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O FASHION LAW NO DIREITO BRASILEIRO
THE FASHION LAW IN BRAZILIAN LAW
Francielle Huss Skibinski1
SUMÁRIO
Resumo. 1 Introdução. 2 A Moda e os Ramos da Propriedade Intelectual. 2.1 A moda e os Direitos Autorais e Conexos. 2.2 A moda e os Direitos da Propriedade Industrial. 2.2.1 A moda e o registro das marcas. 2.2.2 A moda, o trade dress e o desenho industrial. 2.2.3 Outros ramos da Propriedade Industrial. 3 Casos práticos e a eficácia da proteção conferida pelo Fashion Law. 3.1 Louboutin X Yves Saint Laurent. 3.2 Gucci X Guess. 3.3 Village 284 X Hemès. 3.4 Das ações penais e cíveis Cabíveis 4 Considerações Finais. Referências Bibliográficas.
RESUMO
O presente texto objetiva analisar e demonstrar a possibilidade de proteção do Direito da Moda, mais conhecido como Fashion Law, que ganha cada vez mais espaço no cenário nacional e mundial. Busca-se verificar a possibilidade de aplicação tanto do Direito do Autor quanto das espécies inseridas nos Direitos de Propriedade Industrial, quais sejam, as marcas e desenhos industriais, a depender do caso concreto e do objeto da proteção das criações advindas da indústria da moda. Além disso, de forma breve serão tratados outros institutos abarcados pela Propriedade Industrial, sendo eles as patentes, indicações geográficas, segredos industriais e contratos de transferência de tecnologia. A metodologia utilizada para o desenvolvimento do trabalho foi a consulta a vastas doutrinas e jurisprudência, com especial atenção aos casos concretos. Objetivou-se, enfim, demonstrar que tanto os estilistas autônomos quanto as grandes empresas podem ser tutelados pelo mencionado instituto, sendo garantida a eles segurança jurídica para que apresentem ideias cada vez mais inovadoras, beneficiando dessa maneira o mercado de consumo como um todo. Palavras-chave: propriedade intelectual, direito da moda, contrafação.
ABSTRACT
This paper aims to analyze and demonstrate the possibility of protection by the Institute of Intellectual Property Law in Fashion, better known as Fashion Law, which gains more and more space on the world stage. The objective of the search is to demonstrate the possibility of applying Copyrights and Industrial Property Rights, which are inserted trademarks and industrial designs, depending on the
1Acadêmica de Direito da Faculdade de Direito do Centro Universitário Curitiba – Unicuritiba.
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case and the object of the fashion industry that need protection. Also, in a brief way will be treated other institutes embraced by Industrial Property, which are patents, geographical indications, trade secrets and technology transfer agreements. The methodology used for the development of this work was the consult to doctrines and jurisprudence, with special attention to specific cases. The objective was demonstrate that the self-employed designers and large companies can be protected by the mentioned institute, granting to them safety to present more innovative ideas, benefiting the consumer market as a whole. Keywords: intellectual property, fashion law, counterfeit.
1 INTRODUÇÃO
O Direito não é uma ciência estática, ele deve acompanhar a globalização, o
avanço das interações humanas e da tecnologia, e as problemáticas que se
insurgem com o passar dos anos. Com isso, novas áreas, cada vez mais específicas
e preocupadas com questões pontuais são criadas no Direito brasileiro, a fim de que
as pesquisas sejam mais aprofundadas e melhor atendidas, como exemplo o Direito
Digital e o Direito da Moda.
A moda está presente nas passarelas e nas ruas, entre os homens e as
mulheres. Ela representa o modo de pensar, o sentimento passageiro e a
personalidade de quem a cria e a utiliza. Seja na era de Hitler, sempre muito
preocupado com a sua elegância e sofisticação, em que tivemos Hugo Boss como
seu estilista pessoal e das agremiações nazistas, ou atualmente, na era do e-
commerce, ela se faz imprescindível, tendo um papel fundamental na
contextualização histórica da época em que se vive.
A indústria da moda é uma indústria multibilionária, sendo um dos setores
que proporciona maior fluxo de capital, movimentando a economia com a geração de
empregos e renda para o particular e para o Estado. Devido à grande importância da
moda, a abordagem do tema visa discorrer sobre as possíveis formas de proteção
que podem ser dadas às criações do ramo da moda no ordenamento jurídico
brasileiro, com a aplicação, mais especificamente, do Direito da Propriedade
Intelectual.
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Nessa toada, com o desrespeito à autoria e às criações, por meio de atos de
contrafação e abuso de direitos patrimoniais e da personalidade, os designers2 e
detentores de marcas aclamaram por um maior cuidado dos juristas em relação aos
litígios provenientes das suas criações. Dessa forma, a grande competição existente
na indústria da moda e a necessidade de existirem normas específicas para que
esse ramo fosse protegido impulsionaram o surgimento do Fashion Law ou Direito
da Moda.
O tema do Fashion Law ainda caminha a passos tímidos em nosso país,
mas na Europa e nos Estados Unidos já se encontra consolidado, tendo espaço
para estudo em renomadas universidades, e até mesmo escritórios de advocacia
especializados nessa área. Especial atenção merece os Estados Unidos, pois foi o
caso Louboutin vs. Yves Saint Laurent, julgado pela corte americana, que inaugurou
as discussões sobre o tema e o próprio surgimento do conceito Fashion Law. Para
mais, nesse país foi inaugurado o primeiro instituto especializado, qual seja, o
Fashion Law Institute, localizado na Fordham Law School em Nova York, com Susan
Scafidi como fundadora.
O Brasil começou a se atentar para o tema apenas a partir do momento em
que a indústria da moda passou a ganhar destaque na economia, apresentando
segundo a ABIT3, no ano de 2014 uma produção de R$ 126 bilhões no setor têxtil, o
que representou cerca de 5,6% do total da produção da indústria brasileira no
aduzido ano. Ademais, no que diz respeito ao cenário mundial, em 2011 o Brasil era
o quinto maior produtor têxtil do mundo e o quarto maior produtor de vestuário,
aumentando a cada ano ainda mais a quantidade de produtos exportados, visto que
a moda brasileira se tornou uma referência internacional e um padrão a ser seguido.
Devido ao expressivo valor movimentado por essa indústria, que gera e
mantém diversos empregos, além de apresentar grande representatividade do Brasil
no mercado exterior, medidas foram requeridas para que o seu crescimento não
cessasse. Também houve a necessidade de existirem profissionais especializados
nessa área, para que fosse permitida a certeza da aplicação de uma legislação
específica para dirimir as possíveis lides que viessem a recair sobre os Direitos da
Propriedade Intelectual dos criadores.
2 Salienta-se que a referência ao designer ou estilista abrange também as empresas, não restringindo
a sua aplicação à pessoa do designer e aos estilistas autônomos 3Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção. Disponível em: <http:// www.abit.org.br/>.
Acesso em 10 jan 2016.
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Então, para que essas questões tivessem mais espaço, foi criado em nosso
país o Fashion Business and Law Institute – Brasil (FBLI), servindo como um lugar
de discussão sobre o tema e proporcionando aos profissionais da área e a todos os
interessados, informações sobre a possível proteção existente.
Com base nisso, adianta-se que o Fashion Law abrange questões
relacionadas ao Direito do Trabalho, do Consumidor, Empresarial, Civil, Tributário,
Concorrencial, Comércio Internacional, Ambiental, entre tantas outras, porém, no
presente trabalho foi dado enfoque apenas para a aplicação da Propriedade
Intelectual, com destaque aos Direitos Autorais e os Direitos de Propriedade
Industrial, amparados respectivamente pelas Leis nºs 9.610/98 e 9.279/96.
É essencial explicitar que a proteção conferida pela aplicação dos citados
institutos é divergente na jurisprudência, pois ainda não foi consolidada uma
aplicação que se possa dizer correta no ramo da moda.
Todavia, após a leitura do estudo realizado, ao analisar a aplicação das
criações da moda em cada espécie do gênero Propriedade Intelectual, ficará
evidente a sua plena aplicação em ambos os institutos, caracterizando, com isso,
uma dupla proteção para as criações da moda, a depender das particularidades de
cada caso concreto e do cumprimento dos requisitos estabelecidos pela lei.
Por fim, a moda está diretamente relacionada com a novidade e a
originalidade aplicadas no objeto, sendo elas a sua própria razão de ser. Assim, a
criatividade dos estilistas e todos os seus investimentos utilizados para desenvolver
inovadoras coleções merecem atenção, pois é justamente a exclusividade do
produto que o valora perante o mercado de consumo e o faz tão desejável.
É nesse ponto que reside a importância da pesquisa, para que se realce os
direitos da personalidade e patrimoniais do seu criador, pois são inerentes ao seu
próprio ser, havendo ainda um árduo processo de criação, merecendo assim uma
tutela específica.
2 A MODA E OS RAMOS DA PROPRIEDADE INTELECTUAL
Conforme já mencionado, o mercado da moda apresenta todos os anos
grande crescimento, sendo uma indústria multimilionária dominante no mundo todo.
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Em razão disso, é evidente a necessidade de uma vinculação com o mundo jurídico,
a fim de que os estilistas autônomos ou de renomadas marcas sejam protegidos e
amparados pelo Direito.
A proteção exclusiva dos detentores desses direitos pode ser garantida no
Brasil pelo instituto da Propriedade Intelectual, que se refere a produções advindas
do intelecto, conforme as lições de Carla Eugenia Caldas Barros (2007, p.50):
Para Gama Cerqueira, os direitos relativos às produções intelectuais têm por objeto invenções, desenhos e modelos industriais. Esses direitos têm caráter patrimonial e, por conseguinte, a faculdade que permite a fruição de vantagens de modo exclusivo. Também têm caráter de direito moral do autor, inerente a sua personalidade, direito que lhe assiste ser reconhecido como tal, tendo como referência sua obra, e de vinculá-la a seu nome.
Com base nisso, os Direitos da Propriedade Intelectual dizem respeito a um
conjunto de bens imateriais e incorpóreos que conferem direitos temporários
reconhecidos pelo Estado, ao criador de determinado produto da inteligência.
Os Direitos da Propriedade Intelectual possibilitam a exclusão de terceiros
dos benefícios do trabalho do estilista criador, seja em nome próprio, seja em nome
de seu empregador, sendo ele o único beneficiado pela sua ideia. Ademais, caso
necessário, são esses direitos que permitem recuperar seus esforços e os
investimentos colocados na sua criação.
Com a garantia de proteção, incentiva-se a revelação e a disseminação de
informações e inovações, pois o criador se sente seguro contra possíveis condutas
que possam prejudicá-lo, pois caso esteja diante de algum empecilho, poderá tomar
as medidas legais cabíveis à sua situação. Mas para que essa proteção não seja ad
eternum, a legislação pertinente se preocupou em determinar um prazo para a
proteção conferida, pois uma vez expirado o prazo de proteção, os trabalhos entram
para domínio público, servindo como matéria prima para outras novas criações.
Na possibilidade de os consumidores identificarem uma marca ou um
estilista apenas ao observar determinado produto, resta claro que o estilista
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responsável pela criação deu origem a uma identidade no mercado da moda,
merecendo direito exclusivo sobre ele.4
Tendo em vista a dificuldade de criação de algo realmente novo dentro
desse meio e da necessidade e desejo de conquistar o mercado, muitas vezes opta-
se por inspirar-se em algo já existente, e não poucas vezes o limite aceitável para a
inspiração é ultrapassado, caracterizando as cópias, que devem sem sombra de
dúvidas ser repreendidas pelo direito.
Prova disso está na existência e inclusão no mercado, de produtos
concebidos como inspired. Como o próprio nome revela, tratam-se de produtos
decorrentes de inspirações, sendo releituras dos produtos originais, já que mudam-
se alguns de seus aspectos. Porém, o conceito inspired vem sendo utilizado de
forma equivocada, pois grande parte dos designers tem na realidade se valido da
falsificação, utilizando apenas a denominação “inspired” a fim de aumentar seus
próprios lucros, não pensando nos prejuízos que estão causando a terceiros.
É tênue a linha que separa a cópia das meras inspirações, sendo muitas
vezes de difícil averiguação, já que o elemento de diferenciação a ser utilizado é a
possibilidade de confusão que a inspiração pode trazer ao consumidor. Se ela
estiver caracterizada, o ato deve ser repreendido e o produto retirado de circulação
do mercado, a fim de que não prejudiquem o consumidor e o próprio criador do
produto.
Corolária fica a importância da aplicação desses direitos no ramo da moda e
diante da possibilidade de aplicação no direito brasileiro, tanto da lei de Direitos
Autorais quanto da lei da Propriedade Industrial, na indústria da moda, resta verificar
os meios mais eficientes para solucionar as controvérsias que possam surgir em
relação a esse tema.
2.1 A MODA E OS DIREITOS AUTORAIS E CONEXOS
4 CHIMENTI, Karina. Caso Louboutin VS YSL – A guerra das cores na U.S Court. Disponível em:
<http://solteagravata.com/2012/01/19/caso-louboutin-vs-ysl-a-guerra-das-cores-na-u-s-court/>. Acesso em: 10 jul. 2015.
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De forma resumida uma vez a pesquisa foi direcionada ao estudo da
Propriedade Industrial, esclarece-se que a proteção trazida pelos direitos do autor é
assegurada pela Lei nº 9.610/98 (LDA – Lei de Direitos Autorais) que abarca obras
artísticas, literárias e científicas.
A inserção do instituto a ser estudado dentro dos direitos do autor e conexos
é de extrema importância, pois no meio da moda a todo o momento designers
surgem com ideias inovadoras para as suas coleções, salientando-se que esse ciclo
de inovações é essencial para o desenvolvimento da área. Diante do fato de que a
utilização dos Direitos Autorais não depende do registro da criação, a proteção no
caso de algum ato de aproveitamento de concorrentes, pode ser mais facilmente
aclamada, pois é um direito da personalidade de seu criador, bastando a mera
existência da obra para que ela seja protegida.
Um ponto muito relevante dos Direitos Autorais está no fato de que por meio
deles o prejudicado pode recorrer aos seus direitos morais e econômicos para que
as suas perdas tenham menos impacto, posto que as obras protegidas pelos Direitos
Autorais abrangem tanto direitos da personalidade como direitos patrimoniais.
A esse respeito, Bittar (2003, p.47) leciona que “o direito moral é a base e o
limite do direito patrimonial, que por sua vez, é a tradução da expressão econômica
do direito moral”.
Portanto, os direitos morais são necessários para a manutenção do vínculo
pessoal que existe entre o autor e a sua obra, sendo imprescindíveis para a
manutenção dos direitos dos designers na indústria da moda.
Pelo fato de apresentar uma feição artística, a moda pode ser protegida
como qualquer outra obra, desde que apresente uma identidade própria. Nesse
sentido, o art. 7º da Lei nº 9.610/98 não é taxativo ao enumerar as obras intelectuais
passíveis de proteção pelo direito autoral, merecendo realce por sua vez, o artigo 8º
da mesma lei, pois ele menciona as obras que não podem ser protegidas pelo
instituto, não mencionando as obras advindas da indústria da moda.
Deste modo, por tratar de criações do espírito humano, é amplamente
possível a utilização do Direito Autoral para tutelar a moda, desde que preenchidos
os requisitos necessários, como será esclarecido a seguir.
Primeiramente, o requisito da originalidade nas criações de moda é o mais
difícil de ser identificado pelo fato de que em um considerável número de casos, a
parte central da criação já se encontra em domínio público, como é o caso da
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camiseta, vestido, meias, dentre tantas outras peças de roupa. Todavia, esse
requisito é considerado de forma relativa e as criações de moda podem ser
protegidas mesmo que se baseiem em formas comuns, mas que no seu conjunto,
com o uso de detalhes que sejam essenciais, se diferenciem das já existentes,
conferindo ao objeto a impressão da personalidade do seu criador.
Logo, pode-se dizer que para que esse requisito seja cumprido, é necessário
que seja constatado um grau mínimo de criatividade que a obra necessita
apresentar, como se observa no trabalho de Lewicki (2006,p,292-293):
É neste sentido, talvez, à luz da mudança do conceito de originalidade de subjetiva para objetiva, que se possa ler a reivindicação de um “mínimo de criatividade” que deva ser subjacente às obras protegidas. Há sim, que haver um mínimo de criatividade, mas este deve ser averiguado em comparação às obras já existentes; comparação esta que não deve ser caracterizada por uma apreciação estética, mas pura e simplesmente pela busca de diferenças palpáveis entre o novo e o já existente.
Dessa maneira, é salientada a possibilidade de dissociação entre o aspecto
estético e o funcional ou utilitário de uma obra, fazendo com que a proteção pelos
Direitos Autorais e/ou pelos Direitos de Propriedade Industrial seja possibilitada.
O segundo requisito refere-se à exteriorização da ideia, ou seja, a obra deve
ser fixada por qualquer meio ou em qualquer suporte, seja ele tangível ou intangível,
não podendo apenas estar no campo das ideias.
Após discorrer sobre os requisitos existentes, merece ênfase a proteção que
os direitos do autor conferem aos desenhos da moda, chamados de croquis e aos
moldes, que apesar de serem desenhos artísticos, contêm de igual modo,
informações técnicas voltadas para a produção industrial.
Em relação aos croquis não há qualquer dúvida sobre a sua proteção. Com
base no artigo 7º, VIII, da Lei de Direitos Autorais, os desenhos artísticos, enquanto
criações do espírito humano são amplamente protegidos. Já em relação aos moldes
existe grande discussão sobre a possibilidade de tutela pelos direitos do autor e pelo
instituto dos desenhos industriais. Todavia, acredita-se que por ser possível
dissociar o aspecto estético do funcional, a aplicação dos Direitos Autorais é
igualmente cabível.
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Sobre os direitos conexos ao direito do autor, também conhecidos como
direitos vizinhos ou análogos, o trabalho não se delongará em sua explanação, visto
que concerne àqueles que agem como intermediários, que apenas disponibilizam a
obra para o público.
Por isso, existem três detentores desses direitos, quais sejam: os artistas,
intérpretes ou executantes, aqueles que auxiliam a criação, a produção ou a difusão
da obra intelectual. Nesse espírito, trazendo o instituto para o Direito da Moda,
poderíamos utilizá-lo no caso dos modelos em desfiles e lojistas, contudo é
necessário um estudo mais aprofundado sobre esse tema específico que não foi
objeto neste momento.
Após a explicação supra, para a continuidade do desenvolvimento do artigo,
cumpre adentrar na aplicação do instituto da Propriedade Industrial no ramo da
moda.
2.2 A MODA E OS DIREITOS DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL
Adianta-se que a tutela com base no instituto da Propriedade Industrial
enquanto espécie do gênero Propriedade Intelectual pode existir, mas pelo longo e
custoso processo para o seu registro, não é a primeira opção dos estilistas
autônomos e empresas.
Todavia, apesar do custo elevado, de despender de um tempo considerável,
e de em alguns casos ser difícil cumprir os requisitos necessários para a obtenção
da proteção nos institutos da Propriedade Industrial, com o efetivo registro, a
segurança jurídica aclamada pelos fashionistas é alcançada, pois a proteção é mais
amplamente garantida e de fácil acesso caso ocorram atos em seu prejuízo.
Isso se dá pelo fato de que com a concessão do registro, um certificado é
emitido para atestá-lo, sendo fácil demonstrar o direito existente, uma vez estando
em sua posse, pois a titularidade sobre a criação restará relativamente comprovada,
facilitando o ressarcimento necessário para sanar eventuais danos causados por
atos de concorrência desleal e contrafação. Levando em consideração que o registro
dos Direitos Autorais não é obrigatório, a mera idealização de ser detentor de tal
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garantia não é suficiente e muito arriscada em vista dos investimentos feitos pelos
estilistas, havendo a necessidade de uma proteção mais concreta e certeira.
Outro ponto que merece destaque retrata o fato de em alguns casos não ser
possível a utilização dos Direitos Autorais, podendo-se recorrer ao instituto em
questão para que o estilista não fique desamparado. A aplicação dos institutos
depende da análise do caso concreto, com atenção às suas peculiaridades, como
será demonstrado a seguir com a averiguação de cada instituto e dos casos
concretos estudados.
Reitera-se com isso que a Propriedade Industrial tutela as criações advindas
do intelecto humano no campo da técnica, e não somente no da estética como
ocorre nos Direitos Autorais, sem necessariamente excluir o aspecto estético
existente.
2.1.1 A moda e o registro das marcas
A marca é o instituto mais correntemente utilizado pela indústria da moda,
pelo fato de que a sua obtenção é mais fácil se comparada às outras espécies e
pelo fato de que com o seu registro todos os produtos da marca são protegidos, não
precisando de um registro específico para cada um deles como ocorre, por exemplo,
no caso dos desenhos industriais.
Pode-se afirmar que hoje as próprias marcas se vendem, em atenção ao
fenômeno da “logomania” originado na década de 905, ela se perpetua e agrega
valor aos produtos que têm uma determinada logomarca estampada. Assim, a marca
é de extrema importância no mercado da moda, pois é a melhor forma de distinção
em face dos demais concorrentes. Outrossim, ela faz com que os consumidores
associem determinados produtos com a qualidade e o bom aspecto ornamental
apresentados, sentindo-se atraídos para adquiri-los.
Por conseguinte, o benefício proporcionado pelo registro de uma marca é
lecionado por Maurício Lopes de Oliveira (2004, p. 29-30) em que:
5O fenômeno foi desencadeado após um momento de recessão sofrido por diversas grifes de luxo.
Então, para que esse momento fosse superado, o logotipo das marcas foram estampados nos seus produtos, fazendo com que o uso das grifes fosse relacionado com status e ostentação, aumentando assim, o desejo e necessidade de adquirir esses produtos.
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A outorga de um direito de Propriedade Industrial garante o pleno exercício do direito de retirar de terceiros a possibilidade de reproduzir ou imitar uma marca registrada. O titular de um direito de Propriedade Industrial não pode ser privado de fato de uma de suas prerrogativas, que é a de restituir-se do pleno exercício do uso exclusivo de sua marca registrada. Tal restituição baseia-se na defesa de um direito de propriedade, tendo a natureza de um rei vindicatio – é como se o proprietário da marca chamasse aos que a reproduzem ou imitam indevidamente, e com o melhor jus, as palavras de Tartufo: “La Maison est à moi, c’est à vous d’en sortir.
Para uma melhor explanação, reitera-se a existência de marcas que não
dependem de registro, sendo elas enquadradas como marcas notoriamente
conhecidas. Com a sua inserção como tal, clara fica a sua existência como uma
exceção ao princípio da territorialidade, pois com o grande conhecimento em seu
segmento de mercado, a proteção não abrange apenas o país em que o registro foi
concedido, mas todos os países signatários da Convenção União de Paris. Além da
marca notória, outro registro específico que pode ser aplicado às marcas existentes
na indústria da moda seria o de marcas de alto renome, exceção ao princípio da
especialidade. Nesse caso, apenas é necessário haver prévio registro da marca,
pois devido à sua fama, ela é protegida em todas as classes disponíveis pelo INPI,
sem precisar de um registro específico em cada uma delas.
Dando continuidade à explicação, para que haja registro de uma marca, os
sinais distintivos devem ser visualmente perceptíveis. Destarte, os requisitos
necessários para o registro de uma marca são extraídos dos próprios princípios que
a regem, quais sejam: novidade, territorialidade, especialidade e veracidade.
Nas palavras de Fábio Ulhoa Coelho (2007, p. 157) “o registro de Marca está
sujeito a três condições: a) novidade relativa; b) não-colidência com marca notória;
c) desimpedimento.”
A novidade exigida se limita à necessidade de a marca que se pretende
proteger identificar um produto da moda específico no mercado de consumo, que a
diferencie de seus concorrentes. O requisito da novidade é entendido de forma
relativa, pois não é necessário que tenha sido criado um novo sinal linguístico, mas
sim que haja uma utilização diferenciada de seus concorrentes e demais atuantes no
mercado de consumo, conforme se observa de texto extraído do site do INPI
(Instituto Nacional Da Propriedade Industrial):
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A distintividade é uma das condições de fundo para validade de uma marca. Quando a lei faz referência a sinais distintivos (art. 122 da LPI), conclui-se que tal exigência se relaciona com a própria função da marca, consistente em distinguir o objeto por ela assinalado, de maneira que seja possível sua individualização de outros de mesmo gênero, natureza ou espécie. Na aferição do caráter distintivo do sinal, são consideradas todas as circunstâncias de fato. Embora a lei não determine diferenciar, para efeito de registro, o grau de distintividade apresentado pelos sinais, certas regras nela inseridas destinam-se a possibilitar a aferição da existência ou não desta condição, a fim de se verificar se o sinal se enquadra nas hipóteses previstas nos incisos II, VI, VII, VIII, XVIII e XXI do art. 124 da LPI.
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Com a diferenciação dos demais concorrentes, a marca não pode colidir
com marca notória já existente, pois como exposto, as marcas que detêm essa
qualidade específica não necessitam de registro junto ao INPI, conforme dispõe o
artigo 126 da Lei nº 9.279/96 e o artigo 6 bis, da Convenção da União de Paris.
Por fim, tem-se o requisito do desimpedimento, pois o sinal distintivo não
pode ser contrário à moral, aos bons costumes, à ordem pública ou proibido por lei,
além de não poder estar inserido em qualquer dos incisos do artigo 124 da Lei nº
9.279/96.
Em relação a esse instituto não pode restar qualquer dúvida no que
interessa à sua aplicabilidade e cabimento na indústria da moda, pois por ser
abrangente e de fácil acesso, uma vez cumpridos os requisitos necessários, não há
qualquer óbice para que ele seja aplicado e deferido para a indústria da moda.
Ademais, de fato existem ao redor do mundo milhares de marcas de roupas e
acessórios, tais como Prada, Lacoste, Marc Jacobs, Armari, dentre tantas outras,
que agregam valor aos seus produtos.
2.2.2 A moda, o trade dress e o desenho industrial.
Primeiramente, explicita-se que o Trade Dress ou conjunto imagem é um
conceito utilizado para definir a vestimenta do produto, o seu aspecto ornamental e o
desenho industrial, é nas palavras de Marlon Tomazette (2014, p. 196):
6INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL. Manual de Marcas. Disponível em:
<http://manualdemarcas.inpi.gov.br/projects/manual/wiki/05_Exame_substantivo>. Acesso em 19 dez. 2015.
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O desenho industrial ou design representa “uma configuração ornamental nova e específica ao produto de modo a torná-lo inconfundível pelo público consumidor, isto é, a forma ornamental de um objeto ou um conjunto ornamental de linhas e cores que possa ser aplicado a um produto. O desenho industrial há que ter efeito visual novo e uma aplicação industrial. O desenho industrial contribui para os prazeres de fruição visual, sem qualquer acréscimo de utilidade. Trata-se de uma criação meramente de forma, sem efeitos funcionais, podendo ser bidimensional ou tridimensional. Como exemplos, podem ser citados os desenhos de veículo, de móveis, de eletrodomésticos.
Portanto é evidente que ambos os institutos protegem o aspecto ornamental
conferido por um objeto, seja ele em relação à forma tridimensional apresentada ou
ao conjunto bidimensional formado por linhas e cores, não tendo por fim qualquer
importância a funcionalidade existente. À vista disso, o conjunto-imagem existente
não proporciona qualquer melhoramento funcional ou técnico no produto, mas
apenas uma nova “roupagem” ao objeto de consumo já existente.
Frise-se apenas que o conjunto-imagem é mais abrangente que o desenho
industrial, não se referindo apenas à forma que o produto apresenta, mas a todo um
conjunto de elementos. Para elucidar esse fato pode-se trazer como exemplo o caso
Mr. Cat vs. Mr. Foot que foi decidido favoravelmente pela concessão de proteção à
configuração visual da loja da primeira marca, pois a ré apresentava uma arquitetura
e uma apresentação visual extremamente semelhante àquela, com o fim de causar
confusão no consumidor.
Saliente-se também que o instituto não se confunde com o Direito Autoral
pelo fato de que para que se tenha proteção, o aspecto ornamental deve ser
empregado em algum produto com uma finalidade industrial, não podendo ser
meramente artístico, como ocorre em relação ao caráter estético requerido pelos
Direitos Autorais.
A busca pelo registro do conjunto imagem como desenho industrial não é a
opção mais atrativa e buscada pelos estilistas, pois o seu processo é custoso e
demorado. Todavia, existem casos em que a sua busca é a melhor opção,
porquanto o desenho industrial trata do aspecto ornamental existente em um
determinado produto ou conjunto imagem, que confere uma aparência nova e única
a eles, capaz de distingui-los de seus concorrentes, sendo evidentemente distinto
dos outros institutos da Propriedade Intelectual.
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Diante disso, o ato prejudicial ao conjunto-imagem no ramo da moda não
concerne à imitação de uma marca ou cópia exata de um produto, mas sim a uma
cópia sutil de algo que em seu conjunto traz a referência de um estilista ou marca
específica, causando confusão ao consumidor.
A originalidade do desenho industrial que se pretende proteger é o requisito
mais importante e mais custoso de ser observado, pois o seu cumprimento se dá
quando não há nada exteriorizado no mundo que coadune com o objeto da
proteção. Em contrapartida frise-se que essa originalidade aborda o conjunto
proporcionado pelos elementos que traduzem a impressão pessoal de seu criador,
sendo portando relativizado, principalmente na moda, em que detalhes diferenciam
completamente a marca e o designer de seus concorrentes.
O requisito da novidade é igualmente tido de forma relativa, pois não se
considera a forma e a funcionalidade de uma forma objetiva, mas sim no conjunto
efetivamente utilizado, sendo entendido como o fato de não estar compreendido no
estado da técnica. Dessa forma, apesar de a funcionalidade ser a mesma,
visualmente há uma distinção característica observada com o conjunto dos
elementos, não havendo confusão com os demais produtos existente no mercado.
Por fim, tem-se como requisito a suscetibilidade de industrialização, pois
conforme já disposto, essa é a característica que diferencia os desenhos industriais
dos Direitos Autorais, não podendo ter um feição puramente artística, mas sim uma
aplicação industrial.
Resta claro após toda a explicação que existe a possibilidade de os produtos
da moda cumprirem os requisitos inerentes aos desenhos industriais, quais sejam o
da novidade, o da originalidade e o da possibilidade de aplicação industrial, e com
isso, se beneficiarem dessa tutela específica.
Para mais dos requisitos supracitados, como requisitos próprios do trade
dress, tem-se a não funcionalidade, o secondary meaning e a não possibilidade de
confusão. A não funcionalidade versa sobre o fato de o conjunto imagem não
precisar ser funcional, ou seja, elementar se considerado em sua integralidade. Já o
secondary meaning está relacionado à necessidade de o conjunto empregado pelas
características individuais caracterizar segundo o senso comum, uma marca ou
produto específico. Nesse mesmo sentido coaduna a não possibilidade de confusão,
pois com o significado secundário existente, o trade dress em questão não pode ser
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confundido com o de seus concorrentes, sendo esse o elemento central para
defender a sua proteção.
Apesar da demonstração de que o conjunto-imagem pode ser protegido pelo
instituto do desenho industrial, devido ao fato de não haver uma legislação
específica em nosso país, não raras vezes opta-se pela proteção geral conferida
pela repressão aos atos de concorrência desleal, mas não iremos adentrar nesse
mérito no presente momento.
Desse modo, para os produtos que perduram no mercado, como por
exemplo, a bolsa Kelly da grife Hermès que teve seu lançamento em 1956 e até hoje
apresenta uma fila de espera de anos para ser adquirida, um registro de desenho
industrial é necessário e eficiente para coibir o uso indevido do seu design por
terceiros.
2.2.3 Outros ramos da Propriedade Industrial
No estudo, os outros ramos da Propriedade Industrial que não fossem as
marcas e os desenhos industriais, não tiveram grande enfoque. Por isso, cumpre
destacar os seus pontos mais relevantes e de maior importância que podem ser
aplicados no Direito da Moda de forma sucinta.
Em relação às patentes, lembra-se que elas podem ser aplicadas às
invenções e modelos de utilidade, desde que cumpridos os requisitos da novidade,
atividade inventiva, aplicação industrial e não impedimento. Posto isso, o campo da
técnica de que tratam as patentes alude às invenções, e na indústria da moda a sua
maior aplicação é encontrada na indústria têxtil, por meio da invenção de novos
tecidos com utilidades específicas, como maior maciez, adequadas a certos climas,
elásticos, dentre tantas outras utilidades.
Um exemplo de uma invenção patenteada é o caso da Novozymes, que
utilizou enzimas em seus tecidos, a fim de conseguir o efeito Stone Washed. A esse
respeito, houve publicação do WIPO (World Intellectual Property Organization),
conforme segue:
16
Novozymes, uma empresa dinamarquesa da biotecnologia especializada em enzimas e microorganismos (www.novozymes.com), foi pioneira no uso de enzimas para o tratamento de tecidos. Embora no início não estivesse envolvida na indústria têxtil, em 1987 a empresa desenvolveu e patenteou uma tecnologia para o tratamento “Stone washed” de jeans de brim. Esta tecnologia é baseada em uma enzima chamada celulase, que remove algumas das tinturas índigo do brim de forma a dar ao tecido uma aparência usada. Três anos depois, a maioria das indústrias de acabamento de brim tinham um licenciamento com a Novozymes para a utilização da celulase. Hoje em dia, a tecnologia da Novozymes para aperfeiçoar os métodos de produção e de acabamento de tecidos tem sido objeto de licenciamento em todo o mundo. A empresa possui mais de 4.200 Patentes e pedidos de patentes, e tem uma estratégia de licenciamento pró-ativa para maximizar o recebimento de royalties sobre estes ativos de PI.
7
Com base no excerto, cita-se sinteticamente os contratos de transferência
de tecnologia, que abrangem os contratos de licença, de direitos e de franquia, os
quais podem e de fato são utilizados na indústria da moda. Com base nesses
contratos, não há como justificar os atos de contrafação perpetrados contra os
estilistas e grifes, pois por meio de negócios jurídicos lícitos, o acesso aos produtos
contrafeitos poderia ser alcançado, não necessitando recorrer a vias ilegais.
Em relação às indicações geográficas, pode-se aplicar no Direito da Moda
as denominações de origem e as indicações de procedência, pois tratam-se de
centros produtores de mercadorias muito famosas no ramo da moda, que atestam a
qualidade do produto colocado à disposição do consumidor, como por exemplo o
“made in italy” que encontramos em alguns produtos.
Traz-se também para o Fashion Law a espécie dos segredos industriais,
pois os conhecimentos técnicos necessários para a produção e confecção de novas
invenções que podem futuramente ser patenteadas, devem ser protegidas para que
não haja uma disponibilização indevida ao público.
Frisa-se que cada instituto ora tratado necessita de um estudo mais
aprofundado e detalhado, pois é evidente a vantagem adquirida com o registro
desses institutos em relação aos seus concorrentes, porém devido à complexidade
do estudo, ele não fora objeto específico na pesquisa.
Por fim, em relação à concorrência, no mundo da moda ela é vasta e rápida,
pois esse mercado é movido pelas inovações advindas das criações, havendo uma
eterna disputa entre os seus designers. Por conseguinte, a concorrência desleal na
7 WIPO. Um ponto no tempo. Disponível em:
http://www.wipo.int/edocs/pubdocs/pt/sme/794/wipo_pub_794.pdf. Acesso em: 30 abr. 2016.
17
indústria da moda ocorre quando uma marca ou designer utiliza com a intenção e de
maneira ilegal, elementos e características de figuras que se destacam no mercado,
com a finalidade de obter certas vantagens. Sendo assim, para que a concorrência
desleal seja caracterizada na moda, pouco importa os resultados que são obtidos
por meio do ato, bastando apenas os meios empregados e a intenção para que o fim
objetivado fosse alcançado, sendo ele o lucro e a angariação de clientes.
Sublinha-se que a concorrência desleal ocorre com o conflito de marcas
idênticas ou semelhantes e com um uso não autorizado de um produto específico,
podendo ser em relação a um conjunto empregado, ou seja, com a pirataria. No
caso das contrafações, cópias e pirataria, pode-se caracterizá-las como sendo atos
de concorrência desleal, por causarem confusão ao consumidor e tentarem se
aproveitar do reconhecimento já existente em relação ao produto contrafeito e/ou
copiado.
Conforme resolvido anteriormente, o conjunto-imagem inerente a um estilista
ou marca pode ser protegido por meio da concorrência desleal, pois não há qualquer
dúvida de que com a imitação de características essenciais e do conjunto
apresentado há a tentativa de causar confusão ao consumidor.
Consequentemente, o instituto da concorrência desleal como forma de
repressão aos atos de particulares que atinjam de forma negativa a indústria fashion
é muito utilizado por ser amplo, oferecendo tutela às mais diversas situações ilegais.
Fica evidente então, que a concorrência em nosso país está diretamente
relacionada com a implementação de políticas públicas, em consonância com a
Constituição Federal, que prima pela promoção do bem-estar social. Assim, para
garantir a livre concorrência, o Estado deve intervir quando e caso seja necessário, a
fim de que as relações de mercado se preservem equilibradas.
3. CASOS PRÁTICOS E A EFICÁCIA DA PROTEÇÃO CONFERIDA PELO
FASHION LAW
Pelo grande número de litígios envolvendo a indústria da moda, já existem
diversos entendimentos jurisprudenciais que conferem proteção aos estilistas, tanto
pelo Direito do Autor quanto pela Propriedade Industrial.
18
Com base nos mencionados casos, apesar de por enquanto não haver uma
legislação no Brasil para tratar da proteção específica da área estudada, a utilização
do entendimento jurisprudencial nacional e estrangeiro pode ser usada para a
resolução de litígios, norteando as discussões acerca do tema.
3.1 LOUBOUTIN X YVES SAINT LAURENT
O caso 11-33038, que tramitou perante o tribunal de Nova York no ano de
2011, inaugurou a expressão Fashion Law. Pode-se dizer que o ponto central do
referido caso e de extrema importância para o presente trabalho toca à possibilidade
ou não da proteção de cores.
Como é de vosso conhecimento a proteção de cores individuais, bem como
de simples objetos, não é possível por meio dos institutos da Propriedade Intelectual,
pois de forma alguma há a possibilidade de garantir direitos de exclusiva a figuras
tão comuns ao mundo. Em contrapartida, no momento em que o conjunto de objetos
comuns e cores apresentam grande distintividade em relação aos demais, podendo
caracterizar determinada marca ou produto, é evidente a necessidade de proteção,
como será melhor demonstrado na dissertação referente à ação de Christian
Louboutin S.A. em desfavor de Yves Saint Laurent América Holding.
Quando se pensa em sapatos de solado vermelho, imediatamente a imagem
do desejado Louboutin vem na cabeça dos consumidores, e foi justamente essa
característica única que a marca Yves Saint Laurent utilizou em seus sapatos, sendo
processada por copiar a marca comercial registrada da famosa grife e por
concorrência desleal, pois causava confusão nos consumidores. Contudo, é
necessário salientar que o sapato de YSL era totalmente vermelho, tanto no seu
revestimento, cobertura e solados, conforme fica evidenciado:910
8United States Court Of Appeals for the second circuit. Christian Louboutin S.A. vs. Yves Saint
Laurent America Holding. Disponível em: <http://law.justia.com/cases/federal/appellate-courts/ca2/11-3303/11-3303-2012-09-05.html>. Acesso em: 20 jan. 2016. 9HOW DOES Louboutin figure it has a trademark on a red sole (versus Yves Saint Laurent making
a red-soled shoe) Disponível em: <https://www.quora.com/How-does-Louboutin-figure-it-has-a-trademark-on-a-red-sole-versus-Yves-Saint-Laurent-making-a-red-soled-shoe>. Acesso em: 12 dez. 2015. 10
A esquerda temos um legítimo Louboutin e à direita um dos sapatos de YSL.
19
Com isso em mente, inicialmente foi requerida a antecipação de tutela pela
parte autora, sob a alegação de inexistência de autorização para o uso da marca do
solado vermelho, cumulada com uma indenização de US$1 milhão de dólares pelos
danos causados.
Na primeira instância americana o pedido do autor foi indeferido, pois o
magistrado Victor Marrero entendeu que Christian Louboutin objetivava o direito de
exclusiva sobre a cor vermelha, e com o fim de preservar a liberdade de inovação e
a concorrência não poderia haver qualquer óbice para que outras marcas utilizassem
essa mesma cor. Dessa forma, apesar de existir reconhecimento mundial da grife
pela utilização do solado vermelho, o Tribunal entendeu que não seria possível uma
proteção legal da cor, determinando o cancelamento do registro prévio da marca do
designer, o qual fora deferido em 2008.11
Nesse sentido, Lívia Murad Neffa Loureiro, trazendo as palavras de
Chimenti, dispõe que:
Apesar de Louboutin ter registrado a patente dos solados vermelhos em 1995, a corte de Manhattan indeferiu a ação com a seguinte justificativa “na indústria da moda, a cor possui funções estéticas e ornamentais decisivas para alimentar a competição” e completou que Louboutin, não apresentou
11
O registro concedido está classificado como women’s high fashion designer footwear, que significa “design de calçado de luxo feminino”, e tem como marca The red sole Mark, a marca do solado vermelho.
20
provas suficientes para provar que YSL teria violado sua marca, não justificando a retirada dos sapatos expostos em suas vitrines americanas e nem a indenização pedida de US$ 1 milhão. Outra defesa apresentada diz que ninguém pode ter monopólio sobre uma cor de sapatos adotadas, pois desde o rei da França Luis XIV, até a personagem Dorothy do clássico “O Mágico de OZ”, usou sapatos vermelhos.
12
Entretanto, conforme supracitado, o que estava em questão não era a
proteção de uma cor singular, mas sim de todo o conjunto ornamental advindo da
criação e história de Louboutin, sendo evidente a necessidade de proteção de seu
sapato, já que ele ficara conhecido como “o designer dos solados vermelhos” em
todo o mundo. Destarte, o autor recorreu afirmando que a defesa de um conjunto
existente se dava pelo fato de que a cor utilizada nos sapatos era um tom específico
de vermelho, que era utilizada no solado de um modelo específico de sapato, sendo
essa uma criação da marca de luxo.
Não se pretendia então, proteger os itens em separado, mas sim garantir a
exclusividade sobre o aspecto ornamental como um todo, aspecto esse que
concedeu toda a fama existente em relação à Louboutin. No recurso prevaleceu o
argumento de que o solado servia para identificar a marca, sendo a sua própria
identidade e da pessoa de Christian, de forma similar ao que ocorre no caso do azul
turquesa utilizada pela Tiffany & CO.13
A parte ré alegou em contrapartida que o uso dos solados vermelhos teria
uma finalidade unicamente estética, e por isso não poderia ser objeto de registro e
de proteção.
Após a análise de todos os argumentos apresentados, a Corte de Manhattan
decidiu favoravelmente à grife Louboutin, confirmando o seu direito de proteger as
solas vermelhas de seus sapatos, desde que eles não fossem da mesma cor, visto
que esse item era seu símbolo desde 1992, afirmando que o designer era de fato
titular da “Red Sole Mark”.
Com isso a YSL recorreu, sendo deferida a ela a comercialização de sapatos
com solado vermelho, desde que fossem monocromáticos. Dessa maneira, como o 12
CHIMENTI, Karina, apud LOUREIRO, Lívia Murad Neffa. Fashion Law: o Direito e a moda. Disponível em: http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=12473. Acesso em 07 jan. 2016. 13
A Tiffany defendendo seus direitos que eventualmente fossem feridos, atuou no processo como Amicus Curiae, defendendo a alegação de Louboutin sobre o uso de cores utilizadas como marcas que identificassem os produtos frente aos consumidores. Salienta-se que Amicus Curiae significa “amigo da corte” e diz respeito às pessoas que, mesmo sem ser parte do processo, é chamado ou se oferece para intervir no litígio, trazendo a sua opinião ou conhecimentos a fim de que a discussão seja feita mais amplamente.
21
sapato que deu início a batalha judicial era todo vermelho, a ré não foi prejudicada,
não havendo a necessidade de retirar os seus produtos de circulação e cessar a sua
produção e comercialização.
Como se observa no caso citado, a proteção conferida foi permitida por meio
da marca, enquanto espécie do gênero Propriedade Industrial. Um adendo relevante
está no fato de que essa possibilidade ocorre, pois nos Estados Unidos a sola
vermelha característica é considerada marca registrada. Ademais, todo o aspecto
ornamental a ele associado e o seu reconhecimento frente aos consumidores foi
considerado, podendo ser protegido.
3.2 GUCCI X GUESS
O processo judicial14 enfrentado pelas marcas Gucci e Guess se deu em
razão de acusações pela marca italiana de cópias de mais de 1.400 de suas peças
pela marca americana.15
A alegação de cópia era pelo fato de que quatro das características
inerentes e identificadoras da Gucci estavam presentes nos produtos da Guess,
sendo elas as estampas de G’s conectados; as listras verdes e vermelhas; o uso de
tons pastéis; e a caligrafia da letra G que virou símbolo da marca, características
essas criadas por Guccio Gucci em 1921, conforme pode ser abaixo observado: 1617
14
United States District Court Southern District of New York. Case 1:09-cv-04373-SAS-JLC. Gucci
America, INC. vs.Guess?, INC. Disponível em: < https://pt.scribd.com/doc/94478226/Gucci-v-Guess>. Acesso em: 20 jan. 2016. 15
BATALHA do G: Guess enfrenta processo pela Gucci por acusações de cópia. Disponível em: http://www.revista.vogue.globo.com/moda/news/batalha-do-g-guess-enfrenta-processo-pela-gucci-por-acusacoes-de-copias/. Acesso em: 04 jan. 2016. 16
GUCCI continua la guerra contro lo stile "scopiazzato" di Guess: Un danno alla nostra immagine e al made in Italy. Disponível em: http://www.moda24.ilsole24ore.com/art/industria-finanza/2013-05-06/gucci-continua-guerra-contro-181135.php?refresh_ce=1. Acesso em: 04 jan. 2016. 17
Na imagem temos uma bolsa Guess na parte inferior e uma Gucci da parte superior; um sapatênis Gucci na parte inferior do lado direito e um sapato Guess em sua parte superior.
22
Com o advento da ação, o advogado da parte autora, Louis Ederer, afirmou
que a sua cliente sofrera um prejuízo de US$ 200 milhões de dólares, requerendo,
todavia, uma indenização de US$ 124 milhões de dólares para suprir em partes os
danos sofridos.
Com isso, em sede de defesa, a ré afirmou que não mantinha intenção de
imitar a grife italiana, pois o material utilizado em seus produtos era o plástico,
enquanto que a Gucci utilizava couro nas suas confecções. Para mais, alegou que a
autora esperou 7 anos após o seu conhecimento das condições de seus produtos
para dar início ao processo, por não manter na época, e continuar não mantendo
provas suficientes para sustentar as suas alegações. Defendeu-se também
explicando que havia apenas se inspirado em várias marcas disponíveis no mercado
na época do caso, sendo as características em tela comuns ao mundo da moda.
No julgamento do caso, a juíza Shira Scheindlin decidiu favoravelmente à
parte autora, determinando que a marca americana indenizasse a grife americana
em um valor correspondente aos lucros obtidos através das suas cópias e atos
contrários a uma concorrência leal, valor esse que correspondeu à quantia de U$
4.66 milhões.
3.3 VILLAGE 284 X HERMÈS
23
A controvérsia que tramitou perante a 24ª Vara Cível de São Paulo e
autuada sob o nº 0187707-59.2010.8.26.0100, teve como autora a conhecida marca
de Fast Fashion 284 e como ré a grife francesa Hermès.
O processo se deu em razão de a autora ter inaugurado uma nova linha de
produtos nomeada I’m not the original18, as quais custavam cerca de R$ 400,00,
estando inseridas réplicas das bolsas Birkin e Kelly, que por sua vez custavam em
torno de R$ 30.000,00. Destaque-se que o que podia diferenciar os produtos era o
material utilizado para a sua confecção, pois se de um lado a grife utilizava couro em
seus produtos, de outro a empresa Village 284 fabricava as suas bolsas com a
utilização de um tecido de algodão, semelhante a de um moletom, como se observa
das imagens a seguir dispostas.1920
Devido a isso, a Hermès encaminhou notificação extrajudicial à rede de Fast
Fashion, com a intenção de que a produção e comercialização das réplicas de seus
produtos cessassem. Após o recebimento da notificação, a autora intentou com a
referida ação judicial objetivando a declaração de inexistência de violação de
Direitos Autorais e/ou concorrência desleal, sob a alegação de estar no exercício de
18
“eu não sou a original” (tradução nossa). 19
HERMÈS processa fast-fashion brasileira 284 por plágio de bolsa. Disponível em: http://mulher.uol.com.br/moda/noticias/redacao/2011/01/21/hermes-processa-fast-fashion-brasileira-284-por-plagio-de-bolsa.htm. Acesso em: 22 dez. 2015. 20
No lado esquerdo encontra-se uma Hermès e do lado direito uma 284.
24
suas atividades sociais e de ser evidente que seus produtos eram uma
“homenagem” à famosa grife, pois assim ela declarava abertamente.
Com isso, a ré apresentou reconvenção com pedido de antecipação de
tutela, com base na ocorrência de infração aos seus Direitos Autorais e de
concorrência desleal. Consequentemente, o seu pedido foi concedido pelo
magistrado, determinando à reconvinda que a produção, importação, exportação,
manutenção em estoque e comercialização dos produtos “Bolsa 284” e “Kelly 284”
fossem interrompidas, sendo frisado o prejuízo causado, conforme se observa de
parte de despacho exarado nos autos:
E não apenas o enriquecimento sem causa deve ser vedado pelo direito. Há na hipótese possibilidade de efetiva lesão à ré reconvinte. A existência no mercado de sua prestigiada bolsa, comercializada pela autora reconvinda, diferenciada apenas pelo material de confecção empregado, por certo poderá trazer danos à ré reconvinte, causando confusão entre os produtos postos no comércio e prejudicando a reputação desta. Ao copiar um design criativo distintivo e fazer referências à bolsa “Birkin” Original, beneficia-se a autora reconvinda do design e dos investimentos feitos pela ré reconvinte na divulgação da bolsa, e prejudica-se a reputação da ré reconvinte de fornecer um produto exclusivo, voltado para um segmento de mercado altamente especializado. A diluição da imagem do produto da ré reconvinte por certo lhe causa danos, pois quem o adquire o faz não somente pela beleza, mas também pela exclusividade.
21 (grifo
nosso).
Após o trâmite do processo, no ano de 2011 foi proferida sentença, que
confirmou as liminares concedidas, condenando a autora, já que agiu de forma
desleal e com ofensa aos Direitos Autorais da Hermès, ao se apropriar de obra
alheia sem fazer qualquer investimento, e julgando por fim extinto o processo. Caso
a comercialização e produção dos produtos não fossem cessadas, a autora seria
condenada ainda, a pagar multa diária de R$ 10.00,00 (dez mil reais), limitada a R$
1.000.000,00 (um milhão de reais).
Um ponto de extrema importância que pode ser extraído do caso para o
estudo em questão, se encontra no fato de que a autora alegou que a ré não poderia
21
SÃO PAULO, Tribunal de Justiça de São Paulo (24ª Vara Cível). Despacho de fls. 98-100. Procedimento sumário nº 0187707-59.2010.8.26.0100. Requerente: Village 284 Participações e Comercio de Vestuario Ltda. Requerido: Hermès International. Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cpopg/show.do?processo.codigo=2SZX8TARF0000&processo.foro=100&dadosConsulta.localPesquisa.cdLocal=-1&cbPesquisa=NMPARTE&dadosConsulta.tipoNuProcesso=UNIFICADO&dadosConsulta.valorConsulta=VIllage+284&paginaConsulta=1. Acesso em: 19 jan. 2016.
25
ser amparada pelo Direito do Autor pelo fato de os seus produtos serem produzidos
em larga escala, de maneira industrial, não podendo devido a isso ser inseridas no
conceito de obra intelectual e artística.
Ora, conforme já discutido no presente trabalho, as criações advindas da
moda são obras intelectuais voltadas para o campo da estética, sendo vistas como
criações do espírito. A própria sentença coaduna com essa linha de pensamento,
conforme segue:
A prova documental trazida aos autos não deixa dúvida que a coleção lançada pela autora/reconvinda, que leva o nome “I am not the original” (em bom português: Eu não sou o original), deixa claro o propósito de imitação servil dos produtos da autora/reconvinda, em evidente prejuízo às rés/reconvintes. As inúmeras fotografias reproduzidas nas várias peças que compõe estes autos deixam patente a imitação dos elementos essenciais que, considerados em conjunto, fazem com que os objetos sejam não apenas uma bolsa de natureza utilitária, mas uma verdadeira obra de arte. Vê-se que as bolsas produzidas pelas rés/reconvintes tem valor por sua natureza artística, servindo muito mais como objeto de adorno e ostentação, permanecendo seu aspecto funcional e utilitário em segundo plano. Trata-se de obra primigena dotada de originalidade e esteticidade, que goza de proteção pela lei de direito autoral e pelas convenções internacionais que disciplinam a matéria, das quais o Brasil é signatário. O fato das bolsas serem produzidas em maior escala pelas rés/reconvintes não lhes retira a natureza de obra de arte, sabido que qualquer obra de arte pode ser produzida em larga escala pelo detentor do direito de autor sob a autorização, a exemplo do que ocorre com a edição de livros, discos e filmes.
22 (grifo nosso).
Posto isso, pode ser afirmado que o caráter estético apresentado pelas
bolsas da Hermès se sobressai na sentença em relação ao aspecto funcional que
uma bolsa venha a apresentar, e desse modo a proteção pelo instituto dos Direitos
Autorais é possibilitada.
Em relação ao argumento de os produtos da Maison francesa ser produzidos
em larga escala, e com isso não poderem ser amparados pelo Direito Autoral, é
necessário salientar que em muitas criações provenientes do meio fashion é
22
SÃO PAULO, Tribunal de Justiça de São Paulo (24ª Vara Cível). Sentença nº 1107/2011. Procedimento sumário nº 0187707-59.2010.8.26.0100. Requerente: Village 284 Participações e Comercio de Vestuario Ltda. Requerido: Hermès International. Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cpopg/show.do?processo.codigo=2SZX8TARF0000&processo.foro=100&dadosConsulta.localPesquisa.cdLocal=-1&cbPesquisa=NMPARTE&dadosConsulta.tipoNuProcesso=UNIFICADO&dadosConsulta.valorConsulta=VIllage+284&paginaConsulta=1. Acesso em: 19 jan. 2016.
26
possível separar o aspecto estético e a aplicação industrial, e com isso ser
novamente possível a concessão dessa proteção.
Com base na explanação fica claro que, apesar de evidentemente a
brasileira não ter intencionado confundir o consumidor e se passar pela Hermès,
pelo material utilizado e pelo próprio nome da sua coleção, a utilização de um
modelo extremamente semelhante e com o seu nome, caracteriza um
aproveitamento dos investimentos feitos pela grife, prejudicando a sua reputação
construída em um longo período de atuação, pois os consumidores que antes
ficavam anos em uma fila para adquirir os seus produtos, poderiam facilmente
adquirir bolsas muito semelhantes em uma rede popular.
Por conseguinte, se o aproveitamento parasitário feito pela parte autora não
fosse coibido, as características que tanto diferenciavam os produtos da ré seriam
diluídas, causando imensos prejuízos para a Hermès.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando o estudo, de forma concisa pode-se dizer que a Moda não é
composta apenas por roupas e acessórios, pois os aspectos funcionais e materiais
não se sobressaem em relação ao significado e personalidade do criador que podem
ser extraídas de seus objetos. A moda é entendida como uma criação da alma, pois
demonstra a individualidade do seu criador e das pessoas que utilizam determinado
produto, necessitando de uma proteção mais consolidada.
Diante dessa premissa, ficou mais evidente que o Fashion Law ou Direito da
Moda ainda carece de normas específicas para tratar do tema em nosso país, pois
há divergência na doutrina e na jurisprudência sobre a possibilidade ou não de
proteção. Dessa forma, a aplicação da Propriedade Intelectual na indústria da moda
ainda gera discussões, não sendo deferida a sua proteção em todos os casos.
Devido a isso, deve ser salientado que por não existir uma legislação
específica para tratar dela, muitas marcas e designers, sejam elas pequenas ou já
consolidadas, sentem-se acanhadas a recorrer a quaisquer dos institutos da
Propriedade Intelectual. Dessa maneira, opta-se por uma proteção mais abrangente,
por meio da existência de atos de concorrência desleal.
27
Todavia, apesar desse instituto solucionar boa parte dos casos, os criadores
da moda necessitam de uma proteção mais específica e efetiva, a fim de que seus
direitos sejam plenamente preservados.
Com a efetiva proteção, os benefícios são estendidos tanto aos estilistas
autônomos, que não conseguem sobreviver devido à sua vulnerabilidade, à cópias
desenfreadas, quanto às grandes marcas, pois com a existência de tutela, há maior
fluxo de ideias inovadoras. Dessa forma, o mercado apresenta uma maior variedade
de produtos a seus consumidores, que ao mesmo tempo seriam mais acessíveis e
trariam maiores lucros aos designers.
É verdade que dificilmente as cópias deixarão de existir, pois elas são
inerentes ao próprio ciclo do mundo da moda, todavia, a proteção é defendida pelo
fato de que elas não podem ser de forma desenfreada e sem quaisquer limitações,
devendo sempre que possível puni-las severamente.
A partir disso, com o estudo dos casos concretos ficou evidenciada a
possibilidade de aplicação, bem como, ser de suma importância a proteção conferida
pelos institutos da Propriedade Intelectual, seja pelos Direitos Autorais e Conexos,
seja pela Propriedade Industrial. Isso se dá pelo fato de que as obras tuteladas pelos
Direitos Autorais traduzem a própria personalidade do estilista e as obras tuteladas
pelos direitos de Propriedade Intelectual necessitam de grandes investimentos para
serem criados, sendo incontestavelmente prejudicados pelo aproveitamento
parasitário de contrafatores.
Uma vez verificada a possibilidade de aplicação de ambos os institutos, foi
retirada qualquer possibilidade de contestação do alegado entendimento de que não
poderia haver uma proteção concomitante dos mencionados institutos. A
funcionalidade e a estética não são necessariamente excludentes uma da outra,
sendo devida a exclusão apenas quando a essência do produto traduzir apenas
aspectos funcionais, sem ter tanta relevância o lado artístico. Prova disso encontra-
se na função existente nas roupas, pois a vestimenta não é a sua única função, já
que os consumidores atentam-se ao status conferido pelo produto e o seu aspecto
ornamental.
Porém, para que eles possam ser aplicados faz-se necessária a existência
de uma documentação vasta de todo o processo de criação do produto, pois muitas
vezes o que dificulta a garantia de eficácia é a dificuldade probatória dos seus
elementos e do cumprimento dos requisitos necessários para o seu deferimento.
28
Além disso, restou comprovada a dificuldade de verificação de atos de contrafação,
pois devido à sazonalidade da moda, as cópias e as tendências se confundem,
sendo imprescindível e existência desses elementos comprobatórios para diferenciar
os produtos inspired das cópias.
Consequentemente, conforme exposto, existem formas legais para que um
determinado designer ou loja possa produzir e vender determinado produto ou
marca, como por exemplo, um contrato de licença e uso de marca, não havendo
qualquer justificativa para a ocorrência de contrafações e de atos de concorrência
desleal.
Por fim, deve ser frisada a necessidade de haver uma conscientização por
parte dos estilistas e empresas sobre a importância do registro dentro dos
mencionados institutos, mesmo nos casos em que ele for facultativo. Ademais, os
próprios consumidores que compram produtos contrafeitos de forma consciente ou
não, para tentaram se aproximar dos originais, devem ser avisados sobre os danos
causados ao serem coniventes com essa contrafação e por conseqüência com o
próprio crime organizado.
Posto isso, espera-se que o artigo possa auxiliar outros pesquisadores em
um estudo ainda mais aprofundado acerca do Fashion Law. Com isso, o trabalho
não deve ser tido de forma conclusiva, mas apenas como uma colaboração para o
Direito da Moda, visto que ainda apresenta doutrina e jurisprudência extremamente
escassas, impulsionando novas e mais aprofundadas discussões e reflexões sobre o
tema.
REFERÊNCIAS
ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva; WACHOWICZ, Marcos (coords). Direito de Propriedade Intelectual: estudos em homenagem ao Pe. Bruno Jorge Hammes. Curitiba: Juruá, 2006.
BARROS, Carla Eugenia Caldas. Manual de Direito da Propriedade Intelectual. Aracaju: Evocati, 2007.
29
BATALHA do G: Guess enfrenta processo pela Gucci por acusações de cópia. Disponível em: http://www.revista.vogue.globo.com/moda/news/batalha-do-g-guess-enfrenta-processo-pela-gucci-por-acusacoes-de-copias/. Acesso em: 04 jan. 2016.
BRASIL, Convenção da União de Paris para Proteção da Propriedade Industrial, de 20 de março de 1883, promulgada no Brasil pela DAI – Divisão de Atos Internacionais. Decreto n. 75.572, de 8 de Abril de 1975. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/anexo/and1263-94.pdf>. Acesso em: 9 out. 2012.
BRASIL, Lei 9.279 de 14 de maio de 1996, que regula direitos e obrigações relativos à Propriedade Industrial. Lei da Propriedade Industrial. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 15 de maio de 1996.
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