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A OLD faz aniversario! E pra comemorar uma ediçao especial, com os portfolios de Guilherme Minoti e Mariana Leme e uma entrevista caprichada com Iata Cannabrava

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Revista OLD Número 10Edição Especial de Aniversário - Maio de 2012

Felipe Abreu e Paula HayasakiFelipe AbreuFelipe AbreuGuilherme Minoti

Guilherme MinotiIatã CannabravaMariana Leme

Iatã Cannabrava

[email protected]/revistaold@revista_old

Equipe Editorial Direção de Arte

Texto e EntrevistaCapa

Fotografias

Entrevista

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Guilherme MinotiPortfolio05 Iatã Cannabrava

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Mariana LemePortfolio 31

Chegamos ao nosso primeiro aniversário! São dez edições online, duas impressas e um monte de gente muito legal lendo e preenchendo as nossas páginas.Nessa edição comemorativa de um ano nós conversamos com Iatã Cannabrava que, como ele mesmo falou, é um militante político da fotografia. Iatã traz uma visão muito clara sobre a atual condição da produção cultural brasileira, falando sobre nossos festivais, nossas fotografias e sobre a política brasileira em relação às artes.Nossos portfolios são de Guilherme Minoti e Mariana Leme, ambos do departamento de artes plásticas da USP, o que consolida a instituição como formadora de uma nova e belíssima geração de fotógrafos. É interessante perceber como um ambiente efervescente como lá faz com que talentos tão diferentes surjam em momentos tão próximos.O trabalho do Minoti tem um diálogo muito

cativante com a pintura. É uma abordagem fotográfica, com um acabamento único, que constrói a assinatura do fotógrafo e realça as cores do espaço que ele apresenta.Já a Mariana Leme trabalha com dípticos, alinhando linhas, cores e composições. Um trabalho de dedicação, que produz novos significados para cada uma das imagens capturadas.

Sinto que nesse um ano muito coisa mudou e melhorou. Cada edição que fazemos melhora em algum aspecto, o que me leva a concluir que essa é a melhor edição que já fizemos, então aproveite!

Felipe Abreu

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Guilherme MinotiPortfolio

Minoti é aluno de Artes Plásticas na USP e é, com certeza, mais um dos belos fotógrafos que vem surgindo nessa escola. Sua produção é ora muito engajada politicamente, ora muito sensível. Aqui vemos o trabalho de Minoti voltado para a natureza, um trabalho muito belo e com uma abordagem de cores totalmente própria.

Como surgiu seu interesse pela fotografia

dentro do seu caminho pelas artes plásticas?

Desde quando eu era moleque, eu me interessava muito pela história da pintura, principalmente pela pintura renascentista. No ensino fundamental minha mãe começou a me apresentar vários pintores. Sempre quis ser um pintor! No meu curso livre de artes plásticas, no ensino-médio, ao invés de pintar ou desenhar, eu passava horas e horas lendo

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livros de história da arte, namorando as pinturas. Mas naquela época havia algo que me intrigava muito: o álbum de fotografia de minha família. Todas as fotos dele foram tiradas por minha mãe. Passei toda a minha vida vendo e revendo aquelas imagens. Foi aí que comecei a me interessar pela fotografia. Mas ainda há uma pequena história. Só comecei a fotografar mesmo na minha primeira faculdade de Artes Plásticas (lá nas terras de Goiás). Naquela faculdade havia um professor de fotografia que era muito picareta. Ele tinha uma técnica de ensino muito traumatizante: segundo ele, para aprender a fotografar de verdade deveríamos dominar totalmente a técnica fotográfica. E para isso ele exigia o uso de câmera analógica e filme cromo! (Para produzir uma imagem padrão com o cromo, como muitos sabem, é necessário uma câmera cujo fotômetro esteja funcionando perfeitamente.

As imagens devem ser captadas com uma fotometria ideal. Se você não fizer isso, obterá imagens ou muito claras ou muito escuras).O que se instaurou para aquela disciplina foi o seguinte: o filme cromo para mim era muito caro e por azar ou sorte o fotômetro da câmera que eu usava estava estragado - não funcionava de jeito nenhum (e em Goiânia eu não encontrava nenhuma loja para arrumá-lo). Foi a partir disso que comecei a anotar tudo o que eu fazia. Nas imagens que eu conseguia, me encantavam muito todas aquelas cores. Estudando os resultados, comecei a observar a iluminação dos lugares imaginando neles quais seriam os fatores que me ajudariam a obter uma boa imagem. Olhava para algo e já imaginava qual seria a fotometria ideal daquela cena. Comecei a fotografar por puro empirismo. Por culpa do professor e daquela câmera, aprendi a fotografar na marra!

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Você tem um trabalho que passa pelo documental, pelo cotidiano. Como é sua dinâmica de trabalho? Te confesso que gosto de carregar a câmera por todos os lugares que vou. Sei que, se eu não estivesse com ela, certamente eu me arrependeria. Antes de sair, penso sempre em fazer alguma determinada fotografia. Predito uma imagem e persisto até produzi-la: realizo um esboço mental; mapeio as possibilidades da cena; componho; focalizo; capturo! E assim vai... De uma maneira ou de outra, tento fixar na imagem a essência do acontecimento. Por isso componho bastante!O contexto também é muito importante: é sempre o ser na paisagem; a situação do objeto. Não é um flagrante, é uma negociação. Retenho da cena o que ela me oferece de puro e de encenado.

Qual a importância pra você de registrar

suas viagens? Como foi a produção deste ensaio?

A coisa que mais gosto de fazer é viajar com meus amigos. Depois disso, a coisa que mais gosto de fazer é fotografá-los em minhas viagens. Quando fomos para a Chapada dos Veadeiros, em julho de 2011, eu já sabia mais ou menos o que eu iria fazer. E foi assim: de dia eu fotografava, e à noite, ao entrar na barraca, eu revia as imagens que eu havia captado e me concentrava tentando imaginar o que eu poderia fazer no dia seguinte. Te digo que foi fácil. Porque, na verdade, eram extremamente deslumbrantes todos aqueles lugares que visitávamos. Além das incríveis paisagens, a luz do dia e da noite eram belíssimas. O azul do céu, a via láctea à noite, a lua, os arco-íris nos vapores das cachoeiras... Era tudo muito pitoresco!

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Suas imagens tem uma unidade visual muito interessante. Como você desenvolveu o tratamento das suas fotografias? Em primeiro lugar, gosto das cores, aliás me encantam imensamente todas as cores! Elas são uma das coisas que mais me agradam nas fotos que produzo. E em segundo lugar, fotografo pensando na pós. Esse é o grande barato: a pós-produção. Trabalho na mesma imagem por dias e dias. Creio que haja uma certa razão para a predição das imagens. Antes de captar algo, tenho em mente a edição. As imagens captadas devem estar conformes à futura edição pelo qual elas passarão. Há sempre algumas determinadas cores que perpassam todo o conjunto de um ensaio. Todas as outras cores devem harmonizar com aquelas cores principais. A brincadeira então é essa: harmonizar a luz, sintonizar os matizes, equalizar os tons.

Há outra coisa: ao fotografar um tema novo, penso nele como um ensaio. Ou seja, há uma ou mais fotos principaisque acompanharão outras, acredito, de quase mesma envergadura. Cuido para que o conjunto das imagens sustentem e sejam sustentados por aquelas ditas principais. A intenção por fim é criar uma narrativa visual que possua uma espécie de clímax.

Que temas mais te interessam na fotografia? Todas as fotografias que fiz até agora fazem parte de um grande estudo. Acho que ainda há muita coisa pra fazer. Acredito que a produção mais significativa ainda não começou. Tenho alguns projetos que gostaria de colocar em prática. Estou ansiosamente (e pouco a pouco) investindo neles. Começarei a produzi-los em pouco tempo.

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Mas o que realmente me atrai na produção da imagem fotográfica são os fatores de tempo e luz. Esses são os objetos de toda a minha pesquisa com relação à linguagem fotográfica. A conjunção da luz e do tempo, mediadas pelo material fotossensível, são a essência da fotografia. Para mim todo o encantamento da produção fotográfica está em achatar a existência visível das coisas sobre uma superfície plana. Posso te afirmar que a fotografia é a representação visível de uma duração. E que ainda: como manifestação da linguagem, ela é uma superfície profunda (virtual), uma miragem do real - metalinguagem do visível (o visual dentro do visível). É sobre isso que pretendo investir na teoria e na prática!

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Iatã Cannabrava

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Iatã Cannabrava é um dos grande nomes da fotografia brasileira, especialmente por sua participação na construção do grande leque de eventos culturais que possuímos no Brasil. Em atividade desde os anos 80, Iatã é hoje organizador do Paraty em Foco e comanda o Estúdio Madalena em São Paulo.

Você é um dos principais organizadores e agitadores de eventos fotográficos no Brasil. Como começou esse projeto? Quando você decidiu apostar nessa área?

Eu sempre misturei minha tradição genética de militância política com o meu gosto pelas artes e pela fotografia e por sua narrativa e linguagem, que te possibilita contar histórias de uma maneira muito especial.Eu sou filho de exilados políticos, meus pais saíram do Brasil na época da ditadura militar, eu saí em 68 e só voltei em 80, fiquei 12

anos fora vivendo na América Latina, nessa época, uma América Latina bastante movimentada politicamente, com muitos golpes de Estado, revoluções de esquerda e direita - revoluções à esquerda e golpes à direita, para ser mais politicamente correto - e toda essa influência misturada à fotografia gerou uma habilidade e uma paciência para a gestão cultural, para o que eu auto intitulo de agitador cultural.Acho que esse é o começo da história. Em 1983 eu fui trabalhar no Centro Cultural São Paulo. Trabalho lá com o André Boccato no recém formado núcleo de fotografia, do recém inaugurado Centro Cultural São Paulo, dirigido por nada menos, nada mais, que Fernando Lemos, e nesse núcleo de fotografia a gente faz muita coisa: São Paulo Gigante Intimista, faz uma parede de fotografia para jovens autores, a gente faz um movimento que era carente, que não existia. Lá se retoma e se reenergiza a União

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dos Fotógrafos do Estado de São Paulo, então a questão da militância política, que são duas palavras muito em desuso hoje em dia, mas essas duas palavras já foram diferentes em outro momento e eu me considero um militante político da fotografia.É importante ver a fotografia como mais do que um simples produto, mas como um processo, como meio de transformação social, comunicação, a fotografia é muita coisa, é um universo muito vasto, com proximidades com a literatura, com o cinema, com as artes visuais. Todo mundo acha que fotografia é só foto pendurada em galeria, não. Fotografia é narrativa, é contar história, é cinema, literatura, documento - esse ano no Paraty em Foco vamos tratar da fotografia como documento - enfim, ela tem uma série de campos definidos das linguagens de comunicação do ser humano.

Como foi o processo de criação do Paraty

em Foco? Quais são os objetivos que você busca a cada edição do festival?

Eu fui na verdade convidado para o Paraty em Foco. O projeto foi criado e lançado pelo Giancarlo Mecarelli, junto com o Fotosite, há oito anos atrás e eles fizeram um pequeno evento, já no segundo - sem o Fotosite - o Giancarlo convida o Luis Marinho, para fazer junto com ele e o Luis me convida para formatar o festival. Eu já tinha a experiência das Semanas Paulistas de Fotografia, iniciadas no final dos anos oitenta, das expedições de fotografia que fiz nos anos noventa e de uma série de outros eventos fotográficos. Além disso o Estúdio Madalena já era uma empresa de produção cultural na área da fotografia, basicamente utilizando a fotografia como ferramenta de ação social, naquele momento. Então o festival encaixava perfeitamente no sistema, na logística e na estrutura que tinha o Estúdio

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Madalena, então nós estruturamos o festival e demos esse corpo que o festival tem hoje, que já dá pra ser considerado um dos maiores festivais de fotografia do Brasil, se não o maior.

Como você vê o incentivo Estatal para a realização de eventos e projetos artísticos? Você acredita que esse é o caminho mais interessante para financiar a nossa área?

Há muito tempo a gente aprendeu aqui no Estúdio Madalena que você não pode ter uma única fonte de financiamento. A gente acha que a Lei Rouanet é um sistema válido, mas que tem seus problemas - que precisam ser corrigidos -, mas é um sistema que realçou a cultura brasileira. A gente tem a clareza de que precisamos de várias fontes de financiamento. Direto, do governo, via Lei Rouanet, direto do marketing das empresas,

Me aproximei contando a verdade. Eu iria apresentar a história deles, porque do mesmo jeito que existem fotos da Paulista cinquenta anos atrás, eu queria que existissem fotos do Capão Redondo daqui a cinquenta anos.

financiamento próprio através da bilheteria dos workshops, através da venda de fotogra-fias e livros e afins. Temos nove diferentes fontes de financiamento no festival. Temos muito carinho pela Lei Rouanet, apesar de todas as dificuldades que a gente passa, às vezes, para captar, mas nós achamos que é apenas mais um mecanismo, não é o salva-dor da pátria nem deve ser pra ninguém.

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Ainda há espaço para a criação de eventos fotográficos no Brasil? O que você acha que há de mais valioso nesses encontros?

Acredito que sim. O importante é que cada festival que surja ache um caminho, uma característica própria, porque se não vai ser mais do mesmo. Mas, ao mesmo tempo, eu não sei se eu tenho certeza disso. O Brasil é um país de dimensões continentais, são praticamente 200 milhões de habitantes, não sei quantos mil kms de praia, de campo, de montanha, selva, então acho que há muito espaço para manifestações regionais. De caráter nacional eu acho que vai se encolher cada vez mais o espaço e vão ficar somente alguns festivais internacionais, não digo os melhores, nem os piores, vão ficar aqueles que sobreviverem pela dura luta de sustentação econômica de uma atividade desse tipo.

Como organizador de tantos projetos fotográficos você deve estar sempre em contato com a nova produção fotográfica brasileira. Como é esse encontro com novos fotógrafos? Como você se relaciona com esse novos projetos fotográficos que chegam até você?

Eu continuo sendo professor e sendo fotógrafo, duas coisas que eu amo fazer na minha vida. Então minha relação com o mundo não é a de um gerente, administrador, afastado da realidade. Eu sei o quão difícil é o processo de criação e de formação de um indivíduo. Então a gente tem uma série de políticas, como a convocatória de exposições, o nosso site aberto para todos, difundimos todos os outros festivais e atividades, a gente publica o trabalho de jovens fotógrafos, agora no festival tem algumas regras: você não pode abrir o palco principal para alguém que ainda está

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começando. Tem uma escala, uma escada, a ser alcançada. Agora a minha grande preocupação hoje é na formação de gestores. Essa pessoa com um mix de circulação política e conhecimento na sua área de gestão, está em desuso hoje em dia, então você tem mais dificuldade de encontrar gestores do que criadores. Não tem gente pra gerir tanta coisa que está sendo criada. Minha preocupação hoje, para a qual ainda não achei uma solução, é de ajudar na formação de gestores culturais na área de fotografia. Nós abrimos muito espaço para estagiários aqui no Estúdio Madalena, muito espaço nos cursos que eu dou de gestão cultural e elaboração de projetos, a idéia é balancear o processo. No Brasil temos, entre cursos técnicos, de graduação e de pós, temos vinte e três cursos de fotografia, enquanto de gestão devemos ter quatro ou cinco, mas é muito pouco perto da necessidade de gestores que a gente tem.

Como foi o processo de desenvolvimento do projeto Uma Outra Cidade? Como você vê hoje a relação entre periferia e centro? Elas são mais parecidas do que diferentes?

Olha, a periferia tem um sentido muito amplo, aquilo que está periférico, em volta. Nos EUA a periferia geralmente é o bairro de luxo, Detroit é uma cidade famosa por ter seu centro completamente destruído e as periferias de luxo. Aqui na nossa América Latina a periferia é realmente a área de exclusão. As pessoas foram excluídas do sistema, o governo, a sociedade, essa parte da população é como um todo excluída e é uma parte gigantesca da população que vive nas periferias. Há uma espécie de anestesia do cidadão de classe média em relação às periferias, ou havia uma anestesia, já que agora eles se fizeram ouvir. O que eu fiz nos últimos dez anos,foi passar documentando

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essa cidade do jeito que o fotógrafo de rua documenta a cidade conhecida, a cidade aceita pelo sistema pela classe média, pelas elites, ou seja, documentando o cotidiano, o dia-a-dia. Todo mundo me pergunta, quando eu dou aula, como eu tive acesso a essas comunidades. Eu simplesmente me aproximei contando a verdade. Que eu iria apresentar a história deles, porque do mesmo jeito que existem fotos da Paulista cinquenta anos atrás, eu queria que existissem fotos do Capão Redondo daqui a cinquenta anos.

Gosto muito do seu projeto Fungos, que destrói construindo. Você acredita que um dos caminhos interessantes para a fotografia é a quebra do suporte tradicional, sempre buscando a experimentação?

Esse trabalho é antigo já e eu não sei se eu

ainda gosto dele, mas eu tenho muito respeito pelo processo dele. Tudo tem que ter um porquê. Tudo tem que ter um comprometimento com o teu processo de criação, da sociedade ou pessoal, não acredito em coisas vazias “Ah, acordei sonhando e fiz em meia hora”. Não tem meia hora, tem processos, caminhos e afins. O Fungos foi o fruto de um processo que eu chamo de contrafóbico. De tanto medo que eu tinha de perder meu material eu comecei a destruí-lo. Todo fotógrafo é educado a aprender a preservar o seu material e nessa época eu não tinha equipamentos nem espaço adequado para isso e eu comecei a ver meus materiais se fungarem por conta da humidade. Com isso eu decidi fungar alguns de vez, de tanto medo que tinha de cair eu me joguei, para acabar com o medo o mais depressa possível. Eu destruí minha fotografias para acabar com meu medo de que elas se perdessem.

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Mariana LemePortfolio

Mariana foi aluna da FAU por quatro anos. Quando já tinha feito tudo o que desejava no curso de Arquitetura, mudou-se para as Artes Plásticas. Mariana trabalha como ilustradora e não vê separação entre seus desenhos e suas fotografias. Vamos conhecer aqui uma série de dípticos feitos por ela.

Quando você começou a desenvolver sua série de dípticos?

Não sei exatamente quando, mas foi há mais

de cinco anos. Comecei a fazer dípticos com desenhos, incorporando o verso do papel desenhado e as tintas vazadas (é muito raro usar um papel de qualidade, adoro ruídos das coisas vagabundas). Escaneava as coisas, frente e verso, e montava. O resultado era quase sempre melhor que simplesmente o desenho “original”, como algo a ser mostrado isoladamente; o desenho pretensamente acabado e bem resolvido e prontinho pra moldura. Daí a montar os dípticos com fotografias foi uma coisa natural, o raciocínio é o mesmo: são sobras

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de filmes, coisas que em geral (e isoladas) não me agradam muito, mas que combinadas podem se tornar interessantes. No fim das contas é uma espécie de profanação da imagem, é ruído e cor e principalmente estudo. É claro que existe um certo fetiche da atitude experimental, que é imatura. Mas, sendo estudo, coisa efêmera e parte do processo de construção de sabe-se lá o quê, acho vale a pena. Também não vão pra moldura!

Como seu trabalho em desenho influencia sua produção fotográfica?

Acho que são dois aspectos de um mesmo trabalho gráfico. Caneta, tinta, computador, chapas de cobre, filmes fotográficos são ferramentas, e no meu trabalho elas são igualmente importantes e se misturam invariavelmente, ainda que essa mistura não seja tão óbivia assim... De qualquer maneira,

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antes de prédios e janelas e pessoas, eu enxergo linhas paralelas e paletas interessantes. Composição, enfim. Mas não uma composição desinteressada, quer dizer, não faz parte (ou não gostaria que fizesse parte) de um imaginário totalmente abstrato e apolítico. Acredito que se eu tivesse nascido em outro lugar, a tal da “composição” seria completamente diferente. Os materiais, provavelmente, também.

Ao construir seus dípticos você consegue unir espaços distantes e construir novos significados para espaços urbanos. Esses são seus principais objetivos com a série?

O principal objetivo (que talvez nem seja tão “objetivo” assim) é a investigação. Tenho a impressão de que minhas referências desde os azulejos da cozinha da casa da infância até um livro teórico do Benjamin estão muito

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presentes e se repetem. Gosto de pensar através de imagens. Tenho a forte impressão também, de que a forma, (cor, linhas de força, contraste, texturas, margens... para além da crítica formalista barata) é uma questão forte nas artes plásticas brasileiras, e está ainda em vias de construção — o ensaio d’A forma difícil, do Rodrigo Naves, junto da arquitetura modernista brasileira, um dos meus grandes interesses, é a base desse raciocínio. Então, sim, tentar ressignificar as coisas é fundamental. Mas não só os espaços urbanos, e menos ainda algo que eu espero fazer com clareza, ou com alguma certeza. É mais próximo das brincadeiras infantis, as crianças estão o tempo todo criando novos significados e relações às coisas que tem em mãos. As possibilidades estão lá e a forma está longe de ser definitiva.

Você fotografa já imaginando as relações

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que serão construídas nos dípticos ou essa relação é pensada depois, com o filme já feito?

Eu sempre tenho uma câmera comigo, ando muito por aí e fotografo aquilo que me chama a atenção. Normalmente são coisas bem banais. E não tenho a menor ideia do que fazer com as fotos antes de ver o resultado. Trabalhar com processo cruzado é melhor ainda, porque nem que eu quisesse, poderia ter um controle a priori das coisas. Adoro os acidentes de processo! Especialmente para os dípticos, que são quase todos formados pelas fotos que “deram errado”.

Todo este trabalho foi desenvolvido com filme colorido certo? Qual o significado deste trabalho ter sido desenvolvido dessa forma?

A maioria sim, mas tem também fotos

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digitais. Gosto da fotografia analógica pelos acidentes e também pela “lentidão” do processo. Não gosto de trabalhar com pressa. E confesso que não gosto de tratar as digitais, por pura preguiça e um pouco de ignorância. Um pouco de desconfiança também... É claro que não se trata de fotografia digital versus analógica, e não sei bem se existe um significado nisso. Mas eu me dou melhor com giz pastel seco que oleoso, vai entender! OLD

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Mande seu portfolio para [email protected]

Arnon Gonçalves

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