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Versão online: http://www.lneg.pt/iedt/unidades/16/paginas/26/30/185 Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial I, 635-639 IX CNG/2º CoGePLiP, Porto 2014 ISSN: 0873-948X; e-ISSN: 1647-581X Reconstrução holocénica do sistema lagunar da Ria Formosa (Sul de Portugal) com base num modelo digital de paleosuperfície pré-Holocénica Holocene reconstruction of the Ria Formosa coastal lagoon (south of Portugal) based on a pre-Holocene paleosurface digital model C. Sousa 1* , T. Boski 1 , A. Gomes 1 , L. Pereira 1 , J. Lampreia 1 , S. Oliveira 1 © 2014 LNEG – Laboratório Nacional de Geologia e Energia IP Resumo: Apresenta-se um modelo digital da paleosuperfície pré- Holocénica da Ria Formosa, produzido com base em dados recolhidos através de duas campanhas de sondagens, cinco perfis de sísmica de refracção, e da comparação sistemática com trabalhos prévios acerca da subsuperfície da Ria Formosa. O modelo revela a existência de uma complexa rede de paleotalvegues fluviais a cortar a superfície pré- Holocénica subjacente. É possível isolar duas unidades sedimentares principais, uma a Este depositada num ambiente de carácter transicional, e outra mais central de fácies uniforme de baixo hidrodinamismo. Os dados sedimentológicos, micropaleontológicos e geofísicos foram integrados com o modelo de idade obtido por datações de Carbono-14. De acordo com os resultados, identificam-se três etapas evolutivas principais: i) entre ca. 10 000 e os 7 500 anos cal. BP; ii) entre os ca. 7 500 e os 5 000 anos cal. BP; iii) e dos 5 000 anos cal. BP até ao presente. Palavras-chave: Sistema lagunar da Ria Formosa, Paleosuperfície pré-Holocénica, Ambientes transicionais. Abstract: A digital paleosurface model of Ria Formosa based on two borehole campaigns, five seismic refraction profiles and data from other researchers is presented. It reveals the existence of a complex network of fluvial paleovalleys cutting through the underlying pre- Holocene topography. Two major sedimentary units could be distinguished. Borehole sediment profiles confirmed the existence of hydrodynamically varying environments, which are reflected by a transitional sedimentary sequence on the East side, and a more homogeneous facies in the central unit. Sedimentological, geophysical and micropaleontological data were integrated in the context of an age model obtained from 14 C datings, pointing to the existence of an estuarine environment subjected to a rapid coastal flooding from ca. 10,000 to 7,500 cal. years B.P., followed by a period dynamic equilibrium and increasing confinement of the coastal lagoon environment behind the barrier island system. Keywords: Ria Formosa coastal lagoon, Pre-Holocene palaeosurface, Transitional environments. 1 Centro de Investigação Marinha e Ambiental (CIMA), Universidade do Algarve, FCT, ED. 7, Campus de Gambelas, 8005-139 Faro, Portugal. *Autor correspondente / Corresponding author: [email protected] 1. Introdução De um modo geral, a evolução de um sistema costeiro é controlado por: disponibilidade de sedimento, os mecanismos de transporte associados e o espaço de acomodação, criado em função do nível médio do mar (n.m.m.) (Carter & Woodroffe, 1994). Apesar de se conhecerem diferentes padrões a nível global, o período de transição Plistocénico-Holocénico é marcado por uma rápida transgressão marinha, atingindo um ponto de inflexão no Holocénico médio quando a subida do n.m.m abranda consideravelmente (Fairbanks, 1989; Pirazzoli & Pluet, 1991). É durante esta fase de desaceleração que se dá início à formação dos sistemas lagunares actuais. Vales fluviais plistocénicos, profundamente entalhados, são inundados durante o último impulso de subida do n.m.m. até ao limite máximo de transgressão, iniciando o processo de acreção vertical (Dabrio et al., 2000; Boski et al., 2008; Vis et al., 2008). No Holocénico médio, entre os 6.500 e os 5.600 anos BP, o n.m.m aproxima-se da sua posição actual alterando a dinâmica sedimentar até então vigente, com subsequente redução das taxas de sedimentação (Lario et al., 2002; Delgado et al., 2012). A partir deste ponto, a evolução geomorfológica da zona costeira adquire um padrão complexo controlado por factores locais, com a formação e progressiva fixação de novos elementos como restingas arenosas, ilhas barreira e lagoas costeiras. Apesar do seu tamanho, importância socioeconómica e estatuto de Parque Natural, o conhecimento acerca da formação e subsequente evolução da Ria Formosa é ainda bastante incompleto. Trabalhos anteriores sugerem diferentes modelos para a origem da ilhas barreira (Guillemot, 1979; Granja, 1984), que posteriormente terão migrado em direcção ao continente durante a rápida fase transgressiva, e mais tarde retrabalhados por eventos extremos e condições hidrodinâmicas dominantes num contexto de abrandamento da subida do n.m.m. (Pilkey et al., 1989; Bettencourt, 1994; Andrade et al., 2004). Sugere-se que a configuração actual das ilhas barreira da Artigo Curto Short Article

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Versão online: http://www.lneg.pt/iedt/unidades/16/paginas/26/30/185 Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial I, 635-639 IX CNG/2º CoGePLiP, Porto 2014 ISSN: 0873-948X; e-ISSN: 1647-581X

Reconstrução holocénica do sistema lagunar da Ria Formosa (Sul de Portugal) com base num modelo digital de paleosuperfície pré-Holocénica Holocene reconstruction of the Ria Formosa coastal lagoon (south of Portugal) based on a pre-Holocene paleosurface digital model C. Sousa1*, T. Boski1, A. Gomes1, L. Pereira1, J. Lampreia1, S. Oliveira1

© 2014 LNEG – Laboratório Nacional de Geologia e Energia IP

Resumo: Apresenta-se um modelo digital da paleosuperfície pré-Holocénica da Ria Formosa, produzido com base em dados recolhidos através de duas campanhas de sondagens, cinco perfis de sísmica de refracção, e da comparação sistemática com trabalhos prévios acerca da subsuperfície da Ria Formosa. O modelo revela a existência de uma complexa rede de paleotalvegues fluviais a cortar a superfície pré-Holocénica subjacente. É possível isolar duas unidades sedimentares principais, uma a Este depositada num ambiente de carácter transicional, e outra mais central de fácies uniforme de baixo hidrodinamismo. Os dados sedimentológicos, micropaleontológicos e geofísicos foram integrados com o modelo de idade obtido por datações de Carbono-14. De acordo com os resultados, identificam-se três etapas evolutivas principais: i) entre ca. 10 000 e os 7 500 anos cal. BP; ii) entre os ca. 7 500 e os 5 000 anos cal. BP; iii) e dos 5 000 anos cal. BP até ao presente. Palavras-chave: Sistema lagunar da Ria Formosa, Paleosuperfície pré-Holocénica, Ambientes transicionais. Abstract: A digital paleosurface model of Ria Formosa based on two borehole campaigns, five seismic refraction profiles and data from other researchers is presented. It reveals the existence of a complex network of fluvial paleovalleys cutting through the underlying pre-Holocene topography. Two major sedimentary units could be distinguished. Borehole sediment profiles confirmed the existence of hydrodynamically varying environments, which are reflected by a transitional sedimentary sequence on the East side, and a more homogeneous facies in the central unit. Sedimentological, geophysical and micropaleontological data were integrated in the context of an age model obtained from 14C datings, pointing to the existence of an estuarine environment subjected to a rapid coastal flooding from ca. 10,000 to 7,500 cal. years B.P., followed by a period dynamic equilibrium and increasing confinement of the coastal lagoon environment behind the barrier island system. Keywords: Ria Formosa coastal lagoon, Pre-Holocene palaeosurface, Transitional environments.

1Centro de Investigação Marinha e Ambiental (CIMA), Universidade do Algarve, FCT, ED. 7, Campus de Gambelas, 8005-139 Faro, Portugal. *Autor correspondente / Corresponding author: [email protected]

1. Introdução

De um modo geral, a evolução de um sistema costeiro é controlado por: disponibilidade de sedimento, os mecanismos de transporte associados e o espaço de acomodação, criado em função do nível médio do mar (n.m.m.) (Carter & Woodroffe, 1994). Apesar de se conhecerem diferentes padrões a nível global, o período de transição Plistocénico-Holocénico é marcado por uma rápida transgressão marinha, atingindo um ponto de inflexão no Holocénico médio quando a subida do n.m.m abranda consideravelmente (Fairbanks, 1989; Pirazzoli & Pluet, 1991). É durante esta fase de desaceleração que se dá início à formação dos sistemas lagunares actuais. Vales fluviais plistocénicos, profundamente entalhados, são inundados durante o último impulso de subida do n.m.m. até ao limite máximo de transgressão, iniciando o processo de acreção vertical (Dabrio et al., 2000; Boski et al., 2008; Vis et al., 2008). No Holocénico médio, entre os 6.500 e os 5.600 anos BP, o n.m.m aproxima-se da sua posição actual alterando a dinâmica sedimentar até então vigente, com subsequente redução das taxas de sedimentação (Lario et al., 2002; Delgado et al., 2012). A partir deste ponto, a evolução geomorfológica da zona costeira adquire um padrão complexo controlado por factores locais, com a formação e progressiva fixação de novos elementos como restingas arenosas, ilhas barreira e lagoas costeiras.

Apesar do seu tamanho, importância socioeconómica e estatuto de Parque Natural, o conhecimento acerca da formação e subsequente evolução da Ria Formosa é ainda bastante incompleto. Trabalhos anteriores sugerem diferentes modelos para a origem da ilhas barreira (Guillemot, 1979; Granja, 1984), que posteriormente terão migrado em direcção ao continente durante a rápida fase transgressiva, e mais tarde retrabalhados por eventos extremos e condições hidrodinâmicas dominantes num contexto de abrandamento da subida do n.m.m. (Pilkey et al., 1989; Bettencourt, 1994; Andrade et al., 2004). Sugere-se que a configuração actual das ilhas barreira da

Artigo Curto Short Article

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Ria Formosa reflecte uma morfologia continental subjacente herdada, mas nenhum dos modelos anteriores aborda compreensivamente esta relação. Trabalhos realizados no sistema de ilhas barreia de Delaware, EUA (Belknap & Kraft, 1985; Thieler et al., 2013), mostram bem a sua importância para a configuração da zona costeira. O presente trabalho pretende assim contribuir para a reconstrução da formação e evolução geomorfológica da Ria Formosa, dando especial enfâse à arquitectura do preenchimento sedimentar holocénico em resposta à subida do n.m.m. e à topografia pré-Holocénica subjacente.

2. Enquadramento regional

A Ria Formosa é um sistema lagunar delimitado do lado oceânico por um conjunto de cinco ilhas barreira e duas restingas arenosas, perfazendo cerca de 55 km de extensão e 6 km de profundidade em frente Faro. O regime de marés é mesotidal com amplitudes médias de 2,8 m e 1,3 m em marés equinociais e “mortas” podendo, no entanto, atingir amplitudes de 3,5m. O regime de agitação marítima caracteriza-se por ondulação de direcção Oeste-sudoeste, resultando num transporte sedimentar longilitoral predominantemente de sentido Oeste-este. O sistema lagunar da Ria Formosa apresenta uma vasta área intertidal (cerca de 90% da área total), com predominância de terrenos de sapal, planícies intertidais arenosas e lodosas, e uma complexa rede de canais de maré. O contacto da zona intertidal com o substrato continental é essencialmente composto por areias e cascalheiras vermelhas consolidadas plio-plistocénicas, drenando vários vales fluviais, alguns

com incisões pronunciadas.

3. Métodos

Realizaram-se três campanhas de aquisição de dados de subsuperfície na Ria Formosa (Fig. 1): 1) 41 furos manuais com uma sonda Eijkelkamp (RFM); 2) 5 furos mecânicos por roto-percussão com uma máquina de sondagem de 6 t (RF); e 3) 2016 m de sísmica de refracção dispostos em cinco perfis. A selecção dos locais a amostrar seguiu fundamentalmente as zonas terminais dos eixos de linhas de água existentes e o seu eventual prolongamento. Os furos manuais foram fotografados e descritos in situ, anotando estratigrafia, cor, classe textural, estruturas sedimentares, matéria orgânica visível, e presença de bioclastos. A profundidade das sondagens oscilou entre 8,6m e 1,55 m e entre 26,5 m e 11 m nos furos manuais e mecânicos, respectivamente. Os furos foram amostrados, em média, cada 0,6 m (mecânicos, em laboratório) e 0,8 m (manuais, no campo). Após uma selecção criteriosa, as amostras foram utilizadas para datação por carbono-14, e para análise textural e micropaleontológica.

Paralelamente, realizou-se a comparação sistemática com campanhas anteriores (Bettencourt, 1994; Andrade et al., 2004; Ensaios geotécnicos do Aeroporto de Faro, s/d). Todos os dados foram incorporados e integrados numa base de dados espacial (ArcGIS) e de subsuperfície (Rockworks15). A localização de afloramentos rochosos submersos, alcance máximo da maré no final do século XIX, e modelo actual da superfície topobatimétrica da Ria Formosa foram também integrados, resultando na produção de um modelo digital da paleosuperfície de pré-inundação holocénica.

Fig. 1. Mapa de zona central da Ria Formosa com a localização de: locais de sondagens; principais unidades morfossedimentares; isolinhas topobatimétricas, alcance máximo da maré (actual e em 1885); e linhas de água principais. Note-se que algumas linhas de água foram realinhadas durante a reclamação de terrenos de sapal. Fig. 1. Location map showing central part of Ria Formosa, highlighting: boreholes sites; main morphosedimentary units; topobathymetric isolines; maximum tidal range (actual and in 1885); and tributaries. Note that some tributaries were realigned through land reclamation.

Reconstrução Holocénica do sistema lagunar da Ria Formosa 637 4. Resultados e discussão

A paleosuperfície pré-Holocénica obtida mostra uma complexa rede hídrica, individualizando-se cinco paleotalvegues fluviais principais que seguem o ponto terminal de linhas de água actuais até à isolinha de -20 m (Fig. 2). Expectavelmente, os principais canais de maré hoje observáveis encontram-se numa posição próxima dos paleotalvegues, nomeadamente o esteiro do Ramalhete e o canal de Faro-Olhão. Destaca-se ainda a existência de duas plataformas de pendor mais suave até à isolinha de -30 m, separadas pelo paleotalvegue central de orientação NW-SE.

A configuração herdada da paleosuperfície determinou diferentes condições hidrodinâmicas num reduzido espaço geográfico, segmentando unidades sedimentares com ambientes deposicionais distintos. Ao combinar a interpretação visual de fácies sedimentares dos 46 furos com o modelo de paleosuperfície, os ambientes deposicionais isolados tornam-se mais evidentes, sendo agrupados em duas grandes unidades: o paleovale da ribeira de São Lourenço a Oeste, e a zona central do sistema.

A análise conjunta da sequência sedimentar e do conteúdo micropaleontológico da unidade Este mostra um ambiente de deposição transicional. Na base encontram-se condições de baixa energia, com silte e areia muito fina, associado a um ambiente estuarino abrigado com grande influência marinha (subtidal a intertidal inferior). Segue-se um ambiente estuarino aberto de maior energia, dominado por uma fácies arenosa, com silte argiloso no topo, indicando uma diminuição de energia das condições hidrodinâmicas prevalecentes Finalmente, os últimos 2 m da sequência sedimentar são compostos essencialmente por uma fácies arenosa, associada a uma nova alteração da energia hidrodinâmica do sistema, associado a um ambiente intertidal superior.

Por outro lado, a morfologia da paleosuperfície da zona central do sistema lagunar apresenta-se vincada por vários paleotalvegues mais estreitos comparativamente ao da ribeira de São Lourenço. Esta configuração herdada permitiu o estabelecimento quase contínuo de condições hidrodinâmicas de muito baixa energia, dominando uma única fácies de argila a silte argiloso. O conteúdo micropaleontológico confirma o ambiente subtidal a intertidal, com expressiva influência marinha.

As cerca de vinte amostras datadas por carbono-14 permitiram definir dois intervalos temporais de deposição/subida do n.m.m., resultados significativamente semelhantes aos obtidos em outros trabalhos (Lario et al., 2002; Zazo et al., 2008; Delgado et al., 2012). O primeiro, entre os 10 000 anos cal. BP e os 7 500 anos cal. BP, inicia-se com a rápida transgressão holocénica a uma taxa de 5.4mm/ano, com o preenchimento dos paleovales fluviais. Apesar do reduzido número de amostras obtidas, o segundo intervalo temporal entre os 7 500 anos cal. BP e

o presente é marcado por uma redução drástica da taxa de sedimentação (ca. 1 mm/ano).

Ao combinar o modelo regional de subida do n.m.m. proposto em Delgado et al. (2012) com a paleosuperfície produzida, é possível simular o alcance máximo do mar em diferentes momentos do Holocénico (Fig. 3), tornando-se mais evidente o isolamento das duas unidades sedimentares descritas.

A orientação semelhante da linha de costa actual e dos afloramentos rochosos subaéreos aos 10 000 anos cal. BP (Teixeira, 1998) indica o provável ponto de origem das ilhas barreira. A migração em direcção ao continente das ilhas barreira terá continuado até aos 7 000 anos cal. BP, momento em que o nmm aproxima-se da posição actual. O subsequente fecho da lagoa costeira é atrasado em alguns milhares de anos em função do preenchimento dos paleovales, obstáculos naturais para o transporte longilitoral de sentido W-E. Os dados micropaleontológicos indicam uma alteração ecológica da composição faunística perto dos 3 000 anos cal. BP, com uma cada vez maior predominância de espécies de ambientes parálicos, relacionados com o confinamento do sistema lagunar.

5. Considerações finais

Este trabalho apresenta uma síntese dos resultados obtidos nas campanhas recentes de aquisição de dados de subsuperfície da Ria Formosa, bem com uma interpretação preliminar dos mesmos. Ainda que de forma incipiente, a interpretação avançada para a origem e evolução holocénica do sistema lagunar harmoniza-se com trabalhos anteriores realizados em outros sistemas costeiros do golfo de Cadiz. Identificam-se três fases principais: i) subida rápida do n.m.m. entre os ca. 10 000 anos cal. BP e os 7 500 anos cal. BP, com consequente inundação do continente e taxas de sedimentação elevadas; ii) desaceleração drástica da subida do n.m.m. perto dos 7 500 anos cal. BP, permitindo a fixação de novos elementos geomorfológicos costeiros; iii) evolução do sistema costeiro da Ria Formosa em equilíbrio dinâmico a partir da segunda metade do Holocénico, aproximando-se da configuração actual. O modelo conceptual da reconstrução da evolução geomorfológica holocénica da Ria Formosa apresentado ainda necessita de ser refinado, nomeadamente através de uma análise conjunta e mais detalhada de dados sedimentológicos, micropaleontológicos, geofísicos e geoquímicos.

A leitura dos arquivos sedimentares preservados na subsuperfície de sistemas costeiros como o da Ria Formosa, abrangendo a totalidade do Holocénico, demonstra ser uma tarefa importante para a compreensão da dinâmica costeira actual, permitindo estabelecer uma base para extrapolação de cenários de evolução da linha de costa em resposta ao presente contexto de aceleração da subida do n.m.m.

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Fig. 2. Modelo digital de terreno da paleosuperfície da Ria Formosa. A identificação do contacto entre o substrato Plio-Plistocénico e os sedimentos não consolidados holocénicos foi possível em 95 de 211 sondagens. Nas restantes 116 o limite foi considerado como 2m abaixo da profundidade máxima do furo. Fig. 2. Paleotopography digital terrain model map of Ria Formosa central part. In 95 out of 211 cores the identification of the underlying Pleistocene bedrock was possible. In the remaining 116 the limit was considered 2m bellow the maximum core depth.

Fig. 3. Simulação da posição do nível médio do mar sobreposta ao modelo da paleosuperfície produzido. A posição do nível médio do mar foi inferida de forma aproximada com base no modelo proposto em Delgado et al. (2012). 1: ca. 10 000 anos cal. BP; 2. ca. 7 000 anos cal. BP; 3. ca. 3 000 anos cal. BP. As linhas a tracejado representam o contorno actual das ilhas barreira e dos canais de maré principais. Fig. 3. Simulation of Ria Formosa Holocene sea level position using paleotopography surface model. Sea level position is inferred as an approximate value according to Delgado et al. (2012). 1: ca. 10,000 years BP; 2: ca. 7,000 years BP; 3: ca. 3,000 years BP. Dotted lines outline present day barrier islands and main tidal channels.

Reconstrução Holocénica do sistema lagunar da Ria Formosa 639 Agradecimentos

O presente trabalho foi parcialmente financiado pelo projecto SIHER (PTDC/CTE-GIX112236/2009) e pela bolsa do programa Erasmus Mundus Joint Doctorate in Marine and Coastal Management (MACOMA).

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