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ANAIS XII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 882 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE ATOS NORMATIVOS E A DEMOCRACIA: UMA ANÁLISE DA ALTERNATIVA PROPOSTA PELO MODELO FRANCÊS 985 CONSTITUTIONAL CONTROL OF NORMATIVE ACTS AND DEMOCRACY: AN ANALYSIS OF THE ALTERNATIVE PROPOSED BY THE FRENCH MODEL Janaína Maria Bettes 986 Carla Vladiane Alves Leite 987 Resumo O controle de constitucionalidade realizado pelo Judiciário, inspirado no modelo austríaco ou no modelo norte-americano, é considerado contramajoritário e ofensivo à democracia por muitos estudiosos do tema. O Brasil, traumatizado pelos excessos da ditadura, quando do período de transição democrática, optou pela adoção de um sistema de controle de constitucionalidade judicial misto, o qual faz uso dos dois modelos citados anteriormente, mas deixando de lado os mecanismos limitadores de atuação próprios dos dois sistemas. Em outras palavras, é possível considerar o Judiciário brasileiro como um Poder que não responde a ninguém e violador do sistema de freios e contrapesos, em razão do visível desiquilíbrio de funções e limitações em relação ao Legislativo e ao Executivo. De outra parte, a França 985 Artigo submetido em 04/04/2016, pareceres de aprovação em 24/04/2016 e 03/05/2016, aprova- ção comunicada em 17/05/2016. 986 Mestranda em Direito Econômico e Socioambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná –Curitiba – PR Especialista em Direito Constitucional pela Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná – FEMPAR. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. Advogada. Curitiba, Paraná, Brasil. E-mail: [email protected] 987 Doutoranda em Direito Econômico e Socioambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná –Curitiba – PR. Mestre pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Graduada em Direito pela Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA. Advogada. Curitiba, Paraná, Brasil. E-mail: [email protected]

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ANAIS XII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 882

O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE ATOS NORMATIVOS E A DEMOCRACIA: UMA ANÁLISE DA ALTERNATIVA PROPOSTA PELO

MODELO FRANCÊS985

CONSTITUTIONAL CONTROL OF NORMATIVE ACTS AND DEMOCRACY: AN ANALYSIS OF THE ALTERNATIVE PROPOSED BY THE FRENCH MODEL

Janaína Maria Bettes986

Carla Vladiane Alves Leite987

ResumoO controle de constitucionalidade realizado pelo Judiciário, inspirado no

modelo austríaco ou no modelo norte-americano, é considerado contramajoritário e ofensivo à democracia por muitos estudiosos do tema. O Brasil, traumatizado pelos excessos da ditadura, quando do período de transição democrática, optou pela adoção de um sistema de controle de constitucionalidade judicial misto, o qual faz uso dos dois modelos citados anteriormente, mas deixando de lado os mecanismos limitadores de atuação próprios dos dois sistemas. Em outras palavras, é possível considerar o Judiciário brasileiro como um Poder que não responde a ninguém e violador do sistema de freios e contrapesos, em razão do visível desiquilíbrio de funções e limitações em relação ao Legislativo e ao Executivo. De outra parte, a França

985 Artigo submetido em 04/04/2016, pareceres de aprovação em 24/04/2016 e 03/05/2016, aprova-ção comunicada em 17/05/2016.

986 Mestranda em Direito Econômico e Socioambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná –Curitiba – PR Especialista em Direito Constitucional pela Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná – FEMPAR. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. Advogada. Curitiba, Paraná, Brasil. E-mail: [email protected]

987 Doutoranda em Direito Econômico e Socioambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná –Curitiba – PR. Mestre pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Graduada em Direito pela Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA. Advogada. Curitiba, Paraná, Brasil. E-mail: [email protected]

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faz uso de um modo diverso de controle de constitucionalidade, o qual é efetivado pelo Conselho Constitucional, órgão ligado ao Legislativo e, portanto, com um forte apelo em termos de legitimidade democrática. Diante disto, é importante entender como funcionam os sistemas de controle de constitucionalidade austríaco e norte-americano, seus dilemas e críticas de viés democrático, como o Judiciário brasileiro formou um sistema híbrido pela agregação dos outros dois modelos, sujeito a mais situações problemáticas ainda; para, em seguida, estudar o procedimento francês e verificar se este é, de fato, uma via de promoção da democracia.

Palavras-chave: Constitucionalismo; democracia; Estado.

Abstract

Constitutional control by the Judiciary, inspired by the Austrian and North-American model, is considered countermajoritarian and offensive to democracy by many scholars. During the period of democratic transition Brazil, which was traumatized by the excesses of the dictatorship, chose to adopt a mixed legal system to review constitutionality, using the two aforementioned models, but removing the limiting mechanisms of both systems. In other words, we can view the Brazilian Judiciary as a power that does not respond to anyone and violates the system of checks and balances as a result of the obvious unbalance of roles and limitations in relation to the Legislative and Executive. France, in turn, uses a different type of constitutional control, which is implemented by the Constitutional Council, an institution that is linked to the Legislative and, therefore, has a strong appeal in terms of democratic legitimacy. Thus, it is important to understand how the Austrian and North-American systems of constitutional control operate, their dilemmas and democratic critique, how the Brazilian Judiciary established a hybrid system by adding the other two models, subject to even more problematic situations; then, we examine the French model to see whether the latter is, in fact, a way to promote democracy.

Keywords: constitutionalism; democracy; State

1. IntroduçãoO sistema de controle de constitucionalidade de atos normativos surge como

meio de garantir a supremacia constitucional e evitar eventuais abusos cometidos pelo Legislativo ou pelo Executivo, dependendo da origem do referido comando normativo, capazes de suprimir direitos ou garantias do cidadão frente ao poder do Estado.

Boa parte dos países ocidentais faz uso do controle executado pela via judicial, inspirado em dois modelos distintos em suas características fundamentais, o austríaco e o norte-americano. Contudo, a doutrina diverge muito quanto à legitimidade do modelo judicial, justamente por ser acusado de ser contramajoritário e, portanto, atentar contra a democracia, tendo em vista que os magistrados não seriam eleitos pela população e não teriam responsabilidade direta perante esta.

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O modelo norte-americano caracteriza-se basicamente pela capacidade de todo magistrado poder averiguar, diante do caso concreto, ofensa à Constituição por determinada norma, que pode ser declarada inconstitucional para aquela situação ou não. Referido sistema combate a insegurança jurídica por meio do uso de stare decises, também conhecido como precedentes da Suprema Corte.

O modelo austríaco, desenvolvido por Hans Kelsen, cria um Tribunal Constitucional, a parte dos demais órgãos do Judiciário, com a função exclusiva de analisar hipoteticamente a constitucionalidade de leis e atos executivos, afirmando a sua legitimidade ou retirando do ordenamento. Ao contrário do modelo anterior, este não se exerce em um caso concreto, mas apenas avalia a norma em tese.

O Brasil, em virtude de um duradouro período ditatorial e de traumas por todos os excessos cometidos pelo regime militar, da ditadura, quando do período de transição democrática, optou pela criação de um sistema de controle de constitucionalidade judicial misto, responsável pela agregação dos dois modelos citados anteriormente, mas deixando de lado os necessários mecanismos limitadores de atividades judiciárias próprios de cada um dos dois sistemas.

Deste modo, o Judiciário brasileiro é considerado muitas vezes como o mais complicado dos Poderes do Estado, tendo em vista que não responde a ninguém por ser excessivamente independente; e viola o aclamado sistema de freios e contrapesos, em virtude do desequilíbrio de funções que exerce e de falta de limitações em comparação com o Legislativo e o Executivo.

Em suma, o Poder Judiciário do Brasil aparece como o grande vilão em termos democráticos por aqueles que defendem a Teoria dos Diálogos, como por exemplo Roberto GARGARELLA, pois haveria um distanciamento entre os magistrados e a população; aqueles não responderiam de modo algum a esta; suas decisões seriam desprovidas de legitimidade democrática pelo fato do povo não ser capaz de participar da sua formulação e tampouco revisar o que fora decidido.

Em contrapartida, a França faz uso de um modo diverso de controle de constitucionalidade normativa, que se consolida por meio da atuação do Conselho Constitucional, órgão ligado ao Legislativo e, portanto, com um forte apelo em termos de legitimidade democrática, visto ser composto, em tese, por representantes eleitos pelo povo.

Desde a promulgação da Constituição de 1958, cabia ao Conselho Constitucional, um órgão ligado ao Legislativo e não ao Judiciário, a execução do controle de constitucionalidade preventivo. Contudo, em 23 de julho de 2008, uma grande reforma constitucional foi promovida, permitindo que o referido Conselho possa verificar a constitucionalidade de determinada lei posteriormente a sua entrada em vigor.

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O problema central posto neste estudo traduz-se no seguinte questionamento: a democracia deliberativa pode ser vislumbrada no funcionamento do processo de controle de constitucionalidade?

A hipótese que se defende para solucionar a problemática proposta é a de que o método de controle de constitucionalidade francês, de viés político e não jurídico, apresenta-se mais adequado à luz da democracia deliberativa popular.

O objetivo central é comparar os sistemas de controle judicial austríaco e norte-americano ao sistema francês no que toca ao atendimento das necessidades do diálogo democrático.

O estudo justifica-se pela crescente crítica apresentada pela doutrina especializada ao caráter eminentemente contramajoritário da verificação judicial de constitucionalidade, pois a sociedade não é convidada a participar das decisões necessárias quando verificado qualquer tipo de conflito entre a Magna Carta e alguma espécie normativa, bem como os magistrados não respondem diretamente à população, vindo a apresentar soluções desagregadas aos anseios sociais.

Foram adotados os métodos comparativo, tendo em vista que foram postos lado a lado o controle judicial e o político para verificação de seu atendimento à democracia deliberativa; e hipotético-dedutivo, em razão de haver um problema no que tange ao papel democrático das instituições responsáveis pela fiscalização constitucional.

Para isso, serão analisados os métodos de controle de constitucionalidade desenvolvidos na Áustria e nos Estados Unidos da América, bem como o sistema híbrido criado pelo Brasil; além de serem verificadas as críticas que permeiam ambos os sistemas no que tange à democracia deliberativa. Adiante, estudar-se-á o procedimento adotado na França, de viés político, que se apresenta como uma outra via de verificação de constitucionalidade mais atenta ao diálogo e à participação popular próprios de uma democracia participativa.

2. O controle de constitucionalidade judicial brasileiro

O controle de constitucionalidade de leis pela via judicial apresenta-se em duas formas diversas, cada uma desenvolvida em um momento diferente da história, mas ambas com a finalidade de preservar a ordem constitucional perante o surgimento de novas leis, que poderiam ou não ser declaradas ofensivas pelo Judiciário.

Em 1803, no curso do julgamento do caso Marbury vs. Madison, o juiz John Marshall, presidente da Suprema Corte dos Estados Unidos da América, pôs em prática uma teoria já proposta por alguns estudiosos, como Emannuel Joseph

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Sieyès988 e Alexander Hamilton989, os quais defendiam a necessidade de um controle de constitucionalidade das leis por um órgão jurisdicional.

John Marshall fora nomeado Chief Justice da Suprema Corte por John Adams para impor limites à capacidade política de Thomas Jefferson como Presidente da República. O Congresso, antes da tomada de poder por este último, promulgou o Ato Judicial de 1801, segundo o qual haveria um aumento no número de cortes judiciais, diminuição do número de ministros da Suprema Corte e permissão concedida ao Presidente para nomear juízes federais e de paz. (LEÓN, 2010, p.223-260)

Diante do aumento do número de vagas e de indicações de juízes pelo Presidente John Adams, bem como da impossibilidade deste entregar os referidos cargos até o término de seu mandato, ficou a cargo do novo Secretário de Estado, James Madison, esta tarefa. Dentre os nomeados e não empossados estava William Marbury, que recebeu a designação para atuar como juiz de

paz no distrito da Colúmbia. A fim de contrariar o Presidente anterior, Jefferson decidiu não entregar os cargos aos respectivos juízes, por meio de um novo Ato Judicial de 1802. (LEÓN, 2010, p.223-260)

Para reverter a situação, William Marbury interpôs um writ of mandamus perante a Suprema Corte, que decidiu declarar inconstitucional o Ato Judicial de 1789, sessão 13, que permitia ao referido órgão jurisdicional conhecer o writ of mandamus, tendo em vista que a lei infraconstitucional atribuía à Corte mais funções do que as estabelecidas pelo Texto Constitucional. (LEÓN, 2010, p.223-260)

Em suma, tal declaração de inconstitucionalidade, permitia que o Tribunal se esquivasse de dar uma solução prejudicial a John Marshall ou a Thomas Jefferson. E William Marbury nunca pode exercer a função de juiz de paz no distrito de Colúmbia. (LEÓN, 2010, p.223-260)

E assim ficou marcada a história do controle de constitucionalidade por um órgão jurisdicional, pois foi a primeira vez que se vislumbrou na prática, o que já se imaginava na teoria, que era a tutela da Magna Carta como fonte fundamental do Direito, a coesão do ordenamento jurídico e a possibilidade de o Judiciário impedir a

988 Para mais detalhes, vide FIORAVANTI, Marco. Sieyès et le jury constitutionnaire: perspectives historico-juridiques. Annales historiques de la Révolution française, v. 349, juillet-septembre 2007, p.87-103. JAUME, Lucien.Sieyès et le sens du Jury Constitutionnaire: une reinterpretation. Historica Constitucional, n.3, 2002. Disponível em: < http://www.historiaconstitucional.com/index.php/historiaconstitucional/article/download/175/156>. Acesso em: 20 mar 2016. SIEYÈS, Emmanuel Joseph. Escritos y discursos de la revolucion. Madrid: Centro de Estudios Consti-tucionales, 1990.

989 Segundo Virgílio Afonso da Silva, Emmanuel Joseph Sieyès propôs a criação de um Jury Constitutionnaire, em 1795; e James Madison já havia apresentado reflexões sobre o tema no Artigo Federalista nº 78, de 1788. (SILVA, 2009. p. 197 – 227.)

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efetividade de leis que afrontam direitos e garantias constitucionais.990

Vale destacar que o controle de constitucionalidade norte-americano é exercido por todos os órgãos jurisdicionais, que podem deixar de aplicar ao caso concreto, com efeito apenas entre as partes, determinada norma que considere ofensiva à Constituição. Para evitar que tal situação gere insegurança jurídica, o sistema é dotado de um mecanismo de uniformização de jurisprudência, o stare decisis, em que a Suprema Corte, em grau recursal, emite uma decisão sobre assunto polêmico que vincula todos os demais magistrados. (LARANJEIRAS, 2015)

Para fugir de dar uma resposta direta a William Marbury e não comprometer a relação da Suprema Corte com o Presidente da República, John Marshall utilizou-se do seguinte raciocínio, segundo Carlos Santiago NINO:

Premisa 1: La obrigación del poder judicial es aplicar la ley. Premisa 2: Cuando existen dos leyes contradictorias, la aplicación de una de

ellas excluye la aplicación de la oltra. Premisa 3: La constitución es la ley suprema y define cuándo otras normas

son ley. Premisa 4: La supremacía de la constitución implica que cuando ésta en

conflicto con una norma sancionada por la legislatura, la última carece de validez.

Premisa 5: Si la premisa 4 no fuera verdadera, la legislatura podría modificar la constitución a través de una ley ordinaria y, de este modo, la constitución no sería operativa para limitar a esa legislatura.

Premisa 6: La legislatura está limitada por la constitución. Premisa 7: Si una orma no es una ley válida, ésta carece de fuerza obligatoria. Conclusión: Si una norma sancionada por la legislatura es contraria a la

constitución, esa norma no debe ser aplicada por el poder judicial. (NINO,1996, p.261-262)

Este raciocínio desenvolvido por Marshall é muito criticado por alguns autores (HAMON; TROPER; BURDEAU, 2005. p.266; NINO, 1996. p. 262; SILVA, 2009. p. 197–227), por considerá-lo tautológico e não lógico. Os principais apontamentos sobre o tema são os seguintes: A Constituição só é considerada norma superior se as ditas leis inconstitucionais puderem ser invalidadas; as leis inconstitucionais passam pela análise de validade; a Magna Carta deixaria de ser um freio para a atuação do Legislativo, se os juízes tivessem que aplicar as leis inconstitucionais sem reflexão; o controle de constitucionalidade não precisa ser exercido necessariamente pelo Judiciário.(NINO, 1996, p.262-265; SILVA, 2009, p.197-227)

Tais críticas se estendem, do mesmo modo, à fundamentação desenvolvida por Hans Kelsen para delinear o sistema austríaco de controle.

990 Para maiores detalhes do caso, vide: GARGARELLA, Roberto. La justicia frente ao gobierno: sobre el carácter contramayoritario del poder judicial. Quito: Corte Constitucional para el Período de Transición, 2011. p. 62-63.

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Para entender a afirmação anterior, deve-se ter em mente que mais de um século depois de proferida a decisão do caso Marbury vs. Madison, mais precisamente

em 1920, Hans Kelsen foi responsável pela elaboração de um dos anteprojetos da Constituição da Áustria de 1920. E foi exatamente neste texto normativo, que o país criou o Tribunal Constitucional, inspirado no desenho desenvolvido por Kelsen, capaz de controlar a constitucionalidade de leis com exclusividade em relação as demais instituições públicas, bem como, sendo esta a sua única atividade. (LEÓN, 2010, p.223-260; SILVA, 2009, p.197-227)

Virgílio Afonso da SILVA faz uma tabela com o intuito de demonstrar as diferenças principais entre ambos os sistemas. (SILVA, 2009, p.197-227)

Modelo continental europeu Modelo norte-americano

Fenômeno pós-autoritário Fenômeno ligado à formação de um sistema político e de autoafirmação do Judiciário

Juízes com mandatos Juízes vitalíciosMonopólio da decisão sobre inconstitucionalidade (sistema concentrado)

Ausência de monopólio da decisão sobre inconstitucionalidade (sistema difuso)

Raramente há audiências ou sustentações orais

A regra é a existência de audiências orais

Juízes decidem em sessões secretas Juízes decidem em sessões abertas

Decisão coletiva e unitária, geralmente sem votos divergentes

Decisões individuais, que, ao final, são somadas para se obter a decisão final, com publicação de opiniões divergentes

Nomeações de juízes costumam exigir grandes maiorias parlamentares (o que fomenta o consenso entre as forças políticas)

Nomeações pelo presidente, com aprovação por maioria simples no Senado (juízes costumam ficar identificados com um partido ou presidente)

Decisões em geral sobre questões abstratas

Decisões sobre casos concretos

Os grandes apontamentos feitos em face destes tipos de controle estão atrelados às ideias de contramajoritariedade dos membros do Judiciário e da ofensa que poderia ser produzida à democracia. Segundo RIVERA LEÓN, o grande problema é o caráter antidemocrático das decisões, pois estariam em xeque os princípios da

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maioria, da democracia, da legitimidade e da carência de representatividade. (LEÓN, 2010, p.223-260)

Assim expõe o referido autor:

¿Cómo era posible que la voluntad de algunos cuantos ministros se impusiese a la de los legítimos representantes del pueblo norteamericano? ¿Era legítima esta injerencia del Poder Judicial dentro de una esfera que era competencia del Legislativo? ¿Acaso no atentaba el Judicial Review contra el carácter democrático? (LEÓN, 2010, p.223-260)

Para Roberto GARGARELLA, os argumentos apresentados por Marshall para defender o controle de constitucionalidade são falhos em três aspectos: do ponto de vista histórico, a Constituição dos EUA não reflete a vontade do povo, visto ter sido elaborada por uma minoria de intelectuais bem abastados, deixando de lado o restante da população de mulheres, escravos e pobres. Em segundo lugar, numa perspectiva intertemporal, não se sustenta o argumento de que o momento primeiro de elaboração da Constituição é mais profundo e meditado do que os posteriores, pois pode o povo, com o passar do tempo, mudar sua concepção, de modo bem pensado, sobre determinados temas. Por fim, o terceiro argumento, relativo à interpretação, em que não é possível admitir que o juiz, como intérprete da lei, limite-se a fazer a mera leitura e aplicação do Texto Constitucional. Em verdade, ele passa a fazer o papel de legislador ao dar sentido à norma, por meio da incorporação de elementos não explícitos à redação legal. (GARGARELLA, 1997, p. 55-70)

GARGARELLA também explica que outros argumentos que buscam legitimar o controle judicial são igualmente problemáticos. Para ilustrar esta afirmação o autor aborda três colocações: a crise de representatividade dos órgãos políticos; a defesa dos direitos das minorias; o raciocino judicial e a imparcialidade. (GARGARELLA, 1997, p. 55-70)

Primeiramente, não se justifica admitir a atuação do Judiciário apenas como saída para a crise de representatividade, pois os magistrados não estão mais próximos do povo; não ascendem aos cargos de modo democrático apenas porque a Constituição fixou os moldes de preenchimentos de seus cargos; bem como afasta a real necessidade de aprimoramento e correção de falhas dos mecanismos majoritários que levam à crise de representação. (GARGARELLA, 1997, p. 55-70)

Em relação à tutela dos direitos das minorias, afirma-se que é necessário que o Judiciário emita decisões contramajoritárias como forma de impedir abusos e violações a direitos dos mais necessitados diante das pretensões das maiorias. Para o autor, o fato de os magistrados atuarem de modo contramajoritário não significa, necessariamente, que o farão em prol dos direitos das minorias. Portanto, é um argumento falho em sua lógica. (GARGARELLA, 1997, p. 55-70)

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E por fim, não se sustentaria a afirmação de que o raciocínio judicial e a imparcialidade seriam mais benéficas para as tomadas de decisões, justamente porque os juízes estão isolados da população e não sofreriam pressões sociais em suas decisões, como ocorrem com os membros dos demais Poderes. (GARGARELLA, 1997, p. 55-70)

De outra parte, o constituinte brasileiro de 1988, em sua busca por democracia e liberdade, e temente a todas as atrocidades cometidas no período que durou a ditadura, de 1964 a 1985, ampliou o rol de atividades desenvolvidas pelo Judiciário (CITTADINO, 2004, p.105-113) e criou um sistema de controle de constitucionalidade híbrido ou misto, já que busca conjugar os dois modelos citados anteriormente, havendo o controle concentrado exercido pelo Supremo Tribunal Federal com a norma em tese e o controle difuso exercido por todos os magistrados diante do caso concreto.991

Ao adotar esta forma mista de controle, o constituinte acabou por gerar uma série de problemas e tornou o sistema alvo de duras críticas. De um lado, sofreu todos os apontamentos feitos tanto ao modelo austríaco, como ao modelo norte-americano, tendo em vista que combinou as vicissitudes de ambos. Mas, por outro lado, ensejou condenações por outras falhas, como bem explica Claudia Maria BARBOSA:

A Constituição brasileira, promulgada no seio de um processo de transição para um estado democrático de direito, buscando assegurar a concretização dos direitos e garantias nela previstos, colocou-os sob o manto e proteção do Judiciário, e nesta seara inovou duas vezes: a primeira quando desenhou o Supremo Tribunal Federal com uma dupla função de corte final de apelação e corte constitucional; a segundo quando atribuiu ao Judiciário como um todo (no exercício do controle difuso e concreto) e ao STF em especial, o exercício amplíssimo do controle de constitucionalidade misto, quer dizer, a um só tempo difuso e concentrado, concreto e abstrato (BARBOSA, 2006). Em decorrência os magistrados brasileiros, e especialmente os Ministros do Supremo Tribunal Federal, no afã de proteger a nova Carta, acabaram por acumular a um só tempo os poderes do juiz norte-americano e alemão, sem os freios que lhes são típicos: a doutrina do stare decisis e a jurisdição concentrada, respectivamente. (BARBOSA, 2013, p.171-193)

Diante do exposto, resta demonstrada a problemática que envolve o controle de constitucionalidade exercido dos membros do Poder Judiciário no que se refere à democracia, seja em sua forma deliberativa, seja em sua forma representativa. Isto posto, buscar-se-á no modelo francês uma possível saída para este dilema democrático, tendo em vista que se trata de um sistema com premissas diversas das utilizadas pela atuação judicial.

991 Para mais detalhes sobre as peculiaridades do controle de constitucionalidade brasileiro, vide BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>; BRASIL. Lei nº 9.868 de 10 de novembro de 1999. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9868.htm>; BRASIL. Lei nº 9.882 de 03 de dezembro de 1999. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9882.htm>. BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

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3. O controle de constitucionalidade legislativo francêsO controle de constitucionalidade francês em muito se difere dos tradicionais

sistemas norte-americano e austríaco, na medida em que ele é exercido preventiva e repressivamente, e é basicamente um controle político, pois realizado por um órgão atrelado ao legislativo, o Conselho Constitucional.

Para entender as especificidades deste tipo de controle de constitucionalidade, é preciso vislumbrar os motivos pelos quais os franceses optaram por atribuir a fiscalização das leis a um órgão diferente do Judiciário.

Dirley da CUNHA JÚNIOR, explica que as razões que influenciaram os franceses a adotarem um sistema político e não jurídico de controle de constitucionalidade são de duas ordens: históricas e ideológicas. (CUNHA JÚNIOR, 2015)

Do ponto de vista histórico, a população rejeitou a fiscalização jurídica justamente pelas práticas abusivas e arbitrárias dos magistrados, antes da Revolução de 1789, as quais prejudicavam gravemente o povo. (CUNHA JÚNIOR, 2015; FIORAVANTI, 2007, p.87-103; JAUME; 2002)

No que tange à perspectiva ideológica, a não aceitação de um controle judicial encontra-se intimamente ligada ao princípio da Separação de Poderes, que impediria, em tese, a interferência do Judiciário em atividades do Legislativo. (CUNHA JÚNIOR, 2015; GOLDONI, 2009, p.173-174)

CUNHA JÚNIOR elucida que:

Em que pese SIEYÈS ter sugerido na Constituição do ano VIII a criação de um jury constitutionnaire, a concepção rousseauniano-jacobina da lei como expressão da “vontade geral” manteve-se sempre fiel ao dogma da soberania da lei que só as próprias assembleias legislativas poderiam politicamente controlar. Isto aconteceu com a Constituição do ano VIII (13 de dezembro de 1799), que atribuiu o controle ao Sénat Conservateur; também ocorreu com a Constituição de 1852, que confiou o controle ao Sénat e, de certo modo, com a Constituição da IV República, de 27 de outubro de 1946, que concedeu o controle ao Comitê Constitucional. (CUNHA JÚNIOR, 2015)

Segundo Marco FIORAVANTI, desde o advento da Constituição francesa, em 04 de outubro de 1958, o controle de constitucionalidade é exercido por um órgão político, vinculado ao Parlamento, denominado Conselho Constitucional. (FIORAVANTI, 2007, p.87-103)

É um órgão composto por nove membros, para mandatos de nove anos, sem recondução, sendo três membros indicados pelo Presidente, três pelo Presidente do Senado e três pelo Presidente da Assembleia Nacional. Também integram o Conselho, na condição de membros vitalícios, todos os ex-Presidentes da República. (CUNHA JÚNIOR, 2015)

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A princípio, o referido Conselho foi criado com o intuito de exercer suas atividades de modo prévio à entrada em vigor da lei. Assim, leis criadas pelo Legislativo passariam pelo crivo de constitucionalidade do Conselho para que pudessem seguir seu curso e ter validade. Contudo, após aprovada a lei, já não seria mais possível qualquer tipo de controle de sua existência em face da Constituição. (CUNHA JÚNIOR, 2015)

Este tipo de instrumento se verifica em duas diversas modalidades: o controle obrigatório, que é exercido sobre leis orgânicas e regulamentos do Legislativo; e facultativo para as demais normas, caso em que atuará mediante provocação do Primeiro-Ministro, dos Presidentes da República, do Senado e da Assembleia Nacional, bem como por iniciativa de 60 membros de uma das Casa Parlamentares. (CUNHA JÚNIOR, 2015)

A fim de aprimorar o sistema já existente, a reforma constitucional realizada em 23 de julho de 2008 veio a implantar o chamado controle repressivo de constitucionalidade das leis já em vigor, quando suscitada a chamada questão prioritária de constitucionalidade em qualquer processo judicial ou administrativo. Trata-se de um pedido de tutela da parte que entende que determinada ato normativo afronta direitos e garantia atribuídos pela Magna Carta. São analisados somente os seguintes atos: leis, leis orgânicas e portaria ratificadas pelo Parlamento. (CUNHA JÚNIOR, 2015)

Submetida a questão prioritária de constitucionalidade ao Conselho Constitucional e declarada que a disposição legal impugnada é compatível com a Constituição, esta disposição tem a sua validade confirmada e permanece no sistema jurídico.

Se, do contrário, o Conselho Constitucional declara que a disposição legal impugnada é incompatível com a Constituição, a decisão do Conselho Constitucional tem como efeito a revogação desta disposição. Ela desaparecerá definitivamente do sistema jurídico francês, a partir da publicação da decisão do Conselho Constitucional ou uma data posterior especificada na referida decisão.

Não cabe recurso contra as decisões do Conselho Constitucional, que são obrigatórias para os poderes públicos e todas as autoridades administrativas e judiciais. (CUNHA JÚNIOR, 2015)

De outra parte, Virgílio Afonso da SILVA destaca que o referido modelo busca harmonizar a tradição de soberania parlamentar francesa e a necessidade, em tese, de promover a fiscalização dos atos normativos que surgiu no cenário político constitucional da década de 1950. E que a atuação do Conselho Constitucional não passa por nenhuma instância deliberativa e de fundamentação exaustiva, como ocorrem com as decisões judiciais que exigem fundamentação detalhada, justamente por se tratar de um órgão político com pouco prazo para resolver esse tipo de questionamento. (SILVA, 2009, p.197-227)

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Segundo GARGARELLA, o sistema francês foi desenvolvido no período pós revolução, seguindo a lógica da doutrina de Jean Jacques Rousseau, que entendia que a liberdade individual só seria possível mediante a subordinação à vontade geral, a qual fundamentava a soberania popular. (GARGARELLA, 2011, 114)

Diante disto, fica mais fácil de compreender a relação entre a prática do controle de constitucionalidade por um órgão vinculado ao Legislativo, pelo fato deste ser escolhido diretamente pelo povo em uma democracia representativa, bem como pela sua capacidade de harmonizar os interesses populares em jogo.

Séverine TECHER explica que o sistema do Conselho Constitucional é alvo de muitas discussões e críticas no que tange à representação da vontade popular, pois seus membros não são escolhidos diretamente pelo povo e que haveria um distanciamento entre a vontade destes e daqueles. Contudo, referido autor destaca que a crise de representatividade abre espaço para outras instituições suprimirem as possíveis falhas do atual sistema representativo, e que o Conselho Constitucional, ainda que não diretamente eleito pelo povo, seria capaz de assegurar a representação e a soberania popular. (TECHER, 2005)

GARGARELLA lembra que há uma certa dificuldade em defender o sistema populista de controle das leis, pois as críticas são de todo os tipos (a vontade popular não condiz necessariamente com a justiça; de que as decisões dos representantes sejam influenciadas por interesses individuais; a falha do ideal rousseauniano diante da impossibilidade real do povo tomar sempre decisões unânimes em todos os assuntos). (GARGARELLA, 2011, p.117-121)

Contudo, o autor entende que há uma necessidade de equilibrar as vontades das maiorias em sistemas populistas, mas que

Por un lado, la impugnación al carácter contramayoritario del control judicial sigue resultando vigente. Si cuestionamos a las asambleas legislativas por representar solo un pálido reflejo de la voluntad ciudadana, mucho más debemos criticar al poder judicial (en su capacidad para decidir acerca de cuestiones constitucionales básicas), que no se encuentra sujeto a elección ni a remoción popular. (…) Por otro lado, el poder judicial se enfrenta (tanto o más que el Legislativo) a problemas prácticos que afectan su buen funcionamiento. Así, por ejemplo, vemos que los jueces se encuentran sujetos a presiones por parte de otros poderes; al peligro de aislarse de la ciudadanía hasta el grado de perder contacto con ella; al riesgo de burocratizar su funcionamiento (lo que puede llevar a que la reflexión judicial se dilate infinitamente, o sea reemplazada por la actuación de funcionarios intermedios), etc. En definitiva, la idea es que el control de las leyes encuentra severos cuestionamientos posibles, tanto cuando es ejercido por una élite de jueces, como cuando es llevado a cabo por los mismos que deben ser controlados. (GARGARELLA, 2011, p.122)

Assim sendo, o sistema francês se consolida como uma alternativa democrática aos convencionais procedimentos norte-americano e austríaco de controle judicial de

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constitucionais de atos normativos. Ainda que suscetível às críticas já mencionadas anteriormente, demonstra ser uma via para a aproximação da população de um tipo de decisão política fundamental do Estado.

4. Considerações finais

O presente artigo tratou de elucidar o funcionamento dos principais sistemas judiciais de controle de constitucionalidade ocidentais, o austríaco e o norte-americano, além de abordar as críticas apontadas a cada um, em função de serem detentores de um caráter contramajoritário e ofensivos à democracia deliberativa.

Foi demonstrado que o distanciamento do Judiciário da população e sua falta de responsabilidade eleitoral perante esta, considerando o modo de provimentos dos cargos judiciais e todos os seus benefícios, acabam por prejudicar e, quiçá, tornarem inadequado o desenvolvimento de uma atividade política por um órgão jurídico.

Ainda que o Judiciário, em especial o brasileiro que desenvolve tantas novidades constantemente, permita a influência do cidadão em suas decisões políticas, estas permaneceram com sua legitimidade prejudicada e não serão vistas com bons olhos pelos defensores da participação direta do povo.

O sistema francês surge, a princípio, com uma técnica diferente de fiscalização de leis, capaz de atender essa necessidade democrática, como explicado anteriormente. Não se trata, por óbvio, de uma solução definitiva e perfeita para o problema contramajoritário, mas uma tentativa de superação, que precisa ser aperfeiçoada em vários aspectos.

A análise de outros sistemas fora dos convencionais permite a reflexão dos problemas judiciais e políticos vivenciados, em especial no Brasil – que tende a importar técnicas internacionais sem adaptação para a realidade em que será inserida – e instiga a criação de novas formas de considerar o Texto Constitucional, seu papel na sociedade e no ordenamento, a necessidade ou não de haver um protetor de sua superioridade e, em caso positivo, a quem será atribuído este papel.

Considerando que a soberania é do povo, que este deve orientar as atuações do Estado e que deve ser o protagonista das mudanças que lhe convier, nada mais justo que a Constituição reflita seus desejos e valores, se adapte às alterações sociais e possa ser o documento que orienta e é orientado pelo seu soberano.

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