o poder do pentecostalismo

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O poder do pentecostalismo O poder do pentecostalismo A experiência do Espírito Santo Valdir Pedde Introdução O pentecostalismo1 é uma realidade que se impõe. Ele questiona as igrejas tradicionais de uma forma geral. Sociologicamente, constitui-se um fenômeno curioso sobre o qual muitos já têm se debruçado. Para alguns, a redemocratização da América Latina coincidiu com o desinteresse pela política, ainda mais após a queda do muro de Berlim, símbolo do choque de ideologias, e do fim da União Soviética (Comblin, 1996:9-18). Há também o esvaziamento dos grandes ideais do racionalismo e secularismo. De certa forma, tudo isso favoreceu esse “desinteres se” pela política, por um lado, e, por outro, auxiliou o desenvolvimento de aspectos culturais (sobretudo os grupos que se constituem ao redor da construção de identidades2) e, conseqüentemente, religiosos. O referido fenômeno cria um certo “ mal-estar” , seja para igrejas históricas, seja para a sociedade, pois as pessoas normalmente têm uma opinião polêmica a respeito dessas práticas. Daí pergunta-se: de onde vem a sua força? Muitas são as respostas dadas. A que ouviremos deste meio pentecostalizado é que a força vem do Espírito Santo. É sobre essa categoria que queremos tecer uma breve reflexão, uma aproximação inicial. No mundo pentecostal, ao Espírito Santo está ligado o exercício de uma espiritualidade sui generis. Uma máxima deste tipo de espiritualidade é que uma Igreja que “dá” espaço para o Espírito Santo é uma Igreja “ avivada” espiritual mente. Ao avivamento como demonstração ou exercício da espiritualidade está reservado o lugar mais importante. Esses exercícios variam de Igreja para Igreja, porém longos momentos de oração, a glossolalia, o exorcismo, os cânticos, uma pregação “ inspirada” -— muitas vezes sinônimo de fundamentalismo, literalismo e conseqüente legalismo — são a tônica geral, variando a ênfase de Igreja para Igreja. Todo esse ambiente de experiências não é algo isolado. Com ele está conec tado o que poderíamos denominar a era do reavivamento espiritual. Isto se dá não apenas pelo crescimento do pentecostalismo e da pentecostalização de muitas igrejas, inclusive históricas, mas também o percebemos no crescimento de tudo o que está ligado ao âmbito ou à esfera do espiritual: o esoterismo, aumento dos cultos ou cursos de cunho oriental, o pensamento positivo com base religiosa, as religiões afro, o espiritismo, o fortalecimento do catolicismo popular, etc. Este 243

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  • O poder do pentecostalismo

    O poder do pentecostalismo A experincia do Esprito Santo

    Valdir Pedde

    Introduo

    O pentecostalismo1 uma realidade que se impe. Ele questiona as igrejas tradicionais de uma forma geral. Sociologicamente, constitui-se um fenmeno curioso sobre o qual muitos j tm se debruado. Para alguns, a redemocratizao da Amrica Latina coincidiu com o desinteresse pela poltica, ainda mais aps a queda do muro de Berlim, smbolo do choque de ideologias, e do fim da Unio Sovitica (Comblin, 1996:9-18). H tambm o esvaziamento dos grandes ideais do racionalismo e secularismo. De certa forma, tudo isso favoreceu esse desinteresse pela poltica, por um lado, e, por outro, auxiliou o desenvolvimento de aspectos culturais (sobretudo os grupos que se constituem ao redor da construo de identidades2) e, conseqentemente, religiosos. O referido fenmeno cria um certo mal-estar , seja para igrejas histricas, seja para a sociedade, pois as pessoas normalmente tm uma opinio polmica a respeito dessas prticas. Da pergunta-se: de onde vem a sua fora? Muitas so as respostas dadas. A que ouviremos deste meio pentecostalizado que a fora vem do Esprito Santo. sobre essa categoria que queremos tecer uma breve reflexo, uma aproximao inicial.

    No mundo pentecostal, ao Esprito Santo est ligado o exerccio de uma espiritualidade sui generis. Uma mxima deste tipo de espiritualidade que uma Igreja que d espao para o Esprito Santo uma Igreja avivada espiritualmente. Ao avivamento como demonstrao ou exerccio da espiritualidade est reservado o lugar mais importante. Esses exerccios variam de Igreja para Igreja, porm longos momentos de orao, a glossolalia, o exorcismo, os cnticos, uma pregao inspirada - muitas vezes sinnimo de fundamentalismo, literalismo e conseqente legalismo so a tnica geral, variando a nfase de Igreja para Igreja.

    Todo esse ambiente de experincias no algo isolado. Com ele est conectado o que poderamos denominar a era do reavivamento espiritual. Isto se d no apenas pelo crescimento do pentecostalismo e da pentecostalizao de muitas igrejas, inclusive histricas, mas tambm o percebemos no crescimento de tudo o que est ligado ao mbito ou esfera do espiritual: o esoterismo, aumento dos cultos ou cursos de cunho oriental, o pensamento positivo com base religiosa, as religies afro, o espiritismo, o fortalecimento do catolicismo popular, etc. Este

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    fenmeno conseguiu arrancar inmeras discusses bastante interessantes a respeito das teorias da secularizao3, especialmente desde os anos 60 e 70. Hoje em dia, esta teoria tem sofrido crticas, e cientistas sociais tm buscado outros caminhos para a explicao desse fenmeno.

    A modernidade e a sua racionalidade no atingiram os alvos a que se propunham. Advogavam a cincia como um novo deus e a tecnologia como a nova religio. Para muitos, a cincia e a tecnologia realizariam as metas at ento no cumpridas pelo cristianismo. A razo, no a f, seria o instrumento de mudana do mundo. Se verdade que o conhecimento cientfico e tecnolgico dos ltimos dois sculos mudou de maneira radical a vida humana, igualmente verdade que ele no conseguiu melhorar a vida da maioria das pessoas. A razo e a tecnologia desembocaram em duas guerras mundiais. Nasce, assim, a crtica modernidade. O fracasso deste ltimo sculo evidente. A economia concentradora de riquezas; a poltica, um jogo de interesses; apesar das novas tecnologias da sade e da superproduo alimentar, a fome ainda gigantesca e novas doenas instalam-se de forma quase aterrorizante. A religio no escapou dessas enormes mudanas e propostas, e a religiosidade acabou por sair fortalecida (Oro, 1992:96).

    A partir do sculo XVIII, o racionalismo religioso se instaura nas igrejas histricas por conta de uma associao com o iluminismo (no sem contestao, verdade). Um sculo mais tarde, mas dentro deste processo, na Amrica Latina, a teologia da libertao associa-se ao marxismo, permitindo que essa cincia social determinasse o rumo do exerccio da religiosidade. Houve ento, entre outras coisas, a perda da subjetividade (Comblin, 1996:44). No apenas em virtude do racionalismo, mas tambm por outros aspectos, toda a religiosidade institucional sofreu uma profunda crtica, principalmente a partir da dcada de sessenta, mas tambm j antes. Essa uma poca de grandes desestruturaes.

    As verdades so questionadas e, uma a uma, relativizadas. H uma rejeio de todo princpio que se queira universal. H uma reao contestatria a todas as metanarrativas, cosmovises globais. Neste bojo, a religio, que se propunha fornecer um sentido universal para a vida, igualmente atacada e questionada. A ps-modemidade j no quer substituir Deus por algum outro valor absoluto, como o fez a modernidade. Cada momento tem o seu prprio sentido. Cada f merecedora de todo o respeito. a existncia da religio sem deus, de um misticismo ateu (Kolling, 1994:103-112). Para o pensamento ps-modemo, o que importa o exerccio da vida, da liberdade, do no-compromisso com os outros.

    As crticas voltam-se a tudo o que institucional e tradicional4. Dessa forma, as mais fortes crticas esto centradas na famlia, no Estado, na escola e na Igreja. Todas estas instituies so vistas, mesmo que de forma diferenciada, como repres- soras, inibidoras da liberdade cada vez mais almejada. Toda a autoridade deve ser questionada e, de preferncia, rejeitada.

    Assim, afirmam-se o corpo e os sentidos, em lugar da razo. O atual cultua-

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    mento do corpo e de um modo de vida esteticamente saudvel no so gratuitos. Busca-se cada vez mais uma liberao do corpo. A sexualidade vem embutida neste processo. Cada vez mais a tecnologia est a servio do bem-estar do corpo e da sade. Busca-se ampliar o conforto, a beleza e as sensaes. O corpo tomou- se um capital simblico da mais alta importncia (Comblin, 1997).

    Em parte, neste plano que podemos entender o esvaziamento das igrejas histricas. Elas tm pouco a oferecer para as pessoas do meio urbano que vivem e sobrevivem neste clima ps-modemo. So tradicionais, presas a ritos milenares, cheias de mediadores, regras internas e doutrinas antigas, exigem comprometimento e dificilmente do uma resposta s necessidades imediatas das pessoas.

    O pentecostalismo, mas no somente ele, opera em um sistema de pouca doutrina, de rituais variados e no entediantes, com princpios morais simples que do uma resposta eficaz contra a desestruturao familiar e pessoal: no gastar o dinheiro em bebida, fumo ou prostituio. A famlia tomada como um valor da mais alta importncia. Alm disso, oferece sensaes e excitao para a alma e para o corpo. Cultos participativos, vivos, embalados, por via de regra, por boa msica de fcil melodia e letras repetitivas. A empolgao advm dos prazerosos e excitantes momentos criados em cada reunio. So oraes, curas, exorcismos, todos eles fontes de emoes e de uma participao impossvel em outros locais. Cada pessoa importante. Exercita a sua religiosidade de forma individual, sem complicadas mediaes, quase que inventando ou reinventando o seu prprio culto (Comblin, 1997). As caractersticas mais comuns dessa nova religiosidade so de movimentos religiosos que conseguem ser eficazes frente demanda de sentido (religies centradas no indivduo); que encantam um mundo desencantado, que permitem sacralizar e ressacralizar a vida, bem como interpretar religiosamente o seu cotidiano e o cosmos. Some-se a isso que so movimentos religiosos de xtase, que promovem o transe, seja ele possessivo, xamanstico, contemplativo, medi- nico ou de inspirao (Oro, 1992:98-99).

    Essas observaes, evidentemente, formam um quadro geral do exerccio da religiosidade. Queremos agora aprofundar algumas caractersticas que so especficas do que hoje conhecido como neopentecostalismo.

    1 Algumas caractersticas do neopentecostalismo5

    De forma muito rpida e introdutria colocaremos aqui a tipologia do pentecostalismo delimitada por Paul Freston, sem deixar de dizer, no entanto, que vrios autores tm feito crticas a essa tipologia6. Mas, apesar de todos os problemas levantados, ainda a mais respeitada e usada. Conforme Freston, o pentecostalismo pode ser dividido em trs grandes fases ou ondas. A primeira onda surge na dcada de 1910 com a Congregao Crist (1910) e a Assemblia de Deus (1911), tendo como nfase o uso dos dons, principalmente a glossolalia. O segundo

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    perodo de implantao de igrejas englobaria as dcadas de 50 e 60, tendo como principais representantes as seguintes: Igreja do Evangelho Quadrangular (1951), O Brasil Para Cristo a primeira a ser fundada por brasileiros (1955) e, especialmente, a Igreja Deus Amor (1962), com nfase no dom da cura (Oro, 1996:21). A terceira onda surge no final da dcada de 70 e incio de 80, tendo como sua principal representante a Igreja Universal do Reino de Deus (1977) e, com menor representatividade e dissidente da anterior, a Igreja Internacional da Graa de Deus (1980). A nfase destas ltimas recai principalmente no exorcismo7 e no forte uso dos meios de comunicao. Estas duas ltimas ondas so tambm conhecidas como neopentecostalismo, como prefere Oro (Oro, 1996:47-49).

    Como pistas para explicar o surgimento dessas ondas nos momentos indicados, Freston considera: 1) a dcada de 10 como momento da origem mundial e expanso do pentecostalismo para todos os continentes ; 2) os anos 50 marcando o incio da urbanizao e a formao de uma sociedade de massas possibilitando um crescimento pentecostal que rompe com as limitaes dos modelos existentes , e cujo estopim a implantao da Igreja do Evangelho Quadrangular; e 3) o final dos anos 70 e incio de 80, quando aps a modernizao autoritria do pas (e neste perodo, a populao urbana atingiu 2/3), o modelo econmico exaurido torna evidentes os traos de violncia e populismo sobretudo no Rio de Janeiro, onde esta terceira onda teve incio. (Barros, 1995:12.)

    As igrejas da segunda onda seguem, umas mais que outras, os principais elementos doutrinrios e ritualsticos do pentecostalismo histrico, ou, como quer Freston, da primeira onda. A terceira onda que apresenta maiores idiossincrasias dentro do mundo pentecostal. importante lembrar que esta diferenciao nem sempre to ntida, pois o pentecostalismo histrico e aquilo que chamamos neopentecostalismo acabam por influenciar-se mutuamente8. Contudo, pentecostalismo tradicional e neopentecostalismo no so a mesma coisa. Possuem o mesmo tronco histrico e usam diferentes estratgias para a sua atuao no mundo e junto aos seus fiis (Barros, 1995:15-17). por isso que podemos afirmar que as igrejas surgidas a partir da dcada de 60 tm algumas caractersticas prprias. Algumas dessas caractersticas gerais queremos agora elencar. interessante colocarmos essas caractersticas, pois, ao tratarmos da representao do Esprito Santo, teremos essas igrejas como interlocutoras privilegiadas.

    Em vrios artigos, Orov tem chamado a ateno para a conformao geral do neopentecostalismo. As caractersticas que este estudioso tem notado como as mais importantes permitem estabelecer uma caracterizao inicial do neopentecostalismo; enumeraremos apenas algumas. So elas:

    1.1 Pentecostalismo dos desfavorecidos

    Esta talvez seja uma das caractersticas mais visveis das igrejas neopente- costais. Elas esto lotadas de gente de poucos recursos financeiros, e muitas vezes

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    at de excludos da sociedade (drogados, ladres, desempregados e moradores de rua). Enfim, os participantes mais assduos desses templos so as pessoas com a vida enrolada . Por vezes, essas igrejas tomam-se a ltima tbua de salvao para muitas delas. Como uma das estratgias para arrebanhar fiis, os templos so normalmente construdos em lugares de muita circulao de pessoas, perto de ferrovirias ou rodovirias. Tambm so construdos templos em lugares que amplifiquem as situaes de conflito e sofrimento das pessoas (Barros, 1995:19), perto de cemitrios, delegacias, cinemas que passam exclusivamente filmes pornogrficos, zonas de prostituio.

    1.2 Pentecostalismo de lderes fortes

    As denominaes pentecostais surgidas nas dcadas de 50, 60 e 70, predominantemente, foram fundadas por pessoas que j vinham atuando como obreiros em outras igrejas pentecostais. Suas dissidncias eram legitimadas diante dos fiis, pois estes obreiros recorriam inspirao divina . Desfrutam, junto aos fiis, de um elevado prestgio carismtico. Dons extraordinrios e poderes fora do comum lhes so reconhecidos pelos seus seguidores quando se lhes indaga sobre os fundadores e lderes mximos das mesmas (Oro, 1992:12). Os pastores locais dificilmente so reconhecidos de maneira to ampla como lderes, embora seja consenso que a maioria desses obreiros possui o dom da palavra. Em todo caso, um novo aspecto que tem surgido com o passar do tempo que a rotinizao, a burocratizao e a institucionalizao das igrejas neopentecostais se tomam cada vez mais um processo inevitvel (Barros, 1995:22).

    1.3 Pentecostalismo exclusivista

    O que se pode verificar que se, por um lado, o neopentecostalismo absolutamente fechado ao ecumenismo e tolerncia religiosa, por outro, de modo geral, no exigem de seus fiis uma vinculao confessional semelhante exigida pelas organizaes pentecostais tradicionais (Oro, 1992:13). Esta posio de intolerncia e de exclusividade na soluo dos problemas que afligem os freqentadores constitui-se tambm em uma estratgia de construo da sua prpria identidade religiosa10.

    1.4 Pentecostalismo emocional

    A expressividade emocional francamente estimulada nas igrejas pentecostais. Vrios mecanismos so utilizados para essa estimulao. Por menor que seja um templo, dificilmente no se encontra nele um servio de sonorizao. Durante os cultos, esses recursos so amplamente manejados e, nos templos maiores, os

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    obreiros so auxiliados por operadores de som que contribuem para criar um clima emocional. O discurso religioso, sempre dirigido ao fiel, d um carter de intimidade, o que denota uma verdadeira ritualizao da palavra (Oro, 1996:51). O silncio est ausente nos rituais do pentecostalismo.

    possvel que o entusiasmo e a participao franca e ativa dos fiis, na medida em que desfrutam da liberdade de manifestarem suas emoes, cria um ambiente de fraternidade e funciona como uma espcie de catarse coletiva. Se isso de fato ocorre, os crentes encontram nos templos o apoio psicolgico e espiritual necessrio para o alvio das tenses emocionais do cotidiano. Seja como for, ao deixar o templo, o crente sai no somente com a sensao do dever cumprido mas tambm com a impresso de ter assistido/participado de um grande evento, um evento emocional, que no da ordem do fazer, mas do sentir. (Oro, 1996:52.)

    1.5 Pentecostalismo eletrnico

    No quadro geral do pentecostalismo, esta a caracterstica mais propriamente neopentecostal. Enquanto outras igrejas evanglicas faziam-se presentes na mdia quase que exclusivamente pela imprensa, com seus jornais e editoras, os neopentecostais apostaram fortemente no rdio e na televiso, a ponto de serem denominadas por Hugo Assmann" de igrejas eletrnicas brasileiras . Os principais significados deste investimento so percebidos por Oro como: primeiro, o desejo de distinguir-se das demais igrejas evanglicas e pentecostais tradicionais , consideradas arcaicas; segundo, os programas tm forte nfase proselitista, sendo esses espaos ocupados para uma grande propaganda dessas igrejas; terceiro, o fato de os fiis pertencerem a uma denominao que possui a possibilidade de apropriar-se de um espao na mdia sabidamente caro e encantador traz a eles um status e um prestgio social superior ao detido por outras religies pentecostais (Oro, 1996:69).

    1.6 Pentecostalismo de cura divina

    Esta talvez seja a mais importante caracterstica do neopentecostalismo. Pois, diferentemente de outras religies populares, o neopentecostalismo aponta o demnio como dispositivo simblico explicativo da causa das doenas e dos males em geral (Oro, 1996:57). Assim, paradoxalmente, o demnio ocupa um lugar central na teologia neopentecostal. Para os neopentecostais, a pessoa no escolhe o mal, mas possuda por ele. A pessoa no a responsvel pelo mal que realiza, por isso no precisa se envergonhar, mas o diabo que a levou a cometer atos vergonhosos. Neste particular, possui conceitos parecidos com os do espiritismo. Se para este ltimo o destino o resultado quase que exclusivo de aes de vidas passadas, para aquele as dificuldades da vida so impostas por obras demonacas. Por estas possveis associaes que C. Mariz pode afirmar que o neopen-

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    tecostalismo representa, por um lado, uma continuidade do universo religioso dominante brasileiro, que acredita na figura do diabo, e, por outro lado, representa uma ruptura, pois o demnio somente pode ser vencido por Deus, o que requer uma nova postura do indivduo (Mariz, ap. Oro, 1996:57). por esta centralidade da figura do diabo que os rituais de cura neopentecostal consistem muitas e muitas vezes em exorcismo.

    importante destacar que

    se, por um lado, a eficcia teraputica dos rituais reveladora da representao que os crentes possuem da religio ela cura por outro lado, a busca da cura no mbito religioso no deixa de expressar algum grau de protesto simblico dessas pessoas contra a situao da sade pblica que vigora no pas. (Oro, 1996:60.)

    1.7 Pentecostalismo empresarial

    Para Ari P. Oro, esta , talvez, a mais importante caracterstica do neopen- tecostalismo brasileiro. As igrejas estruturam-se cada vez mais seguindo um modelo empresarial, entre as quais a IURD, obviamente, tem sido a que alcana mais sucesso. Mas antes dela a Igreja Deus Amor j incursionava por essa via.

    De fato, inserido numa sociedade capitalista, o pentecostalismo no somente no passa ao lado da questo financeira como assimila a lgica capitalista. As igrejas so estruturadas segundo o modelo empresarial: possuem uma organizao administrativa hierrquica, esperam aumentar sempre mais o seu patrimnio, mantm uma diviso social do trabalho religioso e administrativo, colocam no mercado servios e bens simblicos que so adquiridos mediante pagamento (espontneo) e sustentam uma relao concorrencial com as outras empresas de salvao atuantes no mercado religioso nacional. (Oro, 1996:70.)

    Evidentemente essa observao no seria aceita pelos participantes e pastores das igrejas que possuem essas estruturas. H outra percepo acerca da circulao do dinheiro nos cultos e na prpria vida por parte dessas pessoas. Esta percepo vem mediada por estratgias que conquistam os fiis para a contribuio, tais como pedidos para enfrentar as despesas ordinrias e extraordinrias da Igreja (aluguis, gua, luz, custos com os programas em rdio e TV, etc.); apelo para o cumprimento do dever bblico de pagar o dzimo; necessidade de recursos para grandes evangelizaes e concentraes de pessoas; distribuio de bens simblicos mediante contribuies (alm de Bblias, livros, discos, tambm so colocados disposio produtos abenoados , tais como gua, sabonete, sal, leo, que servem para proteo, segurana ou cura) (Oro, 1996:71-4).

    Por seu turno, os fiis colaboram de forma regular, primeiramente entendendo o seu dzimo como uma obrigao. Mas, diferentemente de um imposto qualquer a que se submetido e obrigado a pagar, os crentes pentecostais tm prazer em suas doaes, isto porque o dzimo ou as ofertas so percebidas como

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    um dom. A esta oferta est associada a expectativa de ser agraciado por Deus, o que corresponderia ao contradom (Barros, 1995:179). Desta forma, essa oferta de gratido tambm vista como um investimento, na espera de que o mesmo retome multiplicado (Oro, 1996:83)12.

    2 Alguns significados da experincia do Esprito Santo

    Apesar da diversidade do pentecostalismo, um conceito perpassa todos os pentecostalismos: a importncia do Esprito Santo para o entendimento da ao destes no mundo. A centralidade do Esprito Santo se faz presente em todas as denominaes citadas. Da a importncia de olharmos com mais cuidado e ateno essas manifestaes.

    Existe uma compreenso bsica, mas no unvoca, no mundo pentecostal, do que sejam o Esprito Santo e sua ao. Esta concepo geral, retirada da prtica e do discurso de pastores e fiis, vem imbuda de um poder simblico (Bourdieu, 1989:9-14) muito significativo para as pessoas. Segundo essa compreenso, o Esprito Santo a terceira pessoa da Trindade. A esta pessoa est reservada a tarefa de iniciar a Igreja (a primeira Igreja). Ao Esprito Santo est associada a distribuio de dons, como o poder da fala (da boa pregao, dom da palavra) e da demonstrao de poder (bnos espirituais verificveis por sinais exteriores como a glossolalia, exorcismos, curas ou milagres em geral). Nos cultos, a demonstrao da atuao do Esprito Santo dada por um louvor espontneo , emocional, rico em expresso corporal, desprovido de estruturas litrgicas rgidas. Antes de mais nada, o Esprito Santo uma experincia subjetiva, pessoal.

    A maioria das igrejas pentecostais coloca como fundamental para a salvao dois processos distintos: a converso ( nascimento espiritual ) e a santificao (em decorrncia da qual h o batismo do Esprito Santo)13. Assim, mesmo que a pessoa seja convertida, reconhecida como estando em um estgio mais avanado quando recebe o batismo do Esprito Santo, normalmente verificvel atravs do dom de lnguas. Em funo do recebimento do batismo do Esprito Santo, pressuposto, se bem que no em todas as igrejas pentecostais, que a pessoa tenha desenvolvido e continue a desenvolver o fruto do Esprito (Glatas 5.22). O fruto do Esprito representa o carter ou a qualidade da relao estabelecida com Deus, enquanto os dons mostram o resultado desta relao (Barros, 1995:79). O Esprito Santo, ento, atuaria em duas esferas da vida: no subjetivo, ou privado, com o desenvolvimento do fruto do Esprito (amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansido e domnio prprio); na esfera pblica com a manifestao dos dons e o conseqente uso destes para a expanso missionria.

    De forma geral, os pentecostais crem que a nova condio e as novas exigncias colocadas pela converso somente podero ser enfrentadas quando o

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    crente for batizado pelo Esprito Santo. Um evangelista em uma comunidade pentecostal de classe mdia disse que o Esprito Santo traz intrepidez, coragem e fora vida do crente.

    Quando voc l que Jesus foi ungido com o Esprito Santo e com poder, voc vai ver uma coisa. Ele vai no Jordo e vai ser batizado nas guas e ali vem sobre ele o batismo no Esprito Santo. A partir dali, Ele comearia o seu ministrio de poder. At ali ele testemunhava tudo, mas tambm era um carpinteiro. Ento, Ele no precisava do Esprito Santo para ser carpinteiro. Agora, ao receber o Esprito Santo, Ele se tomou poderoso para fazer os feitos de Deus, os milagres. E Ele comeou a falar como algum que tem autoridade. Quem tem o batismo do Esprito Santo, tem o fortalecimento da manifestao do poder de Deus. O batismo do Esprito Santo tem uma s finalidade, que manifestar o obra de Deus na terra. Tu recebes os dons, lnguas estranhas. Quando tu recebes o batismo do Esprito Santo, tu recebes o poder de Deus para fazer a obra de Deus na terra. A vida tomada por Deus. Ela recebe uma intrepidez de Deus na vida dela e comea a haver manifestaes do Esprito Santo na vida dela. (...). Quando voc recebe o poder do Esprito Santo, voc tambm se sente diferente. Poder haver manifestaes externas, por exemplo, falar em lnguas estranhas. Poder haver isso, no necessariamente. So evidncias que vo falar que voc recebeu o Esprito Santo. Ento, voc vai notar uma coisa: pessoas que recebem o Esprito Santo so pessoas cheias de alegria.

    Para os pentecostais, a importncia do Esprito Santo est relacionada ao enfrentamento das dificuldades da vida, bem como aos ataques do demnio, s provaes e aos sofrimentos (Barros, 1995:82). Outro informante nos diz: Ns, os pentecostais da Igreja Universal, ns somos muito apegados ao Esprito Santo. Ento, qualquer problema que a gente tem, a gente invoca o Esprito Santo. E, pra mim, o Esprito Santo vem e soluciona os problemas. o mesmo que tirar com a mo a dificuldade que eu estou passando.

    Queremos, agora, identificar algumas das principais caractersticas do Esprito Santo vistas por alguns livros da literatura pentecostal evanglica, pela participao em cultos e por opinies de alguns freqentadores de igrejas pentecostais.

    2.1 O Esprito Santo poder

    No de todo surpreendente o fato de pessoas ligadas ao pentecostalismo afirmarem que uma das principais caractersticas do Esprito Santo o poder. Justamente em uma realidade que cada vez mais exclui as pessoas dos diversos crculos de apropriao de seu destino, sintomtico que o anseio seja o de ter poder poder sobre a sua prpria existncia, de certa forma apropriando-se do seu destino e, sobretudo, buscando alcanar um alvo bem determinado. Dessa forma, o poder que o Esprito Santo inspira no algo subjetivo apenas, mas tambm poltico. Poltico, pois pela apropriao do Esprito Santo h uma mudana frente vida. Essa mudana traz conseqncias para a vida social do indivduo.

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    Neste sentido uma mudana poltica. Alm disso, esse poder assegura a possibilidade de interpretar a realidade de sofrimento a que o fiel est submetido e, o que mais importante, enfrent-la. Alm disso, o poder do Esprito Santo est associado cura, no sentido amplo, que por seu turno significa a luta contra o demnio que desarmoniza e desequilibra a pessoa, resultando em vidas submetidas aos vcios, s doenas, ou ligadas aos cultos afro-brasileiros, ou ainda pobreza. Dessa forma, teologicamente, o entendimento sobre o Esprito Santo est subordinado teologia da prosperidade. A prpria cura e o exorcismo so vistos como manifestaes de demnios que devem ser expulsos, para que a vontade de Deus se cumpra na vida do crente, isto , que ele esteja liberto das doenas e da pobreza.

    Em termos comunitrios, na sua relao uns com os outros, a experincia dos pentecostais com o Esprito Santo lhes garante a possibilidade de serem reconhecidos como pessoas importantes. Suas vidas so preenchidas de sentido e de uma nova lgica. As pessoas tm um lugar em uma comunidade de f. Nela so reconhecidas e so valorizadas. As pessoas com a experincia do batismo do Esprito Santo normalmente sabem-se chamadas para tarefas especiais, j que esse momento lhes assegura a certeza de receberem os dons14. Isto quer dizer que elas possuem habilidades que lhes foram confiadas por Deus e que devero ser exercitadas. Em suma, as pessoas possuem uma misso a elas confiada. Este sentimento de pertena e de misso advm da experincia emocional que tiveram. Sabem, por outro lado, que para continuar tendo essas experincias emocionais devem, de alguma forma, reorganizar a sua vida, disciplin-la e reorient-la. Quando um dos entrevistados (um fiel da IURD) foi perguntado de que forma sabia que recebia o Esprito Santo, disse: A gente sente. A gente sente, e a tem que andar corretamente.

    No nvel pessoal, o batismo do Esprito Santo ratifica a posio do crente na escala de pessoa espiritual , d um status especial, pois considerado por seus pares uma pessoa de dedicao real , que tem ou mantm o corao puro . Isto : diante dos outros crentes, aquele que j batizado pelo Esprito Santo considerado um cristo de nvel superior. Esse batismo especial normalmente verificado quando o crente fala em lnguas, o que, no entanto, no imprescindvel. O dom de lnguas no necessariamente considerado o fenmeno mais importante da presena do Esprito Santo. Em termos pessoais, o batismo do Esprito Santo fonte de toda sorte de bnos espirituais. Subjetivamente, o que se pode notar que essa experincia desejada, pois tida como qualificadora da vida e da obra da pessoa que a realiza. Especificamente, isto quer dizer que o crente se percebe de tal forma ligado a Deus, que sua vida s pode ser experincia de profunda alegria, paz, bondade, amor, solidariedade, calma, bom senso, sabedoria e obedincia aos mandamentos divinos. Quando essas qualidades, que devem ser exercidas, so percebidas pelo crente como algo que no traz alegria, mas para as quais sente-se obrigado, diz-se que preciso um reforo do Esprito Santo15.

    O Esprito Santo est imbudo de um grande poder simblico tambm para a distino dos pentecostais frente a outras igrejas. Convm destacar que o pente-

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  • O poder do pentecostalismo

    costalismo desenvolve-se em um campo de guerra religiosa . Ele ataca as religies afro-brasileiras, ele ataca a idolatria catlica assim como a esquerda crist que pactua com Sat (Corten, 1996:211). A terceira pessoa do trino Deus usada como referencial da maior e mais completa presena de Deus quanto maiores forem os exorcismos dramatizados em culto e quanto mais testemunhos as pessoas derem de como sua vida melhorou depois de terem abandonado outras formas de religiosidade (principalmente as religies afro), de como foram curadas e, sobretudo, de como progrediram em termos financeiros depois de seguirem mais os ensinamentos da Igreja. possvel pensar que, fundamentalmente, o poder do Esprito Santo est submetido teologia da prosperidade e guerra santa contra as religies afro e catlica.

    2.2 O Esprito Santo e a renovao da Igreja

    terceira pessoa da Trindade est reservada a tarefa de renovar a Igreja. Essa renovao entendida de maneira bastante peculiar.

    Para o pentecostalismo, a institucionalizao algo que no possibilita o agir do Esprito . E como se a institucionalizao tomasse mecnicos e absolu- tizasse certos comportamentos. Para este segmento religioso, o Esprito Santo sinnimo de novidade, emoo, quebra de rotina, do espetacular. A rotinizao vista como ausncia da dinmica espiritual, portanto ausncia ou fraca presena do prprio Esprito Santo. De forma geral, com exceo das regras morais, as regras teolgicas e disciplinares convencionais de uma Igreja so constantemente questionadas. Por vezes, uma nova Igreja pentecostal surge em virtude de o pastor se sentir podado por no poder adotar o estilo de animao que lhe parece apropriado (Corten, 1996:72).

    Se, por um lado, o Esprito Santo destacado como a pessoa que promove a comunho entre os cristos, por outro responsabilizado pelo surgimento de novas denominaes. O Esprito Santo, por ser o fenmeno que critica a institucionalizao, tido como o grande promotor de divises e subdivises dentro das igrejas pentecostais. As divises so elogiadas e vistas como salutares, pois so percebidas como o agir do Esprito (Souza, 1996:23).

    2.3 O Esprito Santo emoo

    O batismo do Esprito Santo um momento emocional no qual o crente se sente tomado pelo esprito de Deus . Para alcanar a experincia da glossolalia, por exemplo, o fiel deve deixar-se envolver pelo xtase, pela emoo. Esse momento alcanado dentro de um contexto com inmeras repeties de aleluia, amm.... . assim que se expressa um crente da Universal do Reino de Deus:

    Para ns, o Esprito Santo um esprito mesmo, que incorpora em ns, os cristos.

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    Nas reunies de quartas-feiras, o pastor invoca o Esprito Santo e a gente clama por Ele: aleluia, graas a Deus, e a a gente vai repetindo, aleluia, aleluia, aleluia, aleluia, aleluia, graas a Deus, e a gente vai indo, vai indo e, de repente, a gente sente na pessoa aquele calor. Toda pessoa que sente isso, provavelmente batizada com o Esprito Santo. (...). Nunca uma experincia que a gente diga, ah, eu no senti nada. No! A pessoa que batizada no Esprito Santo ou comea a chorar sem sentir, ou comea a rir sem sentir. Vem o dom (lnguas) e a a gente sabe que est batizado no Esprito Santo. Quando a gente est clamando aleluia, aleluia, aleluia, aleluia e glria a Deus ou Jesus, vem com fora, quando a gente v j no mais a gente que est falando, a lngua dos anjos. A gente t falando tudo enrolado sem a gente saber. um idioma que vem at a pessoa e sem sentir comea a falar o Esprito Santo.

    Ao ser perguntado se h algum na comunidade que interpreta o que falado em lnguas, o entrevistado responde:

    No, ns da Universal no interpretamos. Aquilo que acontece espontneo da pessoa, no tem interpretao, porque eles acham o seguinte: no existe interpretao para o Esprito Santo. a lngua dos anjos. Quando os apstolos falaram em lnguas pela primeira vez, todos achavam que eles estavam loucos, ningum entendia nada. Ns tambm falamos em lnguas, mas ningum sabe o que ... s Deus est sabendo o que a gente est falando, que a gente est louvando Ele. Agora as pessoas que esto por perto, ningum entende.

    A partir dessa experincia emocional, as pessoas tm assegurado um lugar especial dentro do povo de Deus. importante considerar, como lembra Corten, que o batismo do Esprito Santo no um batismo sacramental, mas emocional (1996:44). Ou ainda, que o pentecostalismo prope uma teologia que no se apia muito numa doutrina, mas que faz referncia a uma experincia emotiva partilhada pelos crentes. Pentecostalismo corresponde bem ao que Spinoza espera da boa teologia, isto , no apelar razo este o papel da filosofia mas ensinar e incitar devoo (1996:53).

    O dom de lnguas no monopoliza a carga emocional de um culto pentecos- tal. O canto, o louvor produzem igualmente um elevado clima emocional. O Esprito Santo traz liberdade de expresso corporal! Louvor e adorao de forma livre e espontnea so a tnica dos grupos pentecostais. Sua alegria contagiante e motivadora. Ela, de certa forma, liberta uma sensualidade que de outro modo (como nas vestimentas, p. ex.) reprimida (Machado, 1996:153-162).

    2.4 O Esprito Santo energizando a vida

    Evidentemente, a crtica do pentecostalismo (no consciente e neste sentido assumindo o discurso ps-modemo) racionalizao e institucionalizao, alm de promover as divises denominacionais, deixa entreabertas frestas para o agre- gamento de novas vises teolgicas. Por exemplo, possibilita o surgimento de uma linguagem que se toma adequada ps-modemidade (ecltica e fragmentada). Por

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    isso, parece-nos que o discurso pentecostal no v dificuldade nem empecilhos para assumir conceitos e termos que fazem parte de outras esferas de religiosidade, inclusive conceitos que inicialmente lhe so antagnicos, porque surgidos em esferas de oposio ao discurso religioso dos pentecostais. Por exemplo: o termo energizar, que, pelo que consta, amplamente usado pelo esoterismo e seu cultua- mento a pedras e outros materiais concretos. Vemos o pentecostalismo fazendo uso deste termo para dizer que o Esprito Santo o grande energizador de nossas vidas (Souza, 1996:34). Neste sentido, possvel dizer que o pentecostalismo assume um intercambiamento e um ecletismo sui generis.

    Neste final de milnio caminhamos a passos largos para religiosidades ps- tradicionais. Se aceitarmos a definio de Siepierski de um ps-pentecostalismo, mesmo que seja a ttulo de provocao, teramos que o pentecostalismo brasileiro mais recente inscreve-se fora daquilo que teologicamente se poderia aceitar como denominaes de bases crists. Como ento lidar com isso? No para responder essa questo, seno, talvez, para levantar outras perguntas, gostaramos de enquadrar o pentecostalismo, principalmente o pentecostalismo mais recente, naquilo que convencionamos chamar novos movimentos religiosos . Mais precisamente, isso significa enquadrar o pentecostalismo da terceira onda como um fenmeno de ps-instituies de acentuado carter ecltico e individualista. Religiosidades desta configurao podem apresentar-se com uma acentuada tonalidade mgica, onde as pessoas voltam-se para esta a fim de alcanarem a soluo de seus problemas individuais, sem necessariamente se filiarem a ela e sem se comprometerem institucionalmente. Noutros casos, pode at haver uma adeso (DAndrea, 1996:7). Pensamos que seja possvel sugerir isso na medida em que especialmente esse pentecostalismo tem se apropriado de terminologias, qui de conceitos, que fazem parte de uma religio antropolgica, uma religiosidade sem deus, uma religio aberta a todos, que prega um mundo humanizado, que aceita a existncia de uma energia csmica universal, no necessariamente personalizada.

    Quer dizer, possvel pensar que o pentecostalismo ps-tradicional tem se deixado interpenetrar por conceitos de bases as mais diversas, mesmo que tenha se apropriado inicial e mais fortemente de conceitos cristos. Assim, importante que se perceba que hoje h uma maneira, um modus operandi de relacionamento com o transcendente, e que esta maneira tem, com alguma facilidade, entrado no discurso e na prtica do pentecostalismo de ltima vaga. Em outras palavras, preciso considerar at que ponto esse pentecostalismo no tem se deixado apropriar pela cultura atual. Essa religiosidade moderna que tem sido conhecida como Nova Era se caracteriza pela bricolagem acentuada de smbolos e prticas originrias das mais distintas linhas religiosas ou seculares, regida pelo critrio da convivncia pessoal (DAndrea, 1996:14). De alguma forma, o pentecostalismo se deixa seduzir e entra pelo caminho de uma religiosidade em que a finalidade apenas o bem-estar, a sensao de harmonia com a vida.

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    Algumas consideraes finais

    Se, em tempos passados, estudiosos dedicavam-se a uma compreenso da realidade estrutural e conjuntural, privilegiadamente econmica e poltica, para relacion-la teologia e ao ser cristo, hoje diferente. Sem esquecer da estrutura poltica e econmica da sociedade, a nfase dos estudiosos est sobre o eixo cultural. A partir dele, busca-se relacionar a tarefa do ser cristo neste final de milnio. E neste esforo que o presente texto se insere.

    Em primeiro lugar, convm salientar que este um texto de tom aproximativo, exploratrio, qui, taxonmico, e, de qualquer forma, relevante. O texto procura, em trs momentos, mapear a realidade da religiosidade pentecostal, buscando perceber que existem interseces entre a cultura e a conscincia religiosa. Na Introduo, procuramos dar uma explicao, mesmo que de forma no complexa, realidade, sobretudo cultural. Buscamos frisar um pouco daquilo que pulsa em nosso cotidiano como macrorrealidade cultural. So, a nosso ver, os elementos mais perceptveis de nosso modus vivendi. No entanto, esses elementos nos do um marco mnimo para a compreenso da cultura hodierna e de como esta influencia o jeito de ser cristo neste pas. Essa aproximao nos ajuda a traar algumas linhas que permitem ver como foi e possvel o pentecostalismo ser to contagiante, no apenas no Brasil, mas praticamente em todo o mundo.

    Num segundo momento, delineamos um esboo das principais caractersticas do neopentecostalismo, procurando entender um pouco mais como se d o sucesso desse pentecostalismo de sucesso.

    Conclumos afunilando nosso incurso pelo pentecostalismo, percebendo como o Esprito Santo uma categoria central no auto-entendimento e na ao dos fiis e das igrejas pentecostais. Neste sentido, o estudo sobre o Esprito Santo consegue colocar-nos frente a frente com muitos aspectos da teologia neopente- costal especialmente.

    Se, por um lado, poderamos dizer que o texto se apresenta mais narrativo que analtico, por outro lado, possibilita que novas ou diferentes inferncias possam ser feitas a partir desse material de natureza mais descritiva. Contudo, acredito que, para nossa reflexo, algumas questes j possam ser levantadas.

    Penso que a relevncia deste apanhado seja a possibilidade de introduzir alguns elementos para a discusso a respeito da importncia e do papel do Esprito Santo na vida da Igreja e do lugar que tem ocupado em nossa teologia da Trindade. Neste sentido, olhar para fora de nossos muros, tentar observar e entender o que se passa com outras denominaes crists nos pode ajudar a olhar para ns mesmos.

    Em grande parte vimos que a emocionalidade vinda da experincia do Esprito Santo central na vivncia do pentecostalismo. Se a emoo toma-se central na experincia dos pentecostais, isso est a nos querer dizer algo. Acredito que a emoo parte constitutiva de um ser religioso. Por isso, a confrontao

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    com o mundo pentecostal deve nos ajudar a refletir sobre o lugar que damos ao emocional em nossas experincias religiosas. Contudo, basta que nossos cultos sejam liturgicamente mais leves, propiciando um maior espao emoo? Resolveramos assim o problema? Dificilmente. preciso que a atuao do Esprito Santo se faa presente em nossas comunidades naquilo que central como caracterstica do trino Deus: o amor, o afeto.

    A emocionalidade proposta pelos pentecostais muitas vezes est desprovida de afetividade em suas relaes. E por isso que poderamos sugerir que a teologia pentecostal se coaduna com um discurso ps-modemo, preso s sensaes e emoes individuais. Sua teologia est submetida a um discurso emocional que racionalizado. O importante o que o fiel consegue experimentar. Para muitos, ento, facilmente a emoo da experincia ser considerada mais importante que a tica.

    Um segundo ponto que o pentecostalismo tem conseguido captar as mais diversas tendncias para dentro da vivncia religiosa. Em grande parte dessa grande versatilidade do pentecostalismo que vem a sua fora. Ele tem grande facilidade de agregar ao seu discurso prticas e conceitos tanto culturais como religiosos de diversos matizes. Isso nos parece perigoso, porque a religio crist, que sempre sofreu ameaas de ser cooptada pela cultura de seu tempo (e por vezes sucumbiu a ela), mais uma vez est diante deste grande desafio. A cultura do prazer, do individualismo, das solues mgicas de nosso tempo, de um deus que pode ser manipulado atravs de tcnicas, tem agora o seu representante cristo. A partir desse quadro, podemos facilmente perceber que o resultado ser o de uma espiritualidade secularizada.

    Portanto, precisamos comear a aprofundar nosso entendimento acerca do Esprito Santo. No adianta nos escondermos por detrs de velhos conceitos e chaves.

    Para encerrar, queremos deixar algumas questes para a reflexo:1. Entendendo que o Esprito Santo seja como uma brisa que anda livremen

    te, devemos deixar-nos contagiar com uma concepo privilegiadamente emocional do Esprito Santo?

    2. Com a desculpa de que a emocionalidade que caracteriza o fenmeno do pentecostalismo nada ou pouco tem a ver com a nossa teologia, devemos simplesmente, como um avestruz, colocar nossa cabea no buraco do dogmatismo?

    3. No estaria na hora de buscarmos refletir mais profundamente sobre este tema, a fim de que ele nos conduza a uma reviso teolgica, reviso esta que nos ajudasse a confirmar e a questionar certezas sobre o assunto?

    4. Podemos nos contentar com uma teologia que basicamente percebe a atuao do Esprito Santo nos sacramentos Batismo e Eucaristia?

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    Referncias bibliogrficas

    BARROS, Mnica do Nascimento. A batalha do Armagedom : uma anlise do repertrio mgico- religioso proposto pela Igreja Universal do Reino de Deus. Dissertao de mestrado. Belo Horizonte : Universidade Federal de Minas Gerais, 1995.BOBSIN, Oneide. Teologia da prosperidade ou estratgia de sobrevivncia. Estudos Teolgicos, So Leopoldo, v. 35, n. 1, p. 21-37, 1995.COMBLIN, Jos. O Esprito Santo e a libertao. 2. ed. Petrpolis : Vozes, 1988. . Liberdade crist nos cativeiros da ps-modemidade. Apresentado no Seminrio Nacional para multiplicadores de trabalho com JE. Campinas, 1997. . Cristos rumo ao sculo X X I : nova caminhada de liberao. 2. ed. So Paulo : Paulus, 1996.CORTEN, Andr. Os pobres e o Esprito Santo : o pentecostalismo no Brasil. Petrpolis : Vozes, 1996.DANDREA, Anthony Albert F. O S e lf Perfeito e a Nova Era : individualismo e reflexividade em religiosidades ps-tradicionais. Dissertao de mestrado. Rio de Janeiro: Instituto Universitrio de Pesquisas do Rio de Janeiro, 1996.JUNGBLUT, Airton L. Deus e ns, o diabo e os outros : a construo da identidade religiosa da Igreja Universal do Reino de Deus. In: ORO, Ari Pedro (Org.). Cadernos de Antropologia Neopentecostalismo, Porto Alegre, v. 9, p. 45-62, 1992.KOLLING, Joo Incio. Religio e ps-modemidade. Passo Fundo : P. Berthier, 1994. MACHADO, Maria das Dores Campos. Carismticos e pentecostais : adeso religiosa na esfera familiar. So Paulo : Autores Associados/ANPOCS, 1996. p. 1-116.OLIVEN, Ruben George. A parte e o todo : a diversidade cultural no Brasil-Nao. Petrpolis : Vozes, 1992.ORO, Ari Pedro. Religies populares e modernidade no Brasil. In: TEIXEIRA, Srgio Alves, ORO, Ari Pedro (Orgs.). Brasil e Frana: ensaios de antropologia social. Porto Alegre : Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1992. p. 95-102. . Avano pentecostal e reao catlica. Petrpolis : Vozes, 1996.ROLIM, Francisco Cartaxo. Pentecostais no Brasil : uma interpretao scio-religiosa. Petrpolis : Vozes, 1985. p. 1-90. . Pentecostalismo. Brasil e Amrica Latina. Petrpolis : Vozes, 1994. p. 1-94.SIEPIERSKI, Paulo D. Ps-pentecostalismo e poltica no Brasil. Estudos Teolgicos, So Leopoldo, v. 37, n. 1, p. 47-61, 1997.SOUZA FILHO, Joo A. Dons espirituais : o poder de Deus em voc. Belo Horizonte : Atos, 1995. . A nova uno do Esprito Santo. Belo Horizonte : Atos, 1996.

    Notas

    1 Hoje no existe um pentecostalismo, existem vrios. Toma-se cada vez mais difcil enquadrar as novas igrejas que que tm surgido. As tipologias desenvolvidas at o momento tm sofrido muitas crticas e cada vez mais autores, quando as usam, fazem-no com restries. Por isso, quando falamos em pentecostalismo, preciso que o leitor esteja atento para essa observao. O quadro pentecostal est longe de ser colocado como sendo tudo farinha do mesmo saco . Neste artigo quero destacar a emocionalidade pentecostal, esta, sim, como um fator geral, se bem que nas diferentes igrejas essa carga emocional seja retirada de expresses teolgicas diferenciadas. Com essa nfase, penso ser possvel, pelo menos em um primeiro momento, fazer essa generalizao, para mostrar como a emocionalidade recorrente nestes tempos ps-modemos.

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    2 Entre outros, OLIVEN analisa este fenmeno que global no Brasil, principalmente no primeiro captulo de seu livro A parte e o todo.

    3 Algumas destas discusses podem ser apreciadas de forma reduzida, principalmente no primeiro captulo de Maria das Dores C. MACHADO, Carismticos e pentecostais; G. GUIZZARDI, R. STELLA, Teorias da secularizao, in: Sociologia da religio, So Paulo : Paulinas, 1990, p. 203-250; 345-367; Stefano MARTELLI, A religio na sociedade ps-modema, So Paulo : Paulinas, 1995. Ou ainda, tambm de forma reduzida, em Andr CORTEN, Os pobres e o Esprito Santo, p. 11-12.

    4 Alguns j denominam essa era como a das religiosidades ps-tradicionais. Por exemplo, Anthony A. DANDREA em sua dissertao de mestrado O S e lf Perfeito e a Nova Era.

    5 Seria importante, em primeiro lugar, ter em mente a formao do quadro religioso pentecostal no Brasil. Entretanto, no descreverei esse processo, at porque, nesta mesma revista, Ingo WULF- HORST publicou um artigo que trata, brevemente, da formao histrica do pentecostalismo no Brasil: O pentecostalismo no Brasil, Estudos Teolgicos, v. 35, n. 1, p. 7-20, 1995.

    6 Para uma discusso a respeito dos problemas da tipologia aqui colocada, importante a leitura, entre outros, do artigo de Paulo SIEP1ERSKI, Ps-pentecostalismo e poltica no Brasil.

    7 Oneide BOBSIN, Teologia da prosperidade ou estratgia de sobrevivncia, faz uma anlise da representao do mal e da necessidade de exorcismos na 1URD.

    8 Paulo SIEPIERSKI parece concordar com isso quando afirma que qualquer tipologia inerentemente dbil , alm de aceitar que a IURD apenas represente mais adequadamente o que ele denomina de ps-pentecostalismo (op. cit., p. 59, nota 27). Outra considerao que nos faz pensar colocada por A. CORTEN, um cientista social que estuda o discurso como um fato, portanto como um objeto de estudo; escreve ele: Diferentes vagas de igrejas pentecostais podem ser distinguidas. A sua maneira de incitar devoo no se distingue pelas audcias doutrinais mas pelos novos modos de suscitar e gerar as emoes (1996:45).

    9 Seguiremos o estudo deste antroplogo tendo como base suas enunciaes no livro Avano pentecostal e reao catlica (1995) e em seu artigo Podem passar a sacolinha: um estudo sobre as representaes do dinheiro no neopentecostalismo (1992).

    10 Em relao a este assunto, Airton L. JUNGBLUT escreveu um artigo intitulado Deus e ns, o Diabo e os outros , em que sustenta que a identidade da IURD mantida e construda a partir de identidades contrastivas, aproveitando para isso a referncia terica de Roberto Cardoso de Oliveira.

    11 Hugo ASSMANN trata disso em seu livro A Igreja Eletrnica e seu impacto na Amrica Latina, Petrpolis : Vozes, 1986.

    12 O artigo de Oneide BOBSIN mencionado acima (nota 7) d conta das principais implicaes e significados desse pentecostalismo empresarial fundamentado na teologia da prosperidade.

    13 bem verdade que no caso da IURD a nfase no batismo do Esprito Santo no das maiores. Ele inclusive relegado a um segundo plano. Dessa forma, poderamos questionar a santificao como um elemento importante na teologia da referida Igreja. Contudo, acredito que devamos relativizar essa concluso inicial como sendo algo uniforme na IURD. Assim como todas as formas religiosas acabam por receber influncias umas das outras, tambm a Universal est sujeita a essa porosidade. Quer dizer, se por um lado a santificao e o batismo do Esprito Santo no so muito enfatizados nessa Igreja, pessoas que nela comungam no se entendem como cristos sem essa evidncia, provavelmente por virem de outras tradies pentecostais. Este parece ser o caso de um de nossos entrevistados que considera importante uma postura tica. Em outra oportunidade, quando assistia a um culto na IURD, algumas senhoras sentadas minha frente falavam mal e desconsideravam o pastor que pregava naquele dia, pois ele sequer havia feito uma orao e o culto j estava pela metade. Parece-me que, no tocante espiritualidade, as igrejas pentecostais influenciam-se mutuamente. Por outro lado, a converso e a santificao no pente-

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    costalismo so dois processos que mereceriam uma maior ateno. Um estudo mais aprofundado sobre essas questes abriria uma maior possibilidade de discusso sobre os conceitos teolgicos dos pentecostais.

    14 Interessante observar a forma pela qual a fala do crente montada para relatar a experincia do recebimento do batismo do Esprito Santo. H todo um discurso de como a pessoa que vivia sem esse recurso espiritual era inferior em seu conhecimento de Deus ou de como a sua prtica do cristianismo lhe era pesada. Por outro lado, uma vez realizada essa experincia, a vida ainda mais qualificada. Esse discurso obedece ao mesmo esquema da converso. Antes da experincia, a vida obedecia uma ordem. Aps o batismo do Esprito Santo, a prtica da religio alterada, sempre para melhor. Assim, para alcanar a plenitude do Esprito Santo , preciso passar pelo mesmo, vamos chamar assim, esquema ritualstico da converso. por isso que muitos pentecostais vem essa experincia como absolutamente fundamental para a vivncia do cristianismo. A converso constitui um processo importante, contudo a plenitude da experincia divina somente pode ser alcanada com o batismo do Esprito Santo.

    15 O pastor Joo A. de SOUZA FILHO declara em seu livro A nova uno do Esprito que precisou de uma nova uno , experincia do Esprito Santo, pois, apesar de ser reconhecido, no mundo evanglico, como um grande pregador e instrumento de Deus, sua obra estava calcada em sua prpria capacidade e no na fora e no poder de Deus (Souza Filho, 1996:18). Parece-nos que, de certa forma, essa necessidade criada pelos lderes religiosos algo que lhes confere status, reconhecimento de um estgio espiritual mais avanado do que o restante da congregao.

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