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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULADADE DE MEDICINA DEPARTAMENTO DE SAÚDE COMUNITÁRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA MESTRADO EM SAÚDE PÚBLICA ANDRÉA CARVALHO ARAÚ JO MOREIRA LIMITES E POSSIBILIDADES DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA, NA PERCEPÇÃO DE MULHERES ASSISTIDAS EM SOBRAL, CEARÁ FORTALEZA 2011

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEAR FACULADADE DE MEDICINA

    DEPARTAMENTO DE SADE COMUNITRIA PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SADE COLETIVA

    MESTRADO EM SADE PBLICA

    ANDRA CARVALHO ARA JO MOREIRA

    LIMITES E POSSIBILIDADES DO PROGRAMA BOLSA FAMLIA, NA PERCEPO DE MULHERES ASSISTIDAS EM SOBRAL, CEAR

    FORTALEZA 2011

  • ANDRA CARVALHO ARAJO MOREIRA

    LIMITES E POSSIBILIDADES DO PROGRAMA BOLSA FAMLIA, NA PERCEPO DE MULHERES ASSISTIDAS EM SOBRAL, CEAR

    Dissertao submetida ao Programa de Ps-Graduao em Sade Coletiva da Universidade Federal do Cear, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Sade Pblica. rea de concentrao: Poltica, Gesto e Avaliao em Sade Orientadora: Profa. Dra. Mrcia Maria Tavares Machado Co-orientadora: Profa. Dra. Ana Cristina Lindsay

    Fortaleza-CE 2011

  • M886l Moreira, Andra Carvalho Arajo Limites e possibilidades do Programa Bolsa Famlia, na

    percepo de mulheres assistidas em Sobral, CE / Andra Carvalho Arajo Moreira. Fortaleza, 2011.

    132 f.: il. Orientadora: Profa. Dra. Mrcia Maria Tavares Machado

    Dissertao (Mestrado) - Universidade Federal do Cear. Programa de Ps-Graduao em Sade Coletiva. Fortaleza, Cear.

    1. Sade da Criana 2. Programas e Polticas de Nutrio e Alimentao 3. Nutrio do Lactente 4. Ateno Primria Sade I. Machado, Mrcia Maria Tavares (orient.) II. Ttulo.

    CDD:362.5

  • ANDRA CARVALHO ARAJO MOREIRA

    LIMITES E POSSIBILIDADES DO PROGRAMA BOLSA FAMLIA, NA PERCEPO DE MULHERES ASSISTIDAS EM SOBRAL, CEAR

    Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Sade Coletiva, da Universidade Federal do Cear, como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em Sade Pblica

    Aprovada em: 22/06/2011.

    BANCA EXAMINADORA

    ___________________________________________________________ Prof. Dr. Mrcia Maria Tavares Machado (Orientadora)

    Universidade Federal do Cear UFC

    ___________________________________________________________ Prof. Dr. Maria Socorro de Arajo Dias (Membro efetivo)

    Universidade Estadual Vale do Acara - UVA

    ___________________________________________________________ Prof. Dr. Alberto Novaes Ramos Jnior (Membro efetivo)

    Universidade Federal do Cear UFC

    ___________________________________________________________ Prof. Dr. Ricardo Jos Soares Pontes (Membro suplente)

    Universidade Federal do Cear - UFC

  • Dedico este trabalho a Deus, que me concedeu o dom da vida e nela poder vivenciar o matrimnio, a maternidade, o trabalho e a pesquisa. Por ele possvel conciliar todos os nossos sonhos e sermos felizes!

    Aos meus queridos filhos, Vtor e Arthur, que compreenderam que a Mame tambm tinha escola e precisava estudar... A minha querida Sofia, alegria inesperada enviada por Deus e que esteve comigo literalmente durante este processo.

    Ao meu amado Francielery, com quem pude compartilhar tudo durante esta caminhada, inclusive o cuidado dos nossos filhos; sem seu apoio e incentivo nada teria sido possvel. Essa conquista nossa!

    Vocs - Vtor, Arthur, Sofia e Francielery - constituram fonte de amor, sabedoria e fora, dimenses necessrias para concluir este trabalho to importante da minha vida. Amo vocs!

  • Agradecimento especial

    professora doutora Mrcia Maria Tavares Machado que me aceitou como sua orientanda e me fez acreditar que era possvel, mesmo nos momentos mais difceis. Pelo rico aprendizado que pude vivenciar ao seu lado, pelas lies de vida que pde me proporcionar. Voc um exemplo de mestre e pessoa.

  • AGRADECIMENTOS

    A Deus, pela graa de ter concludo este trabalho.

    s mes que aceitaram fazer parte do estudo, pela sua disponibilidade e abertura, pelo enriquecimento que foi, compartilhar um pouco da vida de cada uma. Sem a colaborao de vocs, o estudo no poderia haver sido efetivado. Muito obrigada!

    minha famlia amada, que sempre me acolheu nas voltas para casa. Obrigada por tudo!

    minha me, Teresinha, pelo apoio nas horas necessrias. Voc ser sempre um exemplo de vida!

    Aos meus irmos Andrinne e Paulo Alceu, pelo amor fraterno; constitumos uma famlia admirvel!

    minha querida Mrian, sobrinha e afilhada, por sua serenidade. Beth, Neide, Tia margarida e Tio Barbosa, que me acolheram no seu lar para

    que eu pudesse realizar o mestrado em Fortaleza. Jamais vou esquecer o carinho, os momentos de f e a paz que reina nos seus lares!

    professora doutora Ana Lindsay, coorientadora, que contribuiu com a realizao

    deste estudo nas suas vindas ao Brasil. Obrigada pela ateno! s professoras doutoras Maria Socorro de Arajo Dias e Maria Lcia Magalhes

    Bosi, por terem aceitado com carinho o convite para compor a banca examinadora de qualificao e prestado grandes contribuies para o trabalho.

    amiga Ana Helena Bonfim, pela pessoa companheira que voc , pela escuta,

    pelo ombro amigo, pelo que pude apreender estando ao seu lado nas idas e vindas de Fortaleza. Que nossa amizade possa se fortalecer cada vez mais.

    amiga Adelane Monteiro, que sempre me incentivou a lutar pelo mestrado,

    fazendo-me acreditar que era um sonho possvel. Voc um exemplo de pessoa pra mim. Obrigada pela amizade, pelo carinho e apoio sempre!

    Ao grupo da Escola de Formao em Sade da Famlia Visconde de Sabia,

    especialmente s Profas. Dras. Socorro Dias, Francisca Lopes e Alzeni Ponte, que compreenderam os momentos de dedicao a este trabalho. Meu muito obrigada!

    Ao grupo de coordenadores e professores do Curso de Enfermagem das

    Faculdades INTA que me incentivaram a concluir este ideal. Ao grupo de mestrandos, com o qual dividi meus momentos, aprendi e cresci

    muito. Em especial, Ana Helena, Brbara, Solange e lvaro, com quem compartilhei muitos momentos. Obrigada pelo apoio nessa caminhada.

  • Comisso Cientfica da Secretaria de Sade de Sobral, pela autorizao necessria realizao da pesquisa.

    FUNCAP, pela bolsa de mestrado concedida, contribuindo para o conhecimento

    na rea da Sade Pblica. Obrigada!

    Enfim, meu muito obrigada a todos os amigos, familiares, colegas de profisso que incentivaram, apoiaram, pelas palavras amigas e pelo carinho que me fortaleceram nessa caminhada. Obrigada a todos.

  • RESUMO

    O Programa Bolsa Famlia (PBF) caracteriza-se como um programa de transferncia direta de renda que beneficia famlias em situao de pobreza e extrema pobreza. Dentre seus princpios, visa a contribuir para a melhoria da situao alimentar e nutricional das famlias beneficiadas. Portanto, estabeleceu-se como objetivo para este estudo compreender como o PBF contribui para as prticas nutricionais de crianas de zero a cinco anos, na percepo das mes beneficiadas, em Sobral-Cear. Estudo exploratrio-descritivo com abordagem qualitativa, realizado no perodo de maro a dezembro de 2010 no Municpio de Sobral-CE. Os sujeitos do estudo corresponderam a 19 mes residentes na zona urbana e 9 mes residentes na zona rural. Para coleta das informaes, foram utilizadas tcnicas de entrevista individual e grupo focal. As informaes referentes s entrevistas e grupo focal foram gravadas e posteriormente transcritas na ntegra. Submetemos o discurso das participantes anlise do discurso. A categorizao do material emprico indicou como eixos centrais de anlise: 1) A espera pelo benefcio; 2) O que se faz com o dinheiro recebido pelo PBF; 3) O que comiam e o que comem as crianas do PBF; 4) Fatores que interferem na prtica alimentar da criana beneficiada com o PBF; 5) Como ocorrem a aquisio, seleo e preparo dos alimentos das crianas beneficiria do PBF e 6) Sugestes apontadas pelas mes para melhoria do PBF. Percebeu-se que as mes, ao saberem que foram contempladas pelo PBF, ficam felizes por terem a segurana de uma renda fixa e a possibilidade de adquirir bens materiais para a famlia, alm de alimentos. A anlise do material discursivo sugeriu a presena de limitaes do Programa, quando revela uma longa espera pelo benefcio, falta de seguimento das famlias para orientao, suporte e empoderamento das famlias, em busca de sua autonomia e autossuficincia, alm do valor recebido, sugerindo aumento do recurso e maior fiscalizao na insero de famlias elegveis e desenvolvimento de programas de gerao de emprego e renda. Na perspectiva das mes, houve melhoria na variedade da alimentao dos filhos, quando o recurso ensejou a compra de alimentos bsicos para aliviar a fome, bem como a aquisio de produtos industrializados (especialmente iogurtes, achocolatados e biscoitos), antes no possveis, porm desejados. Apreendeu-se, tambm, a raridade no uso de frutas regionais, legumes e verduras no cardpio das crianas. Essa distoro de prticas alimentares saudveis passa a ser visvel, quando se insere um recurso s famlias, sem uma apropriada orientao de profissionais que acompanham essas crianas, oferecendo um alimento hipercalrico e sem os nutrientes essenciais para um bom crescimento infantil. Desta forma, percebem-se a necessidade contnua de articulao intersetorial no contexto das polticas pblicas nutricionais de sade, bem como a atuao multidisciplinar, para promover alimentao saudvel infantil e da populao brasileira, em geral. Reverter o modelo de assistncia ainda hegemnico implica buscar uma assistncia integral, equnime, e que garanta a qualidade de vida e a autonomia dos sujeitos inseridos no processo. Palavras-chave: Sade da Criana. Programas e Polticas de Nutrio e Alimentao. Bolsa Alimentao. Nutrio Infantil e Ateno Primria Sade.

  • ABSTRACT

    The Bolsa Famlia (BFP) is a program of direct income transfer that benefits families in poverty and extreme poverty. Among its principles is to contribute to improving food and nutrition situation of the families benefited. Therefore, it was established as a goal for this study to understand how the Bolsa Famlia Program (BFP) contributes to the nutritional practices of children aged 0 to 5 years in the perception of mothers benefited, in Sobral, Cear. Exploratory-descriptive study with a qualitative approach, carried out from March to December 2010 in Sobral, CE. The study subjects consisted of 19 mothers living in urban areas and 09 mothers living in rural areas. For data collection we used the techniques of interview and focus group. Information related to interviews and focus groups were taped and later transcribed. We subject the discourse of participants to discourse analysis. The categorization of empirical data indicated as central axes of analysis: 1) Wait for the benefit, 2) What is done with the money received by BFP, 3) What ate and what eat the children of BFP 4) Factors influencing Eating habits of children benefited from the BFP, 5) How does the acquisition, selection and preparation of foods for children in benefited by the BFP, 6) Suggestions for improvement of the program cited by the mothers of BFP. It was noticed that when the mothers realized they were covered by BFP became happy to have the security of a fixed income and the ability to acquire material goods for the family, besides food. The analysis of the discursive material suggested the presence of limitations of the program, revealing a long wait for benefits, the lack of follow-up of families for guidance, support and empowerment of families in search of their autonomy and self-reliance, the value received , suggesting an increase of the resource. Still, more oversight on the insertion of eligible families and developing programs to generate employment and income. In view of the mothers there was an improvement in the variety of food to children, when offered them to buy basic food to alleviate hunger, and the acquisition of manufactured products (especially yogurt, chocolate milk and cookies), not previously possible, but desired. It was also learned, the rare use of regional fruits and vegetables on the menu for children. This distortion of healthy eating habits becomes visible when you insert a resource to families, without a proper guidance from professionals who follow these children, offering a hyper-caloric food and without the essential nutrients for good growth in children. Thus, we see the continuing need for intersectoral coordination of public policies in the context of nutritional health, and multidisciplinary approach to promotion of healthy eating of children and of the Brazilian population in general. Reversing the hegemonic model of care involves seeking for a integral health care, equitable and that ensures the quality of life and independence of the subjects included in the process. Keywords: Child Health. Programs and Policies for Nutrition and Food. Bolsa Alimentao Program. Child Nutrition and Primary Health Care

  • LISTA DE ABREVIATURAS CNAN Conselho Nacional de Alimentao e NutrioCNSA Conferncia Nacional de Segurana AlimentarCOBAL Companhia Brasileira de AlimentosCONSEA Conselho Nacional de Segurana AlimentarCRAS Centro de Referncia de Assistncia SocialDASP Departamento de Administrao do Setor PblicoFAE Fundao de Assistncia ao EstudanteFAO Organizao das Naes Unidas para Alimentao e AgriculturaIBASE Instituto Brasileiro de Anlises Sociais e EconmicosIGD ndice de Gesto DescentralizadaINAN Instituto Nacional de Alimentao e NutrioLBA Legio Brasileira de AssistnciaMDS Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate FomeOMS Organizao Mundial da SadePBF Programa Bolsa FamliaPCA Programa de Complementao AlimentarPCCE Programa de Combate s Carncias Nutricionais EspecficasPFZ Programa Fome Zero PNA- Plano Nacional de AlimentaoPGRM Programas de Garantia de Renda MnimaPNAE Programa Nacional de Alimentao EscolarPRONAN Programa Nacional de Alimentao e NutrioPNME Programa Nacional de Merenda EscolarPNIAM Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento MaternoPNS Programa de Nutrio em SadePRODEA Programa de Distribuio Emergencial de AlimentosPAT Programa de Alimentao do TrabalhadorPROCAB Projeto de Aquisio de Alimentos em reas de Baixa RendaPROAB Programa de Abastecimento de Alimentos Bsicos em reas de Baixa RendaPNLCC Programa Nacional do Leite para Crianas CarentesSAN Segurana Alimentar e NutricionalSAPS Servio de Alimentao da Previdncia SocialSENARC Secretaria Nacional de Renda de CidadaniaSISVAN Sistema Nacional de Vigilncia Alimentar e NutricionalSSAN Sistema de Segurana Alimentar e NutricionalSTAS Servio Tcnico de Alimentao SocialTCR Transferncia Condicionada de Renda

  • SUMRIO

    1 INTRODUO 13

    2 ESTADO DA ARTE 17

    2.1 Recuperao histrica dos programas nutricionais no Brasil 17

    2.2 Programa Bolsa-Famlia (PBF) 30

    2.2.1 Caracterizao do Programa Bolsa-Famlia 32

    2.3 O iderio da alimentao infantil (0 a 5 anos) 38

    2.3.1 Transio nutricional: o paradoxo das demandas nutricionais

    infantis

    45

    2.4 Prticas alimentares e subjetividade 49

    2.4.1 Estudos sobre prticas alimentares das crianas beneficiadas pelo

    PBF

    53

    3 OBJETIVOS 60

    3.1 Objetivo Geral 60

    3.2 Objetivo Especfico 60

    4 METODOLOGIA 61

    4.1 Campo do Estudo 61

    4.2 Informantes do Estudo 63

    4.3 Procedimentos e instrumentos para coleta das informaes 65

    4.4 Anlises das Informaes 70

    4.5 Aspectos legais e ticos da pesquisa 71

    5 RESULTADOS E DISCUSSO 74

    5.1 CARACTERIZAO DOS SUJEITOS DO ESTUDO 74

    5.2 TEMTICAS CENTRAIS E SUBCATEGORIAS 78

    5.2.1 A insero das mes no Programa Bolsa Famlia 79

    5.2..2 Repercusses na alimentao da criana de zero a cinco anos com

    recursos procedentes do PBF

    87

    5.2.3 Limites e possibilidades relacionadas ao PBF 104

    6 CONSIDERAES FINAIS 108

    REFERNCIAS 110

    APNDICES 125

    ANEXOS 131

  • 13

    1 INTRODUO

    Nossas experincias profissionais permitiram a aproximao com a temtica em

    estudo. Atuando no mbito da Estratgia Sade da Famlia no Municpio de Sobral, Cear, o

    vnculo com os indivduos, famlias e comunidades num dado territrio favoreceu um contato

    real, cotidiano, com essa populao, provocando uma reflexo crtica sobre as polticas sociais

    e de sade no Brasil em confronto com as necessidades de sade da populao, de forma

    especial, a Sade da Criana.

    Logo aps a graduao, no ano de 2002, cursando a Residncia Multiprofissional

    em Sade da Famlia, inserimo-nos na equipe de sade do Centro de Sade da Famlia Dr.

    Grijalba Mendes Carneiro, como enfermeira da macrorea do Sem-Terra, da periferia de

    Sobral, Cear. Tal denominao local condiz com o perfil social desta comunidade

    caracterizada pela extrema pobreza, sem moradia digna, alimentao, emprego, presena da

    criminalidade e trfego de drogas, enfim, sem condies favorveis para a sobrevivncia de

    um cidado.

    Para sempre ficar na nossa memria a primeira visita domiciliar a uma purpera

    e recm-nascido, sendo a famlia composta por dez membros, residindo num domiclio com

    dois cmodos, num ambiente escuro, sujo, sem condies hidrossanitrias satisfatrias.

    Chegava prximo ao meio-dia, quando adentramos com todo um conhecimento tcnico-

    cientfico sobre os cuidados gerais ao recm-nascido e do purprio, com objetivo de orientar

    me e famlia, porm, ao presenciarmos a situao de fome daquela famlia, com crianas

    chorando, por no terem o que comer, tal circunstncia nos inquietou, promovendo um

    sentimento de impotncia.

    Ultrapassando o crescimento profissional, tcnico, essa vivncia nos possibilitou

    tambm um desenvolvimento pessoal, uma indignao com a problemtica das desigualdades

    sociais em nosso Pas. Ao mesmo instante que nos traz uma responsabilizao, pela realidade

    atual e um desafio de contribuir para transformar as polticas sociais vigentes.

    Com efeito, sobre a assistncia sade da criana, estvamos num momento de

    implementao do Programa Bolsa Famlia (PBF), que, ao nosso ver, minimizava a situao

    de pobreza, e, de certa forma, garantia uma fonte de renda s famlias cadastradas. Assim

    sendo, no seu iderio, as crianas beneficiadas teriam acesso a uma alimentao saudvel; em

    contrapartida, seriam acompanhadas pelo servio de sade, obrigatoriamente comprometido

    com a educao.

  • 14

    Percebamos, no entanto, que os profissionais de Sade da Famlia no se

    preocupavam em conhecer quais eram as famlias beneficiadas pelo PBF existentes na sua

    rea adscrita. Consequentemente, no era trabalhadas com essa populao aes de promoo

    da alimentao saudvel. Na vivncia da Estratgia Sade da Famlia, contudo, o que temos

    acompanhado uma reduo do quadro de desnutrio, porm um aumento de obesidade

    infantil e carncias nutricionais.

    O PBF considerado iniciativa inovadora social tomada pelo Governo brasileiro,

    chegando at o presente momento, a uma cobertura de cerca de 11 milhes de famlias,

    abrangendo 46 milhes de pessoas (BRASIL, 2009). Destas famlias, grande parte

    compreende a populao de baixa renda do Pas.

    Trata-se de um programa de transferncia direta de renda, com certas

    condicionalidades, que beneficia famlias em situao de pobreza (com renda mensal por

    pessoa de at R$ 140,00) e extrema pobreza (com renda mensal por pessoa de at R$ 70,00).

    O PBF unificou quatro programas federais (Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentao, Auxlio-Gs e

    o Carto-Alimentao), no mbito da estratgia Fome Zero, que visa a assegurar o direito

    humano alimentao adequada, promovendo a segurana alimentar e nutricional,

    contribuindo para a erradicao da extrema pobreza, bem como a conquista da cidadania pela

    parcela da populao mais vulnervel fome (BRASIL, 2009).

    Maluf (2009) recupera o conceito de Segurana Alimentar e Nutricional (SAN)

    definido na II Conferncia Nacional de SAN, em Olinda- PE, no ano de 2004, ao concluir que

    o direito a alimentao adequada vinculado intersetorialidade das aes diferencia-se dos

    usos correntes da segurana alimentar utilizados por governos e organismos internacionais.

    Segurana Alimentar e Nutricional a realizao do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base prticas alimentares promotoras de sade, que respeitam a diversidade cultural e que sejam social, econmica e ambientalmente sustentveis (II CONFERNCIA NACIONAL DE SAN. OLINDA, 2004).

    A distribuio dos beneficirios do PBF pelas regies aponta que o Nordeste,

    concentra metade do total das famlias beneficiadas. Em 2004, a Regio totalizava 3,3

    milhes de famlias, o equivalente a 50,5%. Em 2007, o nmero de famlias atendidas pelo

    PBF j era de 5,6 milhes, representando 50,47%, um crescimento de 67,9% em relao ao

    ano de 2004. Em seguida, a regio Sudeste apresenta a segunda maior participao. Em

    mdia, considerando os anos de 2004 a 2007, a regio teve participao de 26,3%, enquanto

  • 15

    as demais regies (Sul, Norte e Centro-Oeste) apresentaram uma distribuio espacial mdia

    de 10,0%, 8,8% e 5,1%, respectivamente (PEQUENO, 2009)

    O Municpio de Sobral-CE, com estimativa populacional de 180.046 habitantes

    em 2009, atualmente tem 18.459 famlias beneficiadas pelo PBF (SENARC, 2009). Em

    contrapartida, as famlias beneficiadas se comprometem a cumprir as condicionalidades do

    programa nas reas de sade e educao, que so: manter as crianas e adolescentes em idade

    escolar frequentando a escola e cumprir os cuidados bsicos em sade, ou seja, o calendrio

    de vacinao, para as crianas entre zero e seis anos, e a agenda pr e ps-natal para as

    gestantes e mes em amamentao (BRASIL, 2009).

    Dentre os seus propsitos, o PBF objetiva cobrir importantes resultados: oferecer

    suporte, efetivamente, s famlias que dele necessitam e que atendam aos critrios de

    incluso; ajudar a reduzir a extrema pobreza e a desigualdade, e contribuir para a melhoria da

    situao alimentar e nutricional das famlias beneficiadas. Visa, tambm, a incentivar o

    cuidado das famlias para com seus filhos nos aspectos referentes a sade e educao. Assim

    sendo, objetiva favorecer a quebra do ciclo de transmisso intergeracional da pobreza e

    reduzi-la no futuro.

    bvio pensar, contudo, que a melhoria da renda das populaes pobres tenha

    causado impacto na questo da segurana alimentar. A Pesquisa Nacional por Amostra de

    Domiclios (PNAD), de 2004, em seu suplemento de Segurana Alimentar, identificou o fato

    de que a proporo de insegurana alimentar de natureza grave diminui progressivamente

    medida que aumentam os rendimentos mdios, mesmo em populao de baixa renda. Assim,

    a proporo de insegurana alimentar moderada ou grave, em 2004, era de 61,2% na faixa de

    rendimento de at 1/4 de salrio mnimo (SM) per capita, passando a 37,2% nas faixas de

    mais de a e de 19% na faixa de mais de a 1 SM per capita (IBGE, 2006).

    Questionamos, entretanto, se a garantia das prticas alimentares adequadas e a

    segurana alimentar esto condicionadas apenas melhoria econmica da populao. Essa

    reflexo decorre do fato de que podemos estar enfrentando a problemtica da disponibilidade

    de muitos produtos de baixo valor nutricional a preos relativamente acessveis; a influncia

    da mdia, incentivando o consumo desses produtos, dos valores simblicos e culturais da

    alimentao construdos historicamente, especialmente no grupo infantil; a dificuldade de

    muitas mes que necessitam trabalhar deixem seus filhos sob cuidados de terceiros e

    providenciam alimentos que so mais fceis e rpidos no preparo; todos esses fatores

    dificultam a promoo de uma alimentao saudvel, principalmente na ateno criana.

  • 16

    At o momento, estudos sobre prticas alimentares das crianas beneficiadas pelo

    PBF ainda so limitados. importante registrar o fato de que o estudo bibliogrfico que

    realizamos no ms de janeiro de 2010 nas fontes do The Scientific Electronic Library Online

    (SCIELO) e na Biblioteca Virtual do PBF sobre prticas alimentares das crianas e suas

    famlias beneficirias do PBF, nos ltimos sete anos, detectam poucos trabalhos na rea. No

    total, foram 11 artigos revisados.

    Vale enfatizar que apenas dois artigos (02) eram de abordagem qualitativa. No

    pretendemos negar a importncia de pesquisas que abordam os aspectos biolgicos e

    epidemiolgicos do tema em foco, ao contrrio, eles necessitam ser pesquisados

    constantemente. Restringir, porm, as discusses apenas aos aspectos mencionados limita o

    conhecimento, na medida em que as prticas alimentares so consideradas um ato social,

    imbricado por mltiplos fatores, principalmente no mundo infantil.

    Neste mbito, portanto, poucos estudos exploram as prticas alimentares das

    crianas beneficiadas pelo PBF sob o enfoque subjetivo, de forma a considerar o contexto

    social, econmico e cultural dessa populao. Em resposta a esta necessidade, propomos

    realizar uma pesquisa exploratria essencial para a sade pblica, que trar maiores dados

    para subsidiar o planejamento de intervenes no enfoque da promoo da alimentao

    saudvel criana. Assim sendo, o estudo proposto pretende responder ao seguinte

    questionamento: O que as mes compram de alimentos para seus filhos menores de cinco

    anos, desde o seu cadastramento no Programa Bolsa-Famlia? Como essas mes avaliam e

    utilizam o PBF no auxilio s suas vidas cotidianas, especialmente nas condies nutricionais

    de seus filhos?

    Acreditamos que esta investigao contribuir para o desenvolvimento de futuros

    estudos. Em um curto prazo, a pesquisa produzir informaes para propor intervenes e

    subsdios, com base em informaes coletadas, para a proposio de um estudo de grande

    escala, que poder, efetivamente, analisar a questo da insegurana alimentar e prticas

    alimentares de crianas de baixa renda entre os municpios do Cear e em outros estados do

    Brasil.

  • 17

    2 ESTADO DA ARTE

    A reviso bibliogrfica desta pesquisa fundamentou-se nos diversos campos que

    permeiam o fenmeno complexo das prticas alimentares das crianas beneficiadas pelo o

    Programa Bolsa Famlia (PBF). Primeiro, sob um enfoque poltico, buscamos uma

    recuperao histrica dos programas nutricionais no Brasil at o momento em que surge o

    Programa Fome Zero, em meados de 2000. Em outro captulo, retratamos o Programa Bolsa-

    Famlia, caracterizando e discorrendo sobre sua funcionalidade. Aps, entramos na discusso

    da alimentao infantil dentro dos aspectos biomdicos e, por fim, agregamos os aspectos

    inerentes subjetividade das prticas alimentares, visando a exibir aspectos simblicos e

    culturais deste fenmeno.

    2.1 Recuperao Histrica dos Programas Nutricionais no Brasil

    Conhecer o processo histrico-social no contexto das polticas pblicas de

    alimentao e nutrio nos auxiliar na compreenso de como o debate sobre alimentao e

    nutrio se deu ao longo de nossa histria, como tambm na interpretao dos princpios

    ideais dos programas nutricionais vigorados mais recentemente ante as necessidades da

    populao.

    At meados de 1940, no temos nenhuma interveno poltica de repercusso

    nacional inerente a alimentao e nutrio. Conforme Silva (2006), durante esta poca, a

    fome era considerada um fenmeno natural. Tal concepo se pauta em alguns aspectos:

    ausncia de grandes concentraes urbanas que demonstrassem o carter estrutural desse

    fenmeno, com a escassez de meios de comunicao e a desorganizao poltica de uma

    parcela da populao empobrecida, e o fato de o Estado e as elites optarem por esta ideia

    como a mais verdadeira, de forma a absterem-se da responsabilidade de intervir para resolver

    o problema.

    Com a urbanizao e industrializao do Pas, entretanto, a classe trabalhadora

    entrou no cenrio poltico brasileiro questionando melhores condies de vida, de forma

    paralela. As pesquisas da poca, em especial, a desenvolvida por Josu de Castro, em 1946,

    publicada no livro Geografia da Fome, A Fome no Brasil, mostraram que a origem da fome

    era consequncia da desigualdade social (ANDRADE, 1997). Desde ento, tem curso a

    expresso questo social, utilizada primeiramente por cientistas sociais.

  • 18

    Para Silva (2006), a questo social tem estreita relao com o flagelo social.

    Pode-se dizer que o flagelo social a questo social quando este deixa de ser apenas

    referente s necessidades dos indivduos e passa a se constituir em demandas trazidas pelos

    sujeitos ao quadro poltico.

    O autor acrescenta que a transformao de necessidades em demandas passa a ser

    objeto de debates, confrontos e interesses distintos entre os sujeitos, representantes do Estado

    e de outros setores da sociedade no terreno poltico. O consenso criado neste panorama se

    materializa na poltica social que, por sua vez, se expressa em uma deciso governamental.

    Fleury (1994, p.43) assevera que a poltica social ; a resultante possvel e necessria das relaes que historicamente se estabeleceram no desenvolvimento das contradies entre capital e trabalho, mediadas pela interveno do Estado, e envolvendo pelo menos trs atores principais: a burocracia estatal, a burguesia industrial e os trabalhadores urbanos.

    Assim sendo, est intrinsecamente relacionada noo de cidadania, uma vez que,

    ao propiciar a elaborao de polticas, contribui concomitantemente para sua formulao.

    Seguindo o mesmo raciocnio, Burlandy (2007, p. 2) apresenta claramente sua

    concepo de poltica ou programa social. o formato de uma dada poltica ou programa social resultante de um complexo processo de intermediao de interesses, representados sob as mais variadas formas organizacionais e com diferentes graus de poder de influncia na agenda governamental. Expressa, desse modo, uma opo poltica, construda sob certas condies materiais, a partir de embates e alianas forjados por atores sociais diversos com capacidades tambm distintas de interferncia no processo decisrio de formulao de polticas pblicas.

    Corroborando a idia de Escoda (1989), entendemos que a questo nutricional

    deve ser compreendida no mbito geral da questo sanitria da populao. Luz (1989 apud

    PINTO 2009) enfatiza que a poltica de alimentao e nutrio constitui a forma que o Estado

    utiliza para contornar a questo alimentar e nutricional. Para tanto, pode-se utilizar de planos

    de nutrio, explcitos ou no. A poltica est alm do projeto escrito, est presente na prtica

    para adotar medidas que conduzam a questo.

    De repercusso nacional, contudo, e de forma concreta, tivemos uma interveno

    poltica de impacto na alimentao e nutrio no Brasil somente a partir do Governo Vargas.

    Embora Uchimura e Bosi (2003), em seus estudos, relatem que a interveno do Poder

    Pblico no setor da alimentao no Brasil, surgiu em meados de 1918, com a criao do

    Comissariado de Alimentao Pblica, rgo com a finalidade de controlar os estoques e

    tabelar os preos dos gneros alimentcios, Vasconcelos (2005) aponta que as aes

  • 19

    especficas de poltica social de alimentao e nutrio foram implementadas somente ao

    longo do Governo de Vargas.

    A primeira interveno poltica de alimentao e nutrio surgiu na dcada de

    1940, com a definio de um salrio mnimo. Anunciado pelo presidente Getlio Vargas, em

    1 de maio de 1940, o piso salarial passou a ser um direito de todo trabalhador, sendo este

    definido, sobretudo, com base no critrio da alimentao, que considerava as necessidades

    nutritivas dos trabalhadores de acordo com as diferenas regionais do Pas e cujo custo

    deveria corresponder entre 50% e 60% do salrio mnimo (SILVA, 2006).

    Ainda na dcada de 1940, Getlio Vargas criou o Servio de Alimentao da

    Previdncia Social (SAPS), que era administrado pelo Departamento de Administrao do

    Setor Pblico (DASP). O SAPS tinha como principais atribuies atender os segurados da

    previdncia social; selecionar produtos e baratear preos; educar em uma perspectiva de

    solucionar os problemas de ordem alimentar e nutricional; promover a instalao e

    funcionamento de restaurantes e fornecer alimentos bsicos. O SAPS implantou uma grande

    rede de restaurantes destinada aos trabalhadores (SILVA, 2006).

    Percebemos, ento, que as intervenes eram direcionadas aos trabalhadores

    formais, sendo um modelo excludente, pois no beneficiavam os outros cidados que no

    tinham renda ou trabalhadores informais. Para Silva (2006) mesmo caracterizando uma

    poltica pblica calcada em uma concepo regulada da cidadania o SAPS ampliou alguns

    benefcios para toda a populao, uma vez que intervinha no mercado de alimentos, utilizando

    postos mveis nas feiras livres, onde eram oferecidos produtos a preos inferiores aos do

    mercado.

    Ressaltamos que o SAPS realizou pesquisas que comprovaram o deficit nutricional

    de uma parcela significativa dos filhos dos trabalhadores e ficou na contingncia de elaborar

    projetos nas reas de emprego, formao de mo de obra e alfabetizao de adultos. Isto

    aconteceu em virtude da situao de um desafio (a fome) que cobrava polticas pblicas e

    mudanas estruturais no Pas.

    Em 1943, foi criado o Servio Tcnico de Alimentao Social (STAS), que tinha

    como objetivo propor medidas para a melhoria alimentar e, logo em seguida, no ano de 1945,

    criada a Comisso Nacional de Alimentao (CNA), que tinha como misso propor uma

    poltica nacional de nutrio.

    A CNA, a priori, era vinculada rea econmica, como rgo do Conselho

    Federal de Comrcio Exterior, e passou a ser regulamentada e transferida, no ano de 1951,

    para o Ministrio da Sade. Neste perodo, seguindo orientaes da Organizao para a

  • 20

    Agricultura e Alimentao das Naes Unidas e da Organizao Mundial da Sade (OMS),

    elaborou, em 1953, o Plano Nacional de Alimentao (PNA), que, segundo Burlandy (2003),

    foi marcado por aes de suplementao alimentar para grupos biologicamente vulnerveis

    (SILVA, 2006).

    No ano de 1955, foi institucionalizado o Programa Nacional de Merenda Escolar

    (PNME), que teve seu marco inicial no Decreto n 37.106, instituindo a Campanha de

    Merenda Escolar, subordinada ao Ministrio da Educao.

    O PNME passa por mudanas de nome, de vinculao institucional e de

    estratgias, mas manteve seu foco na suplementao alimentar aos escolares de escolas

    pblicas ou filantrpicas conveniadas. O Programa justifica-se pela oportunidade de garantir

    aos escolares acesso a uma melhor alimentao, de forma permanente e, assim, contribuir

    para o melhor desempenho escolar e para reduzir evaso. Dessa forma, pode-se considerar

    que o PNAE atua na promoo da segurana alimentar para esse grupo social prioritrio

    (SANTOS et al., 2007).

    Tais polticas discutidas at o momento remontam ao perodo de 1940 a 1970.

    Corroborando Burlandy (2003), as polticas desta poca caracterizaram-se por serem

    verticais e centralizadas, por terem uma forte perspectiva desenvolvimentista e por

    associarem o flagelo social (fome e desnutrio) ao subdesenvolvimento. Quase todas essas

    polticas foram extintas, com exceo da merenda escolar, que vigora at hoje.

    Com o fato marcante da ditadura militar em nosso pas, alm da extino de

    algumas polticas, percebeu-se uma ruptura da discusso da fome como produto da

    desigualdade social. Assim sendo, substituiu-se essa discusso pelo conceito nutricional,

    incorporando o problema como se fosse exclusivamente de ordem biolgica.

    Em 1972, contudo, apareceu o Instituto Nacional de Alimentao e Nutrio

    (INAN), este rgo, vinculado ao Ministrio da Sade, que passou a ser o centralizador da

    poltica alimentar por meio dos vrios programas nacionais de nutrio. O primeiro deles foi

    o Programa Nacional de Alimentao e Nutrio (PRONAN I), que era composto de vrios

    subprogramas, tendo como objetivos prioritrios a assistncia alimentar aos grupos

    vulnerveis e a promoo de programas de educao nutricional, no entanto no chegou a ser

    operacionalizado (LIMA; OLIVEIRA; GOMES, 2003).

    No decorrer dos anos seguintes, as polticas e programas passaram a enfatizar a

    assistncia alimentar e nutricional ao grupo materno-infantil e aos escolares, destacou o

    Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno PNIAM; o Programa Nacional de

  • 21

    Alimentao Escolar PNAE e o Programa de Combate s Carncias Nutricionais

    Especficas PCCE (SILVA, 1995; LEO; CASTRO, 2007)

    Em 1976, foi criado o II Programa Nacional de Alimentao e Nutrio

    (PRONAN II), caracterizado por uma estrutura dirigida aos grupos mais carentes, urbanos e

    rurais. Conforme Uchimura e Bosi (2003), o PRONAN II se manteve at 1985, atuando em

    trs vertentes - suplementao alimentar a diversos grupos da populao; racionalizao do

    sistema de produo de alimentos, com nfase no estmulo ao pequeno produtor, e combate

    s carncias nutricionais apoiado, em medidas de natureza tcnica e tecnolgica.

    Na vertente de suplementao alimentar, incluam-se programas como o de

    Nutrio em Sade (PNS), que distribua alimentos in natura, cobrindo 45% das necessidades

    nutricionais dirias de crianas, gestantes e nutrizes. Ainda o Programa de Complementao

    Alimentar (PCA), sob a coordenao da Legio Brasileira de Assistncia (LBA), do

    Ministrio da Previdncia, que atendia com alimentos formulados a sua rede assistencial. O

    Programa Nacional de Alimentao Escolar (PNAE) que funcionava desde 1954, sob a

    coordenao da Campanha Nacional de Alimentao Escolar (CNAE) e, posteriormente, da

    Fundao de Assistncia ao Estudante (FAE), do Ministrio da Educao e Cultura, provendo

    merenda para escolares de sete a 14 anos de idade, e o Programa de Alimentao do

    Trabalhador (PAT), criado em 1977, sob a coordenao do Ministrio do Trabalho, que,

    mediante incentivo fiscal, possibilitava s empresas fornecer refeies aos trabalhadores

    (ARRUDA; ARRUDA, 2007).

    Na vertente de racionalizao da produo de alimentos, Uchimura e Bosi (2003)

    sublinham dois programas - o Projeto de Aquisio de Alimentos em reas de Baixa Renda

    (PROCAB) e o Programa de Abastecimento de Alimentos Bsicos em reas de Baixa Renda

    (PROAB).

    O PROCAB adquiria os alimentos bsicos diretamente do produtor, por

    intermdio da Companhia Brasileira de Alimentos (COBAL), do Ministrio da Agricultura,

    para programas do PRONAN, e o PROAB abastecia os pequenos varejistas de reas carentes,

    com alimentos bsicos e preos reduzidos.

    Pinheiro (2008, p.4) faz uma anlise crtica das estratgias executadas pelo INAN

    e acentua que as contradies existentes nas polticas pblicas atuais j eram percebidas nesta

    poca. [...] o INAN tinha como finalidade principal propor e coordenar uma poltica nacional de alimentao, alm de elaborar e propor o Programa Nacional de Alimentao e Nutrio e funcionar como um rgo central de articulao das aes de alimentao e nutrio. No entanto, nesta poca, uma situao paradoxal j sinalizava uma contradio permanente no contexto das polticas pblicas de

  • 22

    Estado: a tentativa de conciliar um conjunto de aes e projetos que visem defender e organizar o acmulo de capital (interesses econmicos) versus uma proposta de polticas de alimentao e nutrio que visem garantia da sade e bem-estar social da populao (interesses sociais). Se, por um lado, havia uma perspectiva interdisciplinar e articuladora do tema, atravs da proposta do PRONAN II (com integrao dos componentes relacionados produo e ao consumo alimentar), por outro lado, houve um claro investimento em polticas econmicas e agrcolas que privilegiaram a concentrao de renda e terras, alm da no liberao de recursos financeiros para consolidao da proposta do PRONAN II. A escassez de recursos destinados implantao do PRONAN demonstrava uma ntida falta de interesse do tema na agenda poltica brasileira.

    Observamos, contudo, no final da dcada de 1980, uma ausncia de priorizao

    dos programas de abastecimento popular de alimentao. Durante o perodo de 1984-1988,

    perodo da Nova Repblica, algumas polticas de alimentao e nutrio permaneceram, as

    quais foram o PROAB, PAT, PNS, que passou a ser chamado de Programa de Suplementao

    Alimentar e o PNAE.

    Em relao s novas polticas, destaca-se o Programa Nacional do Leite para

    Crianas Carentes (PNLCC). Criado em 1986, visava distribuio de um litro de leite por

    dia para famlias com renda mensal de at dois salrios-mnimos com crianas de at sete

    anos de idade. Conhecido como o tquete do Sarney, por sua vinculao direta Presidncia

    da Repblica, por intermdio da Secretaria Especial de Ao Comunitria, este programa foi

    muito criticado na poca em virtude de problemas na sua implementao, tais como a

    transformao do cupom em moeda corrente e a competio com as clientelas de outros

    programas (COHN,1995).

    No incio da Nova Repblica, por volta de 1985, no podemos deixar de destacar o

    fato de que a segurana alimentar apareceu pela primeira vez como referncia de uma

    proposta de poltica contra a fome. O documento intitulado Segurana Alimentar proposta

    de uma poltica contra a fome, teve poucas consequncias prticas, porm j continha as

    bases das principais proposies que surgiriam depois: encontram-se nele as diretrizes de uma

    poltica nacional de segurana alimentar, bem como a proposta de instituir um Conselho

    Nacional de Segurana Alimentar (CONSEA). O documento propunha como objetivos

    atender as necessidades alimentares da populao e atingir a autossuficincia produtiva

    nacional na produo de alimentos (MALUF, 2009)

    Em 1987, toda efervescncia pela luta da democratizao das polticas sociais foi

    canalizada para os trabalhos da Assembleia Constituinte. O estabelecimento de uma ordem

    institucional democrtica supunha um (re) ordenamento das polticas sociais que respondesse

    s demandas da sociedade por maior incluso social e equidade. Projetada para o sistema de

    polticas sociais como um todo, tal demanda por incluso e reduo das desigualdades

  • 23

    adquiriu conotaes de afirmao dos direitos sociais como parte da cidadania, j que o

    sistema anterior de proteo social combinava incluso estratificada de poucas pessoas e

    excluso da maioria da populao (FLEURY, 2007).

    Na ptica dos direitos sociais compreendidos como exigncias elementares de

    proteo s classes ou grupos sociais mais necessitados, a saber - sade, educao, trabalho -

    o direito a alimentao assumiu um eixo elementar, bsico. Corroboramos o pensamento de

    Yasbec (2004) para quem no h dvidas de que o direito humano segurana alimentar e

    nutricional se localiza no conjunto dos mnimos sociais, a que tm direito todos os cidados

    do Pas. Na definio dos mnimos sociais, o que est em questo o estabelecimento de um

    padro bsico de incluso social que contenha a ideia de dignidade e cidadania (SPOSATI,

    1997 apud YASBEC, 2004).

    Explorando os momentos relevantes de definies de conceitos, deliberaes e

    intervenes nesse campo, cabe relembrar: a) a VIII Conferncia Nacional de Sade, em

    1986, em Braslia, cujas recomendaes conduziram aprovao da Lei Orgnica da Sade

    (Lei n 8080/90), criando o Sistema nico de Sade e privilegiando a estruturao de

    comisses permanentes, entre as quais a Comisso Intersetorial de Alimentao e Nutrio do

    Conselho Nacional de Sade; b) a I Conferncia Nacional de Alimentao e Nutrio, em

    Braslia, como desdobramento da VIII Conferncia Nacional de Sade, que props a criao

    de um Conselho Nacional de Alimentao e Nutrio (CNAN) que formulasse a Poltica

    Nacional de Alimentao e Nutrio a ser adotada, oficialmente, em 1999. Ressaltamos,

    ainda, que a Conferncia sugeriu a instituio de um Sistema de Segurana Alimentar e

    Nutricional (SSAN) ligado ao Ministrio do Planejamento, proposta que veio a ser retomada,

    em 2004, pela II Conferncia de Segurana de Alimentao e Nutrio e pelo CONSEA.

    Nessas proposies, restou clara a ampliao do conceito de segurana alimentar com a

    incorporao do adjetivo nutricional noo de segurana alimentar.

    Houve um debate infindvel sobre os limites e outros significados dos termos

    alimentao e nutrio ou da interseo que justificaria num s conjunto as seguranas

    alimentar e nutricional. Nessa discusso, enfatizamos a argumentao de Batista Filho (2003),

    ao defender a inteligncia do emprego unificado de ambos na forma da expresso segurana

    alimentar/nutricional, haja visto o reconhecimento de que so processos necessariamente

    simultneos, pois, com a segurana alimentar, o objetivo alcanar um estado nutricional

    adequado.

    Na dcada de 1990, acrescentam-se importantes aes de mobilizao social e

    articulao institucional, impulsionadas por movimentos sociais de luta por tica na poltica e

  • 24

    pela urgncia na superao da pobreza e da fome aguda, at como pressuposto de

    desenvolvimento equilibrado da economia. Nesse panorama, destaca-se a Ao da Cidadania

    contra a Fome, a Misria e pela Vida, onde desempenhou papel de relevo o socilogo Herbert

    de Souza (ARRUDA; ARRUDA, 2007; BURLANDY, 2009). Dentre os resultados dessa

    mobilizao, verificam-se: a) a confeco do Mapa da Fome; b) a elaborao do Plano de

    Combate Fome e Misria, e a criao do Conselho Nacional de Segurana Alimentar

    (CONSEA) em maio de 1993; e c) a realizao, em Braslia, em julho de 1994, da I

    Conferncia Nacional de Segurana Alimentar, que induziu um processo de mobilizao

    nacional em torno da questo alimentar e da dimenso do problema da fome no Pas.

    Aponta-se como fator fundamental para o desenvolvimento dessas aes a

    aceitao das propostas h pouco mencionadas pelo ento presidente Itamar Franco. A matriz

    da proposta de segurana alimentar e nutricional de seu governo era semelhante do

    documento de 1985, acrescida das contribuies oriundas do campo da sade e nutrio e

    ampliando o escopo da poltica de segurana alimentar. Entendia a segurana alimentar como

    um objetivo estratgico de governo que nuclearia as polticas de produo agroalimentar,

    comercializao, distribuio e consumo de alimentos, incorporando a perspectiva de

    descentralizao e diferenciao regional. Fariam parte, ainda, as aes governamentais de

    controle da qualidade dos alimentos e estmulo a prticas alimentares saudveis, bem como

    um conjunto de outras medidas no campo da sade e da vigilncia (MALUF, 2009)

    Conforme Pinheiro (2008), a partir da dcada de 1990, a rea de alimentao e

    nutrio, no mbito do setor sade, assumiu a responsabilidade de avanar para o alcance da

    segurana alimentar e nutricional e, assim como o setor da assistncia social, sempre

    permaneceu margem das polticas pblicas sociais que, sem suporte oramentrio e

    financeiro adequados, carentes de recursos humanos suficientes, apresentavam aes

    contingentes e pulverizadas pelos escassos recursos e falta de transparncia.

    De modo geral, os resultados das aes implementadas pelo CONSEA so

    consideradas pouco significativas, o que pode ser atribudo ao seu curto perodo de

    existncia, cerca de dois anos. Talvez a sua mais significativa realizao tenha sido a

    promoo da I Conferncia Nacional de Segurana Alimentar (CNSA), em 1994. O relatrio

    final da Conferncia compunha-se de um documento poltico em busca de estabelecer uma

    Poltica Nacional de Segurana Alimentar. Em 1995, com a mudana do governo, o

    CONSEA foi extinto (PESSANHA, 2002 apud LEITE; ARRAES, 2006).

    Pinheiro (2008), em seus estudos, exprime que o CONSEA foi extinto e a

    estratgia de fortalecimento da via econmica (ajuste estrutural) foi adotada em detrimento

  • 25

    da formao de uma Poltica Nacional de Segurana Alimentar e Nutricional (SAN), que saiu

    da agenda poltica. Se a perspectiva de controle inflacionrio atuou como um aspecto

    positivo, em termos de acesso ao alimento e poder de consumo da populao, por outro lado,

    o enfraquecimento das relaes polticas com setores da sociedade civil (principalmente o

    movimento da Ao da Cidadania que liderava o debate da Poltica de SAN) foi negativo,

    pois desarticulou o apoio dos movimentos sociais.

    Tambm no ano de 1995, durante o primeiro mandato de Fernando Henrique

    Cardoso, foi consolidada a estratgia Comunidade Solidria como um plano de ao de

    combate pobreza e desigualdade. Dentre as suas atribuies, a mais complexa foi a de

    coordenar a execuo do Programa de Distribuio Emergencial de Alimentos (PRODEA),

    que teve incio em 1993.

    Para Pessanha (2002), a estratgia do Programa Comunidade Solidria refletiu a

    tendncia geral mais recente da focalizao e descentralizao da assistncia social, j que o

    Programa direcionou suas polticas para os segmentos sociais mais empobrecidos. Tal

    interveno, porm, no rompeu efetivamente com os velhos problemas inerentes

    implementao de polticas sociais. Valente (1997) acrescenta que, durante os seus oito anos

    de existncia, a Comunidade Solidria se limitou a discutir formas de incorporar o setor

    privado, com e sem fins lucrativos, na elaborao e implementao, incluindo financiamento,

    de projetos que colaborassem com aes estatais, ou mesmo substitussem o Poder Pblico

    em papis tradicionalmente vistos como obrigao do Estado, tais como alfabetizao,

    promoo da educao infantil etc.

    Embora saibamos deste histrico, um aspecto positivo foi o apoio da Comunidade

    Solidria aos planos de interlocuo que integraram a trajetria do enfoque da Segurana

    Alimentar e Nutricional. O documento brasileiro Cpula Mundial props uma nova e

    ampliada definio de segurana alimentar: Segurana alimentar significa garantir, a todos, condies de acesso a alimentos bsicos de qualidade, em quantidade suficiente, de modo permanente e sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, com base em prticas alimentares saudveis, contribuindo, assim para uma existncia digna, em um contexto de desenvolvimento integral da pessoa humana (II CPULA MUNDIAL DA ALIMENTAO, 2002).

    Essa definio foi o ponto de partida para aquela que veio a ser aprovada na II

    Conferncia Nacional de Segurana Alimentar e Nutricional (2004) e adotada pelo CONSEA

    (MALUF, 2009).

    O segundo mandato rompeu com qualquer perspectiva de debate de uma proposta

    de segurana alimentar no contexto do Governo Federal. A discusso sobre o tema ficou

  • 26

    restrita a debates internos relacionados a diferentes polticas setoriais e perdeu qualquer tipo

    de ressonncia na elaborao de iniciativas mais amplas (VALENTE, 1997).

    Com efeito, em 1998, teve incio a formulao da Poltica Nacional de

    Alimentao e Nutrio e, em 1999, aps discusso com a sociedade, foi aprovada, pelo

    Conselho Nacional de Sade, a Poltica Nacional de Alimentao e Nutrio (PINHEIRO,

    2008).

    A Poltica Nacional de Alimentao e Nutrio (PNAN) tem como propsito a

    garantia da qualidade dos alimentos colocados para consumo no Pas, a promoo de prticas

    alimentares saudveis e a preveno e o controle dos distrbios nutricionais, bem como o

    estmulo s aes intersetoriais que propiciem o acesso universal aos alimentos. Sete so as

    diretrizes programticas desta Poltica, que tem como leitmotiv o Direito Humano

    Alimentao e Segurana Alimentar e Nutricional (BRASIL, 2005).

    1 Estmulo a aes intersetoriais com vistas ao acesso universal aos alimentos.

    2 Garantia da segurana e qualidade dos alimentos.

    3 Monitoramento da situao alimentar e nutricional.

    4 Promoo de prticas alimentares e estilos de vida saudveis.

    5 Preveno e controle dos distrbios e doenas nutricionais.

    6 Promoo do desenvolvimento de linhas de investigao.

    7 Desenvolvimento e capacitao de recursos humanos em sade e

    nutrio

    Na contextura das aes propostas pela PNAN, a perspectiva de formulao de um

    Sistema Nacional de Vigilncia Alimentar e Nutricional (SISVAN), que articulasse o registro

    sistemtico de dados relativos tanto produo quanto ao consumo alimentar, foi o ponto

    central do debate na agenda poltica da Segurana Alimentar e Nutricional (PINHEIRO,

    2008).

    O SISVAN foi proposto como um instrumento que subsidia o conhecimento da

    situao alimentar e nutricional de uma populao, contribuindo para a segurana alimentar.

    Ele consiste num sistema de coleta, processamento e anlise contnua de dados, possibilitando

    um diagnstico atualizado da situao nutricional e de suas tendncias temporais. Contribui

    para que se conheam a natureza e magnitude dos problemas de nutrio, caracterizando

    grupos sociais de risco e dando elementos para a formulao de polticas, estabelecimento de

    programas e intervenes.

  • 27

    Pesquisa de Monteiro e Conde (2000), realizada em So Paulo, demonstrou que a

    alterao da estrutura socioeconmica da populao acompanhada da melhoria dos

    indicadores de desnutrio, conforme dados obtidos nas dcadas de 1980 e 1990. Apesar

    disso, a insuficincia alimentar ainda preocupante, e mostra forte associao intensacom

    renda e escolaridade (MARINS; ALMEIDA, 2002). Em So Paulo, a renda familiar dobrou

    entre os anos de 1980 e 1990, o nmero de famlias com baixo poder aquisitivo caiu 50% e a

    escolaridade materna cresceu em 1,5 ano. A traduo dos indicadores nutricionais e de sade,

    contudo, em um pas com dimenses territoriais to grandes e diversidades regionais deveras

    marcantes, encobre realidades locais que apresentam particularidades, com ilhas de riqueza e

    a continuidade de situaes de risco em bolses de pobreza, observando-se claramente a

    interferncia do fator renda quando os dados so desagregados (DOMENE, 2003).

    Na dcada de 2000, no clima de aprofundamento da crise econmica, mudanas

    significativas inauguram programas sociais, em um movimento que se inicia timidamente no

    Governo Fernando Henrique Cardoso, e no Governo Lula se expande, mas, ao mesmo tempo,

    redireciona alguns processos anteriores (VAITSMAN et al., 2009).

    Em 2001, o Instituto Cidadania apresentou o Projeto Fome Zero como proposta

    de uma poltica nacional participativa de segurana alimentar e combate fome (BELIK;

    SILVA; TAKAGI, 2001). Ento, as dimenses da segurana alimentar mais valorizadas so,

    naturalmente, a erradicao da fome e o enfrentamento da desnutrio, tendo como elemento

    principal programas de transferncias de renda e aes que promovam ou favoream o acesso

    aos alimentos pelos segmentos mais pobres da populao (MALUF, 2009).

    A seguir, na eleio presidencial de 2002, essa iniciativa passou a fazer parte do

    conjunto de propostas do vitorioso candidato Lus Incio Lula da Silva, que, logo aps a

    confirmao da vitria eleitoral, declarou que, ao fim de quatro anos de governo, asseguraria

    trs refeies dirias a cada brasileiro. Tal fato representou a culminncia de sua misso

    histrica (BETTO, 2003).

    De acordo com Batista Filho (2003), o campo de proposies do Projeto Fome

    Zero constitui referncia capaz de mudar o curso da histria poltica, econmica e social do

    Brasil, com novas diretrizes ticas voltadas correo das distores estruturais da sociedade

    brasileira. Em consonncia, a Organizao das Naes Unidas para Alimentao e

    Agricultura (FAO) considerou que a iniciativa do agora Programa Fome Zero (PFZ) de

    complementar um conjunto de aes compensatrias, com outras de gerao de renda,

    configura um acerto estratgico digno de ser replicado noutros pases (TUBINO, 2007).

  • 28

    Por outra vertente, Francisco de Oliveira, um dos fundadores do Partido dos

    Trabalhadores (PT), sustenta que programas como Fome Zero so instrumentos de

    "funcionalizao da misria", isto , tornaram a misria suportvel e funcional. Aquele

    referenciado socilogo entende que tais iniciativas constituem um tipo de "ajuda

    humanitria" para garantir a sobrevivncia dos mais pobres sem alterar a condio social

    destes. Em outras palavras, esses programas no alteraram a estrutura de distribuio de

    riquezas no Brasil. Nesse sentido, fragiliza-se o carter inovador e emancipatrio

    eventualmente sustentado pelos defensores das polticas compensatrias (FIUZZA, 2004).

    Portanto, compreendemos que o desafio maior do PFZ est relacionado s

    mediaes polticas entre o mundo social e o universo pblico dos direitos e da cidadania.

    Essas mediaes, a serem construdas e reinventadas, circunscrevem um campo de conflito

    que tambm de disputa pelos sentidos de modernidade, cidadania e democracia (YASBEC,

    2004).

    A implantao do PFZ, a criao do Conselho Nacional de Segurana Alimentar e

    Nutricional (CONSEA) e de um rgo executivo e articulador o Ministrio Extraordinrio

    de Segurana Alimentar e Combate Fome - ambos vinculados Presidncia da Repblica,

    j no primeiro ato legislativo do governo ento recm-empossado, explicitam claramente que

    a segurana alimentar e nutricional retomou um espao perdido ao longo da ltima dcada

    (GRAZIANO DA SILVA; TAKAGI, 2004)

    Graziano da Silva e Takagi (2004) comentam sobre a concepo que norteou o

    PFZ. Um primeiro aspecto que os autores ressaltam a importncia de estabelecer a

    diferena entre insegurana alimentar e fome. O conceito de segurana alimentar envolve

    pelo menos quatro dimenses: 1 a primeira a dimenso da quantidade. necessrio um

    consumo mnimo de calorias, protenas e vitaminas para uma vida ativa e saudvel. 2 a

    segunda a dimenso da qualidade. A populao deve ter acesso a alimentos nutritivos. 3 a

    terceira de regularidade: comer pelo menos trs vezes por dia. tomar caf da manh,

    almoar e jantar todos os dias. 4 a quarta a da dignidade. Uma pessoa que se alimenta de

    restos de restaurantes ou de lixes no possui segurana alimentar, embora possa at no se

    enquadrar na categoria de subnutridos pelo critrio biolgico.

    Concordamos com Maluf (2009), porm, na idia de que esto em curso, desde

    2003, as discusses sobre as vrias dimenses da SAN, que perpassa trs vias: a primeira

    corresponde s iniciativas dos CONSEAs de transformar as diretrizes aprovadas nas

    Conferncias de SAN. A segunda, em dilogo com a anterior, refere-se evoluo do PFZ e

  • 29

    dos vrios programas na rea dos alimentos e da alimentao. A terceira via congrega

    mltiplas iniciativas na rea alimentar e nutricional, oriundas das organizaes da sociedade

    civil, dos movimentos e redes sociais. Destaca-se, ainda, o recente crescimento de pesquisas

    acadmicas e levantamentos estatstico sobre SAN.

    Para Burlandy (2007), a SAN considerada, no Brasil, como um direito humano,

    um bem pblico que se realiza por intermdio de polticas universais, garantido na Lei

    Orgnica de Segurana Alimentar e Nutricional aprovada em 2006. A abordagem do Direito

    Humano Alimentao Adequada (DHAA) considera que no basta garantir a SAN se os

    processos pelos quais as aes so implementadas se pautam em relaes clientelistas se

    baseiam em troca de favores ou no respeitam os valores culturais dos grupos atendidos.

    Respaldado pela Lei Orgnica da Segurana Alimentar (2006), Maluf (2009) aponta como

    diretrizes gerais de uma Poltica Nacional de SAN:

    - Adotar a tica da promoo do direito humano alimentao adequada e

    saudvel, colocando a SAN como objetivo estratgico e permanente associado

    soberania alimentar;

    - assegurar o acesso universal e permanente a alimentos de qualidade,

    prioritariamente, atravs de gerao de trabalho e renda, regulando as condies

    em que os alimentos so disponibilizados populao e contemplando aes

    educativas em SAN;

    - promover a produo rural e urbana e a comercializao de alimentos realizados

    em bases socialmente equitativas, ambientalmente sustentveis e culturalmente

    adequadas, com nfase na agricultura familiar;

    - buscar a transversalidade das aes atravs de planos articulados

    intersetorialmente e com a participao social equitativa, e apoiar as iniciativas

    no governamentais;

    - respeitar a equidade de gnero e tica, reconhecendo a diversidade e valorizando

    as culturas alimentares e

    - reconhecer a gua como alimento essencial e patrimnio pblico.

    Em anlise sobre as bases de sustentao da poltica social brasileira, contudo,

    Nri (2004) destaca trs pontos. O primeiro o PFZ. O autor aponta como uma qualidade

    desse programa a capacidade de mobilizar a sociedade, porm, mais do que operacionais, seus

    problemas foram de concepes. Buscou-se um combate literal fome, cerceando a liberdade

    do pobre de escolher o que podia ou no consumir. A tentativa era aumentar a produo

    agrcola e a capacidade de gerao de renda local. A segunda, o Programa Bolsa-Famlia,

  • 30

    (PBF), que uma funo do Estado, para a qual ele insubstituvel, busca uma racionalidade

    de aplicao dos recursos, procura atender a uma constatao de que no se gasta pouco na

    rea social. O Brasil despende 21% do Produto Interno Bruto (PIB) no social. Nenhum pas

    da Amrica Latina gasta mais do que o nosso, s que gastamos mal, historicamente, esses

    recursos, o que acontece at hoje, porque herdamos muitos desafios do passado e no

    transformveis em pouco tempo. O terceiro, constitudo por aes metropolitanas, e a est

    faltando uma poltica integrada na linha do Programa Bolsa Famlia. Ela exige efetiva

    coordenao dos vrios nveis de governo com a sociedade civil.

    Sobre o Programa Bolsa-Famlia (PBF), apresentaremos o levantamento das

    discusses sobre esta interveno, no campo da alimentao e nutrio, no captulo a seguir.

    Pelo fato de o objeto em estudo ter como pano de fundo tal programa, coerente explorarmos

    ao mximo os contedos disponibilizados na literatura.

    2.2 Programa Bolsa-Famlia (PBF)

    Aps analisar a trajetria das polticas sociais brasileiras, sob enfoque da

    alimentao e nutrio, constatamos que o Programa Bolsa Famlia resulta das iniciativas dos

    programas de transferncia de renda do Brasil.

    As recentes transformaes operacionalizadas no interior das economias mundiais,

    com o crescimento do desemprego e a apario de novas formas e/ou agudizao da pobreza,

    associados chamada crise do Welfare State1, trazem tona o debate acerca dos limites dos

    tradicionais programas sociais em responder s crescentes demandas sociais, impondo, assim,

    novos dilemas para a interveno pblica (SENA et al., 2007).

    Nesse mbito, de acordo com Burlandy (2007), no Brasil, houve uma opo

    evidente de investimento do Governo Federal na Transferncia Condicionada de Renda

    (TCR), complementando ou substituindo outros tipos de intervenes, como a distribuio de

    alimentos e os programas de cupom-alimentao (implementados em alguns estados do Pas).

    1 Utiliza-se uma definio bastante ampla de Welfare State, que entendido como a mobilizao em larga escala do aparelho do Estado em uma sociedade capitalista, a fim de executar medidas orientadas diretamente ao bem-estar de sua populao. No Brasil, a expresso conhecida como Estado de Bem-Estar Social. De acordo com seus princpios todo o indivduo teria o direito, desde seu nascimento at sua morte, a um conjunto de bens e servios que devem ter seu fornecimento garantido, seja diretamente pelo Estado ou indiretamente, mediante seu poder de regulamentao sobre a sociedade civil. Esses direitos incluem a educao em todos os nveis, a assistncia mdica gratuita, o auxlio ao desempregado, a garantia de uma renda mnima, recursos adicionais para a criao dos filhos etc (MEDEIROS, 2001).

  • 31

    Desde 2001, as aes de distribuio de alimentos para gestantes, nutrizes e

    crianas em risco nutricional foram progressivamente substitudas pela TCR, num crescendo

    de expanso de cobertura.

    Silva (2006) aponta cinco momentos relevantes na constituio histrica da

    poltica de transferncia de renda. O primeiro, no ano de 1991, marcado pelo incio de um

    debate que se ampliou nos anos subseqentes. O segundo, ainda em 1991, com a introduo

    da ideia de articulao da garantia de uma renda mnima familiar com a educao. ento

    proposta uma transferncia monetria equivalente a um salrio mnimo a toda famlia que

    mantivesse seus filhos ou dependentes de sete a 14 anos de idade frequentando regularmente a

    escola pblica. Portanto, era o vnculo com a escola pblica que garantia a focalizao dos

    programas de renda mnima nas famlias pobres, pela dificuldade de comprovao de renda

    entre estas. O terceiro momento ocorreu em meados de 1995, com iniciativas municipais em

    Campinas, em Ribeiro Preto e em Santos (So Paulo), e em Braslia (Distrito Federal). Trata-

    se de experincias bastante diversas no que se refere a critrios de seleo, valor do benefcio

    e formas de operao, entre outros, compartilhando uma grande riqueza em termos de

    inovaes institucionais (DRAIBE, 2006). Em 2001, penltimo ano do governo do presidente

    Fernando Henrique Cardoso, marcando o quarto momento, com a criao de programas, com

    destaque a Bolsa-Escola e a Bolsa-Alimentao. Esses programas foram implementados de

    modo descentralizado e alcanaram a maioria dos 5.561 municpios brasileiros, assumindo

    uma abrangncia geogrfica significativa e passando a ser considerados, no discurso do ento

    Presidente da Repblica, o eixo central de uma grande rede nacional de proteo social. O

    ano de 2003 foi o incio do quinto momento quando criado o Programa Bolsa-Famlia com a

    misso de unificar os programas nacionais de transferncia de renda.

    Algumas avaliaes a respeito dos programas brasileiros de garantia de renda

    mnima (PGRM) apontam a vantagem da transferncia monetria direta na diminuio dos

    custos administrativos do programa e na reduo da incidncia de fraudes e desvios de

    recursos, alm de permitir a liberdade de escolha dos produtos por parte dos beneficirios,

    quando comparada clssica modalidade de distribuio do benefcio in natura (LAVINAS,

    2004). Ao mesmo tempo, os PGRMs tm como proposta promover a articulao com outras

    polticas e programas sociais, criando a possibilidade de, em tese, romper com a fragmentao

    tpica das polticas sociais brasileiras e facilitar a adoo de aes intersetoriais (SENA et al.,

    2007).

  • 32

    2.2.1 Caracterizao do Programa Bolsa-Famlia (PBF)

    A Medida Provisria n132, logo depois convertida na Lei n 10.836, de 2004,

    criou o Programa Bolsa-Famlia (PBF) que tem por finalidade a unificao dos procedimentos

    da gesto e execuo das aes de transferncia de renda em implementao no Pas

    (BRASIL, 2009).

    O PBF est vinculado ao Ministrio de Desenvolvimento Social e Combate

    Fome, mais especificamente Secretaria Nacional de Renda de Cidadania (SENARC), e

    constitui uma das prioridades do Governo Federal para a rea social.

    O objetivo proteger o grupo familiar e contribuir para o seu desenvolvimento,

    alm de assegurar o direito alimentao e preservar vnculos e valores familiares. O PBF

    tem ainda o objetivo de superar a fome e a pobreza. Para isso articula trs dimenses: o alvio

    imediato da pobreza; a exigncia do exerccio dos direitos sociais bsicos na rea da sade e

    educao e a integrao dos programas complementares situado nas quatro esferas de

    governos que tenham por objetivo o desenvolvimento das famlias (BRASIL, 2008).

    A opo pela unificao dos programas de transferncia de renda no Brasil,

    viabilizada pelo PBF, d-se mediante o diagnstico sobre os programas sociais em

    desenvolvimento, levantado durante a transio do governo Fernando Henrique Cardoso para

    o governo Lula. Esse diagnstico apontou alguns problemas:

    - existncia de programas concorrentes e sobrepostos nos seus objetivos e no seu

    pblico-alvo;

    - ausncia de uma coordenao geral dos programas, propiciando desperdcio de

    recursos, alm de insuficincia de recursos alocados;

    - ausncia de planejamento gerencial dos programas e disperso de comandos em

    diversos Ministrios;

    - incapacidade no alcance do pblico alvo conforme os critrios de elegibilidade

    estabelecidos pelos programas (BRASIL, 2002 apud SILVA e SILVA, 2008)

    Portanto, o PBF se consolidou como uma poltica intersetorial voltada ao

    enfrentamento da pobreza, ao apoio pblico e emancipao das famlias em situao de

    vulnerabilidade socioeconmica, requerendo, para sua efetividade, cooperao interfederativa

    e coordenao das aes dos entes pblicos envolvidos em sua gesto e execuo (BRASIL,

    2005).

    A implementao descentralizada do PBF foi assumida pelos municpios mediante

    a assinatura do Termo de Adeso, onde os municpios se comprometem a instituir comit ou

  • 33

    conselho local de controle social e indicar o gestor municipal do PBF, por determinao da

    Portaria n 246, de 20 de maio de 2005, art. 2.

    Sena et al. (2007) assinalam que, diferentemente dos programas de transferncias

    de renda anteriores, que consideravam inelegveis famlias sem filhos, gestantes ou nutrizes,

    o Bolsa-Famlia amplia, at certo ponto, seu escopo de atendimento, ao permitir o acesso

    desse tipo de famlia ao Programa. Importante salientar que se trata ainda de uma

    perspectiva restritiva, haja vista que o acesso das famlias sem filhos somente permitido

    quelas que estiverem em situao de pobreza extrema.

    Dessa forma, o foco deve ser a famlia, entendida como unidade nuclear,

    eventualmente ampliada por pessoas ligadas por laos de parentesco ou afinidade,

    constituindo um grupo domstico que partilha teto e a manuteno da famlia com a

    contribuio de seus membros (SILVA e SILVA, 2008).

    Para seus idealizadores, o PBF considerado uma inovao, por se propor a

    proteger o grupo familiar como um todo, representado, preferencialmente, pela me; pela

    elevao do valor monetrio do benefcio; pela simplificao e elevao de recursos

    destinados a programas dessa natureza, propondo-se, tambm, simplificar e racionalizar o

    acesso das famlias aos benefcios. Para Draibe (2006), o foco na famlia foi a forma

    encontrada pelos formuladores de tais polticas para atingir seu principal pblico-alvo,

    crianas e adolescentes, e inclu-los em outras polticas, sobretudo a de educao, tornando os

    pais e os responsveis meros intermedirios. Se, de algum modo, tal anlise pode ser

    transposta para o PBF, necessrio pensar em que medida a famlia (ou no), na realidade, a

    unidade privilegiada e interveno do Programa.

    A incluso das famlias elegveis para o PBF d-se desde que estas estejam

    inscritas no Cadastro nico para Programas Sociais do Governo Federal (Cadnico). O

    Cadnico a base de dados utilizada para o registro de informaes sobre as famlias com

    renda mensal de at meio salrio mnimo por pessoa. A partir dele que feita a seleo de

    beneficirios de alguns programas do Governo Federal como o PBF. Dessa forma, o

    cadastramento no significa a insero automtica da famlia no Bolsa-Famlia. A seleo

    depender dos critrios do Programa (BRASIL, 2009).

    Assim sendo, o PBF adota como critrios de elegibilidade a incluso de famlias

    extremamente pobres, consideradas as famlias com renda per capita mensal de at R$ 70,00,

    independentemente de sua composio familiar e de famlias pobres, com renda per capita

    mensal de at R$ 140,00, com crianas ou adolescentes entre zero e 17 anos, gestantes ou

    nutrizes.

  • 34

    Recentemente, houve o quarto reajustamento dos valores do benefcio, desde sua

    criao, em 2003. Conforme o Decreto 7.447, de 01 de maro de 2011, so trs tipos de

    benefcios:

    Quadro 1- Tipo e Valor do benefcio das famlias cadastradas no PBF

    Tipo do benefcio Valor do benefcio Perfil da famlia *

    Benefcio Bsico R$ 70,00 Famlias que se encontram

    em situao de extrema

    pobreza

    Benefcio Varivel R$ 32, 00 Famlia que se encontram em

    situao de pobreza ou

    extrema pobreza e que

    tenham em sua composio

    gestantes ou nutrizes,

    crianas entre 0 a 12 anos ou

    adolescentes at 15 anos**

    Benefcio Varivel vinculado

    ao adolescente (BVJ)

    R$ 38,00 Famlia que se encontra em

    situao de pobreza ou

    extrema pobreza e que

    tenham em sua composio

    adolescentes de 16 e 17 anos

    que estejam freqentando a

    escola***

    * Os benefcios podem ser cumulativos conforme a renda e a composio da famlia.

    ** A famlia pode receber at 3 benefcios variveis.

    *** A famlia pode receber at 2 BJV

    As famlias tm liberdade na utilizao do dinheiro recebido e podem permanecer

    no Programa enquanto estiverem dentro dos critrios de elegibilidade e cumpram as

    condicionalidades indicadas, desde que lhes sejam oferecidas condies para tal (SILVA e

    SILVA, 2008).

    As condicionalidades so os compromissos que as famlias beneficiadas assumem

    nas reas da sade, educao e assistncia social.

  • 35

    Educao: freqncia escolar mnima de 85% para crianas e adolescentes entre 6 e 15

    anos e mnima de 75% para adolescentes entre 16 e 17 anos.

    Sade: acompanhamento do calendrio vacinal e do crescimento e desenvolvimento

    para crianas menores de 7 anos; e pr-natal das gestantes e acompanhamento das

    nutrizes na faixa etria de 14 a 44 anos.

    Assistncia Social: freqncia mnima de 85% da carga horria relativa aos servios

    scio-educativos para crianas e adolescentes de at 15 anos em risco ou retiradas do

    trabalho infantil (BRASIL, 2009).

    O objetivo das condicionalidades no punir as famlias, mas responsabilizar de

    forma conjunta os beneficirios e o Poder Pblico, que deve identificar os motivos do no

    cumprimento das condicionalidades e implementar polticas pblicas de acompanhamento

    para essas famlias (BRASIL, 2009).

    Os efeitos decorrentes do descumprimento das condicionalidades do PBF so

    gradativos e aplicados de acordo com os descumprimentos identificados no histrico da

    famlia. Esses efeitos vo desde a advertncia da famlia, passando pela suspenso do

    benefcio, podendo chegar ao cancelamento se o descumprimento for repetido em cinco

    perodos consecutivos. Conforme o seguinte:

    - advertncia, no primeiro registro de descumprimento;

    - bloqueio do benefcio por um ms, no segundo registro de descumprimento;

    - suspenso do benefcio por dois meses, no terceiro registro de descumprimento;

    - suspenso do benefcio por dois meses, no quarto registro de descumprimento;

    - cancelamento do beneficio, no quinto registro de descumprimento

    (BRASIL, 2009).

    As famlias beneficirias do PBF, cujos adolescentes de 16 e 17 anos, que sejam

    beneficirios do BVJ, descumprirem as condicionalidades, ficam sujeitas, no que se refere a

    este benefcio, aos seguintes efeitos, aplicados de forma sucessiva:

    - advertncia, no primeiro registro de descumprimento do adolescente;

    - suspenso do BVJ por dois meses, no segundo registro de descumprimento do

    adolescente;

    - cancelamento do BVJ, no terceiro registro de descumprimento do adolescente

    (PORTARIA 321 DE 29 DE SETEMBRO DE 2008).

  • 36

    vlido salientar que existe um debate crtico de pensadores especializados na

    rea em relao ao desenho do PBF sob a ptica dos direitos humanos.

    Sobre a focalizao do Programa, Sena et al. (2007) criticam o fato de a renda

    monetria ser critrio nico de seleo das famlias. Para os autores somente a renda no

    suficiente para qualificar a pobreza, fenmeno multifacetado que engloba outras dimenses de

    vulnerabilidade social, tais como: sade, esperana de vida, educao, saneamento e acesso a

    bens e servios pblicos. Alm disso, a definio de um valor per capita muito baixo tende a

    impossibilitar a incluso de famlias que, embora tenham uma renda um pouco acima do valor

    definido, encontram-se em situao de pobreza. Outro aspecto do qual que no se pode

    esquecer a questo de o valor definido estar desvinculado do salrio mnimo ou de qualquer

    outro ndice de reajuste deste valor, o que implica tornar este critrio cada vez mais restritivo.

    Zimmermann (2006) acrescenta que existe uma limitao da quantidade de

    famlias a serem beneficiadas em cada municpio. Dessa forma, o Bolsa-Famlia no garante o

    acesso irrestrito ao benefcio. Posto isso, o PBF no concebido com base na concepo de

    garantir o benefcio a todos os que dele necessitem, ao contrrio, adota uma seletividade, por

    vezes excludente.

    Em relao s condicionalidades do Programa, existe uma polmica que perpasssa

    o reconhecimento de que elas potencializam as demandas sobre os servios de educao e

    sade, o que de certa forma, pode representar uma oportunidade para ampliar o acesso de uma

    parcela significativa da populao aos circuitos de ofertas de servios sociais, porm, ao ser

    exigido o cumprimento de obrigatoriedades como condio para o exerccio de um direito

    social, os prprios princpios de cidadania podem estar ameaados (SENA et al., 2007).

    Zimmermann (2006, p.151), ao analisar as condicionalidades do PBF recupera o

    Comentrio Geral n. 12, elaborado pelo Comit de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais

    do Alto Comissariado de Direitos Humanos das Naes Unidas, reforando o pensamento de

    que essas condicionalidades ferem o direito individual a ser garantido de maneira universal e

    incondicional ao ser humano. O Comentrio Geral n. 12 das Naes Unidas define que o direito alimentao adequada realiza-se quando cada homem, mulher e criana, sozinho ou em companhia de outros, tem acesso fsico e econmico, ininterruptamente, alimentao adequada. Para atingir tal propsito, cada Estado fica obrigado a assegurar a todos os indivduos, que se encontrem sob sua jurisdio, o acesso quantidade mnima essencial de alimentos. Ressalta-se que essa quantidade deve ser suficiente, garantindo que todos esses cidados estejam de fato livres da fome. Sob a tica dos direitos, a um direito no se deve impor contrapartidas, exigncias ou condicionalidades, uma vez que a condio de pessoa deve ser o requisito nico para a titularidade de direitos.

  • 37

    Mencionado autor ainda ressalta que a responsabilidade em garantir o provimento

    e a qualidade desses servios aos beneficiados compete aos poderes pblicos responsveis.

    Com efeito, a obrigao do cumprimento das condicionalidades cabe a esses poderes e no s

    pessoas. O Estado em hiptese alguma dever punir ou excluir as famlias beneficiadas pelo no cumprimento das condicionalidades. Dever- se- ia responsabilizar os municpios, estados e outros organismos governamentais pelo no cumprimento de sua obrigao em garantir o acesso aos direitos atualmente impostos com condicionalidades (ZIMMERMANN, 2006, p.152).

    Deve-se expressar tambm que existem ainda municpios com limitaes em

    trabalhar com banco de dados de forma sistemtica, ou ainda no se tem uma cobertura de

    ateno bsica satisfatria. Ento, um erro de registro do resultado do acompanhamento das

    condicionalidades e a no oferta de servios relativos s condicionalidades poderia acarretar

    prejuzos s famlias beneficiadas, considerando que prerrogativa dos municpios manter

    atualizados os sistemas de informao e ofertar os servios referentes s condicionalidades.

    A rigor, a ideia-chave do acompanhamento das condicionalidades deveria

    englobar aes sociais mais amplas, com vistas a potencializar uma rede de proteo social

    em torno dos beneficirios do Programa. Desse modo, se, por um lado, essa perspectiva do

    acompanhamento est vinculada concepo de condicionalidade como estratgia que visa a

    interferir nas situaes estruturais responsveis pela persistncia da pobreza, de outra parte, a

    legislao que regulamenta a forma da gesto do acompanhamento das condicionalidades se

    aproxima bem mais da concepo de punio e fiscalizao do que propriamente dos

    objetivos enunciados de insero social (MONERAT et al., 2007).

    Outro ponto de vista importante a considerar trata-se da perspectiva de o PBF

    estar tambm ancorado oferta de programas complementares, como os programas de

    gerao de emprego e renda, por exemplo, que, na teoria, seria possvel sua operacionalizao

    de forma cooperativa entre as esferas de governo e com base na intersetorialidade. Como

    lembram Sena et al. (2007), contudo, mesmo reconhecendo a relevncia das aes

    complementares, estas no aparecem como obrigao dos entes federados e, portanto, no

    constituem contrapartidas. Neste caso, no h definio de estratgias de implementao, o

    que demonstra total ausncia de induo para aes que so, no plano dos discursos oficiais,

    consideradas porta de sada do Programa e da situao de pobreza.

    Para apoiar os municpios nas aes da gesto do PBF, o Ministrio do

    Desenvolvimento Social e Combate Fome (MDS) criou o ndice de Gesto Descentralizada

    (IGD), que mede a qualidade da gesto do Programa e garante o repasse mensal de recursos

  • 38

    financeiros, de forma regular e automtica, aos municpios que apresentarem bom

    desempenho (BRASIL, 2008). O IGD calculado com base em 4 (quatro) variveis que

    representam, cada uma, 25% do seu valor total. So as seguintes:

    - qualidade e integridade das informaes constantes no Cadastro nico;

    - atualizao da base de dados do cadastro nico;

    - informaes sobre as condicionalidades da rea de Educao e

    - informaes sobre as condicionalidades da rea de Sade (BRASIL, 2008)

    A orientao de que os municpios tm autonomia para definir quais as suas

    prioridades para utilizao dos recursos do IGD. Essa deciso depender da necessidade de

    cada municpio, de suas prioridades e da legislao financeira e oramentria local, que

    determina de que forma os recursos podem ser incorporados ao oramento (BRASIL, 2008).

    Conforme (BRASIL, 2009), o PBF atende mais de 11 milhes de famlias em

    todos os municpios brasileiros. Dentre os principais resultados, apontam: o PBF est bem

    focalizado, ou seja, efetivamente chega s famlias que dele necessitam e que atendem aos

    critrios da lei; o Programa contribui de forma significativa para a reduo da extrema

    pobreza e da desigualdade e contribui para a melhoria da situao alimentar e nutricional das

    famlias beneficirias.

    A distribuio dos beneficirios do PBF pelas regies aponta que o Nordeste,

    concentra metade do total das famlias beneficiadas. Em 2004, a Regio totalizava 3,3

    milhes de famlias, o equivalente a 50,5%. Em 2007, o nmero de famlias atendidas pelo

    PBF j era de 5,6 milhes, representando 50,47%, um crescimento de 67,9% em relao ao

    ano de 2004. Em seguida, a regio Sudeste apresentou a segunda maior participao. Em

    mdia, considerando os anos de 2004 a 2007, a regio teve uma participao de 26,3%,

    enquanto as demais regies (Sul, Norte e Centro-Oeste) apresentaram uma distribuio

    espacial mdia de 10,0%, 8,8% e 5,1%, respectivamente (PEQUENO, 2009).

    No h dvidas de que o Bolsa-Famlia vem atende quantitativamente a um

    pblico altamente significativo, sobretudo se considerados os programas sociais anteriores

    que se direcionavam ao atendimento de famlias pobres, com a cobertura de todos os

    municpios brasileiros. H que se destacar, entretanto, o valor muito baixo transferido para as

    famlias, fator limitante quando a proposio mais do que administrar ou controlar a

    pobreza, mas a sua superao (SILVA e SILVA, 2008).

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    Consideramos tambm que o valor repassado s famlias beneficiadas pelo PBF

    insuficiente para promover uma alimentao saudvel s crianas beneficiadas e suas

    famlias.

    Zimmermann (2006) prope como critrio para a avaliao das polticas pblicas

    de transferncia de renda o custo da cesta bsica nacional. A cesta bsica nacional calcula o

    sustento e o bem-estar de uma pessoa em idade adulta, contendo quantidades balanceadas de

    protenas, calorias, ferro, clcio e fsforo. De acordo com esse parmetro, os valores dos

    programas de renda mnima, como o Bolsa-Famlia, deveriam ter como critrio o custo da

    cesta bsica nacional.

    O valor do Programa Bolsa Famlia, entretanto, viola o direito humano

    alimentao, uma vez que o mesmo insuficiente para aliviar a fome de uma famlia

    brasileira, conforme demonstram os dados da Cesta Bsica Nacional do Departamento

    Intersindical de Estatstica e Estudos Socioeconmicos (DIEESE). A pesquisa da Cesta

    Bsica Nacional, realizada pelo mesmo rgo, em junho de 2005, em 16 capitais do Brasil,

    considera que um trabalhador em idade adulta necessitaria do valor de R$ 159,29 para

    satisfazer as necessidades alimentares mnimas (rao essencial mnima). Aumentar o valor

    da transferncia do Bolsa-Famlia para o equivalente da Cesta Bsica Nacional do DIEESE

    deve ser uma medida a ser adotada, para que se garanta minimamente o direito humano

    alimentao, principalmente no que tange sua obrigao em adotar medidas concretas para

    acabar com a fome (ZIMMERMANN 2006).

    Com efeito, a discusso se dar agora especificamente para a questo da

    alimentao infantil saudvel, aspecto de destaque no estudo e considerado pelo MSD (2009)

    como um dos principais resultados do PBF, como vimos nas discusses acima.

    2.3 O Iderio da Alimentao Infantil (zero a cinco anos)

    A alimentao e a nutrio constituem requisitos bsicos para a promoo e a

    proteo da sade, possibilitando a afirmao plena do potencial de crescimento e

    desenvolvimento humano, com qualidade de vida.

    Recentemente, no Brasil, se intensificou as discusses em torno da alimentao e

    sua influncia no processo sade-doena, fato que a sabedoria popular e alguns estudiosos da

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    antiguidade j afirmavam: Deixe que a alimentao seja o seu remdio e o remdio a sua

    alimentao (Hipcrates). O destino das naes depende daquilo e de como as pessoas se

    alimentam. (BRILLAT-SAVARIN, 1825 apud BRASIL, 2006).

    Conforme Azevedo (2008), a partir dos anos 1990, o foco da educao nutricional

    no Brasil foi a promoo de prticas alimentares saudveis, aliada discusso do acesso ao

    alimento de qualidade em quantidade suficiente como um direito humano, e ao contexto da

    alimentao com carter de preveno de doenas. Atualmente, esse enfoque persevera e, a

    partir da Estratgia Global para a Promoo da Alimentao Saudvel, Atividade Fsica e

    Sade, lanada em 2003 pela Organizao Mundial da Sade, o Programa Nacional de

    Alimentao Saudvel elaborou uma estratgia brasileira, prevendo o estmulo a uma dieta

    saudvel, aliada a prticas saudveis. Hoje, a Poltica Nacional de Alimentao e Nutrio

    (PNAN) ainda amplia os