o estatuto do saber pedagógico

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  • 5/17/2018 o estatuto do saber pedag gico

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    1 h 10 andthechi ld-centred pedagogy:The",,"I "H~DINE, V.(1984). Developm:.t~t::cino t : :s u b je c t: P s y ch o l og y , s o c ia l r e g u la t IO n, '" III H I of piaget III earlyeducatl0\'j Il~wa 1 : trwin, c. Venn & V. Walkerdme (eds.l.,1,1 [,h, , ( t tv ity . J . Henriques, W. 0 y,."It,h," & NovaYork,Methuen: 153-202. .,

    .. . . I bl' do no livro Foucault y EducaclOn,h!'ensaio foi irucra mente pu ica bli d I Ediciones de La1'1I;~~[:a~i~~~rr,~s~~~~a~~:~~:C~if: a~~f c~d!eaS~ltoriza

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    dominantes de socializacao das novas geracoes, tanto com as estabele-c idas t radicionalmente para a nobreza (aprendizagem do of fc io .dasarmas), como com as instituidas para as classes populares (aprendiza-gem dos offcios). Os colegios exigiam para seu funclOnament~ a e,xIs-rencia e formacao de novos agentes educativos que, no caso dos jesuitas,fo ram objeto de uma preparacao especial . Na? YOU ag~ra ?etalhar ,asimportantes rnudancas que 0 s istema de e~smo dos jesui tas supos ,rnudancas que tern side subl inhadas. por d lferentes, auto res. Queroenfatizar , entretanto, que foram precisarnente o~jesuitas qu.e r ,etoma-ram a definicao que moralistas e humamstas fizeram da mfan~,a. epuseram em acao uma maquinaria escolar que ~ao apenas contnb~,upara dotar as criancas de urn estatuto especial, mas que tambemconverteu seu sistema de ens ino , nos paises caro licos , num sis temamodele para as demais ins ri ru icoes escolar es, incluindo , apos lu tas esucessivos reajustes, as universidades.1

    Para levar adiante seu projeto de formacao de b?ns ,c:. i. sta_?s ,o~mestres jesuitas nao apenas reforcaram 0estatuto conferido a, l!lfanCiacom a opcao de educa-la em espacos fechados, nos cole.glOs, massentiram tarnbern a necessidade de controlar os saberes que lam trans-mitir e de organizar esses saberes de tal forma que se ade~u~ssem assupostas capacidades infantis. Os saberes, tanto da cultura classics comoda crista foram desse modo selecionados e organizados em diferentesnfveis e programas de di ficuldade crescente, ao mesmo tempo em queseviram submetidos a censuras, em funcao de sua bon dade ou mald~deem relacao a ortodox ia catol ica, em funcao, portan to, de. seu cara termoral . Produziu -se, em consequencia , uma censura extenor sobre osautores class icos sobre os con te iidos de suas obras, de modo que umamassa important~ de enunciados foram expurgados e conveni.entemen-te apresentados com a finalidade de evi tar que qualquer pengo moralse aproximasse das tenras mentes dos colegiais.

    A pedagogizacao dos conhecimentos so adquire senti do se a consi-derarmos em relacao com os process osque levaram, por urn lado, a queos mestres jesuitas, em oposicao aos mestres das universidades medie-vais se convertessem em autoridades morais e, por outro, a toda umaser ie de expropriacoes de poderes detidos, ate entao, pelos estudantes.Como fruto dessas expropriacoes, os estudantes perderam sua auto no-mia suas prerrogativas ou se quisermos, seus "pr ivilegios"; transfor-, , 2 . "maram-se. ass im, em colegiai s, em escoLares. Os mest res JesUl ta~seauto-atribuiram a missao de transmitir a seus colegiais a reta doutr ina,ao mesmo tempo em que trataram de se converter em exemplos vivosde v ida mor igerada. 0 ens ino das "boas le tr as" e da "vi rtude" obrigou-Sabre as [esuitas e 0 impaeto de seu sistema de ensino, vejam-se Durkheirn, 1982;Foucault, 1975 e Varela, 1984.

    2 E .Durkhe im fo i 0 , primeiro a salientar a mudanca que a ensino dos ~(Mgios [esultasrepresentou em rela~iio a ourras torrnas de ensmo (Durkheirn, 1~H2).

    os a por em pratica toda uma serie de procedimentos e tecnicas queforam gradual mente aperfeicoando, com a finalidade de conferir, tantoaos colegiais, como aos saberes, uma natureza moralizada e moralizante.Essas tecnicas e procedimentos converteram-se, nas suas maos, eminstrumentos privilegiados de extracao de saberes dos proprios escoLa-res, assim como em fonte de exercfcio de poderes que tornaram possfvelo surgimento da "ciencia pedagogica", do saber pedagogico,Quais for am os efeitos mais visiveis desta pedagogizacao dos co-nhecimentos que surgi ram e se aperfe icoaram nos coleg ios jesui tas eque, a tr aves de rr ansfor rnacoes e reinterp re tacoes, estenderam-se aoutras instituicoes educacionais de sua epoca e de epocas posteriores?1. Em primeiro lugar, a aqu isicao desses saberes moral izados naoexigia uma cooperacao - como acontecia , por exemplo, com a apr en-d izagem de oficios - ent re mest res e aprend izes, dest inada a materia-lizar-se numa obra bern feita. Os mestres passaram a ser os unicosdetentores do saber e os estudantes vi ram-se relegados a uma pos icaode subord inacao, converteram-se em sujei tos dest inados a adqui ri r osensinamentos dosif icados transmitidos por seus professores para con-verte-los, rarnbern a eles proprios, em seres virtuosos.2. Os saberes que possufam os professores jesuftas eram saberesverdadeiros, que nao remetiam a processos sociais, mas a outros saberes,aos textos dos auto res class icos , descontex tualizados e censurados ,

    sempre em consonancia com a reta doutrina da Igreja e a tradicaocatolica. Eram saberes desvinculados das urgencias mater iais, dos pro-blemas socia is, saberes que se pretendiam neutros e imparciais. Dessemodo, os saberes ligados ao mundo do trabalho, as lutas sociais, asculturas de determinados grupos ou classes sociais, cornecaram a ficarmarcados pelo estigma do erro e da ignorancia e viram-se desterradosdo recinto sagrado da cul tu ra cul ta , uma cul tur a que, com 0 passar dotempo, converteu-se na cul tura dominante e rec1amou para s i0mono-polio da verdade e da neutralidade.3. Por ultimo, este processo de pedagogizacao dos saberes implicoua instauracao, progressivamente aperfeicoada, de urn aparato discipLi-nar de penalizacao e de rnoralizacao dos colegiais, que ligou a aquisicaoda verdade e da vi rtude a ascese e remmcia de s imesmo. Foi desse modoque a discipl ina e a manutencao da ordem nas salas de aulas passarama ocupar urn papel cent ra l no interior do s istema de ens ino ate chegar

    praticamente a eclipsar a propria transmissao de conhecimentos.o D is ci pl in am en to I nt er no d o s S ab er esA part ir de finais do secu lo XVI II, e em conexao com esse processo depcdagogizacao do conhecimento, produziu-se uma nova transforma-r;50, que Michel Foucault denominou de "disciplinamento interne dossaberes", Foucault utilizou-se deste conceito para poder se situar num

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    I IIJ II

    novo nfvel deanalise que Ihe permitisse iralern da infrutffera polemicasobre a racionalidade ou irracionalidade dallus tracao. Em sua opiniao,nao se trat ava tanto de dis cuti r se a llus tracao implicou urn progressodas luzes - 0 t riunfo da razao f rente aos e rros ou se, pelo contrar io ,conrribuiu para aentronizacao deuma razao tiranica -, mas de analisaro rmi lt ip lo e imenso combate que entao se t ravou no campo do saber ,em relacao com a formacao e 0 exercfcio de determinados poderes, 0que implicou uma reorganizacao dos propr ios saberes. Uma vez mai s,a s ins ti tu icoes educacionai s, desde a unive rsidade napolecnica ate asacademias (da Lingua , da Hist6r ia , das Cienc ias Morai s e Poli ticas, eoutras) exerceram nesse debate e reorganizacao urn papel fundamental.o Estado, a parti r dos postulados da Economia Polfrica, em relacaocom 0 desenvolvimento das forcas produtivas e com a necessidade degoverna r os sujei tos e a populacao, empreendeu uma ampla reorgani-za"i io dos saberes se rv indo-se de diferentes procedimentos. E assim,f renre a saberes plurai s, pol imorfos, locais , d iferentes segundo as re-gioes , em fun;;ao dos diferentes espacos e caregorias sociais , 0Estado,atraves de insrituicoes e agentes legitimados (entre eles, desempenharamurn papel destacado, os professores) pas em acao toda uma serie dedisposi tivos com a final idade de seapropriar dos saberes , de discipl ina-los e de po- le s a seu se rv ice .

    o poder poli tico, como as sina lou Foucault , i nt erveio, d iret a ouindiretamente , numa espec ie de enorme luta economico-polf ti ca emtorno desses saberes dispersos e heterogeneos, uti lizando quatro gran-des procedimentos.

    Em primeiro lugar, mediante a eliminacao e desqualificacao do quese poder ia denominar pequenos saberes inutei s e i rredutive is , ou eco-nomicamente muito custosos. Em segundo lugar, mediante a norrnal i-zacao des ses saberes para adapta- los i insaos out ros, faze r com que secomunicassem entre s i, eliminar as barreiras do secreto e da lirni tacaogeogrifica e recnica, em suma, para tornar intercambiaveis nao apenasos saberes , mas tambem seus possuidores . Em terceiro lugar, mediantesua classificacao h ierarquica, que permitiu de algum modo que seordenassem, desde osmais particulares e materiais (que a parti r de entaoserao os saberes subordinados), ate os mais gerais e formais (que seraoasformas mais desenvolvidas e norteadoras). Em ultimo lugar, mediantesua central izacao piramidal que permitiu seu controle, que assegurouas selecoes e possibilitou a transmissao, de baixo para cima, de seusconteudos e, de cima para baixo, das direcoes de conjunto e dasorganizacoes gerais que se queriam impor (Foucault , 1992, p. 189).

    Em intima relacao com este movimento de reestruturacao docampo do saber su rgiu toda uma serie de iniciativas, de praticas, deinstituicoes e de agentes legftimos nas diferentes areas de conhecimento,o que provocou urn desbloqueio epistemol6g ico, a desaparicao dea lguns sabcres (p, ex" a casufs tica i esul ta ) e a proliferacio de novas, aoilll

    mesmo tempo em qu b Ipoderes. Neste uad / se esta e eceraJ? nov~ relacoes entre saberes epedia, ou trabal~os sis~e~a;t~ca~:::ntldo projetos como 0da EncicJo-c,omo Saint-Simon, Comte ou Stuart ~l~~r;eendldos por pen~adoresnruiu assim a velha orrod . I rna nova ortodoxia subs-- oxra no contro e dos t 'd P'acao urn controle rnuim mais r. . con eu os. os-se emIS ngoroso e tnt . Ipassagem da coercao da verdade a coer _ d e~?o,. que Imp icava acensura dos enunciados a dis inli . cao a ciencia, a passagem daN I CIP rna inscnta na propria enuncia

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    a acumular e reinvestir os ganhos em vez de utiliza-los para uso edesf ru te pes soal. Nasc ia ass im urn t ipo de suje ito, for jado nos moldesdo pur it an ismo ascet ico, para 0 qua l as r iquezas se convert eram numfim em s imesmas , para 0qual a profissao e a vocacao se sobrepuserame se refo rcaram mutuamente. Foucault deu urn passo adiant~ ~estadirecao, ao mostrar como a discipl inarizacao dos saberes esteve tnum_a-mente ligada, a partir do seculo XVIII, a modos de subjetivacaoespecificos, a formacao nao somente dos capit al ist as mas tambern d,osprodutores. Para isso foi necessaria a colocacao em a~ao de, tecnologiasdis cipl inares , a impos icao de "di sc ip linas" , dest inadas a conformarsuje itos d6ceis e ute is ao mesmo tempo. A acurnulacao de homens, suadiscipl inarizacao, sua class ificacao, hierarquizacao e normalizacao foitao decis iva para 0 t riunfo da revolucao industrial como a acurnulacaode riquezas. E isso nao apenas do ponto devista econornico mas tambernpolft ico e social, ja que esta discipl inarizacao mostrou-se decis iva paraque se pudes se colocar em a~ao os si stemas de democracia funcionalexi st en tes, desde entao , nos pai ses ocidentai s e t am bern para permi ti rque se ace it as se "a rentave l f iccao" deque a soc iedade est a formada porindivfduos individualizados, por sujei tos isolados. Viram-se assim eli-minadas , pelo menos em teor ia, da cena soc ia l, a s rel acoes de poder , osconfl itos entre as classes . Deste modo 0contrato social pode funcionare os Estados puderam aparece r como a expressao da vontade geral .

    Nao yOU me deter ago ra nas funcoes sociais das "discip lin as"enquanto tecnicas de ext racao e producao de saberes , nem enquantotecnicas de exerc fc io de determinados poderes que uti li zam como urnde seus dispositivos basicos 0 exame . Limit ar -me-ei a assina la r como agener alizacao do exame em d iversas in stituicoes - e cer tamen te naseducaciona is - , permi tiu ao poder disc ip lina r int roduzi r- se , a traves davigilancia hierarquica e da sancao normalizadora, nos sujei tos, em seuscorpos, em suas mentes e gestos , mediante urn mecanismo de objet iva-~ao que tornou invisive is suas rel acoes de forca , As dis cipl inas foramtecnicas de adestramento e individualizacao que pretendiam maximizaras forcas dos indiv iduos, o timiza r s eu rendimento e , ao mesmo tempo,extrair deles saberes e Ihes conferir uma determinada natureza. A formaque adotou 0 exercfcio do poder fez, por exemplo, com que nasinsti tuicoes escolares se deixasse progressivamente de uti lizar os meca-n ismos repr essivos. 0 poder deixou de ser exterior aos su jeito s par afazer -se int er ior ao pr6pr io processo de aprendizagem. Des te modo,t enderam a desaparecer as penal izacoes exter iores, ao mesmo tempoem que a natu reza que se con fer ia a cada aluno apar ecia cada vez maiscomo 0 resul tado de suas pr6prias capacidades e apridoes.

    Todos estes processos que subjazem a pedagogizacao dos conheci-mentes e a dis cip lina ri zacao in te rna dos saberes tentam exorc izarper igos , evi ta r que os confl it os sociai s ocorram, que ocupem 0 lugarque Ihes cor responde nas ins tit uicoes acadernicas, no campo do saber.Trata-se de por l imites , de deixar fora 0 inorninavel, de dividir e colocar92

    em competicao certos saberes face a outros, certos sujei tos face a outros,tornando possivel 0mito da neutralidade da c ienc ia e ao mesmo temponatural izar e l egit imar as rel acoes de forca, a s rel acoes de domi nacaoque exercem determinados grupos soc ia is sobre out ros. Nao obs tante ,como 0 pr6prio Foucault destacou, essa tentativa de discipl inarizacaode sujei tos e saberes nao a lcancou totalmeme os objet ivos propostos ,porque tarnbern se produziram resis tencias, surgiram contrapoderes ,desencadou-se a insurreicao dos saberes submetidos.E preciso, portanto, dis tinguir as tendencias gerais das intencoes edas marerializacoes concretas , ja que nao apenas os sujei tos res is ti rame resistem a essas formas de exer cfcio do poder, mas que tambem, aolado dos saberes "oficiais", discipl inados, continuaram se produzindosaberes que poem em questao ose fei tos de poder l igados a organizacaoinstitucional que ossustenta. Trata-se de saberes descentrados, polirnor-fos , mui ta s vezes f ragmentar ios, a ssim como de saberes gerai s que naodeixam de lado as lu ta s e os confI itos soc ia is mas que , pelo contrar io ,permitem recuperar a mem6ria hist6r ica do s enfr entamentos e dasres ist encias , favorecendo assim a oposicao a t irania dos discursosglobalizantes , com suas hierarquias e privi legios , Estes saberes alterna-t ivos enfrentam saberes e discursos que se servem de supostas categoriasunive rs ai s para fala r de tudo sem serefer ir nunca a processos rea is . Porisso sao saberes que levam em conta as lutas e os in ter esses em jogo e,portanto, as lutas e os interesses que atravessam os c6digos te6ricos, 0terri t6rio mesmo dos saberes legit imos.

    Os saberes pedag6gicos sao 0resul tado, em boa parte, da art icula-~iiodos processos que levaram a pcdagogizacao dos conhecimentos e adisciplinarizacao interna dos saberes. Estas classificacoes e hierarquiasde sujei tos e saberes costumam, em geral , s er ace it as como a lgo dado,como naru rais, razao pela qual seu reconhecimento contribui paraaprofundar sua 16gica de funcionamento . A c iencia pedag6gica acres -centa uma vol ta de parafuso nes ses processos , ao mesmo tempo em quee ela p r6pr ia produto deles. A pedagogia racionaliza, em geral, umacerta organizacao escolar e certas formas de transmissao sem quest ionarnunca a arbitrariedade dessa organizacao, nem tampouco 0estatuto dossaberes que sao ob jeto da transmissao, Nesse sen tido pareceu -rnenccessar io procura r mos trar , a inda que de forma talvez mui to rapida,algumas das funcoes e efeitos dos c6digos , das categorias e das praticashis toricamente construidas , para poder examina-los cri ticamente e, senecessar io , t rans forrna -Ios. Espero que , a par tir do exposto, pos sa secompreender melhor toda uma seri e de dif iculdades, de obs taculos,com os quais n6s, que trabalhamos em instituicoes escolares, nosdef rontamos . Ent re e la s, que ri a dest acar as dif iculdades ligadas, porexemplo , ao estabelecimento de relacoes entre a teor ia e a p ratica, aformacao de equipes de investig acao e de rrabalho , a conexao dossabcr es acader nicos com os p rocesso s socia is, a sensibilizacao dosprofes ores no que sc re fe re a s formas de cultura das classes populates,

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    a s formas de colaboracao entre professores e estudantes, e muitas outrasdif iculdades que nos impedem de avancar .Para avancar e necessario romper 0 clr culo vicioso criado peladisciplinar izacao dos saberes e pela disciplinar izacao dos sujeitos, que,num processo de rnutuo reforcamento, tornaram possfvel 0nascimentodas Ciencias Humanas e a cornpartimentacao das chamadas ciencias davida e da natureza. Essecirculo de disciplinar izacao encontrou precisa-

    mente no interior do recinto das insrituicoes escolares seu caldo decultura. Saberes disciplinares e disciplinarizacao dos sujeitos sao as duasfaces de urn processo que atravessa 0 conjunto da organizacao escolar.No momenta atual, quando avancarnos em direcao a sociedadesp6s-disciplinares, essa disciplinar izacao continua ainda vigente no quese refere aos saberes, atraves do currfculo escolar , atraves d~s rnateriase dos programas fechados, como fica evidente nos niveis mars elevadosde ensino. Nao obstante, nos nfveis mais baixos da carreira escolarrompe-se a organizacao dos saberes por "materias", e e.stassao substi-tuidas por unidades ternaticas. Neste caso de aparente interdisciplina-r idade ou transdisciplinaridade, tanto 0 contrale dos saberes como 0controle dos sujeitos tendem a repousar em c6digos psicopedagogicosbaseados predominantemente na Psicologia Evolutiva ou Genetica, Osrepresentantes destes saberes reclamam para s i 0 conhecimento "dacrianca", "do aluno" e portanto 0 poder de estabelecer dlfere~tes

    estagios de desenvolvimento e capacidades em fun.c;aode um,Pretendldoprocesso universal de maturacao mental. Exphca-se, assrrn, que ossaberes que sao objeto de t ransmissao nas inst ituicoes educacionaissejam sacrificados em favor das destrezas cognitivas. Na atualidade, 0uso unilateral dos c6digos psicol6gicos se constituiu no principal einquestionado obstaculo epistemol6gico que nos impede de avancar nabusca de novos modelos de r ransmissao, nos quais 0 importante naoseja mais tanto a reproducao do ja sabido quanta as respostas a n~vasinterrogacoes, a novos problemas que exigem a utilizacao de concertose metodos abertos a exploracao e a indagacao cientif ica.

    A lg u ma s P r op o st asAntes de finalizar, quero adiantar a lgumas propos tas que resul tam doexposto, propostas para a reflexao e a discussao, sem pretender,certamente, dar solucoes ou alternat ivas que terao que ser 0 resultadode uma cooperacao conjunta de diferentes coletivos sociais. Trata-se,antes, de formular algumas questoes, sem partir de categorias dicoto-micas (ideologia/ciencia, economia/superestrutura, pedagogia tradicio-nal/pedagogia renovadora) , as quais, mais do que favorecer 0 debate,I echarn-no , ao ut il izar esquemas que proporcionam uma seguranc;acognitiva pr6pria das identidades fechadas. Questoes, por tanto, aber-tas , que nos permi tam fazer face a ambigi iidade e cornplex idade das\/4

    situacoes, ja que a reversibilidade dos discursos e historicamente com-provave], na medida em que esses podem ser instrumental izados emfuncao de poderes e interesses especfficos passiveis de analise. Emconsequencia, todos aqueles que pensamos que as instituicoes educa-cionais tern que mudar, que devem funcionar de urn modo maisdemocritico, que devem deixar de penalizar e expulsar os meninos emeninas provenientes das classes com menor capital cultural e econo-mico, que tern que estar abertas a novas formas de indagacao e deexp loracao, quer d izer, a novos saberes e praticas, temos que real izaruma opcao que nos permi ta nos s ituar no ponto de vista adequado. Seramais facil compreender a l6gica intern a de funcionamento desta sinstituicoes e, mais concretamente, algumas das funcoes implfcitas quecumprem, se fo rmos capazes de adotar, pelo menos em parte, 0 pontode v is ta dos que fracassam, daqueles que sao rejei tados por elas. Semduvida, nao e facil ado tar esta perspectiva, dada nossa pr6pria sociali-zacao e ident idade prafi ss ional , ja que n6s nao f racassamos na escola.Mas e necessario adotar essa distancia, esse estranhamento, entre outrascoisas , porque nosso rela tivo exi to escolar nos incita a r eproduzir 0adquirido, a transmitir saberes descontextualizados, saberes formais eocos, como se fossem 0 unico e verdadeiro saber legftirno,Voltemos a s proposicoes que gostaria de colocar:1. Que fazer para articular a teoria e a pratica? Talvez pudessernoscornecar por tentar uma diffcil via de aproximacao entre saberes gerais,teorias cientff icas e saberes locais, os saberes dos praticos com 0 f im deinterrelacionar uns saberes com os outros. '2. Tratar de nao confundir a cultura culta com a cultura dominante.Vimos que, ao lado dos saberes normalizados, existem saberes naototal mente disciplinados. Isto quer dizer que, embora as insrituicoesescolares desempenhem de fato funcoes de submetimento, elas podemdesempenhar tambern funcoes liber tadoras. Nelas e possfvel, como sedemons tra cot id ianamente , tr ansmi ti r a paixao pelo conhecimentoainda que seja emmenor medida do que 0desejavel. Tarnbern e possivela formac;ao de su je itos crft icos que resi stam as formas de impos icao,Fica aberta, portanto, nas ins titucoes educacionais uma margem demanobra, f ica aberto urn espaco de oposicao a desresponsabilizacao deprofessores e estudantes.

    3. Buscar meios e procedimentos para, desde 0 inicio, par emquestao a l6gica crescente da pedagogizacao, dos esquemas classificato-r ios em uso . Nao aceitar, sem revisao, os d iferentes estadios , niveis ,programas nos quais setentam fechar ossujeitos e ossaberes. Nao partira priori, por exemplo, de que os estudantes de urn determinado niveldevem ter uma idade determinada e aprender exclus ivamente certosconteudos, habilidades e destrezas. Ensaiar novas formas de pensamen-to, novas fo rmas de organizacao e de t ransmissao mais hor izontais,transversais e polimorfas, que abram caminho a ourra s forrnas de'.5

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    relacao na escola, que possibi li tem a entrada de novos conhecimentose criem maiores possibi lidades. Favorecer a insurreicao dos saberes e aformacao de novas formas de subjetiv id ade - ambos os processos,como vimos, andam juntos - que levem a nos liberar da tiranicaimposicao do "conhece-te a t i mesmo" enquanto fundamento do acessoao conhecimento e da estruturacao da subjetividade.'4. Ev itar a ilu sao de que 0 etnocentrismo das "pedagogias tradicio-nais" (colocado em relevo por numerosos sociologos da educacao), seudesprezo pelas culturas nao acadernicas, sua rej ei cao a diversidade,po ssa se cor rigir facilmente mediante a aplicacao das "pedagogiasrenovadoras". Aspedagogias renovadoras sao, em geral, excessivamen-t e psicol6gicas . Ao se opor simplesmente as tradic ionai s, cor rem 0perigo de reivindicar uma cultura, tambern constru fda, d as classespopulares , excessivamente vinculada ao criat ivo, ao concreto, ao locale ao p ratico. Podem deste modo encer rar os f ilho s das classes maisdes favorecidas numa espec ie de rea lismo concre to , negando-Ihes 0acesso a cultura culta, a determinado s saberes, e pr ovocar assim osefeito s menos desejados: impedir-I hes de escapar a sua condicao desujei tos submetidos. E preciso, portanto, i r alern desta dicotomia esta-belecida entre tradicao e renovacao, para rracar novas formas depensamento e atuacao, para evitar os espontanefsrnos , para avancar emdirecao a uma "renovacao pedag6gica" mais radical .Referencias BiblloqraflcasDURKHEIM, E.Historia de la educacion y de las doctrinas pedag6gicas. La Piqueta, 1982.FOUCAULT,M. Surveiller et punir. Gallimard, Paris, 1975.FOUCAULT,M. Genealogia del racismo, La Piqueta, Madrid, 1992.VARELA,]. Modos de educaci6n en fa Espana de LaContrarreforma.La Piqueta, 1984.raducao de Guaci ra Lopes Louro .ulia Varela e Professora da Faculdade de Ciencias da Inforrnacao,Universidade Complutense, Madri, Espanha.5 Foucault aponta em seus i i lt imos esc ri tos para a necessidade de funda r uma novaetica individual e secularizada, nao individualista. E neste contexto que analisa

    como 0 neoplatonismo, ao fazer passar para 0 primeiro plano 0 "conhece-te a trrnesrno" socratico, possibilitou que, lentarnente, a preocupacao por si mesrno,ligada, na Grecia classica, iI preocupacao pelos outros e pelo born governo , seconvertesse numa especie de autofinalidade, perdendo assim suas dirnensoespolfticas e sociais . Assirn, e reforcada esta tendencia pelo cr ist ian ismo e 0racionalismo moderno, a questao de "que fazer para que 0 ser seconverta no quedeve ser" deu lugar a todo urn desenvo lv imen to da cultu ra de s imesmo em cujointerior inscreve-se a historia d. subjetividade e a historia d. rela~iioentre 0 sujeitoe a v erda de que faz c om que 0 conhecimento, assirn como a etica, se estabelecamcada vez rnais em nos so int er ior e n ao nas relacoes com os dernais, nas rela,;;oessocra rs.

    5Roger Deacon & Ben Parker

    Educagao como Sujeigao e como Recusa

    A0longo d~ultima decada, asquesroes levantadas pelos debates sobrra mode~mdade ea p6s -modernidade -no contexte de devast adorasp~ocl~mal;oes sobre 0 fml_das metanar rat ivas e a mor te do suje ito, dadlf~sao de urn cul tura ocidenta] g loba lizadora e de amplas mudancn-,SOCialS - co~~~aran; a infiltrar 0 campo da educacao. No ambito rna isamplo das crrncas pos-estruturalistas dos pressupostos que fundamentam uma ainda I?otente modernidade, 0 t raba lho de Foucault sobre ;1natureza produtlva_ do poder , sua estrei ta conexao com 0 saber e sel lpapel na cons: ltUl~ao do sujerto e especial mente util para reconcepru.il izar a educacao moderna. Este capitulo tenta compreender a educacaocomo urn conjunto de mecamsmos de sujeicao, atormentada peloparadoxo e desenhada para ? fr_acasso. Argumentamos tarnbern queapelos para resisnr a essa sujeicao sao mal concebidos e devem serrecusados em favor da s irnulacao de novos t ipos de suje itos.

    M o d e rn i da d e , l lu m i ni s m o e E d u c ac ; a oA educacao no, mundo moderno esta, cada vez rnais , sendo denunciadacom~ urn dos ult irnos e rninados bas tioes de uma epoca cujos Idolos _a razao, 0progresso e 0 sujerto autonorno -tern sido irreparavelmenl('maculados p~r _guer ras. mundiai s, t ot al it ar ismo, pobreza e fome emmassa, des trui cao a rnbienra l, e cujos pr6pr ios avances cienti fi cos cs~cessos prod~tlvos estao inextricavelmente entrelal;ados com dominacao e devast acao de for rnacoes naturais e sociai s. A modernidade podcser caractenzada como: urn agrupamento dinarnico de desenvolvimentos concel tual s, prances e ins tit uc ionai s, a ssociados com a tradicaoiluminista de p~nsamento secular, materialista, racionalista e individualis ta; a separacao form~l entre 0 "pr ivado" e 0 "publico"; a emergenl'I,lde ur n. sistema mundial de nacoes-estados, uma ordem econom ..1~apltaltsta expanSlOllIsta, baseada na propriedade privada () industnalisrn 'I -. ,.l ... 0 e, por u nrno, mas nao rnenos unportarue, 0 crescimcnto de

    1)7