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O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA: INTERLOCUÇÃO ENTRE A GESTÃO PÚBLICA AMPLIADA E O NOVO PARADIGMA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIALÓGICA À LUZ DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. THE EFFICIENCY PRINCIPLE: INTERACTION BETWEEN THE AMPLIFIED PUBLIC MANAGEMENT STYLE AND THE PARADIGM OF PUBLIC DIALOGIC ADMINISTRATION UNDER THE LIGHT OF THE DEMOCRATIC STATE OF LAW Leonardo Alves Correa Elpídio Paiva Luz Segundo RESUMO O texto analisa as possíveis interlocuções entre o marco do Modelo Gerencial da Gestão Pública Ampliada e do paradigma da Administração Pública Dialógica à luz do Estado Democrático de Direito, apontando as nuances entre o modelo burocrático, o gerencial estrito, o modelo gerencial alargado (Gestão Pública Ampliada) e Administração Dialógica. Do ponto de vista metodológico, o texto adota o princípio da eficiência como referência objetiva para uma cooperação entre os modelos de Gestão Pública Ampliada e Administração Dialógica. Conclui que as diferenças são tênues e indicam a necessidade da Administração Pública não implementar os conceitos de eficiência e qualidade a priori nas prestação das atividades administrativas mas, fazê-lo de forma discursiva. Neste sentido, a eficiência e a qualidade, tão cara aos cientistas políticos, não deve ser compreendida em uma ótica instrumental e sim intersubjetiva. PALAVRAS-CHAVES: ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIALÓGICA; MODELO GERENCIAL DA GESTÃO PÚBLICA AMPLIADA; ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. ABSTRACT The text analyses the possible interaction between the Amplified Public Management Style and the paradigm of Public Dialogic Administration under the light of the Democratic State of Law, pointing the nuances between the bureaucratic model, the restrict management, the broader management model (Public Amplified Management) and Administration Dialogic. From the methodological point of view, the text adopts the efficiency principle as the objective reference to cooperation between the models of Amplified Public Management and Dialogic Administration. The texts conclusion was that the differences were dim and indicate the need of the Public Administration not implementing the concepts of efficiency and quality as a priori in the provision of Administrative activities but, applying it in a discursive way. In this sense, the efficiency and the quality, so important to the politics scientists, must not be understood through an instrumental optic rather than an intersubjective. 5865

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O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA: INTERLOCUÇÃO ENTRE A GESTÃO PÚBLICA AMPLIADA E O NOVO PARADIGMA DA ADMINISTRAÇÃO

PÚBLICA DIALÓGICA À LUZ DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO.

THE EFFICIENCY PRINCIPLE: INTERACTION BETWEEN THE AMPLIFIED PUBLIC MANAGEMENT STYLE AND THE PARADIGM OF

PUBLIC DIALOGIC ADMINISTRATION UNDER THE LIGHT OF THE DEMOCRATIC STATE OF LAW

Leonardo Alves Correa Elpídio Paiva Luz Segundo

RESUMO

O texto analisa as possíveis interlocuções entre o marco do Modelo Gerencial da Gestão Pública Ampliada e do paradigma da Administração Pública Dialógica à luz do Estado Democrático de Direito, apontando as nuances entre o modelo burocrático, o gerencial estrito, o modelo gerencial alargado (Gestão Pública Ampliada) e Administração Dialógica. Do ponto de vista metodológico, o texto adota o princípio da eficiência como referência objetiva para uma cooperação entre os modelos de Gestão Pública Ampliada e Administração Dialógica. Conclui que as diferenças são tênues e indicam a necessidade da Administração Pública não implementar os conceitos de eficiência e qualidade a priori nas prestação das atividades administrativas mas, fazê-lo de forma discursiva. Neste sentido, a eficiência e a qualidade, tão cara aos cientistas políticos, não deve ser compreendida em uma ótica instrumental e sim intersubjetiva.

PALAVRAS-CHAVES: ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIALÓGICA; MODELO GERENCIAL DA GESTÃO PÚBLICA AMPLIADA; ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO.

ABSTRACT

The text analyses the possible interaction between the Amplified Public Management Style and the paradigm of Public Dialogic Administration under the light of the Democratic State of Law, pointing the nuances between the bureaucratic model, the restrict management, the broader management model (Public Amplified Management) and Administration Dialogic. From the methodological point of view, the text adopts the efficiency principle as the objective reference to cooperation between the models of Amplified Public Management and Dialogic Administration. The texts conclusion was that the differences were dim and indicate the need of the Public Administration not implementing the concepts of efficiency and quality as a priori in the provision of Administrative activities but, applying it in a discursive way. In this sense, the efficiency and the quality, so important to the politics scientists, must not be understood through an instrumental optic rather than an intersubjective.

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KEYWORDS: AMPLIFIED PUBLIC MANAGEMENT STYLE; PUBLIC DIALOGIC ADMINISTRATION; DEMOCRATIC STATE OF LAW

INTRODUÇÃO

A Administração Pública – concebida como objeto científico - já sofreu profundas transformações conceituais desde os estudos de Max Weber Taylor e Wilson. A Ciência Política, Administração Pública e a Sociologia, por exemplo, buscam compreender o dinâmico processo de mutação dos modelos burocrático, gerencial estrito e, recentemente, gerencial alargado (Gestão Pública Ampliada).

No mesmo sentido, novas leituras do Direito Administrativo – especialmente dos autores influenciados pelo marco do neoconstitucionalismo – problematizam pressupostos epistemológicos até então inquestionáveis. A Administração Pública Dialógica –aos olhos desta nova corrente do Direito Administrativo- é aquela que introduz mecanismos e espaços de participação, de modo que o próprio conceito de interesse público seja resultado de um processo dialógico com o cidadão, iniciativa privada, movimentos sociais, dentre outros grupos de interesses da sociedade civil.

Seria possível traçar um paralelo entre a concepção de Gestão Pública Ampliada e a Administração Pública Dialógica? Quais são as semelhanças e diferenças entre os dois modelos? E – talvez mais importante – como tal interlocução entre os dois modelos pode auxiliar na construção de um referencial teórico de Administração Pública verdadeiramente democrática?

O texto buscará analisar tais diferenças e semelhanças entre os modelos a partir de uma análise do princípio da eficiência. Portanto, o objetivo específico deste texto é discutir qual a relação de complementaridade entre Gestão Pública Ampliada e a Administração Pública Dialógica, de forma a contribuir para uma abordagem do principio da eficiência à luz do paradigma do Estado Democrático de Direito.

A hipótese final do trabalho é que o modelo de Gestão Pública Ampliada e a Administração Pública Dialógica se aproximam em diversos pressupostos e objetivos, tal como a necessidade de legitimação democrática da atividade administrativa estatal.

Entretanto, há tênues diferenças conceituais entre os dois modelos. A análise pormenorizada do princípio da eficiência, por exemplo, permitirá visualizar as limitações e déficits de cada modelo teórico.

A interlocução interdisciplinar entre a visão de parte da Ciência Política, Administração Pública e Sociologia (que adotam o modelo de Gestão Pública Ampliada) e da corrente – ainda minoritária - do Direito (que vislumbra a adoção de uma Administração Pública Dialógica) torna-se importante no debate e na construção do paradigma de uma Administração Pública efetivamente democrática.

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1- DO PARADIGMA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA A GESTÃO PÚBLICA: AS DIFICULDADES CONCEITUAIS DO MODELO GERENCIAL DA GESTÃO PÚBLICA AMPLIADA

A secularização da vida política remonta ao Estado fundado por Frederico II, na Itália, no século XII. Tratava-se de monarquia absoluta no sentido moderno, pois tinha afastado a influência de qualquer igreja. Assim, os funcionários do Estado não eram clérigos, mas, leigos. Independente da religião, cristãos, judeus e sarracenos tinham parte igual na administração. Na corte de Frederico II não se fazia distinções entre seitas, etnias e nações. A administração era orientada pelo interesse do Estado secular, do Estado “terreno”[1].

Na modernidade, houve uma ruptura com o feudalismo, sustentado nas relações de vassalagem e suserania. Há um deslocamento do governado do status de súdito para o cidadão. Este é um sujeito de direito, historicamente referenciado, que cede ao Estado o direito de governar em seu nome, desde que o titular do cargo de poder tenha a atuação limitada pela lei, ou seja, o que busca é evitar o arbítrio da Administração contra o indivíduo, que doravante não está sujeito a uma desigualdade jurídica apriorística, como no feudalismo, pois, o Estado Moderno se caracteriza pela igualdade jurídica entre todos os cidadãos. Neste contexto é que se situa a composição da Administração Pública Moderna.

O paradigma da Administração Pública Moderna (Burocrática) decorre de uma construção conceitual realizada, notadamente, por Woodrow Wilson, Frederick Winslow Taylor e Max Weber[2].

Para Wilson, a administração deve ser separada da política. Após as escolhas políticas (politcs) do governo, a tarefa de implementação das políticas (policies) caberia aos técnicos da ciência da administração uma intervenção da forma mais eficiente possível.

Taylor defendia a administração científica para evitar a ineficiência dos negócios privados e da administração pública. Para realizar uma administração científica seria necessário verificar entre os diversos métodos em cada caso, qual resultaria na implementação mais eficiente entre eles.

Weber afirmava que a complexidade da sociedade moderna exigia instituições complexas. Isso significava um salto de organizações informais, pessoais, para a burocracia. A burocracia de Weber distinguia-se por ser uma organização hierárquica, onde trabalhavam pessoas indicadas, com credenciais e especialidades, que teriam obrigações regulares e oficiais, que elas executavam como se fossem “curadores”, aplicando regras racionais de forma impessoal, sobre uma jurisdição específica. No governo, dizia Weber, isso era chamado “autoridade burocrática”, ao passo que no setor privado era chamado de “gerência burocrática” [3].

Como se observa, Wilson, Taylor e Weber apontam a importância da eficiência da administração pública. O paradigma da administração pública se informa pela distinção

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entre política e administração que permite a elaboração de um modelo factível de accountability política, além de possuir legitimidade política, através dos sistemas de controle da administração.

O paradigma da administração pública não se mostrou eficiente nem apolítico como previam os escritos de Wilson, Taylor e Weber. De fato, ele é muito ineficiente e bastante política. A lógica de cada um dos fundadores intelectuais do paradigma da administração pública foi contaminada pela falácia crítica[4].

A concepção de uma administração eficiente e apolítica se mostrou equivocada. O termo burocracia (Modelo Burocrático), atualmente, é sinônimo de ineficiência. No que se refere à escolha metodológica apontada por Taylor, não há necessariamente uma forma mais adequada, universal, para a solução de certa questão gerencial.

A distinção entre administração e política defendia por Wilson não é possível tendo em vista a tênue diferença entre elas.

A discussão deve ser permeada pela premissa de que a atitude científica é uma atitude crítica. Não pode haver crítica se não houver uma exposição anterior. As teorias científicas, se não refutadas, continuam como válidas. A teoria é testável e se mantém enquanto não há argumento suficiente para ruí-la. Ou seja, uma determinada teoria pode ser substituída quando houver melhor argumento que explique uma determinada situação[5].

No parâmetro do modelo gerencial estrito, a preocupação era reduzir a influência das burocracias de tipo weberiano, excessivamente apegadas às normas, no entender dos teóricos do gerencialismo, diminuir as áreas de atuação do Estado para atuar com uma melhor eficiência – no sentido econômico. O lema dos gerentes era fazer mais com menos, ou seja, prestar serviços públicos com menor orçamento, redução de pessoal, e aumentar a eficiência do Estado. Portanto, um modelo gerencial estrito rigoroso se insere em uma ótica estritamente liberal, do paradigma do Estado de Direito, em que havia acentuadas divisões entre a esfera pública e a privada, em que o direito público era o direito do Estado e o privado era dos particulares. Saliente-se, ainda, que o modelo gerencial estrito é uma resposta à crise da burocracia em sentido tradicional. Contudo, como se observa, as diferenças entre o gerencialismo em sentido estrito e a burocracia são tênues e a adoção de um modelo gerencial estrito não respondeu de forma adequada às demandas da coletividade por mais eficiência na prestação das atividades administrativas em sentido instrumental.

Um modelo gerencial alargado, denominado modelo de Gestão Pública Ampliada, abrange um conceito de gestão pública, lastreado no princípio constitucional da eficiência, suplantando o paradigma do Estado Liberal de Direito – no sentido da liberdade negativa - pois há um espaço compartilhado de discussão e deliberação entre governo e os indivíduos, tornando estes co-responsáveis pela gestão da coisa pública e uma fiscalização do exercício de funções estatais para se verificar a realização ou não do princípio da eficiência como prática concreta.

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Neste sentido, o modelo da gestão pública ampliada é uma resposta à crise paradigmática da administração pública gerencial estrita. No contexto da década de 1990, se observa uma mudança no que se refere às relações entre o Estado e Sociedade, notadamente, no exercício de funções na Administração Pública.

Como se vê, o conceito de modelo gerencial estrito difere do modelo gerencial ampliado. O primeiro foi uma tentativa de superar o modelo burocrático pela adoção de metas, de finalidades específicas, etc. O segundo visa superar os déficits do modelo gerencial, pois adota um pressuposto de legitimidade democrática inexistente no primeiro. Além disso, a adesão a um gerencialismo estrito não é compatível com o paradigma do Estado Democrático de Direito tendo em vista o caráter acentuadamente liberal e instrumental do modelo gerencial estrito.

No caso da análise da adoção da Gestão Pública Ampliada, a rotação paradigmática não implica necessariamente na subscrição a determinado tipo de liberalismo, pois as atribuições estatais são decididas na esfera pública em que a participação e a escolha do indivíduo por um determinado modelo de vida boa poderá determinar o estabelecimento ou não de uma matriz mais ou menos liberal. No bojo da ação pública, as formas de gestão ampliadas permitem um debate entre três lógicas distintas: a representação política, o saber técnico-científico e a participação direta das comunidades.

Assim, o marco da Gestão Pública Ampliada é um modelo gerencial alargado pois, não tem foco somente no aspecto econômico da eficiência na prestação dos serviços públicos, o que remonta ao gerencialismo puro[6] ou a um Estado mínimo liberal, mas, tem em vista o princípio constitucional da eficiência, de matriz constitucional.

Em uma perspectiva dialógica entre Gestão Pública Ampliada e Administração Pública Dialógica, a eficiência e a qualidade, tão cara aos cientistas políticos, não deve ser compreendida em uma ótica instrumental em que a Administração Pública determina, aprioristicamente, na implementação de atos e processos administrativos, bem como na consecução de políticas públicas, os conceitos de eficiência e qualidade na realização de serviços públicos tendo em vista a necessidade de produção intersubjetiva (Administração Pública Dialógica), ampliada (no sentido da Gestão Pública Ampliada), da participação da sociedade civil, através dos indivíduos, movimentos sociais, empresas privadas e os diversos grupos de interesses que devem ser levados em conta na realização das atividades administrativas.

2– A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIALÓGICA NO PARADIGMA DE ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

As denominações “Administração Pública Dialógica”, “Administração Pública Consensual”; “Administração Pública Mediadora”[7] buscam retratar novas propostas de abordagem na compreensão do Direito Público contemporâneo - em especial – no Direito Administrativo. Em razão de sua incipiência acadêmica, não há consenso em relação sua denominação, pressupostos e objetivos. Em linhas gerais, este novo olhar lançado sobre a Administração Pública tem como pano de fundo a implementação de

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novos canais dialógicos e instrumentos comunicativos com os cidadãos, movimentos sociais, organizações empresariais com o objetivo de co-elaboração, execução e fiscalização de políticas públicas.

Entendemos que o termo mais apropriado seja “Administração Pública Dialógica”, pois enfatiza a natureza processualística desta proposta, ou seja, a constituição de mecanismos de comunicação, discussão, debate, enfim, de diálogo, entre os diferentes sujeitos sociais. O consenso não é o pressuposto – daí a não adoção de Administração Pública Consensual –, mas sim um possível resultado de um processo aberto e democrático.

A Administração Pública Dialógica tem como elemento fundamental a relativização do dogma da supremacia do interesse público sobre o privado. Assim, a supremacia do interesse público sobre o privado continua a existir, mas de forma diferenciada, uma vez que não mais se admite um “interesse público” definido à luz de um sujeito isolado, solipsista, no caso uma atuação monológica do Poder Público. Não! O “interesse público” – que repetimos, continua ter supremacia em face ao interesse privado – é (re)interpretado, (re)definido a partir de uma construção dialógica e aberta com os indivíduos, movimentos sociais, iniciativa privada, etc. A Administração Pública Dialógica amplifica a esfera pública tornando co-responsáveis pela gestão da coisa pública os indivíduos, as empresas privadas, as organizações não governamentais, os movimentos sociais, dentre outros atores, em um espaço de compartilhamento da arena pública que abrange os diversos conselhos paritários entre sociedade civil e governo, das negociações - forma de gestão de conflitos, onde se almeja a concretização de determinados interesses de grupos em oposição, das parcerias público-privadas e dos contratos públicos.

O espaço compartilhado é o local privilegiado da ação comunicativa entre os poderes públicos constituídos e a sociedade civil, ou seja, é um ambiente de aprendizagem social em que os cidadãos participam e aprendem no debate público, com mediação da linguagem. A teoria da ação comunicativa - desenvolvida por Habermas[9] - tem o objetivo de estabelecer a troca de idéias e de informações entre os sujeitos históricos para estabelecer o diálogo como forma de produção de conhecimento.

Habermas é um autor “superego” da modernidade tardia que dialoga com as tradições e deixa em aberto um projeto de convivência social em que distintas visões de mundo lutam em discussões, através da participação na esfera pública, e são examinadas e argumentadas por grupos distintos em situação de certas oposições e determinadas aproximações visto que as diferenças são resolvidas pelo diálogo, com a finalidade de propor um projeto de vida boa definida pela razão do melhor argumento.

Para Habermas, a resolução dos conflitos existentes na sociedade deve tomar como referência uma teoria discursiva em prol da integração social e da realização da democracia e da cidadania. Assim, a deliberação, pelo melhor argumento, para reduzir os níveis de conflito a um possível convívio nos termos do pacto de uma determinada comunidade sócio-política ordenada deve decorrer de um certo consenso estabelecido entre indivíduos juridicamente livres e iguais.

Como se observa, a proposta de Administração Pública Dialógica abandona uma visão tradicional de que é o Estado que detêm o monopólio de definição de “interesse

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público”, vez que em uma sociedade plural, heterogênea e descentrada, a atividade administrativa legítima se relaciona diretamente com a desontologização e profanação – em sentido sugerido por Agaben[10] - do dogma do interesse público.

3 - PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA EFICIÊNCIA: UM DIÁLOGO ENTRE A CIÊNCIA POLÍTICA E O DIREITO:

Para ABRÚCIO, as reformas iniciadas no Brasil, principalmente a partir da Emenda Constitucional nº 19, de 1998, objetivam a implantação de um processo de reforma administrativa do Estado. As motivações para a implantação das mudanças são oriundas da denominada “crise do Estado”, posto que este não teria condições de realizar os investimentos necessários e administrar eficientemente as atribuições estatais elencadas na Constituição da República.

O professor Paulo Modesto aborda o escopo das reformas administrativas nos Estados que adotam o modelo gerencial lato sensu:

objetivo econômico: diminuir o déficit público, ampliar a poupança pública e a capacidade financeira do Estado para concentrar recursos em áreas em que é indispensável a sua interpretação direta;

objetivo social: aumentar a eficiência dos serviços sociais oferecidos ou financiados pelo Estado, atendendo melhor o cidadão a um custo menor, zelando pela interiorização na prestação dos serviços e ampliação do seu acesso aos mais carentes;

objetivo político: ampliar a participação da cidadania na gestão da coisa pública; estimular a ação social comunitária; desenvolver esforços para a coordenação efetiva das pessoas políticas no implemento de serviços sociais de forma associada;

objetivo gerencial: aumentar a eficácia e a efetividade do núcleo estratégico do Estado, que edita leis, recolhe tributos e define as políticas públicas; permitir a adequação de procedimentos e controles formais e substituí-los, gradualmente, porém de forma sistemática, por mecanismos de controle de resultados[11].

Para efeitos de análise deste trabalho, as principais modificações das reformas administrativas do Estado brasileiro para a adoção do modelo de administração gerencial no marco da gestão pública ampliada são:

a) a previsão constitucional do princípio da eficiência no art. 37, caput, da Constituição da República, introduzido pela Emenda Constitucional nº. 19, de 1998;

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b) possibilidade de aumentar a autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos da Administração Direta pelo estabelecimento de contratos de gestão;

c) a previsão de parcerias com pessoas jurídicas de direito privado, sem finalidade lucrativa, não integrante da Administração, para prestação de serviços públicos, com fomento (financiamento público) e fiscalização do Estado;

Observe-se que há aproximações entre os conceitos de eficiência no Direito e na Ciência Política, o que se vê, por exemplo, no conceito de eficiência apresentado por Maria Sylvia Zanella de Di Pietro:

O princípio da eficiência apresenta, na realidade dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar e disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público.

Trata-se de idéia muito presente entre os objetivos da Reforma do Estado. No plano Diretor da Reforma do Estado, elaborado em 1995, expressamente se afirma que “reformar o Estado significa melhorar não apenas a organização e o pessoal do Estado, mas também suas finanças e todo o seu sistema institucional-legal, de forma a permitir que o mesmo tenha uma relação harmoniosa e positiva com a sociedade civil. A reforma do Estado permitirá que seu núcleo estratégico tome as decisões mais corretas e efetivas, e que seus serviços – tanto os exclusivos, quanto os competitivos, que estarão apenas indiretamente subordinados na medida que se transformem em organizações públicas não estatais – operem muito eficientemente.

É com esse objetivo que estão sendo idealizados institutos, como os contratos de gestão, as agências sociais, as organizações sociais e tantas outras inovações com que se depara o administrador a todo momento[12].

Odete Medauar também apresenta um conceito de eficiência aproximado da noção de Gestão Pública Ampliada:

Eficiência é princípio que norteia toda a Administração Pública. O vocábulo liga-se à idéia de ação, para produzir resultado de modo rápido e preciso. Associado à Administração Pública, o princípio da eficiência determina que a Administração deve

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agir, de modo rápido e preciso, para produzir resultados que satisfaçam as necessidades da população. Eficiência contrapõe-se a lentidão, a descaso, a negligencia, a omissão – caractercísticas habituais da Administração Pública brasileira, com raras exceções[13].

ABRÚCIO indica a necessidade de a Administração Pública prestar serviços públicos com eficiência e qualidade, em áreas consideradas prioritárias pelo Estado e tem como base uma leitura da Emenda Constitucional n°19/1998 que tornou constitucionalmente expresso o princípio da eficiência, que teve aplicação bem sucedida na experiência da Administração Pública da Grã Bretanha e da Nova Zelândia.

Note-se que a Ciência Política ao trabalhar com os conceitos de eficiência e qualidade de forma instrumental se aproxima de uma concepção de direito administrativo tradicional em que a eficiência é posta como direito positivo, com o escopo de alcançar os melhores resultados (Di Pietro) ou de produzir resultados que satisfaçam as necessidades da população (Medauar) tornando um pressuposto da atividade administrativa designar o sentido da expressão, sem a necessária interlocução subjetiva.

3.1 O princípio constitucional da eficiência no marco do modelo gerencial de Gestão Pública Ampliada

Antes de analisar o modelo gerencial da Gestão Pública, é mister realizar o seguinte questionamento: para uma administração pública que não tem tradição em planejar, em que medida se deve utilizar novos marcos paradigmáticos e de complexos modelos de planejamento e de eficiência?

O paradigma da Gestão Pública é uma resposta à “crise do Estado” da década de 1990, e ao modelo weberiano da Administração Pública em que há um apego excessivo ao cumprimento de normas, sendo, de certa forma, relegada a eficiência da prestação dos serviços públicos.

Assim, mais do que as demandas por eficiência – no sentido econômico – que são importantes – a republicanização dos exercícios dos poderes públicos se torna uma exigência no paradigma do Estado Democrático de Direito.

A rotação paradigmática não se faz por um modismo e tampouco pela necessidade de “atualização histórica”[14] mas, pela necessidade de uma melhor compreensão do assunto e, notadamente, pelo aumento da eficiência na realização das funções estatais.

Em termos de modelo gerencial no marco da Gestão Pública Ampliada, não há a possibilidade de se estabelecer, antecipadamente, as estruturas mais adequadas e as estratégias de gestão das escolhas políticas (pollitcs) e da implementação de políticas (policies). As definições estão relacionadas ao marco conceitual e analítico da intervenção, ou seja, tecnologias, formas de interação referenciadas em um contexto

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político e institucional que devem maximizar a esfera de alcance do princípio constitucional da eficiência.

Ressalte-se que os processos e resultados não são finalidades em si mesmas, mas, fundamentalmente, indicam as multidimensionalidades que atuam em determinado problema, de forma a minimizá-lo, aumentando a eficiência da gestão pública[15].

3.2 - O princípio constitucional da eficiência e o paradigma da Administração Pública Dialógica.

A noção de Gestão Pública Ampliada se aproxima, em diversos aspectos, da proposta de uma Administração Pública Dialógica. Em comum há, principalmente, a afirmação da necessidade de constituição de um espaço compartilhado, no qual indivíduos, iniciativa privada e movimentos sociais possam interagir, fiscalizar e, principalmente, influenciar na elaboração e execução de políticas públicas.

A Administração Pública Dialógica pode auxiliar o debate ao apresentar críticas a excessiva instrumentalidade, tecnicismo e ausência de intersubjetividade presente no modelo gerencial estrito.

Em relação ao déficit da racionalidade instrumental, nunca é demais lembrar-nos das contribuições e críticas da 1ª geração da Escola de Frankfurt no que se refere ao tema. Para Adorno e Horkheimer, o projeto de civilização da modernidade foi marcado por uma dominação do homem em face da natureza; dominação esta que se fez por meio da cisão homem e objeto e utilização unilateral da razão instrumental. A noção de razão instrumental – por meio da prevalência da técnica no processo de dominação da natureza, constituiria um dos marcos fundamentais do período Moderno.

O Princípio da Eficiência pode ser tornar a materialização de uma razão instrumental burocrática, na qual sob o perigoso véu do interesse público, a Administração impõe técnicas com o objetivo de produzir efeitos e resultados de qualidade na prestação dos serviços públicos.

No que se refere ao déficit da intersubjetividade, a crítica central deve se basear no combate a uma forma de atuação estatal na qual toda a atividade da Administração Pública é alicerçada estritamente no paradigma da consciência. Em outras palavras: toda atividade administrativa (ato administrativo, restrições à propriedade, etc) se fundamenta em dogmas éticos-jurídicos a priori, tal como ocorre como a noção de interesse público ou interesse geral.

Neste sentido, a ontologização do conceito de eficiência se origina de uma noção equivocada da atual função e importância da linguagem na Filosofia e no Direito. Logo, o significado de eficiência, qualidade não podem ser definitivamente cristalizados como no modelo da filosofia da consciência.

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No que tange ao principio da Eficiência, a superação do Solipsismo Burocrático significa que a própria noção conceitual do que seja “eficiência” deverá se desenvolver intersubjetivamente entre os diversos atores sociais que gravitam em torno do espaço compartilhado.

Por fim, não podemos esquecer-nos da relação entre a técnica administrativa – fundamental para a concretização da eficiência – e a noção de saber-poder. Ora, desde Foucault sabemos da indissociável relação entre o saber e poder, ou seja, a ação do indivíduo – fundamentada em um saber (e a técnica é a manifestação de um saber) constitui também a materialização de uma relação de poder.

“Temos que admitir que o poder produz saber; que saber e poder estão diretamente implicados; que não há relação de poder sem constituição correlata com um campo do saber, nem saber que não suponha e não constitua ao mesmo tempo relações de poder.”[16]

Onde há saber, lá estará o poder. Logo, o saber-técnico não se impõe apenas por meio do Poder institucionalizado do Estado, mas também através das relações interpessoais entre os sujeitos.

Neste sentido, é possível afirma, a partir da contribuição de Foucault, que a técnica de gestão administrativa estará sempre associada a uma relação de poder. O saber-técnico administrativo que promove a organização, reestruturação, otimização dos serviços e atividades da Administração Pública não é neutro. Da mesma forma, os instrumentos administrativos-jurídicos de uma Administração Publica “eficiente”, seja em sentido objetivo ou subjetivo – se constituem saberes pelos quais sujeitos históricos exercem poderes em face de outros indivíduos.

A construção conceitual do princípio da eficiência – como vimos- não é algo estático, cristalizado ou definido a partir de uma atuação monológica da Burocracia. A conceituação da eficiência se faz em um processo aberto e dialético e não de maneira impositiva sob o véu de uma técnica neutra e a-histórica. Neste sentido, diálogos possíveis entre a Administração Pública Dialógica e a Gestão Ampliada podem oferecer elementos para a construção de um espaço compartilhado na qual o projeto democrático seja realmente levado a sério.

CONCLUSÃO

A Gestão Pública Ampliada e a Administração Pública Dialógica permitem um espaço de compartilhamento de debate e deliberação entre diversos atores, contribuindo para uma melhor democratização do poder e pela realização do princípio constitucional da eficiência como prática concreta tendo em vista um alargamento da fiscalização das funções estatais. Entretanto, uma eficiência que seja necessariamente aberta e construída

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em um processo intersubjetivo. Em uma frase: considerar uma eficiência a priori é impor um saber-poder da Burocracia Monológica.

Observe-se que as noções de Gestão Pública Ampliada e a Administração Pública Dialógica não devem ser tratadas como um conceito unívoco e tampouco como um modelo pronto. Os processos da Gestão Pública Ampliada e a Administração Dialógica se fazem sendo, na prática concreta, no conflito e na realização de convergências. Não é algo abstrato e dado a priori. Saliente-se, ainda, que a situação de discurso em que os atores debatem, deliberam e constroem consensos é uma situação ideal que é utilizada para efeito de análise conceitual. Entretanto a assertiva não exclui a necessidade e a importância da constituição de uma arena pública nos moldes do Estado Democrático de Direito.

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[1] CASSIRER, Ernst. O mito do Estado. São Paulo: Códex, 2003, p.168-169.

[2] BHEN, Robert D. O novo paradigma da gestão pública e a busca da accountability democrática. Revista do Serviço Público. Brasília, ano 49, n. 4, out-dez 1998.

[3] Idem, p. 5.

[4] Idem, p. 6

[5] JAPIASSÚ, Hilton. Introdução ao pensamento epistemológico. Rio de Janeiro: Francisco Alves, re1977.

[6] O conceito de gerencialismo puro remonta a uma ótica liberal de ação pública, notadamente, a implantada na Grã Bretanha na administração de Thatcher e nos Estados Unidos da América, no governo Reagan, na década de 1980. Para uma melhor compreensão do assunto: ABRÚCIO, Fernando Luiz. Os avanços e dilemas do modelo pós-burocrático: a reforma da administração pública à luz da experiência internacional recente. In:PEREIRA, Luís Carlos Bresser e SPINK, Peter. Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998, p.173-199

[7] Bobbio parece adotar o termo Estado Mediador in BOBBIO, Norberto. Estado, governo e sociedade. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p. 26

[8] HABERMAS, Jurgen. A ética da discussão e a questão da verdade. São Paulo: Martins Fontes, 2004. Habermas é um filósofo alemão contemporâneo que desenvolveu a Teoria da Ação Comunicativa. Esta tem o escopo de ser um instrumento para superar a razão instrumental iluminista, que, conforme o filósofo, se tornou em um mito moderno que ocultou o domínio burguês. Para suplantar a razão instrumental iluminista,

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Habermas propõe uma troca de idéias e informações entre os sujeitos históricos, configurando o diálogo como forma de produção do conhecimento.

[9] AGABEN, Giogeio. Profanações. São Paulo. Boitempo. 2007.

[10] MODESTO, Paulo. Reforma Administrativa e marco legal das organizações sociais no Brasil. In: Jus Navigandi, n. 30 (Internet) htttp://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=473 (Capturado 24 set. 2001).

[11] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2008, p.79.

[12] MEDAUAR, Odete.Direito Administrativo Moderno. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 129.

[13] A expressão é de RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 73.

[14] CARNEIRO, Carla Bronzo Ladeira. Intervenção com foco nos resultados: elementos para o desenho e avaliação de projetos sociais. In: CARNEIRO, Carla Bronzo Ladeira e COSTA, Bruno Lazzarotti Diniz (orgs). Gestão social: o que há de novo? Desafios e tendências. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2004, volume 2, p. 69-93.

[15] FOUCAULT. Michel. Vigiar e Punir: Nascimento da prisão. Petrópolis. Vozes, 1987. p 27

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