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Ângela de Fátima Barros de Boa Morte Costa Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional . Curitiba, 2017, vol. 9, n. 16, Jan.-Jun. p. 207-232. 207 O PAPEL DO PODER LOCAL E DAS AUTORIDADES TRADICIONAIS NO DESENVOLVIMENTO LOCAL DE ANGOLA 1 THE PAPER OF LOCAL AUTHORITIES AND TRADITIONAL IN THE DEVELOPMENT OF ANGOLA Ângela de Fátima Barros de Boa Morte Costa 2 Resumo Este trabalho tem como objecto de estudo a análise da relação existente entre o poder local público e as autoridades tradicionais em Angola, nomeadamente como as mesmas autoridades defendem e participam nos interesses das comunidades locais junto das administrações municipais e a sua participação e influência na vida sociopolítica e cultural das comunidades rurais. O objetivo do presente trabalho é o de investigar o papel do poder local público e das autoridades tradicionais no desenvolvimento local de Angola. Para o alcance do objectivo supracitado, usou-se o método descritivo, bem como a observação ativa, pesquisa bibliográfica e a análise documental. Concluiu-se que embora não exista uma lei que regule as áreas de atuação, ou seja, o papel efetivo das autoridades tradicionais, a colaboração entre ambas existe nas mais diversas áreas sociopolíticas e económicas, estruturando e reforçando os serviços de governação administrativa local. Palavras-chave: Poder Local. Autoridades Tradicionais. Autarquias. Desenvolvimento Local. Abstract This work is aimed at to analyze the relationship between local public authorities and traditional authorities in Angola, namely how the same authorities defend and participate in the interests of local communities in municipal administrations and their participation and influence in socio – political life and cultural development of rural communities. The objective of this study is to investigate the role of local public authorities and traditional authorities in the local development of Angola. To reach the above mentioned objective, the descriptive method was used, as well as active observation, bibliographical research and documentary analysis. It was concluded that although there is no law that regulates the areas of activity, that is, the effective role of the traditional authorities, collaboration between them exists in them in diverse 1 Artigo submetido em 10/04/2017, pareceres de análise em 26/04/2017 e 28/06/2017, aprovação comunicada em 31/08/2017. 2 Mestranda em Administração e desenvolvimento local – FE-UON. Licenciada em Economia pela FE-UONe Chefe de Secção Administrativa de Planeamento e Estatística na Faculdade de Economia da Universidade 11 de Novembro FE-UON. Cabinda, Angola. E-mail: <[email protected]>.

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Ângela de Fátima Barros de Boa Morte Costa

Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional. Curitiba, 2017, vol. 9, n. 16, Jan.-Jun. p. 207-232.

207

O PAPEL DO PODER LOCAL E DAS

AUTORIDADES TRADICIONAIS NO

DESENVOLVIMENTO LOCAL DE ANGOLA1

THE PAPER OF LOCAL AUTHORITIES AND TRADITIONAL

IN THE DEVELOPMENT OF ANGOLA

Ângela de Fátima Barros de Boa Morte Costa2

Resumo

Este trabalho tem como objecto de estudo a análise da relação existente entre o poder local público e as autoridades tradicionais em Angola, nomeadamente como as mesmas autoridades defendem e participam nos interesses das comunidades locais junto das administrações municipais e a sua participação e influência na vida sociopolítica e cultural das comunidades rurais. O objetivo do presente trabalho é o de investigar o papel do poder local público e das autoridades tradicionais no desenvolvimento local de Angola. Para o alcance do objectivo supracitado, usou-se o método descritivo, bem como a observação ativa, pesquisa bibliográfica e a análise documental. Concluiu-se que embora não exista uma lei que regule as áreas de atuação, ou seja, o papel efetivo das autoridades tradicionais, a colaboração entre ambas existe nas mais diversas áreas sociopolíticas e económicas, estruturando e reforçando os serviços de governação administrativa local. Palavras-chave: Poder Local. Autoridades Tradicionais. Autarquias. Desenvolvimento Local.

Abstract

This work is aimed at to analyze the relationship between local public authorities and traditional authorities in Angola, namely how the same authorities defend and participate in the interests of local communities in municipal administrations and their participation and influence in socio – political life and cultural development of rural communities. The objective of this study is to investigate the role of local public authorities and traditional authorities in the local development of Angola. To reach the above mentioned objective, the descriptive method was used, as well as active observation, bibliographical research and documentary analysis. It was concluded that although there is no law that regulates the areas of activity, that is, the effective role of the traditional authorities, collaboration between them exists in them in diverse

1 Artigo submetido em 10/04/2017, pareceres de análise em 26/04/2017 e 28/06/2017, aprovação

comunicada em 31/08/2017. 2 Mestranda em Administração e desenvolvimento local – FE-UON. Licenciada em Economia pela

FE-UONe Chefe de Secção Administrativa de Planeamento e Estatística na Faculdade de Economia da Universidade 11 de Novembro – FE-UON. Cabinda, Angola. E-mail: <[email protected]>.

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socio-political and economic areas, structuring and reinforcing the local administrative governance services. Keywords: Local Power. Traditional Authorities. Local Authorities. Local Development.

Sumário: 1. Introdução. 2. Referencial teórico. 2.1. Desconcentração. 2.2. Descentralização.

2.3. Poder Local. 2.4. Autoridades Tradicionais. 2.5. Autorquias Locais. 2.6.

Descentralização Administrativa de Angola. 3. Breve historial da política angolana.

3.1. Poder Local em Angola. 3.1.1. Poder local e o processo constitucional. 3.2.

Autarquias Locais e a Constituição. 3.3. Princípios Fundamentais das Autoridades

Tradicionais e Legitimidade. 4. Conclusões. 5. Referências.

1 INTRODUÇÃO

A escolha do tema, a análise da relação existente entre o poder local público

e as autoridades tradicionais e o seu papel no desenvolvimento local, deve-se ao

facto de, pela primeira vez, desde a primeira República, Angola ir implementar um

sistema de descentralização administrativa. Esta é razão pela qual o tema em

análise é de grande relevância sociopolítica e administrativa. Com este trabalho

pretende-se contribuir para o entendimento, segundo Feijó, "da relação do poder

local público edas autoridades tradicionais tendo em conta a participação do último

no desenvolvimento socioeconómico das comunidades" (FEIJÓ, 2012, p. 14-15).

A problemática em análise, a relação entre o poder local público e

autoridades tradicionais, é de extrema relevância para a consolidação do sistema de

descentralização administrativa do poder local, uma vez que Angola é um país vasto

e multicultural.

A questão em análise é a relação entre o poder local público e autoridades

tradicionais, na medida em que as autoridades tradicionais são parte integrante do

poder local público de uma circunscrição territorial administrativa descentralizada, de

acordo com a realidade sociocultural de Angola e da legislação no âmbito da

governação local.

A pesquisa tem por objetivo investigar o papel do poder local público e das

autoridades tradicionais no desenvolvimento local de Angola.

As técnicas metodológicas envolvidas foram a observaçãoactiva, a pesquisa

bibliográfica e a análise documental. Foram primeiramente analisados documentos

relacionados ao tema disponíveis e existentes em bibliotecas, online, nos Governos

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Provinciais e Administrações Municipais. Esta documentação foi analisada tendo em

vista a delimitação/produção do enquadramento teórico e metodológico.

Tendo em conta ao tipo específico do tema, a metodologia de investigação

tem em conta métodos qualitativos.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

Nesta parte, procuramos descrever os principais conceitos que são de

grande relevância ao tema e que nos permitem a sua compreensão. Dentre eles, a

desconcentração e descentralização, o poder local, as autoridades tradicionais e

autarquias locais.

2.1 Desconcentração

Medici (1994) ressalta que no campo do poder institucional e da gestão

administrativa, a desconcentração tem sido utilizada como uma parte ou etapa do

processo de descentralização, lembrando que quando se fala em descentralização,

admite-se avaliar um processo onde ocorre, não apenas uma regionalização do

poder institucional, mas sim uma regionalização com autonomia política, financeira,

institucional. A autora trata o termo desconcentração no sentido de tirar do centro as

tarefas de execução sem que seja transferida a correspondente autonomia,

afirmando que:

1) Desconcentração é condição necessária, mas não suficiente para um

processo pleno de descentralização;

2) Desconcentração faz parte do processo de descentralização e pode ser

conceituada como uma forma de descentralização.

Siwek-Pouydesseau (1974) complementa que existe uma infinidade de

combinações entre centralização, descentralização e desconcentração. O autor fala

da existência de uma semi descentralização, porque a verdadeira descentralização

supõe que as administrações descentralizadas são inteiramente livres, sem serem

submetidas ao controle de nenhuma autoridade administrativa do Estado.

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Desconcentrar significa, então, o processo de transferência de

responsabilidades administrativas dos serviços públicos do nível nacional ou

estadual para os governos regionais ou locais. Portanto, a desconcentração

administrativa consiste em divisão de funções entre os vários órgãos de uma mesma

administração, sem quebra de hierarquia.

Para Vaz (2008) a desconcentração é uma forma de regionalização, com a

transferência de atribuições das instâncias centrais de poder para órgãos regionais,

que não dispõem de poder para decidir sobre prioridades ou sobre o planejamento

dos serviços, ou seja, as decisões continuam centralizadas, mas sendo executadas

longe do centro. Já Rojas (1974) considera que na desconcentração as decisões

são tomadas sempre em nome do Estado por um de seus agentes, existindo

somente a substituição do chefe da hierarquia por um agente local. Já na

descentralização, segundo este autor, a decisão não é tomada em nome e nem por

conta do Estado e sim por conta de uma coletividade local, representada por uma

instituição. No entanto, os dois procedimentos conduzem à aproximação da

administração ao administrado, por meios diferentes.

A autonomia para tomar decisões é um ponto de divergênciaentre alguns

autores, quando se trata de desconcentração. Ao contrário de Medici (1994) e Vaz

(2008), Rojas (1974) defende que a desconcentração constitui um procedimento de

técnica jurídica, que desloca das autoridades superiores uma boa parte de suas

competências, permitindo às autoridades locais tomarem decisões mais rápidas, em

beneficio dos administrados. O autor acrescenta que a desconcentração, mediante a

criação de órgãos fora da sede da administração central, em circunscrições

territoriais, assegura um melhor funcionamento da administração, facilitando o

tratamento dos assuntos das próprias regiões, sem ter que reportar-se àcapital.

Para Medici (1994) as maiores controvérsias sobre descentralização e

desconcentração estão baseadas em algumas exclusões, tais como: sem autonomia

e poder decisório a desconcentração não se converte em descentralização; sem a

participação social a desconcentração não é transmutada em descentralização; e, se

não há transferência de autonomia ou poder decisório a descentralização é

incompleta.

Siwek-Pouydesseau (1974) resume a diferença entre a desconcentração e

descentralização, considerando que em um sistemade desconcentração, todas as

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decisões importantes são de competênciados governos centrais, no entanto, existem

agentes locais que são nomeados pelo governo central e possuem certa capacidade

de decisão por delegação. Nos sistemas descentralizados, a maior parte das

decisões é de competência dos órgãos locais independentes e representativos,

elegidos pela população.

Para Rojas (1974) existem duas formas de desconcentração, sendo uma

horizontal (central) e outra vertical (periférica). A forma horizontal se caracteriza pela

atribuição de uma competência de forma exclusiva a um órgão central, médio ou

inferior, na hierarquia administrativa. Este tipo de desconcentração se realiza em

favor de um órgão, que estende sua competência a todo o território, como por

exemplo, quando se transferem competências de um subsecretário a outros órgãos.

A desconcentração vertical é aquela em que as competências descentralizadas são

em favor de um órgão periférico da administração, determinada por critério territorial.

Já na descentralização, órgãos se administram livremente, sendo

subdivisões geográficas do Estado. Este deve ter representante a nível local (esta é

a parte desconcentrada) e em geral, o Estado conserva a competência em matéria

de defesa, de diplomacia e exerce também, o controle que se chama “tutela”, sobre

os órgãos descentralizados, o que não ocorre em sistemas auto-administrados. O

poder de tutela não pode dar ordens, mas pode anular algumas decisões em

condições previstas por lei e também pode substituir umaautoridade em certas

circunstâncias. A tutela é defina como um controle administrativo limitado, outorgado

por lei para uma autoridade superior aos agentes descentralizados e sobre seus

atos, com o objetivo de proteger os interesses gerais.

2.2 Descentralização

A definição de descentralização pode estar fundamentada em diferentes

aspectos e áreas de conhecimento, podendo ser entendida de forma literal como o

afastamento do centro, embora, não tenha uma forma independente. Para Medici

(1994) a mesma está sempre associada a um determinado objeto, podendo este ser

a administraçãopública ou as políticas sociais, que quando administradas ou

executadas por diferentes esferas do governo, caracterizam a descentralização

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como uma transmissão de comando, execução ou financiamento destas políticas do

nível central para o nível intermediário ou local.

A descentralização também é utilizada para denominar a transferência de atribuições do Estado à iniciativa privada, privatização ou dando concessão de serviços públicos e a transferênciade poder do governo para uma comunidade ou para uma ONG. (ABRUCIO, 2006).

Medici (1994) ainda menciona a transferência da administração ou execução

de políticas sociais pela administração direta para a administração indireta, como,

autarquias, fundações, empresas públicas ou economia mista, como formas de

descentralização.

Em relação ao aspecto administrativo, Abrucio (2006) afirma que a

descentralização também é tratada como a delegação de funções de órgãos centrais

a agências mais autônomas, o que é na verdade um processo de desconcentração

administrativa, com o repasse de responsabilidades. No processo político, o autor

entende a descentralização como a transferência de poder decisório de um Estado

nacional aos governos subnacionais, que: (1) adquirem autonomia para escolher

seus governantes e legisladores; (2) comandam diretamente sua administração; (3)

elaboram uma legislação referente às competências que lhes cabem; (4) cuidam

desua estrutura tributária e financeira.

A importância da autonomia político-administrativa e financeira em um

processo de descentralização é ressaltada por Medici (1994) e Junqueira (1997),

onde o primeiro destaca que tal processo pode não ser completo, em função da

ausência de autonomias pelos órgãos descentralizados. Já o segundo acrescenta

que tais autonomiaspodem aprofundar a participação da sociedade nos processos

democráticos aumentando o controle dos sistemas decisórios. Medici (1994) observa

outro ponto importante no processo de descentralização, que é referente ao caráter

instrumental da mesma, ou seja, se a descentralização quando implantada é

considerada um meio para se atingir determinados objetivos ou simplesmente é

considerada o fim do processo. Para os movimentos municipalistas, a

descentralização tem sido apresentada como um fim, em função do fortalecimento

do poder municipal. No entanto, o autor questiona este aparente aspecto finalístico,

por considerar que a descentralização é um meio para melhorar a eficiência e a

eficácia da administração pública, possibilitando o governo local desempenhar

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melhores resultados para a população, em função de sua proximidade. De modo

geral, o significado de descentralização é a transferência de competências do

governo central para as instâncias locais, podendo haver, transferência de poder e

recursos financeiros, com o objetivo de reduzir o tamanho da estrutura

administrativa, o que agiliza a gestão de políticas públicas e aproxima o Estado da

sociedade.

Arretche (2002) utiliza os estudos de Lijphart (1999) onde evidencia que na

atualidade grande parte dos Estados federativos édescentralizada. A autora ressalta

também as idéias de Riker (1975) que demonstra que o nível de centralização na

distribuição de competências administrativas se alterou ao longo dos anos nos

países federativos, embora não tenha provocado substancialmente a característica

essencial do federalismo que é a autonomia política dos governos locais.

Até o final da década de 70, o modelo de gestão pública estava estruturado com base na concentração do poder decisório e na execução no nível do governo federal, definindo atribuições e competências para o nível estadual e aos municípios atribuições de interesse local (JACOBI, 2000).

Carneiro (2008) complementa que nesta época, com a extinção do regime

militar em 1979, foi criado o Programa Nacional de Desburocratização, retomando

assim, a reforma administrativa, dentro de uma perspectiva de descentralização.

As reais necessidades de se implantar tal processo são o aumento da

eficiência e da eficácia dos serviços públicos ou é democratizar o Estado com a

aproximação da sociedade, por exemplo. E é neste contexto que Lobo (1989)

apresenta alguns princípios e diretrizes fundamentais a serem seguidos na

implantação de um processo de descentralização, que são:

a) Flexibilidade: preconiza tratar diferentemente os governos sub nacionais

de acordo com diferenças económicas, financeiras, políticas, técnico administrativas

e sociais, intra e extra, regionais, estaduais e municipais que devem ser

consideradas e tratadas de forma diferenciada. Não deve existir um “modelo” único e

fixo de descentralização;

b) Gradualismo: significa reordenar o poder gradativamente a partir de

capacidades reconhecidas e aceitas, e nãopor decreto, nem de maneira abrupta em

um curto espaço de tempo. Incorpora a flexibilidade e trata da adequação da

descentralização às distintas realidades definidas no tempo e no espaço, permitindo

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que ela se consolide de forma gradual e contínua, não somente a partir de

deliberações centrais, mas como resultado de processos pactuados de mudanças;

c) Transparência no processo decisório: é uma condição indispensável já

que o processo visa redirecionar núcleos de poder até então localizados

centralmente, o acordo, o pacto e a cooperação mútua são requisitos básicos para o

sucesso do empreendimento. Sem a participação direta dos envolvidos, governos

estaduais e municipais, nas etapas decisórias, dificilmente será possível ter o

compromisso e a cumplicidade necessários para levar adiante mudanças que

alterarão profundamente as regras do jogo, até então estabelecidas;

d) Controle Social: criação de mecanismos de controle social uma vez que

a descentralização aproxima os gestores da população que será beneficiada pelos

serviços públicos prestados, e que ela só tem sentido se para isso servir.

Guinmarães (2002) situa a descentralização dentro de um plano político

institucional, onde esta é concebida como desagregação do poder público, através

de diversas modalidades, que vão de uma simples desconcentração de atividades

até a descentralização de poder decisório, ou seja, da transferência de

competências ou poderes. Neste plano o autor identifica três dimensões

complementares sendo: a administrativa, a social e a política. Na dimensão da

administração, o termo descentralização é sinônimo de transferência de

competências e de funções entre unidades, entre esferas de governo ou entre

órgãos. O entendimento administrativo sobre o termo descentralização busca maior

eficácia na gestão pública, diminuição do processo burocrático, além de aproximar

organismos da esfera pública e da sociedade como um todo visando o atendimento

das demandas sociais e o real/melhor “cumprimento de seus objetivos”. A dimensão

social sob a aplicação da descentralização eleva significativamente a participação

social na gestão pública. Ou seja, é uma forma de divisão/distribuição do poder

decisório, antes, pertencente exclusivamente ao Estado, para a sociedade civil

organizada, para decidirem sobre problemas da gestão pública local, nas instâncias

de tomada de decisão, como forma de exercer funções de fiscalização e controle

sobre a gestão dos serviços públicos. Já na dimensão política, a descentralização é

uma estratégia para a redistribuição do poder político do Estado, do nível central

para os demais.

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Em relação às tipologias da descentralização, existe uma grande diversidade

de percepções sobre o tema. Guinmarães (2002) destaca as seguintes: (1)

funcional, quando são transferidas ao ente descentralizado competências

específicas; (2) delimitadas, quando se referem a um só setor de atividade; (3)

territorial, quando é transferido poder decisório a órgãos, cujo âmbito de atuação ou

cuja jurisdição estão constituídos por um território, ainda que esses órgãos, tendo

personalidade jurídica própria, mantenham uma relação de dependência hierárquica

na geração de suas autoridades; (4) política, considerada como uma forma máxima

da descentralização, quando o corpo descentralizado é gerado a partir de processos

eleitorais e se pode reconhecer uma estrutura administrativa descentralizada.

Quadro 1- Espécies de descentralização

Conceito Características

Descentralização administrativa

Distribuição pelos diferentes graus de

hierarquia do Estado, em todo território

nacional.

Devolução de poderes

Transferência de poderes pertencentes aos

órgãos do Estado para associações e

empresas públicas sob orientações políticas

gerais do Estado.

Descentralização territorial

Transferências de atribuições e competências

a pessoas coletivas territoriais dotadas de

autonomia administrativa, financeira e

patrimonial param a prossecução dos

interesses das populações respetivas.

Fonte: adaptado de Freitas do Amaral (1993) apud Fauré e Udelsmann Rodrigues, 2012)

2.3 Poder Local

A lei constitucional de 1992, já fazia referência ao poder local, “sendo a

organização do estado a nível local compreendendo a existência de autarquias

locais e outros órgãos administrativos locais” (Artigo 145º).

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A lei constitucional de 1992, já fazia referência ao poder local, “sendo a

organização do estado a nível local compreendendo a existência de autarquias

locais e outros órgãos administrativos locais” (Artigo 145º).

Relativamente ao vocábulo “local”, vai ser entendido no sentido da

delimitação territorial ou espacial, onde as entidades autónomas desenvolvem as

suas atividades, de acordo com a divisão administrativa em vigor no país.

Poder local pode ser definido em duas vertentes: do ponto de vista teórico, o poder local é aquele que nasce num local, o poder que emana do povo e não um poder imposto no local. O Estado não é poder local, é um poder imposto no local. Do ponto de vista prático: o poder local é a representação do estado no local (exemplo, as administrações municipais e outros serviços ministeriais). (POULSON, 2009).

Nesta ordem de ideias, podemos retirar as seguintes consequências, que

deverão pautar a aplicação da lei:

– O poder local é originário por ser anterior ao do Estado ou até mesmo

desenvolver-se fora dele. Refira-se ao poder tradicional é igualmente uma

manifestação do poder local. É exequível que, para ser considerado poder local é

necessário um reconhecimento extra-estadual, sendo verdade que após este

reconhecimento o poder tradicional se funcionaliza no plano jurídico-público, ou seja,

se ergue como um verdadeiro poder público. Por isso é importante este

reconhecimento constitutivo.

– O poder local é exercido através de órgãos descentralizados, de

instituições e isto quer dizer que se optou por uma conceção ampla do poder local

para abranger as autarquias locais (órgãos descentralizados administrativa e

territorialmente), o poder tradicional e outras formas de participação democrática das

populações, como as comissões de bairros. Nesta conformidade, o poder local não é

corporizado apenas pelas autarquias, antes pelo contrário, é dimensionado para lá

das autarquias locais.

– O poder local visa satisfação dos interesses próprios das populações

respetivas. Significa isto que, o poder local não visa a prossecução do interesse

geral ou nacional que ao Estado compete prosseguir. O poder local trata, apenas, de

interesses ou assuntos próprios das populações respetivas e não dos interesses

nacionais ou da comunidade nacional.

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Aço (2012), define o poder local como aquele poder político originário ou

derivado exercido, nos termos da lei, a nível das comunidades locais através de

órgãos descentralizados, de instituições organizativas tradicionais e de outras

formas de participação democrática das populações visando a satisfação dos

interesses próprios, tendo como principais elementos as autarquias, as autoridades

tradicionais e as outras formas de participação dos cidadãos.

Em Angola, o poder local é entendido como administrativo e tradicional,

exercido com base na lei e tradição ao nível das comunidades e circunscrições

administrativas definidas pela lei, de acordo com as entidades que visam a

prossecução dos interesses coletivos. Administrativo, porque determina entidades

que nos termos da lei definem condutas e impõem aos outros a própria conduta;

Quando nos referimos ao tradicional, estamos a falar daquele poder exercido pelas

autoridades tradicionais, baseado nas regras costumeiras características locais.

2.4 Autoridades Tradicionais

[Em Angola as] autoridades tradicionais são entidades que personificam e exercem o poder no seio da respetiva organização política-comunitária tradicional, de acordo com os valores e normas consuetudinária e no respeito pela Constituição e pela lei. A elas lhes são atribuídas competência, organização, regime de controlo, da responsabilidade e do património das instituições do poder tradicional, as relações institucionais destas com os órgãos da administração local do Estado e da administração autárquica, bem como a tipologia das Autoridades Tradicionais, são reguladas por lei3

Para Florêncio (2010), a expressão “autoridades tradicionais” compreende

os indivíduos e instituições de poder político que regulam a organização do modelo

de produção social das sociedades tradicionais. Desse modo, não integram o

conceito os indivíduos que detêm um poder mormente informal ou de influência no

poder político como são os casos dos adivinhos, fazedores de chuvas, curandeiros e

outros, uma vez que não participam na estrutura formal e institucional, na formulação

de normas e decisões sobre a vida social da comunidade e seus membros.

As autoridades tradicionais são pessoas coletivas de substrato cultural que se traduzem em estruturas organizativas forjadas ao longo dos tempos, pré-estatais, e emanam da realidade histórica, cultural, sociológica e antropológica típica de países africanos. (FEIJÓ, 2012).

3 Artigo 224º Lei n.º 17/90 de 20 de Outubro (Lei da Administração Pública).

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No encontro Nacional sobre as autoridades tradicionais realizado em Angola, apresentou-se a seguinte conclusão: Concordo que aqueles que designamos "Autoridades Tradicionais" há muito deveriam ter recebido mais respeito e apoio do moderno Estado angolano. Podendo ser interlocutores privilegiados para o conhecimento das sociedades que nos precederam e de que somos herdeiros, são também detentores de um capital simbólico que bem poderia ser melhor investido na consolidação da nossa unidade nacional. E em muitos casos, sobretudo lá onde o Estado é inoperante ou quase inexistente, muitos ou alguns deles são ainda a autoridade respeitada e considerada legítima, detendo uma capacidade de intervenção e organização social que não pode ser desprezada nem ignorada (NETO, 2002).

O reconhecimento destas pelo Estado não é feito através da pessoa física,

mas sim pela instituição que ela representa, ou seja, na perspetiva da organização

administrativa, o Estado reconhece a instituição autoridade tradicional. Porém, as

autoridades tradicionais afirmam que:

Em primeiro lugar, a todos a lei deve dar iguais direitos e o destino social de cada um não deve depender do seu nascimento – seja de linhagem nobre, plebeu ou descendente de escravos, seja homem ou mulher, filho do rico ou do pobre. A História regista diferentes tipos de sociedades hierarquizadas em castas, ordens ou outras categorias hereditárias (como certas situações de escravidão, por exemplo). Hoje em dia, quase todas as sociedades recusam essa vinculação estrita do estatuto social à filiação. (NETO, 2002).

2.5 Autorquias Locais

As autarquias locais são pessoas coletivas territoriais correspondentes ao conjunto de residentes em certas circunscrições do território nacional e que asseguram a prossecução de interesses específicos resultantes da vizinhança, mediante órgãos representativos eleitos das respetivas populações.4

Autarquias locais são pessoas coletivas territoriais que visam a prossecução

dos interesses próprios das populações, dispondo para o efeito de órgãos

representativos eleitos e de liberdades de administração das pessoas coletivas.

O autarca uma vez eleito, com sua personalidade, representa e exerce um

poder político tendo em conta o programa eleitoral da lista em que foi eleito, a sua

matriz ideológica, valores que defende e estratégia de ação para responder aos

problemas e expectativas da comunidade local, observando a sua identidade, seus

costumes, sustentação económica e bem-estar. Pardal e Esteves (2013, pp. 13-15)

4 (Artigo 217º, n.º 1). Lei n.º 7/81 de 4 de Setembro (Lei dos Órgãos Locais do Estado, Angola).

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defendem que o autarca deve conhecer pormenorizadamente a freguesia ou o

conselho, a sua história, tradições e contactar de forma sincera e disponível as

pessoas, promovendo a interajuda, a coesão social, dando abertura a parcerias

múltiplas, públicas e privadas, e compreensão democrática

Para Samy, (2014). autonomia local apresenta-se como uma garantia

constitucional, não estando na disponibilidade do legislador a opção entre a

existência ou não de uma administração autónoma territorial.

A autonomia local, entendida como poder ou capacidade conferida a

determinadas coletividades territoriais intra-estatais de se administrarem a si

mesmas, está relacionada com o poder local. Numa perspetiva de grau, só haverá

poder local onde a autonomia local se traduzem entidades autónomas locais, com

largas atribuições e competências e onde os mecanismos de tutela não sejam

demasiado intensos. Daí que, nem sempre autonomia local seja sinónimo de poder

local, porque este só existe quando a autonomia é abrangente e a tutela estatal

esteja muito atenuada

Em suma, por um lado, o poder local é sempre uma (não a única)

manifestação da descentralização administrativa territorial. Não podemos nunca,

contudo, confundir com a descentralização associativa que dá lugar, por exemplo, às

ordens profissionais, nem com a descentralização funcional ou institucional que dá

lugar aos institutos e às empresas públicas.

Poulson, (2009, p. 34), defende que o poder local não é operacionalizado

apenas pela descentralização territorial. É necessário que a descentralização

administrativa seja encarada no plano jurídico e político, isto é, não é só pelo facto

de, por exemplo, existirem autarquias locais no plano jurídico que se afere a

existência de um verdadeiro poder local. É necessário ainda apurar se no plano

político os órgãos das autarquias locais são livremente eleitos pela população local.

De acordo com os conceitos acima descritos, entende-se que a

descentralização se caracteriza pela transformação de um poder antes absoluto e

conferido por lei ao estado, num poder que passa a ser repartido. Não existem

situações absolutas relativamente a uma desconcentração ou descentralização dos

serviços públicos, existindo sempre uma margem presencial de cada sistema (tanto

na desconcentração como na descentralização). Já o sistema de governação

autárquica difere do sistema desconcentrado, em termos de divisão administrativa

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territorial, funcionamento e competências atribuídas. O sistema autárquico é a mais

alta descentralização dos serviços administrativos que existem.

Nestes órgãos de poder local estão subjacentes os governos provinciais, municipais, comunais, e também as Autoridades Tradicionais. No âmbito da descentralização, deve haver maior entrosamento entre os governos acima referenciados para que, num esforço conjugado, haja maior e melhor solidificação nos objetivos de crescimento e desenvolvimento local, como tem sido o caso de outros países africanos. Na Namíbia, por exemplo, à semelhança do que se vive em Angola, as autoridades tradicionais desempenham um papel preponderante nas zonas rurais, juntamente com as instituições de base comunitárias, constituindo uma vantagem cultural essencial no que toca à gestão de problemas ambientais, culturais, social e económicos. (BURMEISTER; PARTNERS, 1998).

Os chefes tradicionais são muito influentes nas comunidades rurais, a maior

parte das instituições governamentais e das ONG tentam envolvê-los na planificação

das novas infraestruturas de água. Trata-se de uma lição retirada da resistência que

os opuseram aos planos para a construção da barragem de Epupa na década de

1990, que ameaçou inundar os cemitérios ancestrais dos Himba. Presentemente, os

chefes tradicionais estão envolvidos em quase todas atividades de desenvolvimento

local, de forma a participarem ativamente nas decisões do futuro da Namíbia.

Em relação ao caso da Nigéria, Wunsch (1998) apud Fernandes (2011)

afirma que, quando se devolverem certos poderes aos líderes locais, haverá maior

articulação dos interesses de líderes de poder públicos e autoridades tradicionais em

prol do desenvolvimento socioeconómico local.

Outro exemplo é o de Moçambique, em que segundo Faria e Chichava

(1999), a relação entre o poder público e autoridades tradicionais tem vindo a

afirmar-se cada vez melhor em benefício da população local. O ano de 1994 foi

marcado pelas primeiras eleições multipartidárias, consequentemente pela primeira

legislação relativa às instâncias locais (Lei 3/94), no âmbito do programa que visava

a reforma dos órgãos locais (PROL) lançado em 1991. Nessa altura, 1997, ficou

estabelecido o quadro jurídico e institucional, com uma nova legislação (Lei 2/97),

substituindo a primeira, que introduziu mudanças significativas na reforma. O

governo moçambicano pós-independência revogou o quadro de reconhecimento das

autoridades tradicionais (régulos) de Moçambique com o slogan “acabar com o

obscurantismo”. Às autoridades tradicionais (régulos), na era colonial, competia-lhes

a resolução de conflitos internos na perspetiva comunitária, cabendo comunicar à

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administração colonial toda situação que ocorresse e possíveis resoluções através

de conselho de anciãos mas, após a independência, o partido FRELIMO (Frente de

Libertação de Moçambique) destituiu as autoridades tradicionais do espaço político-

administrativo, justificando a colaboração das autoridades com o poder colonial. Isto

causou fraco desempenho da administração local do Estado, levando a sociedade

moçambicana a uma crise social, criando conflitos de valores entre a velha e nova

geração, desenquadrando a nova geração no tocante ao sistema tradicional da vida

comunitária segundo Feijó (2012, p. 217-218) o afastamento das autoridades

tradicionais explica a ineficácia dos serviços administrativos locais. Esta situação

leva a sociedade moçambicana, atualmente, a envidar esforços de reenquadrar as

autoridades tradicionais nas funções administrativas

2.6 Descentralização Administrativa de Angola

Em Angola, o princípio de descentralização, descrito no Artigo 201º da

Constituição da República de Angola, faz menção à criação de coletividades

autónomas locais no âmbito do poder autárquico (Artigos 213º e 214º). Esta

mudança teve em conta a elevada concentração de população na capital, Luanda,

polo de atração da população fugindo da guerra em busca de melhores condições

de vida, durante os anos 1980 e 1990. Dada esta concentração e a concentração do

poder na capital durante a guerra, Angola tendeu a centralizar a gestão e a

administração em Luanda durante vários anos. Existe um programa de

Descentralização e Governação local implementado pelo executivo angolano com o

apoio do PNUD5. As primeiras experiências após 2005 foram feitas nas províncias

de Luanda, Benguela, Bié, Uíge e Malange, no apoio estratégico e asseguramento

da eficiência da manutenção de normas e, garantir que os recursos sejam utilizados

nas áreas mais críticas, no apoio a desminagem, reconstrução de infra estruturas,

acesso a educação, cursos de formação profissional, saúde, energia, águas e

agricultura.

Administrativamente, Angola encontra-se dividida em províncias, municípios

e comunas (ver Quadro 2).

5 O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, em Angola, trabalha para reforçar as

capacidades das pessoas e apoiar o fortalecimento e resiliência das nações.

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Quadro 2- Características da estrutura administrativa em Angola

Províncias Municípios Comunas

Nomeação da

liderança

Governador provincial

diretamente nomeado pelo presidente da Republica.

Administrador municipal diretamente nomeado pelo governador da província

Administrador comunal diretamente nomeado pelo governador da província

Subdivisões Administrações subdivididas em Delegações e serviços ministeriais.

Poderes no plano administrativo.

Responsabilidades ao nível da organização e funcionamentos ao nível dos serviços públicos

Orçamento Orçamento alimentado a nível do orçamento geral do estado

Orçamento alimentado pelo orçamento da província

Acompanhamento e apoio das autoridades tradicionais (sobas e seculos).

Fonte: Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento (PNUD) E Ministério da Administração do Território

do Governo de Angola (MAT) – 2003.

Analisando a situação da relação existente entre o poder local público e

autoridades tradicionais já descritos, diversos autores (POULSON, 2009 citado por

FEIJÓ, 2012) concluíram que, embora de maneiras deferentes, é preciso respeitar e

fazer o enquadramento legal das Autoridades Tradicionais, dos líderes comunitários

e outras instituições se, de facto, quisermos a democracia e desenvolvimento local,

visto que estas entidades em alguns lugares são a ligação entre a população e os

representantes do Estado.

3 BREVE HISTORIAL DA POLÍTICA ANGOLANA

Angola vive atualmente um clima de paz e de estabilidade política; foi

durante muitos anos uma colónia portuguesa, situação que levou ao

descontentamento dos angolanos, desencadeando numa guerra sangrenta de

libertação nacional, entre portugueses e os três principais partidos nacionalistas,

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(Movimento Popular de Libertação de Angola-MPLA, Frente Nacional de Libertação

de Angola-FNLA, e União Nacional de Libertação Total de Angola-UNITA) até se

conquistara independência a 11 de Novembro de 1975. A 25 de Abril de 1974, data

impulsionadora em Portugal, oficiais militares de carreira derrubaram o regime

fascista em Lisboa, na sequência de um golpe de estado. Este foi feito por um grupo

de militares que por sua vez muitos tinham cumprido serviço militar em Angola,

situação que exerceu grande impacto na independência de Angola. Segundo

Wheeler e Pélissier (2011, p. 355), democracia para Portugal implicaria uma

descolonização do império ultramarino, onde se incluía Angola, e um esforço para

transformar a economia desenvolvida de Portugal, no intuito de conduzir os

portugueses a uma era moderna.

O golpe militar de 25 de Abril, impulsionou a transição do domínio português

para a independência de Angola em 11 de Novembro de 1975. Contudo, iniciou-se

um trágico desenrolar de uma guerra civil, pautada por várias iniciativas de paz para

pôr termo ao conflito entre o MPLA e a UNITA, que durou desde 1975 a Abril de

2002, ano em que Jonas Savimbi líder do último partido pereceu e os restantes

líderes da UNITA assinaram um acordo de paz, pondo fim à guerra civil. Desde 4 de

Abril de 2002 até à presente data consubstancia-se uma época de um regime

político presidencialista, em que o presidente da República é o chefe do Governo,

tendo o poder de legislar, sendo também ele quem nomeia os poderes Legislativo,

Executivo, e Judicial. Para a consolidação da democracia, reconstrução e

reconciliação nacional, o país tem como base a constituição atual, de 27 de Janeiro

de 2010.

Embora o sistema de governação administrativa em Angola seja

desconcentrado, pretende-se a implementação de um sistema piloto que visa a

descentralização da organização e funcionamento dos órgãos da administração do

estado a nível local. Após a implementação da primeira República em 1975, Angola

manteve o sistema de poder e de centralização administrativa. Em 2002, com o fim

da guerra civil, Angola implementa o sistema desconcentrado do poder

administrativo. Foram realizadas eleições gerais por sufrágio universal secreto e

direto em 2008, que decorreram com suposta transparência e melhor conhecimento

dos direitos, deveres, garantias, obrigações e responsabilidades de cada um dos

seus variados agentes ou intervenientes.

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Em 2010, com a implementação da terceira República, a orientação é de

que se comece a implementar o sistema de descentralização administrativa, que

neste preciso momento está em curso em Angola.

O resultado deste compromisso é da vontade do poder central, descendo a

orientação para o poder local. Pretende-se com este princípio a mais alta

descentralização dos serviços administrativos do poder local, visto que a

administração dos serviços administrativos locais é, no momento atual, altamente

centralizada, uma vez que as decisões de governação local são tomadas a partir do

governo central, criando assim um excesso de burocracia nos serviços

administrativos locais.

Para a concretização deste projeto é imprescindível a implementação das

autarquias locais, em articulação com as estruturas de intervenção e atuação a nível

local, que são as autoridades tradicionais, associações e organizações não-

governamentais. A legitimidade das denominadas autoridades tradicionais encontra-

se no período pré-colonial. Na verdade, estas autoridades eram

Entidades sociopolíticas que detinham o poder sobre as populações antes da colonização. Já em meados do século XX, a governação portuguesa adotou procedimentos administrativos que incluíam codificações dos ‘usos e costumes indígenas’ e que implicavam que o sistema de articulação com as autoridades tradicionais fosse diminuto. Pelo contrário, a colonização britânica não implicava partilha de poder entre o estado colonial e as autoridades tradicionais (indirectruling). (FEIJÓ, 2002, p. 13-14).

3.1 Poder Local em Angola

As autoridades tradicionais atualmente representam e exercem o poder de

acordo com a legitimidade tradicional correspondente às respetivas populações.

Assim, o poder tradicional em Angola é entendido como uma das manifestações do

poder local. Sendo que este antecede o Estado, é originário e autónomo, quer dizer

existe muito antes do colonialismo e do Estado que hoje é Angola.

Segundo Mata (2012), a relação entre o poder local público e as autoridades

tradicionais, para além de originar diferenças analíticas (formal, informal, oficial e

não oficial), levanta inúmeros problemas de enquadramento jurídico dessas

autoridades no sistema normativo estatal angolano, principalmente quanto à eficácia

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jurídica formal do exercício do poder tradicional e ao estatuto de tais autoridades, ao

papel a este reservado no âmbito da administração pública, limites e reconhecimento

das mesmas.

O estado angolano reconhece a existência de tais autoridades tradicionais

mas, ainda assim, não existe um reconhecimento jurídico das mesmas. Por esta

razão há necessidade de um enquadramento jurídico e administrativo das

autoridades tradicionais.

“[...] Ao longo da dominação colonial, com maior ou menor vigor, tentou

enquadrá-las como forma de controlo das populações, desta forma hesitando entre o

modelo de dominação através da administração indireta” (MATA, 2012).

Entretanto, após a dominação colonial, alguns chefes tradicionais foram-se

acomodando ao formato colonial, no intuito de serem transformados em

representantes das administrações locais do Estado. A falta de poderes públicos, em

certas regiões, na altura fez com que as autoridades tradicionais fossem chamadas

a exercer funções administrativas, tornando-as socialmente um poder autónomo.

Devido a estas complexidades, a constituição angolana atual nos seus

Artigos 213º e 214º, embora muito discutida, adotou o princípio da descentralização,

sendo as autoridades tradicionais um dos elementos principais do poder local. A

descentralização dos serviços está intrinsecamente ligada a este poder.

A intervenção das autoridades tradicionais é importante, quer nas questões

de desenvolvimento local, quer nas de integração, nas suas dimensões sociais,

económicas e institucionais.

Tendo em conta a realidade histórica e cultural do país, as autoridades

tradicionais são consideradas como entidades culturais, líderes comunitários, órgãos

representativos das comunidades (MATA, 2012).

As autoridades tradicionais são tidas como o elo de ligação dos interesses

do Estado junto das populações, tendo em conta a prossecução do desenvolvimento

económico, tecnológico, científico, e social do país no âmbito do sistema de

governação administrativa (desconcentração e descentralização). O modelo ideal de

entrosamento entre o poder local público e as autoridades tradicionais tem sido tema

de debate e aceitação nestes últimos anos.

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3.1.1 Poder local e o processo constitucional

A constituição atual, no seu (Artigo 213º, nº 1) sobre o poder local, afirma

que a organização democrática do Estado ao nível estrutura-se com base no

princípio da descentralização política administrativa, que compreende a existência

de formas organizativas do poder local”. No seu ponto 2, acresce dizendo que “a

forma de organização do poder local compreende as autarquias locais, as

instituições do poder tradicionais, e outras modalidades específicas de participação

dos cidadãos, nos termos da lei.

3.2 Autarquias Locais e a Constituição

Autarquia local representa uma realidade distinta, uma vez que para a sua

delimitação não deixam de confluir a história, o direito comparado, o direito positivo e

adoutrina, na medida em que se trata de um conceito universalizável, na base de

uma história jurídica igualmente muito rica. Tanto a Lei Constitucional de 1992

(Artigo 146º) como a Constituição de 2010 (Artigo 217º) reconhecem a expressão

“autarquia local” que permite chegar a uma formulação como a do texto de 1992:

As autarquias locais são pessoas coletivas territoriais que visam a prossecução de interesses próprios das populações, dispondo para o efeito de órgãos representativos eleitos e da liberdade de administração das respectivas coletividades6

Deste modo, estão expressa ou implicitamente presentes na Constituição da

República de Angola, os seis elementos do conceito de autarquia local:

personalidade jurídica, comunidade de residentes, território, interesses próprios,

carácter eletivo dos órgãos e poderes locais.

Vital Moreira apud Poulson (2009), diz que o conceito de autarquias varia de

acordo com a época e com o contexto politico de cada país. Para Angola, o conceito

adequado é aquele que a lei magna faz referência, já para Portugal, Coupers (2005),

define-as como sendo pessoas coletivas publicas, de bases territoriais

correspondentes aos agregados populacionais de residentes em diversas

6 Artigo 217º, n.º 1. Lei nº 17/99 de 29 de Outubro (Lei da Administração Local do Estado, Angola).

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circunscrições do território nacional, e que asseguram a prossecução dos interesses

comuns resultantes da proximidade geográfica mediante a atividade de órgãos

próprios representativos da população.

As autarquias locais são pessoas coletivas públicas, de uma circunscrição

territorial, que resultam de um processo de descentralização administrativa e

autónoma, visando o interesse da coletividade local. Pese embora várias definições,

existem denominadores comuns identificados: são pessoas coletivas, visando o

interesse da coletividade local. Isto significa, que todas as definições têm como

objetivo a satisfação dos interesses específicos dos cidadãos locais, tendo por base

dois princípios fundamentais:

– Princípio das finanças e património local. As autarquias locais, para

desempenharam normalmente as suas atribuições devem estar dotados de

orçamento próprio, isto é, disporem de receitas próprias para cobrirem as despesas

autárquicas. Mas para tal, num primeiro momento o Estado deve transferir para a

esfera jurídica das autarquias “alguns bens avaliáveis em dinheiro”, por exemplo, no

âmbito fundiário. A lei de terras permite que o Estado afete às autarquias locais

terrenos que passaram definitivamente para a esfera jurídica desta entidade local;

– Princípio da autonomia administrativa. As autarquias são entes dotados de

competências próprias para prosseguirem os fins autárquicos definidos na lei. A

autonomia administrativa não significa que estas entidades sejam independentes

dos demais poderes administrativos. Esta autonomia administrativa, significa que as

autarquias são pessoas coletivas públicas de autogoverno e de autorregulação.

Sendo assim, o Estado, através da tutela administrativa, controla a legalidade e, em

casos excecionais, o mérito da atuação deste tipo de pessoa coletiva, de população

e território.

3.3 Princípios Fundamentais das Autoridades Tradicionais e Legitimidade

As autoridades tradicionais devem observar os mesmos princípios ligados ao

poder autárquico, como o princípio da representatividade tradicional das autoridades

tradicionais. As autoridades tradicionais possuem legitimidade com base no direito

costumeiro de cada região.

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A fonte imediata do direito é a lei. Esta, porém, por mais que se alarguem as suas generalizações, por mais que se espiritualize, jamais poderá compreender a infinita variedade dos fenómenos sociais, que emergem da elaboração constante da vida e vêm pedir garantias ao direito. Desta insuficiência da lei para dar expressão jurídica a todas as necessidades que a reclamam, para traduzir o matiz da vida organizada em sociedade, resulta, em primeiro lugar, que é forçoso manter, ao seu lado, as fontes subsidiárias do direito, que o revelem quando ela for omissa, e, em segundo lugar, que é indispensável aplicar à lei os processos lógicos da analogia e da interpretação, para que os dispositivos adquiram a necessária extensão e flexibilidade. A Ordem determinava que, na falta de leis regulando a matéria, se resolvessem os conflitos jurídicos pelos estilos da Corte ou costumes. Por estilos da Corte entendiam-se, especialmente, os da Casa da Suplicação, os quais, quando concretizados em assentos, tinham força de lei. Tendo desaparecido esta forma de produção jurídica, a primeira fonte subsidiária do direito pátrio é o costume (CARVALHO, 2010).

Assim, há necessidade de uma lei específica e bem enquadrada no direito

civil, que regularize a situação das autoridades tradicionais. Nesta conformidade,

surge um paradoxo do princípio democrático que nem sempre tem recetividade no

direito costumeiro de alguns povos de Angola. Para Feijó (2001), além da eleição,

encontramos, em muitas regiões de Angola, autoridades tradicionais que defendem

o princípio da independência como sendo um dos princípios gerais do modelo de

poder local autárquico que provem do processo tradicional de sucesso

Porém, o reconhecimento do modo de proveniência não democrático das

autoridades tradicionais resulta precisamente do respeito que o Estado demonstra

às autoridades tradicionais, visto que é uma realidade que lhe antecede e que com

ela se tenciona conformar.

De acordo com Poulson apud Feijó (2001, p.148) a assimetria do modo de

provimento de órgãos administrativo não é privativa do poder tradicional local. De

resto, os membros do Governo em Angola (Ministros e Secretários de Estado)

providos de forma não democrática (nomeação) possuem poderes administrativos

próprios. Em princípio, as autoridades tradicionais exercem, de facto, o seu poder,

mas não em conformidade com a divisão administrativa enunciada na lei

constitucional, nem com a divisão territorial que existia na era colonial. Como

exemplo desta situação, temos caso do soberano das Lundas que até em algumas

regiões do Congo é reconhecido, sobretudo em regiões fronteiriças.

O Estado tem feito um reconhecimento das autoridades tradicionais,

passando necessariamente por atender a todas as especificidades territoriais, não

as “submetendo” ao quadro, eventualmente inadequado, tendo em conta a divisão

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territorial, para efeitos da administração política e administrativa do Estado (Princípio

da legalidade). O poder tradicional está submetido às regras costumeiras e tal facto

não se coaduna com o direito positivo, havendo necessidade de ter isto em conta.

4 CONCLUSÕES

O Estado angolano tem promovido ao longo dos anos um conjunto de

iniciativas e atividades que visam o reconhecimento institucional e jurídico das

autoridades tradicionais, como a determinação do seu espaço de intervenção, a

criação de condições para a sua dignificação, que passa pela atribuição de

subsídios, fardamento e outros estímulos, embora não exista uma lei jurídica que

regule a situação das autoridades tradicionais na sua plenitude. Contudo, é do

interesse do poder local público que se institua um enquadramento jurídico-legal

para as autoridades tradicionais.

O estudo em questão visou analisar a relação do poder local público com as

autoridades tradicionais, investigar a articulação das autoridades tradicionais com o

poder local na resolução dos problemas socioeconómicos que afetam as

comunidades rurais, no âmbito do programa de descentralização para o

desenvolvimento local em Angola.

As autoridades tradicionais são um poder originário, que antecede o Estado.

Por esta razão o Estado reconhece a existência deste poder, embora não haja ainda

uma lei jurídica que as enquadre. As autoridades tradicionais são elementos

constituintes do poder local em Angola e as mesmas articulam-se em quase todas

as esferas da vida socioecónomica e política na satisfação das necessidades dos

cidadãos, assim como no processo de democratização do país. A inclusão das

autoridades tradicionais, como membros de apoio consultivo do conselho do

governo provincial, reforça a cooperação efetiva entre o poder local público e as

autoridades tradicionais na governação local.

O poder local é concebido na Constituição angolana com base em três

estruturas: as autarquias locais, as autoridades tradicionais e outras formas de

manifestação democrática. Por esta e outras razões, existe uma relação entre o

poder local público e as autoridades tradicionais, que se articulam nas mais variadas

áreas de governação local.

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Os sobas e os regedores, que são as autoridades tradicionais de Angola,

têm sido verdadeiros advogados na defesa dos interesses das populações. As

mesmas autoridades servem de condutores dos problemas comunitários para as

Administrações Comunais, nomeadamente aqueles que ultrapassam as suas

competências, dado que os problemas ligados à tradição ou à cultura das

comunidades rurais, são resolvidos dentro de um tribunal de sobas juntamente com

a presença de um membro da administração pública.

Assim, como verdadeiros parceiros do governo a nível local, ajudam de

acordo com as orientações que emanam do governo provincial. As autoridades

tradicionais, são líderes comunitários, informam, sensibilizam e orientam as

comunidades de acordo com o programa de desenvolvimento local. Por outro lado,

sendo as autoridades tradicionais os verdadeiros líderes comunitários e, aqueles

que detêm o conhecimento em matérias ligadas as crenças hábitos e costumes dos

ancestrais, conhecedores da cultura, tornam-se conselheiros do governo local,

facilitando a melhoria das políticas que mais se adequam à cultura de uma

determinada região.

Tais autoridades participam no exercício de governação para o

desenvolvimento local, na proximidade dos serviços, levando a orientação do

governo local até às comunidades mais recônditas, com orientações ligadas à

saúde, educação, agricultura, saneamento básico, desporto e tantos outros

problemas sociopolíticos e jurídicos.

As autoridades tradicionais, estão sempre presentes nas inúmeras iniciativas

políticas de descentralização do governo local, relativamente ao estudo sobre a

macroestrutura da administração local, onde estão representadas várias estruturas

do governo, ONG, entidades eclesiásticas e a sociedade civil em geral. Têm como

ponto fulcral, a resolução dos problemas que mais afetam as comunidades, no

sentido de melhorar a prestação do serviço dos órgãos da administração local, tanto

nas áreas urbanas, como periurbanas e rurais.

Nesta conformidade, verifica-se que as autoridades tradicionais são

elementos indispensáveis na governação e têm contribuído para o fortalecimento

dos laços de cooperação e entrosamento entre o governo local e a comunidade.

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