o caminho de alcácer quibir: plano, marcha e batalha, ou a ... · racional, apontando alguns...

e-Strateacutegica 2 2018 bull ISSN 2530-9951 pp 49-61 49

O caminho de Alcaacutecer Quibir Plano marcha e batalha ou a dinacircmica da

forma militar

The road to Alcaacutecer Quibir planning marching and fighting or the dynamics of the military form

Luis Filipe Guerreiro da Costa e Sousa

Universidade Nova de Lisboa (CHAM FCSH)

Resumo

Pretende-se enquadrar a batalha de Alcaacutecer Quibir no contexto da arte militar quinhentista 1) destacar as componentes do processo conceptual e praacutetica ope-racional apontando alguns pontos de contacto com o processo de concepccedilatildeo arquitectoacutenico 2) analisar a problemaacutetica que envolveu o planeamento da for-matura a sua relaccedilatildeo com a organizaccedilatildeo da coluna de marcha do exeacutercito e a respectiva transposiccedilatildeo para a ordem de batalha definitiva

Palavras chave

D Sebastiatildeo Alcaacutecer Quibir Arte militar quinhentista Terccedilos Esquadrotildees

Abstract

It is intended to analyse the battle of Alcaacutecer Quibir in the context of 16th century military art in regard with the following items 1) highlight the components of the conceptual process and operational practices pointing out some points of

Investigador integrado CHAM FCSH Universidade NOVA de Lisboa Av de Berna 26 Edifiacutecio ID -1069-061 Lisboa - Portugal Correo electroacutenico costaesousaluisgmailcom

httpwwwjournal-estrategicacom

e-Strateacutegica 2 2018 bull ISSN 2530-9951 pp 49-6150

Luis FiLipe Guerreiro da Costa e sousa

contact with the process of architectural design 2) to analyze the planning of the order of battle design its relation with the organization of the marching column and its transposition to the final battle array

Keywords

D Sebastiatildeo Alcaacutecer Quibir Renaissance Art of War Terccedilos Esquadrotildees

ldquoEm arquitectura o programa de um edifiacutecio a sua transformaccedilatildeo na

ideia de um projecto os requisitos decorrentes das necessidades que o

edifiacutecio deve satisfazer assim como os siacutembolos que deve exprimir ndash

todos estes factores impedem que o processo de ordenaccedilatildeo evolua para

uma maior simplicidade simetria regularidade etc1

Durante o Renascimento de Quatrocentos e Quinhentos o campo de batalha foi o lugar privilegiado onde se experimentaram novas tecno-logias das quais se destacam todas as ciecircncias associadas com o desen-volvimento da pirobaliacutestica Desenvolveu-se a escrita teoacuterica que apro-fundou um vocabulaacuterio especializado Mas tratou-se tambeacutem de um complexo fenoacutemeno visual A organizaccedilatildeo do exeacutercitos envolveu a utili-zaccedilatildeo de alguns dos princiacutepios de composiccedilatildeo utilizados na arquitectu-ra como as relaccedilotildees de simetria e proporccedilatildeo e de teacutecnicas de concepccedilatildeo e representaccedilatildeo graacutefica das Artes visuais Tal como na arquitectura a transposiccedilatildeo das propostas teoacutericas para a realidade operacional con-sistia num processo dinacircmico que podemos sistematizar em trecircs fases distintas o planeamento preacutevio da disposiccedilatildeo dos soldados a organi-zaccedilatildeo da ordem da marcha do exeacutercito e a construccedilatildeo do dispositivo definitivo de batalha

A profusatildeo documental que subsiste sobre a batalha de Alcaacutecer Qui-bir em especial no que respeita aos textos escritos em primeira matildeo permite reconstituir com alguma certeza e detalhe a forma como se or-ganizou o exeacutercito de D Sebastiatildeo A anaacutelise comparada dos vaacuterios rela-tos presenciais revela um aspecto particularmente interessante existiu uma diferenccedila substancial entre o dispositivo planeado no conselho de guerra de finais de Julho e a ordem de batalha efectivamente adoptada para combater no dia 4 de Agosto Ter prova factual da articulaccedilatildeo entre o planeamento e a praacutetica no campo de batalha eacute um dado especialmen-te significativo e que soacute em eacutepoca mais tardia eacute possiacutevel descortinar

1 ARNHEIM A Dinacircmica da Forma Arquitectoacutenica pp 138-139


O caminhO de alcaacutecer Quibir PlanO marcha e batalha Ou a dinacircmica da fOrma militar

Tabela 1

Relaccedilotildees presenciais da batalha de Alcaacutecer Quibir

AutorData

publicaccedilatildeoTiacutetulo abreviado Suporte

Frei Luiacutes Nietto157815791580

Relacioacuten de las guerras de BerberiaEdiccedilatildeo francecircsEdiccedilatildeo latim

ManuscritoImpressoImpresso

D Duarte de Meneses c1578 Relacion Manuscrito

Meacutedico do xarife c1578 Lettre du medecin juif Manuscrito

Anoacutenimo espanhol c1578 Relacion de una carta Manuscrito

Anoacutenimo italiano c1578 Relacion Manuscrito

Simatildeo da Cunha c1578 Relaccedilatildeo Manuscrito

Anoacutenimo c1578Notas na relaccedilatildeo de Simatildeo da Cunha

Manuscrito

Filippo Terzi 1579 Cartas Manuscrito

Luiacutes de Oxeda c1582-86 Comentario Manuscrito

Bernardo da Cruz c1580 Chronica de D Sebastiatildeo Manuscrito

Goacuteis Loureiro atr c1588-95 Jornada drsquoel-rei D Sebastiatildeo Manuscrito

Anoacutenimo Seacutec XVI Croacutenica do Xarife Manuscrito

Anoacutenino africano Seacutec XVI Jornada de Aacutefrica del rey Manuscrito

Jeroacutenimo Mendonccedila 1607 Jornada de Aacutefrica Impresso

Miguel Leitatildeo Andrada 1629 Miscellanea Impresso

Eacute raro conseguir dados objectivos que permitam uma comparaccedilatildeo entre os dispositivos taacutecticos planeados com a forma com que as tropas efectivamente combateram A ordem de marcha do exeacutercito espanhol provavelmente na batalha de Mook foi descrita por Francisco de Val-deacutes2 A disposiccedilatildeo das forccedilas isabelinas na parada de Tilbury (Agosto de 1588) estaacute tambeacutem documentada com um desenho precioso existente no National Arquives Public Record Office O caso mais notaacutevel sobre o qual dispomos de informaccedilatildeo detalhada tanto no suporte escrito como graacutefico eacute a sequecircncia de desenhos com as ordens de batalha dos exeacuterci-tos sueco e imperiais durante a campanha de Luumltzen (1632)

O efectivo do exeacutercito de D Sebastiatildeo encontra-se descrito com ra-zoaacutevel detalhe e de maneira quase unacircnime pelos vaacuterios cronistas pre-senciais (tabela 1) O contingente consistia em sete ldquoterccedilosrdquo trecircs de sol-dados mercenaacuterios a tropa que hoje se poderia designar de choque e outros quatro de soldados levantados em vaacuterias comarcas do reino

2 VALDEacuteS Espejo y Disciplina Militar 44



Tabela 2

Os ldquoterccedilosrdquo de Alcaacutecer Quibir

ldquoTerccedilosrdquo Coroneacuteis Nordm Companhias Efectivo

Aventureiros Aacutelvaro Pires de Taacutevora 1400Espanhoacuteis D Alonso Aguilar 8-11 1600ldquoTudescosrdquo Martim de Tanenberg 12 2700Italianos Thomas Stuckeley 3-4 600Soldados de Tacircnger Alexandre Moreira 600Ordenanccedilas Francisco da Silveira 12 2000Ordenanccedilas Diogo Lopes de Sequeira 12 2000Ordenanccedilas D Miguel de Noronha 12 2000Ordenanccedilas Alentejo e Algarve

Francisco de Taacutevora 12 2000

Um dado ausente de todas as relaccedilotildees da batalha escritas pelos seus veteranos diz respeito agrave existecircncia de um plano inicial ndash um projecto ndash para utilizar uma linguagem arquitectoacutenica Este plano foi muito prova-velmente gizado no decurso de um conselho de guerra que teraacute tido lugar em Arzila3 Foi entatildeo decidido que os trecircs ldquoterccedilosrdquo com as tropas mais escolhidas deveriam formar em dois ldquoesquadrotildeesrdquo os restantes quatro

3 SILVA Carta de 27 de Julho 1578 Coleccion de Documentos Ineacuteditos para la Historia de Espantildea tomo XL p 83

3

httpswwwjournal-shy‐estrategicacom E-shy‐STRATEGICA 2 2018 middot∙ ISSN 2530-shy‐9951 pp

Figura 1 ordem de batalha imperial em Weissenfels copyHeeres Museum Viena

O efectivo do exeacutercito de D Sebastiatildeo encontra-se descrito com razoaacutevel detalhe

e de maneira quase unacircnime pelos vaacuterios cronistas presenciais (tabela 1) O contingente consistia em sete ldquoterccedilosrdquo trecircs de soldados mercenaacuterios a tropa que hoje se poderia designar de choque e outros quatro de soldados levantados em vaacuterias comarcas do reino

Tabela 2 Os ldquoterccedilosrdquo de Alcaacutecer Quibir

ldquoTerccedilosrdquo Coroneacuteis Nordm Companhias Efectivo Aventureiros Aacutelvaro Pires de Taacutevora 1400 Espanhoacuteis D Alonso Aguilar 8-11 1600 ldquoTudescosrdquo Martim de Tanenberg 12 2700 Italianos Thomas Stuckeley 3-4 600 Soldados de Tacircnger Alexandre Moreira 600 Ordenanccedilas Francisco da Silveira 12 2000 Ordenanccedilas Diogo Lopes de Sequeira 12 2000 Ordenanccedilas D Miguel de Noronha 12 2000 Ordenanccedilas Alentejo e Algarve Francisco de Taacutevora 12 2000

Um dado ausente de todas as relaccedilotildees da batalha escritas pelos seus veteranos

diz respeito agrave existecircncia de um plano inicial ndash um projecto ndash para utilizar uma linguagem arquitectoacutenica Este plano foi muito provavelmente gizado no decurso de um conselho de guerra que teraacute tido lugar em Arzila3 Foi entatildeo decidido que os trecircs


Figura 1

Ordem de batalha imperial em Weissenfels copyHeeres Museum Viena



constituiacutedos pelos soldados Portugueses levantados no Reino formariam outros dois ldquoesquadrotildeesrdquo A diferenccedila entre a forma planeada e a configu-raccedilatildeo com que o exeacutercito combateu no dia 4 de Agosto resultou em dis-crepacircncias de pormenor entre as descriccedilotildees escritas pelos veteranos da batalha em especial no que respeita agrave configuraccedilatildeo da forma do exeacutercito4

A formatura planeada teria assim uma forma quadrangular proacutexi-ma da geometria de um quadrado perfeito A formatura quadrangular encontra-se referenciada na generalidade tratadiacutestica militar quinhen-tista como por exemplo numa gravura do tratado de Domenico Mora publicado em 1570 Francisco de Valdeacutes considerava o ldquoesquadratildeo qua-dradordquo como o ldquomais proporcionado com igual fortaleza na vanguarda e retaguardardquo5 e defendia ser este o mais indicado para resistir ao ataque de um inimigo com um efectivo de cavalaria superior Esta era a situaccedilatildeo mais comum no Norte de Aacutefrica e em operaccedilotildees militares como a expe-diccedilatildeo espanhola a Oratildeo em 1509 ou na conquista de Azamor em 1513 os soldados foram de facto organizados em dispositivos quadrangulares6

A configuraccedilatildeo geomeacutetrica de uma formatura militar estruturava-se em funccedilatildeo de uma malha recticulada de traccedilado ortogonal Cada rec-tiacutecula era preenchida com um soldado e obedecia a uma meacutetrica riacutegi-da Esta meacutetrica era determinada natildeo soacute pelo espaccedilo fiacutesico ocupado por cada homem mas tambeacutem pelo espaccedilo necessaacuterio para o soldado manu-sear a sua arma Colocar os soldados em posiccedilatildeo no terreno fosse para batalha ou em parada designava-se por ldquoordenar o esquadratildeordquo No dia da batalha de Alcaacutecer Quibir a organizaccedilatildeo da cavalaria ficou a cargo do proacuteprio rei que tambeacutem assumiu pessoalmente o comando de ldquo400 homens de armas e 200 ginetesrdquo7 estes 600 homens foram distribuiacutedos da seguinte forma ldquo25 fileiras de 24 em fileira com que ficava em forma quase quadradardquo8

Esta tipologia quadrangular ldquoquase quadradardquo era designada na eacutepoca como ldquoesquadratildeo quadro de genterdquo O meacutetodo corrente para ldquoor-denar um esquadratildeordquo descrito na maioria dos manuais militares da eacutepo-

4 Uma das discrepacircncias mais gritantes encontra-se na relaccedilatildeo de Conestaggio que descreve uma ordem de batalha triangular (CONESTAGGIO DellrsquoUnione del regno di Portogallo alla Corona de Castiglia)

5 Francisco de VALDEacuteS Espejo y Disciplina Militar p 406 V SOUSA ldquoRevisitar a batalha de Alcaacutecer Quibirrdquo pp 111-159 7 ANOacuteNIMO Jornada de Aacutefrica del Rey D Sebastiatildeo Escrita por um Homem Africano p 26 8 ANOacuteNIMO Croacutenica do Xarife Mulei Mahamet e DrsquoEl-Rei D Sebastiatildeo p 184



ca9 obrigava agrave extracccedilatildeo da raiz quadrada ao efectivo total disponiacutevel o resultado da operaccedilatildeo indicava o nuacutemero de soldados a colocar em cada fileira e o total de fileiras da formatura A raiz quadrada de 600 o efectivo do ldquobatalhatildeordquo comandado por D Sebastiatildeo eacute 24 Os seus 600 cavaleiros repartiram-se por 24 fileiras cada uma com 24 homens A estas 24 acrescentou-se uma 25ordf fileira com o quantitativo resultante das ldquosobrasrdquo da operaccedilatildeo aritmeacutetica 24 cavaleiros de cada fileira multi-plicados por 24 fileiras totalizam 576 homens subtraiacutedos aos 600 dispo-niacuteveis restam 24 ou seja uma fileira completa

5


Figura 3 a configuraccedilatildeo geomeacutetrica do ldquobatalhatildeo do reirdquo ldquoQuem manda quer se faccedila um esquadratildeo quadro de genterdquo 10

ldquoPara isso tiro a rais quadrada do dito nuacutemerordquo radic600 = 24 e sobram 24 ldquoo nuacutemero que for tantos soldados teraacute o tal esquadratildeo por fronte e outros tantos por fundordquo11 24 homens em 24

fileiras acrescentando uma 25ordf com as sobras das operaccedilotildees aritmeacuteticas

O exeacutercito portuguecircs seguiu por terra em direcccedilatildeo ao objectivo oficial da expediccedilatildeo O territoacuterio era potencialmente hostil portanto tornava-se necessaacuterio delinear um dispositivo que facilitasse a construccedilatildeo da formatura definitiva no mais breve espaccedilo de tempo possiacutevel Conhecem-se os meacutetodos de organizar a formatura do exeacutercito a partir da coluna de marcha Podia-se desenhar ldquono chatildeo o espaccedilo que lhe parece [ao sargento-mor]rdquo12 para depois aiacute dispor ldquode soldados a tantos por fileira 10 SECO ldquoAnotaccedilotildees ao quarto livro das instruccedilotildees militares de Isidoro de Almeidardquo pp 205-229 11 Ibidem p 213 12 Era ao sargento-mor um dos postos mais elevados da hierarquia militar da eacutepoca que competiam as difiacuteceis tarefas de organizar as formaturas no campo de batalha Para mais detalhes sobre a problemaacutetica dos ldquocargos militaresrdquo tema caro da tratadiacutestica da segunda metade do seacuteculo XVI e iniacutecio do seacuteculo XVI v SOUSA Construir e desconstruir a guerra em Portugal 1568-1598 pp 423-433

Figura 3

A configuraccedilatildeo geomeacutetrica do ldquobatalhatildeo do reirdquo

ldquoQuem manda quer se faccedila um esquadratildeo quadro de genterdquo10

ldquoPara isso tiro a rais quadrada do dito nuacutemerordquo radic600 = 24 e sobram 24 ldquoo nuacutemero que for tantos soldados teraacute o tal esquadratildeo por fronte e outros tantos por fundordquo11 24 homens em 24 fileiras acrescentando uma 25ordf com as sobras das operaccedilotildees aritmeacuteticas

9 Della Valle Cataneo Valdeacutes Afonso de Melo Alava y Viamont e Vasconcelos jaacute mencionados mas tambeacutem Matheo Giovanni Cicoogna (1567) Luiacutes Gutieacuterrez de la Veja (1569) Juaacuten de Carrioacuten Pardo (1595) e Luiacutes Aacutelvaro Seco (1597)

10 SECO ldquoAnotaccedilotildees ao quarto livro das instruccedilotildees militares de Isidoro de Almeidardquo pp 205-229

11 Ibidem p 213



O exeacutercito portuguecircs seguiu por terra em direcccedilatildeo ao objectivo ofi-cial da expediccedilatildeo O territoacuterio era potencialmente hostil portanto tor-nava-se necessaacuterio delinear um dispositivo que facilitasse a construccedilatildeo da formatura definitiva no mais breve espaccedilo de tempo possiacutevel Co-nhecem-se os meacutetodos de organizar a formatura do exeacutercito a partir da coluna de marcha Podia-se desenhar ldquono chatildeo o espaccedilo que lhe parece [ao sargento-mor]rdquo12 para depois aiacute dispor ldquode soldados a tantos por fi-leira como no espaccedilo cabemrdquo13 Contudo o meacutetodo mais vulgarizado era outro designado por ldquoredobrar fileirasrdquo

ldquoEs hacer redoblar las filas y este es que la segunda entre la primera y

la cuarta entre la tercera y la sexta en la quinta y assiacute sucesive hasta

tanto que donde el las eran ciento a cinco por fila queden en cincuenta

filas a diez hombres por filardquo14

Este meacutetodo foi descrito por vaacuterios autores como Batista della Val-le (1521) Girolamo Cataneo (1563) Francisco de Valdeacutes (1578) Martim Afonso de Melo (c1567) Diego de Alava y Viamont (1590) ou Luiacutes Men-des de Vasconcelos (1598-1612) citando apenas alguns dos tratadistas mais significativos

A coluna de marcha foi organizada em trecircs linhas vanguarda ba-talha e retaguarda Durante a semana que durou a movimentaccedilatildeo dos mais de 20000 homens do exeacutercito sebaacutestico a posiccedilatildeo dos sete ldquoterccedilosrdquo alternou-se em cada linha na frente seguia a artilharia precedida pelos cavaleiros de Tacircnger e mais agrave frente seguiam outros 100 cavalos em exploraccedilatildeo No meio estava a bagagem e o grosso da cavalaria que con-tava com um nuacutemero substancial de ldquoacobertadosrdquo ndash cavalaria pesada ndash repartidos pelos dois flancos

O ponto de partida para reconstruir a configuraccedilatildeo da forma dos ldquoes-quadrotildeesrdquo do exeacutercito de D Sebastiatildeo encontra-se novamente na trata-diacutestica Segundo Luiacutes Mendes de Vasconcelos um ldquoesquadratildeordquo de cavalos deveria ter ldquoa mesma proporccedilatildeordquo ndash a forma entenda-se ndash ldquoque o esquadratildeo

12 Era ao sargento-mor um dos postos mais elevados da hierarquia militar da eacutepoca que competiam as difiacuteceis tarefas de organizar as formaturas no campo de batalha Para mais detalhes sobre a problemaacutetica dos ldquocargos militaresrdquo tema caro da tratadiacutestica da segunda metade do seacuteculo XVI e iniacutecio do seacuteculo XVI v SOUSA Construir e desconstruir a guerra em Portugal 1568-1598 pp 423-433

13 VASCONCELOS Arte Militar p 13614 SALAZAR Tratado de Re Militari p 143



Figura 4

ldquoDobrar fileirasrdquo Battista della Valle (1521) e Martim Afonso de Melo (c1567)

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como no espaccedilo cabemrdquo13 Contudo o meacutetodo mais vulgarizado era outro designado por ldquoredobrar fileirasrdquo

ldquoEs hacer redoblar las filas y este es que la segunda entre la primera y la cuarta entre la tercera y la sexta en la quinta y assiacute sucesive hasta tanto que donde el las eran ciento a cinco por fila queden en cincuenta filas a diez hombres por filardquo14

Este meacutetodo foi descrito por vaacuterios autores como Batista della Valle (1521) Girolamo Cataneo (1563) Francisco de Valdeacutes (1578) Martim Afonso de Melo (c1567) Diego de Alava y Viamont (1590) ou Luiacutes Mendes de Vasconcelos (1598-1612) citando apenas alguns dos tratadistas mais significativos

Figura 4 ldquodobrar fileirasrdquo Battista della Valle (1521) e Martim Afonso de Melo (c1567)

A coluna de marcha foi organizada em trecircs linhas vanguarda batalha e

retaguarda Durante a semana que durou a movimentaccedilatildeo dos mais de 20000 homens do exeacutercito sebaacutestico a posiccedilatildeo dos sete ldquoterccedilosrdquo alternou-se em cada linha na frente seguia a artilharia precedida pelos cavaleiros de Tacircnger e mais agrave frente seguiam outros 100 cavalos em exploraccedilatildeo No meio estava a bagagem e o grosso da cavalaria que contava com um nuacutemero substancial de ldquoacobertadosrdquo ndash cavalaria pesada ndash repartidos pelos dois flancos

O ponto de partida para reconstruir a configuraccedilatildeo da forma dos ldquoesquadrotildeesrdquo do exeacutercito de D Sebastiatildeo encontra-se novamente na tratadiacutestica Segundo Luiacutes Mendes de Vasconcelos um ldquoesquadratildeordquo de cavalos deveria ter ldquoa mesma proporccedilatildeordquo

13 VASCONCELOS Arte Militar p 136 14 SALAZAR Tratado de Re Militari p 143

de piques amp arcabuzeirosrdquo15 Naturalmente que o contraacuterio era tambeacutem verdade Isto eacute podemos extrapolar a forma quadrada a partir da confi-guraccedilatildeo do ldquobatalhatildeo de cavalosrdquo do rei tal como descrito pelo cronista anoacutenimo da Croacutenica do Xarife Mulei Mahamet e DrsquoEl-Rei D Sebastiatildeo

O meacutetodo utilizado para construir a formatura de batalha correspon-deria grosso modo ao meacutetodo de ldquoredobrar as fileirasrdquo que referimos atraacutes A formatura de marcha tripartida seria convertida num dispositi-vo quadrangular a duas linhas

Esta suposiccedilatildeo eacute confirmada pelo relato do primeiro confronto for-mal entre os dois exeacutercitos que teve lugar a 3 de Agosto na veacutespera da batalha Do lado saacutedida tratou-se aparentemente de uma acccedilatildeo mera-mente exploratoacuteria destinada eventualmente a sondar o adversaacuterio Para os portugueses foi a oportunidade de testar a capacidade militar das tropas em especial dos soldados recrutados no Reino De alguma forma tratou-se de um ensaio geral para a batalha que teria lugar no dia seguinte

15 VASCONCELOS Arte militar p 156



Figura 5

Da ordem de marcha agrave formatura planeada

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ndash a forma entenda-se ndash ldquoque o esquadratildeo de piques amp arcabuzeirosrdquo15 Naturalmente que o contraacuterio era tambeacutem verdade Isto eacute podemos extrapolar a forma quadrada a partir da configuraccedilatildeo do ldquobatalhatildeo de cavalosrdquo do rei tal como descrito pelo cronista anoacutenimo da Croacutenica do Xarife Mulei Mahamet e DrsquoEl-Rei D Sebastiatildeo

O meacutetodo utilizado para construir a formatura de batalha corresponderia grosso modo ao meacutetodo de ldquoredobrar as fileirasrdquo que referimos atraacutes A formatura de marcha tripartida seria convertida num dispositivo quadrangular a duas linhas

Figura 5 da ordem de marcha agrave formatura planeada

Esta suposiccedilatildeo eacute confirmada pelo relato do primeiro confronto formal entre os

dois exeacutercitos que teve lugar a 3 de Agosto na veacutespera da batalha Do lado saacutedida tratou-se aparentemente de uma acccedilatildeo meramente exploratoacuteria destinada eventualmente a sondar o adversaacuterio Para os portugueses foi a oportunidade de testar a capacidade militar das tropas em especial dos soldados recrutados no Reino De alguma forma tratou-se de um ensaio geral para a batalha que teria lugar no dia seguinte

Cerca de 5000 cavaleiros magrebinos aproximaram-se da retaguarda do exeacutercito onde nesse dia seguiam as tropas comandados pelo coronel Vasco da Silveira Foi dada ordem para juntar os dois terccedilos num uacutenico ldquoesquadratildeordquo de forma rectangular cujos lados se protegeram com atiradores reforccedilando ainda dois veacutertices deste poliacutegono com dois canhotildees (ldquoesmerilhotildeesrdquo) A cavalaria comandada pelo rei colocou-se na frente Os restantes ldquoesquadrotildeesrdquo teratildeo mantido a posiccedilatildeo que ocupavam no dispositivo de marcha

Figura 6 construccedilatildeo da formatura no dia 3 de Agosto


Cerca de 5000 cavaleiros magrebinos aproximaram-se da retaguar-da do exeacutercito onde nesse dia seguiam as tropas comandados pelo co-ronel Vasco da Silveira Foi dada ordem para juntar os dois terccedilos num uacutenico ldquoesquadratildeordquo de forma rectangular cujos lados se protegeram com atiradores reforccedilando ainda dois veacutertices deste poliacutegono com dois ca-nhotildees (ldquoesmerilhotildeesrdquo) A cavalaria comandada pelo rei colocou-se na frente Os restantes ldquoesquadrotildeesrdquo teratildeo mantido a posiccedilatildeo que ocupa-vam no dispositivo de marcha 8


No dia da batalha o exeacutercito combateu com uma formatura diferente do desenho

planeado em Arzila A primeira linha manteve a configuraccedilatildeo de marcha e apenas os aventureiros avanccedilaram um pouco em relaccedilatildeo aos companheiros os espanhoacuteis na esquerda (ldquoonde ameaccedilava o maior golpe de inimigosrdquo) e os alematildees na direita (ldquoporque deste lado os assegurava o riordquo)16

Os dois terccedilos da 2ordf linha a cargo do coronel Vasco da Silveira juntaram-se tal como no dia anterior num ldquoesquadratildeordquo rectangular de acordo com o planeado Na esquerda deste esquadratildeo ldquode 20 bandeiras com quase cinco mil homensrdquo17 o espaccedilo livre onde devia ficar outro esquadratildeo ndash construiacutedo com os dois ldquoterccedilosrdquo da retaguarda ndash foi fechado com os cerca de 500 carros que transportavam a bagagem Na retaguarda os ldquoterccedilosrdquo de Francisco de Taacutevora e D Miguel de Noronha mantiveram os seus lugares protegidos com cerca de 300 atiradores apoiados por 2 ou 3 canhotildees No essencial o exeacutercito combateu organizado nas mesmas trecircs linhas com que marchava

Figura 7 Ordem de marcha agrave ordem de batalha definitiva

16 Relation de Luiacutes de Oxeda Les Sources Ineacutedites de lrsquoHistoire du Maroc t1 1905 pp 601 17 ANOacuteNIMO Croacutenica do Xarifehellip p 195

Figura 6

Construccedilatildeo da formatura no dia 3 de Agosto



No dia da batalha o exeacutercito combateu com uma formatura diferente do desenho planeado em Arzila A primeira linha manteve a configu-raccedilatildeo de marcha e apenas os aventureiros avanccedilaram um pouco em relaccedilatildeo aos companheiros os espanhoacuteis na esquerda (ldquoonde ameaccedilava o maior golpe de inimigosrdquo) e os alematildees na direita (ldquoporque deste lado os assegurava o riordquo)16

Os dois terccedilos da 2ordf linha a cargo do coronel Vasco da Silveira junta-ram-se tal como no dia anterior num ldquoesquadratildeordquo rectangular de acor-do com o planeado Na esquerda deste esquadratildeo ldquode 20 bandeiras com quase cinco mil homensrdquo17 o espaccedilo livre onde devia ficar outro esqua-dratildeo ndash construiacutedo com os dois ldquoterccedilosrdquo da retaguarda ndash foi fechado com os cerca de 500 carros que transportavam a bagagem Na retaguarda os ldquoterccedilosrdquo de Francisco de Taacutevora e D Miguel de Noronha mantiveram os seus lugares protegidos com cerca de 300 atiradores apoiados por 2 ou 3 canhotildees No essencial o exeacutercito combateu organizado nas mesmas trecircs linhas com que marchava

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Figura 7

Ordem de marcha agrave ordem de batalha definitiva

Um dos relatos presenciais da batalha daacute-nos uma perspectiva de conjunto da formatura do exeacutercito no dia 4 de Agosto O autor segue o ponto de vista de D Sebastiatildeo quando se dirigiu para um coche que ldquoque

16 Relation de Luiacutes de Oxeda Les Sources Ineacutedites de lrsquoHistoire du Maroc t1 1905 pp 60117 ANOacuteNIMO Croacutenica do Xarife p 195



tinha mandado ir agrave sua ilharga rdquo18 entre o ldquobatalhatildeordquo da cavalaria (que ele proacuteprio comandava) e os soldados espanhoacuteis Trata-se de um movi-mento dinacircmico com uma curiosa semelhanccedila com a linguagem cine-matograacutefica o chamado ldquotravelling lateralrdquo ou seja um movimento ho-rizontal quando a cacircmara se desloca paralelamente ao objecto filmado

A descriccedilatildeo comeccedila na frente do exeacutercito com o ponto de vista (fi-gura 8 j) centrado na ldquoVanguardardquo ldquocontinuou ao longo do terccedilo dos castelhanosrdquo o ponto de vista (figura 8 k) desloca-se para a segunda linha a ldquoBatalhardquo ldquo um pouco atraacutes onde ficava uma praccedila para os pa-gens e cavalosrdquo este espaccedilo livre encontrava-se protegido pelo exterior com as ldquocarretas com toda a bagagem dentro delas de longo dos esqua-drotildees pela matildeo esquerdardquo por fim chega-se agrave ldquoRetaguardardquo do exeacutercito (figura 8 l) ldquo e o terccedilo de Francisco de Taacutevorardquo19 10


Continua muito para dizer (e escrever) sobre Alcaacutecer Quibir O leque de

assuntos que envolve ainda carecem de aprofundamento e debate como eacute o caso das movimentaccedilotildees diplomaacuteticas que antecederam a campanha militar ou o complexo processo de preparaccedilatildeo da expediccedilatildeo A perspectiva que se apresentou um ponto de vista arquitectoacutenico sobre a organizaccedilatildeo do campo de batalha pretende demonstrar a potencialidade de um tema que continua tatildeo apaixonante e poleacutemico como desde o fatiacutedico dia 4 de Agosto de 1578

Fuentes y Bibliografia

ANOacuteNIMO Croacutenica do Xarife Mulei Mahamet e DrsquoEl-Rei D Sebastiatildeo Europress Odivelas 1987 p 184

Figura 8

Os trecircs pontos de vista assinalados no esboccedilo do veterano portuguecircs

c1579 BN Portugal

18 ANOacuteNIMO Croacutenica do Xarife p 18719 ANOacuteNIMO Croacutenica do Xarife p 195



Continua muito para dizer (e escrever) sobre Alcaacutecer Quibir O leque de assuntos que envolve ainda carecem de aprofundamento e debate como eacute o caso das movimentaccedilotildees diplomaacuteticas que antecederam a cam-panha militar ou o complexo processo de preparaccedilatildeo da expediccedilatildeo A perspectiva que se apresentou um ponto de vista arquitectoacutenico sobre a organizaccedilatildeo do campo de batalha pretende demonstrar a potenciali-dade de um tema que continua tatildeo apaixonante e poleacutemico como desde o fatiacutedico dia 4 de Agosto de 1578



ANOacuteNIMO Jornada de Aacutefrica del Rey D Sebastiatildeo Escrita por um Homem Africano INCM Lisboa 2004

ARNHEIM Rudolf A Dinacircmica da Forma Arquitectoacutenica Editorial Presenccedila Lisboa 1988

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VALDEacuteS Francisco de Espejo y Disciplina Militar Ministerio de la Defensa Madrid 1989

VASCONCELOS Luiacutes Mendes de Arte Militar Vicente Alvarez Alenquer 1612

VELOSO Queiroacutes D Sebastiatildeo 1554-1578 Imprensa Nacional de Publicidade Lisboa 1945

Fecha de recepcioacuten 14-1-2018

Fecha de aceptacioacuten 13-04-2018

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contact with the process of architectural design 2) to analyze the planning of the order of battle design its relation with the organization of the marching column and its transposition to the final battle array

Keywords

D Sebastiatildeo Alcaacutecer Quibir Renaissance Art of War Terccedilos Esquadrotildees

ldquoEm arquitectura o programa de um edifiacutecio a sua transformaccedilatildeo na

ideia de um projecto os requisitos decorrentes das necessidades que o

edifiacutecio deve satisfazer assim como os siacutembolos que deve exprimir ndash

todos estes factores impedem que o processo de ordenaccedilatildeo evolua para

uma maior simplicidade simetria regularidade etc1

Durante o Renascimento de Quatrocentos e Quinhentos o campo de batalha foi o lugar privilegiado onde se experimentaram novas tecno-logias das quais se destacam todas as ciecircncias associadas com o desen-volvimento da pirobaliacutestica Desenvolveu-se a escrita teoacuterica que apro-fundou um vocabulaacuterio especializado Mas tratou-se tambeacutem de um complexo fenoacutemeno visual A organizaccedilatildeo do exeacutercitos envolveu a utili-zaccedilatildeo de alguns dos princiacutepios de composiccedilatildeo utilizados na arquitectu-ra como as relaccedilotildees de simetria e proporccedilatildeo e de teacutecnicas de concepccedilatildeo e representaccedilatildeo graacutefica das Artes visuais Tal como na arquitectura a transposiccedilatildeo das propostas teoacutericas para a realidade operacional con-sistia num processo dinacircmico que podemos sistematizar em trecircs fases distintas o planeamento preacutevio da disposiccedilatildeo dos soldados a organi-zaccedilatildeo da ordem da marcha do exeacutercito e a construccedilatildeo do dispositivo definitivo de batalha

A profusatildeo documental que subsiste sobre a batalha de Alcaacutecer Qui-bir em especial no que respeita aos textos escritos em primeira matildeo permite reconstituir com alguma certeza e detalhe a forma como se or-ganizou o exeacutercito de D Sebastiatildeo A anaacutelise comparada dos vaacuterios rela-tos presenciais revela um aspecto particularmente interessante existiu uma diferenccedila substancial entre o dispositivo planeado no conselho de guerra de finais de Julho e a ordem de batalha efectivamente adoptada para combater no dia 4 de Agosto Ter prova factual da articulaccedilatildeo entre o planeamento e a praacutetica no campo de batalha eacute um dado especialmen-te significativo e que soacute em eacutepoca mais tardia eacute possiacutevel descortinar

1 ARNHEIM A Dinacircmica da Forma Arquitectoacutenica pp 138-139



Tabela 1


AutorData











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11 Ibidem p 213















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o caminho de alcácer quibir: plano, marcha e batalha, ou a ... · racional, apontando alguns...

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