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23 Rev. Bras. Pesq. Tur. So Paulo, 12(3), pp. 23-46, set./dez. 2018.
DOI: http://dx.doi.org/10.7784/rbtur.v12i3.1416
O turismo como um instrumento de proteo florestal na Amaznia: uma anlise multivariada
Tourism as an instrument of forest protection in the Amazon: a mul-
tivariate analysis
El turismo como un instrumento de proteccin forestal en La Amazo-na: un anlisis multivariante
Jefferson Lorencini Gazoni1
Iara Lucia Gomes Brasileiro2
Resumo: Propsito do tema: A crescente demanda internacional por bens primrios tem gerado oportunidades excepcionais para a minerao e para o agronegcio na Amaznia. Isto est promovendo, em muitos casos, a perda progressiva da cobertura do solo. Muitas so as estratgias propostas para a conteno do desmatamento regional, ente elas, o turismo, apontado como uma atividade econmica alternativa e mais sustentvel para a regio. Objetivo: A finalidade deste estudo foi estimar a importncia relativa do turismo para o ritmo do desma-tamento no bioma Amaznia no perodo 2015/2016. Metodologia e abordagem: Foram utilizadas sries de corte para as 91 microrregies geogrficas do bioma, nas quais foi aplicada a tcnica de regresso linear mltipla associada decomposio das covarincias pela Medida de Pratt. Resultados: Os resultados sugerem que o des-matamento uma funo da pecuria bovina, da agricultura, da extrao de madeira, dos assentamentos rurais, das reas protegidas e, entre outros, do turismo. Identificou-se uma correlao inversa entre o turismo e as taxas anuais de desmatamento do bioma. Originalidade: Os resultados deste estudo permitem propor o desen-volvimento responsvel do turismo como uma estratgia para a proteo da cobertura florestal da Amaznia. Palavras-chave: Desenvolvimento regional. Desmatamento. Conservao. Uso do solo. Abstract: Theme purpose: the growing international demand for primary goods has generated exceptional op-portunities for mining and agribusiness in the Amazon. In many cases, this is causing a progressive loss of land cover. Many strategies are proposed to contain regional deforestation, including tourism, which is seen as a
1 Universidade de Braslia (UnB), Brasli, DF, Brasil. Realizou a reviso da literatura, a organizao do banco de
dados, a aplicao das tcnicas economtricas, a anlise dos resultados e a redao do texto. 2 Universidade de Braslia (UnB), Braslia, DF, Brasil. Contribuiu na reviso da literatura, na anlise dos resultados
e na redao do texto.
Artigo recebido em: 06/02/2018. Artigo aceito em: 15/05/2018.
Artigo
http://dx.doi.org/10.7784/rbtur.v12i3.1https://br.creativecommons.org/licencas/
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Gazoni, J. L. ; Brasileiro, I. L. G. O turismo como um instrumento de proteo florestal na Amaznia: uma anlise multivariada
more sustainable alternative economic activity for the region. Objective: the purpose of this study was to esti-mate the relative importance of tourism to the deforestation rate rhythm in the Amazon biome in the period of 2015/2016. Methodology and approach: a crossection were used for the 91 geographic micro-regions of the biome, to which multiple linear regression associated to covariance decomposition was applied with Pratts Measure. Results: the results suggest that deforestation is due to livestock farming, agriculture, logging, rural settlements, protected areas and, among others, tourism. The study identified an inverse correlation between tourism and annual deforestation rates in the biome. Originality: the results of this study allow the proposition of the responsible development of tourism as a strategy for the protection of the forest cover of the Amazon. Keywords: Regional development. Deforestation. Conservation. Land use. Resumen: Propsito del tema: La creciente demanda internacional por bienes primarios ha generado oportuni-dades excepcionales para la mineracin y para el agronegocio en la Amazona. Esto est promoviendo, en mu-chos casos, la prdida progresiva de la cobertura del suelo. Muchas son las estrategias propuestas para a con-tencin de la deforestacin regional, entre ellas, el turismo, apuntado como una actividad econmica alterna-tiva y ms sostenible para la regin. Objetivo: la finalidad de este estudio fue estimar la importancia relativa del turismo para el ritmo de la deforestacin en el bioma Amaznico en el perodo 2015/2016. Metodologa y abor-daje: Fueron utilizadas series de corte para las 91 microrregiones geogrficas do bioma, en las cuales fueron aplicadas a tcnica de regresin linear mltiple asociada a la descomposicin de las covarianzas por la Medida de Pratt. Resultados: los resultados sugieren que la deforestacin est en funcin de la pecuaria bovina, de la agricultura, de la extraccin de madera, de los asentamientos rurales, de las reas protegidas y, entre otros, del turismo. Se identific una correlacin inversa entre el turismo y las tazas anuales de la deforestacin del bioma. Originalidad: los resultados de este trabajo permiten proponer el desarrollo responsable del turismo como una estrategia para la proteccin de la cobertura forestal de la Amazona. Palabras clave: Desarrollo regional. Deforestacin. Conservacin. Uso del suelo.
1 INTRODUO
O acelerado crescimento econmico
ocorrido a partir de meados do sculo XX pro-
moveu, em grande parte dos pases, uma sig-
nificativa melhoria na qualidade de vida. Com
isso, ampliaram-se as presses sobre os re-
cursos naturais para intensidades jamais pre-
senciadas (Intergovernmental Panel on Cli-
mate Change, 2014). Recentemente, o cres-
cimento econmico de pases altamente po-
pulosos, como a China, a ndia, e a Rssia
(Arajo & Costa, 2010), muito ampliaram es-
sas demandas, com tendncias preocupan-
tes. No Brasil, pas historicamente produtor
de bens primrios, a crescente demanda tem
gerado oportunidades excepcionais, princi-
palmente para a minero-siderurgia e para o
agronegcio (Almeida & Marin, 2010). Em
muitos casos, no entanto, com aes que
causam o desmatamento progressivo do ter-
ritrio, como tem ocorrido na Amaznia.
O bioma Amaznia uma das seis tipo-
logias de domnios da natureza no Brasil,
abrangendo uma rea de 4,2 milhes de km2,
49,3% do territrio nacional (Instituto Brasi-
leiro de Geografia e Estatstica, 2005). A po-
pulao regional atingiu 18,8 milhes de ha-
bitantes em 2010 (IBGE Censo Demogr-
fico, 2010), 9,6% da populao brasileira. Es-
tima-se que a regio, um conjunto de ecos-
sistemas diversos (reas de terra firme, rios e
reas alagadas), abrigue cerca de 30% das
florestas tropicais restantes no planeta (Food
and Agriculture Organization of the United
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Nations, 2016), que contm, aproximada-
mente, 12,5% de toda a biomassa existente
(Baccini, Goetz, Walker, Laporte, Sun, Sulla-
Menashe, & Samanta, 2012) e que protege
cerca de um tero das espcies conhecidas
(World Wildlife Fund for Nature, 2013).
O desmatamento pode levar a uma re-
estruturao das dinmicas da atmosfera na
superfcie, tanto na prpria regio (Spracklen
& GarciaCarreras, 2015) como num todo
(Medvigy, Walko, & Avissar, 2011). Em nvel
regional ou local, o desmatamento promove
a reduo das chuvas e da evapotranspira-
o, com consequente diminuio da umi-
dade do solo e da superfcie (Navarrete, Tsai,
Mendes, Faust, Hollander, Cassman, & Kura-
mae, 2015), a reduo e a contaminao dos
recursos hdricos (Lewis, Brando, Phillips,
Heijden, & Nepstad, 2011), com danos sa-
de das populaes (Hahn, Gangnon, Barcel-
los, Asner, & Patz, 2014) alm da perda da
produtividade dos solos (Lawrence & Vande-
car, 2015) e o significativo dano biodiversi-
dade (Barlow, Lennox, Ferreira, Berenguer,
Lees, Mac Nally, & Parry, 2016). Registram-
se, do mesmo modo, problemas socioambi-
entais, como a migrao e o crescimento de-
sorganizado das cidades (Caviglia-Harris,
Sills, & Mullan, 2013) e conflitos sociais, se-
guidos, muitas vezes, de grande violncia
(Solinge, 2010). Apesar do reconhecimento
da sua importncia, segundo o Instituto Na-
cional de Pesquisas Espaciais (INPE), at 2016
foram perdidos 683,0 mil km2 de cobertura
florestal, 15,2% da sua rea. Restaram 2,62
milhes km2 de florestas, 62,4% do territrio.
nesse contexto que se aponta o tu-
rismo como uma atividade econmica alter-
nativa e sustentvel para a Amaznia (Oli-
veira, Silva, Matos, & Hara, 2010; Peralta,
2012; Doan, 2013; Hoefle, 2016). As alega-
es so diversas. A presena do turismo
pode funcionar como um conjunto fiscaliza-
dor da qualidade do meio ambiente (Liu, Qu,
Huang, Chen, Yue, Zhao, & Liang, 2014). O tu-
rismo pode ajudar na gesto das reas prote-
gidas por intermdio do incremento da re-
ceita da unidade, como taxas de ingresso, ou
um percentual das atividades correlatas
(Chen, Nakama, & Zhang, 2017). Alm disso,
tem peso poltico-econmico regional. Ou
seja, quanto mais relevante para a economia
regional, menores sero as ocupaes em
outras reas (Lobo & Moretti, 2009). No am-
biente poltico, a importncia regional do tu-
rismo tende a ser inversamente correlacio-
nado ao apoio pblico a atividades degrada-
doras dos recursos tursticos, enquanto sua
correlao com as polticas ambientais di-
retamente proporcional.
Por esses aspectos o presente estudo
questiona a relao entre turismo e desma-
tamento na Amaznia. Qual foi a contribui-
o do turismo para o desmatamento regio-
nal? Por consequncia, o objetivo deste tra-
balho estimar a importncia relativa do tu-
rismo para o ritmo do desmatamento no bi-
oma Amaznia no perodo 20015/2016. Para
isto, utilizou-se da tcnica de regresso linear
mltipla por Mnimos Quadrados Ordinrios
(Gujarati, 2006; Pindik & Rubinfeld, 1997) as-
sociada anlise da medida de importncia
relativa de Pratt (1987). O trabalho foi desen-
volvido em cinco fases principais: 1) reviso
da bibliografia sobre o tema; 2) construo
de uma base de dados de uma srie de corte
por microrregies geogrficas do bioma
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Gazoni, J. L. ; Brasileiro, I. L. G. O turismo como um instrumento de proteo florestal na Amaznia: uma anlise multivariada
Amaznia; 3) definio do modelo econom-
trico para as taxas anuais de desmatamento
em razo das foras poltico-econmicas, in-
cluindo o turismo; 4) estimativa da importn-
cia do turismo relativa s outras foras do
desmatamento; e 5) discusso dos resultados
do modelo.
2 TURISMO E DESMATAMENTO
O espao um recurso disputado por
diversos agentes econmicos. Com o cresci-
mento populacional, tem-se a implantao
de infra-estrutura suporte, o crescimento ho-
rizontal das cidades, a ampliao constante
da rea agropecuria, entre outros fatores
que ocupam parte do espao, e no rara-
mente, se sobrepem a reas no antropiza-
das ou ainda detentoras de uma cobertura
vegetal representativa e funcional. Entre es-
sas atividades, o turismo tem sua responsa-
bilidade. A urbanizao turstica por segun-
das residncias, resorts ou outras facilidades,
gera ocupao direta de vastas pores terri-
toriais, principalmente no caso do turismo de
massa. Alm disso, o uso de materiais de
construo combinado com o consumo de
alimentos e outros bens e servios, podem
promover indiretamente danos cobertura
do solo.
Ao analisar cerca de 1,5 mil publicaes
a respeito das relaes entre o turismo e o
meio ambiente, Buckley (2011) identificou
que na maioria delas o turismo foi apontado
como gerador de impactos nocivos e que em
outros casos, o turismo promoveu a conser-
vao. Diversos so os estudos acerca do uso
do turismo para a conservao (Nyaupane &
Poudel, 2011; Brando, Barbieri, & Reyes Ju-
nior, 2015). Organizaes tambm tm suge-
rido o desenvolvimento do turismo como
uma estratgia para a sustentabilidede ambi-
ental (United Nations Environment Pro-
gramme, 2005; World Wildlife Fund for Na-
ture, 2003; Instituto Chico Mendes de Con-
servao da Biodiversidade, 2011; World
Tourism Organization, 2002, 2013), embora
sejam conhecidos seus potencias impactos
nocivos, principalmente aqueles causados
pelo turismo de massa em nvel local, como o
desmatamento.
Apesar de a literatura especfica apre-
sentar uma vasta coleo de estudos sobre as
relaes entre o turismo e o meio ambiente,
as pesquisas voltadas ao entendimento das
relaes especficas com o desmatamento
em si so raras. Em geral, as anlises sugerem
que, se por um lado, o turismo tem apresen-
tado impactos negativos sobre a cobertura
do solo em algumas regies (Araujo, Carva-
lho, & Silva, 2005; Kuvan, & Akan, 2005;
Zhong, Deng, & Xiang, 2008; Almeyda, Bro-
adbent, Wyman, & Durham, 2010; Fox, Witz,
Blanc, Souli, Penalver-Navarro, & Dervieux,
2012), por outro, o turismo tem sido conside-
rado uma fora importante na proteo e na
regenerao de reas florestais (Gaughan,
Binford & Southworth, 2009; Suntikul &
Dorji, 2015; Boavida-Portugal, Rocha & Fer-
reira, 2016; Vijay, Kushwaha, Chaudhury,
Naik, Gupta, Kumar, & Wate, 2016). Em geral,
o que muda o contexto local e a forma de
turismo praticada.
Ao investigar as mudanas nas presses
causadas pelo turismo sobre as florestas e so-
bre a vegetao alpina durante cinquenta
anos na regio do Monte Everest, um dos
https://onlinelibrary.wiley.com/action/doSearch?ContribAuthorStored=Wyman%2C+Miriam+Shttps://onlinelibrary.wiley.com/action/doSearch?ContribAuthorStored=Durham%2C+William+Hhttps://onlinelibrary.wiley.com/action/doSearch?ContribAuthorStored=Suntikul%2C+Wantaneehttps://onlinelibrary.wiley.com/action/doSearch?ContribAuthorStored=Dorji%2C+Ugyen
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mais importantes destinos de montanhismo
do mundo, Stevens (2003) mostrou que o tu-
rismo melhorou as condies de vida da po-
pulao local. Todavia, impactos negativos
foram identificados, como os danos floresta
causados por incndios provocados direta-
mente pelos visitantes ou pelo uso da ma-
deira para construo de facilidades tursti-
cas. Segundo esse autor, o contnuo uso do
fogo no controlado tem contribudo para a
reduo do dimetro mdio dos troncos em
algumas pores territoriais da floresta e
perda da cobertura vegetal em outras.
Analisando o uso das florestas com o pro-
psito de desenvolvimento da atividade turstica
na regio de Antalya-Belek, na Turquia, Kuvan
(2005) percebeu que a rpida transio para o tu-
rismo de massa ocorrida na regio no foi acom-
panhada por polticas pblicas ou projetos de
proteo e sustentabilidade do desenvolvi-
mento, resultando em problemas nas reas flo-
restadas. Em particular, a fragmentao florestal
e o desmatamento na regio tm sido promovi-
dos pela implantao das infra-estruturas e dos
equipamentos necessrios para a prtica do tu-
rismo. Nas reas costeiras, o pesquisador identi-
ficou que todas as novas facilidades se desenvol-
veram sobre antigas reas florestais.
A Reserva da Biosfera Changbai Mountain
na China recebe, anualmente, centena de milha-
res de turistas. Mas, apesar da sua grande impor-
tncia econmica e ecolgica, tem sofrido com a
fragmentao em sua rea de amortecimento.
Ao estudar a relao do turismo com o desmata-
mento nessa regio, Zhao, Li, Wang e Xu (2011)
concluram que a exploso do turismo no aju-
dou na reduo das presses sobre a floresta - ao
contrrio, ampliou a fragmentao nas proximi-
dades da reserva.
Para compreender as relaes entre o tu-
rismo e as mudanas no uso do solo na bacia do
Rio Li (China) entre 1989 e 2010, Mao, Meng e
Wang (2014) utilizaram uma abordagem hbrida
com modelagem multi-nvel e regresso logstica
para analisar o potencial de degradao das for-
as motrizes dessas transformaes. Os resulta-
dos mostraram que o desenvolvimento acele-
rado do turismo e a expanso urbana expuseram
a rea a grande risco de danos ou perda definitiva
de sua cobertura vegetal. Ameaas tambm in-
cluem a implantao de rodovias e a construo
de mirantes.
Em sntese, estudos localizados que apon-
tam o turismo como um fator promotor de des-
matamento possuem alguns aspectos que mere-
cem destaque. A presena ou a ascenso do tu-
rismo de massa nas reas florestadas gera uma
grande presso que as polticas pblicas tm difi-
culdade em conter ou redirecionar. Outro as-
pecto importante a caracterstica pontual dos
impactos. Em geral, observam-se impactos dire-
tos localizados, principalmente na implantao
de infra-estruturas suporte e equipamentos tu-
rsticos, como residncias secundrias e outros
meios de hospedagem. Por outro lado, afirma-se
que o turismo pode promover a preveno do
desmatamento ou permite a recuperao de
reas degradadas (Oosterzee, 2000; Stronza &
Pegas, 2008).
Em um estudo sobre as foras condutoras
das mudanas no uso e na cobertura do solo na
regio de selva em dois municpios do sul do M-
xico, Corona, Galicia, Palacio-Prieto, Brgi e Hers-
perger (2016) utilizaram imagens de satlite e fo-
tografias areas para produzir uma base de da-
dos georreferenciada para os anos de 1985, 1995
e 2006. Um conjunto de tcnicas estatsticas foi
empregado para identificar as causas diretas e in-
diretas do desmatamento. Os resultados mostra-
ram que a atividade agropecuria a mais signi-
ficativa delas, sendo responsvel por aproxima-
damente 85% do desmatamento regional. Entre-
tanto, os autores identificaram que o incremento
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Gazoni, J. L. ; Brasileiro, I. L. G. O turismo como um instrumento de proteo florestal na Amaznia: uma anlise multivariada
das oportunidades de trabalho vinculadas ao se-
tor turstico tem implicado na reduo ou no
abandono das atividades agropecurias, favore-
cendo a regenerao das florestas.
Em outro estudo robusto, Hoang, Va-
nacker, Van Rompaey, Vu e Nguyen (2014)
analisaram as mudanas na cobertura do
solo no Distrito de Sa Pa, na China. O turismo
internacional iniciou-se em 1993 com a aber-
tura poltica, alterando profundamente o co-
tidiano da populao residente. Utilizando
imagens de alta resoluo por satlite de trs
diferentes perodos e uma anlise de covari-
ncias, os autores investigaram as mudanas
na cobertura do solo entre 1993 e 2014. O es-
tudo mostrou que entre 1993 e 2006 houve
aumento do desmatamento causado pelo
avano da rea agropecuria. Mas, entre
2006 e 2014 ocorreu o contrrio. Os resulta-
dos mostraram que o desmatamento muito
menor em reas que possuem alto grau de
envolvimento com as atividades tursticas.
Isso ocorreu, segundo os autores, porque
com a diversificao das atividades econmi-
cas os proprietrios rurais tornaram-se me-
nos dependentes da produo agropecuria.
Concluram, assim, que novos padres de
produo podem gerar reduo da presso
sobre as florestas regionais.
Efeitos imprevistos podem afetar significa-
tivamente a eficincia de polticas pblicas de
conservao. Robalino, Pfaff e Villalobos (2015)
identificaram que isto tem sido verificado na cri-
ao de reas protegidas na Costa Rica e no con-
sequente aumento do desmatamento nas reas
florestadas adjacentes. Nas reas mais prximas
(de amortecimento), at 10 km este impacto tem
sido mnimo. Entretanto, a pesquisa mostrou que
existe grande significncia estatstica entre o des-
matamento e as reas prximas s rodovias que
no contam com o turismo e esto longe da en-
trada dos parques. A conlcuso do trabalho foi
que o aumento do custo de transporte e o desen-
volvimento do turismo em suas reas de influn-
cia podem reduzir as taxas de desmatamento na
Costa Rica.
Os resultados apresentados na literatura
no so conclusivos a respeito da polaridade da
relao entre turismo e desmatamento. Em nvel
local, o turismo, principalmente de massa, vem
promovendo o desmatamento de reas naturais,
mas, por outro lado, a alternativa econmica do
turismo em relao a outras atividades econmi-
cas mais nocivas tem mostrado resultados signi-
ficativos, principalmente do ponto de vista ma-
croeconmico.
3 AMAZNIA: AMBIENTE, ECONOMIA E DESMATAMENTO REGIONAL
Esta seo apresenta uma reviso so-
bre os principais aspectos relacionados
Amaznia, sua economia (incluindo o tu-
rismo) e o desmatamento. Inicialmente des-
taca as principais caractersticas fsicas e so-
cioeconmicas regionais. Em seguida, realiza
uma reviso da bibliografia sobre as causas
do desmatamento. Por ultimo, apresenta o
turismo e sua situao na rea de estudo. Es-
ses aspectos so fundamentais para a inves-
tigao do problema e para a anlise dos re-
sultados desta pesquisa.
A Amaznia Continental se estende por
nove pases da Amrica do Sul: Brasil, Peru,
Bolvia, Colmbia, Equador, Venezuela, Guiana,
Suriname e Guiana Francesa, associada principal-
mente s bacias hidrogrficas dos rios Amazo-
nas/Solimes e Tocantins, e parte da bacia do rio
Orenoco. Por critrios poltico-administrativos, a
rea da Amaznia Sul-Americana de 6,5 mi-
lhes km2 (Albagli, 2001). A superfcie amaznica
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, em grande parte, coberta por florestas densas
e abertas, mas tambm abriga uma diversidade
de outros ecossistemas, como florestas de igap,
vrzeas, florestas estacionais, campos alagados,
savanas e campinaranas (Brasil, 2009). As flores-
tas cobrem 3,6 milhes de km2, mais de 85% da
superfcie desse bioma no Brasil, 69% da rea flo-
restada nacional (Instituto Brasileiro de Geogra-
fia e Estatstica, 2005). Poltico-administrativa-
mente, no Brasil o bioma Amaznia est contido
nos estados do Acre, Amazonas, Rondnia, Ro-
raima, Amap, Par e parte dos estados do Mato
Grosso, Tocantins e Maranho.
A economia sempre esteve voltada a pro-
ver produtos primrios para a demanda doms-
tica e internacional, em boa parte, atrelada aos
grandes programas de desenvolvimento empre-
endidos pelo Governo Federal a partir da dcada
de 1960. O Produto Interno Bruto (PIB) regional
chegou a R$ 420,69 bilhes em 2014 (IBGE Con-
tas Nacionais, 2014). Atividade tradicional desde
a chegada dos europeus no sculo XVI, a agrope-
curia tornou-se, nos ltimos anos, a principal
atividade socioeconmica da Amaznia e a res-
ponsvel por grande parte das transformaes
ocorridas no uso do solo e na cobertura vegetal
regional. A rea colhida em 2016 foi de 162,3 mil
km2, uma mdia de 1,8 mil km2 por microrregio
geogrfica (IBGE Pesquisa da Produo Agr-
cola, 2016). Apesar dessa presena agrcola, sem
dvida a principal atividade em relao rea uti-
lizada a pecuria bovina de corte. Atualmente,
a regio conta com um rebanho bovino de apro-
ximadamente 78 milhes de cabeas (IBGE Pes-
quisa Pecuria Municipal, 2016).
Alm da agropecuria, o extrativismo
vegetal outra atividade econmica impor-
tante para a regio. Em 2016 foram produzi-
dos 10,54 milhes de m3 de madeira em tora
(IBGE Produo da Extrao Vegetal e da
Silvicultura, 2016). Aliada produo de ma-
deira em tora est a produo de carvo que,
muitas vezes, agrega valor a madeira, ampli-
ando o lucro dos exploradores. Apesar de a
atividade madeireira ser uma importante
fonte de renda e empregos na Amaznia, seu
crescimento preocupa, pois se supe que a
rea de explorao madeireira pode ser to
extensa quanto a que desmatada anual-
mente na Amaznia, incluindo em reas pro-
tegidas (Nepstad , Verssimo, Alencar, Nobre,
Lima, Lefebvre, & Cochrane, 1999; Uhl & Vi-
eira, 1989), o que promove outros danos di-
retos e indiretos dessa atividade aos ecossis-
temas. O avano dessa fronteira agropecu-
ria tem sido contido, principalmente, pelas
reas protegidas que cobrem grande parte
da regio (Gazoni & Mota, 2010a).
reas protegidas so espaos territori-
ais sob algum regime especial de proteo.
Na Amaznia so muitos os tipos de reas
protegidas: reas de Preservao Perma-
nente, Reservas Legal, Terras Indgenas, Ter-
ras Quilombolas, reas militares e, entre ou-
tras, as Unidades de Conservao da Natu-
reza. Segundo o Cadastro Nacional de Unida-
des de Conservao do Ministrio do Meio
Ambiente, a Amaznia contava at julho de
2017 com 334 Unidades de Conservao que
totalizam uma cobertura de 1.166 mil km2,
27,89% da sua superfcie territorial. So 85
unidades de proteo integral com 430,2 mil
km2; 249 unidades de uso sustentvel com
736,0 mil km2. Alm disso, as Terras Indge-
nas cobrem uma rea de 731,8 mil km2, ou
seja, 14,1% do territrio regional
O resultado do somatrio das foras
econmicas, sociais, fsicas e polticas no ter-
ritrio amaznico tem transformado signifi-
cativamente a regio (Becker, 2004). Um dos
30 Rev. Bras. Pesq. Tur. So Paulo, 12(3), pp. 23-46, set./dez. 2018.
Gazoni, J. L. ; Brasileiro, I. L. G. O turismo como um instrumento de proteo florestal na Amaznia: uma anlise multivariada
resultados mais acompanhados dessas trans-
formaes a contnua perda da sua cober-
tura florestal por meio do desmatamento
provocado, geralmente, pelo corte raso (es-
tgio extremo do desmatamento, em que o
padro observado representa a retirada
completa da vegetao original) ou por quei-
madas e incndios (Food and Agriculture Or-
ganization of the United Nations, 2016).
O comportamento das taxas anuais de
desmatamento na Amaznia seguiu, nos lti-
mos vinte anos, um padro cclico, com m-
ximas em 2002 (21.393 km2), 2003 (25.247
km2) e 2004 (27.772 km2), e mnimas em
2012 (4.571 km2), 2013 (5.891 km2) e 2014
(5.012 km2). De acordo com o Instituto Naci-
onal de Pesquisas Espaciais (INPE), em 2016
o desmatamento atingiu 7. 647 km2. Muitas
so as causas apontadas para o desmata-
mento presentes na literatura nacional e in-
ternacional. Entretanto, devido a diversos fa-
tores, como a baixa qualidade dos dados so-
bre o desmatamento, principalmente at o fi-
nal da dcada de 1990, a grande maioria dos
estudos realizados at ento carece de pro-
fundidade. Alm disso, o desmatamento no
segue um nico padro preestabelecido, mas
mltiplos processos, dependendo do tempo
e do espao. Assim, permaneceram muitas
controvrsias sobre alguns fatores determi-
nsticos do desmatamento regional e sobre a
contribuio de cada fator para a destruio
florestal.
O Quadro 1 arrola os fatores interveni-
entes no desmatamento regional segundo di-
versos autores. Os principais aspectos expli-
cativos do desmatamento j identificados na
Amaznia so: 1) os populacionais - densi-
dade demogrfica, populao urbana e rural,
migrao e crescimento das reas urbanas;
2) a agropecuria - produo agrcola, cul-
tivo de soja, rebanho bovino e pastagens e ti-
tularidade da terra; 3) as polticas de acesso -
densidade de rodovias, implantao e pavi-
mentao de estradas, distncia das rodo-
vias; 4) o mercado - preos dos produtos agr-
colas, preo da terra e custo de transporte; 5)
o extrativismo vegetal - madeira em tora, car-
vo vegetal e extrativismo no madeireiro; 6)
as polticas ambientais - reas protegidas e
fiscalizao ambiental; 7) o ambiente biof-
sico - estoque florestal, fertilidade do solo,
pluviosidade e efeito El Nio3; 8) a minerao
- distncia dos centros de produo mineral;
9) os assentamentos rurais - nmero de fam-
lias assentadas e tamanho dos lotes; 10) ou-
tros aspectos - crdito rural, projetos pbli-
cos de desenvolvimento e grilagem das ter-
ras pblicas.
Quadro 1 Aspectos explicativos do desmatamento segundo diferentes autores
3 Fenmeno caracterizado por alteraes significativas de curta durao na distribuio da temperatura da
superfcie da gua do Oceano Pacfico Sul, com pro-fundos efeitos no clima no Brasil.
31
Gazoni, J. L. ; Brasileiro, I. L. G. O turismo como um instrumento de proteo florestal na Amaznia: uma anlise multivariada
Rev. Bras. Pesq. Tur. So Paulo, 12(3), pp. 23-46, set./dez. 2018.
rea de estudo
Perodo Aspectos explicativos* Fontes
Amaznia At 1985 Populao (+); rea plantada (+); rebanho bovino (+); produo de madeira (+); densidade rodoviria (+); distncia da capital estadual (-).
Reis & Margulis (1991)
Amaznia Central
At 2000 Distncia a rodovias (-), rea de pastagens (+), reba-nho bovino (+), titularidade da terra (-) e renda (-)
Walker, Perz, Caldas & Silva (2002)
Amaznia 1970/1996 Pecuria (+), agricultura (+), madeira (+), minerao (+) e titularidade da terra (-)
Andersen, Granger, Reis, Weinhold, & Wunder (2002)
Amaznia 1975/1985 Preos dos produtos agrcolas (+); preo da terra (+); crdito rural (+); implantao de estradas (+); renda dos estabelecimentos rurais (-)
Young (1998)
Amaznia 1968/1987 Implantao de rodovias (+); rodovias pavimentadas (+)
Pfaff (1999)
Amaznia 1978/1988 Crescimento das reas de pastagens (+); crescimento da rea agrcola (+); explorao de madeira (+); reas de minerao (+); crescimento das reas urba-nas (+)
Skole, Chomentowski, Salas, & Nobre, (1994)
Amaznia 1985/1995 Produo agrcola (+). Obs.: A inovao tecnolgica na agricultura gera menores desmatamentos
Cattaneo (2005)
Rondnia 1980/2000 Assentamentos rurais (+); o tamanho dos lotes (+), o tempo de ocupao (+), a infraestrutura (+), as reser-vas florestais de uso comum (-)
Batistella & Moran (2005)
Amaznia 1997/2000 rea de Reservas Extrativistas (-); rea de Parques Nacionais (-); rea de Terras Indgenas (-)
Nepstad, Schwartzman, Bamberger, Santilli, Ray, Schlesinger & Rolla (2006)
Amaznia 2000/2001 Densidade populacional (+); rodovias (+); severidade da estao de seca (+)
Laurance, Albernaz, Schroth, Fearnside, Bergen, Venticin-que & Costa (2002)
Uruar (PA)
At 2005 Distncia da rodovia Transamaznica (-); nmero de homens nos estabelecimentos rurais (+); fertili-dade do solo (+); crdito (+)
Caldas, Walker, Arima, Perz, Aldrich & Simmons (2007)
Amaznia 1996/2006 Distncia das rodovias (-); reas protegidas (-); efeito El Nio (+)
Adeney, Christensen & Pimm (2009)
Amaznia Oriental
2007/2008 Agropecuria (+); madeira (+); carvo (+); extrati-vismo vegetal no madeireiro (-); distncia do es-critrio regional do IBAMA mais prximo (-); e reas protegidas (-).
Gazoni & Mota (2010b)
Par 2006/2010 Assentamentos rurais (+); incertezas fundirias (+); infra-estrutura (-); tamanho dos lotes (-); madeira (+)
Calandino, Wehrmann, & Koblitz (2012)
Amaznia 2003/2008 Pecuria (+); agricultura (+); madeira (+); assenta-mentos rurais (+); reas protegidas (-); fiscalizao ambiental (-).
Gazoni (2014)
Amaznia 1999/2011 Preos agrcolas (+); crdito rural (+); custo de transporte (=). fiscalizao (-)
Ferreira & Coelho (2015)
Amaznia (arco)
2008/2012 Pecuria (+), lavoura permanente (+); lavoura tem-porria (+); Produto Interno Bruto (+); populao (+); educao (-)
Delazeri (2016)
Amaznia (UCs)
2015/2016 Densidade florestal (+), Estao Ecolgica (-), Par (+), visitao pblica manejada (-)
Gazoni (2018)
* correlao positiva (+); correlao negativa (-)
32 Rev. Bras. Pesq. Tur. So Paulo, 12(3), pp. 23-46, set./dez. 2018.
Gazoni, J. L. ; Brasileiro, I. L. G. O turismo como um instrumento de proteo florestal na Amaznia: uma anlise multivariada
A reduo significativa do ritmo do des-
matamento da Amaznia imperativa. Se,
por um lado, as presses aumentam sobre os
governos, provenientes de diversos agentes
sociais locais, nacionais e internacionais, por
outro, h uma forte resistncia por parte dos
grupos beneficiados pela atual situao de
contnua destruio. Neste contexto, so
muitas as propostas e estratgias que tm
sido utilizadas, com maior ou menor grau de
sucesso. Entre elas: a criao de reas prote-
gidas de diversos tipos, o aumento na inten-
sidade e frequncia da fiscalizao ambien-
tal, implantao de novas legislaes e o de-
senvolvimento do turismo. Apesar de o tu-
rismo estar presente em parte das polticas
de conservao, inegvel seu potencial de
gerao de impactos nocivos aos ecossiste-
mas e/ou s sociedades, principalmente em
nvel local. Por isso, preciso ter cuidado na
interpretao dos resultados das pesquisas e,
principalmente, na elaborao de polticas de
conservao ou de desenvolvimento.
A Tabela 1 destaca os equipamentos e
servios tursticos que estavam cadastrados
no Ministrio do Turismo (MTur) em 31 de
dezembro de 2014 nos nove estados que en-
volvem a Amaznia. O estado com a maior
oferta de hospedagem o Mato Grosso, com
21,6 mil leitos cadastrados, ou seja, 24,3% do
total. A segunda maior oferta de leitos en-
contra-se no estado do Amazonas. So 20,2
mil leitos, 22,7% da oferta regional. O Par
detm outra parcela importante da oferta,
com 15,4 mil leitos (17,3%). Alm desses, o
Maranho oferta 13,5 mil leitos (15,2%), o
Acre 6,3 mil leitos (7,1%), o Tocantins 5,9 mil
leitos (6,6%), Rondnia atende 4,1 mil leitos
(4,6%), Roraima, apresenta 1,2 mil leitos
(1,3%) e o Amap conta com 859 leitos, ape-
nas 0,9% da oferta regional cadastrada (Bra-
sil, 2015). A oferta de hospedagem o prin-
cipal indicador da distribuio espacial da de-
manda turstica regional. claro que estes
nmeros so apenas indicadores, j que o n-
mero de equipamentos em funcionamento
bem maior que o nmero de empresas ca-
dastradas.
Tabela 1 Equipamentos e servios tursticos na Amaznia cadastrados no MTur
Oferta Unidade da Federao
AC AP AM PA RO RR TO MA MT
Hotis e similares
N 86 13 224 161 48 16 122 144 295
UH's (mil) 2,3 0,5 9,8 7,3 1,8 0,5 2,7 6,4 10,4
leitos (mil) 6,3 0,9 20,2 15,4 4,1 1,2 5,9 13,5 21,6
Agncias 71 70 235 254 133 40 57 203 285
Restaurantes, bares e similares 111 2 25 83 13 23 42 13 197
Transportadoras tursticas 8 2 55 53 19 4 28 45 206
Locadoras de veculos 10 4 5 6 3 2 1 7 33
Organizadoras de eventos 10 14 40 51 5 20 10 35 34
Fonte: Brasil (2015)
33
Gazoni, J. L. ; Brasileiro, I. L. G. O turismo como um instrumento de proteo florestal na Amaznia: uma anlise multivariada
Rev. Bras. Pesq. Tur. So Paulo, 12(3), pp. 23-46, set./dez. 2018.
Regio de dimenses continentais, a
Amaznia apresenta um conjunto de recur-
sos naturais e culturais com grande potencial
de aproveitamento turstico. Entretanto,
uma parte desses recursos est sendo amea-
ada, devido expanso de outras atividades
econmicas como a agropecuria e a extra-
o de madeira sem o adequado manejo, o
que tem causado a perda da cobertura do
solo, entre outros impactos negativos como
a poluio dos cursos dgua e do ar. Dessa
forma, apesar do processo de desenvolvi-
mento do turismo na Amaznia estar em
seus estgios iniciais, sua capacidade como
alternativa econmica para a regio exige
uma investigao das suas relaes com o fe-
nmeno do desmatamento na Amaznia.
4 METODOLOGIA
Metodologicamente, para estimar a
importncia relativa do turismo para o des-
matamento regional, utilizou-se da tcnica
de regresso mltipla por Mnimos Quadra-
dos Ordinrios (MQO) combinada com a de-
composio das covarincias por meio da
Medida de Pratt (1987). A base de dados foi
construda com informaes obtidas de r-
gos oficiais do governo brasileiro.
As informaes sobre os desmatamen-
tos na Amaznia foram obtidas pelo Pro-
grama de Clculo do Desflorestamento da
Amaznia (PRODES) do Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (INPE). A partir de 2003,
o INPE adotou o processo de interpretao
assistida por computador denominado Pro-
grama PRODES Digital para distingui-lo do
processo anterior, com evidentes melhorias
na qualidade dos dados a partir de ento.
Alm dos desmatamentos por microrregio
geogrfica de 2003 a 2016, foram acessados
da base de dados do INPE o desmatamento
acumulado e a rea florestada em 2016. A
base de dados do Instituto Brasileiro de Geo-
grafia e Estatstica (IBGE) abastece grande
parte das variveis utilizadas nesta pesquisa.
A Pesquisa da Pecuria Municipal (PPM) for-
neceu dados do rebanho bovino. Da Pesquisa
da Produo Agrcola (PPA), foi utilizada a
rea colhida nas lavouras permanentes e
temporrias. Da Pesquisa do Extrativismo Ve-
getal e da Silvicultura, obteve-se a quanti-
dade produzida de madeira em tora. Da base
de dados do Ministrio do Meio Ambiente
(MMA), foram obtidas as malhas digitais das
Unidades de Conservao de proteo inte-
gral e de uso sustentvel (federais e estadu-
ais), das Terras Indgenas e da malha rodovi-
ria. Do Ministrio do Desenvolvimento
Agrrio (MDA), obteve-se o nmero de fam-
lias residentes em assentamentos por muni-
cpio. A base de dados do Instituto de Pes-
quisa Econmica Aplicada (IPEA) forneceu in-
formaes sobre a distncia da capital esta-
dual e o custo de transporte cidade de So
Paulo, aspectos fundamentais para a com-
preenso da distribuio espacial das taxas
de desmatamento regional. Por fim, do Mi-
nistrio do Turismo (MTur) obteve-se o n-
mero de leitos em meios de hospedagem, va-
rivel que foi utilizada como indicador da de-
manda turstica nesta pesquisa.
A regresso mltipla uma tcnica de
anlise multivariada de dados que permite
descrever, por intermdio de um modelo ma-
temtico, as relaes entre duas ou mais va-
riveis explicativas e determinado fenmeno
(Woodridge, 2010). O termo regresso foi in-
34 Rev. Bras. Pesq. Tur. So Paulo, 12(3), pp. 23-46, set./dez. 2018.
Gazoni, J. L. ; Brasileiro, I. L. G. O turismo como um instrumento de proteo florestal na Amaznia: uma anlise multivariada
troduzido na literatura especfica por Francis
Galton (1886). Seu principal objetivo en-
contrar relaes para possibilitar a estimao
dos valores da varivel dependente em fun-
o do comportamento de duas ou mais va-
riveis explicativas. O seu modelo genrico
para p variveis explicativas representado
pela equao (1).
= 0 + =1 +
= 1, , . (1)
Nela, y a varivel dependente; xj so
as variveis explicativas ou independentes; b
so os parmetros da regresso, sendo b0 o
coeficiente linear e bj os coeficientes angula-
res; e o resduo da regresso, ou seja, a di-
ferena entre as observaes reais e os valo-
res estimados pelo modelo para cada obser-
vao da amostra. Para isso, so utilizadas
tcnicas diversas, como o Mtodo dos Mni-
mos Quadrados Ordinrios. O MQO impe
que, dadas n observaes de y e xj, as estima-
tivas dos parmetros 0 e j so escolhidas da
forma que a soma dos quadrados dos res-
duos, = [ ]2
=1 , adquira o me-
nor valor possvel.
Diferente da regresso simples, na re-
gresso com mltiplas variveis explicativas,
com frequncia, no se pode medir imedia-
tamente o efeito individual de cada uma des-
sas variveis sobre o comportamento da va-
rivel explicada, mas apenas abordar seu
efeito conjunto. Esse problema comumen-
te relacionado presena de multicolineari-
dade (Gujarati, 2006). Por isso, diversas tc-
nicas tm sido utilizadas para a mensurao
do peso de cada varivel, entretanto, a
grande maioria apresenta deficincias
(Green, Carroll e Desarbo, 1978). Uma me-
dida de importncia relativa amplamente
aceita a proposta por Pratt (1987). A Me-
dida de Pratt () destacada pela equao
, =
, = 1, , . Nela,
, a importncia de xj em relao xk;
e so as respectivas correlaes de xj e
xk com a varivel explicada. Recentemente,
Thomas, Zhu e Decady (2007) afirmaram que
a frmula de Pratt a nica que satisfaz a de-
manda natural para a medida, incluindo sua
invarincia a transformaes lineares. A vari-
ncia dos estimadores de importncia rela-
tiva () pode ser calculada por meio da
equao (2).
() =
2
2 +
[(12)
2][
2
2+2(2
2)]
(1)+
(
2
2
2)
(2)
Os intervalos de 95% de confiana fo-
ram estimados para a Medida de Influncia
Relativa de Pratt () de cada varivel explica-
tiva xj, que dada, para os limites superiores
e inferiores, por =
2[()]
1
2 , j =
1,...,p . onde, /2 o valor do ponto superior
com percentual de /2 na distribuio nor-
mal. Por meio de simulaes (N ), os au-
tores mostraram que as estimativas realiza-
das por esses procedimentos so muito pre-
cisas para amostras superiores a 250 unida-
des e precisas para amostras acima de cem
unidades. Todavia, deve-se considerar que
esse um estudo estatstico, seus resultados
representam as probabilidades estimadas e
(2)
(1)
35
Gazoni, J. L. ; Brasileiro, I. L. G. O turismo como um instrumento de proteo florestal na Amaznia: uma anlise multivariada
Rev. Bras. Pesq. Tur. So Paulo, 12(3), pp. 23-46, set./dez. 2018.
no a realidade em si.
5 O TURISMO E A PROTEO FLORESTAL NA
AMAZNIA
Esta seo apresenta e discute a esti-
mativa das importncias relativas dos fatores
poltico-econmicos do desmatamento no
bioma Amaznia em 2015/2016. Contudo,
outros aspectos bsicos das suas inter-rela-
es com variveis explicativas no direta-
mente causais e consequentemente, exclu-
das do modelo, devem ser observados para
contribuir com a anlise dos resultados.
Os aspectos fsicos so a base sobre a
qual se desenvolvem as polticas e as ativida-
des econmicas e, consequentemente, o
desmatamento regional. Alm das variveis
que foram inseridas no modelo final, pode-se
verificar outros aspectos espacialmente cor-
relacionados ao desmatamento, mas desne-
cessrios aos objetivos desta pesquisa: a pre-
cipitao mdia anual (-); a rea dos corpos-
dgua (-); a rea florestada (+). Alm dessas,
a localizao dos mercados aos quais se des-
tinam os produtos da agroindstria amaz-
nica parece ser fundamental, principal-
mente: a distncia das sedes municipais das
respectivas capitais estaduais (-) e o custo de
transporte da microrregio cidade de So
Paulo (-). Os acessos, especialmente os rodo-
virios, so imprescindveis para o uso do
solo e da sua cobertura em qualquer espao
geogrfico. Dois aspectos mostraram-se rele-
vantes para o desmatamento: a densidade
rodoviria (federal e estadual) e a distncia
rodovia pavimentada mais prxima. Tanto a
implantao como a pavimentao de estra-
das parece ser determinante para o aumento
nas taxas de desmatamento anuais. Os efei-
tos dessas variveis foram extrados do mo-
delo economtrico.
O modelo definitivo utilizou as taxas es-
paciais para reduzir a multicolinearidade en-
tre os fatores. Alm disso, as variveis foram
escalonadas de 0 a 1 para eliminar os efeitos
das diferenas entre as escalas de medida.
Para medir a qualidade do ajustamento da
regresso, as medidas mais comumente utili-
zadas na regresso mltipla e aqui utilizadas
foram: o coeficiente de determinao R2
ajustado, que mede a proporo da varincia
da varivel dependente, que explicada pela
reta de regresso; pelo erro-padro da esti-
mativa; e pelo teste F-ANOVA, que testa o
efeito conjunto das variveis independentes
sobre a varivel dependente. Alm disso, as
significncias estatsticas das variveis foram
medidas pelos seus erros-padro e seus tes-
tes t, que destacam a probabilidade de seus
coeficientes serem estatisticamente nulos.
Para o pressuposto de ausncia de co-
linearidade perfeita, foram utilizados princi-
palmente os testes Tolerncia (TOL0,963),
Fator de Inflao do Valor (VIF1,038) e o n
dice de Condio (CI3,854). A presena de
heteroscedasticidade dos resduos foi regei-
tada por meio do Teste de Breusch-Pagan (p-
valor=0,254). Finalmente, a normalidade na
distribuio dos resduos no pode ser des-
cartada de acordo com os resultados do
Teste de Kolmogorov-Smirnov (Z=0,823;
Sig=0,423). Por esses aspectos, os estimado-
res aqui apresentados podem ser considera-
dos os melhores estimadores no tendencio-
sos (Best Unbiased Estimators BUE). Os re-
sultados da regresso mltipla por Mnimos
Quadrados Ordinrios das taxas de desmata-
36 Rev. Bras. Pesq. Tur. So Paulo, 12(3), pp. 23-46, set./dez. 2018.
Gazoni, J. L. ; Brasileiro, I. L. G. O turismo como um instrumento de proteo florestal na Amaznia: uma anlise multivariada
mento em funo de aspectos poltico-
econmicos para o perodo 2015/2016 so
apresentados pela Tabela 2.
Tabela 2 - Resultados para o modelo de regresso por MQO*
Modelo
Coef. no pa-
dronizado
Coef.pa-
dronizado
t Sig.
Intervalo de
confiana de
95% para
Diagnstico de
colinearidade
b ep * INF SUP TOL VIF
Constante -6,860 - - -28,447 0,000 -7,340 -6,380 - -
Pecuria** 0,302 0,039 0,318 7,718 0,000 0,224 0,380 0,990 1,010
Agricultura** 0,159 0,026 0,251 6,059 0,000 0,107 0,211 0,976 1,025
Ext. Madeira** 0,151 0,026 0,237 5,705 0,000 0,098 0,204 0,970 1,031
Assentamentos** 0,246 0,036 0,283 6,822 0,000 0,174 0,318 0,974 1,027
reas Protegidas -0,304 0,041 -0,309 -7,468 0,000 -0,385 -0,223 0,981 1,020
Turismo -0,271 0,047 -0,242 -5,830 0,000 -0,364 -0,179 0,971 1,030
Maranho 1,011 0,109 0,387 9,262 0,000 0,794 1,229 0,963 1,038
Par 0,654 0,098 0,275 6,686 0,000 0,459 0,848 0,992 1,008 * Varivel dependente: desmatamento** **
Varivel transformada pelo logaritmo natural
Aparecem os coeficientes lineares (b) e
seus erros-padro (ep), o coeficiente padro-
nizado (*), o teste t-studart, o intervalo de
confiana para os coeficientes lineares, e o
diagnstico de colinearidade, que apresenta
o valor de tolerncia (TOL) e o valor do fator
de inflao (VIF). A sumarizao do modelo,
desenvolvido com auxlio do software Statis-
tical Package for Social Sciences (SPSS), apre-
sentou um coeficiente de determinao R2
ajustado de 0,849. Ou seja, as variveis inse-
ridas no modelo so capazes de explicar
84,9% do comportamento do desmata-
mento. Para os casos individuais, as micror-
regies geogrficas, o erro padro desta esti-
mativa de 0,358. A matriz ANOVA destacou
os resultados do teste F de Fisher (66,971)
para oito graus de liberdade. Os resultados
dos testes estatsticos evidenciaram a boa
qualidade do ajustamento, o que se refletiu
nos estreitos intervalos de confiana.
Para a estimao do modelo algumas
taxas espaciais foram transformadas pelo lo-
garitmo natural. Isto se deu devido a essas
variveis terem apresentado forte assimetria
direita. Com o procedimento, as sries ad-
quiriram comportamento normal, aten-
dendo pressuposio da anlise multivari-
ada. Os resultados mostram que o desmata-
mento ocorrido no perodo 2015/2016 nas
microrregies do bioma Amaznia expli-
cado, entre outras possibilidades, por oito
variveis: 1) o nmero de cabeas de bovi-
nos; 2) a rea colhida em lavouras tempor-
rias e permanentes; 3) a quantidade produ-
zida de madeira em tora; 4) o nmero de fa-
mlias existentes nos assentamentos rurais;
5) a extenso das reas protegidas; 6) o n-
mero de leitos em meios de hospedagem; 7)
a localizao no estado do Par e no estado
do Maranho. O ritmo do desmatamento au-
menta na medida em que aumentam a pecu-
37
Gazoni, J. L. ; Brasileiro, I. L. G. O turismo como um instrumento de proteo florestal na Amaznia: uma anlise multivariada
Rev. Bras. Pesq. Tur. So Paulo, 12(3), pp. 23-46, set./dez. 2018.
ria bovina, a agricultura, a extrao de ma-
deira e os assentamentos rurais. Por outro
lado, os resultados sugerem que o ritmo do
desmatamento diminui quando aumenta a
extenso territorial das reas protegidas
(Unidades de Conservao e Terras Indge-
nas) e quando aumenta a atividade turstica,
no havendo aqui distino quanto a forma
de turismo exercida. Evidentemente, im-
portante uma gesto eficiente quanto aos as-
pectos socioambientais do turismo, princi-
palmente em nvel local. Alm disso, os resul-
tados sugerem que, se a microrregio estiver
localizada nos estados do Par ou do Mara-
nho, o ritmo do desmatamento tende a ser
muito maior.
Esses resultados reforam as conclu-
ses de Reis e Margulis (1991) e de Gazoni
(2014) sobre a pecuria bovina, de Cattaneo
(2005) e de Young (1998) em relao agri-
cultura, de Skole et al. (1994) e de Gazoni e
Mota (2010b) sobre a extrao de madeira, e
de Batistella e Moran (2005) e de Caldas et al.
(2007) acerca dos assentamentos rurais. As
reas protegidas corroboram com aos resul-
tados de Adeney, Christensen e Pimm (2009)
e de Nepstad et al. (2006). Alm disso, a im-
portante presena das variveis dicotmicas
para os Estados do Maranho e do Par no
novidade. Muitas foram as ocorrncias nos
ltimos anos relativas gesto ambiental
nesses estados (Luse, 2011; Linhares Jr.,
2014). J o turismo, no foi localizado em ne-
nhum estudo robusto para a Amaznia. Su-
gere-se que esta varivel deva ser includa
para auxiliar a explicao do desmatamento
regional nos futuros estudos para este fim.
Os coeficientes lineares (b) permitem a
estimativa das elasticidades entre o desma-
tamento e as variveis explicativas do mo-
delo. A elasticidade (E) apresenta a estima-
tiva de quanto uma mudana percentual na
varivel independente representa em termos
de variao percentual na varivel depen-
dente. Em geral, as elasticidades encontradas
so baixas. A elasticidade da pecuria (0,302)
em relao ao desmatamento sugere que um
aumento de 10% no rebanho bovino da Ama-
znia representa um aumento de 3,02% nas
taxas anuais de desmatamento. A elastici-
dade da agricultura (0,159) evidencia que um
aumento de 10% na rea de lavouras implica
em um crescimento de apenas 1,59% nas ta-
xas de desmatamento. A madeira (0,151)
tambm apresenta baixa elasticidade, ou
seja, um incremento de 10% na produo de
madeira representa um aumento de 1,51%
na rea desmatada. Os assentamentos
(0,246) apresentam uma elasticidade um
pouco maior. Um acrscimo de 10% no n-
mero de famlias assentadas implica na am-
pliao de 2,46% nas taxas de desmata-
mento. Se por um lado, essas baixas elastici-
dades permitem pequenas flutuaes nas
produes com baixos danos, por outro, po-
lticas pblicas de restrio dessas atividades
tambm devero apresentar baixa eficincia.
A agropecuria uma atividade muito he-
terognea na Amaznia, formada pela criao
bovina, principalmente para corte, mas tambm
leiteira, e por lavouras permanentes e tempor-
rias diversas, voltadas tanto para o mercado in-
ternacional como para o nacional, regional e lo-
cal, exercida por agricultores familiares (subsis-
tncia ou empresarial) ou no, em pequenos ou
38 Rev. Bras. Pesq. Tur. So Paulo, 12(3), pp. 23-46, set./dez. 2018.
Gazoni, J. L. ; Brasileiro, I. L. G. O turismo como um instrumento de proteo florestal na Amaznia: uma anlise multivariada
grandes empreendimentos. Um dos maiores pro-
blemas relacionados atividade a sua mobili-
dade para a ocupao de reas antes florestadas,
especialmente junto s frentes pioneiras (Margu-
lis, 2003).
Alm da da agropecuria, a explorao e o
processamento de madeira , atualmente, uma
das principais atividades econmicas da Amaz-
nia. Apesar de sua baixa elasticidade, estima-se
que a rea impactada pela atividade extrativista
madeireira muito maior que a rea desmatada
propriamente. Isso ocorre por dois fatores: pri-
meiro, porque mais difcil identificar os desma-
tamentos ilegais com intervenes esparsas; se-
gundo, porque a extrao das maiores espcies
implica em constante necessidade de migrao
dessas atividades para reas cada vez mais inter-
nas do bioma. Isto causa uma reduo na disse-
minao de sementes das grandes rvores, pro-
movendo uma queda substancial da capacidade
de regenerao florestal.
A maior elasticidade encontrada na
relao com as reas protegidas. Um au-
mento de 10% na rea das Unidades de Con-
servao e/ou das Terras Indgenas repre-
senta uma reduo de 8,48% nas taxas anuais
de desmatamento na Amaznia. Ou seja, um
incremento de 1,34 mil Km2 em rea prote-
gida implica uma reduo de 65,1 km2 por
ano de desmatamento. Deve-se ter cautela
na interpretao dos resultados, pois estes
valores representam probabilidades mdias.
No caso das Unidades de Conservao, por
exemplo, existem diferentes graus de prote-
o dependendo da classe e da categoria de
manejo. Alm disso, h grande diferena na
capacidade de gesto dessas reas (Gazoni &
Mota, 2010b). Algumas possuem diversas in-
fra-estruturas instaladas, como guaritas, por-
taria, sede administrativa, cercamento, vigi-
lncia, trilhas sinalizadas, centro de visitan-
tes, entre outras, alm de equipamentos
como computadores e veculos (automveis
e barcos). Outras s existem efetivamente no
papel, sendo sua proteo garantida apenas
pela legislao e pela fiscalizao ocasional.
Apesar do turismo na Amaznia ainda
se encontrar nos estgios iniciais de desen-
volvimento, sua elasticidade (-0,271) em re-
lao ao desmatamento no insignificante.
Os resultados destacam que um crescimento
de 10% na atividade turstica regional sugere
uma reduo de 2,71% na rea anualmente
desmatada na regio. Entretanto, deve-se
atentar que esses valores representam uma
mdia regional. Nos casos individuais, ne-
cessrio considerar os intervalos de confi-
ana para os estimadores lineares na previ-
so. Apesar dos resultados do modelo multi-
variado reforarem as hipteses desta pes-
quisa, a tcnica no capaz de mostrar a im-
portncia de cada fator individualmente para
o desmatamento no perodo 2015/2016. Isto
ocorre devido presena, apesar de redu-
zida, da multicolinearidade. Assim, optou-se
por realizar a repartio das covarincias dos
vetores explicativos por meio da aplicao da
medida de importncia relativa (Pratt, 1987).
A Tabela 3 apresenta os resultados das esti-
mativas da importncia de cada fator para o
desmatamento no perodo.
39
Gazoni, J. L. ; Brasileiro, I. L. G. O turismo como um instrumento de proteo florestal na Amaznia: uma anlise multivariada
Rev. Bras. Pesq. Tur. So Paulo, 12(3), pp. 23-46, set./dez. 2018.
Tabela 3 - Importncia do turismo para a proteo florestal regional*
Intervalo de
confiana de 95%
para
* E V() INF SUP Di Di %
Pecuria 0,318 0,335 0,302 0,106 0,120 0,061 0,151 1491,2 19,5%
Agricultura 0,251 0,308 0,159 0,077 0,075 0,042 0,113 1047,6 13,7%
Ext. Madeira 0,237 0,267 0,151 0,063 0,067 0,030 0,097 749,4 9,8%
Assentamentos 0,283 0,271 0,246 0,077 0,095 0,037 0,117 856,5 11,2%
reas Protegidas -0,309 -0,337 -0,848 0,104 0,113 0,061 0,148 -
1361,2 -17,8%
Turismo -0,242 -0,183 -0,271 0,039 0,070 0,010 0,056 -282,9 -3,7%
Maranho1 0,387 0,355 0,145 0,137 0,177 0,083 0,192 1429,9 18,7%
Par1 0,275 0,262 0,054 0,072 0,090 0,033 0,111 917,6 12,0%
Outros2 - - - - - - - 1147,1 15,1%
* Coeficiente padronizado (*); correlao (); elasticidade (E); importncia relativa (); varincia (V); e des-matamento promovido/evitado no perodo (Di) 1 Varivel dicotmica. 2 Estimado pela participao do termo constante (b0)
As maiores importncias relativas ()
so da localizao no Maranho (0,137), da
pecuria (0,106) e das reas protegidas
(0,104); por outro lado, os aspectos significa-
tivos, mas menos importantes neste perodo
so a extrao de madeira (0,063) e o turismo
(0,039). Esses resultados permitem estimar a
participao percentual de cada varivel ex-
plicativa no comportamento da varivel ex-
plicada. Os resultados destacam que, de
agosto de 2015 a julho de 2016, a pecuria
bovina foi responsvel por 19,5% do desma-
tamento no bioma Amaznia. Isto representa
a perda de uma rea florestal de 1.491,2 km2.
A agricultura, em forte expanso no perodo,
contribuiu com 13,7% do desmatamento, ou
seja, 1.047,6 km2. A madeira foi responsvel
pela supresso de 749,4 km2 de rea flores-
tal, 9,8% do desmatamento ocorrido. Os as-
sentamentos rurais so outro importante ve-
tor de desmatamento na Amaznia. No per-
odo analisado eles foram responsveis por
11,2% de todo o desmatamento regional: fo-
ram mais 856,5 km2 perdidos. Alm desses
aspectos poltico-econmicos, a localizao
espacial nos estados do Par e do Maranho
apresenta grande importncia para a previ-
so das taxas de desmatamento. Estima-se
que 18,7% de todo o desmatamento regional
esteja relacionado com algum aspecto ine-
rente ao estado do Maranho. Isto significa
1.429,9 km2 desmatados em 2015/2016. As-
sim como no Maranho, o estado do Par
apresenta caractersticas que o indicam res-
ponsvel por 12,0% do desmatamento anual,
ou seja, 917,6 km2 destrudos. Outros fatores
explicativos no includos no modelo repre-
sentam 15,1% do desmatamento regional,
uma rea de 1.147,1 km2.
Apesar de muitas serem as foras pro-
motoras do desmatamento regional, outros
aspectos poltico-econmicos apresentam-se
como foras protetoras da cobertura do solo,
repelindo parte das presses advindas dos
40 Rev. Bras. Pesq. Tur. So Paulo, 12(3), pp. 23-46, set./dez. 2018.
Gazoni, J. L. ; Brasileiro, I. L. G. O turismo como um instrumento de proteo florestal na Amaznia: uma anlise multivariada
vetores explicativos, reduzindo seu impacto.
Este estudo identificou duas variveis inver-
samente correlacionadas ao desmatamento
regional: as reas protegidas e o turismo. A
criao de reas protegidas , com certeza, a
principal estratgia de proteo ambiental na
Amaznia. Utilizada com vigor na regio do
arco do desflorestamento, tem dificultado o
avano da fronteira agropecuria para reas
mais internas do bioma. As principais corre-
laes das reas protegidas so com a extra-
o de madeira e com a pecuria bovina o
que sugere uma atuao mais eficaz na pro-
teo contra a presso exercida por esses im-
portantes agentes do desmatamento. No
foram encontradas correlaes entre as
reas protegidas com a agricultura e com os
assentamentos rurais e pela agricultura. Isso
ocorreu, talvez, por sua heterogeneidade ca-
racterstica na Amaznia.
O turismo apesar de ter correlao sig-
nificante com as taxas de desmatamento
anual, aps a extrao de outros fatores a ele
correlacionados no espao, mostrou-se com
uma pequena influncia relativa no desmata-
mento, apesar de significativa. Os resultados
sugerem que se no existisse turismo na
Amaznia as taxas de desmatamento no pe-
rodo 2015/2016 teriam sido 3,7% maiores,
ou seja, o turismo foi responsvel por evitar
o desmatamento de 282,9 km2 de florestas
somente neste perodo. So muitas as formas
pelas quais o turismo pode influenciar o
ritmo do desmatamento regional. Conside-
rando suas correlaes no espao, a proteo
gerada pelo turismo pode apresentar maior
eficincia frente s presses causadas pela
pecuria e pela agricultura. De outra forma,
sua baixa correlao com a extrao de ma-
deira sugere que, diferente das reas prote-
gidas, o turismo tem pouca influncia sobre
as presses geradas pela explorao da ma-
deira.
Os modos pelos quais o turismo influ-
ncia inversamente as taxas de desmata-
mento em nvel regional devem ser objeto de
futuras investigaes. Todavia, podem-se su-
gerir algumas hipteses sobre esse aspecto.
Primeiro, em nvel macroeconmico, a inser-
o do turismo na economia regional reduz a
dependncia de outras atividades econmi-
cas, muitas vezes monopolsticas em deter-
minadas sub-regies do bioma. Alm de re-
duzir a presso sobre as florestas por meio da
substituio das atividades produtivas com
maiores capacidades degradadoras, o cresci-
mento do peso do turismo na economia gera
maior concorrncia na alocao dos recursos
financeiros, sejam pblicos ou privados. To-
dos esses aspectos promovem a reduo do
impacto efetivo na cobertura florestal. Se-
gundo, o turismo tambm promove uma
maior valorizao da qualidade dos recursos
naturais. Ao mesmo tempo, problemas ambi-
entais tornam-se cada vez mais visveis e in-
desejados por visitantes, empresrios e resi-
dentes, exigindo uma atuao mais rigorosa
do poder pblico, incluindo a intensificao
da fiscalizao. Terceiro, alm de ampliar sua
importncia econmica, o turismo pode fi-
nanciar a conservao das reas protegidas,
reforando sua eficincia. As taxas de in-
gresso e outros gastos realizados pelos visi-
tantes nesses espaos aliadas aos recebimen-
tos pelo uso do espao pela iniciativa privada
(hotis, restaurantes, etc.) e por outras taxas
cobradas de agncias e operadoras podem
ser direcionadas para o manejo de reas prio-
41
Gazoni, J. L. ; Brasileiro, I. L. G. O turismo como um instrumento de proteo florestal na Amaznia: uma anlise multivariada
Rev. Bras. Pesq. Tur. So Paulo, 12(3), pp. 23-46, set./dez. 2018.
ritrias para a conservao. Por ltimo, o tu-
rismo promove o envolvimento das popula-
es do entorno com a atividade e, conse-
quentemente, com a conservao.
Contudo, preciso ter cuidado com os
impactos do turismo em nvel local, que po-
dem ser graves. No sempre que o turismo
uma alternativa. Em muitos casos no h a
conjuno dos fatores necessrios para a ge-
rao de uma demanda efetiva e relativa-
mente estvel, o que torna seu desenvolvi-
mento invivel economicamente. Em outros,
as reas prximas de grandes concentraes
populacionais, com facilidade de acesso e
com recursos de alta atratividade podem no
ser opo, principalmente se no houver
confiana nos rgos gestores do turismo e
do meio ambiente que atuam em nvel local
e regional, pois nesses espaos pode ocorrer
crescimento descontrolado da demanda tu-
rstica.
6 CONSIDERAES FINAIS
O turismo na Amaznia encontra-se
nos primeiros estgios do processo de desen-
volvimento. Apesar disso, seu desenvolvi-
mento vem sendo apontado como uma es-
tratgia para a sustentabilidade da Amaz-
nia, inclusive, para reduo do desmata-
mento regional. Neste sentido, este trabalho
analisou a importncia relativa do turismo
para a reduo do ritmo do desmatamento
regional. Para isso, foram aplicadas as tcni-
cas de regresso mltipla combinadas com a
Medida de Pratt. No novidade que tcni-
cas de regresso mltipla so bastante ade-
quadas ao estudo do desmatamento, que
possui vrios fatores explicativos. Neste es-
tudo, no foi diferente, apenas foi preciso
aplicar a repartio das covarincias pela Me-
dida de Pratt para obter um estimador livre
das influncias da multicolinearidade.
Os resultados sugeriram que o ritmo do
desmatamento regional funo de diversos
fatores explicativos: a pecuria bovina (cabe-
as); a agricultura (rea das lavouras perma-
nentes e temporrias); a extrao de madeira
(tora); o tamanho dos assentamentos rurais
(famlias); a extenso das reas protegidas
(Unidades de Conservao e Terras Indge-
nas); a localizao nos estados do Par e do
Maranho, e o desenvolvimento do turismo
(leitos). Os resultados destacaram, ainda,
que se no existisse turismo na Amaznia o
incremento do desmatamento ocorrido em
2015/2016 teria sido maior, o que sugere a
possibilidade de utilizao do turismo como
uma estratgia de conservao regional.
Deve-se atentar, entretanto, que este o pri-
meiro trabalho em nvel macrorregional que
estuda as relaes entre o turismo e o des-
matamento na Amaznia. Portanto, estudos
complementares devem ser realizados para a
confirmao e ampliao da compreenso
acerca dessas relaes. Como a taxa de tu-
rismo utilizada neste estudo foi uma varivel
em nvel estadual e no microrregional, su-
gere-se a busca de dados em menor dimen-
so (microrregional) para aproximar os esti-
madores. Alm disso, como foi utilizada uma
srie de corte, diversas variveis exgenas
no puderam ser utilizadas, tais como: o
cmbio, o efeito dos anos eleitorais, das ta-
xas de juros, dos preos dos produtos agrco-
las, entre outros. Por isso, sugere-se estrutu-
42 Rev. Bras. Pesq. Tur. So Paulo, 12(3), pp. 23-46, set./dez. 2018.
Gazoni, J. L. ; Brasileiro, I. L. G. O turismo como um instrumento de proteo florestal na Amaznia: uma anlise multivariada
rar dados em painel para melhorar a repre-
sentatividade dos estimadores.
Por fim, pode-se sugerir que o turismo
uma boa estratgia de conservao regio-
nal em longo prazo. Entretanto, como seus
impactos socioambientais locais podem ser
indesejveis e, muitas vezes, graves, impe-
rativo que as polticas de desenvolvimento
do turismo incorporem as preocupaes com
essas externalidades, j que, na Amaznia, a
sustentabilidade se tornou a prpria finali-
dade do desenvolvimento em si.
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