produção do espaço urbano e desigualdade sócio-espacial na ...  · web viewglobalmente, o...

22
Produção do espaço urbano e desigualdade sócio-espacial na ocupação de áreas de igarapés em Manaus/AM Production of the urbane space and unequality space-partner in the occupation of areas of igarapés in Manaus/AM Fernando de Oliveira Amorim 1 Fábio Noel Stanganini 2 Juliana Ruffato Resende 3 Abstract The urbane current context marked by speeches and practices broken up and territorial pacts between social actors, demands the observance of new questions concerning the ideological speech neoliberal and to sectors made a commitment to the question environmental-partner. This discussion is valid, especially at a historical moment of a growing conscience of what the model of industrial advanced society will not support himself in the long term with the current standards of production and consumption based on the non-renewable energy, on the environmental degradation, on the exclusion space-partner, etc. In the urbane context, this process alters negatively the environment, for example, the Social and Environmental Program of the Igarapés of Manaus (Prosamim) in the production and occupation of the urbane space and, consequently, in the daily life of the population resident in the areas of igarapés in Manaus. Looks so to consider the interventions of the public politics, considering some aspects, such as 1 Graduação em Filosofia, Universidade São Francisco, São Paulo/SP; graduação em Arquitetura e Urbanismo (bolsista FAPESP); pós-graduação em Planejamento e Gestão Municipal e mestrando em Produção do Espaço Urbano, Programa de Pós-Graduação em Geografia (bolsista CAPES) – UNESP, Presidente Prudente/SP; [email protected] . 2 Graduação em Geografia (bolsista CNPq), UNESP, Presidente Prudente/SP; mestrando no Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana, Universidade Federal de São Carlos; f [email protected] . Reflexões expressadas no Fórum Ambiental da Alta Paulista (2009) sob o título Sustentabilidade e intervenções urbanas em áreas de igarapés em Manaus/AM. 3 Graduação em Arquitetura e Urbanismo, UNESP, Presidente Prudente/SP; [email protected].

Upload: others

Post on 26-Sep-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Produção do espaço urbano e desigualdade sócio-espacial na ...  · Web viewGlobalmente, o principal desafio é mudar o estilo de vida, vislumbrando a contenção do consumo,

Produção do espaço urbano e desigualdade sócio-espacial na ocupação de áreas de igarapés em Manaus/AM

Production of the urbane space and unequality space-partner in the occupation of areas of igarapés in Manaus/AM

Fernando de Oliveira Amorim1

Fábio Noel Stanganini2

Juliana Ruffato Resende3

AbstractThe urbane current context marked by speeches and practices broken up and territorial pacts between social actors, demands the observance of new questions concerning the ideological speech neoliberal and to sectors made a commitment to the question environmental-partner. This discussion is valid, especially at a historical moment of a growing conscience of what the model of industrial advanced society will not support himself in the long term with the current standards of production and consumption based on the non-renewable energy, on the environmental degradation, on the exclusion space-partner, etc. In the urbane context, this process alters negatively the environment, for example, the Social and Environmental Program of the Igarapés of Manaus (Prosamim) in the production and occupation of the urbane space and, consequently, in the daily life of the population resident in the areas of igarapés in Manaus. Looks so to consider the interventions of the public politics, considering some aspects, such as the associates to the imaginary thing originating from the transformations of the use of the ground, in this case, the way as the population reached by the Prosamim apprehends the space to his turn. It looks in this way, to think about a new paradigm to hemp be developed, before all, in the recognition of the existence of a great ecological, biological and cultural diversity between the people, taking the notion as a base of sustentabilidade and his economical, social and environmental dimensions.Key words: Public politics, unequality space-partner, sustentabilidade, imaginary urbane.

ResumoO contexto urbano atual, marcado por discursos e práticas fragmentados e pactos territoriais entre atores sociais, exige a observância de novas questões concernentes ao discurso ideológico neoliberal e a setores comprometidos com a questão sócio-ambiental. Essa discussão é válida, sobretudo num momento histórico de uma consciência crescente de que o modelo de sociedade industrial avançada não se manterá a longo prazo com os atuais padrões de produção e consumo baseados na energia não-

1 Graduação em Filosofia, Universidade São Francisco, São Paulo/SP; graduação em Arquitetura e Urbanismo (bolsista FAPESP); pós-graduação em Planejamento e Gestão Municipal e mestrando em Produção do Espaço Urbano, Programa de Pós-Graduação em Geografia (bolsista CAPES) – UNESP, Presidente Prudente/SP; [email protected] Graduação em Geografia (bolsista CNPq), UNESP, Presidente Prudente/SP; mestrando no Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana, Universidade Federal de São Carlos; f [email protected] .Reflexões expressadas no Fórum Ambiental da Alta Paulista (2009) sob o título Sustentabilidade e intervenções urbanas em áreas de igarapés em Manaus/AM.

3 Graduação em Arquitetura e Urbanismo, UNESP, Presidente Prudente/SP; [email protected].

Page 2: Produção do espaço urbano e desigualdade sócio-espacial na ...  · Web viewGlobalmente, o principal desafio é mudar o estilo de vida, vislumbrando a contenção do consumo,

renovável, na degradação ambiental, na exclusão sócio-espacial, etc. No contexto urbano, esse processo altera negativamente o meio ambiente, por exemplo, o Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus (Prosamim) na produção e ocupação do espaço urbano e, consequentemente, no cotidiano da população moradora nas áreas de igarapés em Manaus. Busca-se assim considerar as intervenções das políticas públicas, considerando alguns aspectos, tais como os associados ao imaginário proveniente das transformações do uso do solo, neste caso, a maneira como a população atingida pelo Prosamim apreende o espaço à sua volta. Busca-se desta forma, refletir sobre um novo paradigma a ser desenvolvido baseado, antes de tudo, no reconhecimento da existência de uma grande diversidade ecológica, biológica e cultural entre os povos, tendo como base a noção de sustentabilidade e suas dimensões econômicas, sociais e ambientais. Palavras chave: Políticas públicas, desigualdade sócio-espacial, sustentabilidade, imaginário urbano.

INTRODUÇÃO

Ao refletir sobre o processo de produção do espaço urbano e suas

conseqüências, observa-se uma limitação quanto ao processo de degradação do meio

ambiente e, principalmente, dos seres que o compõem (e neste conjunto estão os seres

humanos), pois se enfatiza estes “problemas urbanos denominados como ambientais

quando na realidade são sociais” (Rodrigues, 2001, p. 211). No processo de ocupação e

reurbanização dos igarapés (cursos de água amazônicos - braços estreitos de rios ou

canais caracterizados por pouca profundidade) junto ao Programa Social e Ambiental

dos Igarapés de Manaus (Prosamim) (Figura 1), observa-se um contexto de

desconsideração dos problemas sociais potencializando os problemas ambientais. Isso

ocorre na valorização de áreas urbanas que ao internalizar rendas fundiárias urbanas,

isto é, externalidades internalizáveis, determina o padrão e a intensidade da direção da

expansão urbana constituindo-se como indicador da possibilidade de formação de

capital em detrimento da área de preservação ambiental.

Ressalta-se que a configuração desta “cidade ilegal só foi possível com a

interveniência dos vários agentes do mercado imobiliário e com o consentimento do

Estado” (Marcondes, 1999, p. 119). Para esta autora, o conflito entre pobreza urbana e

2

Page 3: Produção do espaço urbano e desigualdade sócio-espacial na ...  · Web viewGlobalmente, o principal desafio é mudar o estilo de vida, vislumbrando a contenção do consumo,

Figura 1. Localização: Prosamim na Bacia do Educandos. Fonte: Governo do Amazonas, 2008.

risco ambiental compõe um quadro de “espoliação ambiental”, o que pode ser

compreendido como exploração ambiental e parca existência de condições mínimas

ambientais, socialmente necessárias à subsistência humana.

Observa-se ainda uma relação insuficiente de estudos urbanos de impacto

ambiental e de processos ambientais. O que se observa é uma noção defasada de

equilíbrio, e ausência de uma teoria dos processos ambientais que integre as dimensões

físicas, político-sociais, socioculturais e espaciais, como preconiza a noção de

sustentabilidade do estudo realizado em 1987 pela Comissão Mundial sobre Meio

Ambiente das Nações Unidas (Relatório Nosso Futuro Comum ou Relatório

Brundtland). Esta Comissão define sustentabilidade como desenvolvimento que satisfaz

3

Page 4: Produção do espaço urbano e desigualdade sócio-espacial na ...  · Web viewGlobalmente, o principal desafio é mudar o estilo de vida, vislumbrando a contenção do consumo,

as necessidades atuais sem comprometer a habilidade das futuras gerações em satisfazer

suas necessidades.

Há que se considerar que “os impactos ambientais promovidos pelas

aglomerações urbanas são, ao mesmo tempo, produto e processo de transformações

dinâmicas e recíprocas da natureza e da sociedade estruturada em classes sociais”

(Coelho, 2005, p. 21). É imprescindível compatibilizar preservação do meio ambiente e

implantação de projetos urbanos, produção habitacional e recuperação ambiental de

áreas de preservação já ocupadas. Após longo período de desrespeito ao meio ambiente

concretizado na forma depredadora de ocupantes informais na sua luta pela

sobrevivência, na busca do capitalismo pelo lucro fácil e na ação dos governantes que

visam o desenvolvimento a qualquer custo, deve-se buscar e firmar o conceito do

desenvolvimento sustentável articulando desenvolvimento com respeito ao ambiente,

que para Siche (2007, p. 142),

está ligado à preservação dos recursos produtivos e à auto-regulação do consumo desses recursos, eliminando o crescimento selvagem obtido ao custo de elevadas externalidades negativas (sociais e ambientais). Localmente, o principal desafio é melhorar a qualidade de vida, recuperando e usando adequadamente os recursos renováveis. Globalmente, o principal desafio é mudar o estilo de vida, vislumbrando a contenção do consumo, especialmente nas áreas urbanas dos países ricos.

Neste contexto, ressalta-se que a mera legislação de uso do solo é insuficiente

para evitar o progresso do processo de degradação ambiental e, consequentemente,

também social. No entanto, infelizmente o problema da degradação ambiental/social

está longe de ser minimizado, pois requer a constituição de uma vontade política geral,

concretizada em mecanismos de poder público e da sociedade civil organizada, na

intenção de ações coletivas voltadas para fortalecer a qualidade ambiental (a curto

prazo) e garantir a sobrevivência ecológica (a longo prazo).

4

Page 5: Produção do espaço urbano e desigualdade sócio-espacial na ...  · Web viewGlobalmente, o principal desafio é mudar o estilo de vida, vislumbrando a contenção do consumo,

Ressalta-se que esta reflexão é parte integrante do projeto Desenvolvimento

Sustentável para a Amazônia: Saúde, Ambiente, Cidades e Redes no âmbito do

Programa Nacional de Cooperação Acadêmica (PROCAD), com apoio do Centro de

Estudos e Mapeamento da Exclusão Social para Políticas Públicas (CEMESPP) da

Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus Presidente Prudente e do Núcleo de

Estudos e Pesquisas das Cidades na Amazônia Brasileira (NEPECAB) da Universidade

Federal de Manaus (UFAM), campus Manaus. Ao analisar o espaço urbano depois da

efetivação do Prosamim, na área do igarapé Manaus (Figura 02), busca-se apreender as

construções imaginárias urbanas desta população e descrever as mudanças em seu

cotidiano.

5

N

Figura 2. Localização da área do Igarapé Manaus. Fonte: Governo do Amazonas, 2008.

Page 6: Produção do espaço urbano e desigualdade sócio-espacial na ...  · Web viewGlobalmente, o principal desafio é mudar o estilo de vida, vislumbrando a contenção do consumo,

PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO EM MANAUS/AM

A Amazônia Legal, além de sua riqueza florestal (maior região de floresta

tropical do mundo, com cerca de 2,9 milhões de km2), apresenta determinado

contingente populacional, não só em comunidades ribeirinhas, mas em grandes cidades

como Manaus, Belém, Rio Branco, Boa Vista, Macapá. Atualmente, a Amazônia Legal

é composta por oito Estados (Acre, Amazonas, Pará, Roraima, Amapá, Rondônia, Mato

Grosso, Tocantins) e partes do Maranhão, totalizando 20.000.000 de habitantes, com

60% da população vivendo em áreas urbanas. As migrações são inter-regionais,

flutuando de zonas rurais para urbanas e rural-rural como resposta à conversão de novas

áreas para pastagem e grãos. As populações indígenas remanescentes são da ordem de

aproximadamente 250 mil indígenas, que formam 200 grupos étnicos. Atualmente há

um apelo para que se encontrem mecanismos de preservação e ocupação sustentáveis,

sob a vigilância ambiental do Brasil, na soberania plena do seu território (Becker, 1990).

Dentro deste contexto, é preciso articular estudos acerca do processo de

ocupação urbana em áreas de expansão sobre a floresta, visando conhecer os processos

e dinâmicas que determinam a evolução das áreas de expansão urbana na cidade de

Manaus sem perder de vista sua natureza ecológico-social complexa (Oliveira, 2000).

Lembrando que a diversidade da Amazônia não se refere apenas a físico-natural e

biológica, mas também de povoamento, cultural, econômico e social. O que permite

afirmar que a Amazônia Legal é um ambiente ecológico, mas, também, um ambiente

humano com história política e econômica (Salati e Ferreira, 2005).

Degradação ambiental e pobreza convivem neste imenso território. Haja vista,

o desflorestamento é produto de um modelo econômico que exclui grande quantidade de

mão-de-obra, como a pecuária, madeira e grãos que, além de provocar conflitos pela

terra, também provocam crescimento desordenado das cidades. Apenas no Estado do

6

Page 7: Produção do espaço urbano e desigualdade sócio-espacial na ...  · Web viewGlobalmente, o principal desafio é mudar o estilo de vida, vislumbrando a contenção do consumo,

Amazonas, a população urbana que era de aproximadamente 500.000 habitantes em

1970, saltou para aproximadamente 1.500.000 no ano 2000 (Salati e Ferreira, 2005).

Considerando apenas a cidade de Manaus, esta se configura como um dos

principais eixos de navegação da Amazônia Ocidental, pois se localiza na confluência

dos rios Negro, Madeira e Solimões. A cidade foi fundada e cresceu sobre a porção

ribeirinha de um sistema de colinas tabuliformes de encostas pouco inclinadas separadas

por calhas encaixadas dos igarapés (Ab’saber, 1953). Sua complexa rede urbana

conduziu a um cenário de problemas sociais urbanos como altos índices de desemprego,

violência, carência de serviços básicos, associados ao agravamento da situação

ambiental, como resíduos sólidos, poluição e escassez da água potável, esgoto,

diminuição de áreas verdes e poluição do ar. E a questão habitacional é seu agravante ao

explicitar as contradições resultantes do processo de produção da cidade numa

sociedade desigual.

Conforme Oliveira (2008), o modo como se estabelece a produção da habitação

contribui para compreensão da paisagem que, sem abandonar toda a riqueza da

morfologia urbana, expressa a aparência da cidade, tornando-se um fator importante no

tecido urbano e no conteúdo demográfico da cidade. A ocupação de áreas de igarapés,

as invasões, as favelas devem ser vistas como parte da lógica de produção sócio-

espacial urbana numa sociedade desigual, onde morar na cidade pressupõe ter

possibilidade de pagar por isso. Dentro deste contexto, chama atenção o papel do Estado

que ao atender ou não a demanda, se utiliza de estratégia para assegurar seu controle

sobre o espaço garantindo a reprodução ampliada do capital. Desta forma, a produção

do espaço urbano e, concretamente, a habitação representa a dimensão do poder e o seu

planejamento implica uma tentativa de determinar a ocupação do espaço.

7

Page 8: Produção do espaço urbano e desigualdade sócio-espacial na ...  · Web viewGlobalmente, o principal desafio é mudar o estilo de vida, vislumbrando a contenção do consumo,

Manaus passou por um grande processo de urbanização no período

compreendido entre 1890/1920. Houve maciços investimentos propiciados pela

acumulação de capital, via economia do látex. “Embelezar e modernizar Manaus foi o

grande objetivo dos administradores dessa época. Era necessário que a cidade se

apresentasse moderna, limpa e atraente, para a imigração, o capital e o consumo” (Dias,

2007, p. 18).

O período posterior, de 1920 a 1967 é “marcado por situações conjunturais que

atingiram o vivido e determinaram espacialidades diversas para homens e mulheres,

empresas e instituições” (Oliveira, 2003, p. 20). Apesar da importante infra-estrutura

urbana de transporte, energia, saneamento (leia-se, avançadas técnicas urbanísticas para

a época), esta não contemplou a população da maioria dos bairros de Manaus. Com o

agravamento da crise nos anos 1920, mesmo com ostentação, emerge uma cidade “dos

vencidos, das contradições e dos conflitos”, e surgem as espacialidades dos

trabalhadores “dos grotões, do outro lado dos igarapés: dos bairros Educandos, Curre

(Glória), Plano Inclinado (Aparecida), Matinha (Presidente Vargas), São Raimundo,

Morro da Liberdade”, com perceptível ausência e/ou precariedade dos serviços urbanos

e presença de moradias insalubres (Oliveira, 2003 e 2008).

O revigoramento econômico de Manaus ocorre a partir da década de 1960

(criação da Zona Franca) e é responsável pela aceleração do fluxo migratório para esta

cidade, atraindo migrantes de outros Estados e regiões (Corrêa, 1987). No ano 2000, a

população da cidade de Manaus contabiliza 1.405.835 habitantes e isso se reflete na

ampliação espacial da cidade, expandindo-se para as áreas de terra firme e margens dos

igarapés, avançando floresta adentro, crescendo de forma acelerada e desordenada.

Bairros foram criados por ocupação; com a ocupação de inúmeros igarapés agravam-se

os problemas ambientais e as condições de habitação da população.

8

Page 9: Produção do espaço urbano e desigualdade sócio-espacial na ...  · Web viewGlobalmente, o principal desafio é mudar o estilo de vida, vislumbrando a contenção do consumo,

Dito posto, afirma-se que o processo de configuração urbana associado ao

processo de ocupação, por parcela da população urbana de Manaus, em áreas de

igarapés, muitas vezes sem infra-estrutura, impacta não só a produção do espaço, mas

também a vida dos moradores que são atingidos por estas atividades. Assim, busca-se

compreender como a população apreende esta configuração urbana em sua volta.

INTERVENÇÕES URBANAS E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO

No espaço urbano cotidianamente trilhado são construídas coletivamente

fronteiras simbólicas que ordenam categorias e grupos sociais em suas relações

(Arantes, 1994). Este espaço comum e de fronteiras simbólicas configura um território

de disputas a partir de um “espaço definido e delimitado por e a partir de relações de

poder” (Souza, 1995, p. 78). Ressalta-se a importância na compreensão do impacto das

intervenções urbanísticas no plano das subjetividades ao refletir sobre as representações

sociais da população residente no igarapé Manaus na cidade de Manaus.

Para Jodelet (2001), compreender o espaço ao redor é dominá-lo físico ou

intelectualmente, identificando e resolvendo os problemas que se apresentam. Frente a

esse mundo (de objetos, pessoas, acontecimentos, idéias), deve-se portar não como

autômatos isolados num vazio social, mas como seres que o partilham com os outros, de

forma convergente ou conflituosa, para compreendê-lo, administrá-lo ou enfrentá-lo.

Este processo é fenômeno psicossocial radicado no “espaço público e nos processos

através dos quais o ser humano desenvolve uma identidade, cria símbolos e se abre para

a diversidade de um mundo de Outros” (Jovchelovitch, 2002, p. 65).

Considerando a teoria das representações sociais em sua dinamicidade,

pretendeu-se identificar, através da aplicação de questionário e associação livres de

palavras, a maneira como a população do igarapé Manaus, apreende o espaço à sua

9

Page 10: Produção do espaço urbano e desigualdade sócio-espacial na ...  · Web viewGlobalmente, o principal desafio é mudar o estilo de vida, vislumbrando a contenção do consumo,

volta. Pautando-se em Shimizu e Menin (2004, p. 241), utilizou-se, enquanto

instrumento de coleta de dados, um questionário semi-dirigido construído (Quadro 1).

Utilizou-se um questionário associado à técnica da evocação livre de palavras, que

consiste na apresentação de uma palavra-estímulo ao respondente para que ele, por meio

da associação livre, designe o objeto apresentado.

Quadro 1. Questionário apresentado aos Moradores do igarapé Manaus. Fonte: Trabalho de Campo.

Com os dados da aplicação do questionário, organizou-se quadros contendo as

palavras mencionadas pelos moradores, conforme segue:

POSITIVO NEGATIVO

SAÚDE Saúde. Precária.

EDUCAÇÃOEscolaridade, educação. Educação ruim.

BEM-ESTAR

Cidade boa, família, lugar bonito, linda, alegria, felicidade, tranqüila, paz, sucesso.

Falta de emprego, desemprego.

Quadro 2. Palavras mais evocadas (palavra Manaus). Fonte: Trabalho de Campo.

10

Associação Livre1) Quais são as cinco primeiras palavras que vêm na sua mente quando se fala

MANAUS? 2) Quais são as cinco primeiras palavras que vêm na sua mente quando se fala igarapé

MANAUS?

Representação Gráfica1) Entregar folhas e lápis para fazer o mapa de Manaus e onde o seu bairro estaria

posicionado nesse desenho?2) Entregar lápis colorido também, e explicar que não é uma prova de desenho, mas para

indicar no desenho as vias percorridas para ir ao centro.3) Conversar sobre o desenho. O que mudou na sua vida depois da ida para lá?

(Melhorou, Piorou)4) O que você sabia sobre o bairro antes de se mudar?5) Como ficou depois de mudar? Houve alguma política de incentivo?

Perfil do entrevistado1) Há quanto tempo está no bairro?2) Idade3) Sexo4) Profissão5) Qual o motivo da vinda para o bairro?

Page 11: Produção do espaço urbano e desigualdade sócio-espacial na ...  · Web viewGlobalmente, o principal desafio é mudar o estilo de vida, vislumbrando a contenção do consumo,

POSITIVO NEGATIVO

SAÚDEsaúde. Saúde precária, saúde ruim.

EDUCAÇÃO Educação.

BEM-ESTAR

Sossego, diversão, cooperação, pessoas boas,

igreja, tranqüilidade, união, companheirismo.

Preconceito, Esquecimento, rejeitado, discriminação, não gosto, falta opção, barulho.

Quadro 3. Palavras mais evocadas (palavra igarapé Manaus). Fonte: Trabalho de Campo.

Ao analisar os quadros acima, observa-se diversidade entre a percepção dos

moradores quanto ao bairro e à malha urbana de Manaus. Para alguns pode ser

agradável morar no igarapé Manaus, para outros, é uma localidade com condições

precárias de transporte coletivo, serviços de saúde, segurança, etc. Ao analisar a

ocupação de áreas de igarapés, tem que se ter em mente uma construção espacial

desigual dentro de uma sociedade também desigual. Ao buscar compreender a

espacialidade da cidade de Manaus, há que se considerar particularidades e

especificidades que dão sentido concreto às coisas/objetos no e do lugar, considerando a

multiplicidade/heterogeneidade da realidade. Haja vista, que a “paisagem urbana

contém as contradições inerentes à sociedade e pode se constituir em objeto estranho

àqueles que a produzem, pois a ação de produzir a cidade não significa para a maioria

apropriar-se dela” (Oliveira, 2003, p. 35).

Ao expressar a percepção sobre o “locus vivendi”, o indivíduo, “o sujeito

psíquico não está nem abstraído da realidade social, nem meramente condenado a

reproduzi-la”, pois relaciona um mundo que “já se encontra constituído e seus próprios

esforços para ser um sujeito” (Jovchelovitch, 2002, p. 78). Este sujeito constrói em sua

relação com o mundo novos significados. Construção esta que se desenvolve e se

11

Page 12: Produção do espaço urbano e desigualdade sócio-espacial na ...  · Web viewGlobalmente, o principal desafio é mudar o estilo de vida, vislumbrando a contenção do consumo,

expressa nas representações a partir da relação com outros num mundo descoberto e

construído.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pensar um desenvolvimento sustentável é pensar que a apropriação do

conhecimento mediante a apropriação do ambiente configura um logos sobre a natureza,

ao invés da relação imperante apenas de usufruto, pois um agir moral e social (pois só é

moral se for social), concretiza-se no ambiente, no oikos. O caráter emergencial das

práticas urbanas e sociais ao refletir um desenvolvimento sustentável requer atuação

“ecumênica” e até mesmo holística, isto é, da humanidade como um todo a partir da

instauração de uma “dialética” humano-ambiente, pois as relações com o meio ambiente

e com o outro, configura um ser cultural (Mendes, 1997, p. 15). É necessário reconhecer

a existência de uma grande diversidade ecológica, biológica e cultural entre os povos

em seu sentido pleno.

É necessário buscar, mediante a defesa de uma nova ética e de um novo agir

moral, novas utopias na esperança de não condenar as gerações futuras a um nefasto

ostracismo, isto é, ao fim e esquecimento da importância do conjunto harmonioso entre

pessoas e mundo natural. É importante recordar continuamente que o atual modelo de

urbanização e planejamento territorial aprofunda a exclusão social nas cidades e a

degradação ambiental. Compreender este processo é compreender o desenvolvimento

urbano associado ao desenvolvimento das formas de moradia na cidade que, por sua

vez, contribui na compreensão da produção do espaço urbano em Manaus, que tem no

processo de ocupação dos igarapés a concretização desta lógica urbana excludente.

Assim, reitera-se a importância em aprofundar o estudo acerca do processo de

planejamento, produção e apropriação urbana na cidade de Manaus, tendo em vista a

12

Page 13: Produção do espaço urbano e desigualdade sócio-espacial na ...  · Web viewGlobalmente, o principal desafio é mudar o estilo de vida, vislumbrando a contenção do consumo,

gestão urbana em áreas de expansão associada às políticas públicas para

desenvolvimento sustentável na Amazônia.

REFERÊNCIAS

Ab’Saber, AN. A cidade de Manaus: primeiros estudos. 1953. Boletim Paulista de Geografia n.15: 18-45.

AMAZONAS, Governo Do Estado; Fundação João Pinheiro. 2006. Desenvolvimento Humano em Manaus – Atlas Municipal. Volume I.

AMAZONAS, Governo Do Estado. 2008. Prosamin - Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus. Um programa de melhoria ambiental com inclusão social no centro da Amazônia. http://www.prosamim.am.gov.br.

Arantes, AA. A guerra dos lugares: sobre fronteiras simbólicas e liminaridades no espaço urbano. 1994. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. 191-203.

Becker, BK. 1990. Amazônia. Ed. Ática. São Paulo, Brasil.

Coelho, MCN. 2005. Impactos ambientais em áreas urbanas – teorias, conceitos e métodos de pesquisa. In: Guerra, AJT. & Cunha, SB. (org). Impactos ambientais urbanos no Brasil. 3 ed. Editora Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, Brasil.

Corrêa, RL. A periodização da rede urbana da Amazônia. 1987. Revista Brasileira de Geografia. v. 4, n.3: 39-68.

Dias, EM. 2007. A ilusão do Fausto. Manaus 1890 - 1920. Editora Valer, 2 ed. Manaus, Brasil.

Jodelet, D. 2001. Representações Sociais: um domínio em expansão. In: Jodelet, D. (org.). As Representações Sociais. Editora da UERJ, Rio de Janeiro, Brasil.

Jovchelovitch, S. 2002. Vivendo a vida com os outros: intersubjetividade, espaço público e representações sociais. In: Guareschi, PA. & Jovchelovitch, S. (org.). Textos em representações sociais. 7 ed. Editora Vozes, Petrópolis, Brasil, 61-85.

Marcondes, MJA. 1999. Cidade e natureza: proteção dos mananciais e exclusão social. Editora Studio Nobel, Editora Edusp e Fapesp, São Paulo, Brasil.

Mendes, AD. Breve itinerário dos ecossistemas à ecopoesia: Achegas para o seu traçado. 1997. In: Bursztyn, M. Para Pensar o Desenvolvimento Sustentável. Editora Brasiliense, São Paulo, Brasil, p. 11-27.

Oliveira, JA. 2000. Cidades na Selva. Editora Valer, Manaus, Brasil.

Oliveira, JA. 2003. Manaus de 1920 – 1967: a cidade doce e dura em excesso. Editora Valer, Editora EDUA e Governo do Estado do Amazonas. Manaus, Brasil.

13

Page 14: Produção do espaço urbano e desigualdade sócio-espacial na ...  · Web viewGlobalmente, o principal desafio é mudar o estilo de vida, vislumbrando a contenção do consumo,

Oliveira, JA.; Schor, T. & Scherer, EF. 2008. Atlas de Desenvolvimento Humano em Manaus: validação da divisão espacial e textos analíticos. CD-ROM.

Rodrigues, AM. 2001. Produção do espaço e ambiente urbano. In: Sposito, MEB. (org.). Urbanização e Cidades: perspectivas geográficas. [s.n.]. Presidente Prudente, Brasil.

Salati, E. & Ferreira, AMM. Forças de transformação do ecossistema amazônico. 2005. Revista Estudos Avançados. 19 (54): 25-44.

Siche R. [et al]. Índices versus Indicadores: precisões conceituais na discussão da sustentabilidade de países. 2007. Ambiente & Sociedade, v.X, n. 2: 137-148.

Shimizu, AM. & Menin, MSS. Representações sociais de lei, justiça e injustiça: uma pesquisa com jovens argentinos e brasileiros utilizando a técnica de evocação livre de palavras. 2004. Estudos de Psicologia. vol. 9, n.2: 239-247.

Souza, MJL. 1995. O território: sobre espaço e poder, autonomia e desenvolvimento. In: Castro, IE. [et.al.] (org.). Geografia: conceitos e temas. Editora Bertrand Brasil. Rio de Janeiro, Brasil, p. 77-116.

14