à minha frente.Alex estava atrás de mim. Então, euseguia exausta, minha boca aindacheia do sabor de fumaça, os meuspulmões queimando.

“Waterbury”, Lu disse-nos,era o começo de uma nova ordem.Um enorme acampamento crescia

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fora dos muros da cidade, e muitosdos moradores válidos da cidadefugiram. Povoados de Waterburyforam totalmente evacuados; outraspartes da cidade tinham barricadascontra os inválidos, do outro lado.

Lu já ouvira falar que o campode refugiados era quase como umacidade em si: espaço para todos, todomundo ajudava a reparar os abrigos,caçavam alimentos e recolhiam água.Ele tem sido até agora salvo deretaliação, em parte, porque ninguém

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que permaneceu pode retaliar. Osescritórios municipais foramdestruídos, e o prefeito e seusadjuntos foram expulsos.

Lá, nós vamos construirabrigos de galhos e tijolosreaproveitados e, finalmente,encontrar um lugar para nós mesmos.

Em Waterbury, tudo vai ficarbem.

As árvores começaram a ficarfinas, e nós passamos por bancos eviadutos grafitados, salpicados de

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mofo, telhados intactos, uma casa nomeio de um campo de grama, comose o resto da casa tivessesimplesmente aspirado subterrânea;placas de estrada que levavam a lugarnenhum, agora faziam parte de umagramática absurda. Esta era alinguagem do mundo anterior, ummundo de caos e confusão, felicidadee desespero, antes dos reguladoresinvadirem as ruas, encherem asprisões, e os corações em pó.

Percebemos que estávamos

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chegando perto.À noite, quando o sol começou

a se pôr, a ansiedade veio atrás.Nenhum de nós queria passar outranoite sozinhos, expostos, nos Wilds,mesmo que conseguimos evitar osreguladores da nossa trilha, porenquanto.

De frente, havia umamensagem. Julian estava longe dePrego e veio para o meu lado, apesarde ter estado quase semprecaminhando em silêncio.

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"O que é isso?" pergunto a ele.Estava tão cansada que eu estavaentorpecida. Eu não podia ver alémdas pessoas à minha frente. O grupoestava desdobrando-se sobre o queparecia ter sido uma vez umestacionamento da cidade. A maiorparte da calçada estava desaparecida.Dois postes de luz, vazios delâmpadas, estavam implantados nochão. Ao lado de um deles, Prego eGraúna estavam parados.

Julian levantou-se na ponta dos

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pés. "Eu acho que... Eu acho que nósestamos lá." Mesmo antes de eleterminar de falar, eu me aproximeiatravés do grupo, caminhando paradar uma olhada.

No canto do estacionamentovelho, o chão cai de repente e descedrasticamente para baixo. Uma sériede trilhas zigue zague leva até umaencosta estéril, desprovida de árvoresem uma porção de terra.

O acampamento não era nadacomo eu imaginava. Eu tinha

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imaginando casas reais, ou pelomenos estruturas sólidas, aninhadasentre árvores. Isto era simplesmenteum vasto campo coberto por colchasde retalhos de cobertores e lixo, ecentenas e centenas de pessoas,empurrando quase diretamente contraa parede da cidade, luzes vermelhasmanchadas de morte. Incêndiosqueimavam esporadicamente em todaa grande extensão, escura, piscandocomo as luzes de uma cidade distante.O céu, elétrico no horizonte, estavaescuro e denso, como uma tampa de

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metal que tem sido apertada sobreresíduos.

Por um momento eu pisquei devolta para o subterrâneo de pessoas. Julian e eu nos conhecemos quandoestávamos tentando escapar doscatadores e seu mundo sujo, cheio defumo, no subsolo.

Eu nunca vi tantos Inválidos.Eu nunca vi tantas pessoas, juntasassim. Mesmo daquela distancia,podíamos sentir o cheiro deles.

Meu peito pareceu que cedeu

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dentro do peito. "Que lugar é esse?"Julian murmurou. Eu queria dizer algopara consolá-lo, queria dizer-lhe quevai ficar tudo bem, mas eu me sentiasobrecarregada, aborrecida com adecepção.

"É isso?" Dani era a única aexpressar o que todos nós devíamosestar sentindo. "Este é o grandesonho? A nova ordem?"

"Temos amigos aqui, pelomenos," Hunter disse calmamente.Mas, mesmo que ele não conseguia

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fingir o descontentamento. Ele enfioua mão pelo cabelo desarrumando-oem todas as direções. Seu rosto estavabranco, todos os dias ele recordavaenquanto andava, sua respiração vindomolhada e irregular. "E nós nãotínhamos escolha, de qualquermaneira."

"Poderíamos ter ido para oCanadá, como Gordo disse."

"Não teríamos feito isso sem onosso suprimento", diz Hunter.

"Nós ainda teríamos nossos

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suprimentos se tivéssemos rumo aonorte, em primeiro lugar," Danidisparou de volta.

"Bem, não adianta. Nósestamos aqui. E eu não sei quanto avocês, mas eu estou com sede como oinferno.” Alex seguiu através da trilha.Ele teve que contornar descendo acolina para a primeira trilhaziguezague, correndo um pouco naencosta deitada, enviando um spray decascalho, derrapando em direção aoacampamento.

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Ele fez uma pausa quandochegou ao caminho e olhou de voltapara nós. "Bem? Vocês vem?” Seusolhos deslizaram sobre todo o grupo.Quando ele olhou para mim, umpequeno impulso de choque passouatravés de mim, e eu rapidamentedeixei cair os meus olhos. Por umafração de segundo, ele parecia quasecomo o meu Alex novamente.

Graúna e Prego avançaramjuntos. Alex estava certo sobre umacoisa: não tínhamos uma escolha

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agora.Nós só podíamos retornar após

alguns dias ao Wilds, não semarmadilhas, ou suprimentos, e jarraspara ferver a nossa água. O restantedo grupo devia saber isso, porque elesseguiram Graúna e Prego, evitando adireção do caminho de terra um apóso outro. Dani resmungou algobaixinho, mas continuou seguindo.

"Vamos." Eu peguei a mão deJulian.

Ele recuou. Seus olhos

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estavam fixos na vasta planície defumaça abaixo de nós, e o patchworksujo de cobertores e tendasimprovisadas. Por um momento, euachei que ele ia recuar. Então elecaminhou para a frente, como seestivesse empurrando o seu caminhoatravés de uma barreira invisível, e meajudou a descer o morro.

No último segundo, perceboque Lu ainda está de pé no cume. Elaparece pequena, ofuscada pelosenormes pinheiros atrás dela. Seu

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cabelo esta quase até a cintura agora.Ela não esta olhando para oacampamento, mas a parede maisalém: a pedra manchada de vermelhoque marca o início de outro mundo. Omundo zumbi.

"Você vem, Lu?" Eu digo."O quê?" Ela parece assustada,

como se eu a tivesse acordado. Então,imediatamente: "Eu vou." Ela lançamais um olhar para a parede antes denos seguir. Seu rosto está preocupado.

A cidade de Waterbury parece

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pelo menos a esta distância, morta: afumaça flutua acima das chaminés defábricas, nenhuma luz brilha a partirdas escuras torres fechadas de vidros.Era a casca vazia de uma cidade,quase como ruínas, passamos nosWilds. A ruína estava do outro ladodas paredes.

E eu me perguntava sobre oque, exatamente, deixou Lu commedo.

Assim que atingi o chão, ocheiro ficou forte, quase insuportável:

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o fedor de milhares de corpos sujos,bocas famintas; urina; incêndiosantigos e tabaco. Julian tossiu, emurmurou, "Deus". Trago minhamanga para a minha boca, tentandorespirar através dela.

A periferia do acampamentoera cercado com tambores metálicosde grandes dimensões e, latas de lixo,ferrugem marcando a idade, em queos incêndios aconteceram. As pessoasse aglomeravam em torno dasfogueiras, para cozinhar ou aquecer

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suas mãos. Eles nos olhavam comdesconfiança quando passamos.Imediatamente, eu podia dizer quenão éramos bem-vindos.

Mesmo Graúna pareceindecisa. Não estava claro ondedeveríamos ir, ou com quemdeveríamos falar, ou se oacampamento estava organizado.Quando o sol foi finalmente engolidopelo horizonte, o público tornou-seuma massa de sombras: os rostos seiluminavam grotesco e contorcidos

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pela luz bruxuleante. Os abrigosforam construídos às pressas a partirde pedaços de estanho ondulado epedaços de metal; outras pessoascriaram tendas improvisadas comlençóis sujos. Outros ainda estavam seenganando, amontoados, no chão,pressionados um contra o outro pelocalor.

"Bem?", Disse Dani. Sua vozera alta, um desafio. "E agora?"

Graúna estava prestes aresponder, quando de repente um

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corpo veio como um foguete contraela, quase empurrando-a. Pregoestendeu a mão para segurá-la, "Hey!"

O menino que empurrouGraúna, era magro, com a mandíbulasaliente de um bulldog. Rápido, eleestava de volta num a tenda vermelhasuja, onde uma pequena multidão sereunia. Um homem mais velho, depeito nu, mas vestindo um longocasaco de inverno, estava em pébatendo com os punhos enrolados,com o rosto em fúria.

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"Seu porco imundo!" Elecuspiu. "Eu vou te matar".

"Você está louco?" A voz doBulldog era surpreendentementeestridente. "O que diabos é você" .

"Você roubou minha latamaldita. Admita. Você roubou minhalata." Gotas de saliva estavam noscantos da boca do velho. Seus olhosestavam arregalados, selvagem. Elevirou em um círculo completo,apelando para a multidão. Emseguida, ele levantou a sua voz. "Eu

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tinha uma lata de atum, sem abrir. Aminha direita, com as minhas coisas.Ele roubou."

"Eu nunca roubei. Você estáfora de seu juízo." Bulldog começa ase virar. O homem de casaco solta umrugido de fúria.

"Mentiroso!"Ele salta. Por um segundo,

parece que ele está voando no ar, seucasaco batendo atrás dele como asgrandes asas de couro de ummorcego. Então, ele pousa em cima

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do rapaz, prendendo-o ao chão. Amultidão fica louca como uma onda,gritando, pressionando para frente,torcendo. O menino rola em cima dohomem, abraçando, batendo nele. Emseguida, o homem mais velho chuta-oe bate o rosto do garoto na sujeira. Eleestá gritando, mas suas palavras sãoininteligíveis. O menino se debate econsegue empurrar o velho paralonge, mandando-o para o lado de umtambor de metal. O homem grita. Ofogo está, obviamente, aceso pormuito tempo. O metal deve ser

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quente.Alguém me empurra para trás,

e eu quase caio me estatelando nochão. Julian consegue segurar meubraço, mantendo-me em pé. Amultidão está fervendo agora: as vozese corpos se tornaram uma, como aágua escura repleta de um monstro demuitas cabeças, muito agitados.

Isto não é liberdade. Este nãoé o mundo novo que imaginávamos.Não pode ser. Isto é um pesadelo.

Eu afasto da multidão,

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puxando Julian, que nunca deixa desegurar a minha mão. É como semover através de uma maré violenta,uma onda de diferentes correntes.Estou com medo que nós nospercamos dos outros, mas então euvejo Talk, Graúna, Coral, e Alex, depé, um pouco afastados, examinandoa multidão e o resto do nosso grupo.Dani, Bram, Hunter, e Lu lutamcontra a multidão para chegar até nós.

Nos amontoamos juntos eesperamos pelos outros. Eu faço a

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varredura na multidão para acharGordo, mas tudo que eu vejo éneblina, que se juntam em uma fusãoque saem detrás das nuvens defumaça oleosa. Coral começa a tossir.

Os outros não vêm.Eventualmente, somos forçados aadmitir que nos perdemos deles.Graúna diz, sem entusiasmo, que, semdúvida, nos encontrarão. Precisamosencontrar um lugar que possa serseguramente um acampamento, ealguém que poderia estar disposto a

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compartilhar comida e água.Pedimos a quatro pessoas

diferentes antes de encontrar uma quequeira nos ajudar. A menina,provavelmente não tem mais do quedoze ou treze anos, e esta vestida comroupas tão sujas que virou umuniforme, sujo de cinza. Dirige-noscom gestos para falar com Pippa, auma parte do campo iluminado commais intensidade do que o resto.Quando nós fazemos o nosso caminhopara o lugar que ela indicou, posso

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sentir a menina nos observando. Viro-me uma vez para olhar para ela. Elatem um cobertor puxado sobre acabeça, e seu rosto esta escondidocom as sombras, mas seus olhos sãoenormes, luminosos. Eu penso emGrace, e sinto uma dor aguda no meupeito.

Parece que o campo érealmente dividido em pequenas áreas,cada uma reclamada por uma pessoaou um grupo de pessoas. À medidaque caminhamos percebemos uma

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série de pequenas fogueiras que,aparentemente, marcam o início dodomínio de Pippa, ouvimos dezenasde lutas acontecendo ao longo dasfronteiras e limites, propriedades eposses.

De repente Graúna solta umgrito de reconhecimento. "Twiggy",chora, e dispara em uma corrida. Eu avejo nos braços de uma mulher e é aprimeira vez que eu já vejo Graúnaabraçar voluntariamente alguém alémde Talk, e quando ela se afasta, as

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duas começam a falar e rir ao mesmotempo.

"Prego," Graúna disse: "Vocêse lembra Twiggy! Você esteve com agente? Três verões atrás?" "Quatro", amulher corrige ela, rindo. Ela tem,provavelmente, trinta anos, e seuapelido deve ser irônico.

Ela lembrava um homem:pesada, com ombros largos e semquadris. Seu cabelo era cortado pertode seu couro cabeludo. Ela tinha osorriso de um homem, também,

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profundo e em plena garganta. Eugostei dela imediatamente. "Eu tenhoum novo nome agora, você sabe", eladiz, com uma piscadela. "Por aqui, aspessoas me chamam de Pippa".

O pedaço de terra que Pippareivindicou para si era maior e melhororganizado do que qualquer coisa quevimos no acampamento. Era umabrigo verdadeiro: Pippa haviaconstruído, ou reivindicado, umgrande galpão de madeira com umtelhado, fechado em três lados.

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Dentro do galpão havia vários bancostoscamente feitos, uma meia dúzia delanternas a pilhas, pilhas de cobertorese duas geladeiras, uma cozinhagrande, e um mini armário fechadoacorrentado e com cadeado. Pippadiz-nos que este era o lugar onde elamantinha os alimentos e suprimentosmédicos, que ela conseguia reunir.Ela, além disso, recrutou váriaspessoas, homem, para alimentar asfogueiras constantemente, para queferverem água, e manter fora alguémcom inclinação para roubar.

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"Você não iria acreditar nasmerdas que eu vi por aqui", disse ela."Na semana passada, alguém foimorto por causa de um malditocigarro. É uma loucura.“ Ela balançaa cabeça. "Não admira que os zumbisnão se incomodaram em nosbombardear. Desperdício de munição.Nós vamos matar uns aos outrosmuito bem a este ritmo." Ela apontapara nos sentarmos no chão."Poderiam muito bem ficar aqui umpouco. Vou pegar um pouco de

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comida adiante. Não é muito. Euestava esperando uma nova entrega.Estamos recebendo ajuda daresistência. Mas alguma coisa deve teracontecido.”

"Patrulhas", diz Alex. "Haviareguladores ao sul daqui. Fugimos deum grupo deles."

Pippa não parece surpresa. Elajá deve ter percebido que o Wilds foiviolado. "Não admira que tudo estáuma merda", diz ela suavemente."Vão em frente. A cozinha está

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prestes a abrir.”Julian está muito tranquila.

Mas eu posso sentir a tensão em seucorpo. Ele continua olhando em voltacomo se esperando que alguém irásaltar das sombras. Agora queestamos deste lado das fogueiras,rodeado por calor e luz, o resto docampo se parece com uma manchasombria: contorcendo, agitando naescuridão, fazendo sons de animais.

Eu só posso imaginar o que eledeve pensar deste lugar, o que ele

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deve pensar de nós. Esta é a visão domundo que ele sempre foi advertido aficar contra: um mundo onde hádoença, é um mundo de caos esujeira, de egoísmo e de desordem.

Eu me sinto injustificadamentezangada com ele. Sua presença, suaansiedade, é um lembrete de que háuma diferença entre seu povo e omeu.

Prego e Graúna sentam em umdos bancos. Dani, Lu, Hunter e Bramespremem-se no outro. Julian e eu

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sentamos no chão. Alex continua depé. Coral senta-se diretamente nafrente dele, e eu tento não prestaratenção ao fato de que ela está seinclinando para trás, descansandocontra suas canelas, e a parte de trásde sua cabeça está tocando o joelho.

Pippa pega uma chave depescoço e abre a geladeira grande.Dentro dela são filas e filas dealimentos enlatados, bem como sacosde arroz. As prateleiras inferioresestão com embalagens de ataduras,

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pomada antibacteriana, e garrafas deibuprofeno. Enquanto Pippa se move,ela nos fala sobre o acampamento, eos tumultos em Waterbury quelevaram à sua criação.

"Começou nas ruas", elaexplica, despejando arroz em umapanela grande, amassada. "Ascrianças, principalmente. Sem cura.Alguns deles estavam irritados com ossimpatizantes, e temos algunsmembros da resistência moles,também, para manter todo mundo

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ligado."Ela se move com precisão,

sem gastar energia. Pessoas sematerializam saindo da escuridão paraajudá-la. Logo ela coloca vários potesem um dos fogos em volta. Fumaçadeliciosa, com cheiro de comidacircula em volta para nós.

Imediatamente ocorre umamudança, uma diferença na escuridãoque nos rodeia: um círculo de pessoasse reuniu num muro, com olhosfamintos escuros. Dois dos homens de

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Pippa ficam de guarda sobre aspanelas, facas em punho.

Eu tremo. Julian não coloca obraço em volta de mim.

Nós comemos arroz e feijãonuma panela comum, usando nossasmãos. Pippa nunca para de se mover.Ela anda com o pescoço projetadopara frente, como se sempreesperasse encontrar uma barreira epretendesse dar cabeçada atravésdela. Ela não parava de falar, também.

"A resistência me mandou para

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cá", diz ela. Graúna perguntou comoela veio parar em Waterbury. "Depoisde todos os tumultos na cidade,pensávamos que tínhamos uma boaoportunidade para organizar umprotesto, um plano de oposição emgrande escala. Há duas mil pessoas noacampamento agora, mais ou menos.Isso é um monte de mão de obra.”

"E como vai?" Graúnapergunta.

Pippa agacha em volta dafogueira e cospe. "Como é que parece

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que ele está indo? Estive aqui um mêse eu encontrei talvez uma centena depessoas que se preocupam com acausa, que estão dispostos a lutar. Oresto está muito assustado, cansadodemais, ou muito abatido. Ou elessimplesmente não se importam”.

"Então o que você vai fazer?"Graúna pergunta.

Pippa estende as mãos. "O queeu posso fazer? Eu não posso forçá-los a se envolver, e eu não posso dizeràs pessoas o que fazer. Esta não é

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Zumbilândia, certo?"Eu devo estar fazendo uma

careta, porque ela olha para mimrapidamente. "O que foi", diz ela.

Eu olho para Graúna paraorientação, mas seu rosto éimpassível. Eu olho para Pippa. "Devehaver alguma maneira..." Eu mearrisco.

"Você acha?" Sua voz ficadura. "Como? Eu não tenho dinheiro,não posso suborná-los. Nós não temosforça suficiente para ameaçá-los. Eu

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não posso convencê-los, se eles nãoquerem ouvir. Bem-vinda ao mundolivre. Dê às pessoas o poder deescolha. Eles podem até mesmoescolher a coisa errada. Bonito, nãoé?" Ela abruptamente se afasta dofogo. Quando ela fala de novo, suavoz é calma. "Eu não sei o que vaiacontecer. Eu estou esperando pormais notícias. Poderia ser melhorseguir em frente, deixar este lugarapodrecer. Mas, pelo menos estamosseguros para o momento."

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"E quanto a temores deataque?", Diz Prego. "Você não achaque a cidade vai retaliar?"

Pippa balança a cabeça. "Acidade foi evacuada após os motins."Sua peculiar boca abre em umpequeno sorriso. "O medo decontágio, a delírios se espalhandopelas ruas, transformando-nos todosem animais." Em seguida, o sorrisodesaparece. "Eu estou dizendo a vocêalgo. As coisas que eu vi aqui ... Elespodem ter razão."

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Ela pega a pilha de cobertorese os passa para Graúna. "Aqui. Faça-se útil. Você vai ter que compartilhar.Os cobertores são ainda mais difíceisde manter do que as panelas. Caminhepara baixo onde você pode encontrarespaço. Não ande muito longe, porém.Há alguns loucos por aqui. Eu vi todosos procedimentos mal feitos,mergulhões, os criminosos, e por aí afora. Bons sonhos, crianças".

É só quando Pippa mencionasono que eu percebo o quão exausta

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estou. Passaram mais de 36 horasdesde que eu dormi, e até agora tenhosido alimentada principalmente pelomedo do que vai acontecer com agente. Agora meu corpo está pesado.Julian tem que me ajudar a andar. Euo segui como uma sonâmbula,cegamente, sem consciência do queme rodeava. Nós nos afastamos dogalpão.

Julian para em uma fogueiraque foi acessa. Estamos na base domorro, e aqui a inclinação é ainda

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mais acentuada do que a quechegamos, e não há nada plano ao seulado.

Eu não me importo com adureza do solo, a umidade da geada,os contínuos gritos e buzinas de todosao nosso redor, a escuridão viva eameaçadora. Quando Julian resolveficar atrás de mim e envolver oscobertores em torno de nós dois, eu jáestou em outro lugar: Eu estou navelha casa, na enfermaria, e Graceestá lá, falando comigo, dizendo meu

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nome mais e mais. Mas sua voz éabafada pelo bater de asas negras, equando eu olho para cima, vejo que otelhado foi explodido por bombas dosreguladores, e em vez de um teto éapenas o céu escuro da noite, emilhares e milhares de morcegos,apagando a lua.

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HanaEu acordei com a aurora

crescendo no horizonte. Um som decoruja em algum lugar fora de minhajanela, e meu quarto esta cheio deformas escuras.

Em 15 dias, vou estar casada.Eu vou me juntar a Fred para

cortar a fita do novo muro nafronteira, uma estrutura de quinze

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metros de altura, de concreto e de açoreforçado. O novo muro na fronteirairá substituir todas as cercaseletrificadas que sempre rodearamPortland.

A primeira fase da construçãofoi concluída apenas dois dias depoisque Fred tornou-se oficialmente oprefeito, se estendia desde o PortoVelho passando a Ponte de Tukey etodo o caminho para as criptas. Asegunda fase não será concluída pormais de um ano, e vai colocar um

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muro por todo o caminho até o RioFore, dois anos depois, a parede finalvai subir, conectando os dois, e amodernização e reforço da fronteiraserá concluído, a tempo para areeleição de Fred.

Na cerimônia, Fred avançacom uma tesoura grande, sorrindopara os jornalistas e fotógrafosaglomerados em frente à muralha.Estava uma brilhante manhãensolarada, um dia de promessas epossibilidades. Ele levantou a tesoura

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dramaticamente em direção à fitavermelha grossa amarrada noconcreto. No último segundo, eleparou, e apontou para a frente.

"Eu quero minha futura esposainaugure este marco hoje", ele gritou,e um rugido de aprovação como parame apresentar, e eu, corei, fingindosurpresa.

Isto tudo ensaiado, é claro. Eledesempenhou o seu papel. E eu eramuito cuidadosa a desempenhar omeu também.

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A tesoura, fabricada para oshow, era grande, e eu tinhadificuldade de fechar as lâminasatravés da fita. Depois de algunssegundos, as palmas das mãosestavam a suar. Eu podia sentir aimpaciência de Fred por trás de seusorriso, podia sentir o olhar ponderadode seus associados e membros dacomissão, todos eles me olhando deuma pequena distância, isolados, forada área dos jornalistas.

Snip. Na última vez que eu

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fecho a tesoura através da fita, elasvão para o chão, e todos aplaudem aoalto muro de concreto, suavemente. Oarame farpado no seu topo cintila aosol, como os dentes de metal.

Depois, nós vamos para oporão de uma igreja local para umapequena recepção.

Pessoas, lanche, brownies ecanapés de queijo em guardanapos depapel, e sentam-se em cadeirasdobráveis, equilibrando copos deplástico de refrigerante no colo.

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Está informalidade, a sensaçãode vizinhança, no porão da igreja, comsuas paredes brancas e um leve cheirode terebintina, também foicuidadosamente planejado.

Fred recebe os parabéns eresponde a perguntas sobre política eas mudanças planejadas. Minha mãeesta brilhando, mais feliz do que eu jávi, e quando ela me chama a atençãoem toda a sala, ela pisca. Ocorre-meque isto é o que ela queria para mim,para nós, toda a minha vida.

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Eu derivo em meio à multidão,sorrindo, tendo uma conversa educadaquando necessário. Debaixo dasrisadas e conversas, sou perseguidapelo som de um silvo de uma cobra,um nome que me segue por todaparte.

Mais bonita do que Cassie ...Não tão esguia como Cassie ...Cassie, Cassie, Cassie ...Fred está em um ótimo humor

quando nos dirigimos para casa. Eleafrouxa a gravata e desabotoa o

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colarinho, arregaça as mangas até ocotovelo e abre as janelas para a brisacorrer dentro do carro, soprando ocabelo em seu rosto.

Agora ele se parece mais comum pai. Seu rosto está vermelho,estava quente na igreja e por umsegundo eu não posso deixar deimaginar como vai ser depois queformos casados, e em quanto tempoele vai querer começar a ter filhos. Eufecho meus olhos e visualizo a baía,deixo a imagem de Fred em cima de

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mim quebrando em ondas."Eles estavam comentando",

Fred diz entusiasmado. "Eu joguei umpar de dicas, aqui e ali, sobre Finch edo Departamento de Energia, e vocêpoderia simplesmente dizer a todosque estava indo uma merda."

De repente, eu não posso maismanter a dúvida: "O que aconteceucom Cassandra?" Seu sorriso vacila."Você estava ouvindo?"

"Eu estava. Eles estavamcomentando sobre ela. Indo tudo a

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merda." Ele estremece um poucoquando eu digo a palavra merda,mesmo quando eu só estou repetindoa palavra de volta para ele. "Mas vocême fez lembrar. Eu estava querendoperguntar. Você nunca me contou oque aconteceu com ela."

Agora, o sorriso haviacompletamente desaparecido. Ele sevirou para a janela. Listras do sol datarde no rosto em padrões de luz esombra alternadas. "O que faz vocêpensar que algo aconteceu?"

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Eu mantenho a minha voz leve."Eu só quis dizer que eu queria saberpor que vocês se divorciaram."

Ele gira rapidamente paraolhar para mim, olhos apertados,como se estivesse esperando parapegar a mentira em meu rosto. Eumantenho a minha face neutra. Elerelaxa um pouco.

"Diferenças irreconciliáveis".O sorriso retornou. "Eles devem tercometido um erro quando a avaliaram.Ela não era certa para mim."

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Nós olhamos um para o outro,os dois sorrindo, fazendo o nossodever, mantendo nossos respectivossegredos. "Você sabe uma das coisasque eu mais gosto em você?",Pergunta ele, estendendo a mão parao meu braço. "O quê?"

Ele me empurra de repentepara longe dele. Surpresa, eu grito.Ele aperta a pele macia da parteinterna do meu cotovelo, mandandoum choque agudo de dor no meubraço. Lágrimas embaçam meus

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olhos, e eu inspiro profundamente,desejando sair dali.

"Isso, você não faz muitasperguntas", diz ele, e me empurrapara longe dele com força. "Cassie fezmuitas perguntas."

Em seguida, ele se inclina paratrás, e nós fazemos o resto docaminho em silêncio.

O final da tarde costumava sera minha época favorita do dia minha,e de Lena. Ainda é?

Eu não sei. Meus sentimentos,

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minhas velhas preferências, estãoapenas fora de alcance, nãocompletamente erradicadas, comodeveriam ter ficado, mas comosombras, queimando sempre que eutento focar nelas.

Eu não faço perguntas. Acabeide decidir.

O passeio para DeeringHighlands parece mais fácil.Felizmente, eu não encontro ninguém.Eu vou deixar os suprimentos decomida e gasolina na adega

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subterrânea que Grace me mostrou.Depois disso, vou até Preble

Street, onde o tio de Lena costumavater seu pequeno armazém da esquina.Como eu suspeitava, agora estáfechado. Grades de metal forampostas ao longo de suas janelas, alémdo aço entrelaçado, vejo o grafiterabiscado em todo o vidro, agoraindecifrável, desbotado pela chuva. Otoldo, de um azul royal, esta rasgado emeio desmantelado. Um fino arame demetal, como a perna articulada de

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uma aranha, segura o tecido queoscila como um pêndulo com o vento.Um pequeno cartaz fixado em umadas grades de metal diz EM BREVE!SALÃO DE BELEZA DA ABELHA.

A cidade, sem dúvida, oobrigou a fechar suas portas, ou osclientes pararam de vir, preocupadosde que eles seriam culpados porassociação. A mãe de Lena, tioWilliam, e agora Lena ...

Muito sangue ruim. Muitadoença.

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Não era à toa que eles estavamse escondendo nas Highlands Deering.Não era de admirar que Willow estavaescondido lá também. Eu me perguntose foi por escolha ou se eles foramcoagidos, ameaçados, ou mesmosubornados para deixar o bairromelhor.

Eu não sei o que me força a irpara trás, para o beco estreito e apequena porta azul que costumavalevar para a despensa. Lena e eucostumávamos ficar aqui juntas,

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quando ela ia abastecer as prateleirasdepois da escola.

O sol se inclina rígido sobre ostelhados inclinados das construçõesem torno de mim, saltando por cimada pista, que está escura e fresca.Moscas zumbem em torno de umalixeira, monótonas e, em seguida,colidem com o metal. Subo em aminha bicicleta e a encosto contrauma das paredes de concreto bege. Ossons das pessoas gritando uns aosoutros na rua, o barulho ocasional de

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um ônibus parece distante.Dou um passo em direção à

porta azul, que está suja com merdade pombo. Apenas por um momento,o tempo parece se dobrar em dois, eeu imagino que Lena vai escancarar aporta para mim, como sempre fazia.Eu vou pegar um assento em uma dascaixas de fraldas de bebê ouconservas de feijão verde, e vamosdividir um saco de batatas fritas e umrefrigerante roubado do estoque, e nósvamos falar sobre ...

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O quê?O que conversávamos, então?Escola, eu acho. As outras

meninas da nossa turma, e pistas decorrida, e da série de concertos noparque e quem foi convidado a umafesta de aniversário, e as coisas quequeríamos fazer juntas.

Nunca meninos. Lena não. Elaera muito cuidadosa. Até que, um dia,ela não foi.

Naquele dia, eu me lembroperfeitamente. Eu ainda estava em

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estado de choque por causa dosataques da noite anterior: o sangue e aviolência, o coro de gritos. Naquelamanhã, eu tinha vomitado o meu caféda manhã.

Lembro-me de expressão deLena, quando ele bateu na porta:olhos selvagens, apavorados, o corpoduro, e como Alex tinha olhado paraela quando ela finalmente o deixouentrar na despensa. Eu me lembroexatamente o que ele estava usando,também, e a bagunça do seu cabelo, o

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tênis com seus cordões azul tingido.Seu cadarço direito estavadesamarrado. Ele não percebeu.

Ele não percebeu nada, apenasLena.

Lembro-me da onda de calorque esfaqueou através de mim.Ciúmes.

Estendo minha mão para amaçaneta da porta, puxo umarespiração profunda. Estava trancada,é claro. Eu não sei o que estavaesperando, e por isso me sinto tão

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decepcionada. Está trancado. Alémdisto, deve haver poeira nasprateleiras.

Este é o passado: deriva,reúne. Se você não tiver cuidado, vaienterrá-lo. Esta era a metade da razãopara a cura: Ela fazia limpeza,apagava o passado, e toda a sua dor,ficava distante, como espelhos debares em vidro cintilante.

Mas a cura funcionava deforma diferente para toda a gente, eela não funcionava perfeitamente para

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todos.Eu havia decidido a ajudar a

família de Lena. A loja deles foifechada e seu apartamento perdido, epor isso eu era parcialmenteresponsável. Eu era a única que aencorajou a ir para sua primeira festailegal, eu era a única que sempreincitou-a, perguntando-lhe sobre osWilds, falando sobre sair de Portland.

E também fui a única queajudou Lena na fuga. Eu dei o recadopara Alex informando-lhe que ela

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tinha sido pega e que a data doprocedimento havia sido alterada. Senão fosse por mim, Lena teria sidocurada. Ela poderia estar sentada emum dos cursos na Universidade dePortland, ou andando pelas ruas dePorto Velho com o seu par. O Stop-N-Save ainda estaria aberto, e a casaem Cumberland estaria ocupada.

Mas a culpa era ainda maisprofunda do que isso. Era, também,poeira: camadas e camadas deladevem ter acumulado. Porque se não

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fosse por mim, Lena e Alex nuncateriam sido pegos.

Eu disse a eles. Porque euestava com ciúmes.

Deus me perdoe, pois eupequei.

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Lena

Eu acordei com um movimentoe um barulho. Julian se foi.

O sol está alto, o céu semnuvens. É dia ainda. Eu afasto oscobertores e me sento, piscando osolhos fortemente. Minha boca temgosto de poeira.

Graúna está ajoelhada ao meulado, alimentando galhos, um de cadavez, em uma das fogueiras. Ela olha

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para mim. "Bem-vinda à terra dosvivos. Dormiu bem?"

"Que horas são?" Eu pergunto."Já passa do meio-dia." Ela se

endireita. "Estamos prestes amergulhar no rio."

"Eu vou com você." Água: Issoé o que eu preciso. Preciso me lavar ebeber. Todo o meu corpo parece queestá coberto de sujeira.

"Vamos, então," ela diz.Pippa está sentada na

extremidade de seu acampamento,

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conversando com uma mulherdesconhecida.

"Ela é da resistência", explicaGraúna quando me vê olhando e meucoração faz um som engraçado nomeu peito. A minha mãe está com aresistência. É possível que a estranhaa conheça. "Ela está uma semanaatrasada. Ela estava vindo de NewGraúna com suprimentos, mas foiemboscada por patrulhas".

Eu engulo seco. Eu tenhomedo de perguntar à estranha por

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notícias. Eu estou apavorada que euvá mais uma vez me decepcionar."Você acha que Pippa vá deixarWaterbury?" Eu pergunto.

Graúna encolhe os ombros."Vamos ver."

"Para onde vamos?" Eupergunto.

Ela me lança um pequenosorriso, estende a mão e toca o meucotovelo. "Ei. Não se preocupe tanto,ok? Esse é o meu trabalho."

Eu sinto uma onda de afeição

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por ela. As coisas entre nós não temsido as mesmas desde que eu descobrique ela, Prego - e Julian - me usarampara o movimento. Mas eu estariaperdida sem ela. Todos nósestaríamos.

Prego, Hunter, Bram e Julianestão de pé juntos, segurando baldesimprovisados e recipientes de váriostamanhos. Eles obviamente estãoesperado por Graúna. Eu não sei ondeCoral e Alex estão. Eu não vejo Lu,também.

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"Ei, bela adormecida", dizHunter. Ele, obviamente, dormiu bem.Ele parece uma centena de vezesmelhor do que ele estava ontem e elenão está tossindo mais.

"Vamos começar a festa",Graúna diz.

Deixamos a relativa segurançado acampamento de Pippa e vamosandando empurrando as pessoas,através do labirinto de abrigos ebarracas improvisadas. Eu tento nãorespirar muito profundamente. O local

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fede a corpos sujos e – pior ainda – abanheiro. O ar é denso com moscas emosquitos. Eu mal posso esperar paraentrar na água e lavar o mau cheiro ea sujeira. À distância, eu posso apenasver o fio escuro do rio, serpenteandoao longo do lado sul do acampamento.Não muito longe agora.

As tendas dos abrigos,eventualmente, extinguem-se. Opavimento agora está rachado efragmentado, cruzando a paisagem.Peças enormes de concreto marcam a

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fundação de casas antigas.Quando nos aproximamos do

rio, vemos uma multidão se reunindoao longo de suas margens. As pessoasestão gritando, empurrando o seucaminho para a água.

"Agora, qual é o problema?"Murmura Prego.

Julian coloca os baldes maioresem seu ombro e franze a testa,embora ele fique em silêncio.

"Não há problema", dizGraúna. "Todo mundo está muito

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animado com o chuveiro." Mas a vozdela é tensa.

Forçamos nosso caminho parao espesso emaranhado de corpos. Ocheiro é esmagador. Eu tento, masnão há espaço para se mover, não hámaneira de trazer a mão sobre minhaboca. Não pela primeira vez, estougrata por ter apenas um metro ecinquenta e oito; pelo menos mepermite me espremer através daspequenas aberturas entre as pessoas eeu luto para chegar à frente da

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multidão em primeiro lugar, saindopara as íngremes margens pedregosasdo rio, enquanto a massa de pessoascontinua a crescer atrás de mim,lutando para chegar até o rio.

Alguma coisa está errada. Aágua está extremamente baixa - nãomais do que um fio ou uns trintacentímetros e há principalmente lama.Enquanto o rio serpenteia em direçãoà cidade, ele é preenchido com umquebra-cabeça em movimento depessoas inchando na margem,

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desesperadas para encher seusrecipientes. De longe, elas se parecemcom insetos.

"Que diabos?" Graúnafinalmente faz seu caminho e fica aomeu lado, atordoada.

"A água está se esgotando", eudigo. Diante do fluxo lento de lama,eu começo a entrar em pânico. Derepente, eu estou mais sedenta do queeu já estive em minha vida.

"Impossível", diz Graúna."Pippa disse que o rio estava fluindo

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muito bem ontem.""É melhor pegar o que

pudermos", diz Prego. Ele, Hunter eBram finalmente abriram caminhoatravés da multidão. Julian segue ummomento mais tarde. Seu rosto estávermelho de suor. Seu cabelo estágrudado em sua testa. Por ummomento, meu coração dói por ele.Eu nunca deveria ter pedido a ele parase juntar a mim aqui, eu nunca deveriater pedido a ele para atravessar.

Mais e mais pessoas estão

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descendo em direção ao rio e lutandopor aquilo que resta, pela pouca água.Não há escolha, temos que lutar aolado deles. Como eu estou memovendo na água, alguém meempurra para fora do caminho eacabo caindo para trás, aterrissandoduramente sobre as rochas. A dordispara pela minha espinha e eupreciso de três tentativas paralevantar-me. Muitas pessoas estãopassando por mim, me empurrando.Eventualmente, Julian tem que lutarde volta através da multidão e me

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ajudar a ficar em meus pés.No final, conseguimos obter

apenas uma fração da água quequeríamos e nós perdemos um poucodela no caminho de volta para oacampamento de Pippa, quando umhomem tropeça em Hunter, virandoum de seus baldes. A água quecoletamos tem um lodo fino e seráreduzida ainda mais, uma vez que seconsiga ferver a lama. Eu choraria seeu pensasse que eu poderiadesperdiçar a água.

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Pippa e a mulher daResistência estão de pé no meio deum pequeno círculo de pessoas. Alexe Coral retornaram. Eu não possodeixar de imaginar onde eles foramjuntos. Estúpido, quando há tantasoutras coisas para se preocupar, masainda assim a mente volta a circularpara uma coisa.

Amor deliria nervosa: ele afetaa sua mente para que você nãoconsiga pensar com clareza, outomar decisões racionais sobre o seu

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próprio bem-estar. Sintoma númerodoze.

"O rio-" Graúna começa adizer quando nos aproximamos, masPippa a corta.

"Ouvimos", diz ela. Seu rostoestá sombrio. À luz do dia vejo Pippae ela é mais velha do que eu pensava.Achei que ela estava em seus trinta epoucos anos, mas seu rosto estáprofundamente marcado e seu cabeloé grisalho nas têmporas. Ou talvezseja apenas o efeito de estar aqui na

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Selva e travar esta guerra. "Ele nãoestá fluindo."

"O que você quer dizer?", dizHunter. "Um rio não para de fluirdurante a noite."

"Ele para se ele estárepresado", diz Alex.

Por um segundo, há o silêncio."O que você quer dizer,

represado?" Julian fala primeiro. Eletambém está tentando não entrar empânico. Eu posso sentir em sua voz.

Alex olha para ele.

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"Represado", ele repete. "Comoparado. Bloqueado. Obstruído ouconfinado por uma - "

"Mas quem represaria?" Julianpergunta. Ele recusa-se a olhar paraAlex, mas é Alex quem responde.

"É óbvio, não é?" Ele se moveum pouco, inclinando o corpo emdireção a Julian. Há uma tensão no ar."As pessoas do outro lado." Ele fazuma pausa. "Teu povo".

Julian não está acostumado aperder a paciência. Ele abre a boca e

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em seguida a fecha. Ele diz, muitocalmamente: "O que você disse?"

"Julian." Eu coloco a mão emseu braço.

Pippa fala, "Waterbury foievacuado principalmente antes de euchegar", diz ela. "Nós pensamos queera por causa da Resistência.Tomamos isso como um sinal deprogresso. "Obviamente, eles tinhamoutros planos. Eles cortaram a fontede água da cidade".

"Então, nós vamos sair", diz

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Dani. "Existem outros rios. A Selvaestá cheia deles. Vamos para outrolugar". Sua sugestão encontra osilêncio. Ela olha de Pippa paraGraúna.

Pippa passa a mão sobre o seucurto cabelo.

"Sim, com certeza." A mulherda Resistência fala. Ela tem umsotaque engraçado. "As pessoas quepodemos reunir, aquelas que podemser mobilizadas - podemos sair.Podemos voltar para as florestas. Mas

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provavelmente há patrulhas esperandopor nós. Sem dúvida, eles estãoreunidos agora mesmo. Mais fácilpara eles se estivermos em gruposmenores, menor chance de nóssermos capazes de lutar. Além disso,parece melhor para a imprensa. Umabate em grande escala é mais difícilde cobrir. "

"Como você sabe tanto sobreisso?"

Eu me viro. Lu acaba de entrarpara o grupo. Ela está um pouco

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ofegante e seu rosto está brilhante.Gostaria de saber onde ela esteve todoesse tempo. Como de costume, seucabelo está solto, colado ao seupescoço e à testa.

"Está é Summer," Pippa dizuniformemente. "Ela está com aResistência. Ela é a razão pela qualvocê vai comer hoje à noite” Osubtexto é claro: Cuidado com o quevocê diz.

"Mas nós temos que irembora." A voz de Hunter está fraca.

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Tenho vontade de estender a mão eapertar a dele. Hunter nunca perde apaciência. "Que outra opção nóstemos?"

Summer não se mexe. "Nóspoderíamos lutar", diz ela. "Nósestamos todos à procura de umaoportunidade de juntar forças, fazeralgo com essa bagunça." Ela apontapara o conjunto de abrigos, comopeças de um enorme estilhaço demetal, brilhando muito em direção aohorizonte. "Esse foi o ponto de chegar

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à Selva, não foi? Para todos nós?Estávamos cansados de ouvir o queescolher."

"Mas como vamos lutar?" Eume sinto tímida em frente a estamulher, com sua voz suave e musicale seus olhos ferozes. Mas prossigo."Nós estamos fracos. Pippa disse queestamos desorganizados. Sem água -"

"Eu não estou sugerindo ir devez", ela me interrompe. "Nós nemsequer sabemos com o que estamoslidando - quantas pessoas ficaram na

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cidade, se há patrulhas de coleta naSelva. O que estou sugerindo é quetomemos o rio de volta."

"Mas, se o rio está represado -"

Mais uma vez, ela me corta."As barragens podem ser explodidas",diz ela simplesmente.

Ficamos em silêncio por maisum segundo. Graúna e Prego trocamum olhar. Em grande parte por hábito,esperamos que um deles fale.

"Qual é o seu plano?" Prego

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diz e só assim eu sei que é real: Issoestá acontecendo. Isso vai acontecer.

Eu fecho meus olhos. Umaflash de imagem - emergindo da vancom Julian depois da nossa fuga daNova York; acreditando que, naquelemomento, havíamos escapado do pior,que a vida começaria de novo paranós.

Em vez disso a vida só tem setornado mais difícil.

Eu me pergunto se isso nuncavai acabar.

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Eu sinto a mão de Julian nomeu ombro: um aperto, uma garantia.Abro os olhos.

Pippa agacha e faz uma grandeforma de lágrima no terreno com umpolegar. "Digamos que isto éWaterbury. Nós estamos aqui." Elamarca um X no lado sudeste daextremidade maior. "E sabemos quequando a luta começou, os curadosretiraram-se para o lado oeste dacidade. Meu palpite é que o bloqueioestá em algum lugar aqui." Ela marca

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um X no lado leste, sinalizando operigo, onde a lágrima começa adiminuir.

"Por quê?", pergunta Graúna.Seu rosto está vivo novamente, alerta.Por um momento, quando eu olhopara ela, eu tenho um pequenotremor. Ela vive para isso, a luta, abatalha pela sobrevivência. Elarealmente gosta do que faz.

Pippa dá de ombros. "É o meumelhor palpite. Essa parte da cidadefoi provavelmente inundada

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completamente, redirecionando ofluxo de água. Eles vão ter defesas lá,é claro, mas se eles tivessem poder defogo suficiente para nos derrotar, elesjá teriam atacado. Estamos falando detodas as forças que eles reuniram emuma semana ou duas."

Ela olha para nós, para secertificar de que estamos entendendo.Em seguida, ela desenha uma seta emtorno da base da lágrima, apontandopara cima. "Eles provavelmenteesperam que a gente vá para o norte,

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na direção do fluxo de água. Ou elesacham que nós vamos nos espalhar".Ela desenha linhas irradiando emvárias direções a partir da base dalágrima. Agora parece um demente,barbudo e de rosto sorridente. "Euacho que em vez disso, devemos fazerum ataque direto, enviar uma pequenaforça à cidade para estourar arepresa." Ela desenha uma linha,indiscriminadamente, através dalágrima, cortando-a ao meio.

"Estou dentro", diz Graúna.

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Prego cospe. Ele não tem que dizerque ele está também.

Summer cruza os braços,olhando para o diagrama de Pippa."Vamos precisar de três gruposdistintos", diz ela lentamente. "Dois dedistração, para criar problemas aqui eaqui" - ela se abaixa e marca um Xem dois lugares distintos ao longo dodesenho - "e uma força menor paraentrar, fazer o trabalho, e sair."

"Estou dentro" diz Lu."Contanto que eu possa fazer parte da

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força principal. Eu não quero essamerda de trabalho lateral".

Isso me surpreende. Na velhacasa, Lu nunca manifestou interesseem juntar-se à Resistência. Ela nemsequer tem uma marca processualfalsa. Ela só queria ficar o mais longepossível da luta, ela queria fingir que ooutro lado, o lado curado, não existia.Alguma coisa deve ter mudado nosmeses em que estivemos separadas.

"Lu pode vir com a gente."Graúna sorri. "Ela é um encanto de

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boa sorte. Foi assim que ela conseguiuseu nome. Não é, Lucky?"

Lu não diz nada."Eu quero fazer parte da força

principal também", Julian fala derepente.

"Julian", eu sussurro. Ele meignora.

"Eu vou para onde quer quevocê precise de mim", diz Alex. Julianolha para ele e por um segundo eusinto o ressentimento entre eles, umaforça cega, dura.

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"Então, eu vou também", dizCoral.

"Conte conosco" Hunter falapor ele e Bram.

"Eu quero ser a pessoa queacende o fósforo", diz Dani.

Outras pessoas estão falandoagora, oferecendo-se para diferentestarefas. Graúna olha para mim. "Evocê, Lena?"

Posso sentir os olhos de Alexem mim. Minha boca está tão seca, osol é tão ofuscante. Eu olho para

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longe, para as centenas e centenas depessoas que foram expulsas de suascasas, de suas vidas, para este lugarde poeira e sujeira, tudo porque elesqueriam o poder de sentir, de pensar,de escolher por si mesmos. Eles nãopoderiam ter sabido que mesmo issoera uma mentira - que nós nuncarealmente escolheríamos, nãointeiramente. Estamos sempre sendoempurrados para baixo de umcaminho para o outro. Nós não temosescolha a não ser um passo à frente edepois um passo para frente de novo e

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então avante novamente e de repentenos encontramos em uma estrada quenão há escolha.

Mas talvez a felicidade nãoesteja na escolha. Talvez esteja naficção, no fingimento: que onde querque nós acabemos é para ondeestávamos destinado o tempo todo.

Coral se move e coloca a mãono braço de Alex.

"Estou com Julian", digofinalmente. Isto, afinal, foi o que euescolhi.

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Hana

Antes de ir para casa, passeialgum tempo ziguezagueando pelasruas perto do antigo porto, tentandolimpar a minha cabeça de Lena e daculpa, tentando limpá-la da voz deFred: Cassie faz perguntas demais.

Eu subo no meio-fio e pedalo omais rápido que posso, como sepudesse empurrar para fora os meuspensamentos através dos meus pés.

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Em apenas duas curtas semanas, eunão terei essa mesma essa liberdade,eu vou ser muito conhecida, muitovisível, muito seguida. O suor escorrepelo meu couro cabeludo. Uma velhasai de uma loja e eu quase não tenhotempo para desviar, pulando o meio-fio e indo de volta para a rua, antes deatingi-la.

"Idiota", ela grita."Desculpe!" Eu falo por cima

do meu ombro, mas a palavra seperde no vento.

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Então, do nada - um cachorrolatindo, uma enorme mancha de pelopreto, salta para mim. Eu, como umaidiota, levo meu guidão para a direita eperco o equilíbrio. Eu caio e, bato omeu cotovelo no chão duro,derrapando, com a dor rasgando meulado direito. Ouço a pancada dabicicleta ao meu lado no concreto ealguém gritando. O cão ainda estálatindo. Um dos meus pés está presonos raios da minha roda dianteira. Ocão me circunda ofegante.

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"Você está bem?" Um homemrapidamente atravessa a rua."Cachorro mau", diz ele, batendo nacabeça do cão com força. O cãoafasta-se por vários metros dedistância, choramingando.

Sento-me, tirando o meu pécom cuidado. Meu braço e minhaperna direita estão cortados, mas,milagrosamente, eu não acho que eutenha quebrado nada. "Eu estou bem."Eu puxo cuidadosamente os meus pés,olhando meus tornozelos e pulsos

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lentamente, verificando se há dor.Nada.

"Você deve prestar atençãopara onde está indo", diz o homem.Ele parece irritado. "Você poderia tersido morta." Então, desce a rua,assobiando para o seu cão lhe seguir.O cão trota atrás dele, de cabeçabaixa.

Eu pego minha bicicleta e alevo para a calçada. A corrente saiuda catraca e o guidão está um poucotorto, mas, fora isso, ela parece bem.

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Eu me curvo para ajustar a corrente epercebo que eu consegui parar emfrente ao Centro de Organização,Pesquisa e Educação. Eu devo tercirculando-o pela última hora.

O núcleo mantém registrospúblicos de Portland: documentos deincorporação para os negócios, mastambém os nomes, datas denascimento e endereços dos seuscidadãos; cópias de seu nascimento,casamento, médicos e registrosdentários, as violações contra eles,

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boletins e revisão anual de pontuação,bem como os resultados da avaliaçãoe casamentos sugeridos.

Uma sociedade aberta é umasociedade saudável, a transparênciaé necessária para confiar. Isso é oque O Livro de Shhh ensina. Minhamãe costumava dizer essa frase deforma diferente: Somente as pessoasque têm algo a esconder fazem umalarido sobre privacidade.

Sem conscientemente tomar adecisão, eu tranco a minha bicicleta

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em um poste e corro escadas acima.Eu empurro as portas giratórias eentro em um grande espaço, decoradocom piso de linóleo cinza e com luzesno teto.

Há uma mulher sentada atrásde uma mesa falsa de madeira, nafrente de um computador muito antigopara os tempos atuais. Atrás dela, umaplaca pesada está pendurada em umaporta aberta com a frase: SOMENTEPESSOAL AUTORIZADO.

A mulher mal olha para mim

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quando me aproximo da mesa. Umapequena etiqueta com o seu nome aidentifica como Tanya Bourne,ASSISTENTE DE SEGURANÇA.

"Posso ajudar?", ela perguntaem um tom monótono. Eu posso dizerque ela não me reconheceu.

"Espero que sim", eu digoalegremente, colocando as mãos sobrea mesa e forçando-a a encontrar omeu olhar. Lena dizia que eu poderiausá-lo para comprar uma ponte."Veja, meu casamento está chegando

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e Cassie se mudou e agora eu nãotenho quase nenhum tempo paralocalizá-la...."

A mulher suspira e reinstala-se em sua cadeira.

"E, claro, Cassie tem que estarlá. Quero dizer, mesmo que nãotemos nos falado... bem, ela meconvidou para o casamento dela e nãoconvidá-la para o meu simplesmentenão seria bom, não é?" Deixei escaparuma risadinha.

"Senhorita", ela diz, cansada.

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Eu rio de novo. "Oh, desculpe.Balbucio – isso é um mau hábito. Euacho que eu estou apenas nervosa,você sabe, por causa do casamento etudo mais." Faço uma pausa e tomouma respiração profunda. "Então vocêpode me ajudar?"

Ela pisca. Seus olhos são deuma cor suja de água do banho. “Oquê?”

"Você pode me ajudar aencontrar Cassie?" Pergunto,apertando minhas mãos em punhos,

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esperando que ela não vá notar. Porfavor, diga sim . "CassandraO'Donnell."

Eu observo Tanya comcuidado, mas ela parece nãoreconhecer o nome. Ela solta umsuspiro exagerado, empurra-se de suacadeira e se move ao longo de umapilha de camadas de papéis. Ela semove para trás de mim e praticamentea golpeia sobre a mesa. É tão grossaquanto um formulário de admissãomédica – pelo menos vinte páginas.

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"Solicitações de Informações Pessoaispodem ser enviadas para o CORE aoscuidados do Departamento do Censoe será processada dentro de 90 dias-"

"Noventa dias", eu a corto."Meu casamento é em duas semanas."

Ela desenha a boca em umalinha. Todo o seu rosto está da cor deágua de má qualidade. Talvez estejaaqui dia após dia, de forma maçante eas luzes vibrantes começaram aconservá-la. Ela diz comdeterminação, "Solicitações de

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Informações Pessoais devem seracompanhadas por uma declaraçãopessoal -"

"Olha." Eu abro meus dedosapoiados no balcão e aperto a minhafrustração para baixo através depalmas das minhas mãos. "A verdadeé que Cassandra é um pouco bruxa,ok? Eu nem sequer gosto dela."

Tanya se anima um pouco.As mentiras vêm com fluidez.

"Ela sempre disse que iria reprovar asminhas escolhas, sabe? E ela falou

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sobre isso por muito tempo. Bem,você sabe o quê? Eu fiz melhor doque ela e meu par é melhor e meucasamento vai ser muito melhor doque o dela." Eu me inclino um poucomais, a minha voz em um sussurro."Eu quero que ela esteja lá. Eu queroque ela veja."

Tanya me estuda de perto porum minuto. Então, lentamente, suaboca vira em um sorriso. "Eu conheciuma mulher assim", diz ela. "Elapoderia pensar que o jardim de Deus

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cresceu sob seus pés." Ela vira a suaatenção para a tela de seucomputador. "Como você disse queera seu nome?"

"Cassandra. CassandraO'Donnell."

As unhas de Tanya clicaramexageradamente contra o teclado. Emseguida, ela balança a cabeça e franzea testa. "Sinto muito. Ninguém listadopor esse nome".

Meu estômago faz um barulhoestranho. "Você te m certeza? Quero

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dizer, você digitou corretamente etudo mais?" Ela gira a tela docomputador para que eu veja. "Tenhomais de quatrocentos O'Donnells.Nem uma Cassandra. "

"E quanto a Cassie?" Eu estoulutando contra um sentimento ruim -uma sensação que eu não tenhonome. Impossível. Mesmo que elaestivesse morta, ela iria aparecer nosistema. O CORE mantém registros detodos, vivos ou mortos, durante osúltimos 60 anos.

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Ela reajusta a tela e click-click-click novamente, depois balançaa cabeça. "Uh-uh. Desculpe. Talvezvocê tenha a grafia errada?"

"Talvez." Eu tento sorrir, masminha boca não obedece. Isso não fazqualquer sentido. Como é que umapessoa desaparece? Um pensamentome ocorre: Talvez ela tivesse sidoinvalidada. É a única coisa que fazalgum sentido. Talvez a sua cura nãotenha funcionado, talvez ela tenhapego o delíria, talvez ela tenha fugido

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para a floresta.Isso se encaixa. Isso seria uma

razão para Fred se divorciar dela."... funcionar no final."Eu pisco. Tanya havia falado.

Ela olha para mim com paciência,obviamente, esperando uma resposta."Sinto muito, o que foi que vocêdisse?"

"Eu disse que eu não mepreocuparia muito com isso. Essascoisas têm uma maneira de funcionar.Todo mundo recebe o que é bom para

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eles no final." Ela ri alto. "Asengrenagens de Deus não virão amenos que todas as peças seencaixem direito. Sabe o que eu querodizer? Você tem o seu ajuste certo eela vai ter o dela."

"Obrigada", eu digo. Eu possoouvi-la rir novamente enquanto eucruzo de volta para as portasgiratórias. O som segue-me para arua, toca levemente na minha cabeça,mesmo quando estou a váriosquarteirões de distância.

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Lena Olho o céu. O horizonte está

cor de tijolo. O resto do céu estálistado com tentáculos vermelhos.

O rio diminuiu a um pequenofio. As pessoas lutam pela água. Pippanos adverte para não deixar seucírculo e colocou guardas em torno desua periferia. Summer tem ficadoseparada. Ou Pippa não sabe paraonde ela vai ou não vai compartilhar

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seus planos com a gente.No final, Pippa decide que

menos é melhor: poucas pessoasenvolvidas menor é a chance de algosair errado. Os melhores lutadores -Prego, Graúna, Dani e Hunter - serãoresponsáveis pela ação principal:chegar à represa, onde quer que seja elevá-la para baixo. Lu insiste em ircom eles e Julian também e, apesar denenhum dos dois ser um lutadortreinado, Graúna concorda.

Eu poderia matá-la.

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"Vamos precisar de guardastambém", diz ela. "Vigias. Não sepreocupe. Vou trazê-lo de volta emsegurança."

Alex, Pippa, Coral e um dogrupo de Pippa, apelidado Beast - eusó posso assumir por causa de seuemaranhado de cabelo preto selvageme a barba escura que obscurece suaboca - vão formar uma força dedistração. De alguma forma, amarradaao segundo. Bram será o meu apoio.

"Eu queria ficar com Julian:"

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Digo a Prego. Eu não me sintoconfortável reclamando diretamentepara Pippa.

"Sim? Bem, eu queria bacon eovos esta manhã", diz ele, sem olharpara cima. Ele está fumando umcigarro.

"Depois de tudo que eu fiz porvocê", eu disse, "você ainda me tratacomo uma criança".

"Só quando você age comouma", diz ele bruscamente e eu melembro de uma briga que tive com

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Alex uma vez, há muito tempo atrás,depois que eu tinha descoberto pelaprimeira vez que a minha mãe tinhasido presa nas Criptas por toda aminha vida. Eu não tinha pensadomais sobre esse momento. Isso foipouco antes de ele me dizer que meamava pela primeira vez. Isso foipouco antes de eu dizer de volta.

Sinto-me desorientada e derepente tenho que apertar minhasunhas em minhas mãos até que eusinta um breve choque de dor. Eu não

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entendo como tudo mudou, como ascamadas de sua vida vão ficandoenterradas. Impossível. Em algummomento, em algum momento, todosnós devemos explodir.

"Olha, Lena." Agora Pregolevanta a sua cabeça. "Estamospedindo que você faça isso, porquenós confiamos em você. Você é umalíder. Nós precisamos de você."

Estou tão assustada com asinceridade de seu tom de voz que eunão consigo pensar em uma resposta.

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Na minha antiga vida, eu nunca fuiuma líder. Hana era a líder. Eu tinhaque acompanhar. "Quando isso vaiacabar?" Eu digo finalmente.

"Eu não sei", diz Prego. É aprimeira vez que eu o ouço admitirnão saber alguma coisa. Ele tentaenrolar o cigarro, mas suas mãosestão tremendo. Ele tem que parar etentar novamente. "Talvez nunca."Finalmente, ele desiste e joga ocigarro fora com desgosto. Por ummomento ficamos em silêncio.

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"Bram e eu precisamos de umaterceira pessoa", digo finalmente."Dessa forma, se algo acontecer, seum de nós cair, o outro ainda tem umreserva."

Prego olha para mimnovamente. Lembro-me que ele,também, é jovem, vinte e quatro anos,Graúna me disse uma vez. Nessesegundo, ele se parece com um jovem.Ele se parece com um garoto grato,como se eu apenas tivesse meoferecido para ajudar com a lição de

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casa.Então, o momento passa e seu

rosto fica duro novamente. Ele tira omaço de tabacos, alguns papéis ecomeça de novo. "Você pode levarCoral", diz ele.

A parte da missão que meassusta mais é a viagem através doacampamento. Pippa nos dá uma daslanternas a pilhas, que Bram carrega.Em seu brilho irregular, a multidãoque nos rodeia é quebrada empedaços e fragmentos: o brilho de um

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sorriso aqui, uma mulher de seios nusamamentando um bebê e olhandopara nós com ressentimento. A maréde pessoas mal nos deixa passar. Elapreenche toda a nossa volta, nosengolindo. Eu tenho um senso de suanecessidade de sucção: os gemidoscomeçaram, os sussurros por água,água. De todos os lugares, também,vem o som de gritos, gritos abafadosna escuridão.

Chegamos à margem do rio,agora estranhamente quieto. Não há

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mais pessoas apinhadas em suasprofundezas, brigando por água. Nãohá mais água para brigar - apenas umapequena gota, não maior do que umdedo, preto com lodo.

Há dois quilômetros parafrente e depois mais seis a noroeste aolongo de seu perímetro, em uma dasáreas mais bem fortificadas. Umproblema trará o máximo de atenção epuxará o maior número de forças desegurança para longe do ponto queGraúna, Prego e os outros precisam

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romper.Mais cedo, Pippa abriu a

segunda e menor geladeira, revelandoprateleiras cheias de armas quetinham sido enviadas pela Resistência.Prego, Graúna, Lu, Hunter e Julianforam todos equipados com armas.Nós ficamos com meia garrafa degasolina e um pano velho: uma bolsade mendigo, como Pippa chamou. Porum consenso silencioso fui eleita aúnica a carregá-la. À medida quecaminhamos, minha mochila parece

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ficar mais pesada, batendodesconfortavelmente contra a minhacoluna. Eu não posso deixar deimaginar explosões repentinas e nóssendo soprados acidentalmente empedaços.

Chegamos ao lugar aonde oacampamento acaba contra o muro nafronteira sul da cidade e há uma ondade pessoas e barracas contra a pedra.Esta parte do muro e da cidade foiabandonada. Enormes holofotesapagados se torcem sobre o

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acampamento. Apenas uma únicalâmpada permanece intacta: ela enviauma luz branca brilhante para frente,pintando o contorno das coisasclaramente, deixando os detalhes e aprofundidade para fora, como umfarol radiante sobre a água escura.

Nós seguimos a beira daparede norte e, finalmente, deixamoso campo para trás. O chão debaixo denós está seco. O tapete de agulhas depinheiro quebra e estala a cada vezque damos um passo. Fora isso, uma

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vez que o ruído do campo recua, tudoé silencioso.

A ansiedade rói em meuestômago. Eu não estou muitopreocupada com o nosso papel. Setudo correr bem, não vamos mesmoter de quebrar a parede, mas Juliantem outro pensamento em sua cabeça.Ele não tem ideia do que ele estáfazendo, não tem ideia em que eleestá se metendo.

"Isso é loucura", diz Coral derepente. Sua voz é alta, estridente. Ela

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deve ter lutado contra o pânico portodo esse tempo. "Isso nunca vaifuncionar. É suicídio".

"Você não tem que vir", eudigo bruscamente. "Ninguém lhepediu para ser voluntária."

É como se ela não me ouvisse."Nós deveríamos pegar nossas coisase sair daqui", diz ela.

"E todos os outros vão cuidarde si mesmos?" Eu disparo de volta.

Coral não diz nada. Ela está,obviamente, tão infeliz quanto eu por

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sermos forçadas a trabalhar juntas -provavelmente ainda mais infeliz, jáque eu sou a pessoa responsável.

Passamos entre as árvores,seguindo os movimentos da lanternade Bram, que acena na frente de nós,como um vaga-lume irregular. De vezem quando, atravessamos por pedaçosde concreto, que estão para fora dasparedes da cidade. Há muito tempo,estas estradas velhas levariam paraoutras cidades. Agora elas estãoencalhadas em terra, fluindo como

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rios cinzas em torno das bases dasárvores.

Eu verifico o pequeno relógiode plástico que Beast me emprestou:11:30 PM. Faz uma hora e meia desdeque nos propusemos a andar. Nóstemos outra meia hora antes deacender o pano e jogar a bolsa porcima do muro. Esta serácronometrada com uma explosãosimultânea no lado leste, ao sul deonde Graúna, Prego, Julian e os outrosesperam. Esperemos que as duas

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explosões desviem a atenção daviolação.

Estando longe doacampamento, a fronteira torna-semais segura. O alto muro de concretoestá intacto e limpo. Os holofotes setornam funcionais e mais numerosos:são enormes, grandes, com olhosdeslumbrantes em intervalos de vinteou trinta metros.

Além dos holofotes, posso veras silhuetas negras do iminentecomplexo de apartamentos, edifícios

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com fachadas de vidro, torres deigreja. Eu sei que devemos estarchegando perto do centro da cidade,uma área que, ao contrário dealgumas das partes residenciaisperiféricas da cidade, não foicompletamente evacuada.

A adrenalina começa atrabalhar o seu caminho através demim, fazendo-me sentir muito alerta.De repente, estou ciente de que anoite não está toda silenciosa. Euposso ouvir os animais correndo em

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torno de nós, o som de pequenoscorpos farfalhando através das folhas.

Então: vozes, fracamente,misturadas com os sons de madeira.

"Bram", eu sussurro para ele."Desligue a lanterna."

Ele faz. Todos nós paramos denos mover. Os grilos estão cantando,batendo o ar em pedaços, marcandosegundos. Eu posso ouvir o padrãosuperficial e desesperado darespiração de Coral. Ela está commedo.

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Ouço vozes mais uma vez eum pouco de riso ao longe. Estamosabraçando a floresta, escondidos emuma grossa fatia escura entre doisholofotes. Quando meus olhos seacostumam, eu vejo uma pequena ebrilhante luz – um brilho laranja -pairando acima do muro. Ela seinflama, apaga, então acendenovamente. Um cigarro. Um guarda.

Outra gargalhada rompe osilêncio, desta vez mais alta e uma vozde homem diz: "De jeito nenhum

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maldito". Guardas, mais de um.Há outros pontos de luz ao

longo do caminho. Essa é uma boa euma má notícia. Mais guardassignificam mais pessoas para fazersoar o alarme, mais forças paradesviar da violação principal. Mastambém irá tornar mais perigoso paranós chegarmos perto do muro.

Faço um gesto para Bram semanter em movimento. Agora que alanterna está apagada, nós temos queir devagar. Eu verifico o relógio

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novamente. Vinte minutos.Então eu vejo: a estrutura de

metal elevando-se acima do murocomo uma gaiola enorme. Uma torrede alarme. Manhattan tinha umaparede semelhante a esta, tinhaalarmes semelhantes. Dentro da gaiolade arame há uma alavanca quedispara alarmes de segurança por todaa cidade, convocando os reguladores epoliciais para a fronteira.

A torre de alarme está situada,felizmente, em um dos espaços entre

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os projetores escuros. Ainda assim, éuma boa aposta que há guardas quetrabalham na parte da fronteira,mesmo se não podemos vê-los. O topoda parede é maior e escuro e qualquernúmero de reguladores poderia serabrigado lá.

Eu sussurro para Bram e Coralpararem. Nós ainda estamos há umaboa centena de metros do muro eescondidos nas sombras de pinheiros ecarvalhos.

"Nós vamos detonar o mais

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próximo possível da torre de alarme",eu digo, mantendo minha voz baixa."Se a explosão não desarmar oalarme, os guardas o farão. Bram, eupreciso de você para tirar um dosrefletores mais adiante. Não muitolonge, no entanto. Se há guardas natorre, eu quero que eles se afastem desua posição. Eu vou precisar meaproximar antes que eu possa jogaresta coisa." Eu alivio a minha mochila.

"O que eu vou fazer?" Coralpergunta.

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"Fique aqui", eu digo."Cuidado. Algo pode dar errado paramim."

"Isso é besteira", diz ela sementusiasmo.

Eu verifico o meu relógio.Quinze minutos. Quase na hora. Eupego a garrafa da minha mochila. Elaparece maior do que antes e maisdifícil de transportar. Eu não consigoencontrar imediatamente a caixa defósforos que Prego me deu e eu tenhoum pânico momentâneo que, de

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alguma forma, ela tenha se perdido noescuro, mas então eu me lembro deque eu a coloquei no meu bolso.

Acenda o pano e jogue agarrafa, Pippa me disse. Nada mais.

Eu respiro fundo e expirosilenciosamente. Eu não quero queCoral saiba que estou nervosa. "Ok,Bram."

"Agora?" Sua voz é suave, mascalma.

"Vá agora. Mas espere o meuassovio."

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Ele se agacha, então se movepara longe de nós silenciosamente e élogo absorvido pela escuridão. Coral eeu esperamos em silêncio. Em umponto nossos cotovelos colidem e elase afasta. Eu fujo um pouco paralonge dela, tentando descobrir se assombras que eu vejo são pessoas ouapenas truques da noite.

Eu verifico o meu relógio e emseguida, verifico novamente. Derepente, os minutos parecem estarcaindo para frente. 11:50. 11:53.

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11:55.Agora. Minha garganta está seca.

Mal posso engolir e eu tenho quelamber os lábios duas vezes antes deeu conseguir um assovio.

Por vários longos momentos deagonia nada acontece. Não há maisqualquer possibilidade de fingir que eunão tenho medo. Meu coração estábatendo rápido em meu peito e meuspulmões se sentem como se tivessemsido achatados.

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Então eu o vejo. Só por umsegundo, em direção à parede. Elecruza o caminho do holofote e ele éiluminado, congelado, uma fotografia,então é engolido pela escuridãonovamente e um segundo depois, háum forte som e o holofote fica escuro.

Instantaneamente, eu meerguendo e correndo para a parede.Estou ciente de gritar, mas eu nãoposso fazer nada, não me concentroem nada. Agora que o holofote estádesligado, silhuetas da torre aparecem

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em um relevo gritante, iluminadas pelalua e algumas luzes espalhadas dacidade. A quinze metros da parede eume pressiono contra o tronco de umjovem carvalho. Eu coloco a bolsa demendigo entre as minhas coxas e lutopara obter um fósforo aceso. Oprimeiro falha.

"Vamos lá, vamos lá",murmuro. Minhas mãos estãotremendo.

O som de tiros quebra osilêncio. Os tiros são cegos e eu digo

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uma oração rápida para que Bram jáesteja de volta às árvores, escondido eseguro, observando para garantir queo resto do plano funcione.

Junto quatro fósforos. Eupasso a garrafa entre as minhas coxas,toco com a ponta partida para o panoe o vejo se incendiar, forte e quente.

Então eu saio do abrigo dasárvores, respiro fundo e jogo.

A garrafa gira em direção àparede, um círculo estonteante dechama. Eu me preparo para a

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explosão, mas nunca chega. O pano,ainda em chamas, se desprende daboca da garrafa e flutua no chão.Estou temporariamente hipnotizada,olhando seu caminho, como umpássaro de fogo danificado, caindopara o mato se concentrando na baseda parede. A garrafa quebrainofensivamente contra o concreto.

"Que porra é essa? Agora, qualé o problema?"

"Parece fogo.""Provavelmente o seu maldito

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cigarro.""Pare de reclamar e me traga

uma mangueira."Ainda sem alarme. Os guardas

provavelmente são treinados para ovandalismo dos Inválidos e nem umprojetor danificado e nem um incêndiopequeno é suficiente para causar-lhespreocupação. É possível que isso nãoimporte. O desvio de Alex e Pippa émais importante, mais perto de ondeestá a ação, mas não consigo me livrardo medo de que talvez o seu plano

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não funcione também. Isso vai deixara cidade cheia de guardas preparadose atentos.

Isto será o envio de Graúna,Prego, Julian e o resto deles para oabate.

Sem pensar direito, eu estoude pé novamente, correndo emdireção a um carvalho perto da paredeque parece que vai apoiar o meu peso.Tudo o que eu sei é que eu tenho quechegar ao muro e acionar eu mesma oalarme. Eu coloco meu pé contra um

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nó no tronco da árvore e me impulsopara cima. Eu estou mais fraca do queera no ano passado, quando eucostumava subir nos ninhosrapidamente, diariamente, semnenhum problema. Eu caio de voltapara o chão.

"O que você está fazendo?"Eu giro ao meu redor. Coral

surgiu das árvores."O que você está fazendo?" Eu

volto para a árvore e tento novamente,pegando uma aderência diferente

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desta vez. Sem tempo, sem tempo,sem tempo.

"Você disse para cobrir você",diz ela.

"Mantenha sua voz baixa," eusussurro bruscamente. Estou surpresaque ela realmente se importe osuficiente para me seguir. "Eu tenhoque passar por cima do muro."

"E fazer o quê?"Eu tento uma terceira vez -

chegou o roçar dos galhos acima daminha cabeça com as pontas dos

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meus dedos - antes das minhas pernasvacilarem e eu ser forçada a saltar devolta para o chão. Minha quartatentativa é pior do que as trêsprimeiras. Eu estou perdendo ocontrole, eu não estou pensandodireito.

"Lena. O que você estáplanejando fazer?" Repete Coral.

Eu me viro para olhar para ela."Dê-me um impulso", eu sussurro.

"Um o quê?""Vamos lá." O pânico está

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rastejando em minha voz. Se Graúna eos outros ainda não cruzaram, elesvão tentar a qualquer momento. Elesestão contando comigo.

Coral deve ter ouvido amudança no meu tom, porque ela nãofaz mais perguntas. Ela junta os dedose agacha para que eu possa enfiar opé no berço formado por suas mãos.Então, ela me levanta, grunhindo, e euvou para cima conseguindo puxar-mepara os galhos que se espalham dotronco como os raios de um guarda-

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chuva desnudado. Um ramo estende-se quase por todo o caminho até aomuro. Eu me inclino para baixo naminha barriga, me pressionandocontra a casca lisa, realizandomanobras para frente como umaminhoca.

O ramo começa a ceder sob omeu peso. Outro movimento e elecomeça a balançar. Eu não posso irmais longe.

Eu respiro fundo e me movo,mantendo minhas mãos embrulhadas

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ao redor do galho, que estábalançando levemente debaixo demim. Não há tempo para mepreocupar ou duvidar. Eu me movoem direção ao muro utilizando osgalhos como um trampolim conformeo meu peso é liberado.

Por um segundo eu estou noar, sem peso. Então sinto a borda deconcreto do muro rígido em meuestômago, batendo o vento fora demim. Eu consigo levar os meus braçospor cima do muro e me puxar para

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cima. Faço uma pausa nas sombraspara ter o controle da minharespiração.

Mas eu não posso descansarpor muito tempo. Eu ouço umaerupção súbita de som: guardaschamando uns ao outros e passospesados em minha direção. Elesestarão comigo, em pouco tempo e euvou ter perdido a minha chance.

Eu corro em direção à torre dealarme.

"Ei! Ei, pare!"

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Formas se materializam apartir do escuro: um, dois, trêsguardas, todos homens, com o brilhodo luar em metal. Armas.

Os primeiros tiros acertam umdos suportes de aço da torre dealarme. Lanço-me na pequena torre,ao ar livre, enquanto mais disparossacodem pelo no ar. Minha visão estáescura e tudo parece distante.Imagens desconexas piscam na minhacabeça, como cenas de diferentesfilmes: Tiros. Fogos de artifício.

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Gritos. Crianças na praia.E então, tudo o que posso ver

é a pequena alavanca, iluminada decima por uma única lâmpada e envoltaem fios de metal: EMERGÊNCIA -ALARME.

O tempo parece desacelerar.Meu braço parece ser de outrapessoa, flutuando em direção àalavanca, dolorosamente lento. Aalavanca está na minha mão: o metal ésurpreendentemente frio. Devagar,devagar, devagar, o braço empurra.

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Outro tiro em torno de mim. Euma vibração alta.

Então, de repente, a noite éperfurada com um estridente somlamentando clamor. O som é tão altoe eu posso sentir isso em meus dentes.Uma enorme lâmpada no topo datorre de alarme acende e começa agirar enviando uma varreduravermelha por toda a cidade.

Há braços que me alcançamatravés do andaime de metal: braçosde aranha, enormes e peludos. Um

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dos guardas agarra meu pulso.Estendo a mão e enrolo ao redor daparte de trás do seu pescoço,puxando-o para frente e de repenteele choca a testa em um dos suportesde aço. Seu domínio sobre mim acabaconforme ele cambaleia para trás,praguejando.

"Cadela!"Explodo livre da torre. Dois

passos, sobre o muro e eu vou ficarbem, eu estarei livre. Bram e Coralestarão me esperando nas árvores...

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nós vamos nos perder dos guardas nastrevas e nas sombras ....

Eu posso fazer isso.... É quando Coral surge por cima

do muro. Eu estou tão assustada, queeu paro de correr. Este não é oprotocolo. Antes de eu ter tempo deperguntar o que ela está fazendo, umbraço em volta da minha cintura, mepuxa para trás. Sinto o cheiro decouro e sinto a respiração quente nomeu pescoço. O instinto assume meu

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corpo e eu enfio meu cotovelo paratrás no estômago do guarda, mas elenão me libera.

"Fique quieta", ele rosna.Tudo é muito rápido: alguém

está gritando e há uma mão em tornode minha garganta. Coral está naminha frente, pálida e linda, com oscabelos fluindo atrás dela e o braçolevantando-se para a minha visão.

Ela está segurando uma pedra.Seu braço forma um gracioso

arco e eu acho que ela vai me matar.

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Em seguida, ouço os grunhidosdo guarda e o braço em volta daminha cintura folga enquanto a mãome liberta. Ele cai no chão.

Mas agora eles estãoaparecendo de todos os lugares. Oalarme ainda está gritando e emintervalos a cena é iluminada emvermelho: dois guardas à nossaesquerda, dois guardas à nossa direita.Três guardas contra o muro,bloqueando nosso caminho para ooutro lado.

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Faço uma varredura: há cortesde luz sobre nós, novamente,iluminando uma escada de metal atrásde nós, que se estende para dentro doabismo estreito de ruas da cidade.

"Venha," Eu respiro e estendoa mão para puxar Coral e descer asescadas. Este movimento foiinesperado e é preciso que os guardasse recuperem por um momento paravoltar a reagir. No momento em quechegamos à escada, Coral e eu vemosa rua. A qualquer segundo, mais

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guardas chegarão convocados peloalarme. Mas se pudermos encontrarum canto escuro... algum lugar paranos escondermos e esperarmos...

Apenas alguns postes aindaestão acesos. As ruas estão escuras.Ouço tiros, mas é claro que osguardas estão disparandoaleatoriamente.

Nós vamos para a direita,depois à esquerda, depois novamenteà direita. Passos soam em nossadireção. Mais patrulhas. Eu hesito, me

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perguntando se eu deveria voltar pelocaminho de onde viemos. Coral põe amão no meu braço e me chama paraum espaço na sombra: uma portaembutida, com cheiro de urina de gatoe fumaça de cigarro, meio escondidapor trás de uma entrada de pilares.Nós agachamos nas sombras. Umminuto depois, um borrão de corpospassa e há um burburinho de vozes erádios comunicadores.

"O alarme ainda está soando.Posição vinte e quatro está dizendo

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que houve uma violação.""Estamos à espera de apoio

para iniciar a varredura."Assim que eles passam, eu me

volto para Coral."Que diabos você estava

fazendo?" Eu digo. "Por que você meseguiu?"

"Você disse que eu deveriaapoiá-la", diz ela. "Eu fiquei assustadaquando ouvi o alarme. Achei que vocêdeveria estar em apuros."

"E Bram?" Eu digo.

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Coral balança a cabeça. "Eunão sei."

"Você não devia ter searriscado", eu digo bruscamente.Então eu acrescento: "Obrigada." Eucomeço a me levantar, mas Coral mechama de volta.

"Espere", ela sussurra, e trazos dedos nos lábios. Então eu ouçomais passos, movendo-se na direçãooposta. Duas figuras aparecem semovendo rapidamente.

Um deles, um homem, está

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dizendo: "Eu não sei como você viveucom aquela imundície por tantotempo.... Eu estou dizendo a você, eunão poderia ter feito isso."

"Não foi fácil." O segundo éuma mulher. Eu acho que a voz delasoa familiar.

Assim que eles se afastam,Coral me cutuca. Precisamos nosmover para longe da área, que embreve estará cheia de patrulhas queprovavelmente vão acender os postes para que a busca seja mais fácil.

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Precisamos ir para o sul. Entãonós vamos ser capazes de atravessarde volta para o acampamento.

Nós nos movemosrapidamente, em silêncio, por pertodos edifícios, onde podemosfacilmente nos esconder em becos eportas. Estou preenchida com omesmo medo sufocante que eu sentiquando Julian e eu escapamos pelostúneis e tivemos que fazer o nossocaminho através do subterrâneo.

De repente, todos os postes se

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acendem de uma só vez. É como se assombras fossem um oceano e a marésaiu deixando uma paisagem onduladade ruas vazias. Instintivamente, Corale eu, nos escondemos próximos a umaporta escura.

"Merda", ela murmura."Eu estava com medo de que

isso acontecesse", eu sussurro. "Nósvamos ter que ficar nos becos. Vamosficar nos lugares mais escuros quepodemos encontrar."

Coral concorda.

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Movemo-nos como ratoscorrendo de sombra em sombra,escondendo-nos nos pequenosespaços: nos becos e nas rachaduras,nas portas escuras e atrás das lixeiras.Mais duas vezes, ouvimos as patrulhasse aproximando e temos que nosabaixar nas sombras até que ozumbido de estática dos rádios e oritmo dos passos desapareçam.

Há mudanças na cidade.Aparecem os edifícios. Por fim, o somdo alarme, ainda soando, não é mais

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do que um grito distante e nosafundamos com gratidão de volta parauma área onde as luzes das ruas estãoescuras. A lua acima de nós é alta egrande. Os apartamentos de cada ladode nós tem o olhar vazio edesamparado de crianças separadasde seus pais. Eu me pergunto o quãolonge estamos do rio, se Graúna e osoutros conseguiram explodir abarragem e se teríamos ouvido. Eupenso em Julian e sinto um toque deansiedade e também dearrependimento. Eu fui dura com ele.

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Ele está fazendo o seu melhor."Lena". Coral para. Estamos

passando por um parque e em seucentro há um anfiteatro. Por umsegundo, confusamente, eu tenho aimpressão de que um óleo escurobrilha entre os seus assentos de pedra.A lua está brilhando em umasuperfície preta lisa.

Então eu percebo: é água.Metade do teatro está

inundado. A camada de folhas estáespalhada em toda a sua superfície,

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perturbando os reflexos lacrimejantesda lua, das estrelas e das árvores. Éestranhamente belo. Eu dou um passoinconsciente para frente, sobre agrama que afunda sob meus pés.Água borbulha sob os meus sapatos.

Pippa estava certa. A barragemdeve ter forçado a água sobre asmargens do rio e inundou algumas dasáreas centrais. Isso deve significar queestamos em um dos bairros que foievacuado após os protestos.

"Vamos para o muro", eu digo.

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"Nós não devemos ter qualquerdificuldade em atravessar".

Continuamos contornando aperiferia do parque. O silêncio emtorno de nós é profundo, completo ereconfortante. Estou começando a mesentir bem. Nós fizemos isso. Nósfizemos o que era suposto fazer-secom alguma sorte, o resto do nossoplano saiu bem.

Em um canto do parque háuma pequena pedra, rodeada por umafranja de árvores escuras. Se não

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fosse pela lanterna queimando naesquina, eu teria perdido a garotasentada em um de seus bancos depedra. Sua cabeça está apoiada entreos joelhos, mas reconheço seu cabelolongo, com listras roxas e seus têniscom barro endurecido. Lu.

Coral a vê ao mesmo tempoque eu. "Não ...", ela começa a seperguntar, mas eu já estou memovendo.

"Lu!" Eu grito.Ela olha para cima, assustada.

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Ela não me reconhece imediatamente;por um segundo seu rosto estáassustado. Eu me deixo cair em umagachamento na frente dela,colocando minhas mãos em seusombros.

"Você está bem?" Eu digo semfôlego. "Onde estão os outros?Aconteceu alguma coisa?"

" Eu..." Ela tenta dizer ebalança a cabeça.

"Você está ferida?" Eu meendireito e mantenho minhas mãos em

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seus ombros. Eu não vejo nenhumsangue, mas ela está tremendo emminhas mãos. Ela abre a boca e emseguida, fecha novamente. Seus olhosestão arregalados e vagos. "Lu. Falecomigo." Eu levo minhas mãos deseus ombros para o rosto dela, dando-lhe uma agitação suave, tentandochamar sua atenção. Conforme eufaço, meus dedos roçam a pele atrásde sua orelha esquerda.

Meu coração para. Lu deixaescapar um pequeno grito e tenta se

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afastar de mim. Mas eu mantenhominhas mãos envoltas firmemente emseu pescoço. Agora ela está resistindoe tentando lutar contra o meu alcance.

"Fique longe de mim", elapraticamente cospe.

Eu não digo nada. Eu nãoposso falar. Toda a minha energia estáem minhas mãos agora e em meusdedos. Ela é forte, mas ela foi tomadade surpresa e eu consigo erguê-la efixá-la de volta contra uma coluna depedra. Eu dirijo meu cotovelo no

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pescoço dela, obrigando-a a virar paraa esquerda.

Vagamente eu estou ciente davoz de Coral. "Que diabos você estáfazendo, Lena?"

Eu empurro o cabelo de Lupara longe de seu rosto, de modo queseu pescoço está exposto, branco ebonito.

Eu posso ver a agitaçãofrenética de seu pulso, logo abaixo dacicatriz de três pinos em seu pescoço.A marca do procedimento. Uma

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verdadeira.Lu está curada.As últimas semanas do ciclo

voltam para mim. O silêncio de Lu.Recordo suas mudanças detemperamento. O fato de que eladeixou os cabelos longos e escovadoscom cuidado para frente todos os dias.

"Quando?" Eu rosno. Eu aindatenho o meu antebraço pressionadocontra sua garganta. Algo negro eantigo está se levantando dentro demim. Traição.

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"Solte-me", ela engasga. Seuolho esquerdo rola para trás paraolhar para mim.

"Quando?" Eu repito e dou-lheuma cotovelada na garganta. Ela grita.

"Ok, ok", diz ela e eu alivio apressão, só um pouco. Mas amantenho presa contra a pedra."Dezembro", ela diz. "Baltimore."

Minha cabeça está girando.Claro. Foi Lu quem eu ouvi antes. Aspalavras do regulador voltam paramim com um significado novo e

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terrível: Eu não sei como você viveucom aquela imundície por tantotempo. E dela: Não foi fácil.

"Por quê?" Eu sufoco com aspalavras. Quando ela não meresponde imediatamente eu inclino-mepara ela novamente. "Por quê?"

Ela começa a falar em umacorrida rouca. "Eles estavam certos,Lena. Eu sei disso agora. Pense emtodas aquelas pessoas lá fora noscampos, na Selva... como animais.Isso não é felicidade."

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"É a liberdade", eu digo."É mesmo?" O seu olho é

enorme, sua íris foi engolida pelopreto. "Você é livre, Lena? É esta avida que você queria?"

Eu não posso responder. Araiva é uma lama espessa e escura,uma maré crescente em meu peito eem minha garganta.

A voz de Lu cai para umsussurro de seda, como o barulho deuma cobra através da grama. "Não étarde demais para você, Lena. Não

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importa o que você fez no outro lado.Vamos limpar isso, nós vamoscomeçar limpas. Esse é o ponto.Podemos deixar tudo isso de lado... opassado, a dor, toda a sua luta pelavida. Você pode começar de novo."

Por um segundo, nós duasficamos ali, olhando uma para a outra.Lu está respirando com dificuldade.

"Tudo?" Eu digo.Lu tenta um aceno com a

cabeça e faz uma careta quando elamais uma vez encontra meu cotovelo.

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"A ansiedade, a infelicidade. Nóspodemos fazê-las irem embora."

Eu alivio a pressão de seupescoço. Ela suga uma respiraçãoprofunda e grata. Eu me inclino pertodela e repito algo que Hana uma vezme disse há muito tempo.

"Você sabe que você não podeser feliz a menos que você seja infelizàs vezes, certo?"

O rosto de Lu endurece. Eudei-lhe espaço suficiente para semover e quando ela vem em minha

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direção eu pego seu pulso esquerdo eo torço atrás das suas costas,forçando-a dobrar. Eu a levo para ochão, pressionando seu corpo,forçando o joelho entre as suasomoplatas.

"Lena!" Coral grita. Eu aignoro. Um único pensamento passapor mim: traidora. Traidora.Traidora.

"O que aconteceu com osoutros?" Eu pergunto. Minhas palavrassão altas e estranguladas, repletas de

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raiva."É tarde demais, Lena." O

rosto de Lu está amassado contra ochão, mas ainda assim ela conseguetorcer a boca em um sorriso horrível,um meio sorriso malicioso.

É uma coisa boa que eu nãotenha uma faca comigo. Gostaria delevá-la direto para o pescoço dela.Penso em Graúna sorridente, rindo.Lu pode vir com a gente. Ela é umencanto de boa sorte. Penso em Pregodividindo o pão, dando-lhe a maior

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parte, quando ela reclamou de estarcom fome. Meu coração parece queestá desmoronando e eu quero gritar echorar ao mesmo tempo. Nósconfiamos nela.

"Lena", Coral repete. "Eu achoque -"

"Fique quieta", eu digo com avoz rouca, mantendo meu foco emLu. "Diga-me o que aconteceu comeles ou eu vou te matar."

Ela se esforça sob o meu pesoe continua sorrindo aquele sorriso

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torcido horrível para mim. "Tardedemais", ela repete. "Eles estarão aquiantes do anoitecer de amanhã."

"O que você está falando?"Sua risada é um chocalho na

garganta. "Você não acha isso duraria,não é? Você não acha que eu deixariavocê continuar brincando em seupequeno acampamento, em suaimundície -" Eu torço os braços maisum centímetro em direção a seusombros. Ela grita, e depois continuafalando rapidamente. "Dez mil

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soldados, Lena. Dez mil soldadoscontra mil famintos, sedentos,doentes, perdidos, desorganizados.Vocês serão dizimados. Puf"

Eu acho que vou ficar doente.Minha cabeça está pesada. Distante,estou ciente de que Coral está falandocomigo de novo. É preciso ummomento para que as palavrastrabalhem o seu caminho através daescuridão, através dos ecoslacrimejantes na minha cabeça.

“Acho que alguém está vindo."

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Ela mal fala as palavrasquando um regulador - provavelmenteo que vimos anteriormente com Lu -chega dizendo: "Lamentamos quelevasse tanto tempo. O galpão foibloqueado."

Ele para quando vê Coral, eu eLu no chão. Coral grita e vai emdireção a ele, mas desajeitadamenteperde o equilíbrio. Ele a empurra paratrás e eu ouço o som de umarachadura quando sua cabeça sechoca com uma das colunas de pedra

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do pórtico. O regulador balança alanterna em seu rosto. Ela conseguese esquivar, precariamente, e alanterna cai dura contra o pilar depedra e brilha na escuridão.

O regulador colocou muitopeso no balanço e o seu equilíbrio éfragilizado. Isto dá a Coral tempoapenas suficiente para se afastar paralonge da pilar. Ela está balançando emseus pés, e, obviamente, instável. Elacambaleia para encará-lo, massegurando uma mão na parte de trás

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de sua cabeça. O regulador recuperao equilíbrio e sua mão vai para o seucinto. Para a arma.

Eu não tenho escolha e tenhoque liberar Lu. Eu vou para oregulador e o agarro pela cintura. Meupeso e impulso nos levam para fora denossos pés e caímos no chão juntos,rolando, braços e pernas entrelaçados.

O gosto de seu uniforme e suorestá na minha boca e eu posso sentir opeso de sua arma cavando contra aminha coxa.

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Atrás de mim, ouço um grito eum corpo batendo no chão. Peço queseja Lu e não Coral.

Em seguida, o regulador seliberta do meu aperto e embaralhaseus pés, me empurrando rudemente.Ele está ofegante, com o rostovermelho. Maior do que eu e maisforte, mas mais lento, também, em máforma. Ele se atrapalha com o cinto,mas eu estou de pé antes que elepossa pegar a arma do coldre. Eupego seu pulso e ele solta um rugido

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de frustração.Bang.A arma dispara. A explosão é

tão inesperada que envia um choquepor todo o meu corpo. Eu salto paratrás. O regulador grita de dor e cai,uma mancha negra está se espalhandopela sua perna direita e ele rola sobresuas costas, segurando sua coxa. Seurosto se contorce, molhado de suor. Aarma ainda no coldre, com uma falhade ignição.

Eu passo em frente e tomo a

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arma dele. Ele não resiste. Elecontinua gemendo e tremendo,repetindo: "Oh merda, oh merda".

"Que diabos você fez?" Eu olho ao redor. Lu está de

pé, ofegante, olhando para mim. Atrásdela, vejo Coral deitada no chão, aoseu lado, com a cabeça apoiada emum braço e as pernas enroladas emdireção do peito. Meu coração para.Por favor, não a deixe morrer . Entãoeu vejo a vibração de sua respiração euma de suas mãos se movendo. Ela

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geme. Não está morta então.Lu dá um passo em minha

direção. Eu aponto a arma para ela.Ela congela.

"Ei, agora". Sua voz écalorosa, fácil e amigável. "Não façanada estúpido, ok? Apenas seacalme."

"Eu sei o que estou fazendo",eu digo. Estou impressionada de vercomo está firme a minha mão. Estouespantada que estes - pulso, dedos,punho, arma - pertencem a mim.

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Ela consegue sorrir. "Lembra-se da velha casa?", diz ela, na mesmasuave canção de ninar que é sua voz."Lembra quando Azul e eu achamostodos os arbustos de mirtilo?"

"Não se atreva a falar comigosobre o que eu me lembro", eupraticamente cuspo. "E não fale sobreAzul, também." Eu aperto a arma.Vejo-a estremecer. Seu sorriso vacila.Seria tão fácil. Flexione e solte. Bang

"Lena", diz ela, mas não adeixo terminar. Dou um passo mais

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perto dela, fechando a distância entrenós, em seguida, enrolo um braço emvolta de seu pescoço e a trago paraum abraço, empurrando o cano dorevólver na carne macia de seuqueixo. Seus olhos começam a rolar,como um cavalo quando estáassustado, eu posso sentir seu tremorcontra mim, tentando se afastar demim.

"Não se mova", eu digo comuma voz que não soava como aminha. Ela fica mole - tudo, exceto os

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olhos, que mantêm rolando,aterrorizados, do meu rosto para océu.

Flexione e solte. Um simplesmovimento, uma contração.

Eu posso sentir sua respiração,também: quente e azeda.

Eu a afasto de mim. Ela caipara trás, ofegante, como se eu tivessesufocando-a.

"Vá", eu digo. "Pegue-o" - euaponto para o regulador, que aindaestá gemendo e segurando sua coxa -

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"e vá embora."Ela lambe os lábios

nervosamente, seus olhos correndopara o homem no chão.

"Antes que eu mude de ideia",acrescento eu.

Ela não hesita depois disso. Elaagacha e coloca o braço do reguladorsobre os ombros, ajudando-o a ficarem seus pés. A mancha em sua calçaé preta, se espalhando a partir domeio da coxa até o joelho. Encontro-me na esperança, cruelmente, que ele

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vá sangrar bastante antes que elespossam encontrar ajuda.

"Vamos," Lu sussurra para ele,com os olhos ainda fixos em mim. Euvejo como ela e o regulador mancampela rua. Cada um de seus passos épontuado por um grito de dor.Conforme a escuridão os engole, eusolto uma respiração. Eu me viro evejo que Coral está sentada,esfregando a cabeça.

"Estou bem", diz ela quandovou para ajudá-la. Ela sobe em seus

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pés sem firmeza. Ela pisca váriasvezes, como se estivesse tentandolimpar sua visão.

"Você tem certeza que vocêpode andar?" Eu pergunto e elaconcorda. "Vamos lá", eu digo."Temos de encontrar o nosso caminhoe sair daqui."

Lu e o regulador vão nosdenunciar em sua primeiraoportunidade. Se não nosapressarmos, a qualquer momentoestaremos cercados. Eu sinto um

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espasmo de ódio profundo, pensandono fato de que Prego compartilhou seujantar com Lu poucos dias atrás,pensando no fato de que Lu aceitouisso dele.

Felizmente, nós vamos para omuro da fronteira sem encontrarquaisquer patrulhas e localizamos umaescada de metal enferrujado que levaaté a passagem dos guardas, quetambém está vazia. Estamos noextremo sul da cidade, agora, muitoperto do acampamento e a segurança

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está concentrada nas porções maispovoadas de Waterbury.

Coral sobe as escadastremendo e eu vou atrás dela, para tercerteza que ela não vai cair, mas elarecusa a minha ajuda e se afasta demim, quando eu coloco a mão emsuas costas. Em apenas algumashoras, o meu respeito por elaaumentou dez vezes. Quandochegamos à passarela, o alarme àdistância finalmente para e o silênciorepentino é algo assustador: um grito

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silencioso.Descer do outro lado do muro

é mais complicado. A queda do alto éem torno de cinco metros, em umaencosta íngreme de cascalho e pedra.Eu vou primeiro, balançando parafora, de mão em mão, em um dosholofotes quebrados. Quando eu medeixo cair no chão, eu deslizo parafrente por vários metros, batendo emmeus joelhos e sinto a mordida docascalho através do meu jeans. Coralsegue atrás de mim, com o rosto

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pálido, com concentração,aterrissando com um pequeno grito dedor.

Eu não sei o que eu estavaesperando. Eu temia, eu acho, que ostanques já tivessem chegado, queiríamos encontrar o acampamento jáconsumido pelo fogo e caos, mas seestende diante de nós como semprefez, um vasto campo sem tendas eabrigos pontiagudos. Além dele, dooutro lado do vale, estão altas falésias,cobertas com uma missa negra

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desgrenhada de árvores."Quanto tempo você acha que

temos?", diz Coral."Não o suficiente", eu digo.Nos movemos em silêncio para

os arredores do acampamento.Caminhando pela periferia ainda vaiser mais rápido do que tentar navegarpelo labirinto de pessoas e barracas. Orio ainda está seco. O planoobviamente falhou. Graúna e os outrosnão conseguiram desativar abarragem, não que isso importe muito,

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neste momento.Todas essas pessoas...

sedentas, exaustas, fracas. Elas vãoser mais fáceis para encurralar. E,claro, muito mais fácil de matar.

No momento em que voltamospara o acampamento de Pippa, minhagarganta está tão seca que malconsigo engolir. Por um segundo,quando Julian corre em minhadireção, eu não reconheço seu rosto: éuma coleção de formas e sombrasaleatórias.

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Atrás dele, Alex se afasta dofogo. Ele conhece meus olhos e vempara mim, a boca aberta, com as mãosestendidas. Tudo congela e eu sei quefui perdoada e eu alcanço suas mãos,estendendo meus braços para ele...

"Lena!" Então, Julian estávarrendo-me em seus braços e eu pulode volta, pressionando meu rostocontra seu peito. Alex deve teralcançado Coral, eu o ouçomurmurando para ela e quando eu meafasto de Julian, vejo que Alex está

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levando Coral de volta para uma dasfogueiras. Eu tinha tanta certeza, a umsegundo, que ele estava chegandopara mim.

"O que aconteceu?" Julianpergunta, segurando meu rosto einclinando-se um pouco até queestamos quase olho no olho. "Bramnos disse - "

"Onde está Graúna?" Eu digo,interrompendo-o.

"Eu estou bem aqui." Ela saido escuro e de repente eu estou

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cercada: Bram, Hunter, Prego ePippa, todos falando ao mesmotempo, disparando perguntas paramim.

Julian mantém uma mão nasminhas costas. Hunter me ofereceuma bebida de uma jarra de plásticoque está quase vazia. Eu a recebocom gratidão.

"E Coral está bem?""Você está sangrando, Lena.""Deus. O que aconteceu?""Não há tempo." A água

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ajudou, mas ainda assim as palavrasrasgam minha garganta. "Nós temosque sair. Temos que juntas todomundo, e temos que - "

"Devagar, devagar." Pippalevanta as duas mãos. Metade de suaface está iluminada pelo fogo, a outraestá mergulhada na escuridão. Eupenso em Lu e me sinto enjoada: umapessoa pela metade, um traidora deduas caras.

"Comece desde o início", dizGraúna.

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"Nós tivemos que lutar", eudigo. "Tivemos que entrar."

"Nós pensamos que vocêpudesse ter sido levada", diz Prego.Eu posso dizer que ele estava ansioso;todo mundo estava. Todo o grupo estácarregado com uma eletricidade ruim."Após a emboscada -"

"Emboscada?", eu repetoagudamente. "O que você quer dizercom emboscada?"

"Nós nunca chegamos até arepresa", diz Graúna. "Alex e Best

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conseguiram se sair bem. Nósestávamos a meia dúzia de metros domuro, quando um grupo dereguladores chegou até nós. Era comose eles estivessem esperando. Nósteríamos nos ferrado se Julian nãotivesse visto o movimento e dado oalarme rapidamente ".

Alex se juntou ao grupo. Coralestava desajeitada a seus pés, a bocauma linha fina, escura. Acho que elaestá mais bonita do que eu já a vi.Meu coração aperta uma vez, forte,

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no meu peito. Eu posso ver porqueAlex gosta dela.

Talvez até mesmo por que elea ama.

"Resolvemos voltar para cá",Pippa disse. "Então Bram apareceu.Estivemos nos debatendo se iríamosprocurar -"

"Onde está Dani?" Percebo,pela primeira vez, que ela não estácom o grupo.

"Morta", Graúna diz logo,evitando meus olhos. "E Lu foi levada.

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Nós não pudemos chegar a tempo.Sinto muito, Lena", ela termina comuma voz mais suave e olha para mimnovamente.

Eu sinto outra onda de náusea.Eu envolvo meus braços em volta domeu estômago, como se pudessepressioná-lo profundamente e parabaixo. "Lu não foi levada", eu digo.Minha voz sai como um latido. "E elesestavam esperando por vocês. Osreguladores. Era uma armadilha."

Há um segundo de silêncio.

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Graúna e Prego trocam um olhar.Alex é o único que fala. "O que vocêestá falando?"

É a primeira vez que ele faloucomigo diretamente desde a noite nasmargens, depois de os reguladoresqueimarem nosso acampamento.

"Lu não é o que nós pensamosque ela fosse", eu digo. "Ela não quemnós pensamos que ela fosse. Ela foicurada" Mais silêncio.

Finalmente Graúna explode:"Como você sabe?"

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"Eu vi a marca", eu digo. Derepente, eu estou exausta. "E ela medisse."

"Impossível", diz Hunter. "Euestava com ela.... Fomos paraMaryland juntos...."

"Não é impossível", Graúna dizlentamente. "Ela me disse que tinha seafastado do grupo por um tempo."

"Ela só foi embora poralgumas semanas." Hunter olha Brampara uma confirmação. Bramconcorda.

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"Isso é tempo suficiente."Julian fala baixinho. Alex olha paraele.

A voz de Graúna é tensa. "Váem frente, Lena".

"Eles estão trazendo tropas",eu digo. Uma vez que as palavrasdeixam minha boca eu sinto como setivesse sido golpeada no estômago.

Há outro momento de silêncio."Quantos?" Pippa exige.

"Dez mil." Eu mal posso falaras palavras.

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Há uma ingestão aguda derespiração, suspiros de todo o círculo.Pippa se mantém focada em mim.

"Quando?""Menos de 24 horas", eu digo."Se ela estivesse dizendo a

verdade", diz Bram.Pippa passa a mão pelo cabelo,

deixando-o espetado. "Eu nãoacredito nisso", diz ela, masacrescenta, quase imediatamente, "Euestava preocupada que algo como issopudesse acontecer."

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"Eu vou matá-la," Hunter dizbaixinho.

"O que fazemos agora?"Graúna endereça o comentário àPippa.

Pippa fica em silêncio por umsegundo, olhando para o fogo. Então,ela desperta de si mesma. "Nós nãofaremos nada", diz ela com firmeza,varrendo com os olhosdeliberadamente em torno do grupo:de Prego e Graúna para Hunter eBram, para Beast e Alex, Coral e

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Julian. Finalmente seus olhos chegamaté os meus e eu involuntariamenterecuo. É como se uma porta sefechasse dentro dela. Pela primeiravez, ela não está andando. "Graúna,você e Prego vão levar o grupo a umlocal seguro fora de Hartford.Summer me disse como chegar lá.Alguns contatos da Resistência vãoestar lá nos próximos dias. Você vaiter que esperar."

"E você?" Beast pergunta.Pippa empurra seu caminho

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para fora do círculo, dando um passopara a estrutura de três lados nocentro do acampamento se movendoem direção à geladeira velha. "Eu voufazer o que puder aqui", diz ela.

Todo mundo fala ao mesmotempo. Beast diz: "Eu vou ficar comvocê."

Prego explode: "Isso é suicídio,Pippa".

E Graúna diz: "Você não épáreo para dez mil soldados. Você vaiser derrotada."

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Pippa levanta a mão. "Eu nãoestou planejando lutar", diz ela. "Euvou fazer o que posso para avisarsobre o que está por vir. Vou tentarlimpar o campo."

"Não há tempo." Coral fala.Sua voz é estridente. "As tropas jáestão a caminho.... Não há tempopara mover todos, não há tempo paraavisar."

"Eu disse que faria o que eupudesse." Agora a voz de Pippa éfrágil. Ela remove a chave do pescoço

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e abre o cadeado em torno dofrigorífico, retirando os alimentos eequipamentos médicos das prateleirasescuras.

"Nós não vamos sair semvocê," Beast diz teimosamente. "Nósvamos ficar. Nós vamos ajudá-la alimpar o acampamento. "

"Você vai fazer o que eu digo",diz Pippa, sem se virar para encará-lo.Ela agacha e começa a puxarcobertores de debaixo do banco."Você vai para a casa segura e você

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vai esperar a Resistência.""Não", diz ele. "Eu não vou."

Seus olhos se encontram: um diálogosem palavras flui entre eles e,finalmente, Pippa concorda.

"Tudo bem", diz ela. "Mas oresto vai".

"Pippa -" Graúna começa aprotestar.

Pippa se endireita. "Não voudiscutir", diz ela. Agora eu sei ondeGraúna aprendeu sua dureza, suamaneira de liderar as pessoas. "Coral

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está certa sobre uma coisa", Pippacontinua em silêncio. "Quase não hátempo. Talvez daqui a vinte minutos."Ela varre os olhos ao redor do círculonovamente. "Graúna, pegue ossuprimentos que você acha que vãoprecisar. É um dia de caminhada paraa casa segura, mas talvez vocêstenham que contornar as tropas.Prego, venha comigo. Eu vou fazerum mapa".

O grupo se divide. Talvez sejao cansaço ou o medo, mas tudo

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parece acontecer como seacontecesse em um sonho: Prego ePippa estão agachados sobre algo,gesticulando; Graúna está enrolando acomida em cobertores, amarrando osfeixes com um fio velho, Hunter estáincitando-me a beber mais água e, derepente, Pippa está nos pressionandopara ir.

A lua reflete pelos caminhosem zigue zague através do morro. Euatiro um último olhar para trás parabaixo no campo, no mar de sombras

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de pessoas, todas aquelas pessoas,que não sabem até agora que asarmas, as bombas e as tropas estão seaproximando.

Graúna deve sentir issotambém: o novo terror no ar, aproximidade da morte, a forma comoum animal deve se sentir quando épego em uma armadilha. Ela se vira egrita para baixo para Pippa.

"Por favor, Pippa." Sua voz saipela encosta nua. Pippa está em pé naparte inferior do caminho de terra, nos

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observando. Beast está de pé atrásdela. Ela está segurando uma lanterna,que ilumina o seu rosto de baixo.

"Vá", diz Pippa. "Não sepreocupe. Eu vou encontrá-la noesconderijo."

Graúna olha para ela por maisalguns segundos e então começa a sevirar novamente. Então Pippa chama:"Mas se eu não estiver lá em três dias,não espere."

Sua voz nunca perde a calma.E eu entendo agora o olhar que eu vi

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antes em seus olhos. Era além dacalma. Era resignação.

Era o olhar de alguém quesabe que vai morrer.

Deixamos Pippa atrás, em pé,no escuro, pelas entranhas doacampamento, enquanto o sol começaa iluminar o céu e todas as armas quese aproximam.

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Hana

É sábado de manhã e eu faço aminha visita ao Deering Highlands.Está se tornando quase uma rotina. Euestou feliz que eu consegui evitar verGrace - as ruas ainda estão, emsilêncio, envoltas em uma névoa doinício da manhã – e feliz, também,queas prateleiras da sala subterrânea jáestão parecendo mais completas.

Volto para casa, e tomo um

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banho em água quente, até minha peleficar rosa. Esfregandocuidadosamente com as minhasunhas, como se o cheiro doHighlands, e todas as pessoas quevivem lá tivessem agarrado a minhapele. Eu tenho que ser muitocuidadosa. Cassie foi acusada de seruma Inválida, não sei se ela contraiu adoença ou se Fred simplesmentesuspeitou dela, eu posso imaginar oque ele fará a mim e à minha famíliase descobrir que minha cura não

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funcionou perfeitamente.Eu preciso saber – para o meu

próprio bem, com certeza - o queaconteceu com Cassandra.

Fred está passando o diajogando golfe com uma dúzia depessoas que apoiaram e doaramfundos a sua campanha, inclusive meupai. Minha mãe está em um almoçono clube com a Sra. Hargrove. Euaceno alegremente um adeus aosmeus pais e, em seguida, tenho umahora e meia para matar o tempo,

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decido sem muito entusiasmo entre arotina de assistir TV ou fazer qualqueroutra coisa.

Depois de certo tempo, eurecolho a lista final de convidadospara o casamento, o mapa com osassentos e os coloco em uma pasta.Não há nenhum segredo sobre ondeeu vou, assim, chamo Rick, irmão deTony, e espero na varanda da frenteque ele chegue com o carro.

"Para a casa dos Hargroves,por favor", eu digo graciosamente

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enquanto deslizo para o bancotraseiro.

Eu tento não me impacientarmuito. Não quero que Rick saiba queestou nervosa. E não quero que eleme faça perguntas. Felizmente ele nãopresta nenhuma atenção em mim.Mantém os olhos na estrada. Suacabeça careca, afundada no colarinhoda camisa, faz-me lembrar de umgrande ovo rosa.

Na casa dos Hargroves, todosos três carros não estão na garagem.

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Estão longe, isso é bom. "Espereaqui", eu digo para Rick. "Eu não voudemorar muito."

Uma menina que eu reconheçocomo um membro dos empregados dacasa abre a porta. Ela não parece sermais do que alguns anos mais velha doque eu e tem um olhar permanente dedesconfiança, como um cão chutadona cabeça muitas vezes.

"Oh!", diz ela, quando me vê,e hesita, claramente incerta sobre sedeve me deixar entrar.

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Eu começo a falarimediatamente. "Eu vim o mais rápidoque pude. Você pode acreditar quedepois de tudo, minha mãe seesqueceu de trazer os planos para oalmoço? E a Sra. Hargrove precisaaprovar o mapa de assentos, é claro.”

"Oh!" Diz a meninanovamente. Ela franze a testa. "Mas aSra. Hargrove não está aqui. Ela estáno clube".

Deixei escapar um gemido,fingindo estar surpresa. "Quando

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minha mãe disse que elas estavamalmoçando, eu achei que..."

"Elas estão no clube", ela falanervosamente. Ela se agarra a essainformação como uma tábua desalvação. "Que estúpido da minhaparte", eu digo. "E é claro que eu nãotenho tempo para correr para o clubeagora. Talvez eu pudesse organizá-lospara a Sra. Hargrove...? "

"Eu posso entregar para ela, sevocê quiser", ela oferece.

"Não, não. Você não precisa”,

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eu digo rapidamente. Eu mordo meuslábios. “Se eu puder entrar por umminuto, deixarei um recado. Osassentos seis e oito podem ter que sertrocados, e eu não sei ao certo o quefazer com o Sr. e a Sra. Kimble...”

A menina me deixa entrar."Claro", diz ela, abrindo a porta umpouco mais para que eu possa passar.

Eu passo por ela. Embora eu játenha estado nos Hargroves em muitosmomentos, a casa parece diferente,sem a presença dos proprietários. A

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maioria dos quartos é escura, e estátão tranquilo que eu posso ouvir oranger dos passos acima, o farfalharde tecido a várias salas de distância.Sinto os pelos do meu braçoarrepiando. Está frio no hall, mas essatambém é a sensação do lugar todo –como se toda casa estivesseprendendo a respiração, à espera deum desastre.

Agora que eu estou aqui, eunão tenho certeza por onde começar.Fred deve ter mantido registros de seu

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casamento com Cassie e,provavelmente, também de seudivórcio. Eu nunca estive sozinha emseu escritório, mas ele me mostroudurante a minha primeira visita, e háuma boa chance de que todos osdocumentos que ele guarda aindaestejam lá. Mas primeiro eu tenho queme livrar da menina.

"Muito obrigada", eu digoassim que ela me leva. Dou-lhe omeu sorriso mais brilhante. "Eu só voume sentar aqui e escrever um bilhete.

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Você pode dizer a Sra. Hargrove queos planos estão na mesa de café, tudobem? " Tenho a intenção que ela tomeisso como uma dica para ir embora,mas ela apenas balança a cabeça efica ali, observando-me em silêncio.

Estou improvisando agora,inventando uma desculpa. "Você podeme fazer um favor? Como eu já estouaqui, você pode correr lá em cima etentar encontrar as amostras de coresque emprestamos para a Sra.Hargrove há séculos? A florista

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precisa tê-los de volta. E a Sra.Hargrove disse que os deixaria paramim em seu quarto, provavelmente,sobre a mesa ou algo assim.”

"Amostras de cores...?""Um grande livro colorido," eu

digo. E então, como ela ainda nãotinha se movido eu digo: "Vou esperaraqui enquanto você os pega”.

Por fim, ela me deixa em paz.Eu espero, até que ouço seus passosrecuarem no andar de cima antes deme aventurar de volta ao corredor.

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A porta do escritório de Fredestá fechada, mas, felizmente,destrancada. Eu deslizo para dentro efecho a porta silenciosamente. Minhaboca está seca e meu coração estábatendo acelerado como se fosse sairpela minha garganta. Eu tenho que melembrar de que não fiz nada deerrado. Pelo menos não ainda.Tecnicamente, esta é a minha casatambém, ou vai ser muito em breve.

Eu sinto o interruptor de luz naparede. É arriscado, alguém pode ver

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a luz por entre as brechas da porta,então, vou tateando em torno dosmóveis no escuro.

A sala é dominada por umagrande mesa e uma cadeira de couroduro. Eu reconheço um dos troféus degolfe de Fred e o peso de papel prataesterlina pousado na estante em umlugar vazio. Em um canto vejo umgrande arquivo de metal, ao lado dele,na parede, uma grande pintura de umhomem, provavelmente um caçador,de pé no meio de várias carcaças de

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animais, eu desvio o olharrapidamente.

Vou para o armário, quetambém está destrancado. Eu olhoatravés das pilhas de informaçõesfinanceiras - extratos bancários edeclarações fiscais, recibos e talões dedepósito - que remonta quase umadécada. Uma gaveta contém todas asinformações dos funcionários,incluindo cópias fotografadas decartões de identificação. A garota queme recebeu chama-se Eleanor, ela

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tem exatamente a minha idade.E então, vejo na parte de trás

da gaveta menor, uma pasta semmarcação, quase vazia, com ascertidões de nascimento e decasamento de Cassie. Não há registrode um divórcio, apenas uma carta,digitada em papel grosso, dobrada emdois.

Eu examino a primeira linharapidamente. Esta carta é sobre oestado físico e mental de CassandraMelanea Hargrove, b. O'Donnell, que

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foi admitida aos meus cuidados-Ouço passos cruzando

rapidamente em minha direção.Coloco a pasta de volta no lugar,empurro o armário fechando-o comum pé, e coloco a carta no meu bolsode trás, agradecendo a Deus por terpensando em vestir um jeans. Eu pegouma caneta da mesa. Quando Eleanorgira a maçaneta abrindo a porta, eubalanço a caneta triunfalmente antesque ela tenha uma chance de falar.

"Encontrei!" Eu digo

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alegremente. “Você acredita que eunão tinha nenhuma caneta”? Meucérebro está um queijo de hoje”.

Ela não acredita em mim. Euposso sentir. Mas ela não me acusadiretamente. "Não havia nenhum livrode amostras”, diz ela lentamente."Nem livro algum, em qualquer lugar,que eu pudesse ver."

"Estranho". Uma gota de suorescorre entre os meus seios. Eu vejoseus olhos passearem por toda a sala,como se estivessem procurando algo

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diferente ou deslocado. "Eu acho quetodos nós nos enganamos hoje.Desculpe-me". Eu passo por ela,movendo seu corpo para fora docaminho. Eu mal me lembro derabiscar uma nota rápida para a Sra.Hargrove. - Para a sua aprovação! Euescrevo, embora eu realmente nãoligue para o que ela pense. Eleanorfica atrás de mim o tempo todo, comose eu fosse roubar alguma coisa aqualquer momento.

Tarde demais.

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Toda a operação levou apenasdez minutos. Rick ainda tem o motorligado. Eu deslizo para o bancotraseiro. "Para casa", digo a ele.Conforme ele manobra o carro parafora da garagem, eu vejo Eleanor meobservando da janela da frente.

Seria mais seguro esperar atéque eu chegue em casa para ler acarta, mas eu não consigo parar dedesdobrá-la. Dou uma rápida olhadano papel timbrado: Sean Perlin, MD,Diretor Supervisor cirúrgico,

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Portland Laboratories.A carta é breve. A quem possa interessar:Esta carta é em relação ao

estado físico e mental de CassandraMelanea Hargrove, b. O'Donnell, quefoi admitida aos meus cuidados esupervisão por um período de novedias.

Em minha opiniãoprofissional, a Sra. Hargrove sofredelírios agudos provocados por uma

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instabilidade mental enraizada, ela éfixada no mito do Barba Azul e relataa história de seus temores deperseguição, ela é profundamenteneurótica e, na minha opinião, suamelhora é pouco provável.

A sua condição parece ser dotipo degenerativo e poderá ter sidoprovocada por certos desequilíbriosquímicos resultantes do processo,embora isso seja impossível dizercom certeza.

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Eu leio a carta várias vezes.Então eu estava certa - havia algoerrado com ela. Ela era maluca.Talvez o processo a tenhadesequilibrado, deixado marcas.Estranho que ninguém percebesseantes dela se casar com Fred, mas euacho que às vezes estas coisasacontecem gradualmente.

Ainda assim, o nó no meuestômago se recusa a desfazer-se. Afala polida do doutor Beneath é umamensagem à parte: uma mensagem de

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medo.Lembro-me da história do

Barba Azul: a história de um homem,um belo príncipe, que mantém umaporta trancada em seu belo castelo.Ele diz a sua noiva que ela pode entrarem qualquer sala, menos naquela.Mas um dia sua curiosidade a supera,e ela entra, descobrindo um quartocom mulheres assassinadas,amarradas por seus calcanhares.Quando ele descobre que eladesobedeceu a sua ordem, ela é

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acrescentada à horrível coleçãosangrenta.

O conto de fadas meaterrorizava quando eu era criança,especialmente a imagem das mulheresamontoadas, braços pálidos e olhoscegos, destruídas.

Eu dobro a carta com cuidadodevolvendo-a ao meu bolso de trás. Euestou sendo estúpida. Cassie estavacom defeito, como eu pensei que elaestivesse, e Fred tinha todos osmotivos para se divorciar dela. Só

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porque ela já não aparece no sistema,não significa que algo terrívelaconteceu com ela. Talvez fosseapenas um erro administrativo.

Mas por toda a volta para casa,eu não posso evitar a imagem doestranho sorriso de Fred e da formacomo ele disse: Cassie fazia muitasperguntas.

Não posso evitar umpensamento que surgeespontaneamente: E se Cassie tivesserazão para ter medo?

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Lena

Na primeira metade do dia,não vemos nenhuma evidência detropas, e ocorre-me que Lu possa termentido. Eu sinto uma onda deesperança: Talvez o campo não sejaatacado, afinal, e Pippa fique bem. Éclaro que ainda há o problema do riorepresado, mas Pippa vai dar um jeito.Ela é como Graúna: nascida parasobreviver.

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Infelizmente na parte da tarde,ouvimos gritos distantes. Prego levantaa mão pedindo silêncio. Todos nóscongelamos, e depois, através degestos Prego diz para nosdispersarmos para a floresta. Julian seadaptou à Selva e à nossa necessidadede camuflagem muito bem. Umsegundo ele está em pé ao meu lado,no próximo ele desaparece por trás deum pequeno amontoado de árvores.Os outros desaparecem com a mesmarapidez.

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Eu fico atrás de um velhomuro de concreto, que parece tercaído aleatoriamente. Eu me perguntoa que tipo de estrutura costumavapertencer, e de repente, eu tenho umalembrança da história que Julian medisse quando fomos presos juntos, deuma menina chamada Dorothy cujacasa foi levada por poderosas ondasde um tornado criando espirais no ar,terminando em uma terra mágica.

Enquanto o som dos gritos ficamais alto e o barulho de rangido das

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armas e o início de pesados passoscresce a um ritmo acelerado,encontro-me fantasiando que, seremostambém, levados para longe - todosnós, todos os Inválidos, o povoacotovelado e empurrado para fora dasociedade normal - vamosdesaparecer em um sopro de ar, eacordar em algum lugar diferente.

Mas isto não é um conto defadas. Isto é Abril na Selva, é a lamanegra que escoa em torno dos meustênis úmidos, nuvens de mosquitos

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que pairam e a respiração que ficapresa, a espera.

As tropas estão a centenas demetros de distância de nós, estamosem um barranco levemente inclinadoatravés de um córrego. Da nossaposição elevada, podemos facilmentever a longa fila de soldados, umborrão de uniformes tecendo dentro efora das árvores. O padrão dodeslocamento funde perfeitamentecom as árvores, a massa borrada dehomens e mulheres adéqua-se à

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camuflagem, carregandometralhadoras e bombas de gáslacrimogêneo. Parece que não há fimpara eles.

Por fim, o fluxo de soldadoscorre certa distância, e com umentendimento silencioso todos nósreagrupamos e começamos a andarnovamente. O silêncio é elétrico einquieto. Eu tento não pensar sobreessas pessoas no campo, presos entreessas terras. Uma velha expressãovem de volta para mim - como peixes

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em um barril - e eu sinto um desejoselvagem e impróprio de rir. Isso é oque eles são, todos os Inválidos: comolhos selvagens, pálidos e inchadospeixes, caminhando em direção aosol, como se estivessem mortos.

Nós chegamos à casa seguraem pouco mais de doze horas. O solfez uma volta completa e agora estáafundando por entre as árvores,quebrando-se em faixas lacrimejantesde amarelo e laranja. Lembro-me dosovos poché que minha mãe costumava

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fazer quando eu era pequena e estavadoente, a gema escorria através daclara, um ouro vívido e surpreendente,e eu sinto uma pontada de saudade.Eu nem tenho certeza se estou comsaudade da minha mãe, ou,simplesmente, da velha rotina daminha vida: a vida da escola e jogos eregras que me manteve segura, limitese fronteiras, a hora do banho e toquede recolher. Uma vida simples.

A casa segura é constituída deuma pequena estrutura de madeira,

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não maior do que uma casinha latrina,equipada com uma portadesajeitadamente construída. A coisatoda deve ter sido montada a partir derestos de demolição após a blitz.Quando Prego empurra a porta comsuas dobradiças enferrujadas, nóspodemos apenas distinguir o vislumbrede alguns túneis, um buraco escuro.

"Espere". Graúna se ajoelha,mexendo em um dos pacotes que elapegou de Pippa, e encontra umalanterna. "Eu vou primeiro."

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O ar é denso, cheira a bolor eoutra coisa, um cheiro agridoce queeu não posso identificar. Graúna descedestemidamente as escadas e nós aseguimos. Ela vira a lanterna em tornode uma sala que ésurpreendentemente espaçoso e limpo:prateleiras, algumas mesas frágeis, umfogão à querosene. Além do fogão háoutra porta escura, levando às salasadicionais. Eu sinto um lampejo decalor no meu peito. Isso me lembra daaldeia perto de Rochester.

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"Deve haver lanternas aqui emalgum lugar." Graúna avança váriospassos dentro da sala. Os ziguezaguesde luz varrem todo o piso de concreto,e eu vejo um pequeno par de olhoscintilantes, um brilho de pele cinza.Camundongos.

Graúna encontra um monte delanternas empoeiradas no canto. Pegatrês lanternas para iluminar a sala.Normalmente ela insistiria emeconomizar a energia, mas acho queela se sente como todos nós nos

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sentimos. Hoje precisamos de tantaluz quanto pudermos. Caso contrário,as imagens do acampamento, vão noslevar para a escuridão, envoltos pelasombra: todas aquelas pessoas, presas,indefesas. Devemos focar no incertopresente, os cantos da salasubterrânea iluminada, com suasprateleiras de madeira.

"Está sentido isso?” Prego diza Bram. Ele pega uma das lanternas ea leva para a próxima sala. "Bingo!",ele grita.

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Graúna já está desembalandoos suprimentos. Coral encontrougrandes jarras de metal cheias de águaarmazenada em uma das prateleirasmais baixas, e agachou-se agradecida.O resto de nós segue Prego para osegundo quarto.

Hunter diz: "O que é isso?"Prego está de pé, segurando a

lanterna, a luz ilumina a parede comoum diamante, revelando uma estruturade prateleiras de madeira. "Antigaadega de vinho", diz ele. "Eu pensei

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ter sentido cheio de bebida."Restavam duas garrafas de vinho, euma garrafa de uísque.Imediatamente, Prego abre o uísque etoma um gole, antes de oferecê-lo aJulian, que aceita depois de hesitar porapenas uma fração de segundo. Eucomeço a protestar - estou certa deque ele nunca teve uma bebida antes,poderia praticamente jurar - mas antesque eu possa falar, ele toma um longogole e, milagrosamente, consegueengolir sem engasgar.

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Prego dá um de seus rarossorrisos e toca Julian no ombrosuavemente. "Está tudo bem, Julian?",diz ele.

Julian limpa a boca com ascostas da mão. "Isso não foi ruim", dizele, ofegando um pouco, e Prego eHunter riem. Alex pega a garrafa deJulian e toma um gole sem dizer umapalavra.

Todo o cansaço dos últimosdias me atinge de uma só vez. Atrásde Prego, em toda a sala a partir da

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estrutura de prateleiras, há váriascamas estreitas, e eu praticamentecambaleio para a mais próxima demim.

"Eu acho ..." Eu começo adizer quando me deito, enrolandomeus joelhos para o meu peito. Nãohá cobertores e nenhum travesseiro nacama, mesmo assim me sinto como seestivesse afundando em algo celestial:uma nuvem, uma pena. Não. Eu sou apena. Estou me afastando. Eu voudormir um pouco, eu quero dizer

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alguma coisa, mas as palavras nãosaem, mergulho em um profundosono.

Eu acordei ofegando na totalescuridão. Por um momento, empânico, penso que eu estou de volta nacela subterrânea com Julian. Sento-me, o coração batendo contra minhascostelas, e só quando eu ouço Coralsussurrando na cama ao meu lado éque me lembro de onde estou. Oquarto cheira mal, e há um balde aolado da cama de Coral. Ela deve ter

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acordado mais cedo.A luz escorre através da porta

aberta, e eu ouço o riso abafado noquarto ao lado. Alguém colocou umcobertor em cima de mim enquanto euestava dormindo. Eu o empurro para ocanto da cama e me levanto. Eu nãofaço ideia do horário.

Hunter e Bram estão sentadosjuntos na sala ao lado, rindo. Elesestão suados e com aqueles olhosvidrados de quem bebeu muito. Agarrafa de uísque está entre eles,

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quase vazia, junto com restos do quedeve ter sido o jantar: feijão, arroz,nozes.

Eles ficam sérios assim que euentro na sala, e eu sei que o quer quefosse o motivo das risadas, eraprivado.

"Que horas são?" Eu pergunto,indo em direção aos jarros de água.Eu agacho e levanto um jarro diretopara a minha boca sem me preocuparem derramá-lo em um copo. Meusjoelhos, braços e costas estão

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doloridos, meu corpo ainda pesadocom exaustão.

"Provavelmente é meia-noite",diz Hunter. Então eu não dormi pormais de algumas horas.

"Onde está todo mundo?"pergunto.

Hunter e Bram trocam umpequeno olhar. Bram tenta reprimirum sorriso.

"Graúna e Prego foram montardas armadilhas da meia-noite", diz ele,levantando uma sobrancelha. Esta é

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uma velha piada, um código queinventamos na velha casa. Graúna ePrego conseguiram manter seurelacionamento amoroso em segredopor quase um ano. Mas uma vez,Bram não conseguia dormir e resolveudar um passeio, e ele os pegouesgueirando-se juntos. Quando eleconfrontou-os, Prego deixou escapar:"Armadilhas" apesar de ser perto deduas horas da manhã e todas asarmadilhas terem sido limpas eajustadas no início do dia.

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"Onde está Julian?" Eu digo."Onde está Alex?"

Outra leve pausa. AgoraHunter está lutando para não rir. Eledefinitivamente está bêbado. Eu possodizer pelas manchas vermelhas que seformam em suas bochechas.

"Lá fora", diz Bram, e entãoele não pode mais se conter, e soltauma gargalhada alta.Instantaneamente, Hunter começa arir também.

"Lá fora? Juntos?” Eu me

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levanto confusa e ficando irritada.Quando ele não responde, eu insisto."O que eles estão fazendo?"

Bram se esforça para secontrolar. "Julian queria aprender alutar- "

Hunter termina para ele. "Alexse ofereceu para ensiná-lo." Elesexplodem em gargalhadas novamente.

Todo o meu corpo fica quente,depois frio. "Que diabos?" explodo, araiva em minha voz faz com que eles,finalmente, fiquem agitados. "Por que

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você não me acordou?" Eu dirijo apergunta principalmente para Hunter.Eu não espero que Bram entenda.Mas Hunter é meu amigo, e ele émuito sensível para não ter notado atensão entre Alex e Julian.

Por um segundo, Hunterparece culpado. "Vamos lá, Lena.Não é grande coisa...."

Estou muito furiosa pararesponder. Eu pego uma lanterna dasprateleiras e sigo para as escadas.

"Lena, não fique brava...."

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Eu abafo o resto das palavrasde Hunter caminhando e batendo duroos meus pés. Estúpido, estúpido,estúpido.

Lá fora, o céu ainda está semnuvens com brilhantes pontos de luz.Eu agarro a lanterna firmemente emuma mão, tentando canalizar toda aminha raiva pelos meus dedos. Eu nãosei que tipo de jogo Alex está jogando,mas eu estou cansada disso.

Na floresta não há sinal dePrego ou Graúna, não há sinal de

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ninguém. Estou no escuro, o ar meparece muito quente, devemos estarno meio de Abril agora. O verãochegará em breve. Sinto o cheiro demadressilva no ar e por um momento,surge-me uma enxurrada delembranças: Hana e eu espremendo osuco de limão sobre nossos cabelospara iluminá-los, roubandorefrigerantes da geladeira na loja dotio William e levando-os para trás doCove,os jantares no antigo alpendre demadeira em que era demasiado quentepara comer dentro, seguindo o triciclo

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de Graciena rua, balançando na minhabicicleta e tentando não ultrapassá-la.

As lembranças me trazem,como sempre, uma profunda dor. Maseu já estou acostumada com isso, e euespero que o sentimento passe, e ele ofaz.

Dirijo a lanterna varrendo todaa floresta. Os primeiros raiosatravessam por entre as árvores earbustos, é um amarelo-pálidoesbranquiçado, é surreal. Eu ligo alanterna novamente. Se Julian e Alex

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saíram juntos para algum lugar, eutenho muito pouca esperança deencontrá-los.

Estou prestes a voltar paradentro quando ouço um grito. O medoatira direto através de mim. A voz deJulian. Eu mergulho no emaranhadode mato crescido à minha direita,correndo em direção ao som,direcionando minha lanterna paraajudar a encontrar um caminhoentrelaçado de trepadeiras e galhos depinheiro.

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Depois de um minuto, euexplodo em uma grande clareira. Porum segundo, eu me sintodesorientada, pensando que eutropecei na beira de um grande lagode prata. Então eu vejo que é umestacionamento. Um monte deescombros do que deve ter sido umedifício.

Alex e Julian estão em pé apoucos metros de distância,respirando com dificuldade, olhandoum para o outro. Julian está segurando

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sua mão no nariz, e o sangue saindopor entre os dedos. "Julian!" Eu corroem direção a ele. Julian mantém osolhos fixos em Alex.

"Eu estou bem, Lena", diz ele.Sua voz soa abafada e estranha.Quando eu coloco a mão em seupeito, ele a remove suavemente. Elecheira vagamente a álcool.

Eu me viro para enfrentarAlex. "Que diabos você fez?"

Seus olhos se agitam porapenas um segundo. "Foi um

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acidente", diz ele de forma neutra."Eu ataquei muito alto."

"Besteira", eu cuspo. Voltopara Julian. "Vamos lá", eu digo comvoz suave. "Vamos para dentro.Vamos limpá-lo”.

Ele tira a mão de seu nariz, emseguida, leva a camisa ao seu rosto,limpando o sangue restante de seulábio. Agora, sua camisa está revestidacom estrias escuras, quase negrasbrilhando na noite. "De jeito nenhum",diz ele, ainda sem olhar para mim.

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"Nós estávamos apenas começando.Não estávamos, Alex?"

"Julian-" Eu começo aimplorar. Alex me corta.

"A Lena tem razão", diz ele,suavemente. "É tarde. Mal posso vernada aqui. Podemos retomar quandoamanhecer".

A voz de Julian também é leve- mas abaixo dela eu posso ouvir umaponta dura de raiva, uma amarguraque eu não reconheço. "Não há tempocomo o presente."

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O silêncio se estende entreeles, elétrico e perigoso.

"Por favor, Julian." Eu procuroseu pulso e ele desvencilha-se de meutoque. Dirijo-me mais uma vez paraAlex, desejando que ele olhe paramim, para quebrar o contato visualcom Julian. A tensão entre eles épalpável, como algo negro e assassinosuspenso no ar. "Alex".

Alex olha para mim,finalmente, e por um segundo eu vejoum olhar de surpresa em seu rosto,

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como se ele não tivesse percebido queeu estava lá, ou como se estivesseapenas realmente me vendo. Ele étomado rapidamente por umaexpressão de arrependimento, e éassim que a tensão se esvai e eu possorespirar.

"Hoje não", diz Alexdiretamente. Então ele se vira ecaminha em direção à floresta.

Em um instante, antes que eupossa reagir ou gritar, Julian ataca-opor trás. Ele derruba Alex no

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concreto, e de repente eles estãocuspindo e grunhindo, rolando umsobre o outro no chão, lutando. Entãoeu grito - seus nomes e parem e porfavor.

Julian está por cima de Alex.Ele levanta o punho para o alto, e euouço o baque pesado quando eledesce contra o rosto de Alex. Alexcospe nele, acerta uma mão no queixode Julian, forçando sua cabeça paratrás, empurrando Julian para longe.Grito o máximo que consigo. Sei que

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ninguém pode me ouvir, mas não hánada que eu possa fazer além de gritaraté que minha garganta estejadolorida. Vejo luzes, também,piscando na minha visão periférica,como se eu estivesse sendoatropelada, como se minha visãoestivesse em uma explosão de cor.

Alex consegue ganharvantagem e pressiona Julian de costascontra o chão. Ele move-se duasvezes, com certa dificuldade, e euouço um estalo horrível. O sangue flui

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livremente pelo rosto de Julian agora."Alex, por favor!" Eu estou

chorando agora. Eu quero retirarJulian, mas o medo me congela nolugar, me enraíza no chão.

Alex não me ouve ou eleescolhe me ignorar. Eu nunca tinhavisto ele assim: seu rosto iluminadocom raiva, transfigurado na luz do luarpara algo cru e duro, é aterrorizante.Eu não posso nem gritar mais, nãofaço nada além de chorarconvulsivamente, sinto náuseas

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construindo na minha garganta. Tudoé surreal. Movendo-se lentamente.

Então, Prego e Graúnarompem através das árvores em umachama de luz repentina, suando e semar, carregando lanternas. Graúna estágritando e me agarrando pelosombros, e Prego puxa Alex de Julian -"Que porra você está fazendo?" - etudo começa a se mover emvelocidade normal novamente. Juliantosse uma vez e cai no chão. Eu mesolto de Graúna e corro em direção a

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ele, caindo de joelhos. Eu seiimediatamente que seu nariz estáquebrado. Seu rosto está escuro comsangue, e seus olhos são duas fendasele se esforça para se sentar.

"Ei." Eu coloco a mão no peitodele, engolindo os espasmos emminha garganta. "Ei, vá com calma."

Julian relaxa novamente. Eusinto seu coração batendo em minhamão.

"O que aconteceu?" Prego estágritando.

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Alex está de pé um poucolonge de onde Julian está sentado.Toda a sua raiva se foi, e ele olhachocado, com as mãos inertes ao ladodo corpo. Ele está olhando paraJulian, olhando perplexo, como se elenão soubesse como Julian ficou assim.

Eu me levanto e vou emdireção a ele, sentindo a raiva rastejarem meus dedos. Eu gostaria de poderenvolvê-los em torno de seu pescoço,sufocá-lo.

"O que diabos está

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acontecendo com você?" Minha voz ébaixa. Eu tenho que empurrar aspalavras para fora por trás do nó deraiva na minha garganta.

"Eu- Me desculpe", sussurraAlex. Ele balança a cabeça. "Eu nãoquis fazer... Eu não sei o queaconteceu. Sinto muito, Lena".

Se ele continuar olhando paramim desse jeito, pedindo desculpa, eusei que eu vou começar a perdoá-lo.

"Lena". Ele dá um passo emminha direção, e eu dou um passo

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para trás. Por um momento ficamoslá, eu posso sentir a pressão de seusolhos em mim, e a pressão, também,de sua culpa. Mas eu não vou olharpara ele. Eu não posso.

"Sinto muito", ele repete maisuma vez, muito baixo para Graúna ePrego ouvirem. "Sinto muito portudo."

Então ele se vira e caminha devolta para a floresta, e ele se foi.

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HanaFora da nuvem duvidosa do meu

sonho, o sonho aparece e toma forma: o rosto de Lena. O rosto de Lena,flutuando para fora da sombra. Não.Não sombra. Ela estava flutuandopara fora das cinzas, surgindo de umaprofunda variedade de cinzas ecarbonizada. Sua boca está aberta.Seus olhos estão fechados.

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Ela está gritando.“Hana.” Ela está gritando por

mim. As cinzas caindo como areia emsua boca aberta, e eu sei que ela embreve será enterrada novamente,forçada ao silêncio, de volta para aescuridão. E sei também, que eu nãotenho nenhuma chance de alcançá-la,não há esperança de salvá-la.

“Hana”, ela grita, enquanto eupermaneço imóvel.

“Perdoe-me”, eu digo.“Hana, ajude-me.

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Perdoe-me, Lena."Hana!"Minha mãe estava de pé na

porta. Sento-me, perplexa eaterrorizada, a voz de Lena ecoandoem minha mente. Eu sonhei. Eu nãodevia sonhar.

"O que há de errado?" Elaestava parada na porta. Atrás dela, eusó podia ver a pequena luz no meubanheiro. "Você está doente?"

"Eu estou bem." Passei a mãona minha testa. Está úmida. Estou

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suando."Você tem certeza?" Ela se

move como se quisesse entrar noquarto, mas no último segundopermanece na porta. "Você gritou."

"Eu tenho certeza", eu digo.Então já que parece que ela esperapor mais explicações: "Nervos, euacho, por causa do casamento."

"Não há porque ficar nervosa",diz ela, parecendo aborrecida. "Tudoestá sob controle. Tudo vai sairlindamente."

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Eu sei que ela está falando maisdo que sobre a cerimônia em si, mastambém do casamento em geral: tudocombinado e coordenado parafuncionar bem, projetado para aeficiência e perfeição.

Minha mãe suspira. "Tentedormir um pouco", diz ela. "Nósvamos para uma igreja noslaboratórios com os Hargroves às novee meia. A última prova do vestido é àsonze. E há também a entrevista para aHouse and Home".

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"Boa noite, mãe", eu digo, e elasai sem fechar a porta. Privacidadesignifica menos para nós do que antes:outro benefício inesperado, ou efeitocolateral, da cura. Menos segredos.

Pelo menos, menos segredos namaioria dos casos.

Eu vou para o banheiro e jogoágua no meu rosto. Embora oventilador esteja ligado, eu ainda sintocalor. Por um segundo, enquanto olhono espelho, eu quase posso ver o rostode Lena me olhando por trás de meus

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olhos, uma memória, uma visão de umpassado enterrado.

Pisco.Ela se foi.

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Lena

Alex ainda não está de voltaquando Graúna, Prego, Julian e euretornamos para a casa segura. Julianreanimou e insistiu que ele está bempara andar , mas Prego mantém umbraço em volta dos seus ombros.Julian ainda esta instável quando andae sangrando bastante. Assim quechegamos na casa segura, Bram eHunter murmuram animadamente

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sobre o que aconteceu até eu lhes dara olhada mais feia possível. Coral veioaté a porta, piscando sonolenta, comum braço em torno de seu estômago.

Alex não volta até terminarmosde limpar Julian. "Está quebrado", dizele com uma careta, uma voz grossa,quando Graúna desliza um dedo peloseu nariz. E Alex ainda não voltou atéa hora em que todos nós, enfim,estamos deitados em nossas camascom nossos cobertores finos e atémesmo Julian consegue dormir,

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respirando ruidosamente pela boca.Ao acordarmos, Alex já havia

vindo e se ido. Seus pertences seforam, bem como um jarro de água euma das facas.

Ele não deixou nada a não serum bilhete, que eu acheicuidadosamente dobrado debaixo deum dos meus tênis.

A história de Salomão é a únicamaneira que eu tenho para explicar.E então, em letras menores:

Perdoe-me.

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HanaTreze dias para o casamento.

Os presentes já começaram a chegar:tigelas de sopa, pinças para salada,vasos de cristal, montanhas de linhobranco, toalhas com monograma, ecoisas que eu nem sabia o nome antes:mini caçarolas, raladores, pilões. Estaera a linguagem de casado, da vidaadulta, e era completamente estranha

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para mim.Doze dias.Sento-me e escrevo cartões de

agradecimento em frente à televisão.Meu pai deixa pelo menos uma TVligada praticamente todo o tempoagora. Eu me pergunto se isso é emparte porque ele quer provar quepodemos nos dar ao luxo dedesperdiçar energia elétrica.

Pela décima vez hoje, Fredaparece na tela. Seu rosto estáalaranjado de maquiagem. O som está

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no mudo mas eu sei o que ele estádizendo. Os noticiários vemtransmitindo e retransmitindo oanúncio sobre o Departamento deEnergia e Força, e os planos de Fredpara a Noite Negra.

Na noite do nosso casamento,um terço das famílias de Portland,qualquer pessoa suspeita de simpatizarou resistir estarão mergulhadas naescuridão.

As luzes brilham para aquelesque obedecem, os outros viverão na

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sombra todos os dias de suas vidas (OLivro de Shhh, Salmo 17).

Fred usou essa frase em seudiscurso.

Obrigada pelos guardanapos delinho e rendas. Esses são exatamenteos que eu teria escolhido para mim.

Obrigada pelo açucareiro decristal. Ele vai ficar perfeito na nossamesa da sala de jantar.

A campainha toca. Eu ouçominha mãe na porta, e um murmúriode vozes abafadas. Um momento

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depois, ela entra na sala, com o rostovermelho, agitado.

"Fred", ela diz, enquanto eleentra na sala atrás dela.

"Obrigado, Evelyn", diz ele comuma voz cortada, e ela toma comouma deixa para nos deixar, fechandoa porta atrás dela.

"Oi” Eu levanto, desejando queeu estivesse usando outra coisa aoinvés de uma camiseta velha e umshorts esfarrapado. Fred está vestidocom jeans escuro e uma camisa

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branca com as mangas arregaçadasaté os cotovelos. Eu sinto que me olhade cima a baixo, prestando atenção nomeu cabelo bagunçado, no rasgo nabainha do meu shorts, o fato de eunão estar usando maquiagem. "Eu nãoestava esperando você."

Ele não diz nada. Há dois Fredsolhando para mim agora, o Fred natela da tv e o real. O Fred na tela estásorrindo, inclinando-se, à vontade edescontraído. O verdadeiro Fred ficatenso, olhando para mim.

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"Tem, tem alguma coisaerrada?" Eu digo depois de o silênciose estender por vários segundos.Atravesso a sala até a TV e a desligo,pois assim não tenho que assistir Fredme observando, e também porque eunão suporto a visão dupla.

Quando eu me viro de novo, euengulo a respiração. Fred tinha seaproximado em silêncio, e agora eleestava de pé a apenas seis centímetrosde distância, o rosto branco e furioso.Eu nunca o vi olhar dessa maneira

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antes."O que-", eu começo a dizer,

mas ele me corta."Que diabos é isso?" Ele enfia a

mão no casaco e tira um envelopepardo dobrado, e o joga sobre amesinha de vidro. O movimento fazcom que caiam várias fotografias parafora do envelope em cima da mesa.

Lá estou eu, congelada,conservada pela lente de uma câmera:Clique. Andando, de cabeça baixa, aolado de uma casa em ruínas, a casa

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dos Tiddles em Deering, Highlandscom uma mochila vazia jogada sobreum dos ombros. Clique. De costas,passando por um borrão de plantas,alcançando e esmagando um galhobaixo. Clique. Virando, surpresa,olhando a floresta atrás de mim, àprocura da origem de um som, ofarfalhar suave de movimento, oclique.

"Você quer me explicar", Freddiz friamente: "o que você estavafazendo em Deering Highlands no

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Sábado?”Um lampejo de raiva passa por

mim, e também de medo. Ele sabe."Você mandou me seguir?"

"Não se iluda, Hana", diz ele nomesmo tom. "Hugo Bradley é umamigo meu. Ele trabalha para oDiário. Ele estava em uma missão e teviu entrar nos Highlands.Naturalmente, ele ficou curioso." Seusolhos escureceram. Eles são da cor doconcreto molhado. "O que você estavafazendo?"

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"Nada", eu disse rapidamente."Eu estava explorando".

"Explorando". Fredpraticamente cospe a palavra. "Vocêentende, Hana, que o Highlands é umbairro condenado? Você tem algumaideia do tipo de pessoas que vivem lá?Criminosos. Pessoas infectadas.Simpatizantes e rebeldes. Eles fazemninhos naqueles edifícios comobaratas."

"Eu não estava fazendo nada",eu insisto. Eu gostaria que ele não

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estivesse tão perto. De repente, estouparanoica, ele vai ser capaz de sentir ocheiro do medo, as mentiras, assimcomo os cães podem.

"Você estava lá", diz Fred. "Issoé ruim o suficiente." Emboraestejamos separados por apenasalguns centímetros, ele se move para afrente. Eu inconscientemente dou umpasso para trás, batendo no console datelevisão atrás de mim. "Eu acabei depassar na tv dizendo que não serámais tolerada desobediência civil.

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Você sabe o quão ruim seria se aspessoas descobrissem que a minhaparceira estava xeretando em DeeringHighlands?" Mais uma vez, ele andapara a frente. Agora eu não tenhopara onde ir, e tenho que me forçar aficar muito quieta. Ele aperta os olhos."Mas talvez esse tenha sido o objetivo.Você está tentando me embaraçar.Mexer com os meus planos. Fazercom que eu pareça um idiota."

A borda do console TV estáenterrada na parte de trás das minhas

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coxas. "Eu odeio dizer isso para você,Fred," Eu digo, “mas nem tudo o quefaço é ligado a você. Na verdade, amaioria das coisas que eu faço sãosobre mim."

"Bonito", diz ele.Por um segundo, nós estamos

ali, olhando um para o outro. Opensamento mais estúpido vem a mim:Quando Fred e eu ficamos juntos,onde estavam escondidas essas suascaracterísticas e qualidades duras efrias?

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Fred se afasta algunscentímetros, e me permito expirar."As coisas ficarão muito ruins paravocê, se voltar para lá", diz ele. Eu meforço a encontrar seu olhar. "Isso éum aviso ou uma ameaça?"

"É uma promessa." Sua boca secontorce em um pequeno sorriso. "Sevocê não está comigo, está contramim. E a tolerância não é uma dasminhas virtudes. Cassie lhe diria isso,mas eu acredito que não haja muitagente para escutá-la nos dias de hoje."

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Ele dá uma risada."O que, o que você quer dizer?"

Eu gostaria de poder esconder otremor em minha voz.

Ele aperta os olhos. Prendo arespiração. Por um segundo eu achoque ele vai admitir, o que fez com ela,onde ela está.

Mas ele simplesmente diz: "Eunão vou deixar você estragar tudo oque eu dei duro para conseguir. Vocêvai me ouvir.”

"Eu sou seu par", eu digo, "não

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sou o seu cão."Acontece rápido como um

relâmpago. Ele não deixa distânciaentre nós, e põe a sua mão em tornode minha garganta, e não consigorespirar. Pânico, pesado e preto, seinstala em meu peito. Não consigorespirar.

Os olhos de Fred, de pedra eimpenetráveis, nadam na minha visão."Você está certa", diz ele. Ele estátotalmente calmo agora enquantoaperta os dedos ao redor do meu

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pescoço. Minha visão se encolhe paraum único ponto: esses olhos. Por umsegundo, tudo fica escuro – pisco - eentão ele está lá novamente, olhandopara mim, falando com uma voz decanção de ninar. "Você não é o meucão. Mas você ainda vai aprender asentar-se quando eu lhe digo. Vocêainda vai aprender a obedecer."

"Olá? Alguém aqui?"A voz ecoa do saguão.

Instantaneamente Fred me libera. Euengulo uma respiração, e em seguida,

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começo a tossir. Meus olhos estãoardendo. Meus pulmões gaguejam emmeu peito, tentando sugar o ar.

"Olá?"A porta se abre e Debbie Sayer,

cabeleireira da minha mãe, irrompe nasala. "Oh", ela diz, e para. Seu rostoavermelha quando ela vê Fred e eu."Prefeito Hargrove", diz ela. "Eu nãoqueria interromper..."

"Você não interrompeu", dizFred. "Eu estava saindo."

"Nós tínhamos um

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compromisso," Debbie acrescentaincertamente. Ela olha para mim. Eupasso a mão em meus olhos, ela saiúmida. "Nós íamos falar sobrepenteados para o casamento... Eu nãocheguei na hora errada, cheguei?" Ocasamento: Parece absurdo, agora,uma piada de mau gosto. Este era omeu caminho prometido: com estemonstro, que pode sorrir em ummomento e apertar minha garganta nooutro. Eu sinto as lágrimas vindo aosmeus olhos novamente e pressiono minhas palmas das mãos contra as

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minhas pálpebras. "Não." Minhagarganta está em carne viva. "Vocêestá certa."

"Você está bem?" Debbie mepergunta.

"Hana sofre de alergias", Fredresponde docemente, antes que eutenha a chance de responder. "Eu jálhe disse cem vezes para tomar umremédio..." Ele estende a mão e pegaa minha mão, aperta os meus dedos,bem forte, mas não tanto para queDebbie note. "Ela é muito teimosa."

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Ele retira sua mão. Eu ponho osmeus dedos doloridos atrás das costas,flexionando-os, ainda lutando contra odesejo de chorar. "Vejo vocêamanhã", diz Fred, dirigindo umsorriso para mim. "Você não seesqueceu da festa, não é?"

"Eu não me esqueci", eu digo,recusando-me a olhá-lo.

"Bom." Ele atravessa a sala. Nocorredor, eu o ouço começar aassobiar.

Debbie começa a falar no

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momento em que ele está fora doalcance de voz. "Você é tão sortuda.Henry, que é o meu par, você sabe,parece que teve o rosto esmagado poruma rocha.", ela ri. "Ele é um bompar para mim, apesar de tudo. Somosgrandes defensores do seu marido oufuturo marido, eu achei que deveria tedizer. Grandes defensores".

Ela coloca um secador decabelo, duas escovas e um sacotransparente de grampos lado a ladoem cima dos cartões de

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agradecimento e das fotografias, queela não tinha notado. "Você sabe,Henry conheceu seu futuro maridorecentemente em uma arrecadação defundos. Onde está o meu spray decabelo?"

Eu fecho meus olhos. Talveztudo isso seja um sonho. Debbie, ocasamento, Fred. Talvez eu vouacordar, e estarei no verão passado,ou dois verões atrás, ou cinco: antesde tudo isso acontecer.

"Eu sabia que ele seria um

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grande prefeito. Eu não me importavacom Hargrove Pai, e eu tenho certezaque ele fez o seu melhor, mas se vocêquer a minha opinião, mas ele eraapenas um pouco mole. Na verdade,ele queria as criptas dilaceradas..." Elabalança a cabeça. "Eu repito, enterre-os lá e deixe-os apodrecer."

Eu acordo num estalo. "O quê?"Ela desce a sua escova de

cabelo sobre mim, puxando epuxando. "Não me interprete mal, eugostava de Hargrove Pai. Mas eu acho

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que ele tinha uma ideia errada sobrecertos tipos de pessoas."

"Não, não." Eu engulo. "O quevocê disse depois disso?"

Ela inclina meu queixo comforça em direção à luz e me examina."Bem, eu acho que eles deveriam serdeixados para apodrecer nas criptas –quero dizer os criminosos e as pessoasdoentes." Ela começa a mexer ocabelo, experimentando a forma comoele cai.

Estúpida. Eu tenho sido tão

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estúpida."E então, o que você acha da

maneira como ele morreu?" O pai doFred morreu 12 de janeiro, o dia dosincidentes, após as bombasexplodirem nas criptas. Toda afachada oriental ficou limpa, os presosse viram de repente em celas semparedes, e pátios sem cercas. Houveuma revolta em massa. O pai de Fredchegou com a polícia, e morreutentando restaurar a ordem.

Minhas ideias vêm forte e

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rápido, como uma neve espessa,construindo uma parede branca ondenão posso ficar acima ou contornar. OBarba Azul mantinha uma salatrancada, um espaço secreto onde eleescondia suas esposas... As portastrancadas, parafusos pesados,mulheres apodrecendo nas prisões depedra...

Possível. É possível. Se encaixa.Isso explicaria a nota, e por que elanão estava no sistema do núcleo. Elapoderia ter sido invalidada. Alguns

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prisioneiros eram. Suas identidades,suas histórias, suas vidas sãoapagadas. Poof. Uma única tecla, umaporta de metal deslizante fechada, e écomo se nunca tivessem existido.

Debbie continua a tagarelar."Vão com Deus, e eles deveriam sergratos por nós não atirarmos nelessimplesmente. Você ouviu sobre o queaconteceu em Waterbury?" Ela ri, umsom muito alto na sala silenciosa.Pequenas explosões de dor disparamna minha cabeça.

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Na manhã de sábado, emapenas uma hora, um enorme campode resistentes fora de Waterbury foierradicada. Apenas um punhado denossos soldados ficaram feridos.

Debbie fica séria novamente."Você sabe o quê? Eu acho que ailuminação lá em cima, no quarto desua mãe é melhor. Você não acha?"

Me vejo concordando, e antesde notar eu também estou memovendo. Eu flutuo até as escadas nafrente dela. Eu lidero o caminho para

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o quarto da minha mãe como se euestivesse à deriva, ou sonhando, oumorta.

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LenaUm sentimento maçante cai

sobre nós após o sumiço de Alex. Eleestava causando problemas, mas eleainda era um de nós, um membro dogrupo, e eu acho que todos , excetoJulian, sentem perda.

Eu ando ao redor em quase emchoque. Apesar de tudo, meconfortava a sua presença, vê-lo,saber que ele estava seguro. Agora

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que ele se foi por conta própria, quemsabe o que vai acontecer com ele? Elenão é mais meu para perder, mas ador estava lá, uma sensação atroz dedescrença.

Coral estava pálida, em silêncio,e com os olhos arregalados. Ela nãochora. Ela não come muito, também.

Prego e Hunter falaram sobre iratrás dele, mas Graúna rapidamenteos fez ver a loucura da ideia. Ele, semdúvida, estava muitas horas adiante, euma única pessoa, movendo-se

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rapidamente a pé, era ainda maisdifícil de encontrar do que um grupo.Eles estariam perdendo tempo,recursos e energia.

“Não há nada que possamosfazer”, disse ela, tomando cuidadopara não olhar para mim, “alémdeixá-lo ir”.

Então o que fazemos. Derepente, não havia quantidadesuficiente de lanternas que podiamafugentar as sombras que muitasvezes caiam entre nós, os tons de

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outras pessoas e outras vidas perdidaspara os Wilds, para esta luta, para omundo dividido em dois. Eu não podiadeixar de pensar no acampamento, eem Pippa, e na fila de soldados quevimos na floresta.

Pippa disse que nós poderíamosesperar os contatos da resistênciadentro de três dias, mas o terceiro diaserpenteou lentamente chegando ánoite sem nenhum sinal de ninguém.

A cada dia, ficávamos um poucomais agitados e loucos. Não era

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ansiedade, exatamente. Havia comidasuficiente e, agora que Prego e Hunterencontraram um riacho próximo, águasuficiente. A primavera estavacomeçando: Os animais estavam fora,e nós começamos a caçar comsucesso.

Mas estávamos completamentedesligados, das notícias do queaconteceu em Waterbury e do queestá acontecendo no resto do país. Eramuito fácil de imaginar, quando outramanhã lava como uma onda suave o

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velho dia, carvalhos imponentes, queéramos as únicas pessoas no mundo.

Eu não podia mais suportar ficarlá dentro, no subsolo. Cada dia, depoisde qualquer almoço que conseguimosfilar, eu escolhia uma direção ecomeçava a andar, tentando nãopensar em Alex e sobre a suamensagem para mim, e, geralmentedescobrindo que eu não conseguiapensar em nada mais.

Hoje, eu vou para o leste. Eraum dos meus momentos favoritos do

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dia, aquele perfeito momento deintervalo em que a luz parecia líquida,como um xarope caindo lentamente.Ainda assim, eu não conseguia melivrar do nó de tristeza no meu peito.Eu não conseguia me livrar da ideia deque o resto de nossas vidas podiasimplesmente ser assim: correndo, eperdendo as coisas que amamos, ecavando galerias no subsolo, eprocurando alimento e água.

Não haveria virada da maré.Nós nunca marcharíamos de volta

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para as cidades, triunfantes, chorandoa nossa vitória nas ruas. Nóssimplesmente seguiremos a vida aquiaté que não houvesse vida a seguir.

A história de Salomão. EstranhoAlex ter escolhido essa história, detodas as histórias no Livro de Shhh,quando essa era a única que tanto meconsumiu depois eu descobri que eleestava vivo. Poderia ele saber dealguma forma? Ele poderia ter sabidoque eu me sentia como o pobre bebêcortado na história?

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Ele estava tentando me dizerque se sentia da mesma maneira?

Não. Ele me disse que o nossopassado juntos, e o que nóscompartilhamos, estava morto. Ele medisse que nunca me amou.

Eu continuo abrindo caminhoatravés das florestas, mal prestandoatenção para onde estou indo. Asperguntas na minha cabeça são comouma maré forte, me arrastando devolta sempre para os mesmos lugares.

A história de Salomão. O

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julgamento do rei. Um bebê cortadoem dois e uma mancha de sangueescorrendo no chão...

Depois um certo momento, eupercebo que não tenho ideia dequanto tempo eu tenho andado, ou oquão longe me afastei da casa segura.Eu não estava prestando atenção àpaisagem enquanto andava, um errode novata. Vovô, um dos Inválidosmais antigos na moradia perto deRochester, costumava a contarhistórias de fadas que supostamente

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viveram no Wilds, mudando o local deárvores e pedras e rios, apenas paraconfundir as pessoas. Nenhum de nósrealmente acreditava nessas coisas,mas a mensagem era verdadeira: oWilds era uma bagunça, um labirintode deslocamento, e podia te fazerandar em círculos.

Eu começo a refazer os meuspassos, procurando lugares em quemeu calcanhar tenha deixado marcasna lama, verificando sinais devegetação rasteira pisoteada. Eu forço

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todos os pensamentos de Alex parafora da minha cabeça. É muito fácil seperder na selva, se você não forcuidadoso, será engolido por ela parasempre.

Eu vejo um flash de luz entre asárvores: a corrente. Eu desenhei o rioontem, e devo ser capaz de navegarde volta a partir dali. Mas, primeiro,uma lavada rápida já que eu estousuando.

Abro caminho pelo últimopedaço de mato até um largo banco

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de relva banhado pelo sol e pedraplana. Eu paro.

Alguém mais está aqui: umamulher, agachada, 30 metros abaixode mim, na margem oposta, suasmãos submersas na água. Sua cabeçaestá abaixada, e tudo o que posso veré um emaranhado de cabelosgrisalhos, com raios brancos. Por umsegundo, eu acho que ela pode ser umregulador, ou um soldado, mas mesmode longe eu posso dizer suas roupasnão são normais. A mochila ao lado

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dela é remendada e velha, suacamiseta está manchada com anéisamarelos de suor.

Um homem escondido da vistagrita algo ininteligível, e ela responde,sem levantar os olhos: "Só mais umminuto."

Meu corpo fica firme e imóvel.Eu conheço essa voz.

Ela tira um pedaço de tecidopara fora da água, uma peça de roupaque ela foi lavar, e se endireita.Conforme ela o faz, minha respiração

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para. Ela segura o pano esticado entreduas mãos e balança enrolando edesenrolando com a mesma rapidezem torno de si mesma, parecendo umcata-vento espirrando água por todo obanco.

E eu tenho de repente cincoanos de idade novamente, de pé nanossa lavanderia em Portland, ouvindoo murmúrio gutural da águaensaboada escoando lentamente napia, olhando ela fazer a mesma coisacom as nossas camisas, nossa roupa

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de baixo, observando o ponteado deágua pelas paredes de azulejos,observando-a virar e pendurar asnossas roupas nas linhas que cruzam onosso teto, e depois virar novamente,sorrir para mim, cantarolando para simesma...

Sabão de lavanda. Águasanitária. Camisetas pingando nochão. Como agora. Eu estou lá. Elaestá aqui.

Ela me vê e congela. Por umsegundo, ela não diz nada, e eu tenho

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tempo para notar o quão diferente elaestá do que eu me lembro. Ela estámuito mais dura agora, com o rostotão nítido, com ângulos e linhas. Masdebaixo eu detecto uma outra face,como uma imagem pairando logoabaixo da superfície da água: a bocarisonha, bochechas redondas e altas,os olhos cintilantes.

Finalmente, ela diz: "Lena".Aspiro. Eu abro a minha boca.

Eu digo: "Mãe".Por um minuto interminável

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ficamos ali, olhando uma para a outra,como se o passado e o presentecontinuassem a convergir e, emseguida, a separar: a minha mãe deagora, minha mãe de antes.

Ela começa a dizer algumacoisa. Só então dois homens vêm parafora da floresta, no meio da conversa.Assim que eles me vêem levantam osseus rifles.

"Espere", minha mãe dizbruscamente, levantando a mão. "Elaestá com a gente."

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Eu não estou respirando. Euexpiro quando os homens abaixam assuas armas. Minha mãe continua a mefitar em silêncio, maravilhada, e algomais. Medo?

"Quem é você?" Um doshomens diz. Ele tem o cabelovermelho brilhante, com listrasbrancas. Ele se parece com umenorme gato laranja. "Com quem vocêestá?"

"Meu nome é Lena."Milagrosamente, a minha voz não

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treme. Minha mãe se retrai. Elacostumava me chamar Magdalena, eodiava a abreviatura. Eu me perguntose ela ainda se incomoda depois detodo esse tempo. "Eu vim deWaterbury com alguns outros".

Eu espero minha mãe daralguma indicação de que nosconhecemos, que eu sou sua filha,mas ela não o faz. Ela troca um olharcom seus dois companheiros. "Vocêestá com Pippa?", diz o homem decabelos vermelhos.

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Eu balanço a minha cabeça."Pippa ficou", eu digo. "Ela nos dirigiuaté aqui, para a casa segura. Ela nosdisse que a resistência estaria vindo."

O outro homem, que eramoreno e magro, ri rapidamente ependura o seu rifle no ombro. "Vocêestá olhando para ela", diz ele. "Eusou Cap. Este é Max", ele aponta como polegar para o homem-gato laranja.“E esta é Bee." Ele inclina a cabeçaem direção a minha mãe.

Bee. O nome da minha mãe era

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Annabel. O nome dessa mulher eraBee. Minha mãe estava sempre emmovimento. Minha mãe tinha mãosmacias que cheiravam a sabonete, eum sorriso parecido com o primeiroraio de sol brilhando sobre umgramado aparado.

Eu não sabia quem era estamulher.

"Você está indo de volta para acasa segura?" Pergunta Cap.

"Sim", eu consigo dizer."Nós vamos segui-la", diz ele

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com um meio sorriso que, dado onosso meio, parece mais do que umpouco irônico. Eu posso sentir aminha mãe me olhando de novo, masassim que eu olho para ela, ela desviaos olhos.

Andamos quase em silêncio devolta para a casa segura, embora Maxe Cap trocam algumas palavras,principalmente uma conversacodificada que eu não entendo. Minhamãe, Annabel, Bee, está quieta. Assimque nos aproximamos do esconderijo,

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encontro-me inconscientemente,diminuindo, desesperada paraestender a caminhada, desejando quea minha mãe fale algo, para mereconhecer.

Mas muito em breve nósalcançamos a estrutura lascada, e aescada que leva ao subterrâneo. Eufico para trás, permitindo que Max eCap desçam as escadas primeiro. Euespero que minha mãe aproveite asituação e atrase por um momento,mas ela apenas segue Cap para o

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subterrâneo."Obrigada", ela diz baixinho

enquanto passa por mim.Obrigado.Eu não posso nem ficar com

raiva. Estou muito chocada, muitoafetada pelo seu aparecimento súbito:esta miragem de mulher com o rostoda minha mãe. Meu corpo se senteoco, minhas mãos e pés enormes,como um balão, como se elespertencessem a outra pessoa. Eu vejoas mãos sentirem o caminho pela

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parede, vejo os pés indo clomp-clomp-clomp descendo as escadas.

Por um segundo eu fico na baseda escada, desorientada. Na minhaausência, todos retornaram. Prego eHunter falam ao mesmo tempo,disparando perguntas. Julian levantade uma cadeira assim que me vê.Graúna se apressa animadamente aoredor da sala, organizando, dandoordens às pessoas ao redor.

E no meio de tudo, a minhamãe, remexendo a sua mochila,

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sentando numa cadeira, movendo-secom uma graça inconsciente. Todosse dividiram numa vibração e agitação,como mariposas em volta de umachama, borrões indiferenciados contraa luz. Mesmo o quarto parecediferente agora que ela estava dentrodele.

Este devia ser um sonho. Temque ser. Um sonho de minha mãe, quenão era realmente a minha mãe, masoutra pessoa.

"Ei, Lena." Julian aperta o meu

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queixo em suas mãos e se inclina parame dar um beijo. Seus olhos aindaestão inchados e roxos. Eu o beijo devolta automaticamente. "Você estábem?" Ele se afasta de mim, e eupropositadamente evito seus olhos.

"Eu estou bem", digo a ele."Depois eu te explico." Havia umabolha de ar presa no meu peito,tornando difícil respirar ou falar.

Ele não sabia. Ninguém sabia,exceto Graúna e talvez Prego. Elestrabalharam com Bee antes.

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Agora, a minha mãe não olhavapara mim. Ela aceita um copo de águade Graúna e começa a beber. Eexatamente isso, esse pequenomovimento faz desenrolar a raivadentro de mim.

"Atirei num cervo hoje", Julianestá dizendo. "Prego o viu do outrolado da clareira. Eu não achei que eutivesse uma chance."

"Bom para você", eu ointerrompo. "Você puxou o gatilho."

Julian parece magoado. Eu fui

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horrível com ele por dias. Este era oproblema: sem a cura, os manuais e oscódigos, e você era deixado semregras a seguir. O amor vinha apenasem flashes.

"É comida, Lena", diz ele emvoz baixa. "Não é você quem sempreme dizia que isso não era um jogo? Euestou jogando pra valer, para sempre."Ele faz uma pausa. "Para ficar." Eleenfatiza a última parte, e eu sei queele está pensando em Alex, e então eunão posso deixar de pensar nele

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também.Eu preciso seguir em frente,

encontrar o equilíbrio, ficar longe dasala sufocante.

"Lena". Graúna está ao meulado. "Ajude-me a pegar um pouco decomida?" Esta era a regra de Graúna:Mantenha-se ocupado. Mova-se.Levante-se.

Abrir uma lata. Pegar água.Fazer alguma coisa.

Eu sigo-a automaticamente até apia. "Alguma notícia de Waterbury?"

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Prego pergunta.Por um momento há silêncio.

Minha mãe é a única a falar."Acabou", disse ela simplesmente.

Graúna acidentalmente fatiacom muita força uma tira de carneseca e puxa o dedo rapidamente,sugando-o em sua boca.

"O que você quer dizer, comacabou?"

A voz de Prego é nítida."Exterminada." E então Cap fala."Ceifada".

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"Oh meu Deus". Hunter caipesadamente numa cadeira. Julianestá de pé perfeitamente rígido, tenso,as mãos crispadas. O rosto de Pregovirou pedra. Minha mãe, a mulher queera minha mãe, fica sentada com asmãos cruzadas sobre o colo, imóvel,inexpressiva. Apenas Graúna continuase movendo, envolvendo uma toalhade cozinha em torno de seu dedocortado, serrando a carne seca, indo evoltando, pra lá e pra cá.

"E agora?" Julian pergunta, voz

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firme.Minha mãe olha para cima. Algo

velho e profundo flexiona dentro demim. Seus olhos ainda são de um azulvívido quanto eu me lembro, aindainalterado, como um céu tombado.Como os olhos de Julian.

"Nós temos que mudar", diz ela."Dar apoio aonde podemos fazer obem. A resistência ainda estáganhando força, reunindo pessoas."

"E quanto a Pippa?" Hunterexplode. "Pippa disse para esperar por

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ela. Ela disse-""Hunter", diz Prego. "Você

ouviu o que Cap disse." Ele abaixa avoz. "Exterminados."

Houve um outro momento desilêncio pesado. Eu vejo um músculolatejar na mandíbula da minha mãe,um novo tique, e ela se afasta, entãoeu posso ver o número verdedesbotado tatuado ao longo de seupescoço, logo abaixo da enxurrada decicatrizes de cirurgias de cura,produto de todos os seus

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procedimentos falhos. Eu pensei sobreos anos que ela passou em suapequena cela sem janelas nas criptas,desbastando as paredes com opingente de metal que meu pai lhedera, esculpindo a palavra amor semfim sobre a pedra. E de alguma forma,agora, depois de menos de um ano deliberdade, ela já estava na resistência.Mais do que isso. Ela estava no seucomando.

Eu não conheço essa mulhertotalmente, eu não sei como ela se

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tornou quem é, ou quando a suamandíbula começou a latejar e seucabelo começou a branquear, equando ela começou a puxar um véusobre seus olhos, e evitar o olhar desua filha.

"Então, para onde vamos?"Graúna pergunta.

Max e Cap trocam um olhar."Há algo acontecendo no norte", dizMax. "Em Portland." "Portland", eurepito a palavra sem querer falar.Minha mãe olha para mim, e acho que

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ela olha com medo. Em seguida, elabaixa os seus olhos.

"É desse lugar que você veio,certo?" Graúna me pergunta.

Eu me inclino contra a pia,fecho os olhos por um segundo, etenho uma visão de minha mãe napraia, correndo à minha frente, rindo,levantando a areia escura, um vestidode túnica verde solto batendo em seustornozelos.

Abro os olhos de novorapidamente e concordo. "Eu não

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posso voltar para lá."As palavras saem com mais

força do que eu pretendia, e todomundo se vira para olhar para mim."Se formos para qualquer lugar,vamos todos juntos", diz Graúna.

"Há um grande subterrâneo emPortland", diz Max. "A rede estácrescendo, tem acontecido desde osincidentes. Isso foi só o começo. Oque vai acontecer a seguir..." Elebalança a cabeça, os olhos brilhantes."Vai ser grande."

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"Eu não posso", repito. "E eunão vou." Memórias estão vindorápido: Hana correndo ao meu ladopor Back Cove, nossos tênisesmagados a terra; fogos de artifíciosobre a baía no Quatro de Julho,enviando tentáculos de luz sobre aágua; Alex e eu deitados, rindo, sobreo cobertor na Brooks 37; Gracetremendo ao meu lado no quarto nacasa da tia Carol, envolvendo osbraços finos em volta da minhacintura, seu cheiro de chiclete de uva.

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Camadas e camadas de memórias,uma vida que eu tentei enterrar ematar, um passado que estava morto,como Graúna sempre disse, derepente surgindo, ameaçando mepuxar para baixo.

E com as lembranças vinha aculpa, um outro sentimento que eutentava tanto enterrar. Eu os deixei:Hana, Grace e Alex também. Deixei-os, corri, e eu não olhei para trás.

"A decisão não é sua", dizPrego. Graúna diz: "Não seja criança,

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Lena".Normalmente, eu respondo

quando Graúna e Prego se juntamcontra mim. Mas não hoje. Euempurro a culpa para baixo sob umpunho pesado de raiva. Todos estãoolhando para mim, mas eu possosentir os olhos de minha mãe comouma queimadura, sua curiosidade,como se eu fosse um espécime em ummuseu, uma antiga ferramentadesconhecida cuja finalidade ela estátentando decifrar.

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"Eu não vou." Eu bato o abridorde latas, muito forte, em cima dobalcão.

"Qual é o problema com você?"Graúna diz em voz baixa. Mas a salaestá tão tranquila que eu tenho certezaque todo mundo ouve.

Minha garganta está tãoapertada que eu mal consigo engolir.Sei que, de repente, que eu estou àbeira das lágrimas. "Pergunte a ela:"Eu consigo dizer, empurrando oqueixo em direção à mulher que se

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chama Bee.Há um outro momento de

silêncio. Todos os olhos se voltampara a minha mãe agora. Pelo menosela se sente culpada, ela sabe que elaé uma fraude, esta mulher que querliderar uma revolução de amor e nemsequer reconhece a própria filha.

Só então Bram vem descendopelas escadas, assobiando. Ele estásegurando uma faca grande, que estámolhada com sangue, ele devia estarcortando o cervo. Sua camiseta está

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manchada com isso também. Ele paraquando nos vê ali em silêncio.

"O que está acontecendo?", dizele. "O que eu perdi?" Então, quandovê minha mãe, Cap, e Max: "Quemsão vocês?" A visão de todo aquelesangue faz com que meu estômagorevire. Nós somos assassinos, todosnós. Nós matamos nossas vidas, nossopassado, as coisas que realmenteimportavam. Nós os enterramos sobslogans e desculpas. Antes que eupossa começar a chorar, eu me separo

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da pia e passo por Bram empurrandotão rudemente que ele solta um gritode surpresa. Eu subo as escadas e mejogo para fora, para o ar livre, a tardequente e o som gutural dos bosquesque se abrem para a primavera.

Mas, mesmo fora eu me sintoclaustrofóbica. Não há nenhum lugarpara ir. Não há nenhuma maneira deescapar da sensação esmagadora deperda, o esgotamento infinito dotempo afastando as pessoas e ascoisas que eu amava.

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Hana, Grace, Alex, minha mãe,o mar e a maresia das manhãs de Portland e os gritos distantes das gaivotas, todos eles quebrados,lascados, alojados em algum lugarprofundo, impossível de soltar.

Talvez, afinal de contas, elesestivessem certos sobre a cura. Eu nãosou mais feliz do que eu era quandoeu acreditava que o amor era umadoença. De muitas maneiras, eu soumenos feliz.

Fico a apenas alguns minutos de

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distância da casa segura antes deparar de lutar contra a pressão nosmeus olhos. Meus primeiros chorossão convulsões e trazem até o gostode bile. Eu ponho para foracompletamente. Eu afundo sobre oemaranhado de vegetação e musgomacio, coloco a minha cabeça entreas minhas pernas, e choro até nãoconseguir respirar, até cuspir nasfolhas entre minhas pernas. Eu choropor tudo que eu abandonei e portambém ter sido deixada para trás, porAlex, pela minha mãe, pelo tempo que

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cortou os nossos mundos e nosseparou.

Eu ouço passos atrás de mim esei, sem me virar, que será Graúna."Vá embora", eu digo. Minha voz soagrossa. Eu esfrego a parte de trás daminha mão em minhas bochechas enariz.

Mas é a minha mãe queresponde. "Você está com raiva demim", diz ela.

Eu paro de chorarimediatamente. Todo o meu corpo

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fica frio e imóvel. Ela agacha-se aomeu lado, e mesmo tendo o cuidadode não olhar para cima, para nãoolhá-la totalmente, posso senti-la,sentir o cheiro do suor da sua pele eouvir o padrão irregular de suarespiração.

"Você está com raiva de mim",ela repete, e aumenta um pouco a voz."Você acha que eu não me importo."

Sua voz é a mesma. Por anos eucostumava a imaginar essa vozcadenciada falando as palavras

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proibidas: Eu te amo. Lembre-se. Elesnão podem tirar isso. Suas últimaspalavras antes de partir.

Ela se arrasta para a frente eagacha perto de mim. Ela hesita,então, se aproxima e coloca a palmada mão contra a minha bochecha, evira a cabeça na direção dela, entãoeu sou obrigada a olhar para ela. Euposso sentir os calos nos dedos.

Em seus olhos, eu me vejorefletida em miniatura, e entro notúnel de volta a um tempo antes de ela

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partir, antes de acreditar que ela tinhaido embora para sempre, quando seusolhos me acolhiam todos os dias e meguiavam, a cada noite, para dormir.

"Você ficou ainda mais bonitado que eu imaginava", sussurra. Elatambém está chorando. A dura janeladentro de mim se abre.

"Por quê?" É a única palavraque me vem. Sem querer ou sequerpensar nisso, eu permito que ela meencoste em seu peito, deixo-a meenvolver em seus braços. Eu choro no

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espaço entre suas clavículas, inalandoo cheiro ainda familiar de sua pele.

Há tantas coisas que eu precisolhe perguntar: O que aconteceu comvocê nas criptas? Como você pôdedeixá-los levá-la embora? Aonde vocêfoi? Mas tudo que eu posso dizer é:"Por que você não veio para mim?Depois de todos aqueles anos, durantetodo esse tempo, por que você nãoveio?" Então eu não consigo falar maisnada. Meus soluços se tornamtremores.

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"Shh." Ela pressiona seus lábiosna minha testa, acaricia meu cabelo,como ela costumava fazer quando euera criança. Eu sou um bebênovamente em seus braços, impotentee necessitada. "Eu estou aqui agora."

Ela esfrega as minhas costasenquanto eu choro. Lentamente, eusinto a escuridão escorrer para fora demim, como se puxada pelo movimentode sua mão. Finalmente posso respirarde novo. Meus olhos estão ardendo eminha garganta ardida e dolorida. Eu

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me afasto dela, enxugando os olhoscom a palma da minha mão, nemmesmo ligando do meu nariz estarescorrendo. Estou exausta de repente,cansada demais para ser ferida,cansada demais para ficar com raiva.Eu quero dormir, e dormir.

"Eu nunca parei de pensar emvocê", diz minha mãe. "Eu pensei emvocê todos os dias, você e Rachel.""Rachel foi curada", eu digo. Aexaustão era um peso, cobria todos ossentimentos. "Ela foi emparelhada e

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partiu. E você me deixou pensar queestava morta. Eu ainda achava quevocê estava morta se...” Se não fossepor Alex, eu penso, mas não digo. Éclaro que minha mãe não sabia ahistória de Alex. Ela não sabianenhuma das minhas histórias.

Minha mãe olha para o lado.Por um segundo, eu acho que ela vaicomeçar a chorar de novo. Mas elanão faz. "Quando eu estava naquelelugar, pensando em vocês, minhasduas meninas bonitas, era a única

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coisa que me fazia continuar. Era aúnica coisa que me manteve sã." Suavoz tinha uma vantagem, umacorrente de raiva, e eu me lembro devisitar as criptas com Alex. Aescuridão sufocante ecoando gritosdesumanos, o cheiro da ala seis, ascélulas, como gaiolas.

Eu persisto, teimosamente: "Foidifícil para mim, também. Eu nãotinha ninguém. E você poderia tervindo até mim depois que você fugiu.Você poderia ter me dito..." Minha

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voz falha e eu engulo. "Depois quevocê me encontrou no Salvage, vocêpoderia ter me mostrado o seu rosto,você poderia ter dito alguma coisa..."

"Lena." Minha mãe toca no meurosto novamente, mas desta vez elame vê endurecer, e ela abaixa a mãocom um suspiro. "Você já leu o Livrodas Lamentações? Você já leu sobreMaria Madalena e José? Você já seperguntou por que eu te dei essenome?"

"Eu li." Eu li o livro das

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Lamentações, pelo menos uma dúziade vezes. É o capítulo do Livro deShhh que eu sei melhor. Procurei porpistas, por sinais secretos de minhamãe, por sussurros dos mortos.

O Livro das Lamentações erauma história de amor. Mais do queisso: Era uma história de sacrifício.

"Eu só queria que você estivessesegura", diz minha mãe. "Vocêentende isso? Segura e feliz. Qualquercoisa que eu pudesse fazer... Mesmose isso significasse que eu não poderia

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ficar com você..."Sua voz ficou grossa e eu tive

que olhar para longe dela, para parara dor novamente. Minha mãeenvelheceu em um pequeno quadrado,com apenas um pouco de esperança,palavras riscadas nas paredes dia apósdia, para conseguir continuar.

"Se eu não tivesse acreditado, seeu não tivesse sido capaz de confiarque ... Houve muitas vezes que eupensei sobre ..." Ela desconversa.

Não houve nenhuma

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necessidade de ela terminar a frase.Eu entendo o que ela quer dizer:Houve momentos em que ela queriamorrer. Eu lembro que eu costumavaa imaginá-la às vezes em pé na beirade um penhasco, o casaco ondulandoatrás dela. Eu a via. Por um segundo,ela sempre permanecia suspensa noar, pairando, como a visão de umanjo. Mas sempre, mesmo na minhacabeça, o precipício desaparecia, e eua via cair. Gostaria de saber se, dealguma maneira, ela estava tentandome alcançar através dos ecos de

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espaço naquelas noites, se eu podiasenti-la.

Por um tempo deixamos pairaro silêncio entre nós. Eu seco aumidade do meu rosto com a manga.Então eu me levanto. Ela levantacomigo. Estou impressionada, damesma maneira que fiquei quandopercebi que tinha sido ela quem tinhame resgatado do Salvage, quetinhamos mais ou menos a mesmaaltura.

"E agora?" Eu digo. "Você está

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partindo de novo?""Eu vou onde a resistência

precisa de mim", diz ela.Eu olho para longe dela. "Então

você está partindo" eu digo, sentindoum peso no meu estômago. Claro.Isso era o que as pessoas fazem emum mundo desordenado, um mundode liberdade e de escolha. Elas vãopara onde querem. Elas desaparecem,elas voltam, elas somem novamente. Evocê é deixado para recolher ospedaços.

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Um mundo livre é também ummundo de fratura, como O Livro deShhh nos avisou. Há mais verdade naterra zumbi do que eu queriaacreditar.

O vento sopra o cabelo deminha mãe para sua testa. Ela colocaatrás da orelha, um gesto eu melembro de anos atrás. "Eu preciso tercerteza de que o que aconteceucomigo, o que eu tive que desistir, nãovolte a acontecer com ninguém." Elaencontra os meus olhos, forçando-me

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a olhar para ela. "Mas eu não queropartir", acrescenta ela em voz baixa."Eu, eu gostaria de conhecê-la agora,Magdalena".

Eu cruzo meus braços e osesfrego, tentando encontrar alguma dadureza que eu construí durante o meutempo nos Wilds.

"Eu nem sei por onde começar",eu digo.

Ela estende as mãos, um gestode submissão. "Eu também não. Maspodemos, eu acho. Eu posso, se você

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me deixar." Ela abre um pequenosorriso. "Você é parte da resistênciatambém, você sabe. Isto é o que nósfazemos: lutamos por aquilo que nosimporta. Certo?"

Eu encontro seus olhos. Eles sãodo azul claro do céu que se estendeacima das árvores, um teto de cor.Lembro-me: as praias de Portland,empinar pipas, saladas de macarrão,piqueniques de verão, as mãos deminha mãe, uma voz cantando umacanção de ninar para eu dormir.

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"Certo", eu digo.Nós andamos de volta, juntas,

para a casa segura.

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HanaAs criptas parecem diferentes

do que eu me lembro.Estive aqui apenas uma vez

antes, em uma viagem da escola naterceira série. Estranhamente, eu nãome lembro de nada sobre a visita, sóque Jen Finnegan vomitou no ônibusna volta, e o ar fedia a atum, mesmodepois de o motorista do ônibus abrir

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todas as janelas.As criptas situam-se na fronteira

norte e ficam de costas para o Wilds eo Rio Presumpscot. Era por isso quemuitos prisioneiros conseguiramescapar durante os incidentes. Aexplosão destruiu enormes pedaços demuro na fronteira, os presos queconseguiram sair de suas celas ecorreram direto para os Wilds.

Após os incidentes, as criptasforam reconstruídas, e uma ala nova,mais moderna foi anexada. As criptas

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sempre foram monstruosamente feias,mas agora estavam piores do quenunca: A adição de aço e cimento caiadesajeitadamente contra o antigoprédio, feito de pedra enegrecida, comsuas centenas de pequenas janelasgradeadas. Estava um dia ensolarado,e além do teto alto, o céu era de umazul intenso. A cena toda parecia forado lugar para mim: Este é um lugarque nunca deveria ver a luz solar.

Por um minuto, eu fico do ladode fora dos portões, me questionando

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se eu deveria voltar. Eu vim de ônibusmunicipal, que me levou todo ocaminho desde o centro da cidade,ficando mais vazio conformechegávamos mais perto dali, do seudestino final. Enfim, eu compartilhei oônibus apenas com o motorista e umamulher grande, muito maquiadausando uniforme da enfermeira.Enquanto o ônibus se afastava,levantando lama e fumaça, por umsegundo selvagem pensei em correratrás dele.

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Mas eu tenho que saber. Eutenho.

Então eu sigo a enfermeira quevai em direção à guarita do lado defora dos portões e mostra suaidentidade. Os olhos do guarda mechicoteam, e eu sem palavras passo-lhe um pedaço de papel.

Ele verifica a fotocópia."Eleanor?"

Concordo com a cabeça. Eu nãoconfio em mim mesma ao falar. Nafotocópia, é impossível notar os

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detalhes, ou distinguir a cor do cabelo.Mas, se ele olhar muito de perto, elevai ver que os detalhes não batem: aaltura, a cor dos olhos.

Felizmente, ele não o faz. "Oque aconteceu com o original?"

"Estragou na secadora", eurespondo prontamente. "Eu tenho quepedir uma substituição a SVS."

Ele vira o olhar para a fotocópia.Espero que ele não possa ouvir o meucoração, que está batendo forte eduro. Conseguir a fotocópia não foi

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um problema. Um telefonema rápidopara a Sra. Hargrove esta manhã, umaproposta de xícara de chá, umaconversa de vinte minutos, um desejode usar o banheiro e, em seguida, umdesvio de dois minutos no estúdio deFred. Eu não podia correr o risco deser identificada como a futura esposade Fred. Se Cassie estiver aqui, épossível que alguns dos guardasconheçam Fred também. E se Freddescobrir que estive bisbilhotandopelas criptas ...

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Ele já me disse que eu não devofazer perguntas.

"Negócios?""Apenas... uma visita."O guarda resmunga. Ele me

devolve o papel e gesticula enquantoos portões começam a se abrir."Check-in na recepção dos visitantes",ele resmunga. A enfermeira me dá umolhada curiosa antes de sair à minhafrente cruzando o pátio. Eu possoimaginar que não haja muitosvisitantes aqui.

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Esse era o ponto. Trancá-los edeixá-los apodrecer.

Eu atravesso o pátio e passo poruma porta de aço pesada trancada, eme encontro em um hall de entradaclaustrofóbico, dominado por umdetector de metais e vários guardasenormes. Enquanto eu passo pelaporta, a enfermeira já haviadescarregado a sua bolsa na esteira eestá de pé com os braços e pernasabertos enquanto o guarda move umavarinha sobre seu corpo, procurando

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por armas. Ela mal parece notar, estáocupada conversando com a mulherdo balcão do check-in à direita, queestá situado atrás de um vidro à provade balas.

"O mesmo de sempre", ela estádizendo. "O bebê me manteveacordada a noite toda. Eu estou lhedizendo, se o 2426 me der maisproblemas hoje, vou colocar a suabunda no bloqueio."

"Amém", diz a mulher atrás dobalcão. Então ela se vira para mim.

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"Identidade?"Repetimos o procedimento mais

uma vez. Eu deslizo o papel pelaabertura na janela e explico que ooriginal foi destruído.

"Como posso ajudá-la?", Elapergunta.

Eu venho elaborando a minhahistória cuidadosamente nas últimasvinte e quatro horas, mas ainda achoque as palavras vêm hesitantes. "Eu-eu estou aqui para visitar minha tia."

"Você sabe em que ala ela

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está?"Eu balanço a cabeça. "Não,

veja... eu nem sabia que ela estavaaqui. Quer dizer, eu acabei dedescobrir. Passei a maior parte daminha vida achando que ela estivessemorta." A mulher não mostranenhuma reação a esta declaração."Nome?"

"Cassandra. CassandraO’Donnell." Eu aperto os meuspunhos e me foco na dor correndopelas minhas palmas das mãos

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enquanto ela digita o nome em seucomputador. Eu não tenho certeza seeu estou desejando que o nomeapareça ou não.

A mulher balança a cabeça. Elatem olhos azuis lacrimejantes e umamassa de cabelos loiros enrolados,que nesta luz parece ser do mesmoacinzentado das paredes. "Nada aqui.Você tem o mês de admissão?"

Há quantos anos atrás queCassie desapareceu? Lembro-me deouvir na posse de Fred que ele estava

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sem um par há três anos.Eu arriscaria um palpite.

"Janeiro ou Fevereiro. Três anosatrás."

Ela suspira e levanta da cadeira."Só foi informatizado no anopassado." Ela fica fora de vista, emseguida, retorna com um grande livrocom capa de couro, que ela coloca nolado do balcão com um estrondo. Elaavança algumas páginas, em seguida,abre uma janela no vidro e desliza olivro para mim.

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"Janeiro e fevereiro", diz elabrevemente. "Está tudo organizadopor data, se ela passou por aqui, vaiestar aí."

O livro era enorme, suas páginascom sua escrita rápida, as datas deadmissão, os nomes dos prisioneiros, eos números de prisioneirocorrespondentes. O período de janeiroa fevereiro toma várias páginas, e euestou desconfortavelmente ciente damulher me olhando impacienteconforme eu passo o meu dedo

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lentamente pela coluna de nomes.Há uma sensação de

desconforto no meu estômago. Elanão estava aqui. Claro, eu poderiaestar procurando as datas erradas oueu poderia esta completamenteerrada. Talvez ela nunca tenhachegado nas criptas.

Eu penso em Fred rindo,dizendo: Ela não tem muita audiêncianos dias de hoje.

"Teve sorte", a mulher pergunta,sem interesse nenhum.

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"Apenas um segundo." Umagota de suor desce minha espinha. Euviro abril e continuo a minha busca.

Então eu vejo um nome que mefaz parar: Melanea O.

Melanea. Esse era o nome domeio de Cassandra, eu me lembro deter ouvido na posse de Fred, e vê-lo nacarta que roubei no estúdio.

"Aqui", eu digo. Faz sentido queFred não a tenha colocado lá com oseu nome real. A questão, afinal, erafazê-la desaparecer.

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Eu empurro o livro de voltaatravés da janela de vidro laminado. Amulher passa os olhos pelo nome deMelanea O e pelo número internoatribuído a ela: 2225. Ela digita isso nocomputador, repetindo o númerobaixinho.

"Ala B", diz ela. "Nova ala." Eladigita mais alguns comandos em seuteclado e uma impressora treme pordetrás, regurgitando um pequenoadesivo branco com VISITANTE-ALA B impresso ordenadamente nele.

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Ela desliza a etiqueta pela janela paramim, juntamente com outro livroencadernado em couro mais fino."Assine o seu nome e data no registrodos visitantes, e marque o nome dapessoa que você está visitando.Coloque o adesivo no seu peito, eledeve estar visível em todos osmomentos. E você vai ter que esperarpor uma escolta. Vá em frente com asegurança e eu vou chamar alguémaqui para te pegar."

Ela fala esta última fala

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rapidamente, sem emoção. Eu pescouma caneta na minha bolsa e escrevoEleanor Latterly na posiçãoestipulada, rezando para que ela nãopeça para ver o meu cartão deidentificação. O livro de visitantes eramuito fino. Apenas três visitantesvieram aqui na semana passada.

Minhas mãos começaram atremer. Tenho dificuldade em tirar omeu casaco quando os seguranças meinstruem a coloca-lo na esteirarolante. Minha bolsa e sapatos

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também são colocados em bandejaspara inspeção, e eu tenho que ficarcom os braços e pernas abertas, comoa enfermeira fez, enquanto um doshomens me tateia bruscamente,agitando uma varinha entre as minhaspernas e nos meus seios.

"Limpa", diz ele, dando umpasso para o lado para me deixarpassar. A segurança fica em umapequena área de espera, equipadacom várias cadeiras de plásticobaratas e uma mesa de plástico. Além

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disso, vejo vários corredores deramificações e sinais indicando ocaminho para diferentes alas e partesdo complexo. A TV estava ligada nocanto, no silencioso: uma transmissãopolítica. Eu desvio os olhosrapidamente, para evitar ver Fred seele aparecer na tela.

Uma enfermeira com tufos decabelo preto e um rosto brilhante egorduroso vem andando pelo corredorem direção a mim, usando tamancoshospitalares azuis florais. Seu nome

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no crachá é Jan."Você vai na Ala B?", ela me

diz quando chega perto. Seu perfumeé de baunilha, adocicado e muitoforte, mas mesmo assim não podeesconder completamente os outroscheiros do lugar: água sanitária, odorcorporal.

"Por aqui." Ela vai na minhafrente até um conjunto pesado deportas duplas, usando o quadril paraabri-las. Além das portas, a atmosferamuda. O corredor em que entramos

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era branco cintilante. Esta devia ser anova ala. Os pisos, paredes e até oteto são feitos dos mesmo painéisimpecáveis. Até o ar cheira diferente,mais limpo e mais recente. É muitocalmo, mas à medida que avançamosno corredor, eu ouço os sonsocasionais de vozes abafadas, o sinalsonoro de equipamento mecânico, oslap-slap dos tamancos de outraenfermeira andando por outrocorredor.

"Já esteve aqui antes?" Jan

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pergunta. Eu balanço a minha cabeçanegando, e ela me lança um olhar desoslaio. "Achei que não. Nós nãotemos muitos visitantes por aqui. Qualé o objetivo, eu digo."

"Eu acabei de descobrir queminha tia..."

Ela me corta. "Vai ter quedeixar a sua bolsa fora da ala.” Falaofegante. “Mesmo uma lixa de unhafará apitar. E nós vamos ter que te darum chinelo. Não pode usar essescadarços na enfermaria. No ano

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passado, um dos nossos homens seamarrou em um cano, rápido comoum flash, quando pegou algunscadarços. Mortinho da silva quando oencontramos. Você veio para verquem?"

Ela diz tudo isso tão rápido queeu mal posso seguir o fio da conversa.Uma imagem me vem à mente:alguém balançando no teto, cadarçosatados em torno da garganta. Emminha mente, a pessoa balança, giraem minha direção. Estranhamente, é o

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rosto de Fred que eu imagino,enorme, protuberante e vermelho.

"Estou aqui para ver Melanea."Eu vejo no rosto da enfermeira que onome não significa nada para ela."Número 2225", acrescento eu.

Aparentemente, as pessoas sãoconhecidas apenas por seus númerosnas criptas, porque a enfermeira deixaescapar um ruído de reconhecimento."Ela não vai te dar nenhumproblema", diz ela conspiratória, comose estivesse compartilhando um

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grande segredo. "Ela é tranquila comoum rato de igreja. Bem, nem sempre.Lembro-me dos primeiros meses, elaestava gritando e gritando. Meu lugarnão é aqui! Eu não sou louca!" Aenfermeira ri. "Claro, isso é o quetodos dizem. E então você começa aouvir, e eles vão falando dehomenzinhos verdes e aranhas."

"Ela, ela é louca, então?" Eudigo.

"Não estaria aqui se não fosse,estaria?" Jan diz. Ela, obviamente, não

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espera uma resposta. Chegamos a umoutro conjunto de portas duplas, estemarcado com uma placa que diz AlaB: psicose, neurose, histeria.

"Siga em frente e pegue um parde chinelos", ela diz alegremente,apontando.

Depois das portas tem um bancoe uma pequena estante de madeira,sobre a qual foram colocados várioschinelos hospitalares embainhados deplástico. A mobília era obviamentevelha, e parecia estranha no meio de

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toda a brancura brilhante. "Deixe seussapatos e sua bolsa aqui. Não sepreocupe, ninguém vai levá-los.”

“Os criminosos estão nasantigas enfermarias.” Ela rinovamente.

Sento-me no banco e tateio osmeus cadarços, desejando que eutivesse pensado em usar botas ousapatilhas. Meus dedos estãodesajeitados.

"Então ela gritou?" Eu estoupronta. "Quando ela veio pela primeira

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vez, eu quero dizer."A enfermeira revira os olhos.

"Pensei que seu marido estivessetentando agarrá-la. Gritouconspiração para quem quisesseouvir."

Todo o meu corpo fica frio. Euengulo. "Agarrá-la? O que você querdizer?"

"Não se preocupe". Jan moveuma mão. "Ela ficou em silêncio logo.A maioria deles faz. Toma o remédioregularmente, não dá problemas a

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ninguém.” Ela dá um tapinha no meuombro. "Pronto?"

Eu só posso assentir, emborapronta é a última coisa que eu mesinto. Meu corpo esta sofrendo com anecessidade de me virar, para correr.Mas em vez disso, levanto-me e sigoJan pelas portas duplas para outrocorredor, tão impecavelmente brancascomo as que acabamos de passar,forrada em ambos os lados de branco,portas sem janelas. Cada passo pareceser mais difícil do que o último. Eu

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posso sentir a mordida fria do chãoatravés dos chinelos, que são detecidos finos, e cada vez que eucoloco um pé para baixo, um arrepiopercorre todo o caminho até a minhaespinha.

Logo depois, chegamos a umaporta com a inscrição 2225. Jan bateduas vezes na porta, forte, mas nãoparece esperar uma resposta. Ela tirao cartão-chave do pescoço, prende-ono scanner à esquerda da porta"Temos todos os novos sistemas após

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os incidentes, legal né?" e, quando obloqueio se abre com um clique,empurra abrindo a porta com firmeza.

"Temos um visitante", ela chamaalegremente quando entra na sala.Este último passo é o mais difícil. Porum segundo, eu acho que não sereicapaz de fazê-lo. Eu tenho quepraticamente me jogar para frente, dentro da cela. Assim que o faço, o arsai do meu peito.

Ela está sentada em um canto,em uma cadeira de plástico com

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cantos arredondados, olhando parafora de uma janela pequena equipadacom barras de ferro pesados. Ela nãoliga quando entramos, embora eupossa ver o seu perfil, que está apenasiluminada pela luz filtrada de fora: apequena plataforma do nariz, a bocapequena e requintada, a longa franjade cílios, sua orelha rosa e a cicatrizprocessual logo abaixo. Seu cabelo élongo e loiro, solto, quase até acintura. Estimo que ela tenha cerca detrinta anos.

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Ela é linda. Ela se parececomigo. Meu estômago dá umaembrulhada.

"Bom dia", Jan diz em voz alta,como se Cassandra não fosse nosouvir de outra forma, embora o quartoseja minúsculo. É muito pequeno paraconter todos nós confortavelmente, emesmo que o espaço esteja vazio,exceto por uma cama, uma cadeira,um lavatório e um vaso sanitário, queesta cheio. "Trouxe alguém para vê-la.Agradável surpresa, não é?"

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Cassandra não fala. Ela aindanão nos reconhece.

Jan revira os olhos expressivos,murmura Eu sinto muito para mim.Em voz alta, ela diz, “Venha cá,agora. Não seja rude. Vire-se e digaOlá como uma boa menina".

Cassie gira, em seguida, apesarde seus olhos passarem por mim eolharem diretamente para Jan. "Podeme dar uma bandeja, por favor? Euperdi o café da manhã."

Jan coloca as mãos na cintura e

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diz, em um tom exagerado dereprovação, como se estivesse falandocom uma criança "Você foi tonta, nãofoi?"

"Eu não estava com fome",Cassie diz simplesmente.

Jan suspira. "Você tem sorteque eu estou me sentindo bem hoje",diz ela com uma piscadela. "Você ficabem aqui por um minuto?" Estapergunta é dirigida a mim.

"Eu?""Não se preocupe", diz Jan "Ela

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é inofensiva." Ela levanta a voz eassume o tom forçado alegre. "Voltojá. Você é uma boa menina. Não façanenhum problema para seuconvidado." Ela se vira mais uma vezpara mim. "Qualquer problema, é sóapertar o botão de emergência ao ladoda porta."

Antes que eu pudesseresponder, ela vai para o corredornovamente, fechando a porta atrásdela. Eu ouço o bloqueio deslizar nolugar. Punhaladas de medo, nítidas e

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claras, efeitos da cura.Por um momento há silêncio

enquanto eu tento lembrar o que euvim dizer aqui. O fato de eu tê-laencontrado, a mulher misteriosa, éirresistível, e de repente eu nãoconsigo pensar no que perguntar a ela.

Seus olhos olham para os meus.Eles são de mel, e muito claros.Inteligentes. Não loucos.

"Quem é você?" Agora que Jansaiu da sala, a voz assume um tomacusatório. "O que você está fazendo

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aqui?""Meu nome é Hana Tate," eu

digo. Eu respiro profundamente. "Euvou me casar com Fred Hargrove nopróximo sábado." O silêncio seestende entre nós. Eu sinto seus olhosme varrendo, em cima de mim e meforço a ficar parada. "Seu gosto nãomudou", diz ela neutra. Então ela sevira para a janela.

"Por favor." Minha voz estárouca. Eu gostaria de beber um poucode água. "Eu gostaria de saber o que

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aconteceu."Suas mãos ainda estão em seu

colo. Ela deve ter aperfeiçoado essaarte ao longo dos anos: ficar sentadaimóvel. "Eu sou louca", diz ela sememoção. "Eles não te disseram?"

"Eu não acredito nisso", eu digo,e é verdade, que eu não acredito.Agora que eu estou falando com ela,eu sei que ela é lúcida. "Eu quero averdade."

"Por quê?" Ela se vira para mim."Por que você se importa?"

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Para que isso não aconteçacomigo, para que eu possa impedi-lo.Essa era a razão verdadeira e egoísta.Mas eu não posso dizer isso. Ela nãotem nenhum motivo para me ajudar.Nós não somos mais do queestranhas.

Antes que eu possa pensar emalgo para dizer, ela ri: um som seco,como se sua garganta há muito tempoestivesse em desuso. "Você quer sabero que eu fiz, não é? Você quer tercerteza de que você não cometerá o

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mesmo erro.""Não", eu digo, embora, é claro

que ela está certa. "Isso não é o queeu..."

"Não se preocupe", diz ela. "Euentendo." Um sorriso passabrevemente em seu rosto. Ela olhapara as mãos. "Eu fui emparelhadacom Fred quando eu tinha dezoitoanos", diz ela. "Eu não fui para auniversidade. Ele era mais velho. Elestiveram dificuldades para encontrarum par para ele. Ele era exigente, ele

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era autorizado a ser exigente, porcausa de quem era seu pai. Todosdiziam que eu tinha sorte." Elaencolhe os ombros. "Fomos casadospor cinco anos."

Isso faz ela ser mais jovem doque eu pensava. "O que deu errado?"Eu pergunto.

"Ele ficou cansado de mim." Eladiz isso com firmeza. Seus olhos sejuntam aos meus momentaneamente."E eu era uma responsabilidade. Eusabia demais."

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"O que você quer dizer?" Euquero sentar-me na cama, minhacabeça parece estranhamente leve, eminhas pernas se sentemincrivelmente pesadas. Mas eu estoucom medo de me mover. Tenho medoaté de respirar. A qualquer momento,ela pode pedir para me por pra fora.Ela não me deve nada.

Ela não me respondeudiretamente. "Você sabe o que elegostava de fazer quando era criança?Ele atraia os gatos da vizinhança para

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o seu quintal, os alimentava com leite,dava atum a eles, ganhava a suaconfiança. E então ele os envenenava.Ele gostava de vê-los morrer."

A cela me parece menor do quenunca: sufocante e sem ar.

Ela vira o olhar para mim denovo. Seu olhar calmo e firme medesconcerta. Eu me forço a nãodesviar o olhar. "Ele me envenenou,também", diz ela. "Fiquei doente pormeses e meses. Ele me disse,finalmente. Ricina, em meu café.

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Apenas o suficiente para manter-medoente, na cama, dependente. Ele medisse que eu saberia o que ele eracapaz de fazer." Ela faz uma pausa."Ele matou seu próprio pai, vocêsabe."

Pela primeira vez eu mepergunto se talvez, afinal, ela estejalouca. Talvez a enfermeira estivessecerta, talvez ela pertença aqui. A ideiaé uma libertação. "O pai de Fredmorreu durante os incidentes", eudigo. "Ele foi morto por Inválidos".

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Ela olha para mim com pena."Eu sei disso." Como se ela estivesselendo minha mente, ela acrescenta:"Eu tenho olhos e ouvidos. Asenfermeiras falam. E, claro, eu estavana ala antiga, quando as bombasexplodiram." Ela olha para as mãos."Três centenas de prisioneirosescaparam. Outra dúzia foram mortos.Eu não tive a sorte de estar em um ouem outro grupo. "

"Mas o que isso tem a ver com oFred?" Eu pergunto. Um gemido

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aparece em minha voz. "Tudo", ela diz. Seu tom se

torna afiado. "Fred queria que osincidentes acontecessem. Ele queriaque as bombas explodissem. Eletrabalhou com os Inválidos, ele ajudoua planejá-lo."

Não pode ser verdade, eu nãoposso acreditar nela Eu não vou. "Issonão faz nenhum sentido."

"Faz todo o sentido. Fred deveter planejado isso por anos. Eletrabalhou com o DFA, eles tiveram a

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mesma ideia. Fred queria provar que aopinião de seu pai sobre os Inválidosera errada, e ele queria o seu paimorto. Dessa forma, Fred estariacerto, e Fred seria prefeito".

Um choque corre pela minhaespinha quando ela menciona o DFA.Em março, em um enorme comício daAmérica Deliria-Free em Nova York,Inválidos atacaram, matando trintacidadãos e ferindo inúmeros outros.Todo mundo comparou com osincidentes, e durante semanas, a

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segurança foi reforçada em todos oslugares: identidades digitalizadas, osveículos revistados, casas invadidas eas patrulhas nas ruas dobrou.

Mas haviam outros sussurros,algumas pessoas disseram queThomas Fineman, o presidente daDFA, sabia de antemão o que iriaacontecer, e permitiu. Então, duassemanas mais tarde, Thomas Finemanfoi assassinado.

Eu não sei em que acreditar.Meu peito está doendo com um

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sentimento que eu não consigo melembrar como nomear.

"Eu gostava do Sr. Hargrove",diz Cassandra. "Ele sentiu pena demim. Ele sabia como seu filho era. Elecostumava me visitar de vez emquando, depois de Fred ter metrancado. Fred contratou pessoas paratestemunhar que eu era uma lunática.Amigos. Médicos. Eles me fizeram virpara este lugar." Ela aponta para opequeno quarto branco, seu local desepultamento. "Mas o Sr. Hargrove

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sabia que eu não era louca. Ele mecontou histórias sobre o mundoexterior. Ele deu a minha mãe e meupai um lugar para viver em DeeringHighlands. Fred queria que elesfossem silenciados também. Ele deveter pensado que eu contei a eles... eledeve ter pensado que eu tinha contadoa eles o que eu sabia." Ela balança acabeça. "Mas eu não tinha. Eles nãosabiam nada."

Assim, os pais de Cassie foramforçados a viver em Highlands, como

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a família de Lena."Sinto muito", eu digo. Era a

única coisa que eu posso pensar,embora eu saiba quão superficialparecia.

Cassie não parece me ouvir."Naquele dia, quando as bombasexplodiram o Sr. Hargrove estava mevisitando. Ele me trouxe chocolate."Ela se vira para a janela. Eu mepergunto o que ela está pensando, elaestá parada novamente, o seu perfiltraçado apenas pela luz solar. "Eu

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ouvi que ele morreu tentandorestaurar a ordem. Então eu sentipena dele. Engraçado, não é? Mas euacho que Fred pegou nós dois nofinal".

"Aqui estou! Antes tarde do quenunca!"

A voz de Jan me faz saltar. Eugiro ao redor, ela está empurrando aporta, carregando uma bandeja deplástico com um copo de plástico deágua e uma pequena tigela de plásticode aveia encaroçada. Eu saio do

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caminho enquanto ela coloca abandeja sobre a cama. Percebo que ostalheres são de plástico, também.Naturalmente, não haveria nenhummetal. Não há facas também.

Eu penso no homem balançandoem seus cadarços, fecho os olhos epenso na baía. A imagem rompe sobreas ondas. Eu abro meus olhosnovamente.

"Então, o que você acha?" Jandiz brilhantemente. "Você quer comeragora?"

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"Na verdade, eu acho que vouesperar", Cass diz baixinho. Seu olharainda é direcionado para fora dajanela. "Eu não estou mais comfome."

Jan olha para mim e revira osolhos, como se quisesse dizer: Loucos.

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LenaNós não perdemos tempo em

deixar a casa segura, agora que foidecidido. Vamos para Portland comoum grupo, para nos juntamos com aresistência lá e adicionar a nossa forçacom os agitadores. Algo grande estáacontecendo, mas Cap e Max serecusam a dizer uma palavra sobreisso, e minha mãe afirma que dequalquer maneira, tudo o que eles

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sabem é apenas um esboço dosdetalhes. Agora que o muro caiu entrenós, eu não estou mais tão resistente avoltar para Portland. Na verdade, umapequena parte de mim quer mesmoisso.

Minha mãe e eu conversamosao redor da fogueira enquantocomemos, conversamos até tarde danoite até que Julian põe a cabeça parafora da tenda, sonolento edesorientado, e me diz que eu deveriadormir um pouco, ou até Graúna gritar

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para que calemos a boca.Falamos de manhã. Falamos

enquanto caminhamos.Falamos sobre como era a

minha vida e a dela nas Wilds. Ela mediz que estava envolvida naresistência, mesmo quando aindaestava nas criptas, havia uma toupeira,um resistente, um curado que aindatinha simpatia pela causa e trabalhoucomo guarda na Ala Seis, onde minhamãe foi presa. Ele foi acusado da fugade minha mãe e tornou-se um

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prisioneiro.Eu me lembro dele: eu vi ele

encolhido, como um feto, no canto dacela pequena de pedra. Porém eu nãodisse isso a minha mãe. Eu não lhedisse que Alex e eu entramos nascriptas, porque isso significaria falarsobre ele. E eu não posso falar dele,nem com ela, nem com ninguém.

"Pobre Thomas." Minha mãebalança a cabeça. "Ele lutou muitopara ficar na Ala Seis. Ele meprocurou deliberadamente." Ela me

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olha de lado. "Ele conhecia Rachel, hámuito tempo. Eu acho que ele semprese ressentia de ter tido que desistirdela. Ele ficou com raiva, mesmodepois de sua cura. "

Eu aperto meus olhos contra osol. Imagens há muito enterradascomeçam a piscar: Rachel trancadaem seu quarto, recusando-se a sair ecomer, rosto pálido e sardento deThomas flutuando na janela,gesticulando para eu deixá-lo entrar,agachado no canto no dia em que

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arrastaram Rachel ao laboratório,observando-a chutar e gritar e morder,como um animal. Deve ter sido há oitoanos, foi apenas um ano depois queminha mãe morreu, ou depois que medisseram que ela tinha morrido.

"Thomas Dale," eu deixoescapar. O nome ficou comigo todosesses anos.

Minha mãe passa a mãodistraidamente por um pedaço degrama. No sol, a sua idade, e as linhasde seu rosto, são absolutamente

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óbvias. "Eu mal me lembrava dele. E,claro, ele tinha mudado muito na horaquando eu o vi novamente. Fazia três,quatro anos. Me lembro que eu pegueiele rondando a casa uma vez, quandoeu cheguei mais cedo do trabalho. Eleestava apavorado. Ele pensou que euiria brigar." Ela deu uma risada. "Issofoi antes de eu ter sido... tomada."

"E ele te ajudou," eu digo. Eutento clarear o rosto dele em minhamente, para relembrar os detalhes,mas tudo que eu vejo é a figura suja

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enrolada no chão em uma cela suja.Minha mãe concorda. "Ele não

conseguia esquecer o que ele haviaperdido. Ficou com ele. Fica, vocêsabe, para algumas pessoas. Eusempre achei que ficou para o seupai."

"Então, meu pai estava curado?"Eu não sei por que me sinto tãodecepcionada. Eu nem sequer melembro dele, ele morreu de câncerquando eu tinha um ano.

"Ele foi." Há espasmos

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musculares no queixo da minha mãe."Mas houve momentos em que senti...Houve momentos em que parecia queele ainda podia sentir, só por umsegundo. Talvez eu apenas imaginava.Não importa. Eu o amava de qualquermaneira. Ele era muito bom paramim." Ela põe a sua mãoinconscientemente no seu pescoço,como se estivesse sentindo o colar queela usava, o pingente militar do meuavô, dado a ela por meu pai. Ela usoupara marcar o caminho das criptas.

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"Seu colar", eu digo. "Vocêainda não está acostumada a ficar semele."

Ela se vira para mim, apertandoos olhos. Ela tenta um pequenosorriso. "Há algumas perdas quenunca superamos."

Eu digo a minha mãe sobre aminha vida também, especialmente oque aconteceu desde a partida dePortland, e como cheguei a meenvolver com Graúna, Prego, e aresistência. Ocasionalmente nos

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lembrávamos da época anterior, omuito tempo perdido antes de ela irembora, antes de minha irmã ter sidocurada, antes de eu ter sido levadapara casa da tia Carol. Mas não muito.

Como minha mãe disse, háalgumas perdas que nunca superamos.

Certos assuntos permanecemcompletamente fora dos limites. Elanão perguntou o que me obrigou acruzar em primeiro lugar, e eu não mevoluntariei para dizer a ela. Eumantenho a mensagem de Alex em

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uma pequena bolsa de couro em voltado meu pescoço, um presente daminha mãe, obtido de um comercianteno início do ano, mas era umalembrança de uma vida passada, comocarregar a imagem de alguém que estámorto.

Minha mãe sabe, é claro, que euencontrei o meu caminho para amar.Às vezes, eu a pego me olhando comJulian. O olhar em seu rosto, orgulho,tristeza, inveja e amor misturados, melembra que ela não é apenas a minha

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mãe, mas uma mulher que lutou todaa sua vida por algo que ela nuncaviveu realmente.

Meu pai foi curado. E você nãopode amar, não totalmente, a menosque você seja amado de volta. Sintodor por ela, um sentimento que euodeio e tenho vergonha de algumaforma.

Julian e eu encontramos o nossoritmo novamente. É como setivéssemos passado por cima dasúltimas semanas, e por cima da mais

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longa sombra de Alex, e aterrissamosperfeitamente no outro lado. Nós nãopodemos ter o bastante um do outro.Estou admirada por cada parte dele denovo: suas mãos, sua maneira baixa esuave de falar, todos os seus risosdiferentes.

À noite, no escuro, chegamosum ao outro. Nós nos perdemos noritmo noturno, nas buzinas, gritos egemidos dos animais lá fora. E, apesardos perigos dos Wilds, e a ameaçaconstante dos reguladores e

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limpadores, eu me sinto livre pelaprimeira vez como sempre.

Uma manhã eu saio das tendas evejo que Graúna dormiu demais, e aoinvés dela são Julian e minha mãe quealimentam o fogo. Eles estão de costaspara mim, e eles estão rindo dealguma coisa. Fiapos tênues defumaça torcem no ar de primavera.Por um momento, eu estouperfeitamente imóvel, apavorada,sentindo como se eu estivesse à beirade alguma coisa, se eu me mover, der

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um passo para frente ou para trás, aimagem vai quebrar com o vento, evirar pó .

Então, Julian se vira e me vê."Bom dia, beleza", diz ele. Seu rostoainda está machucado e inchado emalguns lugares, mas seus olhos sãoexatamente da cor do céu no início damanhã. Quando ele sorri, eu acho queé a coisa mais linda que eu já vi.

Minha mãe pega um balde epara. "Eu estava indo para um banho",diz ela. "Eu também", eu digo.

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Conforme eu entro na correnteainda congelante, o vento faz meucorpo arrepiar. Uma nuvem deandorinhas voa pelo céu, a águacarrega um ligeiro sabor do grão, aminha mãe cantarola na corrente daágua. Esse não é o tipo de felicidadeque eu imaginava. Não é o que euescolhi.

Mas é o suficiente. É mais doque suficiente.

Na fronteira de Rhode Island,nos deparamos com um outro grupo

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de cerca de duas dúzias de colonos,que estão a caminho de Portlandtambém. Todos com exceção de doisdeles estão do lado da resistência, e osdois que não se importam em lutarnão se atrevem a ficar sozinhos.Estamos nos aproximando da costa, eos detritos da antiga vida estão emtoda parte. Deparamo-nos com umaestrutura de colmeia de cimentomaciço, que Prego identifica comouma velha garagem.

Algo sobre a estrutura me deixa

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ansiosa. É como um inseto de pedraimponente, equipado com cem olhos.O grupo todo fica em silêncio quandopassamos sob sua sombra. O cabelono meu pescoço está arrepiado, emesmo que seja estúpido, eu nãoconsigo me livrar da sensação deestarmos sendo observados.

Prego, que está liderando ogrupo, levanta a mão. Todos nósparamos abruptamente. Ele inclina acabeça, obviamente ouvindo algo.Prendo a respiração. Tudo está quieto,

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exceto pelo ruído habitual dos animaisna floresta, e do gemido suave dovento.

Em seguida, um fino spray deterra e cascalho cai em cima de nós,como se alguém tivesse derramadoacidentalmente de um andar superiorda garagem.

Instantaneamente, tudo édesfoque e movimento.

"Se abaixem, se abaixem!" Maxgrita enquanto todos nós estamospegando as armas, tirando os rifles

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dos ombros, e caindo no mato."Coo-ee!"A voz, o grito, nos congela. Eu

viro a minha cabeça em direção aocéu, protegendo os olhos do sol. Porum segundo, eu tenho certeza queestou sonhando.

Pippa emergiu das cavernasescuras da estrutura de colmeia e estáem uma borda cheia de sol, acenandocom um lenço vermelho para baixo,para nós, sorrindo.

"Pippa!" Graúna grita, com a

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voz estrangulada. Só então eu acreditonisso.

"Ei, você," Pippa grita parabaixo. E, lentamente, por trás dela,mais e mais pessoas saem à vista:massas de pessoas magras,esfarrapadas, escondidas em todos osdiferentes níveis da garagem.

Quando Pippa finalmente chegaao solo, ela é imediatamente engolidapor Prego, Graúna, e Max. Fera estávivo também, ele sai para o soldiretamente atrás de Pippa, e parece

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demais para acreditar. Por 15minutos, não fazemos nada, além degritar e rir e falar sobre o outro, nãoentendendo uma única palavra.

Finalmente, Max faz-se ouvirsobre o caos de vozes concorrentes erisos. "O que aconteceu?" Ele estárindo, sem fôlego. "Nós ouvimos queninguém tinha escapado. Ouvimos quefoi um massacre."

No mesmo instante, Pippa ficaséria. "Foi um massacre", diz ela."Perdemos centenas de pessoas. Os

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tanques vieram e cercaram oacampamento. Eles usaram bombasde gás lacrimogêneo, metralhadoras,conchas. Foi um banho de sangue. Agritaria" ela estoura. "Foi horrível."

"Como é que você saiu?"Graúna pergunta. Todos nós ficamosquietos. Agora parece horrível queapenas um segundo atrás estávamosrindo, regozijando-nos da segurançade Pippa.

"Tivemos um tempo difícil", dizPippa. "Tentamos avisar a todos. Mas

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você sabe como é, caos. Quaseninguém quis ouvir."

Atrás dela, Inválidos estavamentrando timidamente para o sol,emergindo da garagem, de olhosarregalados, em silêncio, nervosos,como pessoas que sobreviveram a umfuracão e ficam espantados de ver queo mundo ainda existe. Eu só possoimaginar o que eles testemunharamem Waterbury.

"Como é que você desviou dostanques?" Pergunta Bee. Ainda é

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difícil para mim pensar nela comominha mãe quando ela age assim,como um membro endurecido daresistência. Por agora, eu estoucontente em deixá-la existirduplamente: Ela é minha mãe, àsvezes, e às vezes, uma líder e umalutadora.

"Nós não fugimos", diz Pippa."Não havia nenhuma chance. Toda aárea estava repleta de soldados. Nósnos escondemos." Um espasmo de doratravessa seu rosto. Ela abre a boca,

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como se quisesse dizer mais, e depoisa fecha novamente.

"Onde você se escondeu?" Maxprensa.

Pippa e Fera trocam um olharindecifrável. Por um momento, euacho que Pippa vai se recusa aresponder. Algo aconteceu no campo,algo que ela não vai nos dizer.

Em seguida, ela tosse e vira osolhos para Max. "No leito do rio, emprimeiro lugar, antes de o tiroteiocomeçar", diz ela. "Não demorou

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muito para que os corpos começassema cair. Estávamos protegidos debaixodeles"

"Oh meu Deus.” Hunter põe seupunho sobre seu olho direito. Pareceque ele está prestes a passar mal.Julian se afasta de Pippa.

"Não tínhamos escolha," Pippadiz bruscamente. "Além disso, eles jáestavam mortos. Pelo menos seuscorpos não foram para o lixo."

"Estamos felizes por você terfeito isso, Pippa," Graúna diz

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suavemente, e coloca uma mão noombro de Pippa. Pippa se vira para elacom gratidão, com o rosto de repenteansioso, aberto, como um filhote decachorro.

"Eu estava esperando ouvir devocê na casa segura, mas eu achei quevocê já tinha saído", diz ela. "Eu nãoqueria arriscar sair quando houvessetropas na área. Muito visível. Então eufui para o norte. Nós tropeçamos nacolmeia por acidente." Ela empurra oqueixo para a estrutura de

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estacionamento grande. Ele realmentese parece com uma colmeia gigante,agora que há figuras, meia-sombra,olhando para baixo, para nós a partirde seus diferentes níveis, voandoatravés de manchas de luz e, emseguida, recuando mais uma vez naescuridão. "Achei que era um bomlugar para se esconder um pouco eesperar as coisas acalmarem."

"Quantos vocês são?" Pregopergunta. Dezenas e dezenas depessoas desceram e estão de pé,

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amontoados, um pouco atrás dePippa, como uma matilha de cães quefoi espancada e faminta. Seu silêncio édesconcertante.

"Mais de trezentos", diz Pippa."Perto de quatrocentos.”

Um número enorme: aindaassim, apenas uma fração do númerode pessoas que estavam acampadosfora de Waterbury. Por um momento,eu estou cheia de uma raiva cega eincandescente. Queríamos a liberdadede amar e, em vez disso, fomos

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transformados em lutadores,selvagens. Julian se move para pertode mim e coloca o braço em volta domeu ombro, permitindo-me encostarnele, como se pudesse sentir o que euestou sentindo.

"Nós não vimos nenhum sinal detropas", diz Graúna. "Meu palpite éque eles vieram de Nova York. Se elestinham tanques, eles devem ter usadouma das estradas ao longo do Hudson.Esperemos que eles tenham ido para osul novamente."

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"Missão cumprida", Pippa dizcom amargura.

"Eles não cumpriram nada."Minha mãe fala novamente, mas suavoz é mais suave agora. "A luta nãoacabou, é só o começo."

"Nós estamos indo paraPortland", diz Max. "Nós temosamigos lá, muitos deles. Haveráretorno." acrescenta com ferocidadesúbita. "Olho por olho".

"E o mundo inteiro fica cego,"Coral fala em voz baixa.

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Todos se viram para olhar paraela. Ela quase não falava desde queAlex partiu, e eu tenho o cuidado de aevitar. Eu sinto sua dor como umapresença física, uma energia escuraque a suga, consome e rodeia, e issome faz tanto ter pena como meressentir dela. É um lembrete de queele não era mais meu para perder.

"O que você disse?", Diz Maxcom uma agressividade maldisfarçada.

Coral olha para longe. "Nada",

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diz ela. "É apenas algo que eu ouviuma vez."

"Nós não temos escolha", minhamãe insiste. "Se não lutarmos,seremos destruídos. Não se trata devingança." Ela atira um olhar paraMax, e ele grunhe e cruza os braços."É uma questão de sobrevivência."

Pippa passa a mão sobre acabeça dela. "O meu povo está fraco",diz ela finalmente. "Estamos vivendode restos, ratos principalmente, e oque pudermos caçar na floresta."

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"Haverá comida no norte", dizMax. "Suprimentos. Como eu disse, aresistência tem amigos em Portland."

"Eu não tenho certeza se elesvão fazer isso", diz Pippa, baixando avoz.

"Bem, você não pode ficar aqui,também", aponta Prego .

Pippa morde o lábio e troca umolhar com Fera. Ele acena com acabeça. "Ele está certo, Pip", diz Fera.

Atrás de Pippa, uma mulher falade repente. Ela é tão magra, que

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parece ter sido talhada em madeiraantiga.

"Vamos." Sua voz ésurpreendentemente profunda econtundente. Afundados e náufragosem seu rosto, seus olhos queimamcomo duas brasas fumegantes. "Nósvamos lutar."

Pippa exala lentamente. Emseguida, ela acena com a cabeça.

"Tudo bem, então", diz ela."Iremos para Portland."

À medida que nos aproximamos

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de Portland, a luz e a terra se tornammais familiares, a exuberância e ocheiro que eu conheço desde ainfância, das minhas maiores e maisantigas memórias, eu começo a fazermeus planos.

Nove dias depois de deixarmosa casa segura, nossos números agoraextremamente aumentados, temos umvislumbre de uma das cercas defronteira de Portland. Só que agoranão é mais uma barreira. É umaparede de cimento enorme, uma laje

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de pedra, manchada de rosasobrenatural à luz do amanhecer.

Estou tão chocada, eu paro."Que diabos?"

Max está andando atrás de mim,e tem que se esquivar no últimosegundo. "Nova construção", diz ele."Controle das fronteiras reforçado.Reforçaram o controle em todos oslugares. Portland está dando umexemplo." Ele balança a cabeça emurmura algo.

Esta imagem, a visão de uma

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parede, recém-erguida fez meucoração começar a bater. DeixeiPortland a menos de um ano atrás, ejá mudou. Estou tomada por um medode que tudo seja diferente no interiorda parede também. Talvez eu nãoreconheça nenhuma das ruas. Talvezeu não seja capaz de encontrar ocaminho para a casa da tia Carol.

Talvez eu não seja capaz deencontrar Grace.

Eu não posso consigo deixar deme preocupar com Hana, também.

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Me pergunto onde ela está desde quenos aproximamos de Portland: ascrianças excluídas, filhos pródigos,como os anjos descritos no livro deShhh que foram expulsos do céu porabrigar a doença, expulsos por umDeus irado.

Mas eu me lembro que a minhaHana, a Hana que eu conhecia eamava-se se foi. "Eu não gosto disso",eu digo.

Max gira para me olhar, umcanto de sua boca se curva em um

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sorriso. "Não se preocupe", diz ele."Não vai ficar em pé por muitotempo." Ele pisca.

Assim. Mais explosões. Fazsentido, precisamos colocar umgrande número de pessoas emPortland de alguma forma.

Um apito alto e fino perturba osilêncio da manhã. Fera . Ele e Pippaforam à frente do grupo, esta manhã,traçando a periferia da cidade, àprocura de outros Inválidos, sinais deum campo ou fazenda. Voltamo-nos

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em direção ao som. Estamoscaminhando desde a meia-noite, masagora encontramos energia renovada enos movemos mais rapidamente doque fizemos a noite toda.

As árvores nos levam a umagrande clareira. O crescimento temsido rigorosamente aparado , e umlongo beco verde, bem cuidado, seestende por uns cem metros dedistância. Nele há trailers apoiados emblocos de concreto e pedaços deconcreto, bem como beliches

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enferrujadas, caminhões, barracas ecobertores pendurados em galhos deárvores para formar um tetoimprovisados. As pessoas já estão semovendo ao redor do acampamento, eo ar cheira a fumaça de madeira.

Fera e Pippa estão de pé umpouco longe, conversando com umhomem alto, ruivo fora de um dostrailers.

Graúna e minha mãe começama ajuntar o grupo para a clareira. Eufico onde estou, presa ao chão. Julian,

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percebendo que eu não estou com ogrupo, se vira para mim.

"Qual é o problema?", Elepergunta. Seus olhos estão vermelhos.Ele tem feito mais do que quasequalquer pessoa, explorando,camuflando e vigiando, enquanto oresto de nós está dormindo. "Eu, eusei onde estamos", eu digo. "Eu jáestive aqui antes."

Eu não digo com Alex. Eu nãopreciso. Os olhos de Julian tremem.

"Vamos lá", diz ele. Sua voz é

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tensa, mas ele estende sua mão e pegaa minha. Suas palmas das mãosficaram calejadas mas seu toque aindaé delicado.

Eu examino instintivamente todaa linha de reboques, tentandoreconhecer o trailer que Alex tinhareivindicado para si mesmo. Mas issofoi no verão passado, no escuro, e euestava apavorada. Eu não me lembrode nenhuma de suas características,somente o telhado arredondado deplástico encerado, o que não vai ser

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distinguível de onde estou.Eu sinto um breve lampejo de

esperança. Talvez Alex esteja aqui.Talvez ele tenha voltado a terrasfamiliares.

O homem ruivo está falandocom Pippa. ”Você chegou aqui nahora certa”, ele diz. Ele é muito maisvelho do que parecia a distância, emseus quarenta, no mínimo, apesar deseu pescoço ser sem manchas. Ele,obviamente, não passou umaquantidade significativa de tempo na

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terra dos Zumbis. "A hora do jogo éamanhã ao meio-dia."

"Amanhã?" Repete Pippa. Ela ePrego trocam um olhar. Julian apertaminha mão. Eu sinto um pulso deansiedade. "Por que tão cedo? Setivéssemos mais tempo para planejar-"

"E mais tempo para comer",Graúna corta "Metade de nós estápraticamente morrendo de fome. Elesnão vão ter uma luta muito boa."

O homem ruivo abre suas mãos.

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"Não foi minha decisão. Nósestivemos coordenando com os nossosamigos do outro lado. Amanhã é anossa melhor chance para entrar. Umagrande parte de segurança estaráocupada amanhã, haverá um eventopúblico pelos laboratórios. Eles serãoafastados do perímetro para guardá-lo."

Pippa esfrega os olhos e suspira.Minha mãe pergunta "Quem vai emprimeiro lugar?"

"Nós ainda estamos trabalhando

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nos detalhes", diz ele. "Nós nãosabíamos se a resistência tinhapalavra. Nós não sabíamos sepoderíamos esperar qualquer ajuda."Quando ele fala com a minha mãe,todos os seus modos mudam, ele setorna mais formal, e mais respeitosotambém. Eu vejo seus olhos descerematé a tatuagem em seu pescoço, para amarca de ex-prisioneira das criptas.Ele, obviamente, sabe o que issosignifica, mesmo que ele não tenhapassado muito tempo em Portland.

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"Você tem ajuda agora", minhamãe diz.

O homem ruivo olha para forasobre o nosso grupo. Mais e maispessoas estão saindo da floresta, queflui para a clareira, se amontoando nafraca luz da manhã. Ele espera umpouco, como se tivesse acabado detomar consciência de nosso número."Tem quantos de vocês?", Elepergunta.

Graúna sorri, mostrando todosos seus dentes. "O suficiente", diz ela.

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HanaA casa dos Hargroves está

brilhando com a luz. Quando nossocarro entra na rua, eu tenho aimpressão de um enorme barcobranco e encalhado. Em cada uma dasjanelas, a lâmpada está acesa; asárvores no quintal foram amarradascom minúsculas luzes brancas, e otelhado está coroado com elas

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também.Claro, as luzes não são por

causa celebração. Elas são umaafirmação de poder. Teremoscontrole, posses, até mesmodesperdício - e outros irão definhar noescuro, suar no verão, congelar maisrapidamente que as mudançasclimáticas.

"Você não acha que estáadorável, Hana?" Minha mãe dizquando atendentes em ternos pretosse materializam da escuridão e abrem

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a porta do carro. Eles se afastam eesperam por nós, as mãos postas -respeitosos, atenciosos, em silêncio.Funcionários de Fred, provavelmente.Eu penso sobre seus dedos apertandoa minha garganta. Você ainda vaiaprender a sentar-se quando eu lhedigo...

E a monotonia da voz deCassandra, a resignação sem brilhoem seus olhos. Ele envenenou gatosquando ele era pequeno. Ele gostavade vê-los morrer.

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"Adorável", repito.Ela se vira para mim enquanto

balança as pernas para fora do carro,e franze a testa ligeiramente. "Vocêestá muito quieta esta noite."

"Cansada", eu digo.A última semana e meia

passou tão depressa, eu não melembro de dias específicos: Tudo umgrande borrão, um emaranhado cinza,como um sonho confuso.

Amanhã, eu me caso com FredHargrove.

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O dia todo eu me senti comose estivesse sonâmbula, vendo meucorpo se mexer e sorrir e falar, sevestir e perfumar, flutuar nas escadaspara o carro que esperava e agoradeslizar pelo caminho de pedra até aporta da frente de Fred.

Vejo Hana andar. Vejo Hanaentrar no vestíbulo, piscando naclaridade: um lustre reflete fragmentosde luzes coloridas nas paredes;lâmpadas na mesa do hall e nasestantes; velas acesas em castiçais de

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prata. Vejo Hana virar para a sala deestar, centenas de rostos brilhantes einchados virando-se para olhá-la.

"Lá está ela!""Lá vem a noiva...”"E a Sra. Tate."Vejo Hana dizer olá, acenar e

balançar a cabeça, apertar as mãos, esorrir.

"Hana! Momento perfeito. Euestava justamente te elogiando”. Fredestá caminhando pela sala em direçãoa mim, sorrindo, seus sapatos

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afundando silenciosamente no tapeteespesso.

Vejo Hana dar ao seu quasemarido um braço.

Fred se inclina para sussurrar:"Você está muito bonita." E depois:"Espero que você tenha levado anossa conversa para o coração",enquanto ele diz, ele aperta meubraço, forte, no interior carnudo logoacima do meu cotovelo. Ele dá o outrobraço para minha mãe, e nós nosmovemos para a sala enquanto a

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multidão se abre para nós, umfarfalhar de seda e linho. Fred meconduz através da sala, parando paraconversar com os membros maisimportantes do governo da cidade e deseus maiores benfeitores. Eu escuto eriu nos momentos certos, mas o tempotodo eu ainda me sinto como se euestivesse sonhando.

"Brilhante ideia, PrefeitoHargrove. Eu estava dizendo aGinny...”

"E por que eles deveriam ter

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luz? Por que eles deveriam receberqualquer coisa de nós, afinal?”

"... logo acabamos com oproblema."

Meu pai já está aqui; eu vejoque ele está conversando com PatrickRiley, o homem que assumiu o cargode chefe da América Sem Deliriadepois que Thomas Fineman foiassassinado no mês passado. Rileydeve ter chegado de Nova York, ondeo grupo está sediado.

Eu pensei sobre o que

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Cassandra me contou - que o ASDtrabalhou com os Inválidos, Fredtambém, que ambos os ataques foramplanejados - e sinto como se euestivesse fincando louca. Eu não seimais em que acreditar. Talvez eles vãome trancar nas Criptas com Cassandrae tirar meus cadarços.

Eu tenho que engolir a súbitavontade de rir.

"Desculpe-me", eu digo assimque o aperto de Fred no meu cotovelosolta e vejo a oportunidade de

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escapar. "Eu vou pegar uma bebida."Fred sorri para mim, mas seus

olhos são escuros. O aviso é claro:Comporte-se. "É claro", diz elelevemente. Enquanto eu faço o meucaminho através da sala de estar, amultidão se prensa firmemente aoredor dele, impedindo-o de me ver.

Uma mesa com toalha de linhodrapeado foi colocada em frente àsgrandes janelas, que dão para ogramado bem cuidado dos Hargrovese os canteiros impecáveis, onde flores

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foram organizadas pela altura, tipo ecor. Eu peço água e tento fazer-metão discreta quanto possível, naesperança de evitar conversa por pelomenos alguns minutos.

"Lá está ela! Hana! Lembra-sede mim?" Do outro lado da sala, CeliaBriggs – que está em pé ao lado deSteven Hilt, usando um vestido quefaz com que pareça que ela tropeçouacidentalmente em uma enorme pilhade chiffon azul - está freneticamentetentando chamar minha atenção. Eu

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olho para longe, fingindo não tê-lavisto. Quando ela começa a vir emminha direção, puxando Steven pelamanga, eu me viro para o corredor emdireção à parte de trás da casa.

Gostaria de saber se Celia sabeo que aconteceu no verão passado:como Steven e eu respiramos na bocaum do outro, e deixamos ossentimentos passarem em nossaslínguas. Talvez Steven tenha dito aela. Talvez eles rissem disso agora,agora que estamos todos a salvo, do

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outro lado daquelas agitadas eassustadoras noites.

Vou para a varanda fechada naparte de trás da casa, mas lá tambémestá cheio de pessoas. Quando estouprestes a passar pela cozinha, eu ouçoa voz da Sra. Hargrove: "Pegue aquelebalde de gelo, você ouviu? O barmanestá quase fora".

Com a esperança de evitá-la,eu me esquivo para o escritório deFred, fechando rapidamente a portaatrás de mim. A Sra. Hargrove iria

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apenas me levar firmemente de voltapara a festa, para Celia Briggs, e paraa sala cheia de todos aqueles dentes.Eu me inclino contra a porta,exalando lentamente.

Meus olhos param na únicapintura na sala: o homem, o caçador,e as carcaças massacradas. Só quedesta vez, eu não desvio o olhar.

Há algo de errado com ocaçador, ele está vestido muito bem,em um terno antiquado e botaspolidas. Inconscientemente, eu dou

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dois passos para mais perto,horrorizada e incapaz de desviar oolhar. Os animais amarradas emganchos de carne, não são animais naverdade.

São mulheres.Corpos, cadáveres humanos,

pendurados no teto e empilhados nochão de mármore.

Ao lado da assinatura doartista, há uma pequena nota pintaao:O Mito do Barba Azul, ou, Os perigosda Desobediência.

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Eu sinto uma necessidade quenão posso exatamente nomear - defalar ou gritar, ou correr. Em vezdisso, sento-me na cadeira de couroduro, apoiada atrás da escrivaninha,inclino para frente, e descanso minhacabeça em meus braços, e tento melembrar de como chorar. Mas nadavem exceto uma leve coceira nagarganta e dor de cabeça.

Eu não sei quanto tempo eufiquei sentada assim até eu perceberuma sirene tocando por perto. Em

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seguida, o quarto é lançado, derepente, em cores: flashes devermelho e branco explodem de formaintermitente através da vidraça. Assirenes ainda estão tocando, e entãoeu percebo que elas estão em todaparte, ao redor e bem próximo,algumas na mesma rua tão altasquanto um choro estridente e algumasnão mais altas do que um eco.

Alguma coisa está errada.Eu saio para o corredor,

enquanto várias portas batem de uma

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só vez. O murmúrio das conversas e amúsica pararam. Em vez disso, euouço pessoas gritando umas com asoutras. Fred explode no salão e vemcaminhando em minha direção logodepois que eu fechei a porta de seuescritório. Ele para quando me vê."Onde você estava?", ele pergunta.

"Na varanda", eu disserapidamente. Meu coração estábatendo forte. "Eu precisava de umpouco de ar." Ele abre a boca, sóentão minha mãe entra na sala, com o

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rosto pálido. "Hana", diz ela. "Aí estávocê."

"O que aconteceu?" Eupergunto. Mais e mais pessoas estãosaindo da sala de estar: reguladoresem seus uniformes, guarda-costas deFred, dois policiais com rostos sérios,e Patrick Riley, lutando em seu blazer.Os telefones celulares estão tocando,e rajadas de estática dos walkie-talkieenchem o salão.

"Houve uma perturbação nomuro da fronteira", minha mãe diz,

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com os olhos nervosamente voltadospara Fred.

"Resistentes." Eu posso dizerpela expressão de minha mãe quemeu palpite está certo.

"Eles estão mortos, é claro",Fred diz em voz alta para que todospossam ouvir.

"Quantos eram?" Eu pergunto.Fred vira para mim enquanto

ele está empurrando os braços em seupaletó, e um regulador acaba depassar por ele. "Será que isso

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importa? Nós tomamos conta disso."Minha mãe me lança um olhar

e me dá uma sacudida de cabeça.Atrás dele, um policial

murmura em seu walkie-talkie. "Dez-quatro, Dez-quatro, nós estamos nocaminho."

"Você está pronto?" PatrickRiley pergunta a Fred.

Fred concorda. No mesmoinstante, seu celular começa a berrar.Ele o remove do bolso e silencia-orapidamente. "Merda. É melhor nos

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apressarmos. Os telefones doescritório estão provavelmenteenlouquecendo."

Minha mãe coloca o braço emvolta dos meus ombros. Ficomomentaneamente assustada. É muitoraro nos tocarmos assim. Ela deveestar mais preocupada do que parece.

"Vamos lá", diz ela. "Seu paiestá esperando por nós."

"Para onde estamos indo?" Eupergunto. Ela já está me movendo emdireção à frente da casa.

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"Para casa", diz ela.Lá fora, os convidados já estão

amontoados. Nós nos juntamos à filade pessoas à espera de seus carros.Vemos sete e oito pessoas seacumulando em sedans, as mulheresem vestidos longos apertando em cimadas outras no banco de trás. É óbvioque ninguém quer andar pelas ruas,que são preenchidas com os sonsdistantes de lamentos.

Meu pai acaba entrando nafrente com Tony. Minha mãe e eu nos

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apertamos no banco de trás com o Sr.e a Sra. Brande, que trabalham noDepartamento de Higienização.Normalmente, a Sra. Brande não podefechar sua boca, minha mãe sempreespeculou que a cura a deixou semautocontrole verbal, mas hoje à noitenós dirigimos em silêncio. Tony vaimais rápido do que o habitual.

Começa a chover. Os postesdas ruas normalmente iluminam ajanela com círculos quebrados de luz.Agora, alertam com medo e

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ansiedade. Eu não posso acreditar oquão estúpida eu fui. Eu tomei umadecisão repentina: não vou mais aHighlands Deering. É muito perigoso.A família de Lena não é meuproblema. Eu tenho feito tudo o queposso.

A culpa ainda está lá,apertando a minha garganta, mas euengulo-a.

Passamos sob outro poste, e achuva nas janelas transforma-se emlongos dedos; depois, mais uma vez, o

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carro é engolido pela escuridão. Euimagino que eu posso ver diferentesfiguras em movimento através daescuridão, patinando ao lado do carro,rostos emergindo dentro e fora dassombras. Por um segundo, enquantonós nos movemos sob outro poste,vejo uma figura encapuzada surgindoda floresta ao lado da estrada. Nossosolhos se encontram, e deixo escaparum pequeno grito.

Alex. É Alex."Qual é o problema?" Minha

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mãe pergunta tensa."Nada, eu-" No momento em

que eu me viro, ele se foi, e então eutenho certeza que eu só o imaginei.Eu devo ter imaginado-o. Alex estámorto; ele foi derrubado na fronteira enunca foi para a Selva. Eu engulo emseco. "Eu pensei ter visto algumacoisa."

"Não se preocupe, Hana",minha mãe diz. "Estamosperfeitamente seguros no carro." Masela se inclina para frente e diz,

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fortemente, para Tony, "Você nãopode dirigir mais rápido?"

Eu penso no novo muro,iluminado por uma luz, vermelhomanchado com sangue.

E se houver mais deles? E seeles estiverem vindo para nós?

Eu tenho uma visão de Lena semovendo lá fora, esgueirando-se pelasruas, esquivando-se entre as sombras,segurando uma faca. Por ummomento meus pulmões param de semexer.

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Mas não. Ela não sabe que eraeu a pessoa que deu a ela e a Alexdistância. Ninguém sabe. Além disso,ela provavelmente está morta.

E mesmo que ela não esteja -mesmo que por algum milagre, elatenha sobrevivido à fuga e foi viver avida na Selva - ela nunca iria unirforças com os resistentes. Ela nuncaseria violenta ou vingativa. Não Lena,que costumava praticamente desmaiarquando ela espetava um dedo, quenão podia nem mentir a um professor

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quando estava atrasada. Ela não teriaestômago para isso.

Ela teria?

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LenaO planejamento vai até tarde

da noite. O homem ruivo, cujo nome éColin, permanece sequestrado em umdos trailers com Beast e Pippa,Graúna e Prego, Max, Cap, minhamãe, e alguns outros que ele escolheua dedo de seu grupo. Ele coloca umguarda para vigiar a porta; a reunião ésomente para convidados. Eu sei que

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algo grande está em obras - tãogrande, se não maior, quanto osincidentes que explodiram parte deum muro das Criptas e explodiramuma delegacia de polícia. Das dicasque Max deixou escorregar, eu deduzique esta nova rebelião não ésimplesmente restrita à Portland.Como nos incidentes anteriores, emcidades de todo o país, simpatizantese inválidos estão se reunindo ecanalizando sua raiva e sua energiaem demonstrações de resistência.

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Em um momento Max eGraúna emergem do trailer parafazerem xixi na mata - seus rostosabatidos e sérios - mas quando peço aGraúna para me deixar participar dareunião, ela me corta imediatamente.

"Vá para a cama, Lena", dizela. "Está tudo sob controle."

Deve ser quase meia-noite,Julian está dormindo há horas. Eu nãoposso me imaginar deitada agora. Eusinto que meu sangue está cheio demilhares de formigas - meus braços e

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pernas estão rastejando, ansiosos parase moverem, para fazerem algumacoisa. Eu ando em círculos, tentandoafastar essa sensação, e furiosa -irritada com Julian, furiosa comGraúna, pensando em todas as coisasque eu gostaria de dizer a ela.

Eu fui a pessoa que tirou Juliando subterrâneo. Eu fui a pessoa quearriscou a minha vida esgueirando-mepor Nova York para salvá-lo. Eu fui apessoa que entrou em Waterbury, eufui a pessoa descobriu que Lu era uma

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fraude. E agora Graúna me diz para irpara a cama, como se eu fosse umarebelde de cinco anos de idade.

Eu miro em um copo de lataque estava no chão, semienterrado emcinzas, à beira de uma fogueiraapagada, e vejo-o passar como umfoguete a 6 metros e cair ao lado deum trailer. Um homem grita: "Pegaleve!" Mas eu não me importo se eu oacordei. Eu não me importo se euacordei todo o maldito acampamento.

"Não consegue dormir?"

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Eu viro, assustada. Coral estásentada um pouco atrás de mim,joelhos abraçados contra o peito, aolado dos restos mortais de outrafogueira. De vez em quando ela aestimula indiferentemente com umavara.

"Oi," eu digo cautelosamente.Desde que Alex saiu, ela esteve quasecompletamente muda. "Eu não vivocê."

Seus olhos vão para o meu. Elasorri fracamente. "Eu não posso

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dormir também."Mesmo que eu ainda esteja

impaciente, sinto-me estranha porestar pairando acima dela, então eume abaixo para um dos troncosenegrecidos pela fumaça que cercama fogueira. "Você está preocupadacom amanhã?"

"Não realmente." Ela dá aofogo outra pancada, assistindo comoele se inflama momentaneamente."Não importa para mim, não é?"

"O que você quer dizer?" Eu

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olho para ela de perto pela primeiravez em uma semana; eu estiveinconsciente evitando-a. Há algo detrágico e oco sobre ela agora: Sua pelecreme pálida parece uma casca -vazia, sugada.

Ela encolhe os ombros emantém os olhos sobre as brasas. "Euquero dizer que eu não tenho maisninguém."

Eu engulo. Tenho andadotentando falar com ela sobre Alex,para me desculpar de alguma forma,

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mas as palavras nunca chegam.Mesmo agora, elas crescem e ficamna minha garganta. "Ouça, Coral." Eutomo uma respiração profunda. Diga.Basta dizer isso. "Eu realmente sintomuito que Alex tenha ido embora. Eusei- eu sei que deve ter sido difícilpara você."

Aí está: a admissão falada queele era dela. Assim que as palavrasdeixam minha boca, eu me sintoestranhamente vazia, como se elasestivessem inchando o meu peito

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durante todo o tempo, como umbalão.

Pela primeira vez desde que eusentei, ela olha para mim. Eu nãoposso ler a expressão em seu rosto."Tudo bem", diz ela finalmente,voltando seu olhar para o fogo. "Eleainda estava apaixonada por você, dequalquer maneira."

É como se ela estendesse amão e me desse um soco noestômago. De repente, eu não consigorespirar. "O que- o que você está

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falando?"Sua boca abre em um sorriso.

"Ele estava. Era óbvio. Tudo bem. Elegostava de mim e eu gostava dele."Ela balança a cabeça. "Eu não quisdizer Alex, de qualquer maneira,quando eu disse que não tinha maisninguém. Eu quis dizer Nan e o restodo grupo. Meu povo.” Ela joga parabaixo a vara e abraça os joelhosapertados contra o peito. "Estranhocomo isso só está me batendo agora,né?"

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Mesmo que eu ainda estejaatordoada com o que ela acabou dedizer, eu consigo manter o controle demim mesma. Eu chego perto e tocoseu cotovelo. "Ei," eu digo. "Você tema gente. Nós somos o seu povoagora."

"Obrigada." Seus olhos olhampara os meus novamente. Ela forçaum sorriso. Ela inclina a cabeça e olhapara mim criticamente por um minuto."Eu posso ver porque ele te amava."

"Coral, você está errada-" eu

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começo a dizer.Mas então há uma pisada atrás

de nós, e minha mãe diz: "Eu penseique você tivesse ido dormir horasatrás." Coral se levanta, limpando aparte de trás de sua calça jeans - umgesto nervoso, pois todos nós estamoscobertos de sujeira endurecida quevão de nossos cílios para nossasunhas. "Eu já estava indo", diz ela.

"Boa noite, Lena. E...obrigada."

Antes que eu possa responder,

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ela vira e vai em direção ao extremosul da clareira, onde a maioria donosso grupo está agrupado.

"Ela parece ser uma meninadoce", minha mãe diz, abaixando–separa o lugar onde Coral tinhadesocupado. "Muito doce para aSelva".

"Ela tem estado aqui quase avida inteira." Eu não posso evitar aagressividade na minha voz. "E ela éuma grande lutadora."

Minha mãe olha para mim.

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"Tem alguma coisa errada?""O que está errado é que eu

não gosto de ser mantida no escuro.Eu quero saber qual é o plano paraamanhã”. Meu coração está duro. Eusei que não estou sendo justa com aminha mãe - não é culpa dela que eunão sou permitida no plano - mas eume sinto como se eu pudesse gritar.As palavras de Coral abalaram algosolto dentro de mim, e eu posso senti-lo fazendo barulho no meu peito,esfaqueando contra meus pulmões.

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Ele ainda estava apaixonado porvocê.

Não. É impossível, elaentendeu tudo errado. Ele nunca meamou. Ele me disse isso.

O rosto da minha mãe ficousério. "Lena, você tem que meprometer que vai ficar aqui, noacampamento, amanhã. Você tem queme prometer que não vai lutar."

Agora é a minha vez de olhar."O quê?"

Ela varre a mão pelo cabelo

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fazendo com que pareça que foidecorado com uma corrente elétrica."Ninguém sabe exatamente o quepodemos esperar do outro ladodaquele muro. As forças de segurançasão esperadas, e não temos certezaquanto apoio os nossos amigos emPortland conseguiram. Eu estavapedindo um adiamento, mas foirejeitado.” Ela balança a cabeça. "Éperigoso, Lena. Eu não quero quevocê seja uma parte disso."

O chacoalhar no meu peito - a

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raiva e a tristeza de perder Alex, emais do que isso, esta vida amarradasa sucatas e farrapos e meias palavras epromessas que não são cumpridas - derepente explode.

"Você ainda não entendeu,não é?" Estou praticamente tremendo."Eu não sou mais uma criança. Eucresci. Eu cresci sem você. E vocênão pode me dizer o que fazer."

Eu meio que esperava que elaestalasse de volta, mas ela apenassuspira e olha para o brilho laranja

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latente ainda incorporado nas cinzas,como um pôr do sol enterrado. Entãoela diz abruptamente, "Você selembra da história de Salomão?"

Suas palavras são tãoinesperadas que por um momento, eunão posso falar. Eu só possoconcordar.

"Diga-me", diz ela. "Diga-medo que você se lembra."

O bilhete de Alex, aindaenfiada na bolsa em volta do meupescoço, parece estar ardendo muito,

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queimando em meu peito. "Duas mãesestão brigando por uma criança", eudigo com cautela. "Eles decidemcortar o bebê ao meio. O rei decretouisso."

Minha mãe balança a cabeça."Não. Essa é a versão revistada; esta éa história do Livro da Shhh. Nahistória real, as mães não cortam obebê ao meio."

Eu fico muito quieta, quasecom medo de respirar. Eu me sintocomo se eu estivesse oscilando em um

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precipício, na iminência dacompreensão, e eu ainda não tenhocerteza se eu quero ir além.

Minha mãe continua: "Nahistória real, o Rei Salomão decideque o bebê deve ser cortado pelametade. Mas é apenas um teste. Umamãe concorda; a outra mulher diz queela vai desistir de reivindicar o bebêcompletamente. Ela não quer que ofilho seja ferido.” Minha mãe vira osolhos para mim. Mesmo no escuro, euposso ver seu brilho, a nitidez que

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nunca desapareceu. "Foi assim que orei identifica a verdadeira mãe. Elaestava disposta a sacrificar a suareivindicação, sacrificar sua felicidade,para manter o bebê seguro.”

Eu fecho meus olhos e vejobrasas atrás de minhas pálpebras:alvorecer vermelho-sangue, fumaça efogo, Alex atrás das cinzas. Derepente, eu sei. Eu entendo osignificado de seu bilhete.

"Eu não estou tentandocontrolá-la, Lena", minha mãe diz,

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com a voz baixa. "Eu só quero quevocê fique salva. Isso é o que eusempre quis.”

Abro os meus olhos. Amemória de Alex de pé atrás do murocomo um enxame negro envolvendo-o. "É tarde demais." Minha voz soaoca, e não como a minha própria. "Euvi coisas... Perdi coisas que você nãopode entender."

Isso é o mais próximo queestive de falar de Alex. Felizmente, elanão se intrometeu. Ela apenas

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balançou a cabeça."Eu estou cansada." Eu me

empurro para os meus pés. Meucorpo também se sente estranho,como se eu fosse uma marionete quecomeçou a rebentar nas costuras.Alex se sacrificou uma vez para queeu pudesse viver e ser feliz. Agora, elefez isso de novo.

Eu tenho sido tão estúpida. Eele se foi; não há nenhuma maneira deeu alcançá-lo e lhe dizer que sei eentendo.

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Não há nenhuma maneira paraeu dizer a ele que eu ainda souapaixonada por ele. "Vou dormir umpouco", eu digo a ela, evitando seusolhos.

"Eu acho que é uma boaideia", diz ela.

Já comecei a me afastar delaquando ela me chama. Eu me viro. Ofogo já apagou completamente, e seurosto está engolido pela escuridão.

"Nós iremos para o muro aoalvorecer", diz ela.

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HanaEu não consigo dormir.Amanhã eu não serei mais eu

mesma. Vou andar pelo tapetebranco, e ficar sob o dossel branco, epronunciar os votos de lealdade e depropósito. Depois, as pétalas brancasvão cair em cima de mim, espalhadaspelos sacerdotes, pelos convidados,pelos meus pais.

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Eu vou renascer: inexpressiva,limpa, sem traços característicos,como o mundo depois de umanevasca.

Eu fico acordada a noite inteirae assisto o amanhecer lentamente nohorizonte, tocando o mundo com obranco.

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LenaEstou no meio da multidão,

observando duas crianças brigarempor um bebê. Elas estão brincando decabo-de-guerra, puxando-oviolentamente para trás e para frente,e o bebê está azul, e eu sei que elasestão balançando-o até a morte. Estoutentando empurrar no meio damultidão, mas mais e mais pessoas

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estão surgindo em torno de mim,bloqueando meu caminho, tornandoimpossível me mover. E então, comoeu temia, o bebê cai: Ela atinge acalçada e se quebra em mil pedaços,como uma boneca de porcelana.

Então todo o povo se foi. Estousozinha em uma estrada, e na minhafrente, uma menina com cabeloslongos e emaranhados está dobradasobre a boneca quebrada, montando-ameticulosamente de novo,cantarolando para si mesma. O dia é

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brilhante e perfeitamente imóvel. Cadaum dos meus passos ressoa como umtiro, mas ela não olha até que estou depé diretamente em frente a ela.

Então ela faz, e ela é Grace."Veja", ela diz, estendendo a

boneca para mim. "Eu consertei."E eu vejo que o rosto da

boneca é o meu, e pavimentada commilhares de pequenas fissuras erachaduras. Grace embala a bonecanos braços. "Acorde, acorde", elacanta.

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"Acorde".Abro os olhos: Minha mãe está

de pé em cima de mim. Sento-me,meu corpo rígido, o sentimento aindatrabalha em meus dedos, flexionandoe endireitando. O ar está penduradocom névoa, e o céu está apenascomeçando a clarear. O chão estácoberto de gelo, que se infiltrouatravés do meu cobertor enquanto euestava dormindo, e o vento está ásperono início da manhã. O acampamentoestá ocupado: em torno de mim, as

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pessoas estão se mexendo, de pé,movendo-se como sombras através dapenumbra. Fogueiras estão ganhandovida, e de vez em quando, eu ouçouma explosão de conversa, um gritode comando.

Minha mãe estende a mão eme ajuda a ficar em pé. Por incrívelque pareça, ela parece descansada ealerta. Eu piso a rigidez das minhaspernas.

"O café vai fazer seu sanguecorrer", diz ela.

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Não me surpreende queGraúna, Prego, Pippa, e Beast jáestejam de pé. Eles estão em pé comColin e uma dúzia de outros que estãoperto de uma das maiores fogueiras,suas respirações nublando o arquando eles falam em voz baixa.Existe uma panela de café no fogo:amargo e cheio de grãos, mas quente.Eu começo a me sentir melhor e maisacordada depois que eu bebi apenasalguns goles. Mas eu não posso mefazer comer qualquer coisa.

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Graúna levanta as sobrancelhasquando ela me vê. Minha mãe faz umgesto para ela, um movimento derenúncia e Graúna se vira para Colin.

"Tudo bem", ele está dizendo."Como falamos ontem à noite, nós nosmovemos em três grupos para acidade. O primeiro grupo vai em umahora, faz a patrulha e faz contato comnossos amigos. A principal força nãose move até a explosão às doze horas.O terceiro grupo seguiráimediatamente depois e ir direto para

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o alvo .... ""Oi". Julian vem atrás de mim.

Seus olhos ainda têm um olharinchado, recém-acordado, e seucabelo está irremediavelmenteconfuso. "Eu senti sua falta noitepassada."

Ontem à noite, eu não poderiame deitar ao lado de Julian. Em vezdisso, encontrei um cobertor livre e fiza minha cama a céu aberto, ao lado decentenas de outras mulheres. Por umlongo tempo, eu olhaei para as

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estrelas, lembrando-me da primeiravez que vim para a Selva com Alex,quando ele me levou em um dostrailers e desenrolou a lona que serviacomo seu teto para que pudéssemosver o céu.

Tanta coisa entre nós não foidita, isso que é o perigo, e a beleza davida sem a cura. Há sempre deserto eemaranhado, e o caminho nunca éclaro.

Julian começa a se aproximarde mim, e eu tomei um passo para

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trás."Eu estava tendo problemas

para dormir", eu digo. "Eu não queriate acordar."

Julian franze o cenho. Eu nãoposso fazer contato visual com ele.Durante a semana passada, eu aceiteique eu nunca vou amar Julian tantoquanto eu amei Alex. Mas agora aideia é esmagadora, como uma paredeentre nós. Eu nunca vou amar Juliancomo eu amo Alex.

"O que há de errado com

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você?" Julian está me observando comcautela.

"Nada", eu digo, e repito:"Nada."

"Fiz alguma coisa-" Juliancomeça a dizer quando Graúna vira eolha para ele.

"Ei, Joias," ela late como elatem chamado Julian quando ela estáirritada. "Isso não é hora de fofocas,ok? Fique quieto ou caia fora.”

Julian fica quieto. Eu viro meusolhos para Colin e Julian não tenta me

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tocar ou se aproximar. O céu agoraestá manchado de longos filamentosde laranja e vermelho, como ostentáculos de uma água-viva enorme,flutuando em um oceano de leitebranco. A névoa se levanta; a terracomeça a se agitar acordada.Portland, também, será agitado.

Colin nos diz o plano.

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HanaNa minha última manhã como

Hana Tate, eu bebo meu café navaranda da frente, sozinha.

Eu tinha planejado fazer umpasseio de bicicleta de despedida, masnão há nenhuma esperança dissoagora, não depois do que aconteceuontem à noite. As ruas serãoarrastadas com a polícia e os

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reguladores. Eu vou ter que mostrarmeus papeis, e responder perguntasde campo que eu não possoresponder.

Em vez disso, sento-me nobalanço da varanda, tendo confortoem seu ranger rítmico. O ar da manhãainda é fresco e cinza e texturizadocom sal. Eu posso dizer que vai serum dia perfeito, sem nuvens ebrilhante. De vez em quando, umagaivota grita bruscamente. Fora isso,está silencioso. Aqui não há alarmes,

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sirenes, não há nenhum indício deperturbação como na noite passada.

Mas no centro da cidade vaiser diferente. Haverá barricadas everificações de segurança, reforçadono novo muro. Lembro-me, derepente, que Fred me disse uma vezsobre o muro que seria como a palmada mão de Deus, colocando-nossempre em segurança, mantendo forao doente, o danificado, o infiel e oindigno.

Mas talvez a gente nunca

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possa estar verdadeiramente seguro.Gostaria de saber se haverá

novas incursões na Highlands, se asfamílias serão mais uma vezdeslocadas, e rapidamente descarto apreocupação. A família de Lena estáalém do meu alcance. Eu vejo issoagora. Eu deveria ter visto issosempre. O que acontece com eles - seeles morrem de fome ou congelam -não é da minha conta.

Somos todos castigados pelavida que escolhemos, de uma forma

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ou de outra. Eu estarei pagando minhapenitência - por Lena, por ter falhadocom ela; por sua família, por ajudá-la- todos os dias da minha vida.

Eu fecho meus olhos e imaginoo antigo porto: as ruas texturizadas, osdeslizamentos de barco, o sol sepondo na água, e as ondas batendocontra o cais.

Adeus, adeus, adeus.Eu mentalmente traço uma

rota a partir da Eastern Prom para otopo da Munjoy Hill; eu vejo tudo de

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Portland se espalhando muito abaixode mim, brilhando com uma nova luz.

"Hana?"Eu abro meus olhos. Minha

mãe sai para a varanda. Ela tem suafina camisola perto de seu corpo,apertando os olhos. Sua pele, semmaquiagem, parece quase cinza.

"Você provavelmente deveentrar no chuveiro", diz ela.

Levanto-me e sigo-a paradentro da casa.

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LenaNós nos movemos para o

muro. Deve haver quatrocentos denós, amontoados nas árvores. Ontemà noite, uma pequena força-tarefa fezo percurso, para os preparos de últimahora para a ruptura em grande escalade hoje. E no início desta manhã,outro pequeno grupo – o povoselecionado a dedo de Colin - ficou

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por cima da cerca, no lado oeste dePortland, perto das Criptas, onde omuro ainda não foi construído e asegurança foi comprometida poramigos e aliados do lado de dentro.

Mas isso foi há horas atrás, eagora não há nada a fazer senãoesperar o sinal.

A principal força iráultrapassar o muro de uma só vez. Amaior parte da segurança de Portlandestará ocupada nos laboratórios; eudescobri que há um grande evento lá

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hoje. Deve haver apenas um númerolimitado de funcionários para nosmanter fora, embora Colin estejapreocupado que a última noite deviolação não foi tão bem quanto oplanejado. É possível que dentro domuro haja mais entidades reguladoras,mais armas do que pensamos.

Nós vamos ter que ver.De onde eu estou agachada no

mato, eu ocasionalmente posso verPippa, há cinquenta metros dedistância, quando ela passa por trás do

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arbusto de zimbro que ela escolheupara se esconder. Eu me pergunto seela está nervosa. Pippa tem um dospapéis mais importantes de todos.

Ela é responsável por uma dasbombas. A principal força - o caos nomuro - é destinada principalmentepara permitir que os bombardeiros,quatro no total, passemdesapercebidos em Portland. Objetivofinal de Pippa é a Rua Essex88, umendereço que não reconheço, provavelmente um prédio do governo,

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como o resto dos alvos.O sol sobe para o céu. Dez

horas. Dez e trinta. Meio dia. Aqualquer momento.

Nós esperamos.

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HanaO carro está aqui. "Minha mãe

repousa a mão no meu ombro. "Vocêestá pronta para ir?"

Eu não confio em mim mesmapara falar, então eu aceno. A meninano espelho – mechas loiras de cabelospresas e puxadas para trás, os cílioscom rímel escuro, pele perfeita, lábiospintados - acena com a cabeça

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também."Estou muito orgulhosa de

você", minha mãe diz em voz baixa.As pessoas estão se movimentandodentro e fora da sala - fotógrafos emaquiadores e Debbie, a cabeleireira -e eu imagino que ela estejaembaraçada. Minha mãe nunca emtoda sua vida admitiu estar orgulhosade mim.

"Aqui." Minha mãe me ajuda aescorregar em um robe de algodãomacio, então o meu vestido – extenso,

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longo e fixado no ombro com um clipede ouro na forma de uma águia, oanimal que Fred é maisfrequentemente comparado -permanecerá impecável durante acurta viagem até os laboratórios.

Um grupo de jornalistas estáagrupado fora dos portões, e quandoeu saio para a varanda, estouassustada com o brilho de tantaslentes viradas em minha direção, ofogo rápido clique-clique-clique dosobturados. O sol flutua no céu sem

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nuvens, um único olho branco. Deveser um pouco antes do meio-dia. Ficofeliz assim que vamos para o carro. Ointerior é escuro e fresco, e eu sei queninguém pode me ver por trás dosvidros escuros.

"Eu realmente não acreditonisso." Minha mãe brinca com seusbraceletes. Ela está mais animada doque eu já a vi. "Eu realmente penseique esse dia nunca chegaria. Isso nãoé bobo?"

"Bobo", repito. À medida que

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saímos da subdivisão, vejo que apresença da polícia foi redobrada.Metade das ruas principais do centrofoi barricada, patrulhada pelos órgãosreguladores, a polícia, e até mesmoalguns homens usando os emblemasde prata da guarda militar. Nomomento em que eu posso ver ostelhados brancos inclinados docomplexo de laboratórios - aondeFred e eu iremos nos casar em umadas maiores salas de conferênciasmédicas, grande o suficiente paraacomodar milhares de testemunhas –

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a multidão nas ruas é tão densa, queTony tem dificuldade para passar como carro por eles

Parece que todos de Portlandpararam para me ver casar. Pessoaschegam e se aproximam do capô docarro para desejar sorte. Mãos batemcontra o teto e janelas, fazendo-mepular. E a polícia no meio damultidão, movendo de lado aspessoas, tentando limpar um espaçopara o carro, entoando: "Deixe-ospassar, deixe-os passar."

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Uma série de barricadaspoliciais foi erguida do lado de forados portões do laboratório. Váriasentidades reguladoras movem-se delado, para que possamos passar para opequeno parque de estacionamentopavimentado em frente à entradaprincipal do laboratório. Eu reconheçoo carro da família de Fred. Ele já deveestar aqui.

Meu estômago dá um toqueestranho. Eu não vou para oslaboratórios desde que o meu

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procedimento foi concluído, desdeque eu entrei uma menina miserável edestruída, cheia de culpa e mágoa eraiva, e emergi diferente, mais limpa emenos confusa. Esse foi o dia em quecortaram Lena para longe de mim, eSteve Hilt também, e todas aquelassuadas e escuras noites, quando eunão tinha certeza de nada.

Mas isso era apenas o começoda cura. Isso - o emparelhamento, ocasamento, e Fred - é a conclusão.

Os portões foram trancados

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atrás de nós novamente, e as barreirasrestauradas. Ainda assim, quando eusaio do carro, eu posso sentir amultidão pressionando mais perto,mais perto, louca para entrar, assistir,me ver prometer minha vida e futuropara o caminho que foi escolhido paramim. Mas a cerimônia não começarápor mais 15 minutos, e as portaspermanecerão fechadas até então.

Por trás das portas de vidrogiratórias, eu posso ver Fredesperando por mim, sisudo, braços

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cruzados. Seu rosto está distorcidopelo brilho e pelo vidro. Destadistância, parece que sua pele estácheia de buracos.

"Está na hora", diz minha mãe."Eu sei," eu digo, e eu passo

na frente dela, entrando do prédio.

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LenaEstava na hora. Os tiros de fuzil

explodiram simultaneamente próximodeles. Pelo menos e só assim, estamoscaminhando como um só. Estamoscorrendo por entre as árvores,centenas de nós, caindo na lama e nasujeira, o ritmo dos nossos pés comoum único batimento cardíaco. Duasescadas de corda estão presas aolongo do lado da parede, em seguida,

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outras duas e depois mais três, maisafastadas, mas muito perfeito. Aprimeira parte do nosso grupo chega auma escada, e começa a escalar paracima.

À distância, uma banda estátocando uma marcha de casamento.

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HanaFora dos laboratórios, havia

quase uma dúzia de guardas trajandouniformes impecáveis, disparando seurifle em saudação, sinalizando que acerimônia podia prosseguir. Asgrandes janelas da sala de conferênciaestavam abertas e através delaspodíamos ouvir a banda começar atocar uma marcha matrimonial. A

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maioria dos espectadores nãoconseguiram entrar nos laboratórios eestão agrupados do lado de fora,ouvindo, e tentando ver através dasjanelas. O padre está usando ummicrofone para que sua voz sejaamplificada, por isso todos osmembros da multidão reunida vãoconseguir acompanhar, tocando-oscom suas palavras sobre perfeição ehonra, dever e segurança.

A plataforma foi erguida nocentro da sala, em frente ao pódio

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onde o padre vai realizar a cerimônia.Dois participantes, ambos vestidossimbolicamente em jalecos, o ajudam.

Quando Fred toma minhas mãose as coloca em cima do O Livro doShh, um pequeno suspiro viaja na sala,uma exalação de alívio.

Isto é para o que nós somosfeitos: promessas, promessas ejuramentos de obediência.

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LenaEstou na metade da escada

quando os alarmes começam a soar.Um segundo depois, há uma outraexplosão de tiros. Não há nenhumacoordenação sobre isso, pois elesexplodem rapidamente e perto, o aragora é uma sinfonia de gritos, tiros emais gritos.

Uma mulher encima o muro

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tomba para trás e cai no chão com umbaque nauseante, borbulhando sanguede seu peito.

Apenas um décimo do nossonúmero chegou ao muro. O ar derepente é grosso com a fumaça dasarmas. As pessoas estão gritandopalavras como pare, volte, pare ondevocê está ou eu atiro! Por um segundoeu congelo na escada, balançando,petrificada, minhas mãos escorregamum pouco e eu mal consigo meequilibrar direito para não cair. Não

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me lembro como me mover. Na partesuperior da escada de mão, umregulador está cortando as cordas comuma faca.

"Vá. Lena, vá!" Julian estáabaixo de mim na escada. Ele chega eme empurra, me sacudindo de voltaao meu corpo. Eu começo a subir omeu caminho para cima novamente,ignorando a dor lancinante em minhasmãos. Melhor era combater osreguladores no chão, onde temos umachance, qualquer coisa é melhor do

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que ficar aqui exposta, como umpeixe no anzol.

Há tremores na escada. Oregulador ainda está trabalhandofebrilmente com a faca. Ele é jovem,ele parece de alguma forma familiar ehá muito suor pelo seu cabelo loiro emsua testa. Fera acaba de chegar aotopo do muro. Há um barulho e umpequeno grito, conforme ele dirige seucotovelo no nariz do regulador.

O resto acontece rapidamente:Fera coloca sua mão em torno do

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pescoço do homem e o golpeia comfacas. O regulador cai para a frente eFera o solta sem nenhuma cerimôniapor cima da muralha, como se elefosse um saco de lixo. Ele, também,faz um som quando ele atinge o solo.Só então posso reconhecê-lo comoum menino da Academia de Joffrey,alguém com quem Hana uma vezfalou na praia. Não há tempo parapensar nisso agora.

Fortemente me puxam para otopo do muro. Eu deslizo em meu

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estômago, pressionando com força napedra, tentando ficar o mais levepossível. Compacta. O interior daparede esta cheio de andaimes quesobraram da construção. Apenasalgumas partes da passarela são depedras, destinadas para as patrulhas.Há corpos emaranhados em todos oslugares, as pessoas lutando, travadasjuntas, lutando por uma vantagem.

Pippa está subindo o seucaminho sombrio até a escada àminha direita. Prego caiu abaixado no

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andaime, ele está cobrindo ela,varrendo as direções com uma arma,da esquerda para a direita, pegando osguardas que estão nos mirando apartir do solo. Graúna esta atrás dePippa, o cabo de uma faca seguro naboca, uma arma presa ao seu quadril.Seu rosto está tenso e focado.

Tudo o que se registra são emrajadas, flashes.

Guardas correm na muralha,materializando-se a partir de barracase alojamentos. Graças a sirene de

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polícia. Eles foram rápidos pararesponder aos alarmes.

E abaixo disso, com um apertono meu intestino, vejo a paisagem detelhados e estradas, o fluxo sombrio ecinza do pavimento; Back Covebrilhando diante de mim. Parquesespalhados a distância, a longa baíaalém do branco distante onde ficam ocomplexo de laboratórios: Portland.Minha casa.

Por um momento, eu estoupreocupada que eu desmaie. Há

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muitas pessoas - corpos fervilhando ebalançando, rostos contorcidos egrotescos – e sons grotescos também.Minha garganta arde com a fumaça.Um pedaço do andaime pegou fogo. Eainda que não tinham subido mais deum quarto do nosso pessoal sobre omuro, eu não consigo ver a minhamãe, eu não sei o que aconteceu comela.

Então, Julian me agarra. Eleenrola o braço em volta da minhacintura e me obriga a ficar sobre meus

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joelhos. "Abaixe! Para baixo", ele estágritando, e nós caímos duro sobre osnossos joelhos quando uma série debalas passam para a parede atrás denós. O andaime geme e balançaabaixo de nós. Guardas se concentramno chão, levantando seus apoios,tentando derrubá-los.

Julian grita alguma coisa. Suaspalavras se perdem, mas eu sei queele está me dizendo que é preciso memover, chegar ao chão. Perto de mim,Prego volta para ajudar Pippa subir no

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muro. Ela se move desajeitadamente,sobrecarregada pela mochila que elacarrega. Por um segundo, eu imaginoque a bomba vai cair bem aqui, agora,trazendo sangue e fogo, a fumaçacheirosa e a pedra ricocheteandoestilhaços, mas, em seguida, Pippaestá equilibrada no muro e ficando empé.

Só então vejo um guarda nochão apontando o rifle para Pippa,deixando-a em sua mira. Eu querogritar. Eu quero avisá-la, mas eu não

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consigo fazer um som."Abaixe-se, Pippa!" Graúna

lança-se sobre a parede, levandoPippa para fora do caminho, na horaem que o guarda aperta o gatilho.

POP. O pequeno ruído. Um somde brinquedos ou de fogos de artifício.

Graúna endurece. Por umsegundo, eu acho que ela está apenassurpresa. Sua boca vai abrindo, osolhos arregalados. Então, ela começaoscilar para trás e eu sei que ela estámorta. Caindo, caindo, caindo...

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"Não!" Prego vai para a frente eagarra sua camisa antes que ela possacair para trás do muro, puxando-apara baixo e para o seu colo. Aspessoas estão fervilhando em tornodele, fervendo como ratos sobre oandaime, mas ele só fica lá,balançando um pouco, colocando seurosto em suas mãos. Ele enxuga atesta, escova o cabelo longe de seurosto. Ele olha para ela sem ver, aboca aberta e úmida, olhos emchoque. Seus lábios estão se

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movendo, ele está falando com ela.E agora há um grito dentro de

mim, silencioso e enorme, como umburaco negro no túnel profundoatravés do meu interior. Não posso memover, não posso fazer nada além deolhar. Isto não é como Graúna deveriamorrer, não aqui, não dessa forma,não em um segundo frágil, não semluta...

Isso tudo é uma brincadeira decriança. Estamos brincando combrinquedos de lata brilhantes e

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barulhentos. Nós estamos jogando emdois lados, como costumávamos fazerquando éramos crianças.

Dor incandescente brilha atravésde mim, por mim. Eu trago a minhamão ao meu rosto instintivamente esinto a lesão, meus dedos passam portrás de meu ouvido e saem molhadoscom sangue. A bala deve ter mecortado.

O choque, ainda mais do que ador, me acorda, leva o meu corpo emmovimento. Não havia armas

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suficientes para todos, mas eu tenhouma faca antiga e guardada, que aindamelhor do que nada. Eu luto para tirá-la para fora da bolsa de couro emtorno de meus quadris. Julian está afazer o seu caminho até o andaime,balançando ao longo das barras deferro entrecruzadas como um macaco.Um guarda tenta agarrar uma daspernas de Julian e Julian se volta etraz seu pé, forte, na cara do guarda.O guarda cambaleia para trás,soltando-o e Julian cai a poucosmetros do chão, em meio ao caos de

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corpos.Eu fujo para a beirada da

passarela e dou um salto. Os poucossegundos que estou no ar, me fazemperceber que sou um alvoaterrorizante. Estou totalmenteexposta, totalmente vulnerável. Doissegundos, três segundos, parecemuma eternidade.

Eu bato no chão, quase em cimade um regulador e o derrubo comigocaindo sobre o cascalho. Somos umemaranhado selvagem,

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momentaneamente entrelaçados,lutando para ganhar a vantagem. Eletenta apontar sua arma para mim, mastenho o seu pulso na minha mão e otorço para trás, com força. Ele grita edeixa cair a arma. Alguém chuta, eatira a arma para longe de meusdedos, em meio ao caos cinza depoeira.

O regulador ainda tenta alcançara arma. Ele é maior do que eu, masmais lento também. Eu a tenho naminha mão, fecho os dedos no gatinho

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um segundo antes dele e seu punhoconecta com nada além de sujeira. Eleruge, enfurecido e vindo para mim. Eubalanço a arma ouvindo um estaloquando a arma lança a bala. Ele cai eeu me levanto antes que eu possa serpisoteada.

Minha boca tem gosto de metale poeira, e minha cabeça começou alatejar. Eu não vejo Julian. Eu nãovejo a minha mãe ou Colin ou Hunter.

Então, acontece uma explosão.Há pedras e um pó branco por todo

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lado. O golpe quase me faz cair. Nocomeço eu acho que uma das bombaspode ter sido disparadaacidentalmente e eu procuro Pippa aoredor, tentando limpar a minha cabeçado choque, do ardor, sufocando com apoeira, bem a tempo de ver elapassando, sem ser detectada, entreduas cabanas de guarda , indo para ocentro.

Atrás de mim, um dos andaimesgeme e começa a cair. Há uma ondade gritos. Mãos empurram minhas

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costas conforme todos pressionampara frente, tentando sair dali.Devagar, devagar, gemendo, oandaime oscila e, em seguida, cai nochão, estilhaçando, prendendo osazarados sob o seu peso.

A parede está agora ostentandoum buraco em sua base. Sei que issodeve ter sido obra de uma bomba,uma explosão. A bomba de Pippateria rasgado a parede em duas partes.

Ainda assim, é o suficiente,nossas forças restantes estão correndo

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através da abertura, uma corrente depessoas que foram empurradas ouforçadas a sair, despossuídas edoentes, indo para Portland. Osguardas, em uma linha irregular deuniformes azul-e-branco, sãoengolidos pela multidão, empurradospara trás e forçados a correr.

Perdi Julian. Não há nenhumamaneira de tentar encontrá-lo agora,eu só posso rezar para que ele estejaseguro e que ele consiga sair dessabagunça ileso. Eu não sei o que

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aconteceu com Prego, também. Partede mim espera que ele fuja por cimado muro com Graúna e por umsegundo eu imagino que uma vez queela fique de costas para o Wilds, elapossa acordar. Ela vai abrir os olhos eachar que o mundo foi reconstruídodo jeito que ela queria.

Ou talvez ela não vá acordar.Talvez ela já esteja em umaperegrinação diferente e se foi seencontrar com Azul novamente.

Eu vou em direção ao lugar que

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eu vi Pippa desaparecer, lutando pararespirar no ar de fumaça e poeira.Uma das cabanas dos guardas estáqueimando. Eu pisco de volta para aplaca antiga que encontramos, semi-enterrada na lama, durante a nossamigração de Portland no invernopassado.

Viver livre ou morrer.Eu tropeço em um corpo. Meu

estômago se revira até minha boca.Para uma fração de segundo eu estoupresa na escuridão, meu estômago

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apertado com a lembrança do cabelode Graúna cobrindo a perna de Prego,morta, oh Deus, mas eu engulo,respiro e sigo em frente, continuando,lutando e empurrando. Queríamos aliberdade de amar. Queríamos aliberdade de escolher. Agora vamoster que lutar por ela.

Eu passo pelas cabanas dosguardas, correndo pelo caminho decascalho que as separa, indo para ogrupo das árvores que circundam olocal. Meu tornozelo dói cada vez que

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eu coloco o meu peso para baixosobre ele, mas eu não paro. Eu tocomeu ouvido rapidamente com minhamão e sinto que o sangramento jádiminuiu.

A resistência pode ter umamissão em Portland, mas eu tenhouma missão própria.

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HanaOs alarmes soaram pouco antes

de o sacerdote poder pronunciar-nosmarido e mulher. Em um momento,tudo está calmo e ordenado. A músicadiminui, a multidão fica em silêncio, avoz do padre ecoa pela sala, alta sobrea audiência. No silêncio, eu possoouvir cada flash da câmerafotográfica.

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No momento seguinte, tudo écorreria e gritaria, caos gritos, sirenes.E eu sei que, naquele instante osinválidos estão aqui. Eles vieram paranós.

Mãos agarram-me e cercam-mede todos os lados.

"Vamos, vamos, vamos."Guarda-costas estão me levando emdireção à saída. Alguém pisa no finaldo meu vestido e eu o ouço rasgar.Meus olhos estão ardendo, estouengasgada com o cheiro de perfume,

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pois há muitos corpos aglomerados ecorrendo.

"Vamos, apresse-se. Apresse-se."

Rádios transmissores explodemcom a estática. Vozes urgentes gritamem uma linguagem codificada que eunão entendo. Eu tento virar para olharpara a minha mãe e estou quase sendolevantada de meus pés pela pressãodos guardas que me movem parafrente. Eu pego um vislumbre de Fredcercado por sua equipe de segurança.

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Ele está pálido, gritando em umtelefone celular. Eu espero que eleolhe para mim e naquele momento euesqueço Cassie, eu esqueço de tudo.Eu preciso dele para me dizer queestá tudo bem, eu preciso dele paraexplicar o que está acontecendo.

Mas ele nem olhou na minhadireção.

Lá fora, o brilho está mecegando. Eu aperto meus olhosfechados. Os jornalistas se acotovelamperto das portas, bloqueando o

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caminho para o carro. O metal desuas lentes de câmera olham por umsegundo como armas, todas dirigidasdiretamente para mim.

Eles vão matar todos nós.O guarda-costas luta para abrir

espaço para mim, empurrando atravésda correnteza de pessoas. Finalmentechegamos ao carro. Mais uma vez, euolho para Fred. Nossos olhos seencontram rapidamente em toda amultidão. Ele está indo para umaviatura.

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"Leve-a para minha casa." Elegrita isso para Tony, então se vira eentra na parte de trás de um carro dapolícia. É isso aí. Não há palavranenhuma para mim.

Tony coloca a mão em cima daminha cabeça e me direciona nobanco de trás. Dois dos guarda-costasde Fred sentam ao meu lado mirandoas armas para fora. Quero pedir-lhespara colocar as suas armas longe demim, mas meu cérebro não pareceestar funcionando corretamente. Não

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me lembro nem de seus nomes.Tony liga o carro e saí, mas

muitas pessoas se reuniram noestacionamento, significando queestamos presos. Tony leva as mãos àcabeça. Eu cubro meus ouvidos e melembro de respirar, estamos seguros,estamos no carro, vai ficar bem. Apolícia vai cuidar de tudo.

Finalmente, começamos aavançar constantemente no meio damultidão. Isso nos toma cerca de 20minutos na viagem que leva até os

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laboratórios. Nós viramos à direitapara uma rua comercial, que estárepleta de mais tráfego de pessoas ecarros. No carro, todo mundo fica emsilêncio, observando a confusão depessoas nas ruas. Pessoas correndo,em pânico, sem direção. Mesmo queeu possa ver as pessoas de bocaaberta, gritando, apenas o som dosalarmes penetra pelas janelas grossas.Estranhamente, isso é mais assustadordo que qualquer coisa, todas essaspessoas sem voz, gritando em silêncio.

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Nós passamos por um beco tãoestreito que eu tenho certeza quevamos ficar presos entre as paredes detijolos de cada lado de nós. Entãovoltamos por outra rua de sentidoúnico, esta relativamente livre depessoas. Nós corremos em linha reta,passado os sinais de parada e saindoem outro beco. Finalmente, estamosrealmente em movimento.

Ocorre-me para tentar falar coma minha mãe em seu telefone celular,mas quando eu disco o seu número, o

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sistema de telefone continua dandoerro. O sistema deve estarsobrecarregado. De repente eu mesinto muito pequena. O sistema estáseguro, é isso. Em Portland, hásempre alguém olhando.

Mas agora parece que o sistemaestá cego...

"Ligue o rádio," Eu digo a Tony.Ele faz. O som do Serviço Nacionalde Notícias, pela voz do locutor éreconfortante, palavras quase em tomde calma total.

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"... Calma... todos moradoresestão convidados a não entrar empânico... até que a polícia possarestaurar o controle... ativem as portasde bloqueio e as janelas, fiquemdentro de casa... reguladores e todosos oficiais do governo estãotrabalhando em conjunto," a voz dolocutor cortou abruptamente. Por ummomento, não há nada além deestática. Tony gira o botão, mas osalto-falantes continuam zumbindo nãodeixando escapar nada, apenas o

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ruído branco. Então, de repente, umavoz desconhecida vem baixa eurgente:

"Nós estamos tomando de voltaa cidade. Nós estamos tomando devolta os nossos direitos e nossaliberdade. Junte-se a nós. Derrubemas paredes. Derrubem o..."

Tony dá um soco no rádio. Osilêncio no carro é ensurdecedor. Eurecordo a manhã dos primeirosataques terroristas, quando, às dezhoras da manhã, no meio de um

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período pacífico, em uma terça-feira,três explosões aconteceramsimultaneamente em Portland. Euestava em um carro, então, eu melembro, quando eu e minha mãeouvimos o anúncio no rádio, nãoacreditando num primeiro momento.Nós não acreditamos até que vimos afumaça no céu e as pessoas passandopor nós, correndo, pálidas e as cinzascomo se fosse neve.

Cassandra disse que Fred deixouesses ataques acontecerem para

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provar que os Inválidos estavam lápara fora, para mostrar que eles erammonstruosos. Mas agora os monstrosestão aqui, dentro das muralhas, nasnossas ruas novamente. Eu não possoacreditar que ele iria deixar issoacontecer.

Eu tenho que acreditar que elevai resolver isto, mesmo que issosignifique matar todos eles.

Nós finalmente nos livramos docaos e das multidões. Estamos pertode Cumberland agora, onde Lena

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morava, na parte em silenciosa eresidencial da cidade. À distância, asirene na antiga torre de vigia noMonte de Munjoy começam a soar,enviando notas tristes além dosalarmes. Eu gostaria que estivéssemosindo para minha casa, em vez de dacasa de Fred. Quero enrolar-me naminha cama e dormir. Eu queroacordar e descobrir que hoje foiapenas um pesadelo através dasrachaduras, além da cura.

Mas a minha casa já não é mais

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a minha casa. Mesmo o padre nãoconseguindo terminar seupronunciamento, agora estouoficialmente casada com FredHargrove. Nada jamais será o mesmo.

À esquerda para Sherman,depois à direita para mais um beco,que irá levar-nos para Park. Assimque nós chegamos ao final do beco,alguém corre na frente do carro comoum borrão cinza.

Tony grita e bate o pé no freio,mas é tarde demais. Eu tenho tempo

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para registrar as roupas esfarrapadas,o longo e emaranhado cabelo. Ela girasobre o capô e por um segundo caicontra o pára-brisa, indo para fora danossa vista novamente.

Há uma raiva dentro de mim,súbita e surpreendente, um pico deesfaqueamento que rompe o medo. Eume inclino para frente, gritando: "Ela éum deles, é um deles! Não deixem elair embora!"

Tony e os outros guardas nãoprecisam ouvir duas vezes. Em um

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instante, eles estão subindo para a rua,de armas em punho, deixando asportas do carro abertas. Minhas mãosestão tremendo. Eu aperto os punhosrespirando fundo, tentando meacalmar. Com as portas abertas, euposso ouvir os alarmes com maisclareza e os sons distantes de gritostambém, como um eco rugido deondas.

Esta é Portland, minha Portland.Naquele momento, nada maisimporta, nem as mentiras ou os erros

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e as promessas que já não podemmanter. Esta é a minha cidade, aminha cidade está sob ataque. A raivaaperta o um peito.

Tony está puxando a meninapara seus pés. Ela está lutando, masela está em desvantagem ecompletamente vencida. Seu cabeloestá pendurado em seu rosto e ela estáchutando e arranhando como umanimal.

Talvez eu vá matá-la eu mesma.

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LenaNo momento em que cheguei

em Forest Avenue, o som doscombates desapareceram, tragadopelos gritos estridentes dos alarmes.De vez em quando, eu vejo uma mãose puxando uma cortina, um olho deaquário olhando para mim e, emseguida, desaparecendo tãorapidamente. Todo mundo vai ficartrancado e escondido.

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Eu mantenho minha cabeçapara baixo, movendo-me tãorapidamente quanto possível, apesarde latejar meu tornozelo onde caí demau jeito, fugindo dos ouvir sons doesquadrões e patrulhas. Não hánenhuma maneira de eu serconfundida com qualquer coisa, alémde uma inválida: Eu estou suja,vestindo roupas velhas e cobertas delama, e meu ouvido ainda estámanchado de sangue.Surpreendentemente, não há ninguém

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nas ruas. As forças de segurançadevem ter sido desviadas para outrolugar. Este é, afinal, a parte maispobre da cidade, sem dúvida, ogoverno não achava que essas pessoasprecisavam de proteção.

Um caminho e uma estrada paratodos... e para alguns, um caminhoreto para o fundo.

Chego em Cumberland semproblemas. Assim que eu passo pelaminha antiga rua, sinto-me por ummomento como se eu estivesse presa

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em uma natureza morta do passado.Parecia uma eternidade que eupassava por esse caminho para casada escola; eu costumava me alongaraqui depois de minhas corridas,colocando uma perna em cima dabancada da parada de ônibus; onde euficava a assistir Jenny e as outrascrianças brincando de chutar as latas eabrir os hidrantes nelas quando ficavaquente no verão.

Foi há muito tempo. Eu era umaLena diferente agora.

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A rua também parecia diferente- como se um buraco negro invisívelestive sugando em espiral todo o blocolentamente para dentro de si. Mesmoantes de chegar ao portão da frente donúmero 237, eu sabia que a casaestava vazia. A certeza é apresentadacomo um peso duro entre meuspulmões. Mas eu ainda estouestupidamente no meio da calçada,olhando para o agora – o abandonadoedifício - minha casa, minha antigacasa, o pequeno quarto no andar de

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cima, o cheiro de sabão, delavanderia e cozidos de tomate -tendo na pintura descascada e osdegraus da varanda apodrecendo, asjanelas com tábuas, o vermelhodesbotado X pintada com spray naporta, marcando a casa comocondenada.

Eu me sinto como se eu tivesselevado um soco no estômago. TiaCarol sempre foi tão orgulhosa da suacasa. Ela não deixava uma únicatemporada passar sem pintura,

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limpeza de sarjetas, lavagem davaranda.

Em seguida, a dor é substituídapelo pânico. Para onde eles foram? Oque aconteceu com a Grace?

À distância, os alarmes soandocomo uma música fúnebre. Eu avançoe de repente me lembro onde estou:em uma cidade estrangeira hostil. Jánão era o meu lugar, eu não sou bem-vinda aqui. A sirene sopra umsegundo, e depois uma terceira vez. Osinal significa que todas as três

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bombas foram lançadas com sucesso;isso nos dá uma hora até que elesexplodem e todo o inferno se solte.

Isso me dá apenas uma horapara encontrá-la, e eu não tenho ideiapor onde começar.

Uma janela fecha atrás de mim.Viro-me a tempo de ver uma cara emformato de lua, branca e preocupada– parecida com a Sra. Hendrickson -desaparecer de vista. Uma coisa éóbvia: Eu preciso me mover.

Eu abaixo a cabeça e continuo

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apressadamente pela estrada, voltandoassim que eu vejo um beco estreitoentre os edifícios. Eu me movocegamente agora, esperando que osmeus pés me levem na direção certa.Grace, Grace, Grace. Eu rezo paraque ela possa de alguma forma meouvir.

Cegamente: em Mellen, emdireção a um outro beco, uma bocapreta escancarada, um lugar comsombras para me esconder. Grace,onde você está? Na minha cabeça,

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estou gritando isso - gritando tão altoque engole tudo até o som do carro seaproximando.

E então, do nada, lá está: omotor correndo e ofegante, a janelarefletindo a luz nos meus olhos, mecegando, as rodas guinchando quandoo motorista tenta frear. Em seguida, ador e uma sensação de queda - Euacho que eu vou morrer; eu vejo o céuque gira em cima de mim, eu vejo orosto de Alex, sorrindo - e então eusinto o duro pavimento debaixo de

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mim. O ar foi tirado de mim e eu rolosobre minhas costas, meus pulmõesbalbuciam, lutando por ar.

Por um momento confuso,olhando para o céu azul acima demim, amarrado firme e alto entre ostelhados dos prédios, eu esqueço ondeestou. Eu me sinto como se euestivesse flutuando, flutuando atravésde uma superfície de água azul. Tudoque eu sei é que eu não estou morta.Meu corpo ainda é meu: eu contraiominhas mãos e flexiono os meus pés

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só para ter certeza. Milagrosamente,eu consegui evitar de bater minhacabeça.

Portas se batem. Vozes estãogritando. Lembro-me que eu precisomover - Eu preciso ficar em pé.Grace. Mas antes que eu possa fazerqualquer coisa, mãos me agarrampelos braços, e me colocam de pé.Tudo está vindo para mim em flashes.Ternos pretos escuros. Armas. Rostosmalvados.

Muito ruim.

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Meu instinto assume, e eucomeço torcendo e chutando. Eumordo a mão do guarda que está mesegurando, mas ele não me libera, eoutro guarda chega para frente e medá um tapa na cara. A picada do tapaenvia uma explosão de fogo em toda aminha visão. Eu cuspo cegamentenele. Outro guarda -há três deles -aponta sua arma para a minha cabeça.Seus olhos são tão negros e frioscomo uma pedra cortada, cheios deódio – curados não odeiam, curados

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não odeiam e eles não se importamtambém - mais desgosto, como se eufosse uma marca particularmenterepugnante de inseto, e eu sei que ireimorrer.

Sinto muito, Alex. E Julian,também. Sinto muito.

Sinto muito, Grace.Eu fecho meus olhos."Espere!"Abro os olhos. A garota surge

do banco traseiro.Ela está vestida de branco como

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uma noiva. Seu cabelo é elaborado,amarrado e enrolado em volta dacabeça, e sua cicatriz doprocedimento tem se destacado commaquiagem, por isso parece comouma estrela colorida logo abaixo daorelha esquerda. Ela é linda, ela separece com as pinturas de anjos quenos habituamos a ver na igreja.

Então seus olhos pousam emmim, e meu estômago embrulha. Ochão se abre embaixo de mim. Malposso confiar em mim mesmo para

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ficar em pé."Lena", diz ela com calma. É

mais como um anúncio do que umasaudação.

Eu não consigo me fazer falar.Eu não posso dizer o nome dela,mesmo que isso grite ecoando atravésda minha cabeça.

Hana."Para onde estamos indo?"Hana se vira para mim. Estas

são as primeiras palavras que consigodizer a ela. Por um segundo, ela

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registra surpresa e outra coisatambém. Prazer? É difícil dizer. Suasexpressões são diferentes, e eu nãomais consigo ler o seu rosto.

"Para minha casa", diz ela apósuma breve pausa.

Eu poderia rir em voz alta. Elaestá tão ridiculamente calma; elaparecia ter me convidado para ouvirmúsica, ou me enrolar em seu sofá eassistir a um filme.

"Você não vai me entregar?"Minha voz é sarcástica. Eu sei que ela

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vai me entregar, eu sabia no momentoem que vi a cicatriz, vi o nivelamentopor trás de seus olhos, como umapiscina que perdeu toda a suaprofundidade.

Ou ela não detecta o desafio ouela opta por ignorá-lo. "Eu vou", dizela simplesmente. "Mas não ainda."Uma expressão cintila em seu rosto –e ela parece a ponto de dizer maisalguma coisa. Em vez disso, ela se virapara a janela mordendo o lábioinferior.

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Isso me incomoda, o lábio sendomordido. É uma pausa em suasuperfície de calma, uma lembrançaque eu não esperava. Era a velhaHana espreitando para fora desta novaversão brilhante, e faz meu estômagorevirar novamente. Estou dominadapelo impulso momentâneo de jogarmeus braços em torno dela, parainalar o cheiro dela - duas borrifadasde baunilha nos cotovelos, e jasmimem seu pescoço - para lhe dizer oquanto eu sentia falta dela.

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Bem na hora, ela me pegouolhando para ela e pressiona sua bocafirmemente em uma linha. E eu melembro que a velha Hana estáapagada. Ela, provavelmente, nemsequer tem o mesmo cheiro. Ela nãome fez uma única pergunta sobre oque aconteceu comigo, onde eu estive,como cheguei em Portland, commarcas de sangue e vestindo roupassujas. Ela mal olhou para mim, equando o faz, é com uma curiosidadevaga, distante, como se eu fosse uma

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espécie de animal estranho em umjardim zoológico.

Eu estou esperando que nosdirigissem em direção a West End,mas em vez disso, fomos para fora dapenínsula. Hana deve ter se mudado.As casas aqui são ainda maiores doque em seu antigo bairro. Eu não seipor que estou surpresa. Essa é umacoisa que eu aprendi durante o meutempo com a resistência. A cura ésobre controle. É sobre a estrutura. Eos ricos ficam cada vez mais ricos,

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enquanto os pobres ficam maisespremidos em ruas estreitas eapartamentos apertados, e dizem aeles que estão sendo protegidos, eprometem que serão recompensadosno céu pela obediência. Servidão échamada segurança.

Entramos em uma rua ladeadade árvores de aparência antiga, cujosramos abraçam a rua para formar umdossel. Um placa da rua pisca: EssexStreet. Meu estômago dá outrareviravolta violenta. 88 Essex Street é

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o lugar onde Pippa plantou a bomba.Quanto tempo se passou desde que asirene tocou? Dez minutos? Quinze?

O suor escorre em baixo dosmeus braços. Eu examino as caixas decorreio que passamos. Uma dessascasas - uma dessas gloriosas casasbrancas, coroada como bolos comtreliça e cúpulas, cercado de varandasbrancas largas e afastada da rua porvivos gramados verdes - vai explodirem menos de uma hora.

O carro desacelera até parar na

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frente de portões de ferroornamentados. O motorista se inclinapara fora da janela para digitar umcódigo em um teclado, e os portõesabrem sem problemas. Isso me lembraa antiga casa de Julian, em NovaYork, e ainda me espanto: todo essepoder, toda essa energia fluindo ebombeando para um punhado depessoas.

Hana ainda está olhandoimpassível para fora da janela, e eutenho a súbita vontade de chegar e

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socar com o meu punho através desua imagem que é refletida ali. Ela nãotem ideia de como o resto do mundose parece. Ela nunca passoudificuldades ou ficou sem comida, semcalor ou conforto. Estou espantada emcomo ela pode ter sido a minhamelhor amiga. Estávamos semprevivendo em dois mundos separados;eu era apenas estúpida o suficientepara acreditar que isso não importava.

Sebes altas cercam o carro emambos os lados, flanqueando uma

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curta distância de carro que leva auma outra casa monstruosa. É maiordo que qualquer outra que já vi atéagora. Um número de ferro estápregado acima da porta da frente.

88.Por um instante, minha visão

escuresse. Eu pisco. Mas o númeroainda está lá.

88 Essex Street. A bomba estáaqui. Suor escorre pela parte inferiordas minhas costas. Não faz qualquersentido, as outras bombas foram

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plantadas no centro da cidade, emprédios municipais, como no anopassado.

"Você mora aqui?" Eu perguntoa Hana. Ela está saindo do carro,ainda com a mesma calma irritante,como se nós estivéssemos em umavisita social.

Mais uma vez, ela hesita. "É acasa do Fred", diz ela. "Eu acho quenós a compartilhamos agora." Quandoeu olho para ela, ela emenda, “FredHargrove. Ele é o prefeito."

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Eu tinha esquecidocompletamente que Hana foiemparelhada com Fred Hargrove. Nóstínhamos ouvido rumores através daresistência que o Hargrove sêniorhavia sido morto durante osincidentes. Fred deve ter ocupado olugar de seu pai. Agora começava afazer sentido que uma bomba fosseplantada nesta casa, nada era maissimbólico do que bater o líderdiretamente. Mas nós calculamos mal- não era Fred que estaria em casa.

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Era Hana.Minha boca estava seca. Um de

seus capangas tenta me agarrar e meforçar a sair do carro, e eu meempurro para longe dele.

"Eu não vou correr", eupraticamente cuspo, e deslizo parafora do carro por conta própria. Eu seique eu não conseguiria dar mais detrês passos antes de eles abrirem fogo.Vou ter que prestar atenção, pensar, eprocurar uma oportunidade paraescapar. De jeito nenhum eu vou estar

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por perto desse local quando eleexplodir.

Hana me conduz a subir osdegraus da varanda. Ela espera, decostas para mim, até que um dosguardas passe para frente e abra aporta. Eu sinto uma onda de ódio poresta frágil menina mimada com seuslençóis brancos imaculados e suasvastas salas.

No interior, estasurpreendentemente escuro, cheio demuitos carvalhos escuros polidos e

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couro. A maioria das janelas esta meioobscurecida pelas cortinas elaboradasde veludo. Hana começa a me levarpara a sala, e depois pensa melhor.Ela continua no corredor sem sepreocupar em ligar a luz, voltando-seapenas uma vez para olhar para mimcom uma expressão que eu nãoconsigo decifrar e, finalmente, meconduz através de duas portasgiratórias e para a cozinha.

Esta sala, em contraste com oresto da casa, é muito brilhante. As

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grandes janelas têm vista sobre umenorme quintal. A madeira aqui ébrilhante, suave e quase branca, e osbalcões são em mármore brancoimaculado.

Os guardas nos seguem para acozinha. Hana vira-se para eles.

"Deixem-nos", diz ela.Iluminada pela luz do sol, o que fazparecer que ela está ardendo umpouco, ela mais uma vez se parececom um anjo. Estou impressionadacom sua calma, e pela tranquilidade

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da casa, a sua limpeza e beleza.E em algum lugar em seu baixo-

ventre, enterrado, um tumor estácrescendo, se contorcendo com aeventual explosão.

O guarda que estava dirigindo -o que me tinha em uma cela maiscedo - faz barulhos de protesto, masHana o silencia rapidamente.

"Eu disse, nos deixe." Por umsegundo, a antiga Hana ressurge, euvejo o desafio em seus olhos, ainclinação imperial de seu queixo. "E

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feche a porta quando saírem."Os guardas saem

relutantemente. Eu posso sentir o pesode seus olhares, e eu sei que se Hananão estivesse aqui, eu já estaria morta.Mas eu me recuso a me sentir grata aela. Eu não vou.

Quando eles se vão, Hana olhapara mim por um minuto em silêncio.Sua expressão é ilegível. Finalmente,ela diz: "Você está muito magra."

Eu quase podia rir. "Sim, bem.Os restaurantes da Wilds estão em sua

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maioria fechados. Eles forãoprincipalmente bombardeados, naverdade." Eu não me incomodo em otom irônico na minha voz.

Ela não reage. Ela apenascontinua me olhando. Outro momentode silêncio passa. Em seguida, elaaponta para a mesa. "Sente-se."

"Eu prefiro ficar de pé,obrigada."

Hana franze o cenho. "Vocêpode entender isso como uma ordem."

Eu realmente não acho que ela

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vai chamar os guardas de volta se eume recusar a me sentar, mas nãoposso me arriscar. Eu deslizo em umacadeira, olhando para ela o tempotodo. Mas eu não consigo ficarconfortável. Se passaram uns 20minutos, desde que a sirene tocou.Isso significa que tenho menos de 40minutos para sair daqui.

Assim que eu me sento, Hanagira e desaparece na parte de trás dacozinha, onde uma abertura escuraalém da geladeira indica uma

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despensa. Antes que eu possa pensarem fuga, ela ressurge, carregando umpão embrulhado em uma toalha dechá. Ela fica no balcão e fatia pedaçosgrossos de pães, passa manteiga eempilha-os em um prato. Em seguida,ela vai para a pia e pega uma tolha.

Observando-a abrir a torneira,assistindo o vapor de água queaparece instantaneamente, eu estoucheia de inveja. Parece que faz muitotempo desde que eu tinha umchuveiro, ou tenha me lavado, exceto

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em rios gelados. "Aqui." Ela me passaa toalha quente. "Você está umabagunça."

"Eu não tive tempo para fazerminha maquiagem", eu respondo comsarcasmo. Mas eu pego a toalha dequalquer maneira, e a passocuidadosamente na minha orelha. Euparei de sangrar, pelo menos, emboraa toalha volte salpicada de sangueseco. Eu mantenho meus olhos sobreela enquanto eu limpo meu rosto e asmãos. Eu me pergunto o que ela está

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pensando.Ela desliza a prato de pão na

minha frente, quando eu termino coma toalha, e enche um copo com água,juntamente com cubos de gelo, cincodeles sacudindo alegremente juntos.

"Coma", diz ela. "Beba"."Eu não estou com fome", eu

minto.Ela revira os olhos, e mais uma

vez eu vejo a velha Hana flutuar paradentro desta nova impostora. "Nãoseja estúpida. É claro que você está

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com fome. Você está morrendo defome. Você provavelmente estámorrendo de sede, também."

"Por que você está fazendoisso?" Eu pergunto a ela.

Hana abre a boca e em seguida,fecha-a novamente. "Nós éramosamigas", diz ela.

"Éramos", eu digo com firmeza."Agora nós somos inimigas."

"Somos?" Hana pareceassustada, como se a ideia nunca lheocorreu. Mais uma vez, sinto uma

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pontada de desconforto, umasensação contorcendo de culpa. Algonão está certo. Eu forço estessentimentos para o fundo.

"É claro", eu digo.Hana me observa por um

segundo a mais. Então, de repente, elase levanta da mesa e vai até as janelas.Quando ela vira de costas para mim,eu rapidamente pego um pedaço depão e encho a minha boca, comendo omais rápido que posso sem engasgar.Eu o faço descer com um longo gole

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de água, tão fria que traz uma ardentedor deliciosa na minha cabeça.

Por um longo tempo, Hana nãodiz nada. Eu como outro pedaço depão. Ela pode sem dúvida me ouvirmastigar, mas ela não comenta sobreisso ou vira. Ela me permite manter apretensão de que eu não estoucomendo, e eu experimento umabreve explosão de gratidão.

"Eu sinto muito por Alex", dizela, finalmente, ainda sem se virar.

Meu estômago se revira

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desconfortavelmente. Demais; rápidodemais.

"Ele não morreu." Minha vozsoa alta. Eu não sei por que eu mesinto à urgência em dizer a ela. Maseu preciso que ela saiba que seu lado,o seu povo, não venceu, pelo menosnão neste caso. Mesmo que, claro, emalguns aspectos, eles fizeram.

Ela se vira. "O quê?""Ele não morreu", repito. "Ele

foi jogado nas criptas."Hana recua, como se eu

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estivesse estendido à mão e dado umtapa nela. Ela suga o lábio inferior emsua boca novamente e começa amorder. "Eu..." Ela para, franzindo atesta um pouco.

"O quê?" Eu conheço aquelacara, eu a reconheço. Ela sabe dealguma coisa. "O que é isso?"

"Nada, eu..." Ela balança acabeça, como que para esquecer oque ela queria dizer. "Eu pensei queeu o tinha visto." Meu estômagoaperta minha garganta. "Onde?"

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"Aqui." Ela me olha com outrade suas expressões inescrutáveis. Anova Hana é muito mais difícil de lerdo que a antiga. "Numa noite antes.Mas se ele está nas criptas..."

"Ele não está. Ele escapou."Hana, a luz, a cozinha - mesmo abomba tiquetaqueandosilenciosamente debaixo de nós,movendo-nos lentamente para oesquecimento - de repente parecemlonge. Assim que Hana sugere isso, euvejo que faz sentido. Alex estava

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sozinho. Ele deve ter ido de volta parao território familiar.

Alex poderia estar aqui emalgum lugar em Portland. Preso.Talvez houvesse esperança, afinal. Seeu só precisava sair daqui.

"Então?" Eu me empurro paracima da cadeira. "Você vai chamar osreguladores, ou o quê?"

Mesmo que eu quando estoufalando, eu estou planejando. Euprovavelmente poderia levá-la parabaixo comigo, se precisar, mas a ideia

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de atacá-la me deixa inquieta. E elavai, sem dúvida, lutar. Até o momentoeu tirar o melhor dela, os guardasestarão em cima de nós.

Mas se eu conseguir levá-la parafora da cozinha por até mesmo algunssegundos, eu posso colocar a cadeirapela janela, atravessar o jardim, tentarfugir dos guardas nas árvores. Ojardim, provavelmente, é ligado emoutra rua, se não, vou ter que ir emtorno da Essex. Era um tiro no escuro,mas era uma possibilidade.

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Hana me observaconstantemente. O relógio acima dofogão parecia estar se movendo emvelocidade recorde, e eu imagino otemporizador na bomba-relógiotambém. "Eu quero me desculpar comvocê", diz ela com calma.

"Ah, é? Pelo quê?" Eu nãotenho tempo para isso. Nós não temostempo para isso. Eu afastopensamentos sobre o que vaiacontecer com Hana mesmo se euconseguir escapar. Se ela vai ficar

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aqui, na casa ...Meu estômago está se abrindo e

fechando. Estou preocupada que opão volte para cima. Eu tenho quemanter o foco. O que acontece comHana não é a minha preocupação, enão é minha culpa, também.

"Por dizer aos reguladores sobrea rua 37 Brooks", diz ela. "Por dizer aeles sobre você e Alex." Apenasassim, os meus poderes cerebraiscaíram. "O quê?"

"Eu disse a eles." Ela solta uma

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pequena expiração, como se dizendoas palavras tivessem lhe dado alívio."Sinto muito. Eu estava com ciúmes."

Eu não consigo falar. Eu estounadando através de um nevoeiro."Ciúmes?" Eu me viro para cuspir.

"Eu - eu queria o que você tinhacom Alex. Eu estava confusa. Eu nãoentendia o que eu estava fazendo." Elabalança a cabeça novamente.

Eu tenho um sentimento deenjoo, balançando. Isso não fazqualquer sentido. Hana – a menina de

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ouro Hana, minha melhor amiga,destemida e imprudente. Eu confiavanela. Eu a amava. "Você foi minhamelhor amiga."

"Eu sei." Mais uma vez elaparece incomodada, como se estivessetentando lembrar o significado daspalavras.

"Você tinha tudo." Eu nãoconsigo parar a minha voz de subir. Araiva está vibrando, rasgando-mecomo uma corrente ao vivo. "A vidaperfeita. Notas perfeitas. Tudo.“ Faço

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um gesto para a cozinha impecável, àluz do sol derramando sobre osbalcões de mármore, como a manteigaregada. “Eu não tinha nada. Ele era aminha única coisa. Minha única." Ador me cega e eu dou um passo afrente, cerrando os punhos, cega deraiva. "Por que você não me deixoutê-lo? Por que você teve que tirá-lo?Por que você sempre quer tudo?"

"Eu disse que estavaarrependida", diz Hana novamente deforma mecânica. Eu poderia gritar de

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tanto rir. Eu poderia chorar, ourasgar-lhe os olhos.

Em vez disso eu cheguei perto edei um tapa nela. Uma força flui parao meu lado, no meu braço, antes queeu soubesse o que estava fazendo. Oruído é inesperadamente alto, e porum momento eu tenho certeza que osguardas irromperam pela porta. Masninguém vem.

No mesmo instante, o rosto deHana começa a ficar vermelho. Masela não grita. Ela não faz nenhum

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som.No silêncio, eu posso ouvir

minha própria respiração, irregular edesesperada. Eu sinto as lágrimasempurrando na parte de trás dos meusolhos. Estou envergonhada e comraiva e doente ao mesmo tempo.

Hana levanta devagar seu rostode volta para me encarar. Ela quaseparece triste. "Eu merecia isso", dizela.

De repente eu estou superadapela exaustão. Estou cansada de lutar,

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de atingir e ser atingida. Esta era aforma estranha do mundo, que aspessoas que quisessem simplesmenteamar, e ao invés disso são forçadas ase tornarem guerreiros. É a naturezada vida de ponta-cabeça. Era tudoque eu podia fazer para não cair emna cadeira novamente.

"Eu me senti horrível depois,"Hana diz em uma voz quase umsussurro. "Você deveria saber disso. Épor isso que eu te ajudei a escapar.Senti.." – Hana procurou pela palavra

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certa - "remorso"."E agora?" Eu pergunto a ela.Hana levanta um ombro. "Agora

eu estou curada", diz ela. "Édiferente."

"Diferente como?" Por umafração de segundo, eu desejo, mais doque qualquer coisa, mais do que arespiração, que eu tivesse ficado aqui,com ela, que eu tivesse deixado a facacair.

"Eu me sinto mais livre", diz ela.Tudo o que eu estava esperando ela

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dizer, não era nada como isso. Eladeve sentir que estou surpresa, porqueela continua. "Tudo está meio que...abafado. Como ouvir sons debaixod'água. Eu não tenho que sentir tantoas coisas por outras pessoas." Um ladoda sua boca subiu em um sorriso."Talvez, como você disse, eu nuncafiz."

Minha cabeça começou a doer.Acabou. Está tudo acabado. Eu sóquero me enrolar em uma bola edormir. "Eu não quis dizer isso. Você

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fez. Sentiu coisas, quer dizer, poroutras pessoas. Você costumavasentir."

Eu não tenho certeza se ela meouviu. Ela diz, quase como umareflexão tardia, "Eu não tenho queouvir mais ninguém." Algo em seu tomé fora - triunfante, quase. Quando euolho para ela, ela sorri. Gostaria desaber se ela está pensando em alguémem particular.

Há o som de um abre e fecha deporta e da voz de homem. Todo o

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rosto de Hana mudou. Ela fica sériade novo em um instante. "Fred", dizela. Ela atravessa rapidamente àsportas giratórias atrás de mim e enfiaa cabeça na sala timidamente. Emseguida, ela gira de frente para mim,de repente, sem fôlego.

"Vamos lá", diz ela. "Rápido,enquanto ele está no escritório".

"Vamos para onde?" Eu digo.Hana parece momentaneamente

irritada. "A porta traseira leva para avaranda. De lá, você pode cortar pelo

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jardim e para Dennett. Isso vai levá-lade volta para Brighton. Rápido",acrescenta ela. "Se ele ver você, elevai te matar."

Estou tão chocada que por ummomento eu fique aí parada,boquiaberta. "Por quê?" Eu digo. "Porque você está me ajudando?"

Hana sorri novamente, mas seusolhos ficam nublados e ilegíveis."Você mesmo disse. Eu era suamelhor amiga."

Tudo de uma só vez, minha

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energia retorna. Ela vai me deixar ir.Antes que ela possa mudar de ideia,eu passo por ela. Ela pressiona ascostas contra uma das portasgiratórias, mantendo-a aberta paramim, enfiando a cabeça para ocorredor a cada poucos segundos paracertificar se o caminho está livre.Assim como eu estou prestes a passarpor ela, eu paro.

Jasmim e baunilha. Ela aindausa depois de tudo. Ela tem o mesmocheiro.

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"Hana", eu digo. Estou tão pertodela, eu posso ver o ouro através doazul de seus olhos. Eu lambo meuslábios. "Há uma bomba."

Ela empurra para trás em umafração de segundo. Eu não tenhotempo para lamentar o que estoudizendo. "Aqui. Em algum lugar dacasa. Saia daqui, ok? Se salve." Ela vaitirar Fred também e a explosão vai serum fracasso, mas eu não me importo.Eu amei Hana uma vez, e ela está meajudando agora. Eu devo isso a ela.

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Mais uma vez, a sua expressãoé ilegível. "Quanto tempo?", Elapergunta abruptamente. Eu balanceiminha cabeça. "Dez, quinze minutosno máximo."

Ela acena com a cabeça paramostrar que ela tinha entendido. Eupasso por ela, para a escuridão docorredor. Ela fica onde está,pressionada contra as portasgiratórias, rígida como uma estátua.Ela levanta o queixo em direção àporta dos fundos.

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Assim como eu estou colocandoa mão sobre a maçaneta da porta, elame chama em um sussurro.

"Eu quase me esqueci." Ela semove na minha direção, seu vestidovoando, e por um momento ficoimpressionada com a impressão deque ela é um fantasma. "Grace está naHighlands. 31 Wynnewood Road. Elesestão vivendo lá agora."

Eu fico olhando para ela. Emalgum lugar, profundamente dentrodesta estranha, minha melhor amiga

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está enterrada. "Hana -" Eu começo adizer. Ela me corta. "Não meagradeça", diz ela em voz baixa."Basta ir."

Impulsivamente, sem pensar noque eu estou fazendo, eu seguro suamão, dou dois tapinhas rápidos e doislongos. Nosso antigo sinal.

Hana parece assustada, edepois, lentamente, seu rosto relaxa.Por apenas um segundo, ela brilhacomo se tivesse sido iluminada por umfacho por dentro. "Eu me lembro..."

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ela sussurra.A porta bate em algum lugar.

Hana se afasta, olhando de repentecom medo. Ela me gira e me empurraem direção à porta.

"Vá", diz ela, e eu faço. Eu nãoolho para trás.

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Hana

Eu contei trinta e três segundosno relógio quando Fred explodiu nacozinha, com o rosto vermelho.

"Onde ela está?" Suas axilasestavam molhadas de suor, e seucabelo cuidadosamente penteado comgel, estava uma bagunça.

Eu estava tentado a perguntar oque ele queria dizer, mas eu sabia quesó ia enfurecê-lo.

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“Saiu”, eu disse."Como assim? Disse Marcus."Ela me bateu", eu digo.Espero que Lena tenha deixado

uma marca quando me deu um tapa."Eu-eu bati minha cabeça na parede.E ela correu."

"Merda". Fred passa as mãosnos cabelos, vai para o corredor, echama os guardas. Então, ele se virapara mim. "Por que diabos você nãodeixou Marcus cuidar dela? Por quevocê estava sozinha com ela em

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primeiro lugar?""Eu queria informações", eu

digo. "Eu achava que era mais fácil elame dar sozinha."

"Merda", diz Fred novamente.Quanto mais trabalho ele recebe,estranhamente, mais calmo eu o sinto."O que está acontecendo, Fred?"

De repente ele chuta umacadeira e ela desliza pela cozinha."Maldito caos, isso é o que estáacontecendo." Ele não para de semover, cerra o punho e, por um

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momento, eu acho que ele pode virpara cima de mim. "Deve haver milpessoas no tumulto. Alguns delesInválidos. Alguns deles são apenascrianças. Estúpidos, estúpidos.... Seeles soubessem..."

Ele se interrompe quando osguardas vêm correndo pelo corredor.

"Ela deixou a garota escapar",diz Fred, sem lhes dar a chance deperguntar o que está errado. Odesprezo na voz dele é óbvio.

"Ela me bateu", repito.

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Eu posso sentir Marcus olhandopara mim. Eu deliberadamente evitoseus olhos. Ele não pode saber que eudeixei Lena escapar. Eu não deinenhuma indicação de que eu aconhecia, eu tive o cuidado de nãoolhar para ela no carro.

Quando os olhos de Marcus vãode volta para Fred, eu me permitoexalar. "O que você quer quefaçamos?" Pergunta Marcus.

"Eu não sei." Fred esfrega suatesta. "Eu preciso pensar. Maldita. Eu

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preciso pensar.""A garota se gabava de reforços

em Essex" eu digo. "Ela disse que erauma inválida enviada em todas ascasas na rua."

"Merda". Fred fica parado porum momento, olhando para o quintal.Então, ele revira os ombros para trás."Tudo bem. Eu vou ligar para osreforços. Nesse meio tempo, irei lá ecomeçarei a procurar nas ruas.Olharei o movimento nas árvores.Vamos derrotar todos os merdinhas

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que pudermos. Eu estarei bem atrásde vocês."

"Entendi". Marcus e Billdesaparecem no corredor.

Fred pega o telefone. Coloco amão em seu braço. Ele se vira paramim, irritado, e desliga. "O que vocêquer?" Ele praticamente cospe.

"Não vá lá, Fred", eu digo. "Porfavor. A garota disse, a garota disseque os outros estavam armados. Eladisse que iria abrir fogo se vocêcolocasse sua cabeça para fora da

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porta.""Eu vou ficar bem." Ele vai para

longe de mim."Por favor", repito. Eu fecho

meus olhos e faço uma breve oração aDeus. Sinto muito. "Não vale a pena,Fred. Precisamos de você. Fique poraqui. Deixe a polícia fazer o seutrabalho. Prometa-me que você nãovai sair de casa."

Ele tenciona os músculos de seumaxilar. Um longo momento se passa.A cada segundo, eu continuo

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esperando a explosão: um furacão deestilhaços de madeira, um túnelrugindo de fogo. Gostaria de saber sevai doer.

Deus me perdoe, pois eupequei.

"Tudo bem", disse Fredfinalmente. "Eu prometo." Ele levantao receptor novamente. "Fique fora docaminho. Não quero que vocêestrague nada."

"Eu vou estar lá em cima", digoa ele. Ele já virou as costas para mim.

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Eu passo pelo corredor,deixando as portas giratórias fecharematrás de mim. Eu posso ouvir o somabafado de sua voz através damadeira. A qualquer momento, oinferno.

Vou lá pra cima, no que teriasido o meu quarto. Eu queria deitar efechar os olhos, eu estou quasecansada o suficiente para dormir.

Mas ao invés disso eu deixo aporta dos fundos aberta, atravesso avaranda, e vou para o jardim, tendo o

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cuidado de ficar fora da vista dasjanelas grandes da cozinha . O archeira a primavera, como a terramolhada e um novo nascimento. Avesvoam nas árvores. A grama molhadaagarra meus tornozelos, e suja a bordado meu vestido de noiva.

As árvores me envolvem, e jánão posso ver a casa. Eu não vou ficara vê-la queimar.

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Lena

Highlands está queimando.Sinto o cheiro do fogo bem

antes de chegar lá, e quando eu aindaestou a trezentos metros de distância,posso ver a mancha de fumaça acimadas árvores, e as chamas lambendo osvelhos telhados, castigado pelo tempo.

Em Harmon Road, vi umagaragem aberta e uma bicicletaenferrujada pendurada na parede

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como um troféu de caçador. Abicicleta é um pedaço de lixo, e asengrenagens gemem e protestamsempre que eu tento ajustá-las, mas émelhor do que nada. Na verdade, eunão me importo com o ruído dascorrentes ou o toque duro do ventoem meus ouvidos. Ele me impede depensar em Hana, e de tentar entendero que aconteceu. Ele abafa a voz naminha cabeça, dizendo: Vai.

Ele não abafa a explosão,porém, ou as sirenes que se seguem

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depois. Eu posso ouvi-los, mesmodepois fiz quase todo o caminho paraas Terras Altas, coroando comogritos.

Espero que ela tenha saído. Eufaço uma oração, embora eu já nãosaiba por quem estou orando. E entãoeu estou nas Highlands, e eu pensoapenas em Grace.

A primeira coisa que eu vejo é ofogo, que está pulando de casa emcasa, de árvore em telhado, de parede.Quem ateou o fogo fez isso

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deliberadamente, de formasistemática. O primeiro grupo deSelvagens violou o muro não muitolonge daqui, deve ser o trabalho dosreguladores.

A segunda coisa que noto é quehá pessoas: correndo por entre asárvores, os corpos indistintos nafumaça. Isso me assusta. DeeringHighlands estava deserta, esvaziadaapós acusações de doença tornou umterreno baldio. Eu não tive tempo parapensar que a Grace e minha tia estão

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vivendo aqui agora, ou considerar oque os outros podem ter feito a suacasa.

Eu tento achar rostos familiarescorrendo por entre as árvores,gritando. Eu não posso ver nada, masa forma e a cor, das pessoas com seuspertences nos braços. As criançasestão chorando, e meu coração para:Qualquer um deles poderia ser Grace.Grace, que mal faz um som, poderiaestar gritando em algum lugar escuro.

Uma sensação quente está

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pulsando dentro de mim, do mesmojeito que as chamas faziam no seucaminho. Estou tentando lembrar adisposição da casa dos Highlands, masminha mente está cheia de estática:Uma imagem da casa dos Brooks, docobertor no jardim e as árvoresiluminadas pelo sol, continuam lá. Eubato na casa dos Edgewood e sei quefui longe demais.

Eu me viro, tusso e refaço meucaminho. O ar está cheio derachaduras, um raio cai: casas são

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engolidas inteiras, de pé, comotremores fantasmas, queimando embrasa, portas aberta, derretendo a peleda carne. Por favor, por favor . Apalavra se espalha pela minha cabeça.Por favor.

Então eu a placa da ruaWynnewood. Uma pequena rua detrês quarteirões, felizmente aqui ofogo não chegou e permanece presona copas confusas das árvores, epatina sobre os telhados, uma coroacrescente de branco e laranja. As

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pessoas nas árvores estão fugindo,mas eu fico imaginando que escuto ascrianças chorando, lamentando,fantasmagóricos ecos.

Estou suando, e meus olhosestão queimando. Abandono abicicleta, e me esforço para recuperaro fôlego. Trago a minha camisa para omeu rosto e tento respirar através delaenquanto corro pela rua. Metade dascasas não têm quaisquer númerosvisíveis. Eu sei que provavelmenteGrace fugiu. Espero que ela seja uma

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das pessoas que eu vi movendo-seatravés das árvores, mas não consigome livrar do medo de que ela poderiaestar presa em algum lugar, que a tiaCarol, o tio William e Jenny poderiamtê-la deixado para trás. Ela estavasempre se enrolando e se escondendoem cantos escondidos, tentando fazer-se o mais invisível possível.

Uma caixa de correio indica onúmero 31, uma triste casa, saindofumaça de suas janelas superiores,chamas lambendo todo seu telhado

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castigado pelo tempo. Então eu a vejo,ou pelo menos eu acho que faço. Sópor um segundo, eu juro que vejo seurosto, pálido como uma chama, emuma das janelas. Mas antes que eupossa chamar, ela desaparece.

Respiro fundo e ando pelogramado até os degraus podres. Parona frente da porta, momentaneamenteatordoada. Reconheço o sofádesbotado listrado, o tapete com suasbordas chamuscadas, as mancha nasantigas almofadas vermelhas onde

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Jenny derramou seu suco de uva,ainda estão um pouco visíveis – aminha velha casa, casa da tia Carolem Cumberland. Me sinto como se eutivesse tropeçado diretamente para opassado, mas um passado deformado:um passado que tem cheiro de fumaçae papel de parede molhado, comquartos que foram distorcidos.

Eu vou de sala em sala,chamando Grace, verificando atrás demóveis e nos armários de várias salasque estão totalmente vazios. Esta casa

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é muito maior do que a nossa velha, enão há moveis suficientes parapreenchê-la. Ela se foi. Talvez nuncatenha estado aqui, talvez eu tenha sóimaginado o rosto dela.

O andar de cima está preto ecom fumaça. Eu só consigo ir até ametade, quando sou forçada a voltarpara baixo, arfando e tossindo. Agora,os quartos da frente, também estãoem chamas. Cortinas de chuveirobaratas estão presas às janelas. O fogosobe em uma lambida, deixando o

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cheiro de plástico queimado.Volto para a cozinha, sentindo

como se um gigante colocasse seupunho em meu peito, tenho anecessidade de sair, preciso respirar.Eu jogo meu ombro na parte de trásda porta-inchada com o calor, ela abree finalmente vou tropeçando para oquintal, tusso, meus olhos lacrimejam.Eu não estou mais pensando, meuspés estão se movendoautomaticamente para longe do fogo,em direção ao ar puro, de repente

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sinto uma dor no meu pé e estoucaindo. Caio no chão e olho para tráspara ver o que me acertou: amaçaneta da porta, da adega, meioobscurecida pela grama por cima dela.

Eu não sei o que me faz voltar eabrir a porta, instinto, ou talvezsuperstição. Um conjunto de escadasde madeira íngreme desce até umapequena adega subterrânea,aproximadamente quatro metrosabaixo da terra. O pequeno porão estáequipado com prateleiras, e

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abastecido com latas de comida.Várias garrafas de soda, estãoalinhadas no chão.

Ela se escondeu em um canto.Felizmente, antes que eu feche a portanovamente, ela se mexe, e uns de seustênis aparecem, iluminando a luzvermelha da fumaça que vem de cima.Os sapatos são novos, mas eureconheço os cadarços roxos, cor queela gosta.

"Grace." Minha voz esta rouca.Eu desço um degrau. Quando meus

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olhos se ajustam à escuridão, Graceentra em foco, mais alta do que estavahá oito meses, mais magra e maissuja também, agachada no canto,olhando para mim com selvagensolhos aterrorizados. "Grace, sou eu."

Estendo a mão para ela, mas elanão se move. Desço, um passo maisperto, e reluto em ir para o porão etentar agarrá-la. Ela sempre foi rápida,eu tenho medo de que ela corra. Meucoração está pulsando dolorosamentena minha garganta e minha boca tem

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gosto de fumaça. Há um nítido cheiroforte no porão que eu não consigoidentificar. Eu me concentro emGrace, em fazê-la mover-se.

"Sou eu, Grace", eu tento denovo. Eu só posso imaginar comodevo parecer pra ela, como mudei."Sou Lena. Sua prima Lena".

Ela endurece, como se terestendido a mão tivesse a chocado."Lena", ela sussurra, sua vozdeslumbra-me. Mas ainda assim elanão se move. Acima de nós, há um

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estrondo. Um galho de árvore ou umpedaço do telhado. Eu tenho umterror repentino de ser enterrada aqui,se não sair agora. A casa vai cair,vamos ficar presas.

"Vamos lá, Gracie", eu digo,invocando um apelido antigo. A partede trás do meu pescoço esta suada."Temos que ir, ok?"

Grace se movimenta. Ela pisadesajeitadamente com um dos pé, e euouço o tilintar de vidro quebrando. Ocheiro se intensifica, queimando o

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interior de minhas narinas, e derepente percebo:

Gasolina."Eu não queria", diz Grace, sua

voz aguda, estridente com o pânico.Ela fica parada e eu assisto a manchado liquido se espalhando no chão deterra ao seu redor escuro.

O terror era enorme agora: mepressionava de todos os lados. "Grace,vamos, querida." Eu tento manter opânico longe da minha voz. "Venha,pegue minha mão."

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"Eu não queria!" Ela começa achorar.

Eu ando alguns passos e aagarro, levantando-a até minhacintura. Ela esta estranha, muitogrande para eu carrega-laconfortavelmente, massurpreendentemente leve. Ela envolveas pernas ao redor da minha cintura.Eu posso sentir as costelas e os pontosafiados dos ossos do quadril. Seucabelo cheira a graxa e óleo efracamente, apenas levemente a

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sabão.Subo as escadas e no mundo da

chama e fogo, o ar fica cintilante como calor, como se o mundo estivesse setransformando em uma miragem.

Seria mais rápido colocar Graceno chão e deixá-la correr ao meulado, mas agora que eu a tenho ,agora que ela está aqui, agarrando-sea mim, com o coração batendofreneticamente em seu peito, eu nãoposso soltá-la.

Graças a Deus a bicicleta está

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onde deixei. Coloco Gracedesajeitadamente no banco, e eu meaperto em suas costas. Começo adescer a rua, minhas pernas estãopesadas como uma pedra, até quemomento começa a embalar, e entãoeu a monto, o mais rápido que euposso, longe dos dedos de fumaça echamas, deixando Highlands paraqueimar.

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Hana

Eu ando sem prestar atenção a

onde estou ou para onde vou. Um péna frente do outro, o meu tênis brancobatendo calmamente contra opavimento. À distância, eu posso ouviro rugido de vozes gritando. O sol estabrilhante, e bate em meus ombros. Abrisa abana as árvores em silêncio, eelas se curvam em onda, arco e onda,

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conforme vou passando.Um pé, depois outro pé. É tão

simples. O sol é tão brilhante. O queserá que vai acontecer comigo?

Eu não sei. Talvez eu váencontrar alguém que me reconheça.Talvez eu vá ser trazida de volta parameus pais. Talvez, se o mundo nãoacabar, se Fred estiver morto, eu vouser emparelhada com outra pessoa.

Ou talvez eu continue andandoaté chegar ao fim do mundo.

Talvez. Mas, por enquanto, há

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apenas o sol alto e branco, e o céucom riscos de fumaça cinza, e asvozes que soam como ondas do marao longe.

Há apenas o barulho dos meussapatos, e as árvores que parecembalançar a cabeça e dizer-me, vocêestá bem. Tudo vai ficar bem.

Talvez, afinal, elas estejamcertas.

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LenaÀ medida que nos

aproximávamos de Back Cove, a filade pessoas aumentava em um córregoruidoso, e eu mal podia manobrar aminha bicicleta entre elas. Elesestavam correndo, gritando, agitandomartelos, facas e pedaços de tubos demetal, subindo em direção a algumlugar desconhecido, e eu estou

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surpresa ao ver que não é apenas maisum tumulto de Inválido: Haviacrianças também, alguns tão jovenscom doze e treze anos, não curado ecom raiva. No local alguns curadosassistiam de suas janelas acima da rua,acenando ocasionalmente, num showde solidariedade.

Eu desvio da multidão e colocoa bicicleta nas margens da enseadarevirada de lama, onde Alex e eufizemos o nosso repouso uma vidaatrás, onde, pela primeira vez, ele

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trocou a sua felicidade pela minha. Agrama crescia alta entre os escombrosda antiga estrada, uma pessoa, feridoou morto estava deitada na grama,soltando gemidos ou olhandocegamente para o céu sem nuvens. Euvejo vários corpos de bruços na parterasa da enseada, tentáculos devarrição vermelhas sob toda asuperfície da água.

Passando a enseada, namuralha, a multidão ainda era maior,mas parecia que principalmente era o

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nosso povo. Os reguladores e a políciadevem ter sido fugido, para longe emdireção a Porto Velho. Agora,milhares de manifestantes estavamfluindo nessa direção, suas vozesunificadas, uma única nota de fúria.

Eu largo a bicicleta na sombrade um grande zimbro e, finalmente,pego Grace pelos ombros, examino-atoda ao longo de seus cortes ehematomas. Ela está tremendo, comos olhos arregalados, olhando paramim como se ela acreditasse que eu

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vou desaparecer a qualquer momento."O que aconteceu com os

outros?" Eu pergunto. Suas unhasestão revestidas com sujeira, e ela estamagra. Mas por outro lado, ela parecebem. Mais do que tudo bem, ela estalinda. Eu sinto um difícil soluço naminha garganta, e eu engulo-o devolta. Não estão seguros, ainda não.

Grace balança a cabeça. "Eunão sei. Houve um incêndio e... e eume escondi."

Então eles a deixaram. Ou eles

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não se importaram o suficiente paranotar que ela desapareceu. Eu sintouma onda de náusea.

"Você está diferente", diz Gracecalmamente.

"Você ficou mais alta", eu digo.De repente, eu poderia gritar dealegria. Eu poderia gritar de felicidadeenquanto todo o mundo queimava.

"Onde você foi?" Gracepergunta. "O que aconteceu comvocê?"

"Eu vou te contar tudo sobre

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isso mais tarde." Eu seguro-lhe oqueixo com uma mão. "Escute, Grace.Eu quero te dizer o quanto estoutriste. Sinto muito por ter deixando-apara trás. Eu nunca vou deixar vocêde novo, ok?"

Seus olhos viajam por meurosto. Ela acena com a cabeça.

"Eu vou para mantê-la a salvoagora." Eu empurro as palavras parafora da minha garganta. "Vocêacredita em mim?"

Ela acena com a cabeça

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novamente. Eu puxo-a para mim,apertando. Ela está tão magra, tãofrágil. Mas eu sei que ela é forte. Elasempre foi. Ela estará pronta para oque vier a seguir.

"Pegue minha mão," eu digo aela. Eu não tenho certeza para ondeir, e minha mente vai para Graúna.Então eu me lembro de que ela se foi,assassinada na parede e a dor ameaçaengolir-me novamente. Mas eu tenhoque manter a calma por causa deGrace.

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Eu preciso encontrar um lugarseguro para ir com Grace enquanto ocombate está acontecendo. Minhamãe vai me ajudar, ela vai saber o quefazer.

O aperto de Grace ésurpreendentemente forte. Nós vamospor nosso caminho ao longo da costa,misturando-nos entre as pessoas -Inválidos e reguladores são iguais,feridos, morrendo, e mortos. No topoda encosta, Colin, mancando, inclina-se pesadamente em outro menino e

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faz o seu caminho para um local vaziona grama. O outro garoto olha paracima e meu coração para.

Alex.Ele me vê quase que

imediatamente depois de eu tê-lovisto. Quero chamá-lo, mas minha vozestá presa na garganta. Por umsegundo, ele hesita. Então, ele baixaColin na grama e se curva para dizer-lhe algo. Colin acena com a cabeça,segurando o joelho, fazendo umacareta.

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Em seguida, Alex estámovimentando-se em direção a mim.

"Alex." É como se dizer seunome o fizesse real. Ele para a poucoscentímetros de distância de mim, eseus olhos vão à Grace, e depois devolta a mim. "Esta é a Grace", eu digo,puxando sua mão. Ela vai para trás,escondendo seu corpo atrás do meu.

"Eu me lembro", diz ele. Não hámais dureza em seus olhos, não hámais ódio. Ele limpa a garganta. "Eupensei que nunca iria vê-la

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novamente.""Aqui estou." O sol se sente

excessivamente brilhante, e, derepente, não posso pensar em nadapara dizer, sem palavras paradescrever tudo o que eu pensava edesejava. "Eu-eu tenho o seu bilhete."

Ele acena com a cabeça. Suaboca se aperta um pouco. "Julianestá...?"

"Eu não sei de onde Julian está",eu digo, e, em seguida, imediatamenteme sinto culpada. Penso em seus

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olhos azuis, e seu calor enrolando emvolta de mim quando eu dormia.Espero que ele não tenha sido ferido.Eu me curvo para que eu possa olharGrace nos olhos. "Sente-se aqui porum minuto, tudo bem, Grace?"

Ela senta-se, obediente. Eu nãoquero afastar-me mais de dois passosde distância dela. Alex me segue.

Eu abaixo a voz para que Gracenão nos ouça. "É verdade?" Perguntoa ele.

"O que é verdade?" Seus olhos

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são da cor do mel. Estes são os olhosque me lembro dos meus sonhos.

"Que você ainda me ama", eudigo, sem fôlego. "Eu preciso saber."

Alex concorda. Ele estende amão e toca o meu rosto, mal roçandominha bochecha e afastando umpouco do meu cabelo. "É verdade."

"Mas... eu mudei", eu digo. "Evocê mudou."

"Isso é verdade também", diz eleem voz baixa. Eu olho para a cicatrizem seu rosto, que se estende desde o

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olho esquerdo até seu queixo, e algoengasga em meu peito.

"E agora?" Pergunto a ele. O solesta muito brilhante, o dia parececomo se estivesse fundido em sonho.

"Você me ama?" Pergunta Alex.E eu poderia chorar, eu poderiapressionar o meu rosto em seu peito erespirar, e fingir que nada mudou, quetudo vai ser perfeito e tudo serácurado novamente.

Mas eu não posso. Eu sei queeu não posso.

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"Eu nunca parei." Eu olho paralonge dele. Eu olho para Grace, eagrama alta cheia de feridos e mortos.Eu penso em Julian, em seus olhosazuis, em sua paciência e bondade. Euacho que de todas as lutas que temosfeito, e toda a luta que ainda teremosde fazer. Eu tomo uma respiraçãoprofunda. "Mas é mais complicado doque isso."

Alex chega mais próximo ecoloca as mãos sobre meus ombros."Eu não vou fugir de novo", diz ele.

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"Eu não quero que você fuja",digo a ele.

Seus dedos encontram minhabochecha, e eu descanso um segundocontra a palma da sua mão, deixandoa dor dos últimos meses fluir para forade mim, deixando-o virar a cabeça nadireção dele. Então, ele se abaixa eme beija: brilho e perfeição seus lábiosmal encontrando os meus, um beijoque promete renovação.

"Lena!"Eu me afasto de Alex quando

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Grace grita. Ela estava em pé e estavaapontando para a muralha dafronteira, pulando animadamente naponta dos pés, cheia de energia. Eume viro para olhar. Por um segundo,lágrimas embaçam minha visão, vejo omundo por um caleidoscópio de coresrastejando até a parede, fazendo ummosaico de concreto.

Não. Não cor: pessoas. Aspessoas estão subindo na direção daparede. Mais do que isso: Eles estãoquebrando-a.

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Gritando, selvagens etriunfantes, empunhando martelos epedaços de um andaime em ruínas, oupegando com as próprias mãos, elesvão desmantelando pedaço porpedaço da parede, quebrando oslimites do mundo como nós oconhecemos. Joy surge dentro demim. Grace começa a correr, ela,também, é puxada em direção àparede.

"Grace, espere!" Eu começo asegui-la, e Alex agarra a minha mão.

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"Eu vou te encontrar", diz ele,olhando para mim com os olhos queeu lembro. "Eu não vou deixar você irde novo."

Eu não confio em mim mesmapara falar. Em vez disso eu aceno,esperando que ele me entenda. Eleaperta minha mão. "Vá", diz ele.

Então, eu vou. Grace faz umapausa para esperar por mim, e eupego a mãozinha fina na minha, e logonos estamos correndo: através do sol ea fumaça persistente, através da

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grama nas margens, que se tornaramum cemitério, enquanto o sol continuaa sua rotação indiferente, a águareflete nada além do céu.

Quando nos aproximamos domuro, vejo Hunter e Bram, lado alado, suando e sujos, batendo noconcreto com grandes pedaços detubos de metal. Eu vejo Pippa, de pésobre uma parte do muro quecontinua em pé, acenando com umacamisa verde vívido como umabandeira. Vejo Coral; feroz e bonita,

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ela passa dentro e fora de vista,enquanto a multidão surge e muda aoseu redor. Vários metros de distância,minha mãe trabalha com um martelocom facilidade, acenando para mim eGrace, fazendo com que pareça umadança: essa mulher forte e musculosaque eu mal conheço, uma mulher queeu amei a minha vida inteira. Ela estáviva. Estamos vivos. Ela vai ter aoportunidade de conhecer Grace.

Eu vejo Julian, também. Ele estásem camisa, suando, equilibrando-se

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sobre uma pilha de escombros,trabalhando a coronha de um riflecontra a parede, de modo que aslascas soltam um spray fino de póbranco sobre as pessoas abaixo dele.O sol faz em seu cabelo umesplendoroso anel de fogo pálido,tocando os ombros com as asasbrancas.

Por um segundo, eu sinto umasensação de tristeza avassaladora:como as coisas mudam, e o fato deque nunca podemos voltar. Eu não

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tenho mais certeza de nada. Eu nãosei o que vai acontecer comigo, Alex eJulian, a qualquer um de nós.

"Vamos lá, Lena." Grace estápuxando a minha mão.

Mas não se trata de saber.Trata-se simplesmente de ir em frente.Os curados querem saber, nósescolhemos a fé em seu lugar.Perguntei se Grace confiava em mim.Teremos que confiar mais que omundo não vai acabar, que amanhãvai chegar, e que a verdade vai vir

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também.Uma velha linha, uma linha

proibida de um texto que Graúna umavez mostrou-me, voltou para mimagora. Aquele que salta pode cair,mas ele também pode voar.

Era hora de saltar."Vamos," eu digo a Grace, e

deixo-a me levar para a multidão depessoas, mantendo uma pressãoapertada na mão o tempo todo. Nóspassamos pela gritaria da multidãoalegre, e lutamos pelo nosso caminho

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em direção à muralha. Saltando umapilha de madeira quebrada e cacos deconcreto quebrado, e eu sigodesajeitadamente até que estouequilibrando ao lado dela. Ela estágritando, mais alto do que eu já a ouvi,uma linguagem murmúrio de alegria eliberdade, e eu acho que vou juntar-me a ela, juntas, começamos aquebrar pedaços de concreto com asunhas, assistindo a fronteira dissolver-se, observando um novo mundo surgirpara além dela.

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Derrubando as paredes.Isto é, apesar de tudo, o ponto

todo. Você não sabe o que vaiacontecer quando você derrubar osmuros, você não pode ver através dooutro lado, não sei se vai trazer aliberdade ou a ruína, resolução ou ocaos. Pode ser o paraíso, ou adestruição.

Caso contrário, você tem queviver de perto, com medo, construindobarricadas contra o desconhecido,dizendo orações contra a escuridão,

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falando verso de terror e tensão.Caso contrário, você pode

nunca conhecer o inferno, mas vocênão vai encontrar o céu, também.Você não vai conhecer o ar fresco evoar.

Todos vocês, onde quer queestejam: em suas cidadesproblemáticas ou suas cidades comconflitos. Encontre isso, as coisasdifíceis, as relações complicadas e asfissuras, os fragmentos de pedraenchendo o seu estômago. E puxe, e

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puxe, e puxe.Vou fazer um pacto com você:

eu vou fazer isso se você tambémfizer, sempre e para sempre.

Derrubar os muros.

Fim