nicholson: a biografia

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Um estranho no ninho, Profissão: repórter, Chinatown, O iluminado, Batman, Os infiltrados. A trajetória de Jack Nicholson não se limita à carreira de um grande ator, mas conjuga-se à própria história do cinema e do século XX. Figura de personalidade marcante, Nicholson colecionou prêmios e polêmicas em décadas de carreira, vivendo, por trás das câmeras, de maneira tão intensa quanto o sem-número de personagens que ele ajudou a trazer à luz. Marc Eliot, autor best-seller do The New York Times, desvenda com fluidez e bom humor esse ícone, que não apenas escreveu seu nome na célebre Calçada da Fama de Hollywood, mas deixou uma marca indelével em sua época.

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NICHOLSONMARC ELIOT

são paulo, 2015

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Nicholson (Nicholson: a biography)Copyright © 2013 by Rebel Road, Inc. This translation published by arrangement with Crown Archetype, an imprint of the Crown Publishing Group, a division of Random House llc.Copyright © 2015 by Novo Século Editora Ltda.

gerente editorialLindsay Gois

editorialJoão Paulo PutiniNair FerrazRebeca LacerdaVitor Donofrio

gerente de aquisiçõesRenata de Mello do Valeassistente de aquisiçõesAcácio Alvesauxiliar de produçãoLuís Pereira

traduçãoCaco Ishak

preparaçãoEquipe Novo Século

diagramaçãoEquipe Novo Século

revisãoSamuel Vidilli

imagem de capaCortesia da mptvimages.com

capaEquipe Novo Século

novo século editora ltda.Alameda Araguaia, 2190 – Bloco A – 11o andar – Conjunto 1111 cep 06455-000 – Alphaville Industrial, Barueri – sp – BrasilTel.: (11) 3699-7107 | Fax: (11) 3699-7323www.novoseculo.com.br | [email protected]

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990), em vigor desde 1o de janeiro de 2009.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)(Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)

Eliot, MarcNicholsonMarc Eliot; [tradução Caco Ishak]Barueri, SP: Novo Século Editora, 2015.

1. Atores e atrizes cinematográficos – Estados Unidos – Biografia 2. Nicholson, Jack. i. Título.

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Índice para catálogo sistemático:1. Atores cinematográficos: Biografia e obra 791.43028092

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Em memória de Andrew Sarris: sentimos falta de nosso grande mestre, amigo, crítico e historiador; e dedicado ao recente falecimento de Karen

Black, cujo conhecimento era enorme e cuja cooperação, incansável. E ao meu cachorro, sempre.

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Só há James Cagney, Spencer Tracy, Humphrey Bogart e Henry Fonda. Depois disso, quem mais, senão Jack Nicholson?

Mike Nichols

Marlon Brando foi uma grande influência na minha vida. Hoje em dia, é difícil pra quem não viveu naquela época entender o impacto que o Brando exercia sobre o público. (…) Ele sempre foi o santo padroeiro dos atores.

Jack Nicholson

Ele é o nosso Bogart. Ele representa todo esse período histórico da mesma forma como o Bogart representou os anos 1940 e 1950 no cinema.

Henry Jaglom

Quando eu comecei, tinha uns vinte e cinco caras de jaqueta vermelha pelas ruas de Los Angeles, que se pareciam exatamente com o James Dean, até porque ele era muito extremado e muito fácil de imitar – eles não estavam entendendo nada.

Jack Nicholson

Ele nutre um grande respeito pelas mulheres, e eu acho até que foi um daqueles defensores da liberdade feminina.

Bruce Dern

Como será que deve ser trepar com a Britney Spears? Eu sei responder essa per-gunta: monumental. Mudança de vida total!

Jack Nicholson

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INTROduçãO

PARTE 1 destino cruel a um sem destino

PARTE 2um estranho em voo direto de chinatown ao ninho

PARTE 3o lado bom da vida

PARTE 4 o retorno do coringa

PARTE 5alguns poucos papéis de honra

PARTE 6sol poente no boulevard

FILMOgRAFIA

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S u M Á R I O

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PREMIAçõES

REFERêNCIAS BIBLIOgRÁFICAS

AgRAdECIMENTOS

SOBRE O AuTOR

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I N T R O d u ç ã O

Ninguém jamais se recupera do seu próprio parto.

jack nicholson1

John Joseph “Jack” Nicholson Jr. veio ao mundo no dia 22 de abril de 1937, em sua casa, na cidade de Nova Jersey, segundo consta em sua certidão de nascimento, a qual declara serem seus pais John e Ethel May Nicholson.

Com o tempo, Jack passou a chamar Ethel May de “Mud”, abreviação de “Mud-der”, o mesmo que “Mãe” em Jackspeak.2

Ethel May era quem botava o pão na mesa, típico arrimo de família. Por muitos anos, trabalhou como cabeleireira no segundo andar da casa onde mo-ravam, em Neptune City, até que, certo dia, conseguiu juntar dinheiro o sufi-ciente para expandir seus negócios, transferir sua prole a um bairro melhor e abrir uma rentável rede de salões de beleza, ainda que modesta.

John J. Nicholson, o pai, não chegava aos pés de Ethel May: sem dinheiro algum no bolso e nem um pouco ambicioso. Mudava de emprego sem parar, vivendo de bico em bico. Quando Jack ainda era só um neném, a bebedeira de John se tornou insuportável e Ethel May acabou expulsando -o de casa. Depois disso, ele ficou na pindaíba, não raro dormindo em bancos de praças e, vez ou outra, no meio da calçada. Dava as caras em seu antigo lar com mais frequência nos feriados, quando Ethel May o deixava jantar com a família. Muito embora Jack mal o visse, era esse o homem que ele acreditava ser seu pai de verdade.

Muitos outros zanzavam pela casa nessa época, entre os quais Don Furcillo -Rose, um sujeito de cabelos negros, boa -pinta e alinhado, dono de um

1 Em entrevista a Richard Warren Lewis, Playboy (eua), abril de 1972.

2 “Jackspeak”, originalmente, refere -se ao linguajar dos marinheiros das antigas. Desde sem-pre, Jack gostou de inventar seu próprio dialeto, encurtando palavras para que soassem en-graçadas, ainda que mantivessem, ou por vezes aumentassem, seu significado. Mais tarde, quando se mudou para Los Angeles e passou a sair com a turma pós -beat de Kerouac, co-meçou a incorporar as gírias beatniks em seu já pitoresco vocabulário. O linguajar beat é es-sencialmente musical em suas origens, uma mistura da sonoridade do jazz e dos primórdios de uma capela rock’n’roll.

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MARC ELIOT

belo sorriso. Chegou a ser o namorado de June, irmã mais velha de Jack, antes que ela partisse de repente da casa da família para correr atrás de seu sonho no show business. Charmoso e bonitão, Furcillo -Rose era dez anos mais velho do que June e músico de ocasião, tendo tocado com várias bandas improvisadas ao longo da costa de Nova Jersey, onde provavelmente se conheceram.3

Ethel May não gostava muito do assanhamento de Furcillo -Rose para cima de June e, sempre que os encontrava juntos, ela o avisava para ficar longe de sua filha menor de idade ou ele terminaria atrás das grades. Mesmo depois que June saiu de casa, Furcillo -Rose ainda aparecia de quando em quando, mas nunca foi bem recebido por Ethel May, ou Lorraine e Shorty, a filha do meio e seu respectivo marido, só que Mud sabia como ninguém o quanto Furcillo--Rose e June tinham ficado próximos, então às vezes deixava que ele dormisse no quarto desocupado de June. À sua maneira, no fim das contas, ele acabava sendo parte da família.

O pequeno Jack tampouco gostava de Furcillo -Rose, do jeito como ele cheirava a uísque e cigarros, do jeito como estava sempre sussurrando aos ou-vidos de Ethel May para que não se pudesse escutá -lo. Furcillo -Rose nunca foi muito de dirigir a palavra a ele. Por outro lado, Jack adorava Lorraine e George W. “Shorty” Smith. “Eu encarava o Shorty como um tipo de pai tão bom quan-to qualquer pessoa poderia ou precisaria ter”.4

Lorraine era o oposto de June em todos os sentidos. Não era extrovertida, nem sonhadora; preferia fazer as vezes da esposinha dona de casa. Casou -se com Shorty assim que isso foi legalmente possível. Estavam juntos desde que ela tinha sete anos e ele, onze. Sempre que tinha um tempo livre – o que não era nada raro, já que um emprego permanente não era das coisas mais fáceis de encontrar, no caso dele –, Shorty ensinava a Jack tudo o que um pai de verdade normalmente ensinaria a um filho: como levantar a tampa da privada ao urinar, como agarrar um arremesso num jogo de beisebol. Firme os joelhos quando acertarem a bola. Deixe-a vir até você e a envolva na sua luva com a outra mão. Quando era mais moço, Shorty tinha frequentado aulas de dança com sua cunhada June, por in-sistência dela, de modo que ela tivesse um par que não a ficasse xavecando o tempo todo, o que o tornou extremamente ágil. No ginásio, ele tinha jogado um

3 O nome artístico de Don Furcillo era Don Rose. Há referências sobre ele, em livros e artigos, como Don Furcillo -Rose.

4 Citado por Dennis McDougal, Five Easy Decades, p. 12.

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NICHOLSON

pouco de futebol americano, muito embora fosse baixinho demais para entrar na equipe titular. Chegou a trabalhar na indústria ferroviária, como guarda -freio na Conrail, mas foi demitido tantas vezes que nem dava para chamar de uma car-reira propriamente dita. No auge da Segunda Guerra Mundial, decidiu se juntar à Marinha Mercante em troca de três refeições por dia, um lugar para dormir e um salário fixo que sempre transferia de volta a Lorraine.

Jack não guardava lembrança alguma de June, mas nunca se esqueceu de todas as histórias que contavam sobre ela nas rodas de conversa. “Minha irmã June era uma história à parte”, disse à revista Rolling Stone. “Ela saiu de casa aos 16”, mesmo ano em que Jack nasceu. “Ela era dançarina nos espetáculos do Earl Carroll e era chegada do Lucky Luciano. Foi casada com um dos pilotos de teste da equipe norte -americana que quebrou a barreira do som… aí, June foi pra Califórnia, arrumou uns empregos interessantes, conheceu algumas pes-soas interessantes. E morreu. Muito nova. Câncer.”

Jack declarou isso à revista como se fosse a fala de um filme, uma fantasia com um enredo que acabasse em tragédia: June, a princesa linda mas amaldi-çoada. Jack também era só um adolescente quando, a exemplo da irmã, deci-diu sair de casa e seguir rumo ao Oeste, em busca de seus próprios sonhos de glória no show business. Dizia que queria ser ator. Assim como June, tinha uma imaginação fértil, mas nenhuma oportunidade de fato.

Logo que chegou a Los Angeles, passou uma breve temporada na casa da irmã, até conseguir um emprego permanente e se mudar. Depois de cursar au-las de interpretação, participou de alguns filmes independentes. Seus primei-ros personagens “rebeldes” o levaram a papéis mais significativos com roteiros melhores e, muito embora tenha levado alguns tantos anos de trabalho árduo, acabou se tornando um astro. Era enaltecido tanto por fãs quanto por críticos devido a sua personalidade cativante na tela e ao jeito como sempre parecia es-tar interpretando a si próprio, independente de qual fosse o papel. As pessoas iam ao cinema para vê -lo com o mesmo anseio de assistir ao filme. O público adorava Jack – ou o personagem que acreditavam ser Jack.

A representação surgiu de forma natural em sua vida e com boas razões para tanto. Sua infância tipicamente americana tinha sido um diorama de tra-paças e desilusões. Na casa onde morava, em Neptune City, nada era exata-mente como parecia ser. Todos que fizeram parte de sua infância tinham inter-pretado um papel, o que fizeram muito bem. Jack não aprendeu a atuar com

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Marlon Brando ou mesmo Stanislavsky. Aprendeu com June, Lorraine, John, Shorty, Don e, acima de tudo, Ethel May.

• • •

Todas as grandes estrelas do cinema, e Jack sem dúvida é uma das maiores, possuem duas facetas: a figura privada, fora das telas, e o artista famoso que interpreta os personagens pelos quais o público o adora. Essa dualidade dificulta a distinção feita pelo público – e, às vezes, pelos próprios críticos e historiadores do cinema – entre a caracterização dos personagens interpretados por um ator e o caráter do ator que os interpreta. Para os atores, o truque consiste em tentar nos convencer de que são quem não são e não são quem de fato são; a contradição daqueles artistas que buscam revelar a “verdade” a seu público se dá justamente por interpretarem pessoas que não são. Atuar é a arte do artificial.

A constância dos personagens de Jack, sempre com um sorriso no rosto, tranquilos, numa boa, intensos e articulados, apareceu em praticamente todos os seus filmes, até que, certo dia, em 1974, ele descobriu um segredo terrível sobre sua família, a realidade por trás de toda aquela “encenação”, algo tão profundo, tão sinistro e tão decepcionante que mudou tudo sobre sua vida e, consequentemente, tudo sobre seu modo de atuar. O último filme que fez antes de tomar conhecimento do tal segredo foi A última missão (The Last Detail), no qual o personagem que interpreta, Billy “Bad Ass” Buddusky, acredita ser invulnerável. Ele é durão, convencido e instintivo por natureza. É inocente no começo do filme e assim permanece, mesmo ao se dar conta da contradição de suas responsabilidades. No primeiro filme que fez depois disso, Chinatown, o personagem interpretado por ele, J.J. Gittes, é um detetive, um símbolo de autoridade. Gittes também é durão, engraçado, convencido, mas vulnerável e cerebral por natureza. Na opinião do público, o último foi o melhor desempe-nho dentre os dois, o que significa dizer o mais insinuante. O público adora a vulnerabilidade sedutora de seus heróis.

Mas, para Jack, as diferenças denotavam mais do que meras percepções superficiais. Não tinha aperfeiçoado seu estilo de atuar; Jack, a celebridade, tinha mudado porque Jack, o homem, tinha mudado.

Entre um e outro, tinha gravado Profissão: Repórter (The Passenger, em inglês, e Professione: Reporter, no original em italiano), de Michelangelo Antonioni, antes de Chinatown, mas lançado posteriormente. É um filme em que o personagem principal não possui uma identidade muito bem definida e

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passa a trama toda em busca de si mesmo. Essa jornada acaba fazendo as vezes da transição entre os personagens “Bad Ass” Buddusky e J.J. Gittes. A liberta-ção de David Locke, nome dos mais adequados, é o elo entre os dois.

Tendo a Guerra Civil do Chade como pano de fundo, um cenário metafó-rico perfeito para o filme, Locke se depara com um cadáver em seu hotel e assu-me a identidade do sujeito, literal e figurativamente se tornando o próprio. Em Chinatown, a história tem seu pontapé inicial com Gittes na flor da inocência, mas, quando o filme termina, ele é, em termos blakeanos, uma pessoa expe-riente. Na vida real, Jack tinha dado uma mordida no fruto proibido ao tomar conhecimento do segredo da família e pagou caro por isso.5 Por todo o resto de sua vida, nenhum outro personagem que viesse a interpretar seria tão leve, simples ou inocente. É isso o que as pessoas querem dizer de fato quando falam sobre as diferenças entre as primeiras atuações de Jack em seus filmes “pessoais” e suas últimas participações em produções mais comerciais, já no mainstream.

A partir de 1974, afora uma ou duas exceções, Jack nunca mais protago-nizou um papel puramente romântico. E, na vida real, enquanto as mulheres continuavam a ser uma fonte tanto de prazer quando de dor, o verdadeiro amor era algo que ele não conseguia aceitar ou acreditar, muito menos se en-tregar plenamente. Seu relacionamento de 17 anos com Anjelica Huston, a úni-ca mulher capaz de chegar o mais próximo disso, foi uma série de términos e reconciliações, acessos de raiva, frustrações e, de ambas as partes, infidelidades borrifadas por todo o tempo que passaram juntos. Não à toa, no fim, os dois acabaram sozinhos.

O que se segue, então, é a história de Jack Nicholson, o astro do cinema, e Jack Nicholson, o homem. Jack, a celebridade, fez 62 filmes enquanto Jack, o homem, continuou interpretando o único papel que queria aperfeiçoar e com o qual tinha tentado se reconciliar por toda sua vida. Quem era de fato.

Ele próprio.

5 As semelhanças extraordinárias entre o que Jack descobriu na vida real e a trama de China-town, escrita por seu então amigo Robert Towne, foram tratadas por Jack como uma mera coincidência, já que o filme tinha sido escrito antes da revelação. No entanto, uma apuração mais detalhada da cronologia dos eventos demonstra que Jack de fato ficou sabendo sobre o segredo antes de Chinatown ser escrito e muito provavelmente ajudou Towne a adaptar o roteiro a algo mais autobiográfico (para Jack) do que o originalmente planejado.

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destino cruel a

um sem destinoP A R T E 1

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C A P Í T u L O

Eu tenho o sangue dos reis correndo nas minhas veias…

jack nicholson1

Jack Nicholson cresceu em Neptune City, uma pequena cidade no condado de Monmouth, em Nova Jersey, situada a cerca de 80 quilômetros de Manhattan, próxima a Jersey Shore e Asbury Park, a meca exuberante dos delírios car-

navalescos e fliperamas que povoam a imaginação das crianças locais da classe operária em South Jersey. Asbury Park não precisa de uma atmosfera mais mítica do que a já criada por sua cultura fértil de incontáveis sonhadores nativos, entre os quais se destacam – afora Jack – Bruce Springsteen, Danny DeVito e, um ou dois passos para trás no tempo, o duo de comédia cinematográfica mais bem -sucedido comercialmente de sua época, a clássica formação burlesca -adestrada do sujeito magricela e do adorável tonto rechonchudo, Bud Abbott e Lou Costello.2

Levando em conta que a casa de Ethel May era constantemente abarrotada de mulheres que iam e vinham para cuidar de seus cabelos, e das crianças que elas levavam junto para economizar no gasto com as babás, em meio a toda aquela fofoca e ao bafafá sem fim, o jovem Jack teve lá seus problemas para encontrar um cantinho que pudesse chamar de seu naquele lar barulhento e empestado com o cheiro de produtos químicos. Como o próprio disse, tempos depois, estando cercado por todo aquele estrogênio, “é um milagre que eu não tenha virado uma bichinha”.3 Às vezes, quando tinha chance, dava o fora de lá na surdina e se perdia nas areias da praia, andando sem rumo por entre espe-táculos de rua chinfrins e espalhafatosos.

As duas outras coisas que podia fazer sozinho eram ler revistinhas em quadrinhos e colecionar cartões de beisebol. Jack era um menino que vivia

1 Citado por Neal Weaver. After Dark, outubro de 1969.

2 Lou Costello nasceu mais ao norte, em Paterson, Nova Jersey.

3 Entrevista a Bill Davidson, “The Conquering Antihero”. The New York Times Magazine, 12/10/1975.

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no mundinho dos sonhos de seus super -heróis. Esse escapismo o ajudou a aliviar a solidão de estar cercado por tantas pessoas em casa e, ainda assim, ficar sozinho a maior parte do tempo. Como resultado, protagonizava pirraças constantes que, de certo modo, eram seu clamor por um pouco de atenção. Segundo sua irmã Lorraine, quando Jack não conseguia alguma coisa, suas birras “abalavam a casa feito um terremoto”.4 Em um Natal, pegou um serrote e cortou uma perna da mesa da cozinha. Em resposta, Ethel May lhe deu um pedaço de carvão de presente. Jack ficou aos berros até que ela lhe entregasse seu presente de verdade, e só então ele se acalmou. Outra vez, quando ela es-tava ao telefone, ele se jogou no chão e começou a espernear e gritar até que ela desligasse.5 “Mais tarde”, Jack revelou, “eu me dei conta de sensações bem remotas sobre não ser querido – me sentindo como se eu fosse um problema pra minha família por ser criança. Sabe, minha mãe e meu pai se separaram pouco antes do meu nascimento (…) deve ter sido muito difícil pra minha mãe…”.6 Levaria décadas para que Jack entendesse o porquê desse sentimento.

Como a maioria dos garotos de sua idade, Jack idolatrava Joe DiMaggio e tinha todos os cartões dele. Uma vez, Jack teve de ir à padaria para comprar pão e leite e, ao invés disso, torrou o dinheiro com as novas edições dos gibis de Namor: As profundezas, Tocha Humana, Capitão Marvel e Batman. Adorava o Batman mais do que todo o resto por causa das habilidades humanas potencia-lizadas muito mais que poderes supernaturais.7 E do Coringa. Quando chegou em casa, Ethel May lhe deu uma surra e tomou todas as revistinhas.

Quanto às sementes sexuais, sem sombra de dúvidas, sempre foram planta-das em Jack desde muito cedo. “Eu era bem obcecado pelo assunto. Lembro de já ficar excitado com as coisas, pelo menos mentalmente, ainda na infância, an-tes mesmo dos oito anos, na banheira. Quer dizer, eu tinha um apetite e tanto.”8

• • •

4 Citada por Robert Sellers. Hollywood Hellraisers, p. 17.

5 O episódio foi narrado por Mimi Machu (que também observou o quanto Jack sempre per-dia sua carteira e suas chaves várias vezes por semana durante o relacionamento dos dois) a Leo Janos. Cosmopolitan, dezembro de 1976.

6 Playboy (eua), abril de 1972.

7 The New York Times, 18/06/1989.

8 Rolling Stone (eua), 05/10/2006.

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E havia ainda os filmes. Quando criança, Jack passava as tardes de praticamente todos os sábados no cinema local, o Palace, devorando os desenhos e as séries com finais em que parecia impossível ao herói sobreviver – suspenses arquitetados de modo a garantir a volta, no sábado seguinte, de cada moleque na plateia para outra maratona de celuloide, refrigerante, pipoca e milagres.

Muito embora tenha passado por alguns períodos financeiramente aperta-dos, “eu nunca me senti pobre”, Jack contou. “Em Neptune, tudo o que existia era uma área um pouco mais simples, de classe média -baixa, e outra de classe média--alta. A Ethel May Nicholson foi esperta o bastante pra se mudar pra melhor de-las…”9 Com os negócios prosperando, em 1950, quando Jack tinha 13 anos, Ethel May transferiu toda a prole três quilômetros cruciais rumo ao sul, em Spring Lake, um bairro melhor do outro lado dos trilhos ferroviários, às vezes referido como a Riviera Irlandesa de Jersey Shore. Estabeleceu o novo lar e ponto comercial no número 505 da Mercer Avenue bem a tempo de Jack ingressar na Manasquan High School, uma das melhores escolas públicas na zona sul de Nova Jersey.

Foi um acontecimento e tanto para todos, menos para Jack, quando Ethel May comprou uma das primeiras televisões do quarteirão, um caixote preto -e--branco com pernas. Jack preferia a telona das matinês aos sábados do que o con-teúdo embaçado e tagarela da telinha tremeluzindo. Não se impressionava com coisas tipo As aventuras do Super -Homem ou O cavaleiro solitário. Para ele, era tudo muito melhor nas histórias em quadrinhos ou em sua imaginação animada do que na tv. Mesmo quando as crianças do bairro se enfurnavam na sala de sua casa para assistir à nova maravilha de imagem e som, Jack não dava a menor bola.

Ainda não tinha passado pela experiência da primeira ejaculação (a forra não tardaria); era mais baixo do que a maioria dos outros meninos e estocava os típicos pneus de gordura da idade. Acabaria abandonando -os pelo cami-nho, mas nunca chegaria a ser tão musculoso quanto queria, ou alto o sufi-ciente para jogar basquete, seu esporte predileto. Com os quilos a mais e sua baixa estatura, foi alvo do deboche dos outros alunos, ganhando o apelido de “Gorducho”. E ainda sofria de um caso extremo e raro de acne. Sua pele ficava recoberta de manchas que deixavam cicatrizes e crateras permanentes em seu rosto, peito, ombros e costas, motivo pelo qual, durante a maior parte de sua carreira no cinema, nunca permitiu ser filmado sem camisa a não ser que a iluminação fosse favorável e a maquiagem magistralmente aplicada.

9 Em entrevista a Martin Torgoff. Interview, agosto de 1984.

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Em Manasquan, Jack se mostrou um bom aluno – inteligente, cerebral e ana-lítico –, mas o que lhe parecia ser mais importante era justo o que lhe faltava: a estatura e a força física para jogar bola. Ainda tentou o futebol americano, mas era franzino e molenga demais também para isso e teve que se contentar com a vaga de supervisor dos equipamentos do time de beisebol, limitando -se a carregar de um lado a outro os bastões, bolas e luvas dos jogadores. “Ele queria ser um atleta e devia ser bem frustrado por não ser um pouco mais largo, um pouco mais alto, talvez até um pouco mais velho naquela época. Ele era sempre o mais novo da turma…”, um de seus colegas de classe contou.10 Ao invés disso, escrevia sobre os jogos. O que acabou vindo naturalmente, como descobriu: a escrita. Gostava da prosa descritiva, capturando a ação como se estivesse jogando junto com o time. Escrever uma frase brilhante era quase tão bom quanto dar uma enterrada. Quase.

Em 1953, seu ano de calouro no colegial, já com 16 e com seu semblante irlandês aflorado (apesar da acne), um novo corpo, mais magro e musculoso, e sua língua afiada, das mais espirituosas, Jack deixou de ser o nanico para se tornar um dos garotos mais populares da classe. Pela primeira vez na vida, as meninas da escola passaram a notá -lo – o “Gorducho” virou “Nick” (abreviação de Nicholson) – e um sorriso parecia estar sempre escancarado em seu rosto como se talhado com um abridor de latas. Seus professores constantemente suspeitavam de alguma diabrura feita pelas costas, desconfiança corroborada pelo ar da arrogância recém -descoberta, mas a pior coisa da qual poderiam acusá -lo era de fumar. Jack tinha desenvolvido o hábito de dois maços por dia, o qual nunca seria capaz de abandonar. Fumar prejudicaria seu crescimento, diziam -lhe. Ele ria, mas nunca passou de 1,77m – mais baixo do que Steve McQueen, Paul Newman e Robert Redford, mesma altura de Robert De Niro, e só mais alto do que Al Pacino e Bob Dylan.

Depois de não conseguir entrar em nenhum time esportivo, restou -lhe pro-curar o teatro da escola, coisa que não exigia nem estatura, nem força. Fez um teste tão logo ingressou no colegial e descobriu não só que gostava de atuar, como também era muito bom nisso. Sua primeira encenação, Out of the Frying Pan, es-crita por Francis Swann, era uma comédia demorada sobre crianças e jovens que tentam a vida como atores na Broadway. A peça tinha sido muito bem -sucedida por uma temporada na Great White Way,11 em 1941, depois do quê os persona-

10 Hoop Keith, citado por Dennis McDougal. Five Easy Decades, p. 17.

11 No dia 03 de fevereiro de 1902, o New York Evening Telegram publicou um artigo cujo título

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gens graciosos de Swann se tornaram recorrentes em produções escolares por boa parte das décadas de 1940 e 1950, antes de dar lugar a opções mais contempo-râneas. Jack tinha um papel menor, mas satisfatório o suficiente para convencê -lo a se inscrever, no último ano do colegial, como aluno regular do clube de teatro.

Depois de horas e horas de aula, entre os horários dos ensaios, para ganhar o dinheiro do cigarro, Jack trabalhava como lanterninha num cinema local, o Rivoli, em Belmar. Lá dentro, o brilho do dia e toda a atenção recebida nos pal-cos da escola se transformavam na escuridão da sala de exibição, onde podia se concentrar em atores de verdade por horas a fio, estudando todos os trejeitos, tentando descobrir como faziam o que faziam e como poderia fazê -lo também. Trabalhou ainda como salva -vidas em tempo parcial, quando o clima esquenta-va, ali por perto, em Bradley Beach (sempre vestindo uma camisa de mergulho para esconder o peito recoberto de acne), emprego que lhe proporcionou uma ta-refa das mais prazerosas: observar belas moças tomando sol em trajes de banho.

Dentre suas encenações no último ano do colegial, Jack conseguiu o papel de um dos personagens pirados em The Curious Savage, escrita originalmente por John Patrick como um roteiro para a lenda do cinema mudo Lillian Gish, so-bre uma senhora já idosa que vive em função de um hospício, onde é cercada por lunáticos, um dos quais Hannibal, interpretado por Jack. Seu desempenho foi tão bom que, na formatura, foi eleito o “Melhor Ator” por seus colegas de classe.

Apesar do crescimento de sua popularidade com as meninas e de seu showzinho particular como salva -vidas, Jack ainda não conseguia de fato ar-ranjar uma garota que pudesse chamar de sua. Sempre mordaz em suas pia-das ou em comentários mais maldosos, tornou -se como que o palhaço da turma, e seu raciocínio rápido acabava apaziguando um tanto sua frustração. Se não era capaz de atrair as meninas por sua força física, poderia aproximá--las, ao menos, fazendo -as rirem e, como resultado, no último ano da escola, encontrou -se cercado por aquelas que considerava as mais bonitas no esque-ma “olhe -mas -não -toque”. Sandra Hawes, a “Melhor Atriz”, uma princesa para o príncipe Jack, recorda -se: “Ele andava com as garotas mais populares do co-legial (…) era divertido estar com ele (…) apesar de nunca ter tido uma vida amorosa (…) ele provavelmente era o único cara que não precisava de uma

era “Found on Great White Way”. O jornalista se inspirou na miríade de luzes nas marquises dos teatros e em outdoors que abrilhantavam a Broadway, uma das primeiras ruas em Nova York a ser totalmente iluminada pela luz elétrica. A partir de então, a Broadway foi apelida-da de Great White Way, como é conhecida até os dias de hoje. (n.t.)

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MARC ELIOT

namorada (…) era um fanfarrão, um palhaço, sempre fazendo gracinha”.12 O atletismo verbal de Jack lhe valeria o novo apelido de “The Weaver”, o tecelão, por sua capacidade de entrar e sair das histórias e sempre encontrar um jeito de amarrá -las todas juntas no final. Já nessa época, tinha o hábito de passar a língua nos lábios entre uma série e outra de palavras.

Sua fama de bom moço também lhe garantiu a eleição à vice -presidência de sua turma no último ano, apesar do fato de que, já então, seus trajes diários se adequassem mais ao rebelde em desenvolvimento – um par de jeans sujos e uma jaqueta de motociclista se tornaram seu uniforme depois que assistiu, em dezembro de 1953, a O selvagem (The Wild One), de Laszlo Benedek, estrelado por Marlon Brando no papel de um motoqueiro bad boy, dono de um sorriso matador dado uma única vez, no “final feliz” do filme. As autoridades da escola franziram a testa para as roupas de Jack, mas preferiram fazer vista grossa. Ele estava prestes a se formar; não fazia o menor sentido provocar uma tempesta-de em copo d’água àquela altura do campeonato.

Formou -se em Manasquan em junho de 1954. Até então, tinha conseguido economizar dinheiro o suficiente como lanterninha e salva -vidas para comprar um Studebaker usado (Jack se gabava tanto de ser um grande apostador que atribuía o dinheiro juntado para comprá -lo a suas visitas frequentes às corridas de cavalo em Monmouth durante todo o colegial). Foi só ao tentar tirar sua carteira de motorista que descobriu não haver registro algum sobre seu nascimento, o que sempre pensou ter acontecido em sua própria casa, como o das irmãs. Até onde o Estado tinha conhecimento, porém, Jack Nicholson não existia. Para solucionar o problema, Ethel May apresentou um Registro Atrasado de Nascimento junto ao Departamento de Saúde do Estado de Nova Jersey. Nele, preencheu a data de nascimento de Jack como tendo sido em 22 de abril de 1937, no número 1410 da Sixth Avenue, em Neptune City, Nova Jersey.

De acordo com o documento, Jack teria de fato nascido em casa. Assinando Ethel Rhoads, ela se declarou mãe de Jack e, como pai, John Joseph Nicholson. Com isso, Jack enfim tinha em mãos a documentação oficial que precisava para obter sua licença, mas, como viria a descobrir, a exemplo de tantas outras histórias da família nas quais acreditava piamente, nada daquilo era verdade.

12 Sandra Hawes, citada por Dennis McDougal. Five Easy Decades, p. 19.

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