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Adubação do milho em um sistema de produção de base agroecológica: desempenho da cultura e fertilidade do solo Fertilization of corn in agroecologic system production: agronomic performance of corn and fertility of soil HANISCH, Ana Lúcia 1 ; FONSECA, José Alfredo 2 ; VOGT, Gilcimar Adriano 3 1 Engª agrônoma, M.Sc., Pesquisadora da Epagri – Estação Experimental de Canoinhas/SC, Canoinhas/SC - Brasil, [email protected]; 2 Engº agrônomo, M.Sc., Pesquisador da Epagri – Estação Experimental de Canoinhas/SC, Canoinhas/SC - Brasil, [email protected]; 3 Engº agrônomo, M.Sc., Pesquisador da Epagri – Estação Experimental de Canoinhas/SC, Canoinhas/SC - Brasil, [email protected] RESUMO: O objetivo deste trabalho foi avaliar o desempenho da cultura do milho e características químicas do solo ao longo de quatro anos, em função do uso de sistema de base agroecológica de produção. Foi utilizado o delineamento em blocos ao acaso, com quatro repetições e cinco tratamentos: 1) aplicação em área total de cama de aviário (5 t ha -1 ano -1 ); 2) aplicação, em cobertura, do biofertilizante “uréia natural”; 3) aplicação, em cobertura, de urina de vaca a 10% de diluição; 4) plantio simultâneo de milho + leguminosa; 5) testemunha com manejo agroecológico. Foram avaliados a massa seca da adubação verde de inverno, o rendimento do milho e as características químicas do solo. Houve interação entre tratamentos e anos para produtividade de milho, sendo que o uso de cama de aviário proporcionou as maiores produtividades em todas as safras. Os tratamentos com uréia natural, urina de vaca e a consorciação não diferiram da testemunha com manejo agroecológico. Após quatro anos de cultivo com milho, ocorreram reduções nos valores de P, K e matéria orgânica do solo. PALAVRAS-CHAVE: biofertilizante, consorciação, urina de vaca, cama de aviário, milho variedade ABSTRACT: The objective this work was evaluate the agronomic performance of corn crop and the chemical properties of soil in the agroecologic system, for four years. Treatments were arranged in a randomized complete block design with four replicates and five treatments: chicken manure (5 t/ha/year); biofertilizer “natural urea”; cow urine 10%; intercropping legume species with corn and control. There was significant interaction between treatments and years in corn yield. The highest yield was obtained with chicken manure use, in the four years. The treatments with "natural urea", cow urine and intercropping legume species not differed from the control. After four years occurred reductions in values of P, K and organic matter of the soil. KEY WORDS: biofertilizer, intercropping legume species, cow urine, chicken manure, variety corn, Zea mays Revista Brasileira de Agroecologia Rev. Bras. de Agroecologia. 7(1): 176-186 (2012) ISSN: 1980-9735 Correspondências para: [email protected] Aceito para publicação em 06/12/2011

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Adubação do milho em um sistema de produção de base agroecológica:desempenho da cultura e fertilidade do solo

Fertilization of corn in agroecologic system production: agronomic performance of cornand fertility of soilHANISCH, Ana Lúcia1; FONSECA, José Alfredo2; VOGT, Gilcimar Adriano3

1 Engª agrônoma, M.Sc., Pesquisadora da Epagri – Estação Experimental de Canoinhas/SC, Canoinhas/SC - Brasil,[email protected]; 2 Engº agrônomo, M.Sc., Pesquisador da Epagri – Estação Experimental deCanoinhas/SC, Canoinhas/SC - Brasil, [email protected]; 3 Engº agrônomo, M.Sc., Pesquisador da Epagri –Estação Experimental de Canoinhas/SC, Canoinhas/SC - Brasil, [email protected]

RESUMO: O objetivo deste trabalho foi avaliar o desempenho da cultura do milho e característicasquímicas do solo ao longo de quatro anos, em função do uso de sistema de base agroecológica deprodução. Foi utilizado o delineamento em blocos ao acaso, com quatro repetições e cinco tratamentos:1) aplicação em área total de cama de aviário (5 t ha-1ano-1); 2) aplicação, em cobertura, dobiofertilizante “uréia natural”; 3) aplicação, em cobertura, de urina de vaca a 10% de diluição; 4) plantiosimultâneo de milho + leguminosa; 5) testemunha com manejo agroecológico. Foram avaliados a massaseca da adubação verde de inverno, o rendimento do milho e as características químicas do solo. Houveinteração entre tratamentos e anos para produtividade de milho, sendo que o uso de cama de aviárioproporcionou as maiores produtividades em todas as safras. Os tratamentos com uréia natural, urina devaca e a consorciação não diferiram da testemunha com manejo agroecológico. Após quatro anos decultivo com milho, ocorreram reduções nos valores de P, K e matéria orgânica do solo.

PALAVRAS-CHAVE: biofertilizante, consorciação, urina de vaca, cama de aviário, milho variedade

ABSTRACT: The objective this work was evaluate the agronomic performance of corn crop and thechemical properties of soil in the agroecologic system, for four years. Treatments were arranged in arandomized complete block design with four replicates and five treatments: chicken manure (5 t/ha/year);biofertilizer “natural urea”; cow urine 10%; intercropping legume species with corn and control. There wassignificant interaction between treatments and years in corn yield. The highest yield was obtained withchicken manure use, in the four years. The treatments with "natural urea", cow urine and intercroppinglegume species not differed from the control. After four years occurred reductions in values of P, K andorganic matter of the soil.

KEY WORDS: biofertilizer, intercropping legume species, cow urine, chicken manure, variety corn, Zeamays

Revista Brasileira de AgroecologiaRev. Bras. de Agroecologia. 7(1): 176-186 (2012)ISSN: 1980-9735

Correspondências para: [email protected] para publicação em 06/12/2011

IntroduçãoNas últimas décadas o solo tem perdido sua

capacidade natural de suporte para a produçãoagrícola, sobretudo pela perda da matériaorgânica, bem como pela perda das condiçõesfísicas naturais, devido ao mau uso e manejo dosmesmos. Dessa forma, para manter produtividadesadequadas, os produtores rurais precisam fazeruso intenso de insumos externos às propriedades,o que leva a um ciclo vicioso de compra deinsumos para a produção, deixando de lado osrecursos disponíveis na propriedade.

Um contraponto a esse cenário tem sido osistema de produção de base agroecológica, quetem levado diversos produtores rurais a fazer usode técnicas que proporcionem a manutenção ou amelhoria do potencial produtivo dos sistemasagrícolas. Diversas estratégicas tem sidoincorporadas ao processo produtivo dos sistemasde base agroecológica, destacando-se, entre elas,a adubação verde (AMABILE & CARVALHO,2006), o uso de caldas e biofertilizantes (BURG &MAYER, 2002; CÉSAR et al., 2007) e adubaçãoorgânica (BRITO et al., 2005; SCHERER & NESI,2008).

De um modo geral, a base dos sistemasprodutivos, sobretudo dos sistemasagroecológicos, em solos de clima tropical, é amanutenção da matéria orgânica do solo e adiversificação da vida do solo (PRIMAVESI, 2003).A evolução dos sistemas conservacionistas demanejo do solo, nos conceitos e no tempo,sobretudo o plantio direto, consolidou e reavivouconceitos agronômicos e ecológicos, quereafirmam a idéia de que o solo vivo, rico emmatéria orgânica, é capaz de produzir mais do queos indicadores convencionais admitem, quandoanalisados pontualmente (NICOLODI et al., 2008).

Essa constatação remete ao conceito dequalidade do solo, que para Vezzani & Mielniczuk(2009) é a capacidade que o mesmo tem deexercer suas funções na natureza, ou seja:funcionar como meio para o crescimento das

plantas; regular e compartimentalizar o fluxo deágua no ambiente; estocar e promover a ciclagemde elementos da biosfera e servir como tampãoambiental na formação, atenuação e degradaçãode compostos prejudiciais ao ambiente; ou seja,qualidade está diretamente relacionado à inter-relação entre os componentes físicos, biológicos equímicos do solo. Para Loss et al. (2010) amanutenção da qualidade do solo é um dosfatores-chave para se atingir a sustentabilidade deum sistema de produção, destacando-se o manejoempregado como o componente principal.

É possível que o manejo agroecológicoproporcione a maximização das interações queocorrem no solo, resultando dessa forma, emsistemas de produção que incorporem um carátermais duradouro à fertilidade, com diminuição decusto e de riscos aos agricultores. No entanto,estudos disponíveis com experimentos de média elonga duração em sistemas de manejoagroecológico ainda são raros no Brasil. A questãoé saber se nestes sistemas é possível se alcançarproduções economicamente adequadas. Ou seja,sistemas agroecológicos produzem quanto e porquanto tempo?

A hipótese estabelecida para esse trabalho éde que manejo com base agroecológica é capazde manter a capacidade de sustentação daprodução por períodos de médio prazo. Seuobjetivo foi avaliar o desempenho da cultura domilho e as características químicas do solo aolongo de quatro anos, em função do uso desistema de produção de base agroecológica.

Material e métodosO experimento foi conduzido na Estação

Experimental da Epagri de Canoinhas, nomunicípio de Papanduva, região do Planalto NorteCatarinense, localizada a 26º22’S e 50o16’W,altitude de 800 m e clima Cfb, durante quatrosafras agrícolas, de 2006 a 2010. As condições

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climáticas durante o período estão apresentadasna Figura 1. O solo da área experimental é umLatossolo Vermelho Distrófico (EMBRAPA, 2006)que apresentava em 2006, na ocasião daimplantação do experimento, as seguintescaracterísticas: 31% de argila; pHágua = 5,9;pHSMP = 5,9; P = 5,9 mg dm-3; K = 0,68 cmolc dm-

3; matéria orgânica (M.O.)=5,7 dag kg-1; Al=0cmolc dm-3; Ca= molc dm-3 e Mg =5,8 cmolcdm-3.

A área experimental foi utilizada como camponativo até 2003, quando foi iniciado o manejo dafertilidade do solo com a incorporação de 6 Mg ha-

1 de calcário dolomítico visando elevar o pHágua a6,0 (CFS RS/SC, 1995) e 800 kg ha-1 de fosfatonatural de Gafsa, a fim de fornecer um suprimentoinicial de nutrientes capaz de gerar biomassa emelevada quantidade. A partir de então, não foi maisaplicado calcário ou fosfato e o manejo adotado foio de cobertura verde no inverno com aveia,aveia+ervilhaca, aveia e cultivo no verão com soja,milho e consórcio de adubação verde de verão,respectivamente, para as safras 2003/04, 2004/05e 2005/06. O sistema de cultivo adotado na áreafoi o plantio direto com o uso de rolo-faca para o

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Figura 1: Precipitação pluvial e temperaturas máximas e mínimas do ar mensais ocorridas em quatrosafras de milho, na Estação Experimental de Canoinhas,SC.

manejo da cobertura de inverno, sem uso defertilizantes e agrotóxicos.

O experimento foi instalado na safra 2006/07 erepetido novamente nas três safras seguintes.Dados sobre o manejo da área e da cultura estãodescritos na Tabela 1. Apenas na primeira safra foiutilizado o inseticida Decis® para controle dalagarta do cartucho (Spodopera frugiperda) noinício do ciclo da cultura. Como nesta safra o milhofoi semeado após cobertura de aveia preta, foramaplicados 800 L ha-1 do biofertilizante “uréianatural” (Burg & Mayer, 2002), 20 dias após asemeadura, como estratégia para aumentar adisponibilidade de nitrogênio nos estádios iniciaisda cultura do milho.

Os tratamentos foram definidos em função defontes de nutrientes utilizadas por produtoresorgânicos e agroecológicos no Sul do Brasil. Foramavaliados cinco tratamentos: 1) aplicação a lanço,sem incorporação, de 5 Mg ha-1 ano-1 de cama deaviário com a seguinte composição: matéria seca(MS) = 85,5%; pH = 8,3; N = 30,4 g kg-1; P = 14,8g kg-1; K = 23,1 g kg-1; Ca = 39,5 g kg-1; 2)aplicação de 800 L ha-1 ano-1 de uréia natural:biofertilizante líquido constituído pela mistura deesterco bovino, leite, melaço e cinzas, cujacomposição apresentou M.S. = 2,5%; pH = 5,0; N= 0,67 kg m-3; P = 0,24 kg m-3; K = 0,61 kg m-3; Ca= 0,61 kg m-3; Mg = 0,33 kg m-3; 3) aplicação de

800 L ha-1 ano-1 de um biofertilizante líquidoconstituído da mistura de água e urina de vacadiluída a 10%; 4) plantio simultâneo de milhoconsorciado com leguminosa na entrelinha; 5)testemunha sem aplicação de adubo. Nostratamentos com uréia natural e urina a 10% osprodutos foram aplicados em duas frações iguaisde 400 L ha-1 ano-1, em cobertura, com o uso depulverizador costal, aos 30 e 60 dias após asemeadura do milho. No tratamento do milhoconsorciado com leguminosas nas entre linhas, foisemeado mucuna-cinza (Stizolobium pruriens) nasafra 2006/2007, mucuna-anã (S. deeringianum)na safra 2008/2009 e feijão-de-porco (Canavaliaensiformis) nas safras 2007/08 e 2009/2010.

Foi utilizado delineamento de blocos ao acaso,em parcelas subdivididas no tempo, alocando-senas parcelas os tratamentos e nas subparcelas osanos de avaliação, com quatro repetições. A áreade cada parcela foi de 22,5 m2 (4,5 x 5 m) e áreaútil de 13,5 m2, formada pelas três linhas centraisdo milho. A população de plantas estabelecida foide 55 mil plantas ha-1 e o controle de invasoras foirealizado com duas capinas manuais por safra.

Na ocasião da colheita foi avaliado, na área útilde cada parcela, as seguintes variáveis: númeromédio de espigas por parcela; massa média dogrão (determinada através da pesagem de 200grãos por parcela), plantas quebradas por parcela

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Tabela 1: Informações da área experimental nas quatro safras avaliadas.

e produtividade de grãos - determinada pelacolheita das espigas da área útil, as quais foramtrilhadas, pesadas e os dados corrigidos para 13%de umidade e os dados extrapolados para kg ha-1.

A massa seca da cobertura de inverno foideterminada em 2008 e 2010, através de cortesrealizados rente ao solo, em amostras de 1 m2

dentro da área útil da parcela, um dia antes darolagem. Após o corte, o material vegetal foipesado para determinação da massa fresca.Retirou-se uma subamostra para determinação doteor de MS e o restante do material foi devolvidoao solo. As subamostras foram secas em estufascom circulação forçada de ar, com temperatura de65ºC até peso constante.

Foram realizadas coletas de amostras de solopor parcela, em junho de 2008 e em abril de 2010,na camada superficial de 0-10 cm deprofundidade, em cinco pontos de cada parcela,formando uma amostra composta. As amostrasforam preparadas e análisadas quimicamente coma finalidade de avaliar as variações daspropriedades químicas. Em cada amostracomposta foram avaliadas as seguintes variáveis:pH em água, índice SMP, cálcio (Ca), magnésio(Mg) e potássio (K) trocáveis, fósforo (P) disponívele matéria orgânica (MO), conforme metodologiadescrita por Tedesco et al. (1995).

O Ca e o Mg foram extraídos em KCl 1M, edeterminados por espectrofotometria de absorçãoatômica. O K e o P foram extraídos com a soluçãoextratora Mehlich-1, sendo que, na determinaçãodo K foi utilizada a fotometria de chama, enquantoque, para o P foi utilizada a colorimetria.

A acidez potencial (H + Al) foi quantificadautilizando-se a solução tampão SMP. Paraavaliação da matéria orgânica, empregou-se ométodo da oxidação úmida, e determinação porcolorimetria. A partir dos resultados analíticosprimários, foram calculadas a capacidade de trocacatiônica (CTC pH 7,0) e a saturação por bases

(V).Os dados foram submetidos à análise de

variância com o auxílio do programa estatísticoSisvar. Quando constatados efeitos significativospelo teste F, as médias foram comparadas peloteste de Tukey. Nas análises foi adotado o nível de5% de probabilidade do erro.

Resultados e discussãoHouve interação significativa (p<0,05) entre

anos e tratamentos apenas para produtividade(Tabela 2). Nos dois primeiros anos, à exceção dotratamento de consorciação de milho comleguminosas na primeira safra, não ocorreramdiferenças entre os tratamentos. As produtividadesobservadas de 8.617 e 8.577 kg ha-1 notratamento testemunha agroecológica,respectivamente, na 1ª e 2ª safra, indicam apossibilidade do manejo agroecológico de solo tercontribuído para a manutenção da qualidade dosolo, o que permitiu produtividades acima de 140sc ha-1 sem a utilização de fontes de nutrientes.

Nas duas últimas safras (2008/09 e 2009/10), aprodutividade reduziu em todos os tratamentos, àexceção do tratamento com cama de aviário. Amaior redução observada na safra 2008/09 está,possivelmente, relacionado, à má distribuição daschuvas, como a menor precipitação ocorrida nosmeses de dezembro de 2008 e fevereiro e marçode 2009 (Figura 1). Apesar da redução daprodutividade nos tratamentos sem cama deaviário ao longo dos anos, a produtividade médiados quatro anos, para os demais tratamentos, foisuperior à média estadual (EPAGRI/CEPA, 2009)e aos valores obtidos por Vieira et al. (2006) naavaliação da variedade SCS 154 Fortuna emsistema convencional.

No tratamento com cama de aviário, aprodutividade média de 9.328 kg ha-1 para osquatro anos de avaliação, foi superior ao valor de8.500 kg ha-1 obtidos por Scherer et al. (1986)

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Tabela 2: Produtividade, peso de 200 grãos, número de espigas e número de plantas de milhoquebradas por parcela, em cinco tratamentos com uso de insumos de base agroecológica, durantequatro safras agrícolas. Canoinhas, SC.

Medias seguidas de mesma letra, maiúscula na coluna e minúscula na linha, não diferem entre si pelo teste de

Tukey a 5% probabilidade. C.V. = coeficiente de variação; C.V. 1 = erro da parcela; C.V. 2 = erro geral.

quando utilizaram doses de 6 e 12 Mg ha-1 decama de aviário. Para esses autores a cama deaviário pode suprir grande parte dos nutrientesrequeridos pelas culturas e além do efeitoimediato, apresenta efeito residual superior ao dosadubos solúveis. Neste trabalho, este efeitoresidual pode ser verificado na produção da massaseca das plantas de cobertura de inverno, cujaprodução no tratamento com cama de aviário foisuperior aos demais tratamentos, nos dois anosavaliados (Tabela 3).

Não foi observado efeito significativo daaplicação de biofertilizantes ou caldas (uréianatural e urina de vaca a 10%) na produtividade domilho (Tabela 2). Os experimentos com caldasagroecológicas ainda são raros, embora seu usoentre produtores agroecológicos seja relativamentecomum. César et al. (2007) verificaram efeitosignificativo da urina de vaca no crescimento demudas de pepino, com resposta máxima naconcentração de 20% de urina na solução.Segundo esses autores a urina de vaca, quandoaplicada às plantas cultivadas, tem mostradovantajosos atributos não somente como fatornutricional, mas também por apresentar, em

diversas situações, comportamento comodefensivo natural contra alguns agentespatológicos das culturas agrícolas. O fato de nãoter sido observado efeito das caldasagroecológicas neste experimento pode estarrelacionado ao manejo de solo adotado, emespecial ao efeito residual do uso da ervilhacapara a cultura do milho. Bortoloni et al. (2000)verificaram que a produtividade de grãos de milhocultivado em sucessão à ervilhaca em cultivoisolado, não apresentou resposta à adubaçãonitrogenada, evidenciando o efeito dessaleguminosa na disponibilidade de nutrientes para acultura do milho.

Da mesma forma, não houve efeito positivo dasleguminosas consorciadas simultaneamente commilho sobre a produtividade do mesmo. Naprimeira safra, ocorreu interferência negativa naprodutividade do milho com o uso da consorciaçãocom mucuna-cinza (Tabela 2), devido ao excessivosombreamento do milho causado pela leguminosa,uma vez que a mesma é uma planta trepadeira ebastante agressiva. Esse fato reforça anecessidade da seleção da espécie a serconsorciada, de forma que se concilie potencial de

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Tabela 3: Produção de massa seca (kg ha-1) de plantas de coberturas do solo no inverno (aveia preta+ ervilhaca) em cinco tratamentos com uso de insumos de base agroecológica. Canoinhas, SC.

Médias seguidas de mesma letra, maiúscula na coluna e minúscula na linha, não diferem entre si pelo teste de

Tukey a 5% probabilidade. C.V. = coeficiente de variação; C.V. 1 = erro da parcela; C.V. 2 = erro geral.

produção de fitomassa, efeito na reciclagem denutrientes e ajuste ao sistema agrícola adotado. Ouso de feijão-de-porco ou mucuna-anã nas safrasseguintes, não prejudicou a produtividade de milhoem relação à testemunha agroecológica. Essesresultados concordam com Oliveira et al. (2002),que verificaram que o milho produzido em cultivoexclusivo apresentou produção de matéria seca ematéria verde semelhante à produzida quandoconsorciado com leguminosas. Perin et al. (2007)avaliando milho consorciado com feijão-de-porco,em sistema orgânico, verificaram que quandoambas as culturas foram semeadas na mesmalinha, simultaneamente, a leguminosa não afetou aprodução de milho verde e milho grão.

As produtividades observadas com o uso decama de aviário, possivelmente se devem aoaporte ao sistema de aproximadamente 150 kg ha-

1 de N anualmente, além de outros nutrientes,como o P (70 kg ha-1 ano-1). Por outro lado, osresultados observados para o tratamentotestemunha, em que não ocorreu adição denenhum tipo de nutrientes, indica tendênciapositiva do manejo de base agroecológica naqualidade do solo. Esse manejo priorizou oadequado fornecimento inicial dos nutrientesescassos no solo - que neste trabalho ocorreu em2003 – a manutenção da cobertura de solo e oaporte de biomassa no sistema. Estes resultadosindicam que a reversão do processo produtivopassa necessariamente pela mudança nospadrões da exploração dos solos agrícolas. ParaMuzzili et al. (1989) a incorporação dos resíduos, ouso da adubação orgânica e adubação verde sãopráticas imprescindíveis, não só para arecuperação das características químicas, físicas ebiológicas dos solo, mas também como forma deracionalização do uso de fertilizantes minerais.

Não houve interação entre anos e tratamentospara os demais componentes de rendimento. Opeso de grãos e a número de espigas por parcela

foi maior, na média dos 4 anos, com o uso decama de aviário, embora os dados não tenhamdiferido significativamente da testemunha. Aolongo dos anos, foi verificado redução dessesindicadores para todos os tratamentos. O númerode plantas quebradas/tratamento diferiu entre ostratamentos, sendo que o tratamento que menosapresentou essa característica foi no tratamentotestemunha.

Este trabalho procurou manter a proporção dacobertura verde de inverno em 20% de aveia pretae 80% de ervilhaca, valores próximos aorecomendado por Heinrichs et al. (2001). Osdados de massa seca das plantas de cobertura desolo no inverno estão disponíveis na Tabela 3 esão valores próximos aos observados por Carvalhoet al. (2007), à exceção do tratamento com camade aviário no ano de 2008, cuja produção de MSfoi superior a 8.600 kg ha-1. Houve interação entreanos e tratamentos, sendo que o uso de cama deaviário promoveu incremento significativo na MSdas plantas de cobertura de inverno, nos dois anosde avaliação. Exceto no tratamento testemunha,houve redução significativa da produção de MS daadubação verde de inverno no ano de 2010, apósa quarta safra do experimento.

Na Tabela 4 estão descritos os resultados deanálise química do solo na camada de 0-10 cmnos anos de 2008 e 2010. Nas amostras coletadasem 2010, os teores de P, K, Ca+Mg e matériaorgânica, foram menores que nas coletadas em2008, enquanto que a saturação por bases e o pHnão diferiram entre os anos.

O teor de matéria orgânica foi maior notratamento com cama de aviário em relação aotratamento testemunha, possivelmente devido aoaporte anual de matéria orgânica via uso doesterco. No segundo ano ocorreu acentuadaredução nos valores de matéria orgânica paratodos os tratamentos. Essa redução pode estarrelacionada à falta de rotação de culturas, devido

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ao cultivo contínuo de milho. Santos et al. (2008)verificaram que o valor de matéria orgânica do soloem um sistema de rotação de cultura maisdiversificado em PD (trigo/soja, ervilhaca/milho eaveia branca/soja) foi maior que em sistemas comrotação mais simplificados, sendo, inclusive,

superior ao valor de matéria orgânica registrado 13anos antes do início do PD, indicando o efeito darotação no incremento desse componente no solo.

Os teores de fósforo diferiram entre tratamentose entre os anos, com significativa redução no anode 2010, chegando a teores considerados baixos

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Tabela 4: Valores de pH, P, K, Ca+Mg, matéria orgânica e saturação de bases de solos submetidosquatro estratégias de manejo agroecológico. Canoinhas, SC.

Médias seguidas de mesma letra, maiúscula na coluna e minúscula na linha, não diferem entre si pelo teste de

Tukey a 5% probabilidade. C.V. = coeficiente de variação; C.V. 1 = erro da parcela; C.V. 2 = erro geral.

para a cultura do milho (CQFS-RS/SC, 2004) emtodos os tratamentos. Os tratamentos com menorteor de P foram o com o uso de leguminosas e atestemunha, em relação ao tratamento com uso decama de aviário, indicando que este tratamento foimais efetivo no fornecimento deste nutriente. Noentanto, mesmo com teores baixos de P no solo noano de 2010, não foi verificado sintomas dedeficiência desse elemento nas plantas. Isto podeter ocorrido em função de que, sistemas produtivoscom menor perturbação do solo, como o plantiodireto, conseguem manter maiores teores de P nabiomassa microbiana e maior população demicroorganismos solubilizadores de fósforo(CARNEIRO et al., 2004).

Não foi observada diferença entre ostratamentos para o teor de K, apesar dos teoresmédios terem variado de 144 a 70 mg dm-3. Estefato pode estar relacionado aos altos coeficientesde variação, que tendem a dificultar a visualizaçãode diferenças significativas. Os teores de Ca e Mge consequentemente, de V%, também não forammodificados pelos tratamentos, possivelmentepelos baixas quantidades adicionadas destesnutrientes com os tratamentos.

Em um cenário atual de mudanças climáticas eprodutos agrícolas transformados em commodities,o risco assumido por produtores rurais éproporcional ao custo de produção, o que leva ànecessidade de geração de tecnologias comprodutividades adequadas, mas com menor custo.Neste trabalho, com o uso de sementesvariedades, associado ao manejo de baseagroecológica foram obtidas produtividades demilho (média de quatro anos) superiores a 6.500kg ha-1, embora com significativa redução dadisponibilidade de nutrientes no solo. Essesresultados fornecem indicadores de que o sistemade base agroecológica para a cultura do milho sesustenta por médio prazo (4 anos) e de que sãonecessários o aprofundamento destes estudos

visando a definição de técnicas que permitam amanutenção de produtividades mais altas como asobservados nos dois primeiros anos do trabalho.

ConclusõesO sistema de produção de base agroecológica,

com correção inicial de nutrientes, manutenção dacobertura do solo e aporte de biomassa -representando pelo tratamento testemunha – écapaz de suportar produtividade de milho em tornode 6.500 kg ha-1, na média de 4 anos.

O manejo de base agroecológica associado aouso de 5 Mg ha-1 de cama de aviário mantémprodutividade de milho acima de 9.000 kg ha-1 amédio prazo.

O uso do biofertilizante uréia natural, de urinade vaca a 10% e a consorciação com leguminosasnão influenciam na produtividade do milho, emsistema de produção de base agroecológica.

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adubação verde. In: AMABILE, R.F.;CARVALHO, A. M. (Ed.) Cerrado: adubaçãoverde. Planaltina, DF: Embrapa Cerrados, 2006.360 p.: il. col.

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