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V. 5 1976 DISTRITO FEDERAL REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO

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V. 5 1976

DISTRITO FEDERAL

REVISTADO

TRIBUNAL DE CONTASDO

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Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 5

SUMÁRIO

I. - DOUTRINA _______________________________________________________ 5FISCALIZAÇÃO DAS ENTIDADES DESCENTRALIZADAS DO PODERPÚBLICOF_______________________________________________________________6

RAIMUNDO DE MENEZES VIEIRA ______________________________________________ 6

A EMPRESA PÚBLICA NA LEI E NA REALIDADE BRASILEIRA _____________25J. CRETELLA JÚNIOR ________________________________________________________ 25

AS FRONTEIRAS DA MORALIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO_______45MANOEL DE OLIVEIRA FRANCO SOBRINHO ___________________________________ 45

PROVENTOS. MELHORIAS POSTERIORES. REVISÃO. LUIZ ZAIDMAN _____54

A TEORIA DA DESCONSTITUCIONALIZAÇÃO DAS LEIS___________________63JORGE ALBERTO ROMEIRO __________________________________________________ 63

PRESCRIÇÃO DAS FALTAS ADMINISTRATIVAS. PASSÍVEIS DE DEMISSÃO_78José Guilherme Villela__________________________________________________________ 78

A RESPONSABILIDADE FINANCEIRA E ORÇAMENTARIA NOS MUNICÍPIOS— O ÓRGÃO LEGÍTIMO PARA O EXAME DAS CONTAS MUNICIPAIS _______85

ROBERTO ROSAS____________________________________________________________ 85

II. – VOTOS E PARECERES___________________________________________ 90NATUREZA, AUTONOMIA E DUPLICIDADE DA FUNÇÃO DOS TRIBUNAIS DECONTAS________________________________________________________________91

PROCESSO N.° 1.040 /75 _________________________________________________112Conselheiro Substituto JESUS DA PAIXÃO REIS __________________________________ 112

Conselheiro Substituto JESUS DA PAIXÃO REIS ____________________________115

PROCESSO N.º 1.139/75__________________________________________________119Procurador LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ ________________________ 119

PROCESSO N.º 531/74 ___________________________________________________122Procurador LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ ________________________ 122

PROCESSO N.º 100/75 - STC______________________________________________125Procurador LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ ________________________ 125

PROCESSO N.° 736/73 -- STC_____________________________________________128Procurador LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ ________________________ 128

PROCESSO N.º 505/74 ___________________________________________________134Procurador ROBERTO ROSAS _________________________________________________ 134

PROCESSO N.° 176/75 ___________________________________________________136Procurador ROBERTO ROSAS _________________________________________________ 136

TRANSFERÊNCIA PAIA QUADRO DE PESSOAL - CRITÉRIOS E SUGESTÕES_______________________________________________________________________139

Autor: JOMAR MACIEL PIRES ________________________________________________ 139

III. – TRABALHOS E JURISPRUDÊNCIAS _____________________________ 145CONTRATO ___________________________________________________________146

Procurador do Tribunal de Contas da União DR. SEBASTIÃO BAPTISTA AFFONSO _____ 146

PENSÃO - DEPENDENTE (LOPS - arts. II, item 2.º, e 13) _____________________157

SÍNDROME DE PEUTZ - JAEGHERS _____________________________________157

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PREVIDÊNCIA SOCIAL --- SEGURADO CASADO - PENSÃO A COMPANHEIRA_______________________________________________________________________157

Tese N.º 18 “LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS A AUTONOMIA ESTADUAL ELIMATÉRIA DE TRIBUNAIS DE CONTAS” _________________________________159

Autor: Procurador José Guilherme Villela do Tribunal de Contas do Distrito Federal ________ 159

Tese N.º 17 "UM RETROCESSO POLÍTICO-CONSTITUCIONAL NO PROCESSOEVOLUTIVO DO CONTROLE EXTERNO PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS" _163

Tese N.° 12 "UNIFORMIZAÇÃO DAS LEIS ORGÂNICAS DOS TRIBUNAIS DECONTAS”______________________________________________________________166

Autor: OTÁVIO DE Sá LEITÃO FILHO Ex-Procurador-Geral do Tribunal de Contas da Paraíba___________________________________________________________________________ 166

Tese N ° 3 "DA PREVALÊNCIA DAS IMPUGNAÇOES DOS TRIBUNAIS DECONTAS EM RELAÇAO AOS CONTRATOS QUANDO DO SILÊNCIOLEGISLATIVO" _______________________________________________________169

Autor: DR. JOSÉ AUGUSTO PEDR.OSA CUNHA Chefe da Assessoria do Tribunal de Contas daBahia ______________________________________________________________________ 169

Tese N.º 4 "OS TRIBUNAIS DE CONTAS EM FACE DO § 6 °, ART. 72, DACONSTITUICAO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL"______________172

Tese N.º 7 "O VEREADOR E A FUNÇAO PÚBLICA" ________________________174Autor: José Jappur Auditor do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul _________________ 174

IV. - NOTICIÁRIO __________________________________________________ 177

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I. - DOUTRINA

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FISCALIZAÇÃO DAS ENTIDADESDESCENTRALIZADAS DO PODER PÚBLICO(**)

RAIMUNDO DE MENEZES VIEIRA(*)

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARESEste documento se destina a completar o ciclo do controle externo

exercido pelo Senado Federal, com o auxílio do Tribunal de Contas do DistritoFederal, no concernente à questão financeira, orçamentária e patrimonial doGoverno da Capital da República, durante o exercício de 1975.

Iniciado com a discussão e votação da Lei de Meios, segue-se a fasetécnica desse controle, que se realiza metódica e continuamente pela atuaçãoda Corte quanto ao desempenho das funções de auditoria financeira eorçamentária, pelo julgamento das aposentadorias, reformas e pensões, e pelojulgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por bens evalores (EC n.º 1/69, arts. 17, § 1° e 42, n.º V — Lei n.º 5.538/68).

Observa-se, pois, que a apreciação das Contas Governamentais não éfato isolado, circunscrito a mero exame superficial de dados levantados pelossistemas contábeis com finalidade apenas de dar cumprimento a disposiçõesconstitucionais e legais, mas é o desfecho, o coroamento de trabalho sério edecidido da Corte de Contas, com relação aos processos que lhe sãopresentes, à expedição de instruções normativas, à resposta a consultas, aojulgamento das contas de todos quantos são responsáveis por bens e valorespúblicos e, sobretudo, às funções de auditoria, pelas quais é examinada, inloco, a regularidade da arrecadação da receita e da realização da despesa.

Por essas razões de ordem sistêmica é que a análise aqui realizada églobal, abrangente, conjuntural, a qual, por isso mesmo, não elide, nem podeelidir responsabilidades individuais, que somente por ato da Corte podem serliberadas após julgamento específico e privativo.

A tudo isto, é necessário repetir, acresce a ação do controle interno, acargo do próprio Executivo, o mais interessado — como mandatário-executor— em que a aplicação dos recursos públicos se verifique em conformidade nãosó com as leis, mas também com os anseios da coletividade, fonte dosrecursos e destinatária dos benefícios.

Feita esta aproximação inicial, com o intuito mesmo de reforçar umentendimento que, sobre ser correto e objetivo, é do conhecimento de poucos,

(**)Introdução ao Relatório e Parecer Prévio sobre as contas do Governo do Distrito Federal, do exercíciode 1975.(*)Conselheiro Substituto do TCDF.

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passa-se a um breve estudo da fiscalização das entidades descentralizadas doPoder Público, de inteira responsabilidade do Relator.

PIONEIRISMO DO T.C.D.F.As dificuldades iniciais do Tribunal de Contas do Distrito Federal no

concernente à fiscalização das entidades da Administração Indireta podem seraquilatadas por duas ordens de considerações, principalmente.

Ao lado das naturais vicissitudes enfrentadas por um órgão recém-instituído, acresce ainda a circunstância de que a Corte teve sua criação eestruturação reguladas em 5 artigos da Lei de Organização Administrativa donovo Distrito Federal, a Lei n.º 3.751, de 13 de abril de 1960,compreensivelmente com enormes lacunas que só mais tarde, com a ediçãode sua lei orgânica, viriam a ser corrigidas.

Um outro aspecto das dificuldades pode ser imaginado em face daadoção de um novo modelo de administração que se implantava com a novelcapital, magnificamente analisado in "Algumas Notas sobre a AdministraçãoDescentralizada do Distrito Federal", pela ilustre Procuradoria-Geral, DoutoraÉlvia Lordello Castello Branco, em cuja figura prestamos homenagens a todosos companheiros, que, com dedicação e espírito público, fazem a grandezadesta Casa.

Pelas razões históricas da completa falência do sistema de concessão deserviços públicos, pela crescente burocratização das autarquias econsiderando as peculiaridades de uma cidade em que tudo estava por criar efazer funcionar, optou o Governo pela criação de fundações e empresaspúblicas como formas de descentralização de seus serviços, cujascaracterísticas de gestão, nos moldes das empresas privadas, poderiamoferecer a necessária rapidez na implantação e execução de serviços urgentese imprescindíveis à normalização da vida da cidade.

Somente uma atuação perseverante, criteriosa e decidida poderia supriras limitações legais quanto à competência do Tribunal para a fiscalização dosórgãos descentralizados, aliada aos louváveis propósitos do Executivo emquerer fiscalizada a sua gestão. É que, no particular, essa competência serestringia ao julgamento das contas dos administradores das entidadesautárquicas locais, segundo o disposto na referida Lei n.º 3.751, de 1960.

Ora, como já assinalamos, não possuía o Distrito Federal esse tipo deentidade, daí haver o Tribunal conseguido do então Prefeito Sette Câmara aedição do Decreto n.º 196, de 5 de julho de 1962, cuja transcrição, em par-te,se impõe, para perfeito entendimento do assunto versado:

..........................................................."Considerando que na organização desse serviço público, a

Prefeitura vem optando, desde a instalação do Distrito Federal, peladescentralização das suas amplas atividades, para executá-las atravésde empresas públicas e fundações instituídas para o desempenho dasdiversas tarefas atinentes à instrução pública, assistência hospitalar,transportes coletivos, abastecimento etc.;"

...........................................................

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"Considerando que os altos propósitos da Corte de Contas são osmesmos alimentados pelo Executivo do Distrito Federal, que, semprejuízo dos poderes normativos conferidos ao Tribunal, podecomplementá-los com os que lhe são conferidos pelo art. 47 da Lei n.º3.751, de 13 de abril de 1960", Decreta:

"Art. 1º Todas as fundações e entidades autárquicas ouparaestatais instituídas pelo Distrito Federal, bem como as sociedadesem que detenha a maioria do capital social, e respectivas subsidiárias,prestarão ao Tribunal de Contas do Distrito Federal contas dos recursosque movimentarem relativamente ao exercício anterior, e são obrigadosa atender às exigências por ele estabelecidas para a fiscalização dasatividades financeiras de cada uma."

"Art. 2º A fiscalização do Tribunal, sempre que entenderconveniente, incluirá exame in loco, por prepostos seus, dos livros deescrituração, dos processos de concorrência e adjudicação de obras,inspeção e conferência dos estoques e almoxarifados, valores detesouraria e tudo o mais que o habilite ao criterioso julgamento dascontas das entidades sob sua jurisdição."

Da leitura desses dispositivos, pode-se inferir o desejo e a determinaçãoda Corte de partir para uma nova etapa na era do controle a cargo dosTribunais de Contas, tal o significado e a importância do Ato em referência,que foi, a bem dizer, o precursor de outros que vieram liquidar com o falidosistema do "registro de papéis".

De fato, não satisfeita em ver sob controle (hoje chamado externo)vultosos recursos manipulados pelas entidades descentralizadas, quis a Corteque esse controle se processasse .dinamicamente, de forma atuante, atravésdas inspeções in loco, porque tinha como "ineficaz o exame das contas se sópudesse ser feito no fim da gestão financeira anual", conforme está inserto najustificação ao Projeto de Lei n.º 4.327, de 1962, que pretendia a "organizaçãodos serviços do Tribunal de Contas do Distrito Federal".

Sobreleva destacar, ainda, as disposições .do Ato n.º I, de 8 de agosto de1962, da Corte, que regulamenta a aplicação do Decreto n.º 196 supra-mencionado, e que, a par de exigir a apresentação dos balanços nos moldesda Lei n.º 4.320/64, indistintamente, detêm uma notável atualidade quanto aoutros elementos exigidos nas prestações de contas, os quais, mutatismutandis, são os previstos pelo Decreto-lei n.º 199/67, pela Lei n.º 5.538/68 epela Lei n.º 6.223/75.

São, portanto, duas conquistas pioneiras, que somente muito mais tardevieram a ser adotadas: o sistema de auditoria (inspeções in loco), implantado 5anos depois pela Reforma de 1967 (Const. Federal, DLs. n.ºs 199 e 200) e ocontrole da gestão das empresas públicas, sociedades de economia mista efundações, consagrado no âmbito federal 13 anos depois, com a edição da Lein.º 6.223, de 1975, que, a seguir, é comentada.

A LEI n.º 6.223/75"Art. 1º O Congresso Nacional, através da Câmara dos Deputados

e do Senado Federal, exercerá a fiscalização financeira e orçamentária

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da União, mediante o controle externo, com o auxílio do Tribunal deContas da União, na forma do artigo 70, da Constituição Federal.

Art. 2º O controle externo compreenderá:I — A apreciação das contas do Presidente da República;II — O desempenho das funções de auditoria financeira e

orçamentária;III — O julgamento das contas dos administradores e demais

responsáveis por bens e valores públicos.Parágrafo único. No exercício das atribuições previstas neste

artigo, o Tribunal de Contas da União praticará os atos previstos naConstituição, nesta Lei e nas que dispuserem sobre sua competência ejurisdição."

Preliminarmente, pretende-se esclarecer equívoco relativamentegeneralizado sobre o fundamento constitucional desta lei, que se encontra, nãono artigo 45, mas no artigo 70 da Carta Magna, vigorante com a redação dadapela Emenda n.º 1, de 1969. A conclusão decorre não só da definição contidano artigo 19 desta Lei, como, acima de tudo, da matéria exclusivamentefinanceira, orçamentária e patrimonial que traz em seu contexto.

O artigo 45 chegou a ser invocado, e não poucas vezes, como a fontedonde se originava a competência dos Tribunais de Contas para o julga-mentodas prestações de contas dos administradores das empresas públicas esociedades de economia mista, independentemente de legislação especial queestabelecesse tal obrigatoriedade.

Um outro engano com referência a esse preceito, que merece serreferido, é que não se trata de inovação da Carta de 67, pois, na realidade, jáfazia parte integrante da Constituição de 1946, pela modificação operada coma Emenda n.º 17/65.

Aliás, o autor da emenda que viria dar origem ao artigo 48 da Lei Maiorde 67, o ilustre Senador Josaphat Marinho, justificou sua iniciativa sob ofundamento de que "o artigo 69 .do projeto (71 da CF de 67, e 70 da CF de 69)cuida apenas da fiscalização financeira e orçamentária, que não abrange,notoriamente, todos os ângulos do poder de controle que detém o CongressoNacional".

O fato é que ainda hoje está o artigo 45 pendente de regulamentação,evidentemente pela complexidade do assunto e pelos interesses políticos quesuscita, bem sintetizados pelo eminente Senador José Lindoso, queconsiderou o dispositivo "muito mais como um marco de aspiração doutrináriado que de possível exeqüibilidade".

De qualquer modo, este é um assunto que diz respeito exclusivamente aoCongresso Nacional, daí porque nos abstemos de expender maiorescomentários e, para quem desejar conhecê-lo melhor, indicamos, dentre outrosestudos feitos no âmbito daquele Poder, as seguintes fontes: Projetos de lei daCâmara n.08 1.635/68, 2.074/69, 1.212/73, 1.563/73, 13/75 (complementar) e1.681/75; Projetos de lei do Senado n.ºs 62/75 e 40/76. O exame dessasproposições esclarece, desde logo, que a tendência do Congresso Nacional

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não é pela adoção da figura do Ombudsman ou Comissariado Parlamentar,cujo sistema vem sendo seguido nos países nórdicos há mais de século.

"Art. 3º A Câmara dos Deputados ou o Senado Federal, pordeliberação do Plenário e por iniciativa das Comissões de FiscalizaçãoFinanceira e Tomada de Contas ou de Finanças, respectivamente,poderá requisitar ao Tribunal de Contas da União:

I — Informações sobre as contas dos órgãos e entidades daadministração federal sujeitos ao seu julgamento;

II — Cópias de relatórios de inspeções realizadas e respectivasdecisões do Tribunal;

III — Balanços das entidades da administração indireta sujeitas àapreciação do Tribunal;

IV — Inspeção em órgãos ou entidades de que trata o item I,quando o relatório de auditoria e respectivo certificado aponta-remirregularidades nas contas.

§ 1º Quando a iniciativa pertencer a Deputado ou Senador, seráobrigatoriamente ouvida, antes de sua apreciação pelo Plenário, aComissão Técnica pertinente a que se refere o caput deste artigo.

§ 2º As informações de que trata este artigo deverão ser prestadasdentro de 30 (trinta) dias e a inspeção deverá ser realiza-da no prazo de90 (noventa) dias, salvo prorrogação que deverá ser previamente pedidaà Casa do Congresso que tenha solicitado a providência."

Conquanto veementemente criticado, o artigo 3º afinal estabeleceu asformas de relacionamento entre o Legislativo e o Tribunal de Contas, nessecampo do controle externo. Teve o cuidado o legislador de definir critériosespeciais para a tramitação de proposições dessa natureza, que, dependendodo pronunciamento preliminar da Comissão Técnica específica, terão depassar ainda pelo crivo da Comissão Diretora, da Liderança da Maioria efinalmente do Plenário. Isto impedirá que as solicitações possam tornar-secorriqueiras — a exemplo do que aconteceu com os Requerimentos deInformações — e por isso mesmo perder a importância e os altos propósitosque lhes são inerentes.

Inconcebível seria se a lei dispusesse que a Câmara ou o Senadopudessem exercer diretamente as funções de auditoria financeira eorçamentária, realizar as inspeções, como, entre outros, pretendia o Projeto deLei da Câmara n.º 196-A, de 1967, havido como inconstitucional pelaComissão de Constituição e Justiça, porque estas são formas técnicas decontrole que a Constituição atribuiu privativamente ao Tribunal de Contas.

Regulamentando o assunto, a Corte Federal baixou a Resolução n.º 165,de 12-8-75, onde se lê:

"Art. 9º A requisição feita por qualquer das Casas do CongressosNacional, nos termos do art. 3º da Lei n.º 6.223, de 14 de julho de 1975,será encaminhada à Presidência que a despachará à Inspetoriacompetente.

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§ 1º No despacho, o Presidente do Tribunal fixará prazo para oatendimento, que não poderá ultrapassar a 15 (quinze) dias, quando setratar de requisição de informações ou cópias de documentos, ou a 45(quarenta e cinco) dias, se for solicitada inspeção.

§ 2º A Inspetoria de Controle Externo que, face de requisiçãoproveniente do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados, forincumbida de realizar inspeção e, uma vez iniciada esta, convencer-seda exigüidade do prazo fixado, poderá desde que o faça em tempo hábil,propor ao Presidente do Tribunal que seja previamente pedida aprorrogação do prazo à Casa do Congresso que haja solicitado aprovidência."

Lamenta-se, isto sim, que na Lei não tenha sido disciplinada também aforma de atuação de uma e de outra Casa, eis que, sendo concorrente ainiciativa, aconselhável se afigura que a de uma exclua a da outra sobre omesmo fato, pelos óbvios inconvenientes que poderiam advir da açãosimultânea nessas circunstâncias. Contudo, esta lacuna poderá ser per-feitamente contornável no nível das normas regimentais.

"Art. 4º O pedido de informação, a inspeção, a diligência ou ainvestigação que envolverem atos ou despesas de natureza secreta,serão formulados e atendidos com a observância desta classificação,sob pena de responsabilidade de quem a violar, apurada na forma dalei."

Se os atos ou despesas são de caráter secreto ou reservado, nada maispróprio do que o resguardo do sigilo pertinente a tais matérias. Aliás, constituidever funcional a discrição quanto a assuntos confidenciais de que o servidortome conhecimento pelas facilidades que lhe proporciona o cargo que ocupa.

"Art. 5º No exercício de suas atribuições, o Tribunal de Contas daUnião, quando julgar necessário, representará ao Congresso Nacionalsobre irregularidades ou abusos por ele verificados, com indicação dosresponsáveis.

§ 1º Na hipótese da aplicação de sanções pelo Tribunal de Contasda União, nos casos em que julgar desnecessário a representação, estedará ciência ao Congresso Nacional, para conhecimento da ComissãoTécnica respectiva.

§ 2º Recebida a representação, o Presidente da Câmara dosDeputados a distribuirá à Comissão de Fiscalização Financeira eTomada de Contas, que emitirá parecer, concluindo pela apresentaçãode Projeto de Decreto Legislativo."

As hipóteses configuradas no art. 5º devem ser examinadas emconsonância com o estatuído no § 49 do art. 72 da Constituição, do item IV doart. 31 do Decreto-lei n.º 199/67 e do art. 29 da Lei n° 5.538/68, e são da maiorimportância para a eficácia do controle, mas é preciso que a aplicação dessanorma se revista das cautelas que o seu alcance parece exigir. De fato, se aCorte tem competência privativa para julgar as contas dos Administradores,para sustar a execução de ato impugnado, e pode determinar a realização deinspeções que julgar necessárias, deverá esgotar todos os recursos com vistas

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à salvaguarda dos bens e valores públicos ou à reposição da parte subtraídado patrimônio estatal.

Além disso, pode ainda valer-se da faculdade de representar aoExecutivo, de maneira direta em face de caso concreto, ou em tese, a exemplodas considerações expendidas pelo eminente Ministro Octávio Gallotti, quandoda apreciação das contas do Governo, de 1974, que resultaram na deliberaçãode 18-6-75 do Conselho de Desenvolvimento Econômico, publicada no D.O.U.de 27 seguinte. De sorte que, exceto no caso de contratos, sóexcepcionalmente deve ser feita representação ao Legislativo, em face daextensão da irregularidade ou da gravidade do abuso, ou de ambas. Quandoocorrer aplicação de sanções, haverá obrigatoriamente comunicação masapenas para conhecimento das comissões técnicas: Co-missão deFiscalização Financeira e Tomada de Contas da Câmara dos Deputados eComissão de Finanças (e Comissão do Distrito Federal) do Senado Federal,nos casos em que a Corte julgar desnecessária a representação.

A lei em comento tem afinal o mérito de uniformizar procedimentos,delimitar competências, estabelecer divisor de águas entre as funções decontrole político e de controle técnico em que se biparte o controle externo,sobretudo pela descaracterização de situações singulares em que ora a Cortedava parecer sobre as contas e as remetia ao Congresso para julgamento; oraproferia julgamento, mas as enviava ao Congresso para a "adoção de medidasconvenientes"; ou até mesmo de situações ainda mais estranhas como quandoo Legislativo participava da direção da entidade cujas contas a posteriori teriaque julgar. São exemplos significativos o que se contém nas Leis nO8 3.736/60(Fundação das Pioneiras Sociais), 4.516/64 (SERPRO), 3.115/57 (RFFSA),541/48 (CVSF), 2.004/53 (PETROBRÁS) e 2.874/56 (NOVACAP), entre outras.

Agora, pelo estatuído no art. 59, o Tribunal no exercício de suasatribuições, julga as prestações de contas, representando ao CongressoNacional, quando julgar necessário, sobre irregularidades ou abusos por eleverificados, com a indicação dos responsáveis. E ao Congresso ficamreservadas as prerrogativas estabelecidas no art. 3º da Lei, regulamentado noâmbito federal pelo art. 9º, §§ 1º e 2º, da Resolução n.º 165, de 12-8-75, doTribunal de Contas da União, retrotranscritos.

"Art. 6º Os processos de tomada de contas serão julgados peloTribunal de Contas no prazo de 6 (seis) meses, a contar do seurecebimento, salvo situações excepcionais, reconhecidas pelo plenáriodo Tribunal."

Nascida em razão das aspirações de todos quantos reconhecem que asaplicações dos recursos do povo, ainda que nos moldes empresariais, devemestar sujeitas ao controle externo, e especialmente do empenho de todos osTribunais de Contas, a Lei, no entanto, impõe a essas Cortes prazo certo deseis meses, a contar da data do recebimento, para o julgamento dos processosde tomada de contas. O prazo, sobre ser razoável, quer impedir decisõestardias, quando, as mais das vezes, se torna difícil alcançar os resultadosdesejados, especialmente quanto a compelir o Administrador a atuar nem sóem consonância das normas legais, como também em conformidade com asleis econômicas.

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É evidente que as situações excepcionais — a ressalva é clara — sãobastantes para possibilitar a dilação do período, mas o Plenário deverá estaratento quanto aos fatos, por exemplo em função da assinação de prazos paracumprimento de diligências reputadas imprescindíveis à for-mação de juízo, demodo a coibir a procrastinação por parte dos interessados.

Não determinou, porém, o prazo para a apresentação das contas aoTribunal. Neste caso, prevalece o que for estipulado em Resolução ou AtoRegimental da Corte, salvo expressa disposição das leis que criaram asentidades.

No âmbito federal, a matéria está assim disciplinada pela Resolução n.º165/75 do TCU:

"Art. 5º Salvo expressa disposição legal em contrário, os processosde tomada ou prestação de contas deverão ser apresentados aoTribunal no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contados da data deencerramento do respectivo exercício financeiro".

Na esfera local, o Ato n.º 7/74 da TCDF dispõe:"Art. 32. As contas anuais dos administradores das entidades da

Administração Indireta deverão ser entregues ao Tribunal até 30 dejunho de cada ano".

Tais disposições têm caráter normativo, pois além de serem imanentesao próprio poder de controle, encontram fundamentação legal nos arts. 38 e 60do Decreto-lei n.º 1997:57 e no art. 36 da Lei n.º 5.538/68.

"Art. 7º As entidades públicas com personalidade jurídica de direitoprivado, cujo capital pertença, exclusiva ou majoritariamente a União, aEstado, ao Distrito Federal, a Município ou a qualquer entidade darespectiva administração indireta, ficam submetidas à fiscalizaçãofinanceira do Tribunal de Contas competente, sem prejuízo do controleexercido pelo Poder Executivo."

O artigo 7º é o ponto fundamental da Lei, porque quase tudo o mais jáestava disciplinado na Constituição, no Decreto-lei n.º 199/67 e no Decreto-lein.º 200/67. Restava, apenas, o enquadramento das empresas públicas esociedades de economia mista, especialmente destas, na jurisdição docontrole externo, que agora se estabelece, desde que o capital pertença, emmontante superior a 50%, à União, a Estado, ao Distrito Federal ou aMunicípio.

O alcance da norma é, todavia, bem mais abrangente do que sepretendia, eis que também outras entidades, que nas mesmas condiçõespertençam à Administração Indireta, ficam submetidas à fiscalização financeirado Tribunal de Contas competente, sem prejuízo do controle exercido peloPoder Executivo, vale dizer, do controle interno.

Significa isto que o número de empresas a ser controlado é bem maior doque à primeira vista era lícito imaginar. É que existe uma série de grandesempresas públicas com subsidiárias, que por sua vez também possuemsubsidiárias, verdadeiras empresas "holdings". Neste caso estão aELETROBRÁS, TELEBRÁS, PETROBRÁS, além de outras existentes em fasede implantação como a PORTOBRÁS, por exemplo.

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Por essa pequena mostra já se vê a ingente tarefa que recai sobre asInspetorias Gerais de Finanças, quase sempre subdimensionadas quanto aoaspecto quantitativo de pessoal, via de regra tidas como órgãos de segundoplano porque de atividades-meio, como se o "produto final" ou os objetivosderradeiros não dependessem do esforço e da colaboração de todos e de cadaqual. É bem verdade que os órgãos devem contribuir na justa medida de suaposição relativa e de sua importância no contexto de um sistemaorganizacional, mas não é menos verdade que as Inspetorias-Gerais, salvohonrosas exceções, se encontram num estádio muito aquém dos encargos quelhes são próprios e que, portanto, carecem de apoio para reequiparem-se econquistarem o lugar que lhes é reservado no concernente ao controle dosbens e valores públicos, conquanto lutem com dificuldades quaseintransponíveis, a exemplo da remuneração de seus técnicos, cujo venci-mento inicial de mais ou menos Cr$ 5.000,00 (cinco mil cruzeiros) cor-responde à metade do que é pago nas empresas fiscalizadas. Se assim não é,comparem-se os valores de retribuição dos contadores e economistas daAdministração Direta (Plano de Classificação de Cargos e o último aumento)com os anúncios do Banco Central e do BNDE nos jornais do País para opreenchimento desses mesmos cargos em seus quadros de pessoal.

E, num breve parêntese, faz-se igualmente uma reflexão sobre amagnitude do problema a ser enfrentado pela Corte de Contas federal, porque,a bem dizer, é a destinatária última de todos os processos de tomada decontas.

É, portanto, nesses momentos de quase perplexidade que se evidencia aimportância do controle interno para a eficácia do controle externo, pré-condição que chegou a merecer agasalho no próprio texto constitucional, semque, tudo indica, venha sendo devidamente considerada.

Ora, como se sabe, o controle interno é diversificado e multiforme, sendoexercido pelas chefias singulares, pelos Departamentos, pelas controladoriasinternas (a das empresas), pelas auditorias externas (contratadas), peladireção das empresas, e através da supervisão ministerial, que se realiza pelaação do controle de resultados (avaliação do desempenho quanto às metas) acargo das Secretarias-Gerais e pelo controle financeiro, incumbência dasInspetorias-Gerais de Finanças. Daí esperar-se uma atuação coordenada,especialmente IGF-SG, para a consecução do objetivo comum, pois a União éuma só.

A propósito do assunto — atuação coordenada — é da maior importânciaque as Inspetorias-Gerais de Finanças ou órgãos equivalentes se articulemcom o Banco Central do Brasil, a fim de se delimitarem com nitidez as áreas deatuação, pois aqueles e este têm competência para a fiscalização dasentidades bancárias estatais. O Banco Central, em razão de determinações daLei n.º 4.595/64, e as Inspetorias-Gerais de Finanças, em face das disposiçõesdo Decreto-lei n.º 200/67, 199/67 e Lei n.º 6.223/75. Evitar-se-á, com esseprocedimento, superposição de atribuições, duplo controle e outrosinconvenientes que normalmente surgem como conseqüência inevitável deação múltipla e não coordenada sobre um mesmo campo de atividades.

No que diz respeito à Corte, quanto ao particular, sua ação é amplaporque pode "praticai os atos previstos na Constituição, nesta Lei (6.223/75) e

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nas que dispuserem sobre sua competência e jurisdição", e porque suaatuação independe do controle a cargo do Executivo, sobre-pondo-se a ele, senecessário, desde que nos limites de sua competência legal, naturalmente.

De qualquer modo, a tarefa é enorme e exige compreensão edeterminação por parte dos órgãos do controle interno, assim como doexterno, pois terão que se valer da contratação de empresas de auditoria, dasautorias conjuntas, das auditorias das empresas subsidiárias de 1º grau sobreas de 2º e 3º graus, ou da contratação de auditores independentes, e/ou aindada colaboração dos auditores das Secretarias de Finanças dos Estados, atéque soluções definitivas sejam adotadas (Decreto-lei n.º 199/67, art. 36, § 1º;Decreto-lei n.º 200/67, arts. 10, 11, 14; Decreto n.º 67.090/70, art. 16; Const.Federal, art. 72, § 2º).

"§ 1º A fiscalização prevista neste artigo respeitará aspeculiaridades de funcionamento da entidade, limitando-se a verificar aexatidão das contas e a legitimidade dos atos, e levará em conta osseus objetivos, natureza empresarial e operação segundo os métodosdo setor privado da economia."

A norma contida no parágrafo exige detida reflexão, pois a limitação nelacontida não deve ser entendida de modo simplista ou comodista.

O primeiro aspecto é o da exatidão das contas.Não se pode pretender que o exame das contas de uma empresa se

restrinja a verificação meramente aritmética, a uma soma de duas par-celas.Seria exigir muito pouco das Cortes de Contas. Ademais, o balanço, o relatórioanual, o parecer dos órgãos internos que devam dar seu pronunciamento e ocertificado de auditoria constituem elementos de base, elementos que servemde base ao julgamento da Corte. Não são, porém, os únicos elementos de quese vale para o julgamento, pois do contrário fica-riam como letra morta ospreceitos relativos à auditoria, tida justamente como o grande passo naevolução do controle externo; e não teria o Tribunal oportunidade para verificarirregularidades ou abusos, cuja prática constitui motivo para representação aoPoder Executivo e ao Congresso Nacional.

Por outro lado, o balanço constitui a síntese de todo um conjunto deoperações, cuja sistematização vai desde as contas (Caixa, Almoxarifado,Lucros em Suspenso, etc.), passando pelos grupos de contas, tais como:Inexigível (Capital, Reservas, Lucros em Suspenso, etc.), Exigível (Contas aPagar, Obrigações a Pagar, etc.) Imobilizado (Instalações, Imóveis, etc.),Disponível (Caixa, Bancos, Letras do Tesouro, etc.), Realizável (Almoxarifado— conta importantíssima e, lamentavelmente, negligenciada peloadministrador público —, Contas a Receber, etc.), indo até a aglutinaçõesmaiores como o PASSIVO (que representa a origem dos recursos, as fontesde financiamento: capitais próprios e de terceiros) e o ATIVO (que traduz aaplicação dos recursos). Ora, não é preciso ser versado em Contabilidade eAdministração para saber que as contas se destinam a registrar os atos e fatosda gestão, em termos financeiros; e que os atos e fatos não se operam pormero acaso. Ao revés, são praticados pelo Administrador, mediante processodecisório em que sua atuação é medida pela capacidade de selecionar asmelhores alternativas e de colocá-las em prática com eficiência.

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De modo que o exame da exatidão das contas implica avaliar resultados,avaliar desempenho, não só em relação ao conjunto de operações que serealizam durante o exercício, como também com respeito ao passado e aofuturo. Até porque não se institui uma empresa apenas com a finalidade dacriação e manutenção de empregos, mas essencialmente para a produção debens e serviços de interesse da coletividade, vale dizer, com fins públicos.

Em suma, a apreciação das contas dos administradores das empresas doEstado comporta duas ordens de considerações: uma é o julgamento doaspecto intrínseco das contas, isto é, sua conformidade com as normas legaise contábeis; outra, se o balanço e o relatório retratam com fidelidade osmelhores resultados que poderiam ser obtidos, nas circunstâncias.

Advirta-se, porém, que uma e outra considerações têm significadospróprios, segundo os mandamentos constitucionais e legais pertinentes.

Tanto é assim que a Corte pode aprovar contas, sem restrições, aprová-las com recomendações, e aprová-las com representação, dentre outrasformas de decisões admissíveis.

A segunda observação digna de nota concerne à legitimidade dos atos.Aqui, tem-se que definir o campo de atuação das empresas e as formas dessaatuação. Estarão essas entidades subordinadas exclusivamente ao princípioda legalidade do ato administrativo, segundo o qual à Administração Pública ea seus agentes só é permitido fazer o que a lei autorize? Ou exclusivamenteao princípio da autonomia, pelo qual ao particular tudo o que a lei não proíbese permite? Ou aos dois princípios?

Pelo fato de as empresas públicas e sociedades de economia mistaserem dotadas de personalidade jurídica de direito privado (Decreto-lei n°200/67, art. 59) e ainda pela circunstância de que tais entidades se regempelas normas aplicáveis às empresas privadas, inclusive quanto ao direito dotrabalho e ao das obrigações (Constituição Federal, art. 170, § 2º), poderiaparecer que a segunda formulação se ajustaria melhor às configuraçõesconstitucional e legal enfocadas, e que, por antagônicas, a primeira deveria serde pronto repelida.

Contudo, há dois elementos de tal maneira preponderantes, que suaponderação impõe uma situação de equilíbrio de tais princípios: a origem dosrecursos e a finalidade pública desses entes.

Por isso, devem eles pautar sua atuação de acordo com o que dispuser alei (princípio da legalidade) por mais burocratizante que sejam osprocedimentos estabelecidos, como também legítimo será o ato que nãoinfringir princípio algum de direito, desde que se resguarde sempre o interessepúblico.

Daí a expressão legitimidade dos atos que é um conceito maisabrangente que legalidade dos atos, porque legalidade significa a qualidade doque é legal, de conformidade com a lei, e legitimidade abrange tudo o que, nãosendo contrário à lei, se fundamenta na razão, eqüidade, moralidade, justiça,bom senso e finalidade.

Um exemplo pode elucidar ainda mais o assunto. Como é sabido, asentidades da administração indireta podem fazer aplicações no "Open Market",

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desde que não sejam com recursos provenientes de dotações orçamentárias.Contudo, uma aplicação que não seja eventual saldo de caixa, que não tenhapor fim combater ociosidade momentânea de recursos, poderá ser tida comoum ato ilegítimo sob vários fundamentos, mesmo havendo permissibilidadelegal (veja-se Decreto-lei n.º 1.290/73) : a) por não ser a finalidade da entidadea intermediação financeira: b) poi. ocorrer uma diminuição patrimonial em facedas diferenças entre as taxas de juros e as da inflação: c) por servir comoforma indireta e comodista de geração de receita não operacional; d) pelo fatode que o emprego dos recursos na atividade principal da empresa écertamente mais rentável.

Além da observância desses princípios, está o administradorsubordinado, no âmbito federal, a expressas disposições legais, às quais sepoderia chamar de "regras esparsas do estatuto da administração indireta",corporificadas basicamente no Decreto-lei n° 200/67, especialmente art. 26,incisos I, II, III e IV, parágrafo único, alíneas a, b, c, d, e, f, g, h, i, artigo 27 eparágrafo único e art. 28, incisos I, II, III; na Lei n° 4.717/65, além,evidentemente, das cominações previstas no Código Penal (arts. 312 e 327).

Lamentavelmente, porém, o Distrito Federal não conta ainda hoje em seuordenamento jurídico com o um mínimo disciplinamento legislativo que regulea supervisão das entidades de sua Administração Indireta. ainda que bastantesimples como o previsto no Decreto-lei n° 200/67, conquanto várias vezesinstado a obtê-lo por esta Corte de Contas, em razão do que lhe tem sido dadoverificar no contexto de sua ação fiscalizadora.

"§ 2º É vedada a imposição de normas não previstas na legislaçãogeral ou específica."

O que se pretende evitar é a imposição de procedimentos adotados naAdministração Direta, não dos princípios por ela seguidos. Afinal, emboraenvolvidos de minudências, com trajetória lenta por uma seqüência quasesempre desnecessária para o serviço, mas imprescindível ao capricho dechefes cuja função é apor "de acordo" ou "a consideração superior", os atosdeste segmento do serviço público são válidos.

O que a lei quer impedir é que as empresas empreendam trajetória devolta à origem, pela assimilação de processos excessivamente formalísticos,burocratizantes, fenômenos típicos de patologia administrativa que, ao ladodos desmandos de administração do momento, contribuíram decisivamentepara a desautarquização das autarquias, isto é, tais foram os abusospraticados que o, Governo pouco a pouco se viu na contingência de ir impondoregras cada vez mais semelhantes às seguidas nos serviços de origem dosentes descentralizados. E a tal ponto chegaram essas limitações que váriasentidades, tão logo possível, se transformaram em empresas públicas. Sãoexemplos mais significativos o Banco Nacional do DesenvolvimentoEconômico, a Caixa Econômica Federal e o Banco Nacional da Habitação,além do antigo Departamento de Correios e Telégrafos, cujo desmembramentodo Ministério das Comunicações ocorreu direta-mente em forma de empresapública.

Espera-se, no entanto, que, a pretexto da celeridade de gestão, não sereneguem os princípios da isonomia, da moralidade, da finalidade, daeficiência, da concorrência.

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Em matéria de política de pessoal, por exemplo, a seleção de candidatosdeve dirigir-se pela escolha dos melhores, não importa a natureza, a finalidadeou outra qualquer característica da organização. As formas de escolha é quevariam segundo as circunstâncias. Aliás, a razão primeira do sucesso daorganização está justamente na capacidade dos recursos humanos com quepossa contar. Se não fosse assim, quem estaria colocando sonda espacial nosolo de Marte seriam os 800 milhões de chineses e não os 200 milhões deamericanos.

No que se refere a compras, obras ou serviços, do mesmo modo, nãotem sentido a adoção de procedimentos cartoriais, embora, pela própria razãode ser de todo empreendimento do tipo empresarial, em estado de permanenteconcorrência, e pelos imperativos da lei da oferta e da procura, não devam enão possam ser descurados os princípios da licitação, porque, como vimos,indissociáveis da vida negociai.

Recomendam-se, por isso, as maiores cautelas na escolha de dirigentes,de quem depende a aplicação da norma, e na elaboração dos estatutos oucontrato social, cujos termos adequados muito ajudarão o administrador.

Que sejam, pois, adotados critérios flexíveis de seleção, de escolha, sejade candidatos a emprego ou de candidatos a compra ou a venda de bens eserviços, contanto que sejam sempre critérios defensáveis.

"Art. 8º Aplicam-se os preceitos desta Lei, no que couber, àsfundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público."

As fundações instituídas ou mantidas pelo Estado, por aplicarem recursospúblicos e por prestarem serviços públicos, quase sempre serviços sociais porexcelência (saúde e ensino, principalmente), não poderiam ficar à margem dajurisdição do controle externo, se consideradas as mesmas razões observadasem relação às empresas públicas e sociedades de economia mista.

As controvérsias sobre se a prestação de contas de fundação criada peloPoder Público só era devida quando recebesse subvenção ou transferência àconta do Orçamento ficaram agora definitivamente elucidadas. Tanto faz seapenas instituída ou apenas mantida pelo Poder Público ou ambas as coisas, odever de prestar contas ao Tribunal de Contas subsiste na lei. E contasglobais, porque indispensável à avaliação do desempenho da instituição eporque a gestão de recursos à conta da Lei Orçamentária não é condiçãoimprescindível para tal obrigatoriedade.

"Art. 9º Os Tribunais de Contas, no exercício da fiscalizaçãoreferida no artigo 8º, não interferirão na política adotada pela entidadepara a consecução dos objetivos estatutários e contratuais."

É oportuno evidenciar o que seria uma incongruência, não tivesseocorrido o fato por um lapso durante a tramitação legislativa do projeto que deuorigem a esta Lei. Referimo-nos a essa errônea remissão ao art. 89, quando,na realidade, deve ser entendida como sendo ao art. 79, pelas razões que, aseguir, são expendidas.

O substitutivo aprovado na Comissão de Fiscalização Financeira eTomada de Contas (DCN de 2-5-75, pág. 2.192) e pela Câmara dosDeputados (DCN de 6-5-75, pág. 2.314) dispunha:

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"Art. 6º Os processos de tomada de contas serão julgados peloTribunal de Contas no prazo de 6 (seis) meses, a contar do seurecebimento, salvo situações excepcionais, reconhecidas pelo plenáriodo Tribunal.

"Art. 7º O Tribunal de Contas da União aplicará a pena prevista noart. 53, do Decreto-lei n.º 199, de 25 de fevereiro de 1967, aos dirigentesde entidades que não apresentarem seus balanços em tempo de seremincorporados às contas do Presidente da República, bem como aosordenadores de despesas e a todo aquele que arrecadar ou gerirdinheiros, valores e bens da União, ou pelos quais esta responda, quenão prestem contas no prazo legal."

..........................................................."Art. 8º As entidades públicas com personalidade jurídica de direito

privado, cujo capital pertença, exclusiva ou majoritariamente à União, aEstado, ao Distrito Federal, a Municípios ou a qualquer entidade darespectiva administração indireta ficam submetidas à fiscalizaçãofinanceira do Tribunal de Contas competente sem prejuízo do controleexercido pelo Poder Executivo."

Suprimida a matéria contida no art. 7º, por razões que não vem ao casoanalisar, renumeraram-se os artigos do projeto de lei, esquecendo-se, porém,de fazer as adaptações pertinentes, em face da alteração havida; daí areferência ao art. 89 da lei, e não ao 7º, como seria correto.

Inobstante o fato supra, já seria de reconhecer-se facilmente aimpropriedade, pois, a contrário sensu, poder-se-ía imaginar que a Cortepudesse interferir na política adotada pelas empresas públicas e sociedadesde economia mista, só não podendo fazê-lo quanto às funções, o queimplicaria negar a própria razão de ser da Lei. Além do mais, a espécie defiscalização está referenciada no art. 7º, do qual o art. 8º é conseqüente.

Não pode a Corte interferir na política adotada tanto por empresa públicaou sociedade de economia mista, quanto por fundação, isto é, não pode haveringerência quanto à formulação de diretrizes, dos programas de trabalho, dosplanos de ação. E a razão é muito simples: a Corte é órgão de fiscalização,não de planejamento.

Presume-se também que a tais entidades cabe a tarefa de implementar,na sua área de competência, as diretrizes governamentais no concernentesaos Planos Nacionais, Setoriais e Regionais de Desenvolvi-mento.

Naturalmente, é imperioso frisar a circunstância de que a Corte temfunções de autoria e que não pode ficar inerte quanto a desvios, tanto no quediz respeito à finalidade, quanto à eficiência. Quer dizer: posta a política,aprovadas as diretrizes, especificadas as metas, pode e deve o Tribunal, severificar irregularidades ou abusos, representar os poderes competentes, sobpena de ser considerado omisso. Em conclusão: não pode dizer o que deveser feito, mas deve velar por que seja feito com eficiência e probidade.

"Art. 10. No julgamento das contas, os Tribunais de Contastomarão por base o relatório anual, os balanços relativos ao

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encerramento do exercício, assim como os certificados de auditoria e aparecer dos órgãos que devem pronunciar-se sobre as contas."

O relatório anual, o balanço relativo ao encerramento do exercício, ocertificado de auditoria e o parecer dos órgãos que devem emitirpronunciamento conclusivo constituem os elementos básicos dos processos deprestações de contas.

Pode o Tribunal, porém, solicitar esclarecimentos adicionais ou deter-minar inspeções que julgar necessárias para, por exemplo, contrasteação dosdados oferecidos a exame e julgamento com os registros contábeis eadministrativos.

Por isso, diz-se que esses elementos servem de base, como documentosindispensáveis, mas não exclusivos à perfeita formação de um juízo capaz depropiciar uma decisão firme, segura e justa.

AVALIAÇÃO DE DESEMPENHOConforme se observa nos comentários à Lei 6.223/75, o exame das

contas das entidades descentralizadas implica não só a análise de suaconformação contábil e jurídica, mas também a avaliação da atividadeempresarial, por isso que, a seguir, apresentamos algumas consideraçõessobre este enfoque.

Qualquer abordagem do assunto deve partir da indagação: por que oGoverno cria sociedades de economia mista, fundações e empresas públicas?Vários são os motivos e, entre estes, poderíamos citar o crescimentodesmedido das Secretarias de Estado, com todas as suas implicações, maiorflexibilidade de gestão, celeridade no processo decisório, desburocratização,execução mais rápida de obras e serviços, supressão de controles formaissuperiores ao risco, limitações ao alcance do controle, busca de formas emodelos mais consentâneos com as proporções das dificuldades a resolverpelo Estado-providência, preenchimento de espaços vazios e, assim, tantasoutras causas, que seria festidioso mencionar.

Mas, se pensarmos em todas elas, se procurarmos uma síntese para asrazões que levam o Governo a descentralizar a realização de serviços pormeio de empresas, temos de convir que existe um apelo que se sobre-leva atodos os demais, que paira acima de quaisquer outras cogitações, que é, semsombra de dúvida, a eficiência. A preocupação não é, tão-somente, a derealizar, mas principalmente a de realizar por formas e meios maisconvenientes, especialmente tendo em conta os fatores tempo, qualidade ecusto.

Antes, porém, de prosseguirmos com a exploração, devemos formularoutra questão: o que é a eficiência? Se é tão importante assim, o que vem aser essa palavra mágica? Para os efeitos destas notas, entendemo-la como oresultado positivo de uma comparação entre dois ou mais desempenhos, aocontrário da ineficiência, que traduz um resultado negativo.

Assim, parece-nos curial que a eficiência deve ser o lema administrativoe, como tal, deve ser aferida.

A avaliação de eficiência não é, contudo, tarefa simples, e sua realizaçãodepende da capacidade de técnicos com sólidos conhecimentos teóricos e

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experiência comprovada. Além disso, requer equipe multidisciplinar,especialmente na área de direito, contabilidade, administração, economia eengenharia, tendo em vista os diversos aspectos a serem analisados.

Esse tipo de atividade pressupõe elevado grau de bom senso ediscernimento por parte dos analistas, pois as considerações de eficiênciavariam segundo a ótica e interesse do observador. Numa empresa mista, porexemplo, várias são as considerações que se podem fazer a propósito de suaeficiência. Para sua administração, ela será eficiente na medida em que quehaja cumprido seus objetivos, realizado as metas que se propôs; ao acionistaparticular, ela parecerá eficiente desde que os dividendos sejam satisfatórios,eis que a preocupação imediata é com o retorno de seu investimento; para uminvestidor da bolsa de valores, eficiente é a empresa que conseguir manter emboa cotação seus papéis no mercado; para uma agência de financiamento, asconsiderações de eficiências se referem às disponibilidades mediatas quegarantam a operação; para o público em geral, a eficiência se circunscreve àsconsiderações de bons serviços, por preços convenientes; e assim por diante.

Como se observa, são posições bastante variadas e as mais das vezesaté conflitantes.

Além desses fatos, as empresas atuam em diversas áreas ou campos deatividades, que devem ser ponderados, como judiciosamente se acentua emdocumento intitulado "Ação para a Empresa Privada Nacional" do Conselho deDesenvolvimento Econômico, publicado no Diário Oficial em junho próximopassado.

"Também cabe referência ao problema da eficiência da empresagovernamental em relação à empresa privada. A empresagovernamental não é intrinsecamente eficiente, nem ineficiente. ARevolução mostrou que empresas governamentais em setores básicos,realizando projetos gigantescos e com tecnologia sofisticada, podem sereficientes, a exemplo do sistema Eletrobrás, da Embratel, Vale do RioDoce, Petrobrás, dos bancos governa-mentais, etc. É preciso verificar naatividade a que nos referimos no tipo de administração de que se estádotando a empresa estatal, para poder dizer das suas condições deeficiência."

Devem ser, igualmente, levadas em conta situações de mercado,segundo atuem as empresas em regime de monopólio, oligopólio ou deconcorrência. Portanto, a questão não se restringe apenas a saber se osresultados foram positivos, mas sobretudo se foram os melhores que pode-riam ser obtidos nas circunstâncias. Tanto é assim que, se formos avaliar aeficiência ou o desempenho de duas empresas, na mesma unidade de tempo,hipoteticamente semelhantes, uma com resultado superavitário e outra comresultado deficitário, é possível até que esta tenha tido um desempenho maissatisfatório, desde que fique comprovado que o desta foi o menor deficit e odaquela outra não tenha sido o maior superavit que poderiam ser alcançados.

A avaliação de desempenho deve, além disso, ser medida por critérioshomogêneos e gerais, perfeita e claramente identificáveis, tais como o cotejodo que foi feito em relação ao que foi programado, na unidade de tempo, acomparação com o desempenho de congêneres, custos unitários e globais,séries temporais, análises econômico-financeiras, etc. Utópico seria pretender

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avaliar aspectos técnicos da produção em si mesma, pois isso exigiria enormequadro de servidores possuidores de conheci-mentos dos mais variados ramosdo saber.

É certo que o mais difundido elemento de mensuração é o financeiro, istoé, tanto mais eficiente é a empresa quanto mais lucro puder gerar. Entretanto,há outros indicadores que precisam ser cotejados, em face dos objetivosestabelecidos. Não discutimos o fato de que o lucro é a razão dodesenvolvimento de uma empresa, apenas constatamos que as empresasgovernamentais não têm o lucro como a razão principal de sua existência.Resta, pois, ao órgão de controle e análise avaliar cada caso e deduzir, poroutros critérios que não financeiros, se está ou não havendo eficiência. Taiselementos podem ser quilômetros de estradas construídas, passageirostransportados, doentes atendidos, alunos alfabetizados, tudo relacionado comcusto, tempo e qualidade. A avaliação de desempenho pressupõe, por-tanto,quantidade e qualidade de informações para tratamento e análise. O fato dedeterminada instituição não visar a lucro, não significa que o administrador nãodeva interessar-se pela qualidade dos serviços e pelo seu custo.

Por outro lado, os estudos de microeconomia nos revelam que, mesmoem regime de monopólio, não é possível aumentar simultânea eindefinidamente preços e quantidades produzidas, e os postulados de políticaadministrativa nos indicam que o Governo deve manter um sistema de tarifasajustado ao nível de remuneração dos fatores de produção, com margemadequada de folga para o desenvolvimento ou expansão da firma. Porexemplo, qualquer empresa governamental, operando em regime demonopólio, poderia ser superavitária, desde que elevasse o preço dos seusserviços ou produtos quanto necessário para cobrir as despesas. Isso, além deencontrar limitações econômicas (pelo menos em condições especiais), nãopassaria de um contra-senso, seis que a preocupação com o social sesobrepõe ao econômico, na medida em que o interesse precípuo é o de atingira um maior número de beneficiários ou usuários. Daí quase sempre se recorrera outros artifícios ou estratagemas para alcançar tal desiderato, como a políticade tarifas diferenciais para as variadas classes ou segmentos da população.

Ora, se o Governo não tem no lucro a sua preocupação maior, se, emoutras palavras, o cerne de seu interesse é o aspecto social mais do que oeconômico, torna-se evidente que o fator custo é fundamental na aná-Fse ouavaliação de eficiência de uma empresa governamental, mais até do que nasempresas privadas, desde que aquelas encontram limitações de ordem socialmuito mais fortes do que estas. Por isso, uma comparação entre uma e outradeve ser feita principalmente em termos de custos e não de receita ouresultado (superavit ou deficit), a não ser que ambas observem idêntica políticade preços de venda.

Cuidados especiais devem ainda ser observados quanto às condições cieoperacionalidade das empresas, já que o Governo pode chamar a si a parte domercado menos atraente do ponto de vista da rentabilidade, eom o propósitomesmo de subsidiar setores da população mais carente de recursos. Talhipótese se configuraria se uma empresa de transportes coletivos, porexemplo, só operasse de e para bairros pobres, com preços políticos. Aindaaqui é perfeitamente possível a avaliação da eficiência, desde que sejam

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apurados custos reais e globais para confronto, digamos, com a receitaoperacional mais as transferências.

De qualquer modo a avaliação em geral é possível, ainda que difícil ecomplexa. Convém, todavia, começar sua aplicação prática com o primeiropasso: pensar no assunto. Verificar que ele de fato existe e que só pode seratacado com prudência, comedimento e persistência, porque não se mudauma mentalidade de uma hora para outra, nem é desejável a adoção deprocedimentos que levem a Administração a traumatismos, o que só gerariaconflitos e incompreensões.

Com o exercício de tal prática, os administradores em geral passa-riam ater maiores preocupações com os aspectos de tempo, qualidade e custo. Osbons gestores continuariam, os deficientes certamente procura-riam afastar-sede um campo de atividades onde sua atuação está sendo criteriosa esistematicamente avaliada por um órgão externo à Administração, mas queestá ao seu lado para possibilitar adequada utilização de recursos sempreescassos pela adoção de critérios e práticas administrativas revestidas de altograu de racionalidade. E, possivelmente, terminaria a era dos "administradoresinfalíveis", aqueles que acreditam ser cômoda a gestão das empresasgovernamentais, porque elas nunca vão à falência.. .

Mas se as Cortes de Contas pretenderem adotar tal tipo de trabalho,terão que começar pelo método das aproximações sucessivas, com aexigência da manutenção do sistema contábil das empresas em permanenteestado de atualização, com registros diários. Este é o primeiro e grande passo,porque é a partir dele que se poderão apurar resultados com alto grau deconfiabilidade, inclusive e sobretudo quanto à apuração de custos.

De fato, quando o Tribunal exige a apresentação periódica e oportuna dedocumentos, não o faz apenas com o intuito de verificar o seu aspecto formal.O de que a Corte precisa, em tempo hábil, é conhecer o comportamento dosnegócios das empresas sob sua jurisdição. Pouco significativo se revelaria ummecanismo de controle que identificasse um prejuízo em dezembro, deoperação realizada em julho, por decorrência de uma decisão tomada emfevereiro, isto porque, muito provavelmente, já seria tarde demais para osaneamento adequado. Elementos contábeis, como de resto quase todos osdados de interesses informativos e de controle, tanto mais são válidos quantoatuais. Por exemplo, um balancete ou relatório de operações do mês de abril,produzido em setembro, não passa de um conjunto de dados "históricos".

Estas são considerações que formulamos com o único escopo deprovocar debates, levantar o problema, suscitar reflexões.

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A EMPRESA PÚBLICA NA LEI E NAREALIDADE BRASILEIRA(*)

J. CRETELLA JÚNIORProfessor Titular de Direito Administrativo da

Faculdade de Direito da Universidade de São PauloSÍNTESE: 1. Realidade e lei. 2. A reforma

administrativa brasileira. 3. Definições e classificaçõesdo Decreto-Lei n.° 200. 4. Serviços públicos e serviçosprivados. 5. Atividades típicas e atividades atípicas. 6.Atividades econômicas. 7. Descentralização. 8.Administração direta e Administração indireta. 9. Aempresa pública na lei e na prática. 10. Formas jurídicasda empresa pública. 11. Empresa pública unipessoal epluripessoal. 12. A empresa pública nos Estados eMunicípios. 13. O modelo federal. 14. Conclusões.

1. REALIDADE E LEIA finalidade deste trabalho é demonstrar como pode ocorrer, num mesmo

momento e num dado lugar, nítido divórcio entre o que o legislador preceitua eo que a realidade diária revela, entre o direito positivo e a prática, tudogravitando em torno do sentido preciso que se deve atribuir aos termos eexpressões.

Atual, a propósito, o pensamento de Descartes, quando escreveu que sehouvesse acordo sobre o significado dos vocábulos, quase todas ascontrovérsias desapareceriam (si de verborum significatione inter Philosophossemper conveniret, fere omnes illorum controversiae tollerentur. Descartes,Regulae, XII, 5) .

Estaria a expressão empresa pública sendo empregada, no direitobrasileiro, de modo preciso, a ponto de traduzir toda a riqueza de contornosque a realidade palpitante e dinâmica da vida lhe emprestou? Ou estariahavendo nítido desajuste entre o que o direito positivo deter-minou e o que arealidade emprestou à entidade que aquela expressão técnica pretendeucaracterizar? E a expressão Administração indireta estaria sendo usadacorretamente no direito positivo pátrio?

Tratando-se de contribuição pessoal, resultante de profunda meditaçãosobre tema jurídico tão relevante e atual, dispensamo-nos de abundantescitações, trabalhando, como dizem os italianos, de preferência, com "texto etesta".

A empresa pública e a sociedade de economia mista, embora entidadeshá muito existentes no direito brasileiro, somente depois da implantação dareforma administrativa federal (Dec.-Lei n° 200, de 25 de fevereiro de 1967) éque podem ser consideradas como institutos integrados em nosso direito, porvia legislativa. Bem ou mal. Antes, porém, mal se pode-ria discutir o assunto,Os autores levantavam dúvidas sobre a própria natureza jurídica da sociedadede economia mista. A sociedade de economia mista é de natureza pública oude natureza privada?

(*)Palestra realizada aos 29 de setembro de 1976, no Centro de Estudos do Tribunal de Contas do DistritoFederal.

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Com o advento do Decreto-Lei n.º 200, de 1967, este problema básico,verdadeiro pressuposto para o entendimento do tema, já está resolvido.Perante o direito positivo brasileiro, a sociedade de economia mista é denatureza inequivocamente privada, é pessoa de direito privado porque assim odeterminou a lei.

Teria, contudo, a reforma administrativa federal cousultado a realidadedas coisas ou teria avançado o sinal e realizado, sob alguns aspectos,construções cerebrinas, que a prática posterior desconsidera?

Quando Montesquieu disse que "lei é a relação necessária derivada danatureza das coisas", estabeleceu o princípio de que a matéria-prima, arealidade com que trabalha a ciência é a natureza das coisas. A lei deve serextraída a posteriori dessa realidade, resumindo-a.

Reversivamente, concluído o processo de obtenção da lei, esta lei deveprocurar ver a realidade, da qual deverá ser perfeita tradução. No mundojurídico, terminado o processo nornogenético, a norma deve ser aplicada àrealidade, da qual será a transliteração em termos jurídicos. Algumas vezes,porém, o legislador faz a norma e a realidade depois se afasta do dispositivolegal.

A implantação da reforma administrativa, não obstante seus bonspropósitos, contrariou o postulado de Montesquieu, como demonstraremos aseguir.

2. A REFORMA ADMINISTRATIVA BRASILEIRAO dia 25 de fevereiro de 1967 marcou nova era para o direito público

brasileiro. Uma posição foi tomada. Editado o Decreto-Lei n° 200 que, a nossover, é uma verdadeira Constituição Federal, em matéria administrativa,imediatamente surgiu um problema: em que medida poderia aplicar-se aosEstados e Municípios? Ou aquele decreto-lei seria aplicável somente à órbitafederal para a qual foi editado?

Partindo-se do pressuposto que estabelecemos, ser o Decreto-Lei n.º 200verdadeira Constituição Federal, em matéria administrativa (e esta é aconotação correta), pode-se concluir que os Estados e Municípios, a partir dodia 25 de fevereiro de 1967, poderiam implantar as respectivas reformasadministrativas, desde que não contrariassem o disposto naquele diplomalegislativo federal. Antes de tudo, já se aceitava o decreto-lei como doutrina etambém como princípio. Como doutrina e como princípio valem também osconceitos expedidos pelo decreto-lei para os três aparelhamentosadministrativos brasileiros ou seja, aparelhamento federal, esta-dual emunicipal? Sim, em tudo que não for contrariado, o Decreto-Lei n° 200 temaplicação na órbita estadual e municipal.

Mais ainda: os Estados e Municípios podem implantar as respectivasreformas administrativas, adotados os cânones estabelecidos pelo Decreto-Lein.º 200.

3. DEFINIÇÕES E CLASSIFICAÇÕES DO DECRETO-LEI N° 200Já se ensinou que, em matéria de elaboração de leis, o maior defeito que

pode afetá-las é a falta de técnica legislativa. Ora, princípio lógico de técnicalegislativa determina que as leis não devem definir nem ensinar, nem discutir o

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direito, mas apenas declará-lo de modo nítido, claro, breve, simples, rigoroso.Explicações e considerações, na lei, são sinais certos de decadência jurídica(cf. Mário Masagão, Conceito do direito administrativo, 1926, pág. 35 e Oprojeto de Código do Processo, artigo publicado no Diário da Noite de SãoPaulo, em Revista Brasileira de Legislação e Jurisprudência, 1925, ano I, vol.VI, n°s 5-6, pág. 27) .

A nosso ver, principalmente com a orientação moderna, entendemos quea lei deve, inclusive, definir, classificar e dividir.

Assim fez o importante Decreto-Lei n° 200, de 25 de fevereiro de 1967. Aempresa pública foi definida, dentro do nosso direito, como "a entidade dotadade personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capitalexclusivo da União ou de suas entidades da Administração indireta, criada porlei, para desempenhar atividade de natureza empresarial que o Governo sejalevado a exercer por motivo de conveniência ou contingência administrativa,podendo tal entidade revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito"(art. 59, II) .

Esta definição não é uma definição defensável. Como se pode dizer queempresa desempenha atividade de natureza empresarial? Por isso, o Decreto-Lei n° 900, de 29 de setembro de 1969, em seu art. 1º, burilou a definição dodecreto-lei anterior, conceituando a empresa pública como a entidadedestinada à exploração de atividade econômica. Observa-se as-sim que adefinição foi melhorada. Já não se inclui, no definido, aquilo que se encontrana própria denominação do sujeito que se quer definir.

Tanto o Decreto-Lei n.º 200, de 25 de fevereiro de 1967, como o Decreto-Lei n.º 900, de 29 de setembro de 1969, colocam a empresa pública entre asentidades da Administração indireta. Desse modo, estes dois decretos-leisfederais definiram a empresa pública como a entidade de direito privado eclassificaram a empresa pública, incluindo-a entre as entidades daAdministração indireta.

Pergunta-se: é a empresa pública realmente entidade da Administraçãoindireta? É a empresa pública o resultado final de processo descentralizante?

Para responder a estas perguntas, é necessário que se faça a divisão dosserviços exercidos pelas pessoas jurídicas públicas políticas e administrativas,sabendo-se que esses serviços podem ser serviços privados e serviçospúblicos.

4. SERVIÇOS PÚBLICOS E SERVIÇOS PRIVADOS Que é serviço?Há mais de cem anos, Vicente Santamaria de Paredes esclarecia que

"serviço é ação e efeito de servir; servir é executar algo, exercer uma função,conter um fim, satisfazer a uma necessidade" (Curso de derechoadministrativo, 2.a ed., 1868, pág. 806) .

Carlos Garcia Oviedo assinalava que "a idéia de servir engloba a idéia deprestar. Serviço é prestação, realização, atividade que se desenvolve paraalgo. Se a atividade do Estado, para cumprimento de seus fins — atividadeteleológica — é a atividade administrativa, a ação da Administração Públicapara colocar, como obra, alguma coisa, em relação com a missão do poder

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público, é um serviço. Assim, quando no cumpri-mento do fim cultural doEstado, o professor oficial ensina a criança ou, em cumprimento à funçãosanitária, o médico titular presta assistência ao enfermo pobre, ambos, agentespúblicos, servem, realizam serviços, porque realizam prestação, porquedesempenham atividade, porque fazem, executam alguma coisa" (La teoria delservicio publico, 1923, pág. 5) .

"Dos dois elementos da locução em exame, o de natureza substantiva —serviço — tem acepção determinada: exercer uma função, atingir um fim,satisfazer uma necessidade" (Villegas Basavilbaso, Derecho administrativo,1951, vol. III, pág. 5) .

Serviço é atividade, é projeção dinâmica do particular ou do Estado.Serviço privado é a atividade afetada normalmente a particular; serviço públicoé a atividade normalmente afetada ao Estado. O exercício dos serviçospúblicos e dos serviços privados difere, conforme se trate de um regime liberalou de um regime socialista. No Estado liberal, toda atividade ou prestação "depagamento" é privada. O Estado só interfere no setor privado, em carátersupletivo, quando a atividade do particular é impotente para realizá-la. Nesseregime, são assumidas pelo Estado todas as atividades nas quais "estáausente" o elemento lucro, ou "profit". Não há, como se observa, nenhumafronteira, por natureza, entre as atividades privadas e os serviços públicos.Bem longe de corresponder a uma partilha ideológica estática, o liberalismoconduz a uma evolução constante, e à passagem de atividades de um setorpara outro, em função da conjuntura econômica predominante no momento.

Assim, as estradas de ferro, em função do desaparecimento gradativo dolucro, passaram do setor privado para o setor puramente público. Eramserviços privados. Passam agora a ser serviços públicos.

Ao contrário, nos transportes aéreos, o reaparelhamento da rentabilidade,depois do segundo conflito mundial, conduziu ao renascimento do setorprivado.

Nos regimes intervencionistas, baseados nos controles dos meios deprodução, a tendência dominante é a assunção pelo Estado de todas asatividades em que está presente a potestade pública. Daí se conclui que anatureza intrínseca das atividades humanas de prestação não é nem pública,nem privada. Se um país passa do regime liberal para o regimeintervencionista, as atividades continuam intrinsecamente as mesmas, e, noentanto, passam a receber o nome de atividades públicas, no segundo regime,se o Estado assim o entender, se o Estado assumi-las, fiscalizando-as,colocando-as sob a égide do Estado.

5. ATIVIDADES TÍPICAS E ATÍPICASO Decreto-Lei no 200, ao colocar a autarquia entre as entidades da

Administração indireta, acertou (art. 4º, II, letra a).Ao definir a autarquia, no art. 5°, o Decreto-Lei n.º 200 conceituou-a como

o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica (obs. — faltouaqui o atributo público), para exercer atividades típicas da Administraçãopública. Ainda aqui o Decreto-Lei n.º 200 acertou. Mostrou que a autarquia, domesmo modo que a Administração direta, desempenha atividades típicas. Ora,

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atividades típicas são atividades da Administração, atividades por excelênciado Estado. Neste caso a autarquia configura a descentralização.

Na Administração federal, deste modo, a passagem de serviços públicosda Administração direta, ou seja, da União para a autarquia federal, configura adenominada descentralização.

Ora, raciocinando em sistema, a empresa pública e a sociedade deeconomia mista, dentro da sistemática do Decreto-Lei n.º 200,desempenhando atividades econômicas, estão exercendo atividades atípicas,estranhas às que exerce, normalmente, a Administração direta, porque se aautarquia desempenha "atividade típica" da Administração pública e a empresapública desempenha atividades econômicas, assim como as sociedades deeconomia mista, estas duas entidades, logicamente, desempenharão"atividades atípicas".

Concordemos que "administrar", tratando-se do Estado, é "gerir ser-viçospúblicos". "Administração" é "gestão de serviços públicos". Atividades típicassão serviços públicos e atividades atípicas são serviços não-públicos.

Logo, atividade econômica, indústria e comércio são atividades privadas,ou seja, atividades que, por excelência, nos regimes liberais, não sãoexercidas pela Administração e, como conseqüência, são desempenha-daspelos particulares.

Não vamos relembrar aqui as grandes polêmicas existentes a respeito daconceituação do serviço público. Esta conceituação, como dizem os autoresfranceses de determinada escola, está em crise.

Na realidade, serviço público é aquilo que o Estado, num determinadomomento, resolve conceituar como tal, assumindo-o.

Com efeito, não se pode falar a priori, examinando-se um tipo de serviço,se ele é serviço público ou serviço privado. Talvez apenas dois tipos deserviços, duas atividades, pudessem ser classificadas como públicas. Adistribuição de justiça e o poder de polícia. Esses dois tipos de atividades sãoserviços públicos, porque privativos do Estado e indelegáveis. Mesmo porque,para serem concretizados, podem necessitar de força policial do Estado.

Se o Estado delegasse a distribuição de justiça ou o poder de polícia aosparticulares, seria a própria falência do Estado. Há, entretanto, outrasatividades, como a instrução, a educação, o transporte, a comunicação, quenão se pode, a priori, dizer se são serviços públicos ou privados. Nessascondições, é possível definir-se formalmente o serviço público; mas a priori,nunca se poderia conceituar o serviço público material.

Se o Estado fornece o ensino, trata-se de atividade pública do Estado, deserviço público estatal. Se, porém, é o particular que desempenha asatividades de instrução e de educação, trata-se de atividade pura-menteprivada. Logo, o ensino, o transporte, a educação, a instrução, ascomunicações, analisadas objetivamente, substancialmente, materialmente,não são atividades públicas, não são serviços públicos. Nem atividadesprivadas. Quando, porém, assumidas pelo Estado, sob o regime jurídico dedireito público, derrogatório e exorbitante do direito comum, podem ser

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entendidas como atividades públicas, como serviços públicos. Nunca, porém,em si e por si, materialmente analisadas.

Em 1921, um fato, aparentemente local e sem maiores conseqüências,ocorrido na antiga possessão francesa da Costa do Marfim, hoje Estadoindependente do mesmo nome, alterou profundamente o conceito de ser-viçopúblico, introduzindo-lhe uma distinção e ampliando-o. O caso é conhecidopelo nome de "Balsa de Eloka". A colônia francesa da Costa do Marfimexplorava o serviço de transporte coletivo de pessoas e carros, de uma para aoutra margem da lagoa, a Lagoa de Eloka. Certa ocasião, o barco adernou esoçobrou, causando vítimas pessoais e materiais. O proprietário de umcaminhão, transportado pela balsa, moveu ação de per-das e danos,solicitando, diante dos Tribunais Civis, ressarcimento pelos prejuízos sofridospelo afundamento de seu veículo.

O Governador da Colônia suscitou o conflito, sustentando que, tratando-se de apreciar a responsabilidade civil de uma coletividade pública, pelo maufuncionamento de um serviço público, apenas as jurisdições administrativaspoderiam conhecê-lo, em virtude do caso Blanco, mas o Tribunal de Conflitos,em decisão de 22 de janeiro de 1921, por sugestão do Presidente Matter,julgou que, "efetuando, mediante remuneração, operações de transporte depedestres e de carros, de uma margem para outra da Lagoa, a Colônia daCosta do Marfim explora serviço da Costa do Marfim explora serviço detransporte nas mesmas condições em que um industrial comum as exploraria eque, por isso, na ausência de texto especial, atribuindo competência àjurisdição administrativa, cabe à autoridade judiciária conhecer asconseqüências prejudiciais do acidente".

Essa decisão tem sido a origem de uma distinção, hoje fundamental,entre serviço público, propriamente dito, e serviço público industrial oucomercial do Estado.

Francis-Paul Bénoit, em seu livro Le droit administratif (rançais, págs.770/771, estudando este assunto sob o título de O mito da natureza dascoisas, assinala que, neste caso que apresentamos da Balsa de Eloka,advogado perante o Tribunal de Conflitos, seria necessário distinguir asatividades que são "atos normais" da função do Estado que este assume "paraatingir seu fim rural", e as atividades "que não são de sua essência", que

poderiam ser organizadas "por toda pessoa ou por toda sociedade", que'são de natureza privada" e das quais o Estado não se encarrega, senãoocasionalmente, acidentalmente, porque nenhum particular se encarregariadelas, o que importa assegurar-lhes o interesse geral. Assim, o advogado geralMatter opõe, às atividades "normais" do Estado, as atividades "acidentais", istoé, aquelas que ele assume quando penetra no terreno das atividades privadas,por excelência. A natureza das atividades humanas decorreria, então, danatureza das coisas. É por sua natureza que uma atividade, que é de serviçopúblico, difereria de uma atividade privada. Haveria, então, as "atividadesprivadas por natureza" e "as missões de serviço público por natureza" (Le droitadministratif français, 1968, págs. 770/771).

Não é, entretanto, da natureza das coisas que resulta a distinção dasatividades públicas e das atividades privadas, mas entre “a escolha” efetuada,pelo Estado, num momento dado, em um país determinado.

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São, então, atividades de serviço público, as atividades que asautoridades competentes para criar o direito decidem considerar como tais. Adistinção das atividades de serviço público e das atividades privadas resultaentão de um ato de vontade. Foi o que ocorreu, no Brasil, quando, numprimeiro momento, o legislador contrapôs as atividades típicas (= serviçospúblicos) das autarquias às atividades atípicas das empresas públicas.

A meu ver, serviço público é aquilo que o Estado considera como tal, numdado momento, com exceção, é claro, da distribuição da justiça e do poder depolícia, porque tais serviços são sempre públicos, já que indelegáveis, poisnecessitam do emprego da força para efetivar-se, em casos de recalcitrância.

6. ATIVIDADES ECONÔMICASAo passo que a mola motriz do Estado para o desempenho do ser-viço

público é, por excelência, a obtenção do "melhor serviço", mesmo com prejuízoeconômico, para a mais perfeita consecução dos fins do Estado, a molaimpulsora da atividade privada, muito ao contrário, é o lucro.

Daí porque se pode dizer que as atividades econômicas são o objetivodas pessoas privadas, físicas ou jurídicas; os serviços públicos são, regrageral, o escopo das pessoas públicas.

As atividades econômicas são, por excelência, as atividades comerciais eindustriais. Essas atividades são denominadas atividades atípicas, poroposição às atividades típicas, inerentes ao Estado, à Administração direta.

Não quer dizer que as atividades econômicas se contraponham de modoabsoluto aos serviços públicos. Pode haver serviços públicos que gerem lucro,devendo-se observar, no entanto, que o lucro não é a mola motriz dasatividades dos entes públicos, sendo, entratanto, a mola motriz das atividadeseconômicas„ atividades privadas.

O Decreto-lei n.º 200 atribuiu às empresas públicas e às sociedades deeconomia mista a exploração de atividades econômicas e, no contexto desseDecreto-lei, as atividades econômicas são contrapostas às atividades típicasda Administração, aos serviços públicos da Administração, confia-dos estesúltimos às autarquias. Dentro do sistema delineado por esse Decreto-lei é queo assunto precisa ser examinado, porque o legislador, ao mesmo tempo quecolocou a autarquia ao lado da empresa pública, atribuiu à primeira odesempenho de atividade típica e à segunda de atividade atípica.

7. DESCENTRALIZAÇÃOCentralização (de serviços públicos, de atividades públicas) é o

desempenho de serviço público 'pelo centro", pela Administração direta, pelopróprio Estado, por pessoas ou órgãos do próprio aparelhamentoadministrativo estatal.

No Brasil, podemos dizer que "o centro" é a União, são os Estados-membros e são os municípios, cada centro na sua respectiva área decompetência, que é o aparelhamento em que se localiza a pessoa jurídicapública política maior.

Descentralização (também de serviços públicos) é a operação inversa, ouseja, a transferência do exercício de serviços públicos "do centro" para outrapesssoa, distinta da entidade central.

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Como conseqüência, serviço público direto é o desempenhado pelaAdministração direta (União, Estados, Municípios), sendo serviço públicoindireto, regra geral, o exercido pela Administração indireta (autarquias,permissionárias e concessionárias de serviços públicos).

Não é incomum, entretanto, que outras pessoas, físicas ou jurídicas, dedireito privado, desempenhem serviços públicos. Nessas condições, é possívelum alargamento do rol de entidades que participam do processo dedescentralização. Se a União, o Estado o o Município transferem ser-viçospúblicos para uma empresa pública, a empresa pública é consideradaAdministração indireta. Se transferem serviços públicos para uma sociedadede economia mista, esta passa a ser Administração indireta. Nestes casos, aempresa pública e a sociedades de economia mista, que, por exceção,desempenham serviços públicos, passam, não há dúvida nenhuma, a serentidades da Administração indireta, mas ao passo que a autarquia é serviçopúblico descentralizado, a empresa pública não o é. É instrumento privadopara concretizar o processo descentralizante.

O conceito quantitativo de descentralização é relativo e dinâmico."Relativo", porque o máximo que se pode dizer é que, em determinado Estado,o poder central transfere maior ou menor número de faculdades decisórias aórgãos locais; "dinâmico", não estático, porque o máximo que se pode dizer éque o poder central tem hoje número maior ou menor de faculdades decisóriasdo que antigamente. Num dado momento de sua história, todo Estado é, aomesmo tempo, centralizado e descentralizado, numa certa medida (Waline,Droit administratif, 9a ed., 1963, pág. 300).

O Estado integralmente centralizado não existe, jamais existiu, a não sertalvez, na antiguidade, a Cidade Grega — a "pólis" — ou uma Cidade Livre daLiga Hanseática.

Os Estados modernos, porém, assumem uma repartição decompetências entre a autoridade central e autoridades locais ouespecializadas, motivo porque se afirma que a centralização absoluta é ummito, uma visão do espírito, jamais uma realidade. Mesmo no Principado deMônaco, que compreende um só Município, há partilha de competência entreas autoridades do Principado e a municipalidade.

Por outro lado, também não existe Estado cem por cento descentralizado,porque neste caso nem haveria poder central e nem haveria Estado, pois cadaunidade descentralizada seria um novo Estado dentro do Estado (Waline, Droitadministratif, 9ª ed., 1963, pág. 300).

Descentralização é a transferência de atribuições em maior ou menornúmero dos órgãos centrais para os órgãos locais ou para pessoas físicas oujurídicas. Transferência de "atribuições administrativas" do "centro" para a"periferia". Centralização é, ao inverso, o enfeixamento convergente deatribuições administrativas em maior ou menor número da "periferia" para o"centro".

As definições dadas tanto servem para os regimes denominadosunitários, como para os regimes chamados federativos, porque, e ambos ossistemas, há órgãos centrais e há órgãos locais, uns e outros com maior soma

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de atribuições decisórias, tudo dependendo da tendência centralizadora oudescentralizadora.

Nos países unitários, em que existe um só impulso governamental, existecentralização, quando o Governo do Estado conserva a maior soma possívelde atribuições administrativas, transferindo aos Municípios, ou às entidadeslocais, pequena margem de atribuições e descentralização, no caso inverso.

Nos países federativos, a repartição é feita entre a União e os Estados-membros, bem como com os Municípios, configurando-se por um lado acentralização, quando a União reserva para si grande soma de atribuiçõesadministrativas, em detrimento dos Estados e dos Municípios, ocorrendo, poroutro lado, a descentralização quando a União se reserva estritamente o quelhe compete, partilhando com os Estados, e depois com os Municípios, grandeparte das tarefas que podem e devem ser delegadas. Não se faça, pois,nenhuma identificação entre Estado unitário e centralização entre Estadofederado e descentralização, porque pode haver, no primeiro caso, nítidadescentralização de serviços públicos e, no segundo caso, patentecentralização das atribuições administrativas.

Estado unitário, repetimos, é o que se apresenta com apenas um centrode impulso político-governamental. O poder político, na totalidade de suasatribuições, fica na dependência de um único titular que é a pessoa jurídicaEstado (Georges Burdeau, Manuel de droit constitutionnel, 1947, pág. 33).

Os indivíduos, colocados sob a soberania deste, obedecem a uma só emesma autoridade, vivem sob o mesmo regime constitucional e estão regidospelas mesmas leis (Georges Burdeau, Manuel de droit constitutionnel, 5ª ed.,1947, pág. 33).

Estado federal é aquele que, não obstante apareça como um todo maciçoe uno nas relações internacionais, é constituído por Estados-membros ouEstados federados, dependendo de certas prerrogativas de soberania internae, notadamente, do Poder Legislativo (Georges Burdeau, Manuel de droitconstitucionnel, 5ª ed., 1947, pág. 35).

O que distingue os "Estados-membros" do Estado federal, das"coletividades descentralizadas" do Estado unitário é que, no Estado federal,os Estados-membros participam da formação da vontade do Estado Central.Assim, a organização política do Estado federal, admite, em geral, ao lado deuma Assembléia que representa o conjunto da população, uma outraAssembléia, que representa os Estados, ou seja, a Câmara Baixa e a CâmaraAlta, de Deputados e de Senadores, respectivamente. Além disso, os Estados-membros dispõem de competência própria fixada pela Constituição Federal,em matéria legislativa, executiva e judiciária.

Existem, no processo descentralizante, três modalidades diversas, asaber: a descentralização orgânica, a descentralização política e adescentralização por colaboração.

Na descentralização orgânica, levam-se em conta os órgãos centrais e osórgãos locais, estudando-se o quantum de distribuição entre os primeiros (docentro) e os segundos (da periferia).

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Haverá descentralização, quando o maior número de atribuiçõesadministrativas for transferido dos órgãos centrais para os órgãos locais, oumelhor, das pessoas jurídicas públicas políticas (= Administração direta) paraas pessoas administrativas ou para as pessoas de direiots privado (=Administração indireta). Na descentralização política, já que coexistem váriosaparelhamentos

administrativos, tudo se passa, em cada aparelhamento, como se setratasse de uma descentralização orgânica, o que é fácil de compreender. Masas dificuldades surgem quando se trata de saber o que ficará "centralizado"nas mãos da União e o que se "descentralizará" para as outras unidadescoexistentes, no mesmo país.

Na descentralização por colaboração, enfim, as atribuições passam doEstado para outras pessoas, físicas ou jurídicas, que tanto podem existir numsistema de aparelhamento muito simples, como naquele em que sãoobservados vários aparelhamentos. Neste tipo de descentralização, é quesurgem as autarquias, tomada essa expressão no sentido que lhe dá o direitobrasileiro, ou seja, de pessoas institucionais, excluído qualquer resquício deautonomia.

Na descentralização por colaboração, podem ainda surgir outros tipos depessoas, como as concessionárias, as permissionárias, as sociedades deeconomia mista, as empresas públicas. "Colaborar" significa "prestarcolaboração". Os colaboradores do Estado são não só as autarquias, asconcessionárias e as permissionárias, como também as sociedades deeconomia mista e as empresas públicas. Estas duas últimas, quando, porexceção, não desempenham atividades econômicas puras, mas prestamserviços públicos, atividades típicas da Administração.

"Colaborar" significa, pois, "prestar serviços públicos indiretamente".Trata-se, pois, de entidades da denominada Administração indireta, sempreque a colaboração gire em torno da prestação de serviços públicos. Docontrário, não há "colaboração", porque não há "descentralização".

Ora, o Decreto-lei n.º 200 e o Decreto-lei n° 900, tratando dadescentralização, classificam a Administração indireta em autarquias,empresas públicas e sociedades de economia mista, quando poderiam ter dito,autarquias, desempenhando suas atividades típicas e empresas públicas esociedades de economia mista, quando, estas, desempenhando, por exceção,atividades típicas, passam a ser entidades da Administração indireta.

8. ADMINISTRAÇÃO DIRETA E ADMINISTRAÇÃO INDIRETASe "administrar" é "gerir serviços públicos", Administração direta é gestão

de serviços públicos pelo Estado. Fazendo-se abstração do tipo de Estado,Administração direta é aquela que é exercida pelo Estado. Administraçãoindireta é a exercida por órgãos credenciados pelo Estado, por entidadesnomeadas pelo Estado.

No Brasil, a Administração direta é a exercida pela União, pelos Estadose pelos Municípios, ou seja, fica a cargo dos respectivos chefes dos executivos(em cada uma das esferas) e de seus auxiliares diretos, ou seja, os Ministériose as Secretarias.

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Administração indireta é a gestão de serviços públicos, quando,definindo-se aqui de modo negativo, não realizados nem pela União, nempelos Estados, nem pelos Municípios.

Não há dúvida alguma que a autarquia é entidade da Administraçãoindireta. Só num caso raríssimo, aliás, em que a autarquia desempenhasseatividade não-típica, uma autarquia que, por exceção, desempenhasseatividade comercial ou industrial, neste caso, a autarquia não seria maisentidade da Administração indireta. Aqui haveria, entretantao, uma contradictiointerna, porque se a autarquia, por definição, é serviço público descentralizado,se a autarquia é um momento específico de uma generalização, se aautarquia, destacando-se da pessoa jurídica pública política que a criou,desempenha serviços específicos, se, em outras palavras, a União temcompetência genérica, podendo desempenhar todo e qualquer tipo de serviçopúblico e se a autarquia federal tem competência específica, já que éinformada pelo princípio da especialidade, como entender-se que a autarquiadesempenhe atividades que são exercidas, normalmente, por particulares?Seria uma autarquia não autárquica? Seria a desnaturação do próprio conceitode autarquia.

Dentro da sistemática dos Decretos-leis n.º 200 e 900, a Administraçãodireta federal é, tão só, a União, e a Administração indireta federal é

toda e qualquer autarquia federal, toda e qualquer empresa públicafederal e toda e qualquer sociedade de economia mista federal.

Note-se, porém, que dentro da própria sistemática desses Decretos-leisse as autarquias se distinguem por desempenharem funções e atividadestípicas, nessa mesma sistemática, as empresas públicas e as sociedades deeconomia mista se caracterizam pelo desempenho de atividades econômicas.Ora, contrapondo-se atividades típicas a atividades econômicas, já que estasúltimas não são, sempre e necessariamente, serviços públicos, vamos terdentro de um mesmo diploma legislativo, uma contra-dição flagrante, pois queas empresas públicas e as sociedades de economia mista, desempenhandoatividades econômicas, não configuram a Administração indireta.

Logo, a empresa pública, na lei atual, não é Administração indireta, já quea própria lei lhe designa, como objeto próprio, o desempenho de atividadeseconômicas e atividades econômicas são, por excelência, atividadescomerciais ou industriais, atividades que não são "típicas", porque podem serdesempenhadas normalmente por particulares.

Fora da sistemática do Decreto-lei n.º 200, ou seja, na prática, em-presaspúblicas estão desempenhando serviços públicos, como, por exem-

plo, casos incontestáveis em que resultam da transformação de antigasautarquias. Nestas hipóteses, houve alteração de "continente", masconservação de "conteúdo". Ao transformar-se de autarquia em empresapública, a nova entidade passa a exercer o mesmo serviço da antiga.

Nesses casos, não previstos pelo Decreto-lei n.º 200, nem pelo 900, aempresa pública é instrumento descentralizante, porque colabora com aAdministração direta, no desempenho de serviços públicos, antes presta-dospor autarquia. Alterou-se o regime jurídico, conservou-se a atividadedesempenhada.

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9. A EMPRESA PÚBLICA NA LEI E NA PRATICAQual o tipo de atividade que a lei brasileira atual outorga à empresa

pública?Resposta: atividade econômica, diz o Decreto-lei nu 900, de 1969,

corrigindo a expressão atividade de natureza empresarial na terminologia doDecreto-lei n.º 200, de 1967.

Quer se fale, porém, em atividade econômica ou em atividade denatureza empresarial é claro que se trata de serviço atípico, de atividadeatípica, ou seja, de atividade que qualquer particular pode desempenhar, noEstado do tipo liberal, como o nosso, ou seja, em Estado em que a intervençãoé, por excelência, supletiva, já que se incrementa a denominada iniciativaparticular.

De modo que, comércio e indústria são atividades-espécie, da qualatividade econômica constitui o gênero. Não quer dizer que atividadeeconômica não possa, em alguns casos, coincidir com serviço público, mas, deum modo geral, já que a atividade econômica visa, por excelência, o lucro e oserviço público constitui, por excelência, a consecução dos fins 'do Estado,mediante a apresentação do melhor desempenho, do melhor serviço, damelhor atividade pública, da consecução de fins de interesse público, regrageral, as atividades econômicas, afetas aos particulares, se contrapõem aosserviços públicos, afetos aos órgãos estatais, ou a entidades às quais o Estadodelega o desempenho de tais serviços.

Ora, tem-se observado que, na prática brasileira, a empresa pública,depois do advento do Decreto-lei n.º 200 e do Decreto-lei n.º 900, é criada,quer originariamente, com objetivo bem claro — atividade econômica — ouresulta da "transformação" ou "metamorfose" de outra entidade, já existente, aqual, regra geral, é uma autarquia, como ocorreu, por exemplo, entre outrashipóteses, com o BNH e com o BNDE.

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), criado pelaLei n.º 1.628, de 20 de junho de 1952 enquadrava-se na categoria deautarquia, pessoa jurídica de direito público, sendo agora empresa públicafederal, dotada de personalidade jurídica de direito privado e patrimôniopróprio, pertencendo suas ações, na quase totalidade, à União federal.

Ocorreu a mesma transformação com o Banco Nacional de Habitação(BNH), antiga autarquia federal, criada pela Lei n.º 4.380, de 21 de agosto de1964, enquadrado depois na categoria empresa pública, Banco Nacional deHabitação (BNH), pela Lei n.º 5.762, de 4 de dezembro de 1971, com apossibilidade ainda de uma abertura para poder transformar-se em sociedadede economia mista, caso o Poder Executivo, nos ter-mos do art. 69 da mesmalei, julgue oportuna e conveniente tal medida.

Há, como se vê, entre as autarquias, algumas que não se ajustaram ànatureza peculiar dos serviços explorados, em função da qual foram cria-das.Com fundamento no princípio da economia dos valores jurídicos, opera-se, nomomento, a conversão do modelo autárquico, no correspondente modeloempresa pública, aproveitando-se os elementos válidos dos modelos antigos,mas compatíveis com os modelos novos, para compor-se o modelo jurídico

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empresa pública, destinado no Brasil, ao desempenho de serviços públicosrelevantes, assumidos pelo Governo.

Observa-se, porém, um descompasso entre a lei e a prática. A lei,determinando que o objeto da empresa pública seja o desempenho deatividade econômica (logo, não de serviço público) ; a prática, possibilitando atransformação de autarquia em empresa pública, atribuindo-se a esta entidadesucessora o mesmo tipo de atividade que estava afeto à autarquia, o que nãofoi previsto pelo Decreto-lei.

Ora, se o objeto da autarquia era antes serviço público, já que autarquiase define como o "serviço público descentralizado", transformando-se aautarquia em empresa pública, altera-se apenas o regime jurídico, mas oobjeto continua o mesmo: serviço público.

Tomando-se pois a empresa pública resultante dessa transformação deautarquia, como apresentá-la diante da sistemática dos Decretos-leis n.º 200 e900? Continuam válidas a definição e a classificação da empresa pública comoentidade da Administração indireta, à qual se outorga o desempenho deatividade econômica? E atividade econômica não se contrapõe a serviçopúblico? Ou as expressões são sinônimas.

Desse modo, a lei inclui a empresa pública entre as entidades daAdministração indireta, ou descentralizadas, atribuindo-lhe atividadeeconômica (comércio e indústria, por exemplo), o que é uma contradição, jáque descentralizar é "transferir serviços públicos do centro para a periferia",por outro lado, contrapondo a autarquia, cujo objetivo é o de-desempenho deatividade econômica? E atividade econômica não se sempenho de atividadesatípicas, agrupa essas duas entidades sob uma mesma rubrica, ou seja, sob otítulo de entidades da Administração indireta. De outro modo, na prática, hádivórcio claro entre a lei e o que ocorre quando se transforma autarquia emempresa pública, porque se altera o regime jurídico de público para privado enão se altera o objetivo, que é no primeiro caso, serviços públicos e, nosegundo caso, continua sendo serviços públicos, quando na realidade deveriaser atividades econômicas, pois que a própria lei fixa o objeto atividadeseconômicas, como objeto da empresa pública.

10. FORMAS DA EMPRESA PÚBLICANão vamos tratar desse assunto, ao qual consagramos artigo especial.

Expliquemos, entretanto, o que deve ser tratado sob esta rubrica.O direito comercial, quando trata das diversas formas que podem ser

assumidas pelas sociedades, enumera, entre outras, a sociedade de capital eindústria, a sociedade por cotas, a sociedade em comandita simples, asociedade em comandita por ações, etc. Como o Decreto-lei 200 permite que aempresa pública assuma qualquer das formas permiti-das em direito,gostaríamos de colocar este problema: pode, realmente, a empresa pública nodireito brasileiro, revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito? Ouseria melhor que a lei dissesse: desde que a forma revestida seja compatívelcom sua especialíssima estrutura?

Quer-nos parecer que existem algumas formas de sociedades que odireito comercial prescreve e que não podem, entretanto, servir de roupagem

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jurídica para a empresa pública, por incompatíveis com a própria naturezadessa entidade, na qual patrimônio e capital pertencem ao Estado.

Deixamos este parágrafo em aberto, pedindo para o tema a atenção doespecialista em direito comercial.

11. EMPRESA PÚBLICA UNIPESSOAL E PLURIPESSOALO Decreto-lei 200 e o Decreto-lei 900 são leis federais. Logo, leis federais

podem derrogar leis federais. Imaginemos a empresa pública sob a forma deanônima.

Estudemos, pois, sob esse aspecto, a empresa pública unipessoal epluripessoal, relativamente à União.

Unipessoal é a empresa pública federal, constituída sob a forma desociedade anônima de um só acionista — a União. Dotada de personalidadejurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União,a empresa pública federal, assim constituída, é criada por lei, para aexploração de atividade econômica que o Governo seja levado a exercer, porcontingência ou conveniência administrativa.

Temos assim a implantação de uma novidade em nosso direito, asociedade de apenas um acionista, de "um só sócio", o que derroga adisposição relativa ao tema, concretizada pela lei da sociedade por ações, qualseja, a de não poder haver, entre nós, sociedade com menos de sete sócios(Decreto-lei n.º 2.627, de 26-9-40), pois, do contrário, a sociedade, seanônima, pela redução do número de acionistas a menos de sete entrará emliquidação (art. 137, "d", do Decreto-lei n.º 2.627). Ex.: E. Mista transformadaem E. Pública.

Como lei federal posterior derroga lei federal anterior, quando seja comela incompatível (Lei de Introdução, art. 29, § 19), neste ponto a União federalpode participar sozinha de sociedade sem que entre em liquidação, depois deum ano, como preceitua a lei das anônimas. Dispensa-se, pois, no caso, aexigência da participação de outros sócios. O objetivo da empresa públicaunipessoal federal será a prestação de atividades econômicas, mas nadaimpede que tenha, por objetivo, a exploração de serviços públicosadministrativos. Criada por lei, a empresa pública unipessoal federal, exploraránecessariamente atividade econômica, revestindo personalidade jurídica dedireito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União.

Pode entretanto, ocorrer, que a empresa pública federal resulte datransformação de outra entidade já existente, pública (autarquia), ou privada(concessionária ou permissionária), assumindo a União, no caso, a gestão daempresa. Neste caso, se a entidade anterior explorava "atividade privada", anova categoria empresa pública federal unipessoal manterá a mesmamodalidade de serviço. Se a entidade anterior explorava "serviço público" anova categoria também, é claro, na categoria de mera entidade sucessora,assumirá a gestão dos serviços públicos administrativos, garantindo-lhes acontinuidade.

Empresa pública unipessoal, cuja finalidade seja a exploração deatividade privada, só poderá existir, é claro, no âmbito federal, sendo veda-daa criação de modalidades paralelas nos setores estaduais e municipais. Por

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que? Porque legislar sobre direito comercial é assunto privativo da União(Emenda Constitucional n° 1, de 1969, art. 89, XVII, letra "b").

Empresa pública unipessoal, cuja finalidade seja a exploração de ser-viços administrativos, propriamente ditos, entretanto, pode ser criada no âmbitoestadual e municipal, porque o conteúdo da entidade é administrativo, nadatendo a ver com a forma, roupagem ou estrutura, pedida emprestada ao direitomercantil.

Pluripessoal é a empresa pública federal dotada de personalidade jurídicade direito privado com a maioria do capital votante de propriedade da União ecom o resto do capital votante distribuído por outras entidades jurídicas dedireito público interno, bem como de entidades da Administração direta daUnião, dos Estados, Distrito Federal e Municípios, criada por lei, para aexploração de atividade econômica que o Governo seja levado a exercer porforça de contingência ou de conveniência administrativa podendo revestir-sede qualquer das formas admitidas em direito.

Pluripessoal, aqui, tem o sentido exato de "sete ou de mais de setesócios", porque fora da hipótese do parágrafo anterior (empresa pública federalunipessoal), expressamente capitulada pelos artigos respectivos do Decreto-lein° 200 e Decreto-lei n.º 900, a empresa pública sob a forma de anônima,seguirá a lei das sociedades por ações (Decreto-lei n.º 2.627, de 26-9-40).

O objetivo da empresa pública pluripessoal federal será a prestação deatividades econômicas, mas nada impede que explore também serviçospúblicos.

Criada, originariamente, por lei, explorará, necessariamente, "atividadeeconômica", revestida de personalidade jurídica de direito privado, compatrimônio próprio e capital votante distribuído entre a União e as de-maisentidades participantes, prescritas no Decreto-lei n.º 900, art. 5º Pode,entretanto, a empresa pública federal pluripessoal, resultar da transformaçãode outra entidade já existente, pública ou privada, assumindo a União, no caso,a gestão da empresa. Nesta hipótese, se a entidade anterior explorava"atividade privada", a nova categoria empresa pública federal pluripessoalmanterá a mesma modalidade de serviço; se a entidade anterior, entretanto,explorava "serviço público administrativo", a nova categoria também, é claro,na qualidade de sucessora, assumirá a gestão dos "serviços públicosadministrativos", dando-lhes continuidade.

Se a empresa pública unipessoal, cuja finalidade seja a exploração deatividade privada só pode existir, é claro, no âmbito federal, sendo vedada acriação de entidades paralelas nos setores estaduais e municipais, o mesmonão acontece entretanto, com a empresa pública pluripessoal, cuja finaildadeseja a exploração de atividade privada, sem embargo de alguns autoresadmitirem possam ser criadas pelos Estados e Municípios, desde que sigam aforma preceituada pela lei das sociedades por ações ou seja, admitam aparticipação de sete sócios.

Assim, Oscar Barreto Filho, preocupado mais com o aspecto formal doque com o conteúdo da empresa pública, admitiu a possibilidade da criação detal entidade, por Estados-membros e Municípios brasileiros, devendo estespara tanto, necessariamente, mas unicamente, escolher uma das formas

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admitidas em direito, amoldando-se às prescrições do direito privado, ou maisprecisamente, às disposições da Lei Comercial (A forma jurídica das empresaspúblicas do Estado e do Município, em Revista da Procuradoria do Estado deSão Paulo, 1972, pág. 203).

No entanto, se quanto à forma o raciocínio jurídico está perfeito, restaexaminar o aspecto constitucional do problema, que concerne ao conteúdo ouobjeto da empresa pública.

Pois bem: o aspecto formal é condição necessária, não suficiente, para acriação de empresa pública estadual ou municipal. O exame do conteúdo é,pois, indispensável, para admissão da possibilidade jurídica da criação daempresa pública estadual ou municipal. Pode o Estado-membro ou o Municípioseguir à risca o preceituado na legislação pertinente às sociedades comerciais;pode o Estado-membro ou o Município, moldar-se a entidades tipificadas pelodireito substantivo federal, revestindo-se da forma de sociedades mistas, defins econômicos (ou mercantis).

Não basta. É preciso examinar-se cuidadosamente o conteúdo, a matéria,a substância, o objeto, a natureza da atividade desenvolvida, por-que se estafor de índole econômica, é vedada aos Estados-membros e aos Municípios acriação de empresa pública com tal conteúdo, porque esta-ria havendointervenção indébita no domínio econômico por parte dos Estados e dosMunicípios.

Com efeito, a intervenção no domínio económico e o monopólio dedeterminada indústria ou atividade são facultados mediante lei federal (art.163, da Emenda n.º 1, de 1969), cabendo às empresas privadas, normalmentee preferencialmente, com o estímulo e o apoio do Estado, organizar e exploraras atividades privadas (art. 170 da Emenda Constitucional n° 1, de 1969),podendo o Estado, por exceção e em caráter complementar, concorrer com ainiciativa privada, organizar e explorar diretamente, atividade econômica (art.170, § 1º, da Emenda Constitucional n.º 1, de 1969), sendo que na exploraçãopelo Estado da atividade econômica, as empresas públicas se regerão pelasnormas aplicáveis às empresas privadas ( art. 170, § 2º, da EmendaConstitucional n.º 1, de 1969).

Se a própria União, exceto em casos especiais e mediante lei federal, nãopode intervir no domínio econômico, a não ser por motivo de segurançanacional ou para organização de setor que não possa ser desenvolvido comeficácia em regime de competição e liberdade de iniciativa (art. 163, daEmenda Constitucional n.º 1, de 1969), com maior razão é vedada aos Estadose aos Municípios, ingerência em tal domínio, o que ocorreria se empresaspúblicas estaduais e municipais, que explorassem atividades econômicasfossem criadas por estas pessoas jurídicas públicas políticas.

Cumpre agora examinar a criação por Estado-membro e por Município deempresa pública que objetive o desempenho de serviços públicos, dentro desuas respectivas competências, ou de serviços públicos que, embora dacompetência de outra pessoa jurídica pública, sejam outorgados porconcessão ao Estado-membro ou ao Município.

Adotando a nomenclatura do Decreto-lei n.º 200, o Estado-membro dafederação é constituído (a) de Administração direta formada pelos serviços

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integrados da estrutura administrativa do Governador e dos Secretários e (b)da Administração indireta, que compreende as seguintes entidades, dotadasde capacidade jurídica própria, a saber: autarquias estaduais, empresaspúblicas estaduais e sociedades de economia mista estaduais.

Nos Municípios de maior complexidade administrativa, também podenotar-se, de um lado, a Administração direta, constituída pelos serviçosintegrados da estrutura administrativa do Prefeito (ou Interventor) e dosSecretários, e da Administração indireta que compreende as seguintescategorias, igualmente dotadas de personalidade jurídica própria, a saber:autarquias municipais, empresas públicas municipais e sociedades deeconomia mista municipais.

Empresa pública unipessoal não pode ser criada de modo algum pelosEstados ou pelos Municípios, em razão de obstáculos de natureza formal eobstáculos de natureza material.

De natureza formal, porque só a União derroga lei federal, por meio deoutra lei federal; de natureza material, porque só a União legisla sobre matériacomercial.

Se Estados-membros ou Municípios pedem emprestado ao direitomercantil esquemas jurídicos rígidos para a criação de empresa pública,devem adequar-se aos modelos clássicos existentes, introduzidos no mundodo direito por lei federal.

Ora, a lei das sociedades por ações não conhece a sociedadeunipessoal, modalidade só admitida no plano federal depois da edição doDecreto-lei n.º 200 e, assim mesmo, só com referência expressa a empresaspúblicas de que participe a União, com patrimônio próprio e de capitalexclusivo. Por isso, numa primeira consideração, sem entrar ainda no examedo conteúdo, mas considerando-se tão só o aspecto formal, basta-ria esteerigir-se em obstáculo intransponível para a criação de empresas públicasestaduais e municipais. Estados e Municípios não legislam sobre direitocomercial; recebem pronta, da União, legislação completa sobre a matéria. Enão podem fugir dos cânones traçados pela União.

O exame do conteúdo, entretanto, completaria o quadro daimpossibilidade genética das empresas públicas estaduais e municipais já queconfigura caso típico da intervenção do Estado e do Município na ordemeconômica, caso se trate de empresa pública unipessoal, objetivando odesempenho de atividades privadas.

Empresa pública pluripessoal é a outra hipótese a considerar-se,Tratando-se da exploração de atividade privada, é proibida a sua criação porparte dos Estados e dos Municípios. Mesmo que se atendesse o requisito doaspecto formal perfeito, o conteúdo econômico impediria, em razão daexistência de texto constitucional impeditivo da intervenção do Estado nessedomínio.

Tratando-se, porém, de empresa pública estadual ou municipal queobjetive a prestação de serviços públicos administrativos, a própria naturezaadministrativa da entidade dispensaria a sujeição da empresa, às formasimpostas pela lei reguladora das sociedades mercantis. Insere-se nacompetência dos Estados-membros e dos Municípios a faculdade de editar

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normas de direito administrativo nas esferas de suas respectivascompetências.

13. O MODELO FEDERALNo âmbito federal, a tendência de hoje é (a) a criação originária pela

União, de empresas públicas para o exercício de atividades econômicas,dentro do. espírito e da letra rígida do Decreto-lei n° 200 e do Decreto-lei n°900, ao mesmo tempo (b) é nítida a tendência para a transformação ouenquadramento de autarquias federais, já existentes no prestigiado modelo dacategoria empresarial pública.

A segunda hipótese, ou seja, a passagem de "autarquia" a "empresapública", respeitando a antiga finalidade da consecução de serviços públicosrelevantes significa metamorfose instrumental, formal, de meios, de esquema,de regime jurídico, o que demonstra o repúdio ao modelo anterior, superado eineficiente.

O serviço postal e telegráfico, por exemplo, exercido pela EmpresaBrasileira de Correios e Telégrafos, inclui-se, sem dúvida alguma, entre osserviços públicos federais (art. 8º, XII, da Emenda Constitucional n.o 1, de1969). E serviço público relevante. Quem o desempenha hoje? Empresapública federal.

A Caixa Econômica Federal, também prestadora de serviços públicos, foienquadrado ao modelo empresa pública; o Banco Nacional da Habitação,antiga autarquia, foi enquadrado agora na categoria empresa pública, com apossibilidade ainda de transforma-se em sociedade de economia mista, caso oPoder Executivo assim julgue, assim o entenda. O mesmo ocorre com aautarquia federal BNDE antes, autarquia federal, hoje empresa pública federal.

Como harmonizar, porém, o que a lei determina e o que a práticaconsagra? Se os Decretos-leis n.ºs 200 e 900 assinalam "atividadeseconômicas" como a espécie característica de serviços objetivados pelaempresa pública, como é que se vai encontrar, na prática, o modelo empresapública exercendo anomalamente serviços públicos típicos, o que não se podenegar, quando a empresa pública é sucessora de uma autarquia? Se autarquiaé serviço público personalizado, o que é da sua própria essência, vamosencontrar, no direito brasileiro atual, serviços públicos personaliza-dos naempresa pública, o que a afasta daquilo que lhe atribuiu o Decreto-lei federal.

O desempenho de serviço público, atividade típica da autarquia, éincompatível com a entidade empresa pública, cuja atividade normal é aeconômica.

14. CONCLUSÕESO objetivo deste trabalho foi problematizar, equacionar problemas, menos

do que resolvê-los. Tratando-se da "empresa pública" na lei e na realidadebrasileira, pode observar-se que a primeira traça um plano e que a práticadesmente esse plano. Além disso, a própria lei apresenta contradições porqueinclui a empresa pública, regra geral, entre as entidades da Administraçãoindireta, quando, na realidade, não é. Por outro lado, a empresa pública écontraposta à autarquia, dando-se a esta objetivos típicos, atividades típicas eàquela atividades atípicas, ou seja, atividades econômicas.

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Por outro lado, não cogitou a lei da transformação de autarquias emempresas públicas e, na realidade, se observa, de um modo geral,transformação de autarquias federais em empresas públicas federais, o quefaz com que se conserve o conteúdo e se modifique apenas o aspecto formal,o regime jurídico que de público passa a privado. Queremos com isso chamara atenção dos Senhores para a grande responsabilidade do legislador, que,contrariando o axioma de Montesquieu — "lei é a relação necessária, derivadada natureza das coisas" —, procura inverter o problema, fazendo leis "degabinete", divorciadas da realidade ou que a realidade acaba por desmentir.

E o que ocorreu com a empresa pública brasileira, definida e classificada,na lei, de um modo, contrariada, na prática, de outro modo, por-que a realidadese libertou do terreno estreito que a definição lhe assinalara e a classificaçãolegal, não refletindo a realidade, acabou por tornar-se estranha ao que severifica na colocação científica adotada pela doutrina brasileira.

Em suma, de lege lata, a empresa pública é definida como a entidade daAdministração indireta, a quem cabe o desempenho de atividades atípicas(atividades econômicas), contrapondo-se à autarquia, a quem a lei reservou aprestação de atividades típicas (serviços públicos). Ora, atividades atípicas nãoequivalem a atividades típicas.

De lege ferenda, com base na realidade brasileira, consubstanciada nomodelo federal, empresa pública deve ser compreendida como (a) a entidadeda Administração indireta, quando desempenha "serviços públicos", (b)entidade que colabora com o Estado, desempenhando "atividadeseconômicas", caso em que não se enquadrará no rol das entidades daAdministração indireta.

BIBL. — BRANDÃO CAVALCANTI, A empresa pública no direitobrasileiro, em RDA 91/1 a 12; COTRIM NETO, Teoria da empresa pública, emsentido estrito, em R da OAB, 16/229 a 269; FRANCO SOBRINHO (M.O.),Fundações em em-presas públicas, 1972; MELO (C . A . B . de), Prestação deserviços públicos e Administração indireta, 1973; MUNIZ (A.A. Caminha), Aempresa pública no direito brasileiro, 1972; SOUSA NETO, A palavra e aNovacap, 1964; TÁCITO (Caio), As empresas públicas no Brasil, em RDA84/432 a 439; nossos: Empresa pública, 1973 e Tratado, 1970, vol. VII, 252 a257; ROSAS ROBERTO — Tendências atuais da empresa pública — emRevista do Tribunal de Contas do D.F. n.° 4, pág. 113, 1976.

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Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 5

AS FRONTEIRAS DA MORALIDADE NODIREITO ADMINISTRATIVO(*)

MANOEL DE OLIVEIRA FRANCOSOBRINHO

Aqui está, para aqueles que pacientemente vão me ouvir, um temasempre novo e também muito antigo na história do pensamento jurídico. Daíuma indagação: será possível estabelecer, hoje em dia, as fronteiras damoralidade no direito.

Pelo menos, no Direito Administrativo acreditamos que sim. Sobre-tudoolhando o que se passa nas sociedades modernas. E com a Administraçãochamada de pública. Buscando os elementos de fundo para depois justificar asformas de atuação.

Para isso sabemos que cabe à filosofia do direito estudar as origens dasinstituições jurídicas, como elas são no exato momento histórico. Estudando osfatos e deles introduzindo as leis. Evitando abstrações quanto à determinaçãodos fenômenos jurídicos. Eximinando a multiplicidade deles nas relaçõessubjetivas.

Nas sociedades políticas, se a ordem jurídica não cria mas aplica odireito, cumpre tomar em consideração duas observações:

a) que os costumes jurídicos são morais;b) que entre a norma jurídica e a norma moral está o fato reduzido à regra

ou preceito.Empiricamente, a juridicidade das leis, o procedimento, decisões e outros

quaisquer atos jurídicos, derivam da natureza absoluta, não é relativa dodireito. Na essência, o direito não se baseia apenas na força obrigatória. Massim nos fatos reconhecidos como existentes.

A ninguém cabe mais hoje em dia discutir a realidade positiva do Direito.Sejam as normas públicas ou privadas, e isto porque entre o direito escrito e onão escrito as diferenças são aleatórias, marcadas tão-somente pela idéia doque é jurídico ou moralmente coercitivo.

Por esse motivo, definição de lei existe sempre em abundância. O quenão se quer, sem dúvida, é definir as leis pelas suas virtudes, ou envolvendomoralidade, porque nas relações entre a lei e a moral, a moralidade do dever,assume aspecto da mais alta importância na ordem institucional.

Daí o princípio da legalidade não ser tão rígido quanto parece. Ao pensarna lei, e no seu conteúdo, as distinções desaparecem. Toda lei há de sermoral. Toda legalidade há de ser limitada pelo dever público. Eis que orelacionamento jurídico não admite uma coisa sem a outra.

A questão, muito simples, é de princípio e de fim, ao mesmo tempo. Aboa Administração situa-se na área do dever. Onde a lei se compromete com ajusta-causa-final, ou com o princípio de justiça.

(*)Palestra proferida no Centro de Estudos do Tribunal de Contas do Distrito Federal, em 27-9-76

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Impossível, nesta palestra, pela variedade das implicações temáticas,alcançar as tendências das diferentes concepções formais ou antiformais. Oproblema passa a ser de gnosiologia. De estudo e entendimento de fontes e deformas, porém na sua expressão de tempo, espírito e cultura.

Assim se explica o direito consuetudinário. Quando existem normasmorais que automaticamente são obedecidas, tendem elas à aplicaçãoconcreta, natural, conseqüente com a sua natureza. Sem com isso pretender-se para a norma um formalismo absolutamente rígido.

A forma lógica, como produto da experiência jurídica, no que diz emprofundidade com a ciência do direito, traz no seu bojo conteúdo afins como osde moral e de costume, ampliando-se todavia através da distinção de casos emultiplicidade de teoremas.

Os fatos jurídicos devem, pois, antes de tornados em regras, serconsiderados em si mesmos, ou como fatos sociais reflexos da ordem natural.Não se esquecendo, porém, que a sociedade é composta de indivíduos. Depessoas que vivem relações interindividuais, ou comunitárias.

O fato direito conquanto esteja na realidade objetiva dos fatos sociais,distingue-se como maneira de ser constante não dependente do arbitrárioindividual ou de simples sistemas de concepção ideológica. Faz fato aonatural, na evolução de cada sociedade, e de cada instituição.

Ao longo da história do pensamento jurídico podem distinguir-se doistipos de consciência coletiva:

a) a que aceita a sociedade como um todo e não formada de partes;b) a que individualiza pela coerção o relacionamento humano impondo o

confronto entre classes.Qualquer que seja o exame histórico no desenvolvimento do processo

social, o direito se afirma antes mesmo de ser positivo como um fato natural,como ordenamento jurídico de conduta social, ou melhor, como a lei nos seuspressupostos fundamentais de igualdade e moralidade.

O direito, portanto, está na teoria do ser, que é natural. Onde os juízosmorais são analíticos e os juízos jurídicos são sintéticos. Sem que importe,como fundamental, a sua vigência e temporalidade. Mas sim a validez naturalque antecede ao jurídico temporal.

Para que apareça valiosa a atividade jurídica, é preciso que haja licitudena validez do ato, isto é, que haja critério de moralidade nos tipos exteriores decomportamento, o público e o privado, o administrativo ou aquele que ordenecoativamente o "dever ser" jurídico.

Não há dúvida que toda regra jurídica na sua origem é por excelênciamoral. Que não se permite discutir a norma fora dos pressupostos demoralidade. Contudo, na execução do ato administrativo, ou na aplicabilidadematerial dele, não se desmerecem os critérios objetivos e subjetivos.

O problema da soberania estatal e a necessidade de um poderadministrativo não é uma questão atual como se pretende fazer crer. Decorrenão de situações políticas emergentes, mas de implicações históricas onde

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direito e poder se complementam na ordem jurídica constituída econstitucional.

Também nesse liame entre o fato direito e o fato poder, a moral passa aconscientizar uma relação de ordem, eis que as ações humanas recebem suamoralidade do objeto formal, constituído da matéria com que operam e darelação desta com a ordem e com o fim.

O que preocupa o direito, e isto para fundamentação do princípio dalegalidade, é que existem vários graus de objetividade na moral, ou seja,porque certas ações são em si mesmas mais perfeitas e outras maisdisformes, inclusive as que nascem dos atos jurídicos.

Na verdade, frente à realidade, aconteçam as teorias firmaremorientações díspares, o fenômeno é o mesmo: atos aparecem que, emborabons e legais, trazem consigo um predomínio de parte, isto é, um desvio quetende à violação da razão ou da lógica jurídica.

Por falar em razão ou lógica jurídica, mesmo para os teóricos do arbítriosubjetivo da Administração, nada justifica a forma extra-legal de se produzir odireito, como se fosse um equívoco a transplantação dos princípios do direitonatural para o mundo jurídico positivo.

A malícia de um ato, seja este público ou privado, afasta-o da moralidadecomum e legal. Do bem geral como um fim. Pode-se dizer que a moralidade,tal como o tempo e o espaço, é uma categoria fundamental a toda experiênciajurídica. A conexão do ideal ético com os padrões jurídicos, torna a idéia dodireito mais humana e real, melhor entendida, melhor sentida.

No que se relaciona com a lei administrativa, os deveres existem emfunção dos direitos. Esta função tem um valor ético, tanto para o indivíduocomo para o Estado, embora possa ser impreciso o sentimento de moralidade.Não se olvide que muitas prescrições de moralidade, sobretudo aquelasrelativas aos chamados deveres de justiça, são prescrições que se encontramtambém no direito.

Não importa, todavia, que a experiência histórica aponte constantesconflitos entre o direito e a moral. O que importa, para o jurista moderno, entretantos atos de discrição administrativa, é que a moralidade tanto objetiva comosubjetiva mantenha pelo tratamento igual a unidade substancial do direito.

A legalidade, sem dúvida, é uma qualidade daquele ato que se conformacom a lei. Não há como separar, no conceito, nem como distinguir facilmente,o moral do jurídico. Mas não é só a lei que deve ser lembrada, mas o princípioque manda a Administração agir conforme o direito.

A sujeição da Administração à legalidade subentende sujeição às normasgerais do direito. Sem reserva dos valores que, na permanência do processohistórico, atuam na organização da sociedade política. Na sua obediência eaplicação, as leis administrativas, são tanto morais como são jurídicas.

Há que entender o interesse público, sob três aspectos, o político, ojurídico e o moral. Não basta a noção política, como não basta a noçãojurídica. O exame da responsabilidade administrativa, em sendo público,abrange situações que pela prova do ato-fato envolve a moralidade.

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Por esse motivo, nas situações juridicamente protegidas, consideram-seos prejuízos patrimoniais e os prejuízos morais, ainda que os morais assumamcaráter equívoco. No entanto, o equívoco desaparece, quando as situações naárea administrativa, tendem a distorções da legalidade.

Não se pode, pois, reverenciar o princípio da legalidade apenas em tornodo que diz a lei na sua exatidão conceituai, programática, tempestiva ougeométrica, pois a virtude da lei vem ligada à idéia de justiça. Chega paraatender reclamos e não para prejudicar ninguém.

O Estado, por sua vez, não está a salvo de prejuízos jurídicos nãoexercitando a moralidade administrativa. Entende-se logicamente a normalegal imperativa quando de plano aplica-se pelo entendimento comum dosfatos. Sem exceções ou singularidades. Nunca particularizando.

Quanto às exceções, confirmam pelo conteúdo a natureza da regra geral.No tocante às opções, de que se vale a Administração, muitas vezesatravessam o limite da discrição e chegam forçadamente ao arbítrio. Háinclusive casos que, bem analisados, ferem a moralidade e a justiça.

Recomendável, portanto, para que se evitem os excessos administrativosna prática da legalidade, que as exceções e as opções levem a um equilíbriona ação administrativa e a uma medida no exercício do poder. E para que nãohaja contradição entre os princípios que se fazem funda-mentais.

A lei não é só o texto, mas também o contexto. Porque na essência dosmandamentos legais encontra-se o princípio ético, ao menos uma exigênciaconcreta moral, a de justiça. Em síntese, o ideal jurídico agrava-se na lutacontra a má fé, refletida nas diferentes formas de conduta administrativa, oumesmo de comportamento funcional.

Além da ciência positiva, reponham-se os temas, para atender dentro daunidade nas leis, os aspectos moral e jurídico isto é, a justiça comum a todos.É necessário e urgente reelaborar os fundamentos do direito fundado na moral,ou da política sobre a moral em termos de verdade social.

Há uma série de manifestações casuísticas que se exercem nos"interstícios de legalidade" e às vezes abertamente contra a lei. Sãomanifestações, sobretudo no Direito Administrativo, resultantes dodiscricionarismo, do abuso de autoridade ou da possível discriçãoadministrativa, mas que no entanto podem encontrar correção em face dasConstituições.

Por essa razão, a justiça, como fenômeno de direito natural, levada àcompreensão do direito positivo, busca a harmonia entre os critérios morais eas normas jurídicas, entre os interesses públicos e as situações individuais,polarizando-se para responder a uma exigência de consciência social.

Nessa exigência, legalidade, moralidade e justiça, são realidadestangíveis. A serem postuladas processualmente nas correspondentes esferasde proteção jurisdicional. Apreciadas na medida da conveniência ou daoportunidade. Intervindo no processo de aplicação da norma nos seus ele-mentos primários, quando da passagem dela do abstrato para o concreto.

Esse intervalo que separa a intenção da ação e da sua execução peloato, merece algumas considerações. Não é propriamente um espaço vazio,

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mas uma área que aproxima o fato da atividade administrativa. Transformandoa vontade psicológica em vontade pública.

Precisamente nesse ponto se afirma a diretiva conceitual para cada casoconcreto. A ilegalidade não-intencional ou o desvio de poder. O dolo ou acoação. A relevância do erro de fim ou de causa. A controvérsia dadiscricionaridade e a sua vinculação com o ato administrativo.

As implicações são muitas e estão a exigir estudo bem mais profundo,ecom respeito principalmente aos pressupostas de qualificação jurídica,

de concepção restritiva ou ampliativa da vontade, numa tentativa de definiçãodo papel da vontade administrativa na forma do ato público.

O que se pode, sem dúvida, da análise dessa área livre, é dar relevojurídico à moralidade. A aquela força que impõe à Administração agir nointeresse geral. Marcando, ria oportunidade, nos casos que se concretas'',

opossível controle da legalidade e da moralidade de fundo ao mesmotempo.

A imposição, não abstrata, não é distinta da origem dos deveres doagente administrativo, ou da Administração. Com a superação, assim, dasantinomias desnecessárias. Entre legalidade e moralidade. Entre moralidade ejustiça. Entre moralidade e justificada discricionaridade.

O problema, porém, é verdade, não se coloca assim tão simplesmenteequacionado. O que se pretende, nos conflitos administrativos, em face doprejuízo dos direitos, é fixar em termos de realidade objetiva, a posição moralda Administração pelos atos que pratica e executa através de atividadeconsentida.

Na intenção psicológica, mesmo difícil de se constatar, está um ele-mentoaltamente qualificado. Para que se entenda a observância da legalidade juntocom o dever geral de boa administração. E quais as conseqüências, no planojurídico, de uma atividade, não permitida e aparentemente prejudicial.

Quem sabe, mesmo com a distorção da lei afetando o objeto do ato, nãose possa falar de moralidade. No entanto, no tocante à intenção, o queaparece, vai além de um vicio de conteúdo, pois acusar não se pode o ato, defalta de vinculação, quanto à competência, à forma ou às formalidades.

O que sobra então? no intervalo entre a justa-causa-legal e a licitude deação e propósitos? Aqui é preciso compreender de uma vez por todas que avontade psicológica tanto importa para os atos administrativos comuns degoverno como para os atos desviados e discricionários.

Nos atos comuns de governo, o princípio da legalidade está semprepresente e de modo flagrante. Nos demais atos, livremente exteriorizadoscomo de discrição administrativa, o problema se coloca como uma questãocomplexa a examinar de moralidade.

Ora, o Estado, e em conseqüência, a Administração pública, traz comofim a garantia da ordem jurídica. Deformando-se a vontade administrativa, pelodesvio de intenção psicológica, o Estado de direito ou melhor, o Estado dejustiça, desaparece como verdade histórica consagrada.

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Não fosse o Estado o núcleo vivo e também o sujeito da ordem jurídica,na prática seria um poder de relação de força e nunca um poder fundado nosvalores da ética e do direito. Um poder simplesmente físico sem outrasqualificações que não a das virtudes discricionárias.

Apesar dos sistemas, o elemento teleológico do ato administrativo, é oque mais se afina com a posição moral da Administração. Evitando que avontade pública, por ser legal, permita desvios e excessos, o arbítrio e a livreatividade administrativa.

Ainda que os motivos determinantes levem ao desvio de intenção navontade administrativa, não é por isso que o Estado como sujeito da ordemjurídica não deva responder por todos aqueles atos denunciados comocapazes de violentar essa mesma ordem por ele tutelada e protegida.

Nenhum motivo, por altamente considerado, força o Estado a desviar-seda sua qualidade de poder legítimo. Como poder político, jurídico e de leis.Não há razões que se estimem e que justifiquem a legalidade duvidosa,equívoca. A moral se iguala aqui à uma regra virtual de imposição jurídica.

Numa equivalência direito e justiça são fenômenos que historicamentecaminham juntos e afins. Condicionados às mesmas realidades humanas esociais. Onde a legalidade aparece como a justiça empírica e positiva.Fortalecida por valores que, em certos momentos, transcendem o própriodireito.

Não há dúvida que é essa vontade superindividual ou comum, quesustenta o sistema jurídico fazendo-o positivo, e que tem por primeiraobrigação ordenada a manutenção de regras, de onde todo o ordenamentolegal resulta, harmonizando legalidade e justiça.

Inconcebível, um Estado, portanto, que não seja a síntese jurídica dapersonalidade social e humana, ou então, expressão sintética do direito queseja comum e de todos. O Estado eterno para os homens, vamos dizer! Ondea legalidade política não se conflite com a legalidade jurídica.

Convém não esquecer que entre as relações jurídicas há uma relaçãoadministrativa obrigatória assentada num fundamento real e de fato. Constitui-se ela na sua formação como obrigação natural e de direito. Aparecendo oEstado como o fiador dos pactos jurídicos livremente consentidos oupermitidos.

De todas as relações, porém, chamadas interdisciplinares de interessesocial e que tocam a ciência política„ a mais importante é a que existe entre apolítica e o direito. Nesse passo ganha importância o Direito Ad, ministrativo. Ena sua finalidade dinâmica a relação de administração.

Mas que em tudo sempre está presente o Estado. Não porém unicamentecomo uma figura-fenômeno de absoluta transcendência social. Duasqualidades informam a pessoa estatal: a função qualificada de administraçãolato sensu (governo) e a função de tutela na ordem privada ou pública(indivíduo e sociedade), interna ou externa.

Definir as posições não se faz difícil dadas as peculiaridades que asdistinguem na realidade exterior. No entanto, há uma linha natural decontinuidade cuja origem está na sociedade. Dela ao Estado politicamente

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organizado (administração), vai hoje um passo muito pequeno. E os direitos secriam na base das relações fundamentais.

Chamando a atenção para o Direito Administrativo no desenvolvi-mentodesta palestra, assim o fazemos porque é através da sua materialização quese firmam os vínculos positivos entre a Administração e direito. Adquirindo arelação-de-administração, como essencial relação jurídica, total plenitude derelacionamentos que vai do homem-ser ao pleno mundo universal.

Para solucionar a contradição entre o Estado e a livre atividade, está odireito. Dentro, todavia, de uma tendência que desaproxima o que é moral doque é jurídico. Estabelecendo, no entanto, ligações concretas da sociedadecom o Estado, do Estado com a Administração, e dela para com oadministrado.

Da mesma e igual maneira que na ordem privada, o direito regularelações externas e a moral relações de vida interior. Na ordem pública, osfenômenos se passam, extrovertendo os mesmos valores. O que interessa, noEstado, ou na Administração ativa, como no indivíduo, orienta-se para amotivação dos seus atos, atos que disponham ao menos de suporte moral,embora o legal esteja prenunciado.

Até agora, nos regimes administrativos, nenhuma fórmula foi encontradaque separe o livre poder administrativo das restrições de natureza jurídica. Nãose discute em si a existência do poder discricionário, pois até certos limites elese justifica para a efetiva realização de certos fins públicos. O que se discute,fora ou além da legalidade, é a moralidade administrativa.

E não é só isso. Evidentemente, não se pode obrigar só o indivíduo auma regulada conduta moral. De vez que a moral atua no âmago da ordemjurídica. Obrigando, o Estado e a Administração, em razão da licitude dos seusatos, de gestão ou de governo. Do contrário, o Estado, poder político, somenteseria coação, ou então, poder sem obrigações.

O problema, no entanto, mostra a história, é que o Estado jamais é o quedeveria ser. Depende, em tudo, das condições de tempo e dos instrumentaisadministrativos.

Vale, ao término da nossa despretensiosa palestra, uma bisonhaindagação: o exercício inadequado do ato administrativo legal faz ou nãomoralidade administrativa?

Admitindo a soberania das Constituições, não e não, não faz. Porqueprevistas estão as vias da revisão hierárquica e da correção jurisdicional. Asvias de tutela jurídica e de proteção dos iguais direitos.

Já estamos indo, numa preocupação que é de todos os tempos,demasiadamente longe.

Estamos contudo certos que, sobre um velhíssimo e surrado tema,estamos provocando uma necessária e nova polêmica. Polêmica que es.peramos atinja as áreas interessadas na questão complexa do atoadministrativo na sua extensão de moralidade.

Questão essa, sinceramente, sobre a qual vale a pena meditar. Para quedela participem governantes e professores, magistrados e advogados. Todos

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quantos, na sua responsabilidade pública, sintam o que deva ser, no dizer deMaurice Hauriou ou Henri Welther, uma "boa administração".

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PROVENTOS. MELHORIAS POSTERIORES.REVISÃO. LUIZ ZAIDMAN

EMENTA:1. Exegese do art. 72, § 8.°, da Constituição.

Recomendara-se no V Congresso de Tribunais deContas do Brasil que se deveriam considerar "melhoriasposteriores" — não dependentes, segundo a citadanorma constitucional, de decisão do Tribunal de Contas— apenas os aumentos puramente quantitativos deprovento ou pensão.

2. O reexame desse conceito, à luz dos processostécnicos de interpretação das regras jurídicas, conduz asua confirmação.

3. Na relação jurídica originária de ato deaposentadoria, reforma ou pensão, o provento expressaem moeda um conjunto de direitos do inativo oupensionista. Esse conjunto pode vir a representar maiorvalor pecuniário, em virtude de retificações, demelhorias, ou de substituição de um ou vários dosdireitos formativos do provento.

4. As retificações constituem mero ajustamento aoinicial-mente devido. As melhorias acrescentam aosexistentes um direito igual para todos os inativos oupensionistas; o ato administrativo vem somente declararo benefício geral decorrente de lei nova. As demaismodificações daquela relação jurídica envolvemalteração de direitos reconhecidos em decisão doTribunal de Contas e dependem de sua aprovação,segundo princípio tradicionalmente assente. Bemdiversa da analisada teria que ser, por isso, a fórmulaconstitucional destinada a excluí-las, total ouparcialmente, de tal revisão.

5. Exegese do art. 182, b, do Estatuto dosFuncionários (Lei n.° 1.711, de 28-10-1952). A revisãode provento autorizada por esse dispositivo cabe não sóquando o inativo vier a padecer de moléstia alienumerada, como também em qualquer outro caso demoléstia "grave, contagiosa ou incurável, especificadaem lei", nos termos das Leis n.°s 1.050, de 3-1-1950 e2.332, de 8-11-1954;

6. O reajustamento previsto na Lei n.° 1.050,citada, deve, entretanto, para os servidores civis, ficarlimitado "à remuneração percebida na atividade", deacordo com que determina o art. 102, § 2°, daConstituição.

(*) Conselheiro Substituto do TCDF, aposentado.

I — SUMARIO DAS QUESTÕESEm razão de haver sobrevindo ao inativo cardiopatia grave, versa este

processo sobre a revisão do provento de sua aposentadoria, para o efeito deelevá-lo ao valor integral do vencimento percebido na atividade, nos termos doart. 182, b, do Estatuto dos Funcionários (Lei n.º 1.711, de 28 de outubro de1952), cujo texto é o seguinte:

"Art. 182. O provento da inatividade será revisto: ...........................................................

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b) quando o funcionário inativo for acometido de tuberculose ativa,alienação mental, neoplasia maligna, cegueira, lepra, ou paralisiapositivada em inspeção médica, passará a ter como provento ovencimento ou a remuneração que percebia na atividade."

2. Duas questões prejudiciais surgem para decisão da Corte:a) a relativa a sua competência no tocante a esse tipo de revisão de

provento;b) a do cabimento da revisão, apesar de não prevista a referida moléstia

no texto legal invocado.II — EXEGESE DO ART. 72, § 8º, DA CONSTITUIÇÃO

a) Histórico3. Quanto à primeira, este Tribunal, ao tomar conhecimento,

anteriormente, de revisões semelhantes, adotara a exegese do art. 73, § 8º(atual art. 72, § 89) da Constituição, recomendada no V Congresso dosTribunais de Contas do Brasil, realizado em maio de 1967. Nesse conclave,fora acolhida a tese do preclaro J. E. Abreu de Oliveira — da qual tive a honrade ser relator — com as seguintes conclusões:

a) concessões iniciais são, além dos atos originários da inatividaderemunerada e das pensões, todos aqueles que, embora mediante simplesapostilas, modifiquem a fundamentação legal ou a base do cálculo,anteriormente adotadas, bem como os atos designativos de beneficiáriosecundário de pensão;

b) intitulam-se "melhorias posteriores" apenas os acréscimos puramentequantitativos de provento ou de pensão (concedidos "por motivo de alteraçãodo poder aquisitivo da moeda»).

4. Era a orientação já seguida pelo Tribunal de Contas da União,inspirado em sugestões oferecidas por aquele seu ilustre Diretor. O eminenteProcurador junto à mencionada Corte, Dr. Luiz Octávio Gallotti, também sepronunciou no mesmo sentido, em parecer de 11 de maio de 1967, quecontém a lúcida síntese adiante transcrita:

"Princípio informativo, na espécie, é o de que constitui norma gerala subordinação dos atos ou instrumentos modificadores às mesmasformalidades que presidiram à elaboração dos atos ou instrumentosmodificados. Assim, sendo a subtração das melhorias à revisãoobrigatória do Tribunal uma exceção ao princípio, há de ser sempreentendida restritivamente.

Nessa ordem de idéias, impõe-se a conclusão de que as variaçõesde proventos que impliquem na modificação do fundamento do atoconcessório inicial não podem ser tidas como simples melhorias.

Por modificação do fundamento, entendemos não apenas, e obvia-mente, as retificações que digam respeito às condições anteriores oucontemporâneas ao ato inicial ( direito reconhecido com atraso), como,por força de compreensão, as alterações decorrentes de leis posterioresque não se limitem a simples reajustes, mas atinjam ao cerne daconcessão, importando, por exemplo, na modificação do posto,

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graduação, cargo, símbolo, padrão, classe ou nível base daaposentadoria.

Em suma, consideramos melhoria, para fins de definição dacompetência do Tribunal, aquela variação que seja complemento,atualização ou desdobramento, em termos quantitativos, do ato inicial, enão aquela outra que infrinja ou altere em substância o mesmo ato."

(apud J. E. Abreu de Oliveira, "Aposentadoria no Serviço Público",Ed. Freitas Bastos, 1969, pág. 325).

5. Em conseqüência, a Resolução n° 44, de 21 de julho de 1967, doTribunal de Contas da União, dispôs, no art. 13, parágrafo único:

"Compreendem-se, também, como atos de concessão inicial, osque importem novação do título originário, ou seja:

a) os que modifiquem a fundamentação legal da concessão;b) os que inovem a base de cálculo anteriormente adotada;c) os que designem novos beneficiários, por força de morte,

renúncia, reversão ou outra razão de ordem jurídica."6. Há, pois, entendimento pacificamente assentado, que merece ser

mantido, não apenas com base na máxima minime sunt mutanda quaeinterpretationem certam semper habuerunt (altere-se o menos possível o quesempre foi interpretado do mesmo modo), como especialmente por sedemonstrarem sólidos seus fundamentos, conforme o reexame a seguirempreendido.

b) Subsídios lógicos e léxicos7. Em tema de aposentadoria, reformas e pensões, a competência do

Tribunal de Contas da União, e, por decorrência, das demais cortes de contasbrasileiras, ficou delimitada, constitucionalmente (art. 72, § 8º), do seguintemodo:

a) cabe-lhes julgar da legalidade das concessões iniciais; e —b) não dependem de sua decisão as melhorias posteriores.8. Uma das regras é afirmativa, e a outra, negativa. Caso se admita que a

primeira, ao afirmar a referida competência, descreve todo o campo incluído, eque a segunda, ao negá-la, se refere a todo o campo excluí-do, o resultadoóbvio será a condenada inferência de que teria bastado ao legislador usar umadas duas.

"Presume-se que a lei não contenha palavras supérfluas; devemtodas ser entendidas como escritas adrede, para influir no senti-do dafrase respectiva."

(Carlos Maximiliano, "Hermenêutica e aplicação do Direito", Ed.Freitas Bastos, 1941, 3.ª ed., pág. 141).

9. Ressalta, assim, haver o constituinte admitido existirem, ao lado das"concessões iniciais" e de suas "melhorias posteriores", espécies que, a rigor,não se enquadram nem no primeiro, nem no segundo grupo, e que somentepor comodidade de exposição podem ser agregadas a um ou a outro.

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10. Essa conclusão lógica se robustece em face da que provém desimples verificação gramatical. A expressão "melhorias posteriores" vincula-se,no texto, a "concessões iniciais". Não se trata, assim, de melhoria de situaçãodo inativo ou pensionista, nem de qualquer benefício referente a uma pensão,aposentadoria ou reforma. A norma restritiva, literalmente, só compreende asmodificações da concessão inicial que impliquem acrescer-lhe o valor semtransformá-la, pois, em caso contrário, se terá sempre concessão nova. Comefeito, ficou assentado, ao longo de vários decênios, na praxe fazendáriafederal, bem como na prática da instrução de processos e do registro dedecisões do Tribunal de Contas da União, reservar-se àquele vocábulo aacepção seguinte:

"... melhoria (de provento ou de pensão) significa o aumento puro esimples, que não envolve qualquer reexame do mérito da concessãooriginária."

(J. E. Abreu de Oliveira, Ob. cit., pág. 324).II. E, tratando-se do elemento léxico de exegese, a regra —

“... no Direito Público, é a da prevalência do sentido técnico daspalavras."

(Alípio Silveira, "Hermenêutica no Direito Brasileiro", Ed. Rev. dosTribunais, 1968, 1º vol., pág. 16).

12. Em coerência com o citado conceito, Pontes de Miranda afirmou quea melhoria não é mais especificamente submetida ao Tribunal de Contas,"porque se trata de simples contabilidade":

"Melhorias posteriores — Se, após a aposentadoria, a reforma ou oreconhecimento do direito à pensão, advém alguma lei que atribuamelhoria ao que a pessoa estava percebendo, não se tem de submeterao Tribunal de Contas a atribuição, porque se trata de simplescontabilidade. Isso não afasta que não possa o Tribunal de Contasrepresentar quanto à irregularidade ou o abuso que ele verifique, aoexaminar o orçamento."

("Comentários à Constituição de 1967", Ed. Rev. dos Tribunais, SãoPaulo, 1967, tomo III, pág. 260).

c) Elementos sobre o sistema13. O exame do sistema onde se insere a noção em tela confirma

igualmente o que se acaba de argüir. Constituindo, em regra, atoadministrativo vinculado, a concessão de aposentadoria, de reforma ou depensão gera relação jurídica sujeita a modificações enquadráveis em cincocategorias a saber:

a) retificações por motivo de defeito resultante de incorreta aplicação dodireito ou de errônea apreciação das provas;

b) retificações com base em provas posteriores de fato não considerado;c) alterações em conseqüência de fato superveniente previsto em lei

anterior à concessão;

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d) alterações em razão de fato, preexistente ou superveniente, previstoem lei posterior à concessão;

e) aumentos de quantum, quer provindos de lei nova, quer decorrentes denormas anteriores, determinantes de atualização ou de majoração proporcionalà remuneração na atividade.

14. Os quatro primeiros tipos de modificações também podem contermelhoria, se tomada a palavra em seu sentido comum. Juridicamente, porém,os dois casos de retificação, a que a doutrina administrativa denomina reforma,apenas refazem a relação jurídica, colocando-a em ter-mos exatos, ou seja,circunscrevendo-a ou, ao contrário, estendendo-a, aos limites que deveriam terprevalecido desde o início. O benefício ao inativo ou pensionista que asretificações venham a acarretar não passará, portanto, de restituição de direitopreexistente.

15. Já as alterações produzidas em razão de ocorrência a que a lei tenhaatribuído efeito modificativo, formam na relidade, concessão nova, embora sóexpressa, às vezes, em apostila ou em despacho não sujeito a forma especial.Representam, em substância, mediante ato novo consolidado a uma partemantida do anterior, mudança na relação jurídica originada pela concessão.Existe, em tais hipóteses, analogia com o instituto da novação no direitoprivado: extingue-se determinada obrigação do Estado, substituída por outracom o mesmo credor, ou até com novo, como nas reversões e transferênciasde pensão.

16. Nada autoriza, por conseguinte, que aquelas alterações, quandoacarretem situação pecuniária mais favorável ao inativo ou pensionista, sejamchamadas de melhorias em contraposição a concessões iniciais, para osefeitos constitucionais em causa. Tudo as diferencia das majorações gerais,quase sempre destinadas a compensar a desvalorização da moeda. E, se oconstituinte houvesse pretendido abrangê-las, teria dito, obviamente,"concessões posteriores", em vez de "melhorias posteriores".

17. Aprofundando a análise, no tocante em particular à aposentadoria,averigua-se comporem a concessão dois atos: um principal, geral-mentecontido em decreto ou portaria, que retira o funcionário do serviço ativo, emvirtude da verificação de certos pressupostos; e outro, complementar, querevela o valor do provento e se reveste da forma de título de inatividade.Emanam de autoridades diversas. O ato principal é, por natureza, constitutivo;o título, meramente declaratório. Do primeiro resulta para a Administração avacância do cargo e a obrigação de pagar provento ao aposentado; mediante osegundo afirma-se a quantia que o inativo tem direito a receberperiodicamente. Embora autônomos, eles se coordenam entre si, quanto aoescopo, formando, por isso, um conjunto interdependente que, segundo algunsmestres do direito administrativo, configura o ato intitulado composto (v.Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, "Princípios Gerais de DireitoAdministrativo", Ed. Forense, Rio de Janeiro, vol. I, 1969, pág. 475).

18. Considerados separadamente o ato de aposentação e o dedeclaração do provento, impõe-se observar que o primeiro só pode ser atingidopor retificações, dentre as mencionadas modalidades de modificação darelação jurídica. No segundo, todavia, por meio de apostilas, assinalam-se asconcessões posteriores, inclusive as melhorias.

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19. A relação jurídica de aposentadoria, que se concretiza mediante aaludido ato composto, envolve os seguintes direitos e obrigações básicos:

a) a obrigação do Estado ao pagamento do provento;b) o direito do aposentado ao provento;c) a sujeição do aposentado a específicas restrições estatutárias.20. O provento é a expressão pecuniária de um conjunto de direi-tos do

aposentado, entre os quais se podem incluir:a) o direito a uma determinada fração ou ao total do vencimento na

atividade;b) o direito ao total da gratificação adicional por tempo de serviço

percebida na atividade;c) o direito à parte variável da remuneração na atividade;d) o direito a parcela certa ou ao total de indicadas vantagens recebidas

na atividade;e) o direito ao vencimento e vantagens de cargo em comissão ocupa-do

na data da aposentadoria.21. Retifica-se o provento, quer quanto aos direitos que o com-põem,

quer quanto ao cálculo, para ajustá-lo ao inicialmente devido. Melhora-se oprovento, quando seu quantum é aumentado por força de lei que alcança asituação geral dos inativos ou dos pensionistas ou de ambas as categorias,sem mutação dos direitos já outorgados a cada um. Mas também hámajoração, ao conceder-se novo direito destinado não a alinhar-se entre osque regem a composição do provento, mas a substituir um, vários ou todoseles, com referência a um beneficiário em particular.

22. No primeiro caso, a relação jurídica é apenas ajustada; no segundo, oconjunto de direitos e obrigações que a constitui recebe acréscimo; no terceiro,sofre transformação. Quando, por exemplo, se confirma que um inativopossuía, ao ser aposentado, vinte e oito anos de serviço em vez de vinte eseis, procede-se à retificação do provento, se proporcional. Quando a lei elevao provento em valores percentuais ou absolutos, ocorre melhoria. Quandocerta moléstia grave, prevista em lei, vem atingir aposentado sob proventoproporcional ao tempo de serviço, ou quando promoção com efeito retroativovem beneficiá-lo, opera-se, mediante concessão nova, substituição dos direitosformativos do provento.

d) A finalidade da exclusão constitucional23. O Decreto n.º 392, de 8 de outubro de 1896, estatuiu, no art. 2º, § 2º,

2, e, caber ao Tribunal de Contas, como fiscal da administração financeira, "emreferência à despesa":

"aprovar a legalidade das aposentadorias, concessões de meio soldo emontepios militares e civis, e examinar se a fixação dos

69vencimentos da inatividade e a das pensões está de acordo com a lei."

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24. Essa competência, mantida na legislação subseqüente e ampliada,em relação às reformas, pelo art. 20, § 2º, 1, a, do Decreto-lei n.º 426, de 12 demaio de 1938, tornou-se constitucional, nos seguintes termos :

a) Constituição de 1946."Art. 77. Compete ao Tribunal de Contas:...........................................................III — julgar da legalidade dos contratos e das aposentadorias,

reformas e pensões."b) Constituição de 1967:

"Art. 73, § 8° — O Tribunal de Contas julgará da legalidade dasconcessões iniciais de aposentadorias, reformas e pensões,independendo de sua decisão as melhorias posteriores."

c) Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda n.º 1, de 17de outubro de 1969:

"Art. 72, § 8° — O Tribunal de Contas da União julgará dalegalidade das concessões iniciais de aposentadorias, reformas epensões, não dependendo de sua decisão as melhorias posteriores."

25. A exclusão das "melhorias posteriores", a partir de 1967, representou,evidentemente, providência destinada a aliviar o Tribunal de Contas da Uniãodo encargo de, anualmente, julgar um por um milhares de processos que sóexigem exame aritmético. Se o intento primacial da norma não fosse o deresguardar a Corte, quanto a tempo e recursos humanos e materiais, para ocumprimento de tarefas mais relevantes, não se justificaria a ampla extensãosimultaneamente dada a seu poder de controle, mediante as inovaçõesreferentes ao emprego irrestrito das técnicas de auditoria e da faculdade deinspeção.

e) Conclusão26. Bem diversa teria que ser a fórmula constitucional, se a restrição de

competência em foco visasse, outrossim, às situações individuais, no caso dealteração benéfica de direitos já reconhecidos em decisão aprobatória doTribunal de Contas. Não se dispensaria afirmação inequívoca. Estar-se-iaderrogando princípio tradicionalmente assente, assim expresso no verbete 6da súmula de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

"A revogação ou anulação, pelo Poder Executivo, deaposentadoria, ou qualquer outro ato aprovado pelo Tribunal de Contas,não produz efeitos antes de aprovada por aquele Tribunal, ressalvada acompetência revisora do Judiciário."

27. Convergem, portanto, todas as premissas, à luz dos processostécnicos de interpretação das normas jurídicas, para a conclusão de que asmelhorias excluídas de julgamento caso a caso pelo Tribunal de Contas são osatos declaratórios de aumento geral aos inativos, ou aos pensionistas, ou aambas as categorias de beneficiários.

III — EXEGESE DO ART. 182, b, DO ESTATUTO DOS FUNCIONÁRIOS

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28. Esse dispositivo, ab initio transcrito, enumera moléstias que,acometendo o inativo, lhe dão direito a "ter como provento o vencimento ou aremuneração que percebia na atividade". Com exceção da cardiopatia grave,são as mesmas doenças especificadas na redação primitiva do art. 178, III, docitado Estatuto cujo texto é, hoje, por força do disposto na Lei n.º 5.678, de 19de julho de 1971, o seguinte:

"Art. 178. O funcionário será aposentado com vencimento ouremuneração integral:

...........................................................III — Quando acometido de tuberculose ativa, alienação mental,

neoplasia maligna, cegueira, lepra, paralisia irreversível e incapacitaste,cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,nefropatia grave, estados avançados de Paget (osteite deformante), combase nas conclusões da medicina especializada."

29. Anteriormente ao Estatuto (Lei n.º 1.711, de 28 de outubro de 1952) aLei n.º 1.050, de 3 de janeiro de 1950, dispusera:

"Art. 1º Os proventos da inatividade dos servidores públicos civis emilitares, atingidos de moléstia grave, contagiosa ou incurável,especificada em lei e os dos inválidos em conseqüência de acidenteocorrido no exercício de suas atribuições, ou de doença, adquirida nodesempenho da profissão, serão reajustados aos vencimentos daatividade da respectiva categoria, padrão ou posto."

30. As dúvidas sobre a subsistência dessa norma em relação aosfuncionários civis, após o advento do Estatuto, ficaram dissipadas, no queconcerne, especialmente, aos casos ocorridos a partir da Lei n.º 2.332, de 8 denovembro de 1954. Trata-se de diploma legal que, dando nova redação ao art.2º, da Lei n.º 1.050, mencionada, aludiu àquele art. 14, acima reproduzido,deixando incontestável sua vigência.

31. Em conseqüência, desde que a moléstia adquirida pelo aposentadoseja "grave, contagiosa ou incurável, especificada em lei", cabe a revisão doprovento. O reajustamento autorizado pela Lei n.º 1.050, citada, deve,entretanto, para os servidores civis, ficar limitado à "remuneração percebida naatividade", de acordo com o que determina o art. 102, § 2º, da Constituição. Háde efetuar-se, nos termos do referido art. 182, b, do Estatuto, assim revigoradoquanto aos efeitos, a partir da vigência da Emenda Constitucional n° 1, de 17de outubro de 1969.

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A TEORIA DA DESCONSTITUCIONALIZAÇÃODAS LEIS(*)

JORGE ALBERTO ROMEIROProfessor da Faculdade de Direito da UFRJ e Juiz

do Tribunal de Alçada da Guanabara.

A instabilidade das Constituições e Cartas Constitucionais no Brasil,derrubadas e erigidas, desde o Império até aos nossos dias, em virtude demutações políticas, justifica a relevância do tema deste ensaio em homenagema Oscar Tenório, grande amigo e mestre do Direito.

Se outro mérito, além da homenagem a que mira, possa ter estedespretensioso estudo, é o de reunir, pela primeira vez, em nossa literaturajurídica, o que há disperso, dentro e fora de nossas fronteiras, sobre a teoriada desconstitucionalização das leis.

Tudo não vai além de um subsídio, de um adminículo apenas àlucubração dos especialistas no assunto, entre os quais não nos incluímos,mas nele pontifica o jurista insigne alvo desse nosso preito de amizade eadmiração.

2. As constituições escritas tem um conteúdo típico.Só o que se relaciona com a estrutura do Estado, seus poderes, a

declaração dos direitos do homem e suas garantias é matéria substancial-mente constitucional.

Esse conceito, inspirado na Declaração francesa de 1789 dos Direitos doHomem e do Cidadão, que rezava, no seu art. 16, "toute société dans daquellela garantie des droits n'est pas assurée, ni la séparation des pouvoirsdeterminée, n'a point de constitution, — é, modernamente, incontroverso nafixação do conteúdo indispensável às constituições.

Modelo de constituição escrita na observância desse conceito doutrinárioé a hodierna da França, adotada no referendum de 28 de setembro de 1958 epromulgada em 4 de outubro posterior, que embora omita em seu textodispositivos referentes à Declaração dos Direitos do Homem, dispõe no seupreâmbulo: — "Le peuple français proclame solennellement son attachementaux Droit de 1'homme et aux principes de Ia souveraineté nationale tels qu'ilsont été définis par Ia Declaration de 1789, confirmée et conplétée par lepreambule de Ia Constitution de 1946."

3. Entretanto, como é sabido e proclamam todos os autores de DireitoConstitucional, podem as constituições conter e possuem, muitas delas,preceitos que somente são constitucionais se focalizados não pelo seu objeto,mas exclusivamente pela sua forma.

Se comparássemos as Constituições a uma rocha, diríamos que seriamroqueiras e não rupestres. Não nasceriam nela, como plantas ou nela estariamgravadas como inscrições, mas assentariam sobre a mesma como uma guaritaou um farol. (*)Estudo extraído do livro em homenagem a OSCAR TENÓRIO, por ocasião de seu septuagésimoaniversário e sua aposentadoria das cátedras de Direito Internacional Público e de Direito InternacionalPrivado, 1976.

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São, in exemplis, na vigente Constituição da Suíça, as prescrições dosarts. 32 e 32 bis a respeito de fabricação e venda de bebidas destiladas.

Trata-se de preceitos de ordem civil, administrativa e penal, sem qualquerrelação necessária com o conteúdo, já enunciado e até mesmo compatíveiscom forma outra de governo que não a adotada na Constituição, ínsitos no seutexto unicamente para grangearem maior força e estabilidade, mirando aimpedir ulterior atividade legislativa em contrário.

4. As nossas Constituições e Cartas Constitucionais tem abusado desseexpediente.

Reflete bem o asseverado o art. 179 da Carta Constitucional do Império,do tipo flexível, dispondo sobre a reforma de seus mandamentos, in verbis: —"É só constitucional o que diz respeito aos limites e atribuições respectivas dospoderes políticos e aos direitos políticos e individuais dos cidadãos. Tudo oque não é constitucional pode ser alterado, sem as formalidades referidas,pelas legislaturas ordinárias."

Em escólio a esse artigo, Pimenta Bueno, em "Direito Público Brasileiro eAnálise da Constituição do Império" (Ministério da Justiça e NegóciosInteriores, Serviço de Documentação, 1958, n.º 689, pág. 479), exemplificacomo matéria só formal e não substancialmente constitucional a relativa àcidadania brasileira e sua perda (arts. 6º e 7º).

Esses preceitos de legislação ordinária, ligados à Constituição por um"lien factice", na expressão dos /uris scriptores franceses (Esmein, Elémentsde Droit Constitutionnel Français et Comparé, Tome I, 7ª ed. revue par HenryNézard, Paris, 1921, pág. 580; e Julien Laferrière, Manuel de DroitConstitutionnel, 2a ed., 1947, pág. 305), foram a ratio essendi da chamadateoria da desconstitucionalização das leis, que nos propomos respigar aqui.

5. Entre a revogação e a promulgação de Constituições e CartasConstitucionais que se sucedem, pode acontecer que, por falta de tempo oumesmo por incúria do legislador, deixe de ser regulada, por lei ordinária, amatéria de um preceito desse caracter, inserido na constituição revogada enão reproduzido na posterior.

Diante de uma relevante questão sobre a dita matéria, como deveproceder o aplicador da lei, notadamente o juiz que se não pode furtar a decidirem frente a uma omissão legal?

A fim de resolver o impasse, surgiu no Direito Público francês a teoria dadesconstitucionalizaçã.o das leis.

Consiste ela no desligamento da Constituição revogada dos dispositivossó formal e não substancialmente constitucionais, aos quais, se nãocontrariarem a nova ordem jurídica, empresta o caráter de lei ordinária, até queoutra lei os revogue.

6. Concedamos a palavra a Esmein (ob. cit., pág. 579/581), dosconstitucionalistas franceses o que melhor expõe a teoria em estudo:

"La Constitution écrite étant une loi, et même une loi supérieure etrelativement immuable, ne devrait jamais pouvoir être abrogée que parune nouvelle loi constitutionnelle, rendue dans la forme voulue. C'est laconséquence qu'imposent logiquement les principes du droit français,

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d'après lequel la désuétude me-me ne peut faire tomber une loi. Ce futcependant une idée instinctivement appliquée chez nous, que, par leseul fait d'une révolution triomphante (insurrection populaire ou coupd'Etat), Ia Constitution antérieure tombait immédiatement et perdait saforce de plein droit. I1 a été fait des applications três nettes de cetteconception après de 10 aoút 1792, le 18 brumaire an VIII, le 24 février1848, le 2 décembre 1851 et le 4 septembre 1870.

En 1871, l'Assemblée Nationale, réunie à Bordeaux, a formule enquelque sor te la théorie qui sert de fondement à cette règle si souventappliquée. Par une résolution du ler mars 1871 terminant un incidentsoulevé devant elle, elle ne prononça pas, mais simplesment confirma"lá déchéance de NAPOLEÓN III et de sa dynastie déjà prononcée par lesuffrage universel". En effet, cela ne peut s'expliquer juri diquement quesi l'on admet que le peuple, en acceptant sans résistance la révolutionaccomplie, a manifeste, en dehors de toutes formes légales, sa volontéd'abroger la Constitution antérieure. C'est du droit révolutionnaire, mais iltraduit exactement les faits.

Mais si les Constitutions ont été alors considérées comme tombanten bloc et de plein droit, la doctrine française a sauvé certaines de leursdispositions par un système ingénieux et fort raisonnable. Malgré lesrévolutions, malgré les changements opérés dans la forme de l'Etat, leslois ordinaires subsistent, nous le savons, tant qu'elles n'ont pas étéexplicitement ou implicitement abrogées par des lois nouvelles. Or, nousle savons aussi, les Constitutions écrites peuvent contenir et contiennentsouvent des dispositions qui ne sont constitutionnelles que par Ia formeet qui ne le sont point naturellement par leur objet. Ce sont des règles dedroit administratif ou de droit penal, par exemple, qui n'ont aucun rapportnécessaire avec Ia forme de l'Etat ou de gouvernement établie par laConstitution qui les contient, et qui sont également compatibles avecd'autres régimes. On les avait insérées dans le texte constitutionneluniquement pour leur donner une force et une stabilité plus grandes. Ehbien! on admet que les dispositions de cette nature, qui ne tiennent à laConstitution déchue que par un lien tout factice, lui survivent égalementet ne tombent point avec elle. On les traite comme des lois ordinaires, cequ'elles sont au fond, mais en même temps on les ramène à la qualité decelles-ci. Elles se dégagent de la Constitution oìi elles étaientenchâssées, et c'est pour cela qu' elles restent en vigueur; mais enmême temps elles perdent la force des lois constitutionnelles, etdorénavant elles peuvent, com-me toute autre loi, être modifiées par lelégislateur ordinaire. La révolution d'a fait que les déconstitutionnaliser.

Des applications multiples ont été faites de cette théorie. C'est ainsique l'article 75 de la Constitution de l'an VIII, qui garantissait contre lespoursuites possibles les agents du Gouvernement, s'est maintenu envigueur sons tons les régimes postérieurs jusqu'à ce qu'il ait été abrogepar un décret-loi du gouvernement de la Défense nationale. Ainsi encore,1'article 5 de la Constitution de 1848, portant que "la peine de mort estabolie en matière politique", est considere comme une loi toujours envigueur à laquelle il faut conformer les articles du Code penal. Enfin lesénatus — consulte du 3 mai 1854, qui règle la Constitution des colonies

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françaises, et le sénatus — consulte du 4 juillet 1866, qui modifie lepremier, sont consideres comme étant toujours en vigueur et nétant pointtombés avec les Constitutions du second Empire; mais ils n'ont plus queIa valeur des lois ordinaires."

7. Essa teoria difundida por eminentes constitucionalistas franceses(vejam-se Barthélemy et Duez, Traité de Droit Constitutionnel, Paris, 1933,págs. 227/8; Julien Laferrière, ob. cit., págs. 304/305; R. Carre de Malberg,Teoria General del Estado — Versión espanola de José Lión Depetre, México,1948, pág. 1242, nota 6; e Georges Liet-Veaux, Droit Constitutionnel, 1949, n°286, pág. 169) e consagrada por decisão da Cour de Cassation (S., Collectionnouvelle, tome VI, pág. 527) ultrapassou as fronteiras de sua pátria.

8. Encampou-a, na Alemanha, Carl Schmitt, insigne Professor de DireitoPúblico na Universidade de Bonn e uma das maiores autoridadescontemporâneas da Ciência Jurídico-Política, em sua assaz notável obra V erfassungslehre (Münche und Leipsig, 1928, págs. 11/12, 28 e 93/94).

Nesse livro, onde expõe uma teoria sobre a Constituição, o ensaio de umsistema (der Versuch eines Systems), segundo suas próprias palavras,estabelece uma distinção entre Constituição (Verfassung) e Lei Constitucional(Verfassungsgesetz).

Identifica a primeira como uma decisão política do titular do poderconstituinte, — o povo nas democracias ou o monarca nas monarquiasautênticas, — sobre a forma e o modo de existência da unidade política deuma nação; e a segunda como um conjunto de normas que tem aquela porpressuposto e fundamento, mas cujas prescrições não são semprefundamentais (grundlegend), no sentido de uma "lei das leis", como inexemplis, na Constituição de Weimar, as dos arts. 123, inciso II: — "Asreuniões ao ar livre podem através de uma lei do Reich, ser submetidas adever de aviso e proibidas no caso de perigo imediato para a segurançapública"; e 143: — "Os professores das escolas públicas têm os direitos edeveres de funcionários públicos" (In der Weimarer Verfassung finden sichzahlreiche solcher verfassungsgesetzlichen Bestimmungen, von denenohneweiteres ersichtlich ist, dass sie nicht grundlegend in Sinne eines "Gesetzesder Gesetze" sind: z. B. rt. 123, Abs. 2: "Versammlungen unter freiem Himmelkónnen durch Reichsgesetz anmeldep f lichtig gemacht und bei unmittelbarerGefahr für die óf fentliche Sicherheit verboten werden" ... Art. 143: "Die Lehreran ôf fentliche Schulen haben die Rechte und Pflichten von Staatsbeamter").

Admite, por fim, em dois tópicos de seu livro (§ 3º, II, 2, g, pág. 28, e § 10,II, 2, págs. 93/94), que dispositivos da Lei Constitucional como os referidosacima da Constituição de Weimar, por não serem fundamentais (grundlegend),possam após a abolição da Constituição, ainda que sem especialreconhecimento legal nesse sentido, continuar valendo como lei ordinária(Verfassungsgesetzliche Bestimmungen kónnen nach der Bescitigung derVerfassung auch ohne besondere gesetzlich Ubernahme als gesetzlicheBestimmungen weiter gelten).

Conquanto não se oponham à nova ordem jurídica, — doutrina oeminente publicista germânico, — as leis e ordenanças anteriores, sem maisnada, isto é, sem um ato especial de aceitação (sem recepção) continuam avaler. Até mesmo disposições constitucionais anteriores podem continuar em

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vigor, como simples leis (die bisherigen Gesetze und Verordnugen, soweit sieder neuen Rogelung nicht widersprechen, ohne weiteres, d. h. ohnebesonderen Akt der Ubernahme (ohne Rezeption) weiter gelten. SogarBestimmungen in bisherigen Verfassrengen kinnen, nunmehr als einfacheGesetze, in Kraft bleiben).

Cita, em seguida, como expressão concreta do que afirma, a alusão feitapor Esmein e já acima transcrita da sobrevivência do art. 75 da Constituiçãofrancesa do ano VIII (1799) sobre a necessidade de representação do Governopara o processamento judicial de funcionários da administração, não obstantetodas as supressões e rompimentos constitucionais que se sucederam (So giltdie Bestimmung des Art. 75 der franzõsischen Verfassung von Jahre VIII(1799) über die Zustimmung der Regierung bei gerichtlicher Verfolgung vonVerwaltungsbeamten, trotz aller inzwischen erfolgtenVerfassungsbeseitigungen und Durchbrechungen weiter; darüber ESMEIN —NÉZARD, S. 580/581).

9. No Brasil, ignorada por muitos e combatida por alguns juristas de prol,a teoria da desconstitucionalização das leis tem encontrado receptividade, atémesmo, em nosso direito positivo, como no art. 145 da Constituição do Estadode Pernambuco, de 10 de julho de 1935, in verbis:

"Ficam revogadas todas as disposições das Constituiçõesanteriores e dos Atos Adicionais em contrário às da presenteConstituição, continuando em vigor, enquanto não revogadas, as leisque, explícita ou implicitamente, não contrariarem as disposições destaConstituição;"

... e no art. 167 da Constituição de Santa Catarina, de 25 de agosto de1936, in litteris:

"Ficam revogadas as disposições anteriores que, explícita ouimplicitamente, contrariarem as desta Constituição."

10. Dão-lhe guarida em livros, artigos de doutrina e pareceres,constitucionalistas e juristas dos mais eminenes como PONTES DE MIRANDA(Comentários à Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de1934, vol. I, págs. 105/106; Comentários à Constituição Federal de 10 denovembro de 1937, tomo I, pág. 132, n.º 6, e Comentários à Constituição de1946, vols. I, pág. 144, III, pág. 374, n.º 1, e IV, pág. 29); CARLOSMAXIMILIANO (Hermenêutica e Aplicação do Direito, W. ed., Rio — SãoPaulo, 1941, pág. 367, n.º 372); LEVI CARNEIRO (Revista dos Tribunais, vol.137, 1942, pág. 57); CLOVIS BEVILACQUA (Revista dos Tribunais, vol. 137,pág. 38); COSTA MANSO (Revista dos Tribunais, vol. 137, pág. 47) ; BILACPINTO (Estudos de Direito Público, Edição comemorativa do cinqüentenário dafundação da Revista Forense, Edição da mesma Revista, Rio, 1933, pág. 109); ALCINO PINTO FALCÃO (Constituição verbete do Repertório Enciclopédicodo Direito Brasileiro por J. M. DE CARVALHO SANTOS, coadjuvado por JOSÉDE AGUIAR DIAS, Editor Borsoi, vol. XI, Rio, s. d., pág. 323, n.º 1);FRANCISCO SA FILHO (Parecer proferido no Processo n.º 100.742/42 doMinistério da Fazenda) ; SYLVIO PORTUGAL (Revista dos Tribunais, vol. 137,pág. 36) e HÉLIO JOAQUIM GUIMARÃES (proposição oferecida em concursopara o cargo de Juiz Substituto da justiça do então Distrito Federal, realizadopelo Tribunal de Justiça).

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11. Enjeitam-na não menos conceituados juristas como o homenageadoOSCAR TENÓRIO (Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, Rio, 1944,pág. 54, nota 10) ; FRANCISCO CAMPOS (Direito Constitucional, Ed. RevistaForense, Rio, 1942, págs. 4 e 5); AGUINALDO COSTA PEREIRA (daConstituição Escrita, Rio, 1945, pág. 24); EDUARDO ESPINOLA e EDUARDOESPINOLA FILHO (A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, vol. I, Rio —São Paulo, n.º 37, pág. 81) ; HAROLDO VALLADÃO (Pareceres do Consultor-Geral da República, vol. I, Rio, 1949, págs. 225/241 e 271/272); JOÃO DEOLIVEIRA FILHO (Constituição verbete do cit. Repertório Enciclopédico doDireito Brasileiro, vol. XII, Rio, s. d., págs. 12/14, n.º 6); OSCAR STEVENSON(A Reforma da Constituição, pág. 18 apud AGUINALDO COSTA PEREIRA, ob.cit., pág. 22) e FERNANDO WHITAKER DA CUNHA (Hierarquia das NormasConstitucionais in Revista de Direito Público, Editora Revista dos Tribunais,vol. 21, São Paulo, 1972, pág. 152).

12. Em nossos repositórios de jurisprudência administrativa e judiciária,deparamos dois casos de rejeição da teoria, pela primeira, e dois outros deaceitação, pela segunda.

Pelos Avisos n.°s 2.318, de 24 de novembro de 1947, e G-M-225, de 5 defevereiro de 1948, os Ex m°s Srs. Ministros da Marinha e da Agricultura,respectivamente e acolhendo ambos pareceres da Consultoria-Geral daRepública (HAROLDO VALLADÃO, ob. cit. págs. 241 e 272), repelirampareceres da Procuradoria-Geral da Fazenda Pública favoráveis à aplicaçãoda teoria.

Opunham-se estes pareceres à aceitação de doações de imóveis aoMinistério da Marinha, pela antiga Interventoria de Santa Catarina, e àPrefeitura Municipal de Baependi, pelo Laboratório Central de Enologia, entãoInstituto de Fermentação, sem autorização de lei especial para tanto.

Sustentavam os pareceres recusados que estava em vigor, como leiordinária, parte do art. 17, n.º IV, da Constituição de 1934, in verbis:

"É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aosMunicípios ... alienar ou adquirir imóveis ou conceder privilégios sem leiespecial que o autorize;"

porque não reproduzido pela Carta Constitucional de 1937, nem pelaConstituição de 1946, nem revogado, na parte de aquisição e só no dealienação de imóveis pelo Decreto-lei n.º 9.760, de 5 de setembro de 1946,que só teria dispensado a exigência, para a alienação dos próprios nacionais.

13. O Supremo Tribunal Federal, porém, em dois acórdãos unânimes,dados a lume no Arquivo Judiciário (vol. 89, págs. 202/203) e no Diário deJustiça de 30 de outubro de 1950 (Apenso ao n.º 250, págs. 3721/3722),proclamou entre nós o acerto da aplicação da teoria em exame.

Por se tratar do pronunciamento do mais alto Colégio Judiciário do País,damos a seguir os votos e tópicos dos mesmos que mais interessam ao nossoestudo.

No primeiro acórdão, proferido pela 2á Turma, no Recurso Extra-ordinárion.º 9.622, de São Paulo, em 13 de julho de 1948, assim votou o MinistroHAHNEMANN GUIMARÃES, como relatar:

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"Conheço do recurso, porque a decisão impugnada aplicoudisposição de lei estadual, cuja validade se negou em face do art. 156,c, da Constituição de 1937.

Como lex fundamentalis, a Constituição ab-roga os anterioresfundamentos da ordem jurídica, conservada apenas enquanto se ajustarao novo regime constitucional.

Verifica-se este efeito inerente à lei fundamental sem a cláusula ab-rogatória, que não se costuma inserir nos documentos constitucionais.

A Constituição de 1937, contudo, dispôs no art. 183: "Continuamem vigor, enquanto não revogadas, as leis que, explícita ouimplicitamente, não contrariem as disposições desta Constituição".

Esta cláusula, que, com respeito à legislação estadual e àmunicipal, foi desenvolvida pelo art. 56 do Decreto-lei n.º 1.202, de 8 deabril de 1939, permite o entendimento de que as próprias disposiçõesconstitucionais anteriores conservaram sua eficácia, se, de qualquermodo, não ofendessem o novo regime.

A Constituição do Estado de São Paulo, de 9 de julho de 1935,dizia, no § 2° do art. 86: "Os funcionários, que contarem menos de dezanos de serviço, não poderão ser destituídos de seus cargos, senão porjusta causa ou motivo de interesse público."

A Constituição de 1937, no art. 156, c, deu aos funcionáriospúblicos a garantia de que somente poderiam ser exonerados em virtudede sentença judiciária ou mediante processo administrativo, secontassem mais de dois anos de exercício, quando a nomeaçãoresultasse de concurso, e, em todos os casos, se contassem mais dedez anos.

Não há, evidentemente, a mínima incompatibilidade entre agarantia da lei estadual e a da Constituição de 1937, que não excluiu apossibilidade de proteger o funcionário público nomeado sem a prova deum concurso, o que contasse menos de dez anos de serviço.

Nego, assim, provimento ao recurso."O Ministro OROSIMBO NONATO, na qualidade de Presidente da turma,

fez o seguinte pronunciamento:"A primeira parte do erudito voto do eminente Sr. Ministro-Relator

suscita questão muito interessante, a do efeito revogatório dasConstituições, quanto às leis constitucionais do regime caduco.

A opinião de BEUDANT é radical — o advento da Constituiçãoelimina a subsistência das leis constitucionais anteriores. Esta opiniãonão deve ser aceita, d. v., sem um grão de sal: as Constituições,revogam, sem dúvida, as leis passadas que sejam, essencialmente,constitucionais.

Quando, porém, as disposições sejam constitucionais apenas porse inserirem materialmente na lei maior, mas não dizem respeito aosdireitos políticos dos cidadãos nem a estrutura e funciona-mento dospoderes, elas, a meu ver, só se revogam por disposição expressa de lei

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posterior ou por se mostrarem inconciliáveis com o novus ordo. É exatoque recentemente, o Professor HAROLDO VALLADÃO publicou extensoe erudito trabalho doutrinário, no Jornal do Commercio. Mas a meu ver,seus ponderosos argumentos apenas convencem quanto às leisconstitucionais, por sua índole, por seu conteúdo mesmo e não, apenas,pelo fato de, à conta de sua relevância, se insertarem na Constituição.

No caso, concordo inteiramente com o eminente Sr. MinistroRelator, até porque, naquele regime, não era vedado aos Estados traçarmaiores garantias aos seus funcionários; o que era necessário era queobedecessem a um mínimo de garantias, mas nada impedia, aindanaquele regime que os Estados outorgassem maiores garantias aosseus próprios funcionários.

Também conheço do recurso e nego-lhe provimento."Do segundo acórdão, proferido pela mesma turma, no recurso

extraordinário n.º 12.408 de São Paulo, em 18 de outubro de 1949, sob aemenda:

"As Constituições estaduais, posto que não abolidas totalmentepela Carta de 1937, subsistiram como leis ordinárias naquilo em que senão mostrassem incompatíveis com os dispositivos da mesma Carta.Como leis ordinárias, podem ser alteradas ou revogadas por outra leiordinária";

— reproduzimos o que vai adiante.Tópico do voto do Ministro EDGARD COSTA, Relator — "Os dispositivos

da Constituição do Estado, após a outorga da Carta de 1937, não continuaramem vigor como preceitos constitucionais estaduais, mas com o caráter de leisordinárias. Se não há na Constituição Federal texto expresso que assimdispunha, é, todavia, o que se deve inferir dela (arts. 176, 181 e 183), comotêm opinado os juristas (Rev. Tribs., 137/26 a 59, e 152-7). É o que tambémdecorre do Decreto-lei n° 1.202, de 8-4-39 (art. 19). LEVI CARNEIRO acentuaque: "A regra assente em direito público, é que as constituições não ficam intotum revogadas pelas revoluções; perdem, apenas, a sua hierarquia suprema,tornam-se, pois, leis ordinárias, nas partes em que não sejam expressa ouimplicitamente revogadas ou modificadas." O regime estabelecido no país em1937, era incompatível com as normas constitucionais do Estado decorrentede uma ordem jurídica que sofrera profunda inovação. O regime políticoinstituído de-terminava o rebaixamento das Constituições dos Estados a merasleis ordinárias, suscetíveis de modificações, ou revogação, pelos respectivosgovernos. Este Supremo Tribunal teve oportunidade de decidir que — "aConstituição de 1937, estabelecendo, no país, nova ordem revogou asConstituições federal e estaduais então vigentes, e fixou o mínimo degarantias, aos funcionários, podendo, os estatutos locais, estaduais, ampliaressas garantias (Recurso Extraordinário n° 6.760, de São Paulo). Duascorrentes de opinião formaram-se no mesmo Tribunal — uma entendendo queas Constituições estaduais continuavam a vigorar com o caráter de leisordinárias, opinião manifestada pelo Ministro FILADELFO AZEVEDO; outra,expressa pelo Ministro ANIBAL FREIRE, entendendo que diante daConstituição de 1937, as demais constituições desapareceram. Ninguém selembrou, aqui, de sustentar que as antigas Constituições dos Estados

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permaneciam em vigor com esse caráter, nem isto era possível, em face doregime político criado pela Carta de 1937. Mas, estabelecido que aConstituição estadual continuava vigente como mera lei ordinária, claro é queos seus dispositivos podiam ser alterados ou revogados por outra lei. Foi o quesucedeu com o art. 87, n.º 13, revogado pelo Decreto-lei n° 10.875. Assim, asentença apelada decidiu com apoio em jurídicos fundamentos."

Voto do Ministro OROSIMBO NONATO (Presidente) : — "O caso ofereceaspectos de certa dificuldade e delicadeza, como os que se relacionam adireito adquirido do funcionário, em face do regime estatutário.

A questão, por outro lado, de saber se as leis constitucionais estaduaispermanecem, em face da nova Constituição federal, é também controvertida.Há quem negue, absolutamente, essa permanência, orientação de que, entrenós, foi defensor o eminente Ministro ANIBAL FREIRE e, entre os autoresfranceses, entre outros, BEUDANT.

Não propendi a essa doutrina e, em acórdão, se não me engano, do RioGrande do Norte, de que fora Relator o Senhor Des. SEABRA FAGUNDES,procurei mostrar, ao contrário, que as leis continuam, uma vez que não sejamcontrárias à nova Constituição. Ainda aqui permanece o princípio dacontinuidade das leis. As leis continuam, através da sucessão dos regimes, atéque não venham novas leis que, expressa ou tacitamente, as revoguem.

Quando as Constituições são rígidas e restritas ao assunto propriamenteconstitucional, isto é, quando versavam a questão da estrutura eindependência dos poderes e os direitos e deveres dos cidadãos, compreende-se que uma nova Constituição revogasse a anterior; mas, atualmente, em queas Constituições nem sempre tratam de matéria propriamente constitucional,mas comportam matéria, dada a sua importância, a meu ver, a teoria darevogação total da lei constitucional, não é possível. É este conteúdo que setem de verificar em cada caso, para saber se a nova Constituição revogou, ounão, a anterior. Se o conteúdo é puramente político, parece-me que a anteriorrevoga-se pela nova Constituição; se, porém, é assunto constitucional apenaspor accessão, pela importância que ele oferece, a solução que deu o acórdãodo Rio Grande do Norte e que entendi não ser contra a lerta da lei é a que, ameu ver, encerra a melhor doutrina.

Mas, o caso refere-se a dispositivo constitucional do Estado de SãoPaulo, que não era constitucional, por sua índole. Ele tem de constar doEstatuto dos funcionários públicos estaduais e federais; é constitucionalapenas por accessão; é lei ordinária, por sua índole. Podia, portanto, outra leiordinária destruí-la.

Assim, sem renegar os princípios que enunciei naquele caso do RioGrande do Norte e a que o ilustre advogado fez referência, da tribuna, tambémconcordo com o eminente Sr. Ministro Relator em conhecer do recurso, emface da letra "c" do inciso constitucional, mas em negar-lhe provimento."

14. Com a sucessão das nossas Constituições e Carta Constitucional,desde 1934 até aos dias correntes, várias outras hipóteses interessantessurgiram, ao que parece não levadas à barra dos tribunais, desafiando aargúcia dos juízes, que têm à sua mão a teoria da desconstitucionalização dasleis.

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O art. 113, n° 37, da Constituição de 1934, acrescentou à analogia e aosprincípios gerais de direito, previstos pelo art. 4º da antiga Introdução aoCódigo Civil, para a solução dos casos omissos, também a eqüidade.

A Carta de 1937, silenciou sobre o assunto.Teria vigorado o dito mandamento da Constituição de 1934, quanto à

eqüidade, como lei ordinária, até à promulgação, em 1942, da atual Lei deIntrodução ao Código Civil, que, não mais se referindo a eqüidade, o teriarevogado?

O art. 113, n° 35, da Constituição de 1934, rezava que a lei asseguraria aexpedição das certidões requeridas para a defesa de direitos inviduais, ou paraesclarecimento dos cidadãos acerca dos negócios públicos, ressalvados,quanto às últimas, os casos em que o interesse público impunha segredo oureserva.

A Carta de 1937, diversamente das Constituições de 1946 (art. 141, § 36)e da atual (art. 153, § 35) omitiu-se nesta matéria. Aplicar-se-ia a teoria dadesconstitucionalização das leis entre a abolição da Constituição de 1934 e apromulgação da de 1946?

HÉLIO JOAQUIM GUIMARÃES, supracitado (n° 10, in fine), entendia quesim.

Presentemente, fazendo a exegese de uma lei é lícito a seu aplica-dor,em construção interpretativa, concluir pela ineficácia de matérias estranhas àsua ementa, invocando o art. 49 da Constituição de 1934, como lei ordinária, inverbis: — "Os projetos de lei serão apresentados com a respectiva ementaenunciando de forma sucinta o seu objetivo e não poderão conter matériaestranha ao seu enunciado"?

BILAC PINTO (ob. cit., pág. 109) inclina-se pela afirmativa e, nessesentido, já decidiu acórdão, que não conseguimos localizar, relatado peloilustre Juiz da Guanabara JOSÉ CYRIACO DA COSTA E SILVA, apesar desua prestância.

O art. 113, n.º 30, da Constituição de 1934 proibia expressamente prisãopor dívidas, multas ou custas.

Em face desse mandamento constitucional não mais foi aplicado, pelosjuízes, o art. 59 da Consolidação das Leis Penais, que determinava aconversão da pena de multa em prisão celular, quando o condenado não apudesse ou quisesse pagar dentro em oito dias, contados da intimação judicial,conforme se liquidasse.

Com o advento da Carta de 1937, que não reproduziu em seu texto omencionado dispositvo, não estaria ele em vigor como lei ordinária, até que oCódigo Penal de 1940, restabelecesse no seu art. 38, a possibilidade daconversão focada, em pena de detenção?

15. Passemos em revista os argumentos pró e contra ex-cogitados atéagora sobre a teoria.

O já citado parecer que proferiu o ilustre Professor HAROLDOVALLADÃO quando Consultor-Geral da República, publicado também noJornal do Commercio de 8 de maio de 1948 e determinante dos Avisos dos

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Ministérios da Marinha e da Agricultura supra referidos, contrário à teoria dadesconstitucionalização das leis, abrange tudo o que em desfavor dela temsido e possa ser argüido.

Alegando que não constitui a teoria ius receptum em nosso país, taxa-ade ilógica e injurídica.

Se compreensível, na França, na época em que surgiu, para, como "unsistmème ingénieux et fort raisonnable", na fase de ESMEIN, contornar o caoslegislativo, defluente da sucessão de constituição breves e incompletas, que seseguiram à revolução francês,.,, há muito que não tem receptividade nemmesmo ali.

Só ESMEIN, BARTHÉLEMY e DEUZ teriam enfatizado, na França, essateoria.

HAURIOU, LEON DUGUIT e MARCEL SIBERT explicam melhor asobrevivência dos dispositivos das constituições francesas abolidas, cujocaráter a teoria da desconstitucionalização das leis rebaixa a leis ordinárias,com a força do costume.

Com relação à CARL SCHMITT, assevera que só admite ele o princípioda "desconstitucionalização em virtude de ter sido abolida ou violada aConstituição, permanecendo o poder constituinte do rei ou do povo", comoprincípio da continuidade do Estado.

Increpa, finalmente, a teoria de atentatória ao princípio fundamental dehermenêutica, consagrado em nossa Lei de Introdução ao Código Civil (art. 29,§ 19, parte final), no sentido de que a lei posterior revoga a anterior quandoregule inteiramente a matéria de que tratava esta.

Esse último argumento é, aliás, o dos demais ilustres citadosoposicionistas da teoria, pois, segundo eles, constitucional é tudo o quecontempla a Lex legum.

16. A singela leitura do que expusemos acima nos n.ºs 4, 7 a 10 e 13demonstra, data venia, a improcedência dos argumentos de que não constituia teoria em estudo ius receptum no Brasil; só a terem esforçado, na França,ESMEIN, BARTHELEMY e DUEZ; e não admiti-la CARL SCHMITT em todasua amplitude.

17. O tópico reproduzido a seguir, do Droit Constitutionnel (ed. 1949) domoderno constitucionalista francês GEORGES LIET-VEAUX é bastanteexpressivo quanto ao não insucesso da teoria no país que lhe serviu de berço:

"La doctrine admet d'ailleurs de longue date une exception à1'abrogation totale. Certaines dispositions ne figurent dans la constitutionqu'au point de vue formei: articles traitant de questions administratives,financières, etc, independentes de l'aménagement des pouvoirs publies.Normalement ces questiona sont réglées par la loi ordinaire. Larévolution, renversant la constitution, opere simple détachement formeide telles dispositions. Celles-ci survivent à la constitution comme règleslégislatives, à la merci d'une abrogation législative ultérieure."

Se, além dos casos citados por ESMEIN de aplicação da teoria, outrosnão têm sido apontados, na França, por seus constitucionalistas, decorre nãodo insucesso dela ali, mas do fato de as Cartas Políticas daquele país, como

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assinalamos de início, serem modelos de constituição escrita, só abordandomatéria substancialmente constitucional.

18. Nem nos parece, permissa venia, que o direito costumeiro, explicariamelhor que a teoria da desconstitucionalização das leis, a sobre-vivência decertas normas após a abolição das Constituições que as contivessem, nosilêncio das posteriores.

A observância de normas por força de uma lei, na hipótese, umaConstituição não pode ser identificada com a de um costume, cuja for-maçãosó se justifica na ausência de normas legais.

Como o próprio Leon Duguit, confessa à pág. 172 do tomo II (Paris, 1923)de seu Traité de Droit Constitutionnel: — "On a dit.. que je confondais la lei quiest le commandoment du souverain et qui tira sa force de 1'autorité dont elleémane et la coutume expression tacite de la volonté des populations (ESMEIN,Ibid.). Cette critique ne me parait pas merités. La loi n'est pas la coutume; mais,comme la coutume, elle est l'expression d'une regre qui se forme, sous 1'actionde la solidarité sociale, dans les conscientes des individus membres d'unecollectivité donnés".

A explicação do constitucionalista francês não convence absoluta-mente.Costume, como bem o definiu FRANÇOIS GENY (Méthede

d'Interpretation et Sources en Droit Prive Positive, tomo I, 28 ed., 1932, pág.319) é "toute formation de règles juridiques s'opérant en debors de la loi écrite".Daí o costume secundum legem, propter legem e contra legem. Inexistecostume decorrente da aplicação de uma norma legal.

19. Finalmente, o argumento haurido do princípio de hermenêuticamodelador da parte final do § 1° do art. 29 de nossa Lei de Introdução aoCódigo Civil, — o mais aturado no Brasil contra a teoria focada, — não seestadeia irrespondível.

Ainda quando se queira ampliar o vocábulo "lei", usado ali, até à abrangerconstituições, o que é revesso na técnica destas, que extremam tãonitidamente os dois corpos de normas jurídicas (vejam-se, in exemplis, asletras a e c do inciso III do art. 119 de nossa vigente Carta Política), a teoria dadesconstitucionalização das leis não infringiria o dispositivo citado.

A parte final do § 1º do art. 2º de nossa Lei de Introdução ao Código Civil,se refere à revogação da lei anterior por posterior quando esta "reguleinteiramente a matéria" de que tratava aquela.

Ora, a matéria formalmente constitucional de uma Carta Política é civil,administrativa, financeira, penal ou de outra ordem jurídica que nãoconstitucional. Só entra no texto da Constituição pelos motivos alhuresesclarecidos.

E, conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a simplessubstituição de um código por outro não acarreta, por força do dispositivo emtela, a revogação de todos os artigos do anterior. É de mis-ter que se indaguese a matéria nele tratada era pertinente à sua esfera.

Esse entendimento ficou assentado quando, por ocasião da publicaçãodo Código de Propriedade Industrial (Decreto-lei n.º 254, de 28-2-67), que seseguiu a anterior, baixado pelo Decreto-lei n.º 7.903, de 27-8-45, se omitiu

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sobre as disposições penais contidas no último, as quais foram julgadasvigentes, porque matéria de direito penal, estranha à que só de-veria cingir-seo código revogado (Revista Trimestral de Jurisprudência do STF, vols. 43,págs. 387 e 826; 51, págs. 424/426; e 56, pág. 789).

20. Examinemos, por derradeiro, os argumentos de ordem prática a favorda teoria da desconstitucionalização das leis, além dos já expendidos deordem doutrinária.

Defende a teoria JULIEN LAFERRIÉRE (ob. cit.), modernoconstitucionalista francês, com o raciocínio de que, se, ao invés de anormal-mente figurarem no texto da Constituição anterior, estivessem os dispositivossó formalmente constitucionais no seu devido lugar, isto é, em lei ordinária,continuariam em vigor, quando não colidissem com o texto da novaconstituição. Por que então considerá-los revogados, quando outros menosimportantes, a ponto de não serem salvaguardados no texto constitucional,podem continuar a viger?

Demais, à aplicação da teoria em estudo chega-se sempre, mesmoprescindindo-se dela, em qualquer das hipóteses que ensejam sua aplicação.

Em frente a uma lacuna legal, surgida com a sucessão de umaconstituição a outra, não sendo possível preenchê-la nem por analogia, nempelo costume, há de recorrer-se, necessariamente, aos princípios gerais dedireito, na forma do art. 49 da Lei de Introdução ao Código Civil.

Ora, o recurso aos princípios gerais do direito leva o intérprete, emprimeiro lugar, ao exame do que há no direito positivo nacional e ummandamento de lei ordinária, ínsito numa constituição revogada, deveprevalecer acima de tudo, quando não contrarie a ordem jurídica estabelecidapela Constituição vigente.

21. Eis tudo o que conseguimos alinhar sobre a teoria dadesconstitucionalização das leis. Deve haver muito mais.

Indiscutivelmente ela merece ser estudada e aprofundada não só noBrasil, mas nos países da América do Sul, onde as constituições não têm tidoa estabilidade da dos Estados Unidos.

Que sirva este estudo, pelo menos, de alerta ao nosso Poder Legislativo,quando, usando do poder de emendar a Constituição (arts. 46 e segs.), nãodesejo que algum de seus mandamentos possa ser entendido comocontinuando a viger, na qualidade de lei ordinária.

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PRESCRIÇÃO DAS FALTASADMINISTRATIVAS. PASSÍVEIS DE

DEMISSÃO

José Guilherme VillelaEMENTA — No direito administrativo brasileiro

não há faltas disciplinares imprescritíveis. As passíveisde pena de demissão prescrevem em 4 anos, salvoquando previstas também como crimes, hipótese emque precreverão segundo os prazos estabeleci-dos noCódigo Penal.

A suposta violação de obrigação decorrente do regime de tempo integrale dedicação exclusiva, que determinou a demissão do funcionário a bem doserviço púlico, foi apurada por Comissão de Inquérito nomeado em 19-9-71,em atendimento a anteriores denúncias de outro funcionário. A apuração dareferida falta disciplinar se completou com o relatório conclusivo datado de 21-10-71, mas o decreto presidencial de demissão só foi baixado em 17-11-75,quando já escoado o prazo de 4 anos, lapso em que prescrevem as faltasdisciplinares punidas com demissão, salvo quando, por constituírem tambémcrimes previstos no Código Penal, devam prescrever juntamente com estes(Estatuto dos Funcionários, art. 213, inciso II).

2. Assentou o DASP, como pacífico na jurisprudência administrativa, que(a) "A prescrição, nas infrações disciplinares, começa a correr do dia em

que o fato se tornou conhecido" (Formulação n.º 76), e(b) "A instauração do inquérito administrativo interrompe o curso da

prescrição" (Formulação n.º 31).3. Mesmo tolerando a adoção dessas regras, que uma exegese ortodoxa

do Estatuto não parece justificar, é forçoso concluir-se que a falta punida coma demissão a bem do serviço público já se achava prescrita, quando foibaixado o ato de 17-11-75, pois desde 21-10-71, já se achava concluído oinquérito destinado a apurá-la.

4. O prazo prescricional é de 4 anos, como se infere do art. 213 doEstatuto, que dispõe:

Prescreverá:I — em dois anos a falta sujeita às penas de repreensão, multa ou

suspensão;II — em quatro anos a falta sujeita:a) a pena de demissão, no caso do § 2º do art. 207;b) a cassação de aposentadoria ou disponibilidade.Parágrafo único. A falta também prevista na lei penal como cri-me

prescreverá juntamente com este.5. É notório que alguns pareceres de órgãos administrativos, aos quais a

douta Procuradoria-Geral da República aderiu nestes autos, têm procuradodefender a tese da imprescritibilidade de algumas faltas administrativas, apretexto de não estarem abrangidas pela literalidade do art. 213, acima

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transcrito. Para esses exegetas, as faltas leves prescrevem em dois anos; asfaltas graves, tão graves que também constituem crimes definidos na lei penal,estão sujeitas a prescrição nos mesmos lapsos fixados para os crimes, quepodem ser até inferiores a 4 anos e as faltas intermediárias, sujeitas ademissão, sem, no entanto, configurarem simultaneamente crimes, seriamimprescritíveis, porque a alínea a, do inciso II, do art. 213, alude a prescriçãode quatro anos para a demissão, exclusivamente no caso do funcionário que,durante o período de 12 meses, faltar ao serviço 60 dias, interpoladamente,sem causa justificada (art. 207, § 2º, do Estatuto).

6. Em geral, os pareceres, que propugnam por essa estranha dou-trina,confundem regras de dois sistemas jurídicos diversos, o francês e o português,o primeiro dominado pelo princípio da imprescritibilidade das faltasdisciplinares e o segundo, pelo da prescritibilidade das mesmas faltas, emboraadmita este último faltas imprescritíveis, em virtude de exceçõesexpressamente previstas na lei. Cometem, d.v., esses pareceres o equívocode sustentar que, em regra, a ação disciplinar é imprescritível, como, em facedo seu próprio direito, ensinam os autores franceses, e que as exceções àsuposta norma universal da imprescritibilidade devem ficar expressas na lei,como ocorre com as exceções no direito português. Desse inegável equívoco,tira-se a conclusão errônea da imprescritibilidade das faltas de gravidadeintermediária em nosso sistema jurídico, que admite a prescrição das faltasleves e das graves ou gravíssimas e não conhece qualquer exceção expressaà regra da prescritibilidade (o nosso é um terceiro ordenamento, que nada tema ver com o francês e não coincide com o português, embora deste seaproxime mais).

7. Para evidenciar não ser essa a boa interpretação, basta recordar asdificuldades que o ilustre Dr. Romeu de Almeida Ramos deixou entre-ver emdouto parecer proferido como Consultor-Geral da República. S. Exa, apesar deaceitar a tese da imprescritibilidade das faltas intermediárias, se viu compelidoa sugerir, por amor à lógica, uma revisão legislativa, como o fez no Parecer I-226, de 22-6-73, verbis:

"Entre nós a posição adotada é contraditória. Embora admitindo,em tese, a imprescritibilidade, na prática, esta se torna exceção e, o queé pior, considerou prescritíveis as faltas disciplinares previstas, também,na lei penal como crime (mais graves) e, imprescritíveis as que, apesarde determinar a demissão do funcionário, não encontramcorrespondência na lei penal (menos graves). Por outro lado, a mesmafalta pode ser prescritível, ou não, a depender de estar o funcionário naatividade ou inatividade quando de sua apuração.

Parece claro que essa situação anômala não deve continuar,justificando-se, plenamente, a necessária reforma estatutária paracorrigir-se a distorção" (Pareceres da Consultoria-Geral da República,vol. 83/69).

8. A contradição apontada é menos do legislador do que, d . v., doparecer acima, pois, adiante do art. 213 do Estatuto, ninguém poderáconvencer de que o nosso direito sufrage a doutrina francesa daimprescritibilidade da ação disciplinar, como quer o douto Consultor-Geral. OEstatuto contempla a prescrição de todas as faltas, desde as mais leves, até

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as mais graves, ainda mesmo as de simultâneo caráter criminal. Por outrolado, quaisquer faltas que o inativo acaso houvesse cometido no exercício dafunção sempre estariam sujeitas a prescrição (Estatuto, art. 213, inciso II,alínea b, c/c. art. 212, inciso I). Por que umas poucas faltas, de gravidadeintermediária, e apenas quando praticadas por servidores que continuam naatividade, seriam imprescritíveis?

9. A matéria da prescrição, que constituiu inovação do vigente Estatutodos Funcionários, só pode ter o sentido que lhe atribuiu o comenta-dor J.Guimarães Menegale, neste lapidar e conciso escólio:

"Prescrevem em dois anos as faltas menos graves, ou sejam, assujeitas às penas de repreensão, multa e suspensão; em quatro, asmais graves, sujeitas às penas de demissão e cassação. Quando a faltadisciplinar importar crime, a prescrição coincidirá com a do Cód. Penal"(O Estatuto dos Funcionários, ed. 1962, 11/624).

10. A regra da prescrição disciplinar foi introduzida no direitoadministrativo brasileiro, pelo Estatuto de 1952, por inspiração do mesmoprincípio da prescrição da ação penal, que, entre nós, é amplo e não admiteexceções. Essa justificação está no parecer de 26-12-47, que o nobreDeputado Antenor Bogea, como relator da Comissão de Serviço Público daCâmara dos Deputados, proferiu sobre um dos projetos de Estatuto dosFuncionários Civis da União, que precederam a Lei. n° 1.711, de 28-10-52.

11. O Prof. Caio Tácito, que tanto ilustrou a Consultoria Jurídica doDASP, em douto parecer, de 25-11-55, já deixou convenientemente explicadaa razão de a alínea a, do inciso II, do art. 213, só aludir explicitamente a umcaso de demissão. Ficou patente, nesse parecer, pela análise do elementohistórico, que essa imperfeita remissão não significa que se pretendeu fossemexcluídos os outros casos de demissão, mas sim que se pensou já estarem osdemais compreendidos na enumeração, pois, para o nobre Deputado Bogea,autor da Emenda n. 101 ao substitutivo Samuel Duarte (de 1951), a pena dedemissão sempre decorreria de um procedimento criminoso do funcionário. Eisa lição de Caio Tácito, que merece ser reproduzida neste tópico:

"No substitutivo subseqüente, o chamado projeto Samuel Duarte(13 de junho de 1951), a regra prescricional se cristaliza, no art. 209assim redigido:

"Art. 209. Prescreverá:I — em dois anos, a falta sujeita às penas de repreensão, multa ou

suspensão;II — em quatro anos, a falta sujeita à pena de demissão ou

cassação de aposentadoria e disponibilidade.Parágrafo único. A prescrição da falta prevista como crime

obedecerá ao disposto na lei penal."5. Em emenda, sob n.º 101, o deputado Antenor Bogea e outros

propuseram nova redação que veio a ser a do projeto definitivo, afinalconvertido em lei, justificando-se pelos fundamentos seguintes:

"1. A redação do item II e do parágrafo único do art. 209 do projetose presta a perplexidades. Com efeito, a pena de demissão prevista

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naquele item, sempre decorre de um procedimento criminoso dofuncionário. Para exemplificar. A pena de demissão se aplica a quemabandonar o cargo; a quem empregar irregularmente os dinheirospúblicos; a quem revela segredos; a quem se deixa corromper; a quemse vale do cargo para lograr provei-to pessoal etc..

Nessas hipóteses, em que se impõe a pena de demissão, ou seaplica o item II do artigo 209 ou se aplica o seu parágrafo único, porquetambém houve crime.

É para corrigir essa anomalia que oferecemos a modificaçãoconstante da emenda.

2. A atual redação do aludido parágrafo único do art. 209 nãoprecisa bem o pensamento de quem introduziu no projeto de Estatuto ainovação da prescrição das faltas disciplinares. Em que sentido se aludeà obediência ao disposto na lei penal? O preceito é vago e merece seraclarado. Diga-se que a "falta também prevista na lei penal como crime,prescreverá juntamente com este" e ter-se-á introduzido no projetodispositivo côngruo.

6. Esta a origem histórica do dispositivo que assim se enuncia, nalei vigente:

Art. 213. Prescreverá:I— em dois anos, a falta sujeita às penas de repreensão, multa ou

suspensão;II— em quatro anos a falta sujeita:a) a pena de demissão, no caso do § 29 do art. 207;b) a cassação de aposentadoria ou disponibilidade.Parágrafo único. A falta também prevista na lei penal como crime

prescreverá juntamente com este (R.D.A. 45/484-485).12. Evidencia-se, portanto, que a eventual imperfeição do texto, de-

corrente da equívoca remissão ao § 29 do art. 207, pode e deve ser eliminadapela via da interpretação, não carecendo de qualquer revisão legislativa, comod.v. erroneamente, pareceu à douta Consultoria-Geral da República.

13. A interpretação absurda deve ser evitada, como proclama velha regrade hermenêutica. Os elementos histórico, lógico, sistemático, que auxiliam ointérprete na pesquisa da mens legis, não podem conduzir senão à tese deGuimarães Menegale, segundo a qual a prescrição das faltas disciplinares decaráter não criminoso ocorre em quatro anos, como estabelecido no art. 213,porque, do contrário, prescreveriam as faltas leves e as graves, mas nãoprescreveriam as intermediárias; por outro lado, a mesma falta nãoprescreveria, se se tratasse de servidor em atividade, e prescreveria, se fosseele inativo (a mesma conclusão está em proeficiente estudo do ilustre Dr.Jacinto Álvares da Silva Campos, na R.D.A. 53/514-517).

14. O direito brasileiro não se filia ao sistema francês daimprescritibilidade, como alguns insinuam. Para repelir esse entendimento, ébastante a leitura do art. 213, que abrange, em sua literalidade mesma, quase

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todas as faltas disciplinares, desde as mais leves até as mais graves, inclusiveaquelas de caráter simultaneamente criminoso e, por isso, gravíssimas.

15. Não se seguiu também o direito português, porque não há exemplode falta disciplinar que a legislação haja ressalvado da regra geral daprescritibilidade. Como esclarece Marcello Caetano, no Manual de DireitoAdministrativo:

"A prescrição da infração dá-se quando o fato não é punido dentrode certo número de anos decorridos a contar de sua comissão. Tem sidomuito discutido se as infrações disciplinares devem ou não serprescritíveis. A nossa legislação consagrou o princípio daprescritibilidade admitindo embora que certas faltas sejamimprescritíveis" (ed. 1965, págs. 537-538).

16. O problema das exceções à regra geral da prescritibilidade, nossistemas jurídicos que a admitem, verbi gratia, o português, é do legislador.Nossa legislação poderia talvez ter acompanhado a portuguesa que, atenta àexcepcional gravidade de certas faltas disciplinares, as ressalvou da regragenérica. Eis o teor do art. 560 do Código Administrativo de Portugal, notocante à prescrição da ação disciplinar:

"O direito de exigir a responsabilidade disciplinar em que qual-querfuncionário administrativo haja incorrido prescreve passados cinco anossobre a data em que a falta tenha sido cometida, salvo o disposto nosparágrafos seguintes.

§ 1º Se o fato qualificado de infração disciplinar for tambémconsiderado infração penal e os prazos de prescrição do procedimentocriminal forem superiores a cinco anos, aplicar-se-ão ao procedimentodisciplinar os prazos estabelecidos no Código Penal.

§ 2° É imprescindível o direito de exigir a responsabilidadedisciplinar por qualquer das infrações a que se referem os n.ºs 2, 6, 7 e11 do artigo 580."

17. No Brasil ainda não existem faltas disciplinares imprescritíveis, masnada impede que o legislador o estabeleça, contanto que o façaexpressamente. Haveria, nessa hipótese, como seria natural, de levar emconta a maior gravidade de certas faltas, mas não parece provável que assimvenha a proceder, porque a regra da prescrição da falta administrativa buscouinspiração no Código Penal, que não contempla qualquer exceção.

18. Outro absurdo que a interpretação ora defendida evitaria é o de fazercom que o legislador, toda vez que definisse nova falta disciplinar, tivesse quereproduzir a regra estatutária da prescrição. Só por estar a falta prevista noutrodiploma legal, diverso do Estatuto, a norma geral da prescrição teria que serrepetida (isso contrariaria até preceito de técnica legislativa, como é óbvio) .

19. Não sendo de simultâneo caráter criminoso, a falta disciplinaratribuída ao funcionário, que é uma dessas criadas por leis supervenientes aoEstatuto, deveria ter sido punida, sob pena de prescrição, dentro do prazocomum de quatro anos, a contar do seu conhecimento pela Administração(DASP, Formulação n.º 76) . Ainda que se tolere a interrupção do lapsoprescricional, pela instauração do inquérito em 19-9-71 (DASP, Formulação n.º

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31), a falta já estava irremediavelmente prescrita em 17-11-75, quando foiaplicada a pena de demissão a bem do serviço público. Se, ainda maistolerantemente, tomássemos a data da conclusão do inquérito, que é a dorelatório de 21-10-71, a prescrição seria também invencível obstáculo àaplicação da pena.

______________________________Trabalho feito em 12-10-76.

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A RESPONSABILIDADE FINANCEIRA EORÇAMENTARIA NOS MUNICÍPIOS

— O ÓRGÃO LEGÍTIMO PARA O EXAME DASCONTAS MUNICIPAIS(*)

ROBERTO ROSAS1. Diz a Constituição Federal em seu artigo 16, § 1º:

"O controle externo da Câmara Municipal será exercido com oauxílio do Tribunal de Contas do Estado ou órgão estadual a que foratribuída essa incumbência."

Importante, então, interpretar-se o sentido dado à expressão órgãoestadual a que for atribuída a incumbência do controle externo da CâmaraMunicipal.

Haveria órgão estadual coexistindo com o Tribunal de Contas do Estado,ou somente haveria órgão estadual onde não houvesse Tribunal de Contas(Acre) ?

2. A Constituição de 1967 estabelecera a organização dos Estados,pautada nos princípios constitucionais, para a fiscalização orçamentária efinanceira (art. 13, IV). Estabeleceria assim a obediência ao paradigma federalcom o controle externo pelo Poder Legislativo, auxiliado pelo Tribunal deContas da União. Não fora outra a diretriz constitucional de 1946,estabelecendo que a Administração Financeira, especialmente a execução doOrçamento, seja fiscalizada nos Estados e Municípios pela forma estabelecidanas constituições estaduais, mas buscando o modelo federal, do Tribunal deContas da União, porque o artigo respectivo (art. 22) remetia expressamenteao dispositivo que organizava o Tribunal da União (arts. 76 e 77), tanto quealguns Estados não criaram Tribunal de Contas.

3. O controle da execução orçamentária dos Municípios foi matériaamplamente discutida na Constituição de 46. Prado Kelly fizera destacar osMunicípios da competência do Tribunal de Contas estadual. Houve o apoio deAliomar Baleeiro, para quem não havia quebra de autonomia municipal, muitosuperior ao antigo Departamento Administrativo da Municipalidade, a quemficara afeto esse controle. Todos os opositores à idéia do Controle peloTribunal de Contas apenas inclinavam-se pela privatividade da CâmaraMunicipal. Melhor seria manter o dispositivo de 1934, com a assistênciatécnica e fiscalização das finanças municipais.

Portanto, a maior preocupação era não tocar na autonomia municipal,com a imposição do órgão estadual controlador das contas municipais.

4. Por outro lado, a Constituição Federal impõe seu modelo aos Estados,incorporando ao Direito Constitucional estadual as regras federais, isto é, maisdo que na própria Constituição, como se observa em julga-mento do SupremoTribunal, examinando argüição de inconstitucionalidade da Constituição doPivaí, que omitira a palavra prerrogativa entre os direitos dos Conselheiros do

(*)Trabalho acolhido no III Congresso Brasileiro de Direito Municipal, realizado em agosto de 1976, emBlumenau.

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Tribunal de Contas Estadual. Na oportunidade frisou o Ministro Xavier deAlbuquerque:

"tal lacuna do Direito Constitucional legislado do Estado seria integrada,enquanto permanecesse e no que fosse cabível, pela incidência da regraconstitucional federal paradigmária." (Representação n.º 896 — R.T.J. 69/652.)

Em outros casos também reiterou a obediência da organização dosTribunais de Contas estaduais ao modelo federal (Repr. n.º 856 — Alagoas —R.T. J. 58/504; Reprs. n.º 886 — R.T.J. 65/305; Reprs. n.º 764 — EspíritoSanto — R.T.J. 50/250) acentuando o Ministro Carlos Medeiros Silva que acriação do Tribunal de Contas pelos Estados deixou de ser uma faculdade (R.D . A . 111) .

5. A Constituição Federal assegura a autonomia do Município,restringindo a intervenção federal, entre outros casos, quando o Tribunal deJustiça dê provimento à representação formulada pelo Chefe do MinistérioPúblico local para assegurar a observância dos princípios indicados naConstituição estadual (art. 15, § 3º, d), dentre esses princípios: a prestação decontas da administração (art. 10, VII f) . E como seriam prestadas as contas:de acordo com o modelo federal — Controle externo — Poder Legislativo(Congresso) auxiliado pelo Tribunal de Contas da União (art. 70, § 1º), logo, omesmo ocorreria no plano municipal; controle externo — Poder Legislativo(Câmara Municipal) com o auxílio do Tribunal de Contas do Estado.

Não seria, portanto, inconstitucional o controle das contas municipais peloTribunal de Contas, aliás pensamento este de acordo com a decisão doSupremo Tribunal, ao rejeitar a inconstitucionalidade do dispositivo daConstituição do então Estado do Rio, que dava essa extensão ao Tribunal deContas Estadual (Representação n.º 755 — R.T. J. 52/513).

6. Ficaríamos em dúvida quanto a esse raciocínio se a ConstituiçãoFederal (art. 16, § 1º) mencionasse órgão municipal, ao invés de estadual, parao auxílio no controle externo. Indubitavelmente, o legislador constitucionalqueria dar ampla autonomia ao Município, sem a interferência estadual.

7. A discussão sobre a possibilidade da criação de órgão estadual, nolugar do Tribunal de Contas, para fiscalização das contas municipais tem dadomargem a inúmeras divagações, porquanto o Supremo Tribunal já foi chamadoao tema, por representações oriundas do antigo Estado do Rio de Janeiro (n.º846) e mais recentemente de Minas Gerais.

8. Apreciando a argüição de inconstitucionalidade da Constituição doEstado do Ceará, decidiu a Suprema Corte que:

"O art. 16, §§ 1° e 2º, da Constituição Federal, prevê e autoriza ainstituição de órgão, a par do Tribunal de Contas, para auxiliar a este eas Câmaras Municipais no controle externo das finanças dasPrefeituras." (Representação n° 917 — julgada em 16-4-75 — RelatorMinistro Aliomar Baleeiro.)

Ficaram vencidos quanto a essa tese os Ministros Xavier de Albuquerque,Antônio Neder, Thompson Flores e Djaci Falcão.

9. Em outra oportunidade o Supremo Tribunal examinou aconstitucionalidade do Conselho de Contas do então Estado do Rio

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(Representação n.º 846) . Seu Relator, Ministro Antônio Neder, deu pelainconstitucionalidade, afirmando:

"é certo que o mesmo texto constitucional, como se verifica do seuartigo 13, IV e IX, impõe ao Estado-membro que, no que respeita àfiscalização financeira e orçamentária, adote o mesmo sistema impostoà União, isto é, que adote o sistema de controle externo feito pelo PoderLegislativo mediante auxílio do Tribunal de Contas (art. 70)."

Para concluir pela inconstitucionalidade o Ministro foi ao objetivo do textoconstitucional, a ratio essendi dessa orientação:

"se conclui, sem esforço maior, que a proposição final do citadodispositivo ("ou órgão estadual a que for atribuída essa incumbência")constitui alternativa que o legislador deixou expressa para os casos deEstados que, à época da elaboração do texto constitucional, não haviaminstituído Tribunal de Contas (como Paraíba e Sergipe)."

Ficaram vencidos com a tese da inconstitucionalidade os Ministros:Antônio Neder, Djaci Falcão, Barros Monteiro e Thompson Flores.

10. Enfim, a expressão: órgão estadual a que for atribuída essaincumbência do controle externo da fiscalização financeira e orçamentária dosMunicípios propicia várias divagações bem expendidas em diversas opiniões,com fortes razões de ambos os lados.

No entanto, podemos reduzir as questões a várias perguntas:a) Os Estados obedecerão ao modelo federal para a fiscalização

financeira e orçamentária?b) Quis o legislador constituinte facultar a criação de órgão controlador ao

lado do Tribunal de Contas Estadual?c) Esse órgão controlador subsistiria ao lado do Tribunal de Contas ou

seria o seu substituto?Respondamos:Ao longo deste sumário trabalho ficou apontada a necessidade, não só,

da criação dos Tribunais de Contas Estaduais, bem como seguir-se o modelofederal.

Desenganadamente a Constituição Federal, que impõe aos Estados oseu paradigma, não divergiria desse modelo. Logo, o órgão controlador nãoseria justaposto ao Tribunal de Contas, não coexistiria com ele, mas seria oseu substituto, caso não fosse ainda instituído, como ocorria em algunsEstados brasileiros, que não tinham Tribunal de Contas, em 1969.

11. Resumo das conclusões:a) A Constituição Federal impõe aos Estados a obediência ao princí-?io

da fiscalização financeira e orçamentária federal para a fiscalização financeirae orçamentária.

b) A criação de órgão controlador das contas municipais, diverso daCorte, ocorreria em Estados sem Tribunal de Contas, se fosse o caso (Acre).

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II. – VOTOS E PARECERES

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NATUREZA, AUTONOMIA E DUPLICIDADE DAFUNÇÃO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS(*)

Relator: Conselheiro HERÁCLIO SALLESI - RELATÓRIOPor ofício de 8 de agosto do ano próximo findo, firmado pelo

Excelentíssimo Senhor Senador Magalhães Pinto, comunica-nos o SenadoFederal decisão tomada na Sessão plenária de 20 de junho, quando essa altacâmara do Congresso, aprovando o Parecer n.º 153/75, da Comissão doDistrito Federal, houve por necessário converter em diligência o processorelativo às contas gerais do Governo de 1973, "para as providências cabíveis àapuração das responsabilidades" argüidas, segundo se afirma, no ParecerPrévio oferecido por este Tribunal no cumprimento de seu dever e no exercíciode sua competência constitucional e legal (art. 41, V, da Constituição, e art. 28da Lei n.º 5.538/68).

Em decorrência, devolveu-se a esta Corte o volume integrado peloRelatório do ilustre Conselheiro Cyro Versiani dos Anjos, Parecer Prévio sobreas contas do Governo do Distrito Federal, cópia do Balanço Consolidado eSaldos Bancários.

Da leitura atenta das peças que compõem o presente processo,percebe-se que u douta Comissão do Distrito Federal deparou algumasdificuldades e mostrou-se, em mais de um instante, algo perplexa 'diante delas,até fixar-se no respeitável Parecer de que resultou a decisão da qual tomaagora conhecimento o Tribunal e cujo exame há de ser conduzido peloempenho de corresponder à verdadeira intenção dos eminentes Senadores,preocupados por sua vez em exercer com exatidão, e na altitude própria, ocontrole político da execução orçamentária nesta unidade federada, para aqual legislam e cuja administração financeira, conseqüentemente, se encontrasubmetida a sua fiscalização.

Duas tentativas de pronunciamento ficaram frustradas, marcando-se aprimeira delas, em 4 de dezembro de 1974, por extenso e bem elaboradorelatório do Senador Saldanha Derzi, que concluía por sugerir Projeto deResolução assim concebido:

"Artigo único. São aprovadas as contas do Governo do DistritoFederal, correspondentes ao exercício de 1973 e de acordo com oParecer Prévio aprovado na 187á Sessão Especial do Tribunal deContas do Distrito Federal."

(*)Reiteração do Parecer Prévio, oferecido ao Senado, sobre as contas do Governo do Distrito Federal,relativas ao exercício de 1973.

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Quanto à segunda, ficou vincada fortemente por dúvida manifestada emvoto do Senador José Augusto, em cujo espírito soaram fundo "advertências"graves que sua Excelência vislumbrara no relatório do Senador SaldanhaDerzi. Talvez a predominância da oralidade nos trabalhos da douta Comissãodo Distrito Federal tenha sido responsável pela seguinte ponderação doeminente parlamentar:

"O Parecer prévio do Tribunal de Contas do Distrito Federal fazressalvas (como a da alínea c) que sugerem a fixação deresponsabilidades, com a respectiva promoção de sanções, além desalientar que tais conclusões não constituem pronunciamento doTribunal, em relação às contas de cada responsável.

Isso está meridianamente exposto no Parecer corajoso do SenadorSaldanha Derzi e, conforme salientou o Presidente desta Comissão,Senador Cattete Pinheiro, deve constar claramente do texto do Projetode Resolução."

Propôs-se, por efeito de tal ponderação, o substitutivo que transcrevo:"Artigo único. Ressalvadas as responsabilidades cabíveis quanto às

irregularidades apontadas no Parecer Prévio do Tribunal de Contas emitido na187 Sessão, são aprovadas as contas do Governo do Distrito Federal,correspondentes ao exercício de 1973."

Numa terceira etapa dos trabalhos, que se tornou decisiva, acentuou-se aperplexidade da nobre Comissão, fazendo-se dela voz expressiva o cultoSenador Otávio Cesário, que invocou o § 1° do art. 396 do Regimento doSenado para sustentar o descabimento da aprovação das contas comressalvas. "Com efeito", interveio Sua Excelência, "entendo que, em setratando de contas, apenas comporta a aprovação ou rejeição. Nuncaaprovação ou rejeição com restrições ou ressalvas. Não aceitamos, pois,condicionamento sob o rótulo de ressalvas ou restrições. Mesmo porque, se ocondicionamento não se resolver, ou enquanto permanecer pendente, oassunto não será decidido"-

Considerando, então, que o Relatório desta Corte fazia "referênciasespecíficas a irregularidades cometidas pelo Governo do Distrito Federal, quecumpre serem devidamente apuradas para a fixação de responsabilidades", eque o Regimento do Senado não admite alternativa além da aprovação ourejeição das contas, propôs o que a Comissão veio a aprovar, a saber:

"Converter em diligência o processo referente às contas doGoverno do Distrito Federal, relativas ao ano de 1973, para asprovidências cabíveis à apuração das responsabilidades argüidas."

Votaram vencidos, além do Senador Saldanha Derzi (cuja proposiçãoinicial para aprovação das contas, nos termos do Parecer Prévio desta Corte,ficou afastada), os Senadores Carlos Lindenberg, Osires Teixeira e JoséAugusto. A decisão comunicada ao Tribunal resultou dos votos dos SenadoresOtávio Cesário, Heitor Dias, Ruy Carneiro, Antônio Fernandes e FernandoCorrêa, em Sessão presidida pelo Senador Cattete Pinheiro.

Não há no processo indicação de que a matéria, relevante por suanatureza e pelas dúvidas doutrinárias implicitamente suscitadas, tenha sido

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objeto de discussão no Plenário, de cujo pronunciamento decisivo passaremosa cuidar.

II - VOTOÉ de toda justiça ressalvar, antes de tudo, que a perplexidade dominante

na douta Comissão do Distrito Federal foi produzida pelo sentimento deresponsabilidade dos eminentes Senadores em face de um processo no qualse punha em evidência uma das mais altas missões constitucionais daveneranda Casa do Congresso Nacional: julgar as contas do Governo destaunidade federada, para dizer com o prestígio de seu voto se o Orçamento -que Rui chamou, com certo excesso mas muito expressivamente, "a lei dasleis" - teve execução compatível com a política nele refletida e, portanto, emconsonância com os imperativos do bem público. Convertido em órgãolegislativo do Distrito Federal, o Senado viu acrescida, à missão de fiscalizar aadministração financeira do País (que lhe incumbe como ramo do Congresso,juntamente com a Câmara dos Deputados) a tarefa, não menos nacional, docontrole externo exclusivo das finanças da Capital da República, implantada navelha solidão do Planalto Central como fonte de estímulo ao progresso geralda Nação. Mais que compreensível, é francamente louvável que o SenadoFederal - órgão representativo da Federação - revele ter consciência clara doimportante papel que lhe toca no julgamento de contas nas quais secomprometem largos recursos da União e que não são locais no sentido emque o são as contas de um Município, mas adquirem do ponto de vista políticoas dimensões excepcionais que se atribuem a Brasília e à ambição histórica desua construção e consolidação, como ato estratégico visando à integraçãonacional.

Todos os cuidados que se envidenciam no presente processo - pelamanifestação de alguns dos Senhores Senadores - são, assim, plenamentejustificados, ainda que decorram de equívoco ou que a equívoco possamconduzir, como no caso ocorreu.

Causas do Equivoco - Facilmente identificáveis são as causas doequívoco de que decorreu a veneranda decisão de fls. 20: a primeira delas terásido, suponho, a já referida predominância da oralidade nos trabalhos daeficiente e assoberbada Comissão do Distrito Federal, onde o zeloso SenadorJosé Augusto, em meio ao tumulto natural dos debates parlamentares,acreditou ter ouvido "advertência" graves no Relatório do Senador SaldanhaDerzi, no qual se reproduziram textualmente afirmações contidas no ParecerPrévio desta Corte. Inclinando-se no sentido de oferecer ao Projeto deResolução do operoso representante de Mato Grosso o substitutivo que seencontra a fls. 18, justificou Sua Excelência a posição que tomava com duasafirmativas:

a) continha o Parecer desta Corte ressalvas, como a da alínea c, "quesugerem a fixação de responsabilidades, com a respectiva promoção desanções";

b) as conclusões do Parecer Prévio "não constituem pronunciamento doTribunal, em relação às contas de cada responsável".

Como corolário inevitável destas duas assertivas, o ilustre Senador JoséAugusto propôs que a Comissão sugerisse ao Plenário do Senado a

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aprovação das contas, "ressalvadas as responsabilidades cabíveis quanto àsirregularidades apontadas no Parecer Prévio do Tribunal de Contas".Decorrência também lógica dessa posição foi a que, imediatamente, tomou olúcido Senador Otávio Cesário, quando acertadamente (se acertado fosse oentendimento do que estava escrito no Parecer desta Corte) advertiu que oRegimento do Senado não admitia aprovação de contas com ressalvas,devendo ser elas aprovadas simplesmente ou simplesmente rejeitadas. Daí oalvitre - igualmente lógico na atmosfera em que se discutia a matéria - daconversão do julgamento em diligência, para que o Tribunal apurasse, antes,as responsabilidades a que se teria referido.

Os receios dos dois nobres Senadores, tanto os de ordem moral quantoos de natureza regimental, estarão, no entanto, completamente dissipadoscom uma releitura cuidadosa da mencionada alínea c, conjugada com aconclusão do Parecer Prévio. Na alínea c - depois de afirmar-se nas duasanteriores que as contas "foram prestadas segundo as Normas Gerais deDireito Financeiro (Lei n.º 4.320/64)" e que "estão aritmeticamente certas, apósterem sido efetuadas as retificações determinadas por este Tribunal" - lê-se:

"c) evidenciam (as contas) procedimentos financeiros eadministrativos em geral revestidos de correção, exceto nos casos que,ou ensejaram representação ao Senado Federal e ao Governador(permuta de imóveis entre a SHIS e a ENCOL) ou deram causa amedidas de retificação, orientação ou fixação de responsabilidades, coma respectiva promoção de sanções."

Em duas alíneas seguintes a esta, informa-se ter havido "observância,quanto à receita, do princípio da anualidade dos tributos" e não terem sido"ultrapassados, na realização da despesa, as dotações orçamentárias nem olimite para abertura de créditos suplementares, por ato do Executivo"-

Contendo, o conjunto desses itens, todas as informações técnicasnecessárias ao lastreamento do pronunciamento político do Legislativo, o quese ressalva, para maior segurança do voto do Senado Federal, é que aCâmara alta do Congresso Nacional, na hipótese de aprovar as contas geraisdo Governo, não estará comprometendo sua autoridade em relação a contasparciais, cujo julgamento autônomo e definitivo é constitucionalmente deferidoa esta Corte, nas condições da Lei n.º 5.538, de 22 de novembro de 1968, esegundo normas procedimentais editadas, em conseqüência, por meio dosnossos Atos Regimentais, notadamente o de n.º 7. Ao contrário do que seentendeu na douta Comissão do Distrito Federal, o que se informa ao EgrégioSenado é que, até chegar-se à verificação geral de resultados que lheinteressa conhecer, houve casos nos quais o Tribunal atuou, querrepresentando oportunamente ao próprio Senado (caso SHIS-ENCOL ), quertomando ele mesmo, no âmbito de sua jurisdição e competência específicas,"medidas de retificação, orientação ou fixação de responsabilidades, com arespectiva promoção de sanções". Por outras palavras, não háresponsabilidades a apurar, na espécie, mas responsabilidades devida eoportunamente apuradas.

No Parecer Prévio, alude-se, também "às contas de cada responsável",das quais se afirma que, "ainda não apreciadas e julgadas, em decorrência deprazos legais não vencidos, serão, em cada caso e nos termos da Legislação

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aplicável, objeto de medidas desta Corte ou de outras autoridadescompetentes, se o impuser o resguardo do interesse público".

Cabe, neste passo e a esse propósito, mencionar o que terá sido, a meujuízo, a segunda causa do justificável equívoco da decisão de fls. 20: odesconhecimento generalizado da, natureza dos tribunais de contas, de suasrelações com os órgãos legislativos de que são auxiliares e, principalmente, daduplicidade de suas funções. Talvez por isso, antiga autoridade francesa,citada pelo notável especialista italiano Onorato Sepe, classificou a atividadedesses tribunais como "moult mélancolieuse", atestando o mesmo Sepe, emtom igualmente melancólico, ser a Corte dei Conti, a despeito de seus cemanos de existência, uma das mais complexas e menos conhecidas dasinstituições jurídicas da Itália:

"Il presente volume ha l'unico scopo de far conoscere, nelle suelinee generali, Ia struttura e le funzioni del nostro maggiore organo dicontrollo, di cui ricorre in questo anno il centenario. Ed esso, nonostanteil suo secolo di vita, è pur sempre una delle figure giuriche soggetive piùcomplesse e meno note del nostro apparato statuale." (Sepe - Paudolfo,"L Struttura e le Atribuzioni della Corte dei Conti" - Milano, 1962 -Prefácio de Sepe. )

Das mais altas figuras do próprio Congresso, poder-se-iam recolher atéconfissões de tal desconhecimento, como se vê, a título exemplificativo, destepasso de um dos discursos com os quais o insigne Afonso Arinos de MelloFranco fez no Senado memorável análise crítica do Projeto da Constituição de1967:

"As .recriminações levantadas contra os poderes de fiscalização doTribunal de Contas possivelmente também são procedentes. Não mecompete examiná-las; não sou conhecedor desses aspectos financeirosdo Direito Constitucional. Conheço-os superficialmente. Entretanto, nãome parece seja matéria de grande relevo, visto que a própria naturezada Corte de Contas se insere num terreno de permeio entre a legislaçãoe a judicatura." (Anais da Constituição de 1967, 3° volume, pág. 55. )

Um órgão e, Dois Papéis - "De permeio entre a legislação e a judicatura"é locução que evoca a célebre página com que Rui Barbosa encaminhou aoMarechal Deodoro, no primeiro ano da República, o projeto do Decreto n.º966-A/9Q, que criou o Tribunal de Contas, definido pelo grande brasileiro como"corpo de magistratura intermediária à administração e à legislatura". já aí,nessa página de admirável precisão e pleno domínio de um assunto que aindahoje confunde homens públicos, juristas e órgãos respeitáveis da opinião, aCorte de Contas aparecia com sua feição dúplice, "com atribuições de revisãoe julgamento, cercada de garantias contra quaisquer ameaças", podendo"exercer suas funções vitais no organismo constitucional, sem risco deconverter-se em instituição de ornato aparatoso e inútil".

Ora, não passaria o Tribunal de Contas de custosa peça ornamental -parasita do Orçamento e não fiscal necessário de sua execução fiel -se lhefosse cometida unicamente a missão de auxiliar o Legislativo na revisão anualda gestão financeira. No exercício regular dessa função honrosa, limita-se afornecer ao corpo legislativo que lhe corresponde, em qualquer esfera dadivisão política do País, subsídios técnicos para o pronunciamento soberano

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da respectiva assembléia parlamentar. Cabendo a esta, em qualquer nível, aatribuição privativa de julgar as contas do Governo, e sendo político taljulgamento, não fica o Legislativo de nenhum modo vinculado ao relatório e aoparecer prévio do Tribunal; pode louvar-se nestas duas peças para daraprovação às contas, como está livre para abandoná-las e tomar decisãooposta. O que lhe cabe é a tarefa altíssima de conferir os resultados daexecução orçamentária, em suas grandes linhas, com a lei votada para oexercício financeiro em exame, e daí concluir principalmente se o poder queaplica o orçamento correspondeu, em sua ação governamental, à política geralgizada na lei conforme as necessidades materiais e morais da população; seas verbas concedidas foram aplicadas segundo sua destinação; se a despesanão excedeu os limites da receita; se o patrimônio público manteve-se íntegroou se foi acrescido ou diminuído, e por quê; se foram observados os grandesprincípios do orçamento; e, em suma, se a bolsa orçamentária, constituída portributos arrecadados entre o povo, fez voltar esses recursos adequadamenteao mesmo povo, em forma de obras e serviços indispensáveis ao mínimo deprogresso e bem-estar por ele reclamado e cuja promoção - hojecuidadosamente planejada no próprio orçamento – é o dever precípuo doEstado.

Desse ponto de vista, funciona o Tribunal de Contas como simplesauxiliar do Legislativo, único órgão que pode sancionar ou reprovar a políticade execução da lei orçamentária, pela razão de ser esta por ele votada,embora a partir das reformas de 1967 haja sido consideravelmente limitadasua quota de liberdade e responsabilidade na elaboração dessa lei. Tallimitação, que em nada inibiu o Congresso em sua missão fiscalizadora, não éfenômeno que se possa irrefletidamente imputar a peculiaridades conjunturaisda vida brasileira mas, ao contrário, decorre da evolução do Direito Público emtoda parte, assim nos países de regime parlamentar como naqueles em queimpera o sistema presidencial. Na. Itália, por exemplo, onde funciona cada vezmais largamente o instrumento das delegações legislativas ao PoderExecutivo, Onorato Sepe (obra citada) atribui àquele fenômeno o fato de já nãoestar servindo o Relatório da Corte de Contas a fins de controle, senão aobjetivos meramente políticos

"... attivitá di informazioni critica svolta dalla Corte dei Conti al finede eccitare il controllo político del parlamento sul governo e soprattuto suquelle manifestazioni dell'attivitá amministrativa che non sianostrettamente conformi ai canoni dell'osservanza delle lege e della otimagestione dell'azienda statale ha un valore del tutto marginale e servi oggisoltanto a risvegliare lo spirito critico delle opposizioni, non per un fine decontrollo ma per il raggiungimento de intenti speculativi meramentepolitici."

Nos Estados Unidos, A. E. Buck escrevia, há já alguns anos, que atendência verificada era para tornar o Executivo "responsável pela preparaçãodo Orçamento e pela elaboração de programas de longo prazo que sirvam deapoio ao plano orçamentário":

"O Congresso, particularmente nos governos federal e estadual,ainda não renunciou ao velho poder de elaborar planos fiscais, queexerceu durante um século ou mais. (...) A concessão ao Executivo deplenos poderes para elaborar o orçamenta parece de extrema

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conveniência. O Legislativo está equipado para rever, criticar e, casonecessário, modificar o orçamento antes de votá-lo. Mas é só. Nossaexperiência orçamentária, nos últimos anos, claramente indica ser esta amelhor solução." ("Planejamento financeiro: bases políticas eeconômicas", na antologia organizada por Samuel Haig Jameson, F. G.V., 2ª edição, 1963.)

Na França, apesar de se achar inscrito na Constituição - arts. 34 e 47 -que o Parlamento continua a deter o poder de decisão financeira, cabendo aogoverno apenas a iniciativa dessa decisão e de sua execução, as atribuiçõesparlamentares foram na prática severamente limitadas:

"En fait, le pouvoir de décision financière est à presente en bonnepart transféré au gouvernement et à son administration. Si lesprérrogatives financières du Parlement son trés restreintes, il conservecepandant son rôle comme forum et intermédiaire politique." (Le Monde,edição especial sobre o Orçamento, sua elaboração e execução, janeirode 1976, pág. 2. )

O primeiro papel desempenhado pelo Tribunal de Contas é exatamenteeste: auxiliar o Legislativo, ministrando-lhe subsídios técnicos (Relatório eParecer Prévio) para que os representantes da soberania popular exerçamessa função de "fórum e intermediário político" no julgamento das contasgerais do Governo, isto é, na apreciação política da gestão financeira, em cadaexercício.

Mas há um segundo papel que as cortes de contas desempenham por viaprópria - ou em palco próprio, para dar conseqüência à metáfora -independentemente do poder que lhes cabe auxiliar ou assistir e que vem aser, no fundo e afinal, a contribuição mais importante oferecida a esse poderna missão de fiscalizar a execução do Orçamento, com severidade e eficáciaque não variam, por isso, com as flutuações a que se submetem no Estadomoderno as antigas prerrogativas parlamentares na formulação das leisfinanceiras. Refiro-me ao papel jurisdicional, à competência que lhes confere aConstituição, definida por lei específica, para acompanhar a execuçãoorçamentária no dia-a-dia da administração financeira e velar pela observânciaestrita do princípio da legalidade, na apreciação de todos os atos daAdministração que possam repercutir no comportamento da despesa e dareceita, como na posição dos bens, móveis e imóveis, postos sob a guarda dosagentes administrativos.

O primeiro papel é exercido solenemente mas uma vez em cada ano,quando o Tribunal oferece, em nosso caso ao Senado Federal, o relatório eparecer prévio sobre a execução do Orçamento no exercício anterior. Osegundo se exerce sem solenidade mas diuturnamente, fazendo-se inspeções,julgando-se as contas de cada um dos ordenadores de despesa,determinando-se medidas corretivas, aplicando-se sanções a responsáveis porirregularidades diversas, examinando-se os empenhos de verbas,acompanhando-se a execução de contratos e convênios, respondendo-se aconsultas das autoridades mais altas, alertando-se os administradores parafalhas a corrigir, formulando-se advertências sobre a necessidade de coberturalegislativa para determinados procedimentos, julgando-se atos deaposentadoria, reforma e pensão.

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Para essa atividade jurisdicional é que o Tribunal procura aviventar aatenção do Senado, quando lhe remete o parecer prévio sobre as contas doGovernador, ressalvando expressamente a responsabilidade dos ordenadoresmenores de despesa, submetida assim a apuração, não eventual, mascontínua.

Tal o sentido das ressalvas que se encontram no parecer relativo àscontas de 1973 - objeto da compreensível estranheza manifestada peladiligente Comissão do Distrito Federal.

Recorrendo ainda ao sempre admirável Onorato Sepe, na obra jáinvocada, em colaboração com F. Paolo Pandolfo:

"Le funzione della nostra Corte dei Conti sono substanzialmentedue: di controllo e giurisdizionalli. E tale complessità fa si che non possadarsi una definizioni sommaria dell'istituti riferendosi ad uno solo dei suoicompiti; non è esatto affermare che si trata di un "organo di controllo"perchè ha anche notevoli attribuzioni giurisdizionali; nè può dirse che siaun tribunale amministrativo perchè troppa della sua atività esula dalcampo contenzioso.'

Auxiliar Autônomo - A dificuldade de pronto entendimento dessa duplafunção dos tribunais de contas deriva da interpretação equívoca a que sepresta a locução "com auxílio de", empregada pelo legislador constituinte aoatribuir ao Congresso competência para exercer o controle externo dasfinanças públicas. Dela alguns comentaristas de nossas constituiçõesdeduzem, desatentamente, serem as cortes de contas órgãos auxiliares dascâmaras legislativas, não desvendando na expressão a verdadeira naturezadas funções que lhes são cometidas.

Que são órgãos auxiliares, não há dúvida; mas igualmente induvidoso éque são auxiliares autônomos, quer quando se limitam a lastrear tecnicamenteo pronunciamento político do Legislativo acerca das contas do Governo(Relatório e Parecer Prévio), quer quando exercem livremente a atividadejurisdicional (e não judicial, para estarmos atentos à distinção terminológicarecomendada pelo velho Hauriou). Nem todas as legislações, aliás, consagramo verbo "auxiliar" para definir a posição exata das cortes de contas em face doPoder Legislativo. A Lei n.º 67.483, que dispôs extensa e minudentementesobre as atribuições da Corte francesa, não diz que ela auxilia mas que assisteo Parlamento e o Governo: e ao mesmo tempo lhe caracteriza a autonomia deação no julgamento dos responsáveis por bens e valores públicos (que naFrança não são os ordenadores de despesa e sim os contadores), relegando asegundo plano o que entre nós parece constituir o fundamental: o relatórioanual da gestão financeira. No primeiro artigo dessa lei, sancionada peloPresidente De Gaulle em 1967, por coincidência no mesmo ano em que sereformulava no Brasil o sistema de controle externo, lê-se:

"Art. 1.er - La Cour des Comptes juge les comptes des comptablespublics. Elle assiste le Parlement et le Governement dans le controle del'exécution des lois de finances. Elle vérifie Ia regularité des recettes etdes déspenses décrites dans les comptabilités publiques et assure, àpartir de l'examen de ces dérniers, du bon emplois des crédits, fonds etvaleurs, gérés par les services de l'Etat et (...) par les autres personesmorales de droit public."

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O art. 69 da mesma lei põe em evidência. a autonomia jurisdicional daCorte, que pode, tal qual ocorre entre nós, condenar os responsáveis a multapor atraso na prestação de contas, como no cumprimento de determinaçõessuas:

"Art. 6 - Lã Cour des Comptes peut condamner les comptables àl'amende pour retard dans Ia production de leurs comptes et dans lesréponses aux injonctions furmulées lors du jugement ou de l'apuramentadministratif des comptes ainsi que dans Ia transmission desdélibérations relatives aux taxes municipales."

Como também se verifica no Brasil, as decisões da Corte francesa sãorevestidas de caráter executório, sem as formalidades das sentenças eacórdãos proferidos pelos órgãos do Poder judiciário, peculiaridade que oDecreto n.º 68.827, de 20 de setembro de 1968, tornou expressa no art. 20,verbis:

"Art. 20 - Les arrêts de Ia Cour des Comptes sont revêtus, s'il y alieu, de Ia formule exécutoire. Ils sont, ainsi que leurs expeditions,exempts, en vertu de loi, de Ia formalité du timbre et de l'enregistrement.Ils sont notifiés aux comptables par le soin de Secrétaire Général. LeProcureur Général procède à leurs notifications aux administrations."

Desnecessário, aliás, seria recorrer à legislação de outros países parademonstrar que o Tribunal de Contas, no Brasil, é órgão autônomo, mesmoquando, uma vez por ano atua como auxiliar do Legislativo. Ainda que se nãoinvocasse a modelar fundamentação de Rui, na famosa e clássica exposiçãode motivos a Deodoro, demonstrá-lo-ia um confronto dos diferentes textosconstitucionais, a partir do art. 89 da Constituição de 1891, em que o Tribunaljá se institui, claramente, com sua duplicidade de funções e suaindependência: cabia-lhe "liquidar as contas da receita e despesa e verificarsua legalidade, antes de serem prestadas ao Congresso", o que pressupunha,a toda evidência, uma atividade jurisdicional autônoma e contínua, capaz dedeixar o Legislativo seguro de que, ao se pronunciar politicamente sobre ascontas gerais, já se haviam julgado os manipuladores das verbasorçamentárias nos diferentes níveis da administração; que já alguém haviaposto mão nas transgressões menores mas nem por isso menos graves, paraalcançar o objetivo do legislador, assim exposto pelo mesmo Rui, nodocumento citado:

"Cumpre acautelar e vencer esses excessos, quer se traduzam ematentados contra a lei, inspirados em aspirações opostas ao interessegeral, quer se originem (e são estes porventura os mais perigosos) emaspirações de utilidade pública, não contidas nas raias fixadas àdespesa pela sua delimitação parlamentar."

A Constituição de 1934 incluiu o Tribunal de Contas, significativamente,no Capítulo VI, onde se agrupavam os "órgãos de cooperação nas atividadesgovernamentais", a saber: O Ministério Público, a Corte de Contas (Seção II) eo Conselho Técnico. No art. 39, letra c, atribuía-se ao Congresso competênciaexclusiva para julgar as contas do Presidente da República, emitindo oTribunal sobre estas parecer prévio, ex vi do art. 102. Mas no art. 99, dava-seà Corte competência própria, para acompanhar a execução orçamentária e

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julgar, independentemente do Congresso, "as contas dos responsáveis pordinheiros ou bens públicos".

Com o golpe de Estado de 1937, a Carta outorgada por Getúlio Vargasomitiu formalmente o Tribunal de Contas, que reaparecia, entretanto, por viada Lei Constitucional n.º 9, incluído curiosamente no Capítulo "Do PoderJudiciário", logo após a justiça Militar, com as mesmas atribuições que lheeram conferidas na Constituição anterior.

Na Constituição de 1946, tal qual se verificou na legislação gaullista emrelação à Corte francesa, a missão de auxiliar o Congresso com ooferecimento de um relatório anual e parecer prévio sobre as contas gerais foitextualmente deslocado para lugar secundário (§ 4° do art. 77), dando-seênfase à função autônoma do Tribunal. O art. 66 ressalvava a exclusividade dacompetência do Congresso para "julgar as contas do Presidente da República"e o art. 77 definia a competência da Corte em três itens:

"I - acompanhar e fiscalizar a execução do orçamento;II - julgar as contas dos responsáveis por dinheiros c outros bens

públicos, e as dos administradores das entidades autárquicas;III - julgar da legalidade dos contratos e das aposentadorias,

reformas e pensões."Com a profunda reforma de 1967, tanto a Constituição promulgada neste

ano como a Emenda Constitucional n.º 1, de 1969, tornaram de. tal modo maisexpressiva a colocação do Tribunal no sistema de controle externo dasfinanças públicas, que me reservo para dela falar adiante, quando me referirmais detidamente à natureza jurídica das funções deferidas a esse enigmático"órgão auxiliar" do Poder Legislativo.

Tornando ao ponto fulcral deste voto e do Processo de que cuidamoscom ele, desejo iluminar as normas de direito positivo a que recorri com avaliosa contribuição doutrinária de, pelo menos, dois mestres do DireitoPúblico, especializados ambos no campo de nossas atividades e amboscoincidindo na afirmação da autonomia dos tribunais de contas para realizar,de cotio e por dever permanente, a tarefa que alguns dos eminentes membrosda Comissão do Distrito Federal temeram não ter sido ou não estar sendolevada a cabo por esta Corte, ou julgaram ficar na dependência de diligênciaseventuais do Colendo Senado Federal. Transcrevo primeiro palavras de LuigiPicozzi, por apresentarem a vantagem de uma referência expressa ao sistemabrasileiro, afastando-se, assim, a suspeita de que valeriam apenas para osistema italiano:

"Gli organi preeonstituiti, investiti delle atribuzioni di aplicari le sanzioni (ogrifo não é do original) possovo essere diversi, ma Ia tendenza è quella diaffidare tale delicatissimo compito ad organi di carattere giurisdizionale per Iasolenità e certeza delle relatíve pronuncie e per Ia garanzia del procedimento,comme ad esempio, avviene in Argentina, nel Belgio, nel Brasile, nell'Egitto, inFrancia, nel Giappone, in Grecia, in Holanda." (Picozzi, "La Corte dei Conti inItália", Utet, 1963. )

"Piú esatamente Ia Corte dei Conti, nell'esercizio delle sue funzionigiurisdizionali, è da considerarsi una giurisdizioni speciale, instituita a

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latere dell'Autorità giudiziaria ordenaria, per investire i giudizi ad essasottoposti caratteristiche particolari, che richiedono una specificaconoscenza degli ordinamenti delle singoli Amministrazioni, e cognizionied appressamenti tecnici del tutto speciale, che diff:cilmente é giudicidell'ordine giudiziario per Ia complessa materia di propria competenza,potrebbero acquisive, onde Ia necessità di tm Collegio di magistrati cheper Ia continua specializzazioni di lavoro meglio garantisconol'amministrazione della giustizia." (Idem, ibidem. )

Do notável argentino Granoni:"Por su naturaleza judicial - o más propriamente jurisdicional -tiene

(o tribunal de contas) atribuciones de juzgar de Ias infracciones a Ia ley,con fuerza de ejecución sobre Ias personas y los bienes de losadministradores de dineros publicos, disponiendo además de los médiosde apremio necessarios para Ia ejecución de sus resoluciones; y para Iamayor eficacia de su alta función de contralor, le corresponde asimismoIa aprobacíón o rechazo de Ias cuentas de todos los ramos de Iahacienda publica y de Ia administración del Estado, qualquiera sea elfuero de Ias personas o entidades." (Raul A. Granoni, "El Control de losGastos Publicos por los Tribunales de Cuentas", Buenos Aires, 1946. )

Do mesmo autor, e na mesma obra, é a afirmação de que o Tribunal deContas "es Ia unica autoridad que puede ap.robar o desaprobar de mododefinitivo Ia gestión de los administradores de Ia hacienda publica, senalandolas responsabilidades en que los misnios hubieran incorrido". É claro que odefinitivo tem aí sentido próprio, no âmbito da jurisdição peculiar exercida pelascortes de contas, cujas decisões não têm a força nem produz asconseqüências da res judicata na esfera da jurisdição comum, entendida emseu significado estrito. As deliberações dessas cortes não excluem, emnenhum caso - salvo o caso das contas sobre as quais se pronunciam - ocontrole judicial, isto é, não retiram aos agentes administrativos e aos terceirosinteressados a garantia constitucional oferecida pelo aparelho do Poderjudiciário. Mesmo no caso das contas, abre-se ao possível prejudicado o largolapso de um qüinqüênio, dentro do qual será possível revê-Ias.

Além disso, é verdadeira a parêmia francesa, segundo a qual la Cour jugeles comptes et non les comptables, vale dizer: os tribunais de contas julgamfatos e não pessoas. Se se trata de julgar a estas, apurando responsabilidadescivis ou criminais, o que fazem eles é o que podem e devem fazer asautoridades administrativas e o próprio Legislativo (provocar por meiosprocessuais adequados o pronunciamento do judiciário), impondo-se este enão outro entendimento ao § 4º do art. 393 do Regimento do Senado, onde selê que "a Comissão do Distrito Federal terá o prazo de 60 dias, prorrogável pormais 30, para emitir parecer que concluirá por projeto de resolução aprovandoou rejeitando as contas, ou propondo as providências cabíveis à apuração deresponsabilidades, ou punições por motivo de irregularidades verificadas".

A apuração de responsabilidades sugere, assim, dois instrumentosdiversos e, pois, duas conseqüências distintas:

a) são apuradas pelo Tribunal de Contas, no exercício cotidiano eininterrupto de sua competência, esgotando-se na esfera administrativa com oressarcimento compulsório de prejuízos causados á fazenda ou com sanções

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a transgressões formais das leis ou normas expedidas, ou recomendaçõesfeitas, pela Corte;

b) ou, se há dolo ou indícios de ilícito penal ou civil, a própria Corte, aAdministração por ela orientada ou o Legislativo procura mover o aparelhojudicial, hipótese em que estarão sendo julgadas, com os fatos, as pessoasque lhes deram causa.

Em qualquer das duas hipótese, tanto a autonomia de ação desteTribunal como a soberania do alto órgão legislativo, a cuja assistência honrosase dedica, estarão evidenciando o descabimento da diligência de que trata opresente Processo.

Jurisdição Especial - Sem embargo da distinção, a que devemos estarsempre atentos, entre a natureza das atividades dos tribunais de contas e ados órgãos .do Poder judiciário, é inegável que aqueles exercem jurisdição (nosentido lato do termo) e que esta por vezes se avizinha até da jurisdiçãocontenciosa - administrativa ou comum. Nota o já citado Raul Granoni aexistência de analogia inocultável entre o procedimento de execução fiscal e oprocedimento observado pelo tribunal de contas, no julgamento destas. Nestecaso, para o publicista argentino, encontramo-nos em face de "juicios de plenajurisdición", nos quais se identifica a estrutura de verdadeiro processocontencioso, pela ordem e natureza dos atos praticados:

a) a demanda, representada pelas contas ou pelo sumário dos reparos airregularidades graves nelas apontadas;

b) a intimação do responsável, com fixação de prazo para a respectivadefesa;

c) a admissão livre de provas;d) a defesa, a cargo do interessado ou por parte do Estado, atuando

como representantes deste os assessores legais qualificados, cuja intervençãoé contingente, não necessária;

e) a decisão do Tribunal, que declara ou determina a obrigação; ef) o recurso contra essa decisão, admitindo-se a argüição de fatos novos,

com novas provas."Las resoluciones definitivas del tribunal de cuentas" adverte

Granoni, "son de caracter administrativo, aunque de índole jurisdicional(no judicial), dictadas en juicio de ordem administrativo. El caracterjurisdicional de estas resoluciones no desaparece por Ia circunstancia deque no comparesca o no conteste el emplazado ou demandada" (obracitada).

Para tentar resolver ou, pelo menos, mitigar as dificuldades deparadas noestudo da natureza complexa e obscura das atividades dos tribunais decontas, quase todos os autores de peso, principalmente na Itália, sustentamcom bons argumentos doutrinários constituírem essas atividades umajurisdição especial. Baseiam-se em conceitos da moderna teoria do Processo,dentre os quais dois se destacam, o segundo pela autoridade de Carnelluti: á 1a cada ramo especial do direito substantivo deve corresponder um direitojudiciário também especial; e b) por jurisdição especial, deve entender-se todaparcela subtraída à jurisdição comum.

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Lembra a propósito Giuseppe Moffa ("La Corte dei Conti del Regnod'Italia", Giuffré, Milano, 1939), professor da Universidade de Roma, que o art.12 da lei que aboliu em 1865 o contencioso administrativo ressalvou, expressae expressivamente:

". . . con la presente legge non viene fatta inovazione, nè allagiurisdizione della Corte deí Contí e del Consígho di Stato ín matería dieontabilità e di pensioni, ne alle atribuzione contenziose di altri corpi ecollegi, derivanti da leggi speciale e diverse da quelle fin qui esercitatedai giudici ordinari del contenzioso amministrativo."

A razão de tal ressalva, como observa o mesmo Moffa, é que a Corte deContas, independentemente do contencioso administrativo, tinha jurisdiçãoprópria, definida como especial e administrativa, conforme fosse consideradaem relação à natureza das controvérsias acerca das quais se pronunciava(competência em razão da matéria) ou em relação ao interesse daadministração:

"La giurisdizione della Corte è definita speciale ed amministrativa:speciale in raporto alle. controversie, su cui pronuncia, le qualideterminano uma competenza ratione materiae; amministrativa inraporto al particolari interesse che la publica amministrazioneprevalentemente assume in esse."

Edoardo Vicario, no clássico "La Corte dei Conti in Italia" (Milano, 1925),defende com argumentos semelhantes a tese da jurisdição especial, dando-a,aliás, como pacífica, tal qual se. colhe do fragmento seguinte:

"Le giurisdizione speciali, di cui fa parte la Corte dei Conti, sonodunque caratterizzate dalla natura dell'organo, che è diversa da quelladei magistrati ordinari, e dalla materia che ne constituisce lacompetenza; le altre differenze che si possono rilevare fra esse e lagiurisdizione comune od ordinaria, a proposito dell'instituzione e dellosvolgimento dei giudizi, della forma delle sentenze e simili, sonopuramente acessorie e dirivanti due principali elementi di dïfferenzazioneora accennati" (pág. 291).

A despeito da alta autoridade dos autores citados, não se pode incluir oTribunal de Contas entre os órgãos da jurisdição, que a tanto levariaatribuir-lhe uma função jurisdicional, tomadas as duas expressões em sentidotécnico, na acepção estrita da Ciência do Processo. A própria jurisdiçãochamada convencional e exercida pelos árbitros, nos termos do Código Civil(arts. 1.043 e 1.044) não é aceita pelos modernos processualistas comojurisdição propriamente dita, pela razão de estarem sujeitas as sentençasproferidas no juízo arbitral (art. 1.045 ), a homologação pelo juiz, sem a qualnão produz qualquer efeito, muito menos adquire a força de res judicata. Éverdade que as decisões das cortes de contas produzem efeitos e sãorevestidas de executoriedade, mas no âmbito da administração, não elidindona maioria dos casos a possibilidade e por vezes a necessidade dopronunciamento do único poder competente para exercer a função estatal defazer atuar o direito objetivo às hipóteses emergentes das relações entrepessoas.

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Além disso, ainda que as cortes de contas viessem a integrar o Poderjudiciário, como jurisdição especial (no sentido em que o são os tribunaismilitares, trabalhistas e eleitorais) faltar-lhes-ia a possibilidade deconstituírem-se em um sistema com as garantias da instância recursal, umavez que cada uma delas desempenha sua função jurisdicional (em acepçãoextensa) nos limites estanques e intransponíveis de um só campo de atuação,em face da respectiva assembléia parlamentar.

Funções Delegadas - Tais esforços para definir a índole da jurisdiçãoexercida pelos tribunais de contas não pacificam, portanto, de todo, acuriosidade científica despertada pela atividade desses órgãos, no sentido delhes desvendar a natureza íntima das funções. No interesse de esclarecê-lasou, pelo menos, de lhes reduzir o índice de ambigüidade, desenvolve-se entreos publicistas outro tipo de especulação, tendente a apresentá-las como umadelegação.

Se "la loi c'est l'expression de la volonté générale", como queria Rosseau,todas as especializações da lei maior, enquanto atribuições de poderesespecíficos a determinados órgãos do Estado, são delegações da soberaniapopular. Nossa primeira Constituição, depois de enumerar, no art. 10, ospoderes políticos do Império (o legislativo, o moderador, o executivo e ojudicia), tornava expresso, no art. 12, que todos eles eram "delegações daNação". Embora desnecessária, a explicitação dessa verdade vinha repetidaem capítulos respectivos, lendo-se por exemplo no art. 13, Capítulo I, DoPoder Legislativo, que era este "delegado à Assembléia-Geral com a sançãodo Imperador"; e, no art. 98, que o poder moderador, chave de toda aorganização política, era "delegado privativamente ao Imperador".

As constituições modernas deixam implícita esta noção fundamental, semque se possa, por isso, contestar, qualquer que seja o regime, que oCongresso legisla por delegação da soberania popular, não necessitando, porsua vez, de nenhuma ressalva - além dos limites traçados à sua competência -para levar tal delegação a todas as conseqüências práticas. Cabendo-lhe votara lei orçamentária, cabe-lhe naturalmente o controle político de sua execução.Faltando-lhes, porém, aqui como em toda parte, o aparelhamento técnico paratorná-la efetiva e segura, em todos os países organizados algum sistema lhe éoferecido como garantia à eficácia operacional de seu pronunciamento, seja osistema anglo-saxão chefiado por um controlador-geral, seja o vigorante namaioria das nações, que é o nosso, constituído por órgãos colegiadosautônomos e revestidos da dignidade de verdadeira magistratura: oschamados tribunais de contas, dos quais disse Eça de Queiroz, pela boca deum dos personagens, se não me engano, de "Os Maias", com ironia mas comintuição de sua complexidade, que faziam de tudo, "até contas".

Neles, com efeito, exercem os magistrados funções que não se limitam,senão em certo número de processos, ao confronto de algarismos, masalcançam principalmente o nível da atividade jurídica mais ampla, narealização necessária e contínua - não eventual - de uma das espécies docontrole do ato administrativo, deferida embora, constitucionalmente, ao PoderLegislativo. Não fosse a inconveniência de alongar demasiadamente estetrabalho despretensioso, não fugiria ele à tentação de incorporar longostrechos da tese verdadeiramente magistral de Luiz Zaidman, apresentada ao

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VII Congresso dos Tribunais de Contas do Brasil, da qual, entretanto, julgoindispensável transpor no mínimo o seguinte item das conclusões:

"Uma vez que nada se gasta na Administração, nada aí se recebe, nadase altera no, patrimônio público, a não ser em virtude de leis e regulamentos, aparticipação dos tribunais de contas no controle externo de finanças éessencialmente jurídica, por visar à proteção de valores do mundo do direito. OPoder Legislativo exerce controle político, que abrange esse campo deatuação, mas colima a salvaguarda não só dos valores jurídicos, como dosobjetivos máximos da própria existência da lei: a segurança individual ecoletiva, a união entre membros da comunidade, a prosperidade e o bem-estargeral" ("As Funções das Cortes de Contas Brasileiras à Luz da Teoria doControle jurídico", Anais do VII Congresso dos Tribunais de Contas do Brasil).

Os objetivos do controle externo das finanças, assim indicados com tantaprecisão e. largueza, não poderiam ser alcançados pelo Congresso Nacional,se o Poder Legislativo agisse com mão própria ou os confiasse ao Poderjudiciário que, além da carência de conhecimento especializado da matéria, sóse move por iniciativa de parte. Sua atribuição constitucional, neste particular,necessita de uma extensão adequada, que leve sua mão - aparelhada e ágil -à fonte de cada ato da Administração, de modo contínuo e não intermitente,com liberdade para atuar por vontade e iniciativa própria, no mesmo ritmo emque se exerce a ação governamental, necessariamente pronta, fluente eininterrupta. Precisa de uma espécie de jurisdição, não inerte e de olhosvendados, mas atuante e lúcida na missão de dizer incessantemente o direito,para confrontá-lo com os fatos que acaso o hajam ferido, assim como paraverificar e atestar a sua observância nos diferentes níveis do aparelhoadministrativo: tal é a tarefa de fiscalizar, em princípio a ele confiada pelaConstituição.

Confiada como é ao Legislativo, qual seria a natureza dessa função,exercida, como também é, não diretamente pelas assembléias parlamentares,mas pelos respectivos tribunais, denominados de contas?

Foi certamente meditando numa solução para esse problema queGolbery do Couto e Silva, em excelente palestra proferida na sessão deencerramento do I Encontro de Diretores e Delegados do TCU, afirmou seremconcorrentes as atividades do Congresso e da Corte de Contas: "Nodesempenho do controle externo, concorrem o Tribunal de Contas da União eo Congresso Nacional" (Revista do TGU n.º 10, pág. 15), fórmula que nosaproxima inteligentemente do núcleo da questão, sugerindo, no entanto, umparalelismo de atividades que não chega a explicar a natureza destas nem, narealidade, existe, como não se encontra sequer insinuado no contexto dotrabalho.

Alguns publicistas intuíram tratar-se de verdadeira delegação decompetência mas nem todos foram precisos na indicação de sua índole. e desua fonte. Castro Nunes, citado por Vector Nunes Leal ("Problemas de DireitoPúblico") negou que as cortes de contas fossem "delegações do parlamento",apenas para afirmar que são "órgãos autônomos e independentes", admitindoclaramente a delegação quando aduziu, esclarecedoramente, existirem elas"em função da atribuição política dos parlamentos no exame das contas decada exercício". Está visto, no entanto, que a lição do mestre não satisfaz, se

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tivermos presente que a atuação dessas cortes não se limita a tal missão, emcujo cumprimento, de resto, não lhes cabe, mas ao legislativo, a última palavra.Também não satisfaz plenamente a fórmula do Professor Caio Tácito ("OControle da Administração e a Nova Constituição do Brasil", Revista de DireitoAdministrativo", vol. 90), segundo a qual "o controle parlamentar externo épraticado por intermédio do Tribunal de Contas". Igualmente insatisfeito ficaráo estudioso da matéria ante a solução encontrada por Temístocles Cavalcanti(RDA, vol. 109), quando o renomado administrativista escreve que o TCUexerce uma atividade auxiliar "como delegação do Congresso", acrescentando:"Essa condição somente enobrece o exercício desse controle por delegaçãode um dos Poderes, por que quem auxilia também participa da ação principal."Entendimento semelhante é encontrado no argentino Raul Granoni (obracitada):

"Como el parlamento, cuerpo politico por definición, carece decapacidad técnica necesaria, y de tiempo suficiente para efectuar esafiscalisación preventiva, aparte de otros inconvenientes, ha delegadoesa función a sus auxiliares, los órganos de contralor externo."

A insuficiência de fórmulas como esta, com a devida permissão dosmestres que a subscrevem, está em que a delegação de. que se investem ostribunais de contas não é do tipo das que se fazem de órgão para órgão e que,a despeito de estarem constitucionalmente autorizadas, não se efetivam senãona medida em que delegante e delegado, eventualmente, delas necessitem,podendo, inclusive, cessar nas mesmas condições e circunstâncias em que seoperam. Não se inscreve, para exemplificar, no rol das que eramexpressamente vedadas pela Constituição de 1946 (§ 2° do art. 36) e foramadmitidas a partir de 1967 (item IV do art. 46 e art. 52 da EmendaConstitucional n.º 1, de 1969), sem que o Chefe do Poder Executivo jamaistenha pleiteado legislar por delegação do Congresso.

Bem sei que esta colocação do problema está sujeita a controvérsia, nãoquanto à substância da solução que dela decorre e que é irrefutável, masrelativamente à questão terminológica. O terreno, deste ponto de vista, se nãoé virgem, foi trabalhado onde não poderia responder à vontade de torná-lo fértilpara dar os frutos desejados. Não se trata, evidentemente, das delegações decompetência de que cuida com toda nitidez o Direito Administrativo e que nãodispensam a existência de norma específica nem a iniciativa de um órgão, ouagente, que assim autorizado transfira a outro, para certos efeitos e em certascondições, o que lhe competiria fazer. A norma fundente, no caso, que é aConstituição, não opera por si mesma, apenas autoriza e legitima a que delaporventura derive e que assim, mas eventual e não necessariamente, venha aser editada com a devida validez e eficácia.

Na hipótese, é irrecusável que a fiscalização financeira e orçamentária,atribuída em princípio pelo constituinte ao Poder Legislativo em todos osníveis, é ao mesmo tempo deferida diretamente ao Tribunal de Contas pelopróprio constituinte, no nível do acompanhamento sistemático da execução doOrçamento, do exame contínuo dos atos da Administração e do seujulgamento. Dir-se-á que o constituinte não estaria, então, delegando, senãoatribuindo à Corte de Contas essa função. Ora, é da tradição do DireitoConstitucional atribuí-Ia ao Poder Legislativo. Em nenhuma hipótese, esomente nesta, o constituinte. deixa de outorgar atribuições por inteiro, quando

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procede à repartição das funções do Estado. Aqui deixa claramente de fazê-lo,dividindo-as em faixas de competência, uma das quais confia, ele mesmo, aum órgão que. não integra qualquer dos poderes, mas entre eles situa-se, coma missão única de recebê-la. Que será isto, senão uma delegação? O estatutopolítico, em suas grandes linhas, nada mais é que um conjunto de delegaçõesda soberania popular, que se desmembra em funções diferentes para ganharoperacionalidade sem prejuízo de sua inteireza. O constituinte, que é seudelegado para proceder a esse desmembramento, por sua vez delegou aoPoder Legislativo no caso, entre cetras, a tarefa de exercer vigilância sobre aexecução do Orçamento e conferiu à delegação - unicamente aí - uma feiçãopúplice, mantendo-a, enquanto atividade política, nas raias de competênciaexclusiva do órgão parlamentar; e outorgando-a, enquanto atividade técnica, aoutro órgão para isto especialmente criado: o Tribunal de Contas.

Diferentemente das delegações do Direito Administrativo, esingularmente, trata-se de uma delegação - não "do Congresso por viaconstitucional”, como queria o eminente Alfredo Valadão, poisa Constituiçãopreexiste ao Congresso - mas da própria Constituição; de uma delegação degrau primário, automática e indeclinável, que não pode cessar por vontade dolegislador ordinário, retirando-a o suposto delegante ou a ela renunciando odelegado. Mais certeiramente que o mestre Valadão, escreveu FranciscoCampos, ainda na vigência da Constituição de 1891 ("Registro sob Protesto",in "Pareceres", vol. 1, 1934) as palavras que transcrevo, simples referência depassagem ao problema aqui suscitado:

"Se as funções exercidas pelo Tribunal de Contas não são de ordemadministrativa, como evidentemente resulta de sua natureza, nem de ordemjudicial, como é palpável; e como tais funções são da mesma natureza que asfunções de controle que competem ao Legislativo, segue-se que o Tribunal deContas é um órgão de natureza parlamentar, órgão auxiliar do parlamento eexercendo, por delegação de extensão constitucional de suas funções, clara,evidentemente e manifestamente congressuais."

"Quando, porém, tais fatos não importassem em conferir ao Tribunal deContas o caráter de uma delegação parlamentar (delegação constitucional defunções) o nosso Direito Positivo dissiparia, a todas as luzes, qualquer dúvidanesse sentido. Assim pelos termos expressos do art. 89 da Constituição oTribunal de Contas se acha instituído como órgão congressional, exercendofunções de controle parlamentar, para uso e ad instar do parlamento."

Se ainda à luz hesitante da primeira Constituição republicana, pelaintuição genial do jurisconsulto mineiro, nosso Direito Positivo já indicava seresta a natureza das funções do Tribunal de Contas da União, nenhumareserva caberia hoje à idéia de que essa corte - paradigma necessário dasdemais da mesma espécie - é órgão que recebeu do próprio constituintepoderes para desempenhar a missão de fiscalização e julgamento reconhecidae imposta ao Legislativo. Bastaria ler, sem maior esforço de interpretação, asdisposições integrantes da Seção VII, Capítulo VI, da Emenda Constitucionaln.º 1, para se ter a noção instantânea e insofismável de que o legisladortrabalhou a mãos ambas, cometendo com uma ao Congresso a tarefa dafiscalização financeira e orçamentária e atribuindo com outra,simultaneamente, ao Tribunal, a responsabilidade direta, permanente eautônoma de realizá-la na prática, isto é, descendo verticalmente pelos

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diversos escalões da Administração até alcançar as últimas camadas, nasquais são gerados os vícios, a denunciar e corrigir, e perpetradas astransgressões, a sanar e punir. Somente as contas gerais do Governo,prestadas uma vez ao ano pelo Presidente da República, são reservadas aojulgamento exclusivo do Congresso (item VII do art. 44 ), cabendo à Cortecobrir a fase por assim dizer instrutória com o oferecimento de um relatório eparecer prévio. Antes dessa fase, durante o seu curso e depois dela(conjuguem-se os §§ 1°, 3° e 4° do art. 70, com a referência às unidadesadministrativas dos três Poderes, inclusive, evidentemente, o próprioCongresso), quem fiscaliza, orienta e julga é o Tribunal. Além de razõespragmáticas de conveniência, para dar efetividade e universalidade aocontrole, o que se percebe é que o constituinte - assim delegando à Corte oque é atribuição do parlamento - se preocupou também em resguardar amajestade do Poder Legislativo, subtraindo-o à tarefa menos nobre de julgaros atos de figuras secundárias da Administração e de se ocupar compequenas transgressões das leis, sobre as quais, entretanto, é ainda suavontade que incide pelo braço autorizado e devidamente armado do Tribunal.Quando ao Congresso interessa eventualmente descer da altitude de suaposição de poder político, para conhecer de casos menores, pode requisitar àCorte - nas condições da Lei n.º 6.223, de 14 de julho de 1975 (deconstitucionalidade duvidosa neste particular) - informações e cópias dedocumentos e decisões, assim como a realização de inspeções especiais emórgãos e entidades.

A contraprova da delegação pode ser feita pelo confronto sumário entre onosso sistema de controle e o sistema anglo-saxão. Na Inglaterra, oControlador-Geral (Comptroller and Auditor General) não tem competênciapara desautorizar qualquer tipo de despesa, competindo-lhe tão-somentecomunicar suas objeções à repartição interessada, que não se obriga aacolhê-las. Se não atendido, comunica o fato ao Tesouro, que por sua vezpode não tomar a providência sugerida. Seu último recurso é incluir aocorrência no relatório anual ao Parlamento. Na prática esse desatendimentoraramente acontece, pela razão de serem os ingleses tradicionalmente atentosao bom emprego que deve ser dado aos dinheiros públicos. Osadministradores em regra, até em face do Ombudsman, ao qual só confere alei o poder da persuasão, têm grande interesse no acolhimento dascomunicações pertinentes à regularidade e lisura com que operam asrepartições a seu cargo, entre outros motivos, porque desejam evitar que sedivulgue algum aspecto desfavorável de sua gestão, com repercussãonegativa na posição parlamentar do Governo.

Poderes para julgar e punir, no estágio atual do sistema inglês, tem umacomissão parlamentar - The Public Accounts Commitee - que se incumbe, naCâmara dos Comuns, liderada sempre pela Oposição, de estudar o relatórioanual do Comptroller, para verificar se todas as dotações orçamentárias seaplicaram aos fins prescritos. Essa comissão é investida de amplas faculdadespara investigar causas e conseqüências, censurar despesas e contabilizaçãoirregular, denunciar desperdícios, examinar contas e impor penalidades(Newton Corrêa Ramalho, "Controle Externo da Execução Orçamentária", in"Orçamento e Administração Financeira", F.C.V., 1963).

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Entre nós, com o golpe de Estado de 1937, o Congresso foi fechado roaso Tribunal de Contas da União continuou a desempenhar sua missãojurisdicional, assim como as cortes estaduais, apesar de. eliminadas tambémas assembléias.

Em contrapartida, o Presidente Roosevelt, como refere o Professor CaioTácito (RDA, vol. 90, 1967) deixou de preencher nos Estados Unidos por trêsanos consecutivos o cargo de Controlador-Geral, para evitar dificuldades quelhe estavam sendo criadas na execução da política orçamentária excepcionalditada pelo New-Deal.

CONCLUSÃOAnte todo o exposto, proponho que esta Corte, cumprindo o dever de

auxiliar o Senado Federal na fiscalização financeira e orçamentária destaunidade federada (item V do art. 42 da Constituição) e no exercício dajurisdição e competência próprias que lhe confere a Lei n.º 5.538, de 22 denovembro de 1968, proceda ao reencaminhamento àquela alta e venerandaCasa do Congresso Nacional do Relatório e Parecer Prévio relativos às contasdo Governo no exercício de 1973, com os seguintes esclarecimentos:

1 - As ressalvas que se incluem no Parecer Prévio sobre as contasanuais do Governo do Distrito Federal não dizem respeito a irregularidadescomprometedoras do acerto geral dessas contas, no que interessa ao SenadoFederal conhecer para o seu julgamento político.

2 - Os fatos inspiradores de tais ressalvas decorrem de atos praticadosem diferentes órgãos e entidades, os quais são julgados pelo Tribunal em suaatividade cotidiana, independentemente do pronunciamento do alto órgãolegislativo em cujo nome tem esta Corte a honra de exercer essa mesmaatividade.

3 - Como se encontra expresso no Parecer Prévio, esses fatos já foram,em sua maioria, objeto de providências deste Tribunal, e outros menorescontinuam a sê-lo, com a mesma finalidade da diligência a que se refere opresente Processo.

4 - A eventual apuração de responsabilidade civil ou penal não cabe aesta Corte, que a promove por via própria, quando é o caso, tal qual severificou em referência à operação imobiliária SHIS-ENCOL, hoje pendente dedecisão do Supremo Tribunal Federal.

5 - A aprovação, pelo Legislativo, das contas gerais de determinadoexercício não tem efeito liberatório em relação a seu responsável maior, assimcomo não abrange as contas parciais nem os atos praticados pelos demaisagentes administrativos, de hierarquia menor, sujeitos ao julgamento autônomodo Tribunal.

6 - Sendo una a administração, e não dividida em compartimentosestanques pela separação cronológica dos períodos governamentais, oTribunal, ao emitir parecer sobre as contas de um Governador, já procedeu aojulgamento dos atos que lhe antecederam a gestão e continua a julgar os quelhe ultrapassaram a extensão do mandato, embora no curso deste praticados.

7 - Conseqüentemente, reitera esta Corte os termos e a conclusão doParecer Prévio relativo às contas gerais do exercício de 1973, sobre o qual

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pode o Egrégio Senado Federal pronunciar-se decisivamente, adotando-o seassim o entender em sua missão alta e soberana de julgar politicamente aAdministração desta unidade federada.

________________________(*) Voto em 19-2-76.

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PROCESSO N.° 1.040 /75

Conselheiro Substituto JESUS DA PAIXÃO REISEMENTA Licitação - Dispensa - Casos de emergência.

Versam os presentes autos sobre Consulta feita pelo Diretor-Presidente da FHDF a respeitode dispensa de. licitação, com fundamento no art. 3°, item II, alínea b, do Decreto n.º 1.703, de 31de maio de 1971, in verbis:

"Art. 3° A licitação somente será dispensada:I - .......................................................II - a juízo do titular da Secretaria, ou órgão equivalente, onde deverá ser empenhada

a despesa:a) ........................................................b) nos casos de emergência, caracterizada a urgência de atendimento de situação

que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, bens eequipamentos."

Instrui o processo relatório geral do Sr. Diretor do 1° HDB, que se baseia em outrosapresentados por órgãos daquele nosocômio e por empresas especializadas.

Referem-se os elementos remetidos a este Tribunal, não a um caso concreto, mas anumerosos problemas, que vão desde. política de pessoal até questões altamenteespecializadas, cada qual com suas peculiaridades, mas alguns entre si interligados, e todosconduzindo à precariedade de funcionamento daquela unidade hospitalar. Versando a indagação,não sobre um problema específico, mas sobre uma variada gama deles, seria o caso de se nãotomar conhecimento da Consulta.

Todavia, tendo em vista a importância da questão para a população local, sou por que, emcaráter excepcional, se tome conhecimento da Consulta e se dê a resposta, que o seu carátergenérico está a sugerir.

Elucida o ilustre Consulente que se objetiva, agora, atender prontamente ás necessidadesreais imediatas, evitando um agravamento das atividades do hospital. Dessa forma - continua - osprocedimentos de licitação seriam normalmente empregados nos casos em que a situação deemergência não se caracterizasse.

Assevera mais que, como autoridade responsável pelas pretendidas dispensas de licitação,tem pleno conhecimento da obrigação de justificá-las perante o Conselho Deliberativo da FHDF,que julgará do acerto das medidas e, se for o caso, promoverá a apuração da responsabilidadedaquele dirigente.

II - Na Administração Pública, a regra é a licitação. Tem ela por escopo não apenas garantira melhor vantagem econômica, mas também assegurar a igualdade entre as pessoas quedesejam contratar com a Administração e expungir liminarmente a suspeita de corrupção,clandestinidade ou favoritismo, resguardando a honorabilidade do Administrador, o que. é valorde excepcional importância em qualquer sociedade organizada.

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Nessas condições, a dispensa de licitação constitui exceção, só admissível nos casostaxativamente indicados em lei. São de direito estrito. Não comportam interpretação extensiva.Decorrem sempre. do interesse público: Salus populi suprema lex esto.

III - Não me parece que se possa considerar a precariedade de funcionamento do 1" HDBcomo um caso de ameaça á saúde e à vida de cada um dos habitantes do Plano Piloto e, emconseqüência, autorizar uma indiscriminada dispensa de licitação. Só se se configurassecalamidade pública, que ainda assim precisaria ser reconhecida por decreto do Chefe doExecutivo.

Percorrendo com os olhos o extenso rol dos problemas com que se defronta o 1° HDB, vejoque alguns, a meu juízo, se e quadram no dispositivo legal invocado: a situação da rede elétrica,que poderá causar incêndios; a precariedade da rede hidráulica e de esgotos, e da rede de vapor,que poderá pôr em colapso o funcionamento do hospital ou causar explosões, comprometendo asegurança de pessoas, bens e equipamentos (Doc. n.º 3) .

Alguns melhor caberiam no caso de "notória especialização", como está sugerido norelatório do Chefe do Serviço da Cirurgia do 1° HDB. É o que se dá também com a conservação ereposição de peças de elevadores.

Numerosos outros poderiam ser resolvidos pelos processos normais, como, aliás, reconheceo Consulente. Tais são os casos de defeitos nos pisos, pinturas, paredes, esquadrias e teto. Éainda o que se dá com a cozinha, que segundo relatório da SANOLI, por mais limpa que esteja,tem péssima apresentação, em virtude do desgaste geral dos utensílios e do próprio recinto. .

Não é possível um só enquadramento legal para casos tão díspares.IV - Os problemas da FHDF são por demais numerosos e específicos. Parece-me, em

conseqüência, que seria da maior conveniência para sua Administração que ela editasse aspróprias normas de licitação, conforme lhe faculta o art. 86 do Decreto n.º 1.703/71 e têm feitodiversas entidades do Complexo Administrativo do Distrito Federal.

V - Este não será, talvez, a resposta que esperava o ilustre Diretor-Presidente da FHDF.Mas a uma Consulta genérica só se pode dar resposta genérica.

A S. Ex.ª como posso depreender do expediente endereçado a esta Corte, não faltarãoclarividência e coragem cívica para enfrentar e resolver, cada um de per si, os complexosproblemas, que. assoberbam a entidade que dirige.

Sugiro, pois, que à Consulta se responda com a remessa de cópia destas ponderações, semerecem a honra de aprovação pelo Egrégio Plenário.

_____________________Voto em 1.º-10-75.

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CONSELHEIRO SUBSTITUTO JESUS DA PAIXÃO REISEMANTA

Licitação - Dispensa - Notória especialização.

A 15 de setembro último, o Sr. Presidente da Fundação Hospitalar do Distrito Federalendereçou Consulta a esta Corte a respeito de dispensa de licitação com fundamento no art. 3°,inciso Il, alínea b, do Decreto n.º 1.7(13, de 31 de maio de 1971, id est, nos casos de emergência,caracterizada pela urgência no atendimento de situação que pudesse ocasionar prejuízo oucomprometer a segurança de pessoas, obras, bens e. equipamentos.

A Colenda Corte deliberou responder à Consulta nos termos de sua decisão de 2 de outubrodo corrente ano.

Constava dos autos o "Curriculum Vitae" de ilustre. arquiteto e consultor hospitalar, comproposta para a prestação de diversos serviços à FHDF.

Esse documento, todavia, ficava como que solto dentro do processado, não se enquadrandono âmbito da consulta, que a ele não fez qualquer referência. Por isso, as informações dosórgãos instrutivos e o Relatório final não cuidaram dele, que, assim, deixou de ser objeto deapreciação pelo Egrégio Plenário.

Não satisfeita, em conseqüência, volta à baila a mesma autoridade, indagando "Sobre apossibilidade de o Arquiteto e Consultor Hospitalar jardas Karman vir a ser consideradoprofissional de notória especialização para os fins previstos na alínea ‘l’ do art. 3° do Decreto n.º1.743, de 31 de maio de 1971", isto é, se se pode dispensar licitação para a contratação dosserviços do indigitado profissional, por notória especialização.

Procura resumir os serviços a serem prestados por aquele engenheiro especializado e queconsistiriam na "transformação do 1º HDB em Hospital de Base, na revisão dos planejamentosfísicos do 3º HDB e do Hospital do Gama e na elaboração de projeto arquitetônico completo parao Hospital de Ceilândia".

Já se encontrava o processo em minhas mãos, para Relatório, quando me foi entregue.expediente subscrito pelo Dr. Milton Rabello Filho, Diretor do 1° HDB, muito rico emesclarecimentos.

Elucida esse ilustre facultativo e administrador que o aumento da capacidade operacional daunidade que dirige não se fez de acordo com um planejamento técnico, mas apenas emconsonância com as demandas da clientela e com novas responsabilidades médicas assumidas.

Nessas condições, não houve atualização nem modernização adequadas da infra-estruturado Hospital. Os acréscimos feitos obedeceram a concepções isoladas. O fato está a exigir umaredistribuição de áreas e o aproveitamento mais racional das existentes, de modo a haver umaintegração harmônica e funcional de todo o conjunto hospitalar, com o que se evitará aduplicidade de serviços, como a existência de 2 (dois) laboratórios, 2 (duas) radiologias, 2 (dois)centros cirúrgicos, 2 (duas) administrações etc., que se imporão com a inauguração do novobloco, que abrigará o Pronto-Socorro.

Após a exposição de outros fatos e de novos argumentos, conclui que a situação só poderáser solucionada com a adoção de um "Plano-Diretor", que viria racionalizar toda a estruturahospitalar existente e faria uma projeção do seu crescimento futuro.

Fiquemos por aqui, para não alongarmos demasiadamente este Relatório.DA NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO

Em cuidadosa tese elaborada para o "VIII Congresso dos Tribunais de Contas do Brasil", oDr. Lincoln Teixeira Mendes Pinto da Luz, dedicado e lúcido Procurador deste Tribunal, ponderaque

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"Duas idéias se nos afiguram contidas no conceito de especialização notória. Aprimeira foi lapidarmente conceituada pelo preclaro Ministro do Tribunal de Contas daUnião, Luiz Octavio Callotti, a ponto de passar a constituir súmula dominante naquelaEgrégia Corte."

E continua:"39. Na palavra do eminente jurista, somente terá lugar a dispensa de licitação para a

contratação de serviços com profissionais ou firmas de notória especialização, quando setrate de serviço inédito ou incomum, capaz de exigir, na seleção do executor de confiança,um grau de subjetividade que se não possa medir pelos critérios objetivos de qualificaçãoinerentes ao processo de licitação (é nosso o grifo).

40. Atrevemo-nos, contudo, a entender que a definição assim posta não esgota aessência do conceito, visto deixar de fora a especialização notória daqueles profissionaisque - militando embora em atividade nem inédita nem incomum - tenha conquistado, emfunção do imaterial complexo de predicados a que atrás aludíamos, a posição de primosinter pares ou meramente a "notoriedade profissional", que Hely Lopes Meirelles definecomo "a proclamação da clientela e dos colegas sobre o indiscutível valor do profissionalna sua especialidade", ou, em fórmula mais sintética, "a fama consagradora do profissionalem sua especialidade".

DO CASO CONCRETOO opulento "Curriculum Vitae" existente nos autos prova que o Dr. Jarbas Karman é

profissional da mais alta qualificação. Formou-se em Engenharia Civil pela Escola Politécnica daUniversidade de São Paulo, em 1941. É arquiteto formado pela mesma Escola em 1947 e"Master's Degreec" (Arquitetura Hospitalar - Administração Hospitalar) pela Universidade de Yale,EUA, 1952,. Tem vários cursos de pós-graduação, nos Estados Unidos e no Brasil. É portador deinúmeros títulos e pertence a diversas associações técnicas, com múltipla atividade didática,participação em congressos, colaboração em várias Comissões. Publicou numerosos trabalhos eprojetou mais de uma centena de hospitais, ou participou da revisão do planejamento denosocômios já existentes.

Não obstante essa variada gama de atividades exercida pelo profissional, militando eu emoutra seara, não o conheço nem sequer me recorda ter ouvido alguma vez pronunciar o seunome. É que não pertenço à sua clientela nem tenho a honra de ser seu colega.

A conclusão do Dr. Lincoln Teixeira Mendes Pinto da Luz, na tese retroaludida, é a de que"sob a perspectiva do controle administrativo, é imperioso exigira prova da notóriaespecialização".

Adaptando ao caso trecho de Jorge Americano, citado na invocada tese, diríamos quedesde que o meio em que é notório o fato seja pouco acessível aos julgadores ou às autoridades,a notoriedade deve ser provada nos autos.

O documento existente faz prova de que o profissional é altamente especializado. Umaespecialização com tantas publicações, tanta atividade didática, tantas realizações em todo o paísnão pode deixar de ser notória. Esta é a minha convicção final depois de algumas vacilaçõesiniciais. O "Curriculum Vitae" prova, quantum satis, a meu ver, a notória especialização doproponente.

DO PREÇONão constitui o preço objeto da Consulta. Mas parece-me que a resposta não ficaria

completa se esse assunto deixasse de ser ventilado. É que, como salienta o Dr. Lincoln TeixeiraMendes Pinto da Luz, esse tipo de dispensa de licitação "abre largo terreno de manobra para odolo ou a desídia".

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Os trabalhos a serem executados pelo especialista são complexos, numerosos, essenciais ealcançam 4 (quatro) unidades hospitalares da FHDF. Não obstante isso e a elevada qualificaçãodo profissional proponente é conveniente que a matéria se]a cuidadosamente sopesada, com ozelo do bonus paterfamilias, como é freqüentemente. preconizado em Direito Administrativo. Oque é essencial é que o preço seja razoável, justo, matéria sobre a qual não sou habilitado aopinar nem a isto fui chamado.

A dispensa de licitação é, nos casos previstos em lei, uma faculdade, da Administração, quea pode utilizar ou deixar de utilizar. É, pois, ato de sua exclusiva responsabilidade. O mesmo sedá com a aceitação do preço.

VOTOPedindo escusas pelo prolixo deste. trabalho, uma vez que a premência do tempo não me

permitiu ser breve, voto por que se responda à Consulta esclarecendo que, observadas asconsiderações acima feitas, a licitação pode ser dispensada, não importando o pronunciamentodo Tribunal na eliminação, in casu, dos controles internos da Administração.

_____________________Voto em 30-10-75.

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PROCESSO N.º 1.139/75

Procurador LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZEMENTAConsulta sobre os critérios de pagamento de pensão especial.1. Para os efeitos de aposentadoria e pensão, tem-se como vencimento

integral a quantia que, a titulo permanente, percebia o servidor quando ematividade.

2. A base de cálculo adotada na fixação do valor da pensão especial é amesma que prevalece para estabelecer o importe dos proventos iniciais: asoma do vencimento-padrão com as vantagens legalmente havidas comoincorporáveis ao estipêndio do inativo.

3. O conceito estatutário de remuneração não se confunde com o devencimento integral, nem tem pertinência com o cálculo da pensão especial.

4. O art. 449 do Decreto n.º 59.310/66 é norma derivada do art. 242 daLei n.º 1.711/52, com o qual há, portanto, de conformar-se.

5. A gratificação de função policial se incorpora aos proventos dainatividade, integrais ou mesmo proporcionais (arts. 26 e 39 da Lei n.º4.877/65) . Tal gratificação deve, assim, ser computada no cálculo do"quantum" da pensão especial.

PARECERMediante o ofício de fls. 81, S. Ex?- o Sr. Secretário de Segurança Pública do Distrito

Federal, Cel. Aimé Alcebíades Silveira Lamaison, formula consulta sobre o critério a ser adotadono pagamento de pensão especial devida a ex-servidor daquela Secretaria.

2. Malgrado tenha a Corte entendimento pacífico quanto à matéria, justifica-se a consultaante os termos em que foi proferido o Parecer de fls. 67/69, da Procuradoria-Geral do DistritoFederal, favorável a que, no cálculo da pensão, se leve em conta o importe, puro e simples, dovencimento percebido pelo funcionário falecido em conseqüência de acidente em serviço.

3. Sucede, contudo, que a jurisprudência deste Tribunal, como também a da Corte deContas da União, e mesmo dos órgãos consultivos federais, de há muito se fixou em conceitomais amplo para o vencimento integral, que serve de base, seja ao cálculo do provento inicial daaposentadoria, seja à fixação do valor da pensão especial, vencimento integral, para os efeitos deaposentadoria e pensão, é a quantia que, a titulo permanente, percebia o servidor quando ematividade.

4. Além do vencimento-padrão, consideram-se ainda, para tais fins, outras parcelas ditasincorporáveis, tais como as representativas dos adicionais por tempo de serviço, absorção das"Diárias de Brasília", complementação do salário mínimo e, no caso específico do policial, agratificação pelo exercício da função de polícia

5. Importa ressaltar, como aliás o fez com propriedade o Sr. Chefe da Divisão de Controlede Concessões, que é a mesma a base de cálculo a ser adotada assim na fixação do valor dapensão especial como na dos proventos. Ambas se estabelecem a partir do vencimento integraldevido ao servidor à data em ,que se afasta do exercício da função pública, por motivo de morteem serviço ou aposentadoria.

6. Pouco importa não tenha o Decreto n.º 59.310/66, em seu art. 449, aludido aremuneração, pois esse é conceito fora de uso e que tecnicamente não se confunde com o totalda retribuição paga ao funcionário, como vez por outra se afirma. A remuneração - segundodefine o art. 120 do Estatuto - corresponde, de modo geral, a dois terços do padrão dovencimento mais as cotas ou porcentagens fixadas em lei e, no caso especial do funcionário decarreira ou ocupante de cargo isolado de provimento efetivo no exterior, eqüivale ao vencimentodo cargo acrescido da representação no Brasil.

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7. Desse modo, remuneração é conceito de todo inaplicável ao caso presente, cujo deslindehá de fazer-se com fundamento no conceito doutrinário e jurisprudencialmente construído devencimento integral.

8. De mais a mais, não colhe também reparo que se apoie na letra do Decreto n.º 59.310/66,que, por sua natureza regulamentar, tem de pautar-se pelos critérios primários da lei. Como sesabe, o chamado Estatuto do Policial resulta da consolidação das disposições especiais da Lei n.º4.878/65 com as regras gerais da Lei n.º 1.711/52. No que concerne à pensão por falecimentodecorrente de acidente em serviço, o preceito legal que se regulamentou foi o art. 242 do Estatutodos Funcionários Públicos Civis da União, do qual o art. 449 é mera derivação, de grau inferior,ipso facto.

9- Não havendo, como não há, dúvida possível quanto à incorporação da gratificação defunção policial aos proventos da inatividade, em seu todo quando forem esses integrais, isto é,nos casos de acidente em serviço, doença profissional ou moléstias especificadas no art. 178, III,do Estatuto, e até parcialmente quando proporcional o estipêndio, parece-me insustentável oentendimento de que tal gratificação deva ser excluída do montante da pensão especial.

10. A consulta deve, pois, no meu entender, ser respondida em sentido que preserve aexata orientação até aqui adotada pelo Tribunal, vale dizer, que a pensão especial tem comobase de cálculo o vencimento integral percebido pelo servidor quando em atividade, aícompreendidas as vantagens por lei incorporáveis aos proventos, entre as quais a chamadagratificação de função policial.

________________________Parecer em 25-11-75.

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PROCESSO N.º 531/74

Procurador LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZEMENTAPrestação de contas da CAESB - 1973.1. Pagamento de gratificação especial, variável entre 50% e 70% do

salário dos que a percebem, pelo exercício na Barragem do Rio Descoberto.2. A vantagem encontra símile na gratificação pelo exercício em

determinadas zonas ou locais, prevista no Estatuto dos Funcionários (art. 145,VI) e hoje com pagamento circunscrito, ex vi do art. 79 do Decreto-lei n° 91/66,aos limites de 20% a 40% do vencimento do beneficiado.

3. Por representação a S. Exk1 o Secretário de Viação e Obras,requerendo-lhe ponha cobro ao pagamento dessa gratificação, que, emboraautorizada pelo Governador, não conta com apoio na lei.

4. A irregularidade não compromete, a meu critério, a gestão dosdiretores responsáveis, cujas contas proponho sejam, desde logo, aprovadas.

PARECERA presente prestação de contas da Companhia de Água e Esgotos de Brasília diz respeito

ao exercício de 1973, quando a empresa foi dirigida pelos Srs. Lúcio Gomide Loures, ErnestoChalréo Correia e Sylvio Mendes Campos.

2. Deu-se regular cumprimento ao rito do controle interno. Como resultado de diligênciarealizada por iniciativa da 2ª Inspetoria Seccional vieram ao processo os documentos de fls.110/122, que fazem prova de vir a CAESB pagando a alguns de seus servidores uma gratificaçãoespecial por exercício na Barragem do Rio Descoberto, autorizada por S. Ex.ª o Governador, euma chamada "ajuda para locomoção".

3. A segunda dessas vantagens já foi examinada e impugnada por esta Procuradoria sob adenominação genérica de "fichamento de veículos", sendo de esperar esteja o Executivo, comoprometido, ultimando gestões no sentido de obter medida legislativa para legitimar essamodalidade de retribuição, retirando-lhe o aspecto de vantagem salarial dissimulada e fazendocom que venha a constituir realmente mera indenização de despesas.

4. Já a gratificação especial por exercício na Barragem do Rio Descoberto é assunto aindanão trazido à consideração da Corte. Sua concessão data de julho de 1973 e se firma na basefalsa do art. 69, parágrafo único, letra p, do Decreto n° 1.290/71 - dispositivo esse cuja ilegalidadejá foi diversas vezes apontada por este Ministério Público. De fato, com esse preceito,pretendeu-se atribuir ao Governador competência para autorizar, mediante decreto, gratificaçõesnão previstas em lei, o que de forma alguma se compadece com o caráter ancilar dessa espéciede ato normativo De categoria jurídica inferior à lei, não pode o decreto fazer-lhe as vezes.

5. Não se discute aqui a justiça da medida: condições especialmente adversas do local detrabalho, inóspito ou carente de meios de acesso ou comunicação, podem em realidade servir defundamento à percepção de vantagem financeira compensatória do sacrifício ou desconfortosuportado pelos servidores. O próprio Estatuto dos Funcionários, estabelece, em seu art. 145, VI,o pagamento de "gratificações pelo exercício em determinadas zonas ou locais".

6. Os termos por demais genéricos em que estava redigida tal disposição ofereciam margema abusos, fato que, posteriormente, levou o legislador a restringir-lhe as condições de pagamento.Com efeito, no art. 15, § 2°, da Lei n.º 4.345, de 26 de junho de 1964, assentou-se ficar apercepção dessa vantagem condicionada a regulamentação a ser baixada pelo Executivo e, mais,dever tal regulamentação conformar-se ao disposto nos arts. 30 a 34 da Lei n° 4.323, de 30 deabril de 1964 (Código de Vencimentos dos Militares), onde, com o nome de "gratificação delocalidade especial", se estabelecia retribuição semelhante, escalonada em dois níveis: um de20%, outro de 40% do soldo do militar.

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7. Nova lei de atualização salarial, a de n° 4 .863, de 29 de novembro de 1965, revogaria,contudo, o § 29 do art. 15 da Lei n° 4.345/64, para fixar expressamente os parâmetros dentro dosquais se poderia conceder a vantagem: 20% a 40% do vencimento.

8. A mesma linha legislativa foi seguida, afinal, pelo Decreto-lei n° 31, de 21 de dezembro de1966, cujo art. 7° instituiu, para efeito de atribuição dessa recompensa financeira, três categoriasde áreas geográficas, classificadas segundo o grau de inospitalidade e escassez de meios deacesso e comunicação. 1-finda ali, variam os percentuais de retribuição entre o piso de 20% e oteto de 40%-

9. Consoante expresso na representação do Sr. Superintendente da CAESB (fls. 14/15), ovalor das gratificações em análise se situa, porém, entre as faixas de 50% e 70% do salário doisbeneficiários, bem acima do limite superior fixado na legislação pertinente aos servidores públicoscivis e militares.

10. De qualquer forma, afigura-se clara a ilegalidade do pagamento. Se houve a aplicaçãoanalógica da regra estatutária, sobreexcederam-se-lhe os limites; se é tipo original degratificação, falta-lhe o indispensável suporte legal.

11. Com tudo isso, tomando em consideração a existência da, inidônea, mas específica,autorização do Chefe do Executivo e a velha prática administrativa local de utilizar o decreto emlugar da lei - tema já focalizado no Processo n° 714/72, que originou representação do Tribunalao Governador do Distrito Federal -, não me parece comprometida a boa-fé ou a lisura dosdiretores responsáveis pelo indigitado pagamento.

12. Sugiro, por conseguinte, ao Egrégio Plenário que aprove a prestação de contas, aomesmo tempo que dirija representação a S. Ex.ª, o Secretário de Viação e Obras - responsávelpela supervisão administrativa da CAESB - dando ciência da irregularidade e requerendo-lheprovidências para a imediata sustação do pagamento da vantagem nos moldes atuais. Tendo oExecutivo por conveniente a concessão desse gênero de retribuição, indispensável se fará aprévia reavaliação das condições de trabalho na zona em apreço, a fim de enquadrá-la numa dascategorias previstas na legislação federal.

_________________________Parecer em 24-3-75.

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PROCESSO N.º 100/75 - STC

Procurador LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZEMENTAConvênio celebrado pelo Governo do Distrito Federal, a NOCACAP e o

BRB com o Banco Central do Brasil.1. Empréstimo público com resgate parcelado ao longo de três

exercícios se enquadra no conceito teórico e legal de divida fundada.2. Necessidade constitucional de autorização legislativa para a

realização das operações de crédito constitutivas da dívida fundada.3. Inaplicável in casu a proibição do Senado quanto à emissão e

lançamento de obrigações pelas unidades intra-estatais.4. Ao Senado Federal, enquanto Câmara Legislativa específica para

votar matéria orçamentária de interesse do Distrito, incumbe aprovar a priori aconstituição da dívida fundada distrital.

5. O convênio em apreço foi celebrado em desacordo com o sistemafinanceiro -orçamentário e atenta contra o disposto nos arts. 16, § 1°, e 67,parágrafo único, da Constituição Federal.

6. Porque a Corte represente ao Governo do Distrito, concedendo-lheprazo para adotar as providências necessárias ao exato cumprimento da lei(Lei n° 5.538/63, art. 30, I) .

PARECERSubmete o Eg. Plenário à apreciação da Procuradoria estes autos concernentes a Contrato

de crédito firmado entre o Banco Central do Brasil e o Governo do Distrito Federal, a CompanhiaUrbanizadora da Nova Capital (NOVACAP) e o Banco Regional de Brasília S.A. Destina-se oconvênio a conceder empréstimo ao BRB até o limite de Cr$ 27.500.000,00 (vinte e sete milhõese quinhentos mil cruzeiros), para repasse à NOVACAP, mediante solicitação do Governo doDistrito, ao qual conforme estipula a cláusula segunda do pacto, caberá o resgate da dívida, comos conseqüentes juros e despesas, mediante destaques de dotações orçamentárias relativas aosexercícios de 1975, 1976 e 1977

2. O verdadeiro destinatário do empréstimo acaba sendo, portanto, o Governo do DistritoFederal.

3. Em minucioso e fundamentado despacho levanta a Inspetoria Seccional de ControleExterno a pertinente questão da legalidade desse empréstimo, cujo pagamento deverá fazer-senos três exercícios subseqüentes àquele em que foi contraído, enquadrando-se assim,obviamente, nos conceitos teórico e legal de dívida fundada.

4. Concordo com o ponto de vista da Inspetoria. Trata-se de operação de crédito, depagamento diferido, para a qual exige a Constituição Federal, no art. 67, parágrafo único, que oPoder Legislativo não apenas dê expressa autorização, mas que, ao mesmo tempo, fixeantecipadamente as dotações a serem incluías no orçamento anual para os serviços de juros,amortização e resgate nos exercícios em que houver de ser liquidada.

5. Não me parece, todavia, tenha aplicação ao caso a proibição do Senado Federal quanto àemissão e ao lançamento de obrigações por Estados e Municípios, contida na Resolução n° 58,de 23-10-68, cuja vigência vem sendo sucessivamente prorrogada pelas Resoluções n.°s 79/70,52/72 e 35/74. A finalidade desses atos legislativos é, a meu ver, mais restrita, cingindo-se avedar que as unidades intra-estatais emitam e lancem obrigações, vale dizer, coloquem junto aopúblico "títulos da divida pública, bônus rotativos, letras do Tesouro ou outras cambiais", segundoa precisa definição do abalizado professor Geraldo Ataliba (Empréstimos Públicos e seu Regimejurídico, pág. 215).

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6. Mostra, de resto, o mesmo autor que a Resolução n° 92/70, do Senado, permite aEstados e Municípios não só a livre constituição de dívida fundada, mas até que tal constituiçãotenha por instrumento a emissão e o aval de cambiais em favor de entidades financeiras. O que.não se admite é o lançamento para circulação na praça de títulos de crédito dessas unidadespolíticas ou a assunção de compromissos com fornecedores, prestadores de serviço ouempreiteiros de obras por meio de aval de promissórias, aceite de duplicatas ou operaçõessimilares (Res. n° 92, art. 4°).

7 . No caso em pauta, a ilegalidade se me afigura de outra ordem, situada que está no planogeral da necessidade de autorização legislativa específica para operações de crédito constitutivasda dívida fundada.

8. De fato, seria de todo inadmissível dispusesse o Poder Executivo do Distrito exceçãoúnica e despropositada em todo o organismo administrativo brasileiro, da liberdade de contrairmotu proprio empréstimos, para resgate, em exercícios financeiros posteriores, com recursosainda não votados pelo Legislativo. Haveria aí completa subversão quer da regra básica doplanejamento, quer, por igual, dos princípios fundamentais do direito financeiro-orçamentário.

9. Trata-se, em verdade, de matéria com fundas implicações orçamentárias, na medida emque o convênio em apreço compromete vultosos recursos das Leis de Meios de 1975, 1976 e1977, na área das Secretarias de Viação e Obras e Educação e Cultura. Eis por que, a meu juízo,se fazia imprescindível, na forma do art. 17, § 1°, da Constituição, fosse o contrato precedido delei autorizativa do Senado Federal.

10. Ainda que, mediante interpretação estritíssima da expressão constitucional, sepretendesse contestar a natureza orçamentária da matéria, à invocação de serem indiretas suasrepercussões sobre a Lei de Meios, continuaria a subsistir a necessidade do expressoconsentimento do Legislativo para a juridicidade do empréstimo avançado. É que, em nossosistema constitucional, a obrigatoriedade da lei autorizativa decorre não apenas dos reflexosorçamentários da dívida consolidada, senão de objetiva exigência do art. 67, parágrafo único, daCarta Política Federal.

11. Não fora o Senado competente para aprovar a priori a constituição da dívida fundada doDistrito, entraria a prevalecer a competência geral e primária do Congresso Nacional para votaras leis federais, à semelhança do que se passa com os atos legislativos de interesse dosTerritórios.

12. Jamais seria de admitir a competência pura e simples do Governo do Distrito Federalpara negociar operações da dívida fundada, a revelia do Poder Legislativo.

13. O tema genérico da legislação ordinária do Distrito e da clara identificação de um"resíduo legislativo" - não cometido explicitamente pela Constituição quer ao Senado, enquantoórgão legiferante local, quer ao Congresso, competente para dispor sobre a organizaçãoadministrativa e judiciária do Distrito Federal (Constituição, art. 8°, XVII, K, combinado com o art.43) - foi objeto de acurado exame na notável "Contribuição à Teoria do Distrito Federal no DireitoConstitucional Brasileiro", do Dr. José Paulo Sepúlveda Pertence.

14. Concluiu o competente jurista que "o vazio orgânico" deixado pela constituição deveriaser preenchido pela lei de organização administrativa, mediante a criação de um "órgão local comfunções legislativas nas matérias de competência distrital não abrangidas na deferida ao Senado"ao mesmo tempo que condenava "soluções símplistas de autoritarismo, como a de inserir oremanescente do Senado no poder regulamentar do Prefeito" (leia-se Governador).

15. Ao empreender a análise desse mesmo "resíduo legislativo", chegou o Dr. Luiz Zaidman,quando Conselheiro Substituto desta Corte, a resultado diverso quanto à solução jurídica dadificuldade, mas idêntico quanto ao não cabimento do assunto nas lindes do poder regulamentardo Executivo. (cf. Apreciação das Contas Públicas Anuais pelo Poder Legislativo, in RFI n° 18,pág. 89).

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16. Vê-se, portanto, que de qualquer sorte não escaparia a celebração do convênio ànecessidade de contar com o prévio assentimento do Poder Legislativo, fosse ele o Senado, oCongresso, ou Câmara local, como quer José Paulo Pertence.

17. Estou, porém, inteiramente convencido de que toca ao Senado Federal a apreciação dasoperações de crédito do Distrito Federal, já porque, em face mesmo da dificuldade que se acabade expor, há de ser a mais compreensiva possível a interpretação das matérias distritaisconstitucionalmente reservadas à Câmara Alta, já em decorrência da visceral conexão entre oresgate da dívida consolidada e o sistema integrado de planejamento e orçamento programaanual.

18. Importa, afinal, sublinhar que o agudo José Afonso da Silva - ao reconhecer quedependem de autorização legislativa as operações de crédito a serem liquidadas em exercício, ouexercícios subseqüentes, constituídas por meio de empréstimos bancários ou financiamento deorganismos financeiros ou governamentais - abona a lei orçamentária como instrumento jurídicoidôneo para a outorga dessa imprescindível autorização (Orçamento-Programa no Brasil, fls.318/320).

19. Assinale-se, todavia, que na Lei n° 6.190, de 17 de dezembro de 1974, que aprovou oOrçamento do Distrito Federal ara o exercício em curso, não se encontra também diretamenteautorizada, ou homologada, a celebração do convênio em exame.

20. A constituição dessa parcela da dívida fundada do Distrito operou-se, portanto, emdesacordo com nosso sistema financeiro-orçamentário e não se compadece com o disposto nosarts. 17, § 1°, e 67, parágrafo único, da Carta de 1969.

21. Parece-me, assim, de acolher a conclusão do despacho, de fls. 124, da InspetoriaSeccional de Controle Externo no sentido de que o Tribunal, com fundamento no que prescreve oart. 30, 1, de nossa Lei Orgânica, represente ao Governo do Distrito Federal, concedendo-lhe oprazo de sessenta dias para a adoção das providências necessárias ao exato cumprimento da lei.

_______________________Parecer em 1.°-11-75.

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PROCESSO N.° 736/73 -- STC

Procurador LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZEMENTAAquisição de máquina de contabilidade pelo DEFER à Olivetti do Brasil

S.A.1. Ratificação e institutos afins: homologação, convalidação, aprovação,

"referendum", conversão, redução. Convalescimento jurídico de ato inquinadopelo vicio de incompetência do agente.

2. Dispensa de licitação: fim a que visa; exceção ao principio daconcorrência; necessidade de formalização; natureza prévia, do ato; ratificaçãodo ato de dispensa.

3. Inocorrência de ratificação no caso em apreço. Transação informal.4. Exclusividade de produção e de representação comercial como causa

de dispensa de concorrência.5. Desnecessidade de medidas corretivas no âmbito do controle externo.

Arquivamento do processo.

PARECERI - OS FATOSTrata o processo da aquisição, pelo DEFER à Olivetti do Brasil S.A., da máquina de

contabilidade analítica, automática, com calculador eletrônico, modelo Mercador 150-E.A compra havia sido, inicialmente, autorizada em 10 de setembro de 1971 pelo Diretor

daquele órgão, mediante a emissão de carta-convite. Em 13 de dezembro seguinte, o Diretorsubstituto, em despacho incongruente, dispensava a licitação e, simultaneamente, determinava aemissão da carta-convite.

3. Realizado o convite, saiu vencedora a firma Olivetti do Brasil S.A., que procedeu emseguida à entrega informal do equipamento.

4. Mudou, todavia, o Diretor do DEFER, e o novo titular fez cancelar a nota de empenhoemitida em 31-12-71 e abriu inquérito para apurar irregularidades que, estava informado, seteriam verificado no curso do processo de aquisição em referência, inclusive com a retirada depeças que o compunham.

5. Veio, então, uma série de tentativas para resolver a questão da compra eivada deilegalidade, pela postergação do princípio de licitação de preços.

6. Parecer da Chefia de Assessoria jurídica, por cópia a fls. 121, foi contrário a que o Chefedo Gabinete Civil homologasse a licitação viciada, a qual, por despacho do próprio Governador afls. 122, acabou por ser anulada em 28-3-72.

7. Novo empenho, sob o n° 4/73, foi emitido em 13 de abril de 1973, à conta de despesas deexercícios anteriores, com base em autorização dada pelo Diretor do Departamento de Despesa(fls. 12/1) e em ordem expressa de S. Ex.ª, o então Governador Hélio Prates da Silveira (fls. 106).No mesmo despacho, o Chefe do Executivo local dispensava também a licitação, apoiado em

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parecer do Consultor jurídico do Governo e no art. 3°, alínea e, inciso I do Decreto n° 1.703/71,revigorado pelo Decreto n.º 1.850, de 17-11-71. Até então o negócio permanecia inconcluso, poisa máquina instalada no DEFER desde 1971 não havia sido ainda oficialmente recebida nempaga.

8. Justificou-se a intervenção do Governador pelo fato de o valor da compra exigir a tomadade preços, e limitar-se a competência do Diretor do órgão interessado a aquisições medianteconvite.

9. Na sessão de 22 de novembro de 1973, decidiu este Tribunal considerar correta aclassificação da despesa e, ao mesmo tempo, enviar o processo à Procuradoria-Geral, solicitandoparecer quanto à necessidade de análise da extensão e do valor do ato homologatório dadispensa de licitação.

10. Recebendo o processo, requeri diligência preliminar para obter-se a prova daexclusividade em que se fundou a dispensa e, bem assim, a discriminação das característicasespeciais que, a juízo do DEFER, singularizavam o equipamento, comprado dentre os seuscongêneres, para justificar a preferência de que foi objeto.

11. Somente agora, quase dois anos depois, voltam os autos à Corte, com as informaçõespedidas.

12. Devo, portanto, proceder a estudo, que a proximidade do encerramento do ano detrabalho obriga a ser apressado, sobre o valor e extensão do ato homologatório da dispensa delicitação.

lI - RATIFICAÇÃO E INSTITUTOS AFINS13. O assunto, fascinante pelo contexto jurídico em que se situa, é subtema de problema

maior; o do reconhecimento da nulidade "pleno jure" e da decretação da nulidade relativa de seusatos pelo próprio Poder Público.

34. No interesse de alcançar a recomposição da ordem jurídica vulnerada pela prática de atodesconforme à lei seja por motivo de incompetência do agente, de defeituosa manifestação davontade ou da ilicitude ou impossibilidade de objeto, seja pela ocorrência de abuso ou desvio depoder, seja pela preterição de solenidade essencial ou de forma exigida em lei - cabe ao próprioórgão que praticou o ato nulo ou anulável e, outrossim, àquele que em hierarquia lhe sejasuperior pronunciar administrativamente a nulidade, absoluta ou relativa, de que se acha tal atoinquinado.

15. Preleciona a doutrina que o ato anulável - ao contrário do nulo que é o nada jurídico - setem corno precariamente constituído, a despeito do vício original. Vale então provisoriamente atéque se lhe declare a nulidade relativa ou até que ao revés, seja aquele vício objeto de sanatória,mediante ratificação. Perfazendo-se a segunda alternativa, desaparecerá a causa de invalidade, eo ato de provisório passa a definitivo, revestido "ex tunc" de eficácia jurídica. A retroatividade deefeitos, imanente à natureza da ratificação, é "característica implícita do ato declaratório deconfirmação", na abalizada palavra de Miguel Reale.

16. A esta altura creio proveitoso deixar referido o resultado de breve disquisição a que fuiobrigado em torno do exato teor semântico e jurídico dos termos homologação e ratificação e deinstitutos afins, empregados freqüentemente de modo impróprio ou impreciso por autores ejurisconsultos.

17. Por "homologação" se entende, na acepção corrente, o ato judicial, que visa a declarar aexistência de outros atos, para-jurisdicionais, conferindo-lhes, assim, caráter público e forçaexecutiva. A homologação não tem, pois, efeito constitutivo, mas puramente declaratório dedireito. Não é, todavia, infreqüente o uso desse vocábulo com o sentido de ratificação.

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18. já a "ratificação" será a declaração de vontade mediante a qual o órgão superior outorga"a posteriori" o poder que falecia ao órgão subordinado para a prática do ato ratificado. Será aaprovação de ato não autorizado. De modo geral, têm-se como sinônimos de ratificação ostermos "confirmação" e "convalidação". Certos juristas no entanto, chamam "confirmação" a essadeclaração de vontade emanada de órgão hierarquicamente superior, reservando a palavra"retificação" para definir a correção de ato anulável feita pelo próprio órgão que o praticou.Outros, afinal, atribuem à confirmação o sentido de "refazimento de ato nulo".

19. Os demais vocábulos e institutos, parcialmente coincidentes nos efeitos ou naconceituação doutrinária, são a aprovação e o "referendum" e, mais remotamente, a conversãoou redução.

20. A "aprovação" é condição da eficácia do ato administrativo e consiste na anuência deautoridade ao ato praticado por inferior. Distingue-se da ratificação por fundar-se na apreciaçãode conveniência e oportunidade, ou seja no mérito do ato aprovado, em sua conformidade com ointeresse público e, ainda pela índole condicional do ato pendente de aprovação, que, perfeito eválido desde o início, carece apenas de efeito jurídico.

21. Quanto ao `referendum" pode de forma simplista, ser definido como o condicionamentode certa decisão à aprovação de outrem, para que venha a ser tida como definitiva. São casos de"referendum", v.g., o da subscrição de certos atos do Presidente da República por Ministro deEstado e, em ciência política, o do mecanismo da democracia semidireta, que sujeita à aprovaçãopopular os atos legislativos ou, mesmo, todas as questões importantes da vida pública nacional.

22. Por "conversão" ou "redução" se designa o fenômeno jurídico do aproveitamento daspartes válidas de ato parcialmente nulo, para com elas formar ato novo dotado de todos oselementos formais e substanciais exigidos por lei. Opera-se, por meio da conversão, asubstituição de ato viciado por ato válido com efeitos diversos reduzidos. É citada,tradicionalmente, como exemplo de conversão a transformação em nomeação interina de atoque, originalmente, visa à nomeação para cargo efetivo sem concurso, quando a lei não admite aomissão desse pré-requisito.

23. A partir dos traços fundamentais da ratificação: a anuência posterior a ato praticadoindependentemente de autorização e o conseqüente convalescimento jurídico de tal ato, fica maisfácil identificar os pontos de contato e dessemelhança entre os institutos acima definidos.

24. A homologação, a aprovação e o "referendum" aproximam-se da ratificação na medidaem que representam consentimento dado "a posteriori" a ato praticado indepentemente deautorização. Dela se estremam, por se referirem a atos válidos, revestidos "ab initio" doselementos, de fundo e forma, legalmente havidos por indispensáveis.

25. No que respeita à conversão ou redução, o contato se estabelece quanto ao segundotraço distintivo da ratificação: o convalescimento jurídico do ato que é dela objeto. A diferença,remarcável, está no grau de convalescimento do ato, parcial na conversão, integral na ratificação.

26. Quanto à confirmação, na acepção especial, que lhe emprestam alguns autores derefazimento do ato nulo, sua semelhança com a ratificação se situaria no campo da prática, poisseriam idênticos os efeitos, "ex nunc", do ato confirmado e do ratificado. A divergência,substancialíssima, residiria na ineficácia retroativa do ato confirmado, em contraposição àconservação dos efeitos intermédios, que é peculiar ao ato ratificatório.

lII - A DISPENSA DA LICITAÇÃO27. Outro ponto que, em análise liminar, precisa ficar estreme de dúvida é o concernente ao

ato de dispensa de licitação.28. já me foi dado sustentar que tanto a licitação como sua dispensa têm como escopo

comum a satisfação do interesse público, o qual, na escolha do melhor negócio para aAdministração, ora exige, ora proscreve a concorrência.

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29. As hipóteses de dispensa que a lei estabelece se destinam a facultar flexibilidade àatividade de administrativa nos momentos em que os aspectos de custo e economia devam ficarem segundo plano, para ceder passo a outros valores que, na circunstância de cada caso, seafigurem mais relevantes à discrição do administrador, assim como a segurança nacional, àpresteza no socorro a pessoas, obras, bens ou equipamentos ameaçados em sua integridade, aespecial confiança no executor do serviço, o cunho artístico do objeto, a natural preferência aentidades públicas ou semipúblicas, a importância reduzida da obra ou serviço.

30. É regra primária e tradicional em nosso direito positivo, a concorrência entre osinteressados em vender à Administração seus produtos ou serviços, ou, ainda, em realizar obraspúblicas. A dispensa da licitação tem, por isso mesmo, caráter de exceção e, em decorrência,precisa ser sempre expressa.

31. Alguns de nossos doutrinadores, até da maior envergadura, têm manifestado o ponto devista de que, em certas hipóteses, como a de obras e serviços de pequeno vulto, a licitação seria"ex lege" inexigível, independendo pois de dispensa formal. Quer-me parecer que, ainda nessescasos, seria necessário o ato de dispensa, que então assumiria feição meramente declaratória, enão constitutiva como na maioria das outras hipóteses de dispensa.

32. Vale ademais sublinhar a natureza obviamente prévia do ato de dispensa deconcorrência, mediante o qual a autoridade juridicamente competente opta pelo ajuste direto,deixando explícita ou implicitamente reconhecido que, a seu critério, assim será mais bem servidoo interesse público dominante. Impossível dispensar o que, por pressuposto necessário, já foidispensado. O ajuste e a compra direta têm como inevitável pré-condição a dispensa de licitação,de modo que, com rigor lógico, é contra senso falar em dispensa de licitação "a posteriori".

33. Mas, se à autoridade que abre mão da concorrência falecer competência para fazê-lo,nada impedirá que o superior hierárquico, legalmente competente, ratifique o ato viciado, suprindo"a posteriori" o poder que faltava ao agente subordinado, e faça, assim, convalescer o atoinicialmente não autorizado. Tal ratificação fica apenas atreita à induvidosa competência do autorda ratificação para a prática do ato confirmado.

IV - O ATO JURÍDICO EM CAUSA34. Estou, porém, em que, no presente caso, não houve ato homologatório, nem sequer

ratificatório, da dispensa de licitação indevidamente autorizada. Não considero tampouco setenha verificado a estapafúrdia figura de dispensa de licitação "a posteriori". Reputo mais exatoafirmar que o despacho em cogitação foi ato jurídico independente, embora tendo por finalidade eefeito a normalização jurídica de procedimento irregular de compra de equipamento medianteforma imprópria de licitação. A bem do serviço público e da credibilidade da Administração,autorizou S. Ex.ª o então Governador Hélio Prates da Silveira, em ato autônomo, se efetuasse opagamento de despesa mediante dispensa de licitação. Foi, assim, possível compor os interessesem jogo, em seguida a genuína transação, na acepção jurídica do termo, bem que nãoformalizada. Cedeu a empresa vendedora quando sustentou o preço cotado treze meses antes e,por conseguinte, desatualizado pela inflação intercorrente; cedeu, a seu turno, o Governo aoautorizar o pagamento a despeito de ter havido, na fase inicial do negócio, infração às boasnormas da concorrência.

35. O fundamento legal da dispensa foi a exclusividade de produção e de representaçãocomercial.

36. Cabe, a propósito, a reprodução de trecho de trabalho sobre esse tema que tive a honrade ver aprovado no recém-findo VIII Congresso dos Tribunais de Contas do Brasil:

"A marca exclusiva não supõe necessariamente a ausência de similares. Num mercado deconcorrência, não monopolista, coexistem habitualmente marcas diversas, todas exclusivas, oque, em princípio, não afasta, antes implica, a conveniência da licitação. Se a qualidade deprodutor único é requisito firmado em lei para a dispensa de licitação, como aceitar a adjudicação

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direta ao detentor de marca exclusiva, em desfavor de seus concorrentes industriais oucomerciais? Na prática a solução residiria na realização da concorrência, sob modalidadeconveniente, e no uso da "eficiência ou rendimento de novo produto" ou "padronização deequipamento e facilidade de manutenção" como índices de escolha da proposta vencedora, emperfeita consonância com o disposto no mencionado Art. 133 do Decreto-Iei n° 200/67."

IV - CONCLUSÃO37. Em princípio mandaria a coerência se propusesse a impugnação da dispensa de

licitação em causa, visto como, existindo equipamento do mesmo gênero embora de outrasmarcas, se tornava, em rigor, necessária a tomada de preços.

38. Abstenho-me, contudo, de fazê-lo, tanto por estar consciente de que à época eratranqüilo o entendimento do Tribunal quanto à suficiência da prova de exclusividade para justificaro ajuste direto, como por não se afigurar oportuno esse velho caso, para fazer passar da teoria àprática a observância de tão discutido ângulo do capítulo das licitações.

39. Já havendo a Corte, em sessão de 22 de janeiro de 1973, considerado correta aclassificação da despesa constante do empenho de fls. 86 e me parecendo regular o ato corretivode fls. 60 nas circunstâncias especiais do caso concreto, não há qualquer medida a ser adotadano âmbito do controle externo, razão por que sugiro o arquivamento puro e simples destes autos.

__________________________Parecer em 5-12-75.

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PROCESSO N.º 505/74

Procurador ROBERTO ROSASEMENTA1. Aposentadoria.2. Alteração do provento antes do julgamento do ato pelo Tribunal.3. Desnecessidade de novo decreto, à vista da revisão do título.Aceitação do procedimento da revisão, evitando-se delongas e

simplificando-se o processo. Aplicação do art. 14 do Decreto-lei n° 200.5. Legalidade do ato.

PARECER1. Em parecer do ilustre Procurador Dr. Lincoln Teixeira Pinto da Luz a Procuradoria opinou

pela regularidade do ato (fls. 74) .2. Tratando-se de provento inferior ao salário mínimo, o ilustre Conselheiro Heráclio Salles

solicitou vista do processo.3 . Nesse momento, junta Médica do GDF submeteu o servidor a novo exame, considerando

o incapaz para o Serviço Público, por alienação mental (fls. 77).4. Foi lavrado titulo de inatividade, dito de revisão (fls. 79).5. Examinando a matéria, o Conselheiro Heráclio Salles solicitou a remessa à

Procuradoria-Geral, tendo em vista a mudança do fundamento legal da aposentadoria (fls. 88 ).8. Em realidade, não houve revisão da aposentadoria, e sim retificação, porquanto o

Tribunal não aprovara ainda o ato anterior. Levando-se. em conta que tornar sem efeito o título derevisão, para a edição de novo decreto, importaria em delongas, que, em realidade, não alterariao projeto do presente processo, somos de opinião pela manutenção do processamento, à vista doart. 14 do Decreto-lei n° 200.

7. Sendo o novo provento fixado acima do salário mínimo, nosso parecer é pela legalidadedo ato.

__________________________Parecer em 13-10-75.

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PROCESSO N.° 176/75

Procurador ROBERTO ROSASEMENTA1. Aposentadoria por alienação mental.2. Incapacidade absoluta reconhecida pelo art. 5° do Código Civil.

Impossibilidade da prática dos atos de vida civil.3. Declaração de bens para o processo de aposentadoria. O servidor

não pode firmá-la.4. Se for casado, a mulher é sua representante legal, sendo o marido

judicialmente declarado interdito (C.C., art. 251, III).5. Não há necessidade de decretar-se a interdição, pois a mulher pode

representar o marido nessa situação, por força do regime da comunhão debens.

PARECERO servidor foi aposentado por ser portador de alienação mental. Proventos integrais nos

termos da Lei n° 1.711 devidamente calculados. Portanto é de ser julgada legal a aposentadoria.Ocorre peculiaridade, neste processo, já verificada em outros. Concerne à declaração de

bens firmada pela mulher do servidor, sendo ele alienado mental.A exigência de declaração tem sua sede na Lei n° 3.164, de 1°-6-1957 que instituiu o

registro público dos valores e bens pertencentes ao patrimônio privado de quantos exerçamcargos ou funções públicas da União. Daí a declaração do servidor público para efeito de posse,regra confirmada pelo Estatuto (Lei n° 1.711, art. 24, parágrafo único).

Em decorrência, verificamos que a lei não exige a declaração para a formalização daaposentadoria, mas em louvor desse registro, a declaração seria o encerramento das atividadespúblicas do servidor.

Sendo a aposentadoria concedida com base em laudo médico que considera o servidorportador de, doença que acarreta a sua incapacidade absoluta (Código Civil, art. 5°),caracteriza-se a impossibilidade da prática dos atos da vida civil por esse servidor, e se os houverserão nulos. O caminho a seguir para esses indivíduos é a instituição da curatela (Código Civil,art. 447, I), em decorrência da interdição. Efetivamente, ainda caracterizada a alienação mental, oportador não está interditado, evidentemente cabe ao curador a sua representação, e em sendocasado, o cônjuge é de direito o seu curador (C.C., art. 454) . Neste caso, para efeito dedeclaração de bens, caberá ao cônjuge essa afirmação, porquanto à mulher compete a direção ea administração do casal, quando o marido for judicialmente declarado interdito (C. C., art. 251,111), administrando os bens comuns e os do marido, até alienando os imóveis comuns. O TCDFjá orientou-se nesse sentido (Processo n° 12/75, julgado em 28-1-75).

Mas ocorre freqüentemente, por desinteresse, condições financeiras, desconhecimento, anão-interdição do alienado mental casado sob o regime da comunhão de bens. Neste caso, adeclaração de bens para efeitos de formalização do processo de aposentadoria pode ser feitapela mulher.

O regime da comunhão universal importa na comunicação de todos os bens presentes efuturos, sendo a propriedade e posse desses bens em comum. Observa Clóvis Beviláqua que alógica do direito diz que a administração dos bens comuns deve caber a ambos os consortes(Direito de Família, § 39). Ademais, a mulher pode praticar quaisquer atos não vedados por lei,como determina a Lei n° 4.121. A declaração de bens para preencher o requisito daaposentadoria é condição essencial para o estabelecimento do ato. Sem a declaração não sepreenchem os requisitos, inclusive o Decreto n.º 2.543/74, do Distrito Federal, susta o pagamentode abono provisório sem a apresentação da declaração. Logo, deduzimos que o dever da mútua

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assistência entre os cônjuges (C. C., art. 231, 111) seja invocado pela mulher para asobrevivência da família. Como acentuou Orlando Gomes, a mulher investe-se apenas nospoderes estritamente necessários à cura dos interesses da família. Compete-lhe, por outraspalavras, praticar os atos indispensáveis ao governo e administração da sociedade conjugal.(Direito de Família, § 89).

Assim, concluímos:1) Quando o servidor, aposentado por alienação mental, for interditado, cabe ao curador a

declaração de bens para integrar o processo de aposentadoria.2) Não havendo interdição, o cônjuge. representará o servidor, havendo ou não a interdição.3) Não tendo cônjuge, há necessidade de interdição, com a nomeação do curador.4) Essa. declaração de bens é uma excrescência, porque todo servidor deve apresentar

declaração anual de rendimentos para efeito do Imposto de Renda, onde são declaradosminuciosamente os bens. Logo, melhor que essa declaração final é a declaração anual de bens,onde o Estado poderá melhor aplicar o disposto na Lei n° 3.164, de 1°-6-1957.

________________________Parecer em 5-8-75.

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TRANSFERÊNCIA PAIA QUADRO DEPESSOAL - CRITÉRIOS E SUGESTÕES(*)

Autor: JOMAR MACIEL PIRESInspirado no mais alto propósito de darmos, também, a nossa modesta

colaboração a Vossa Excelência e a essa Egrégia Corte, no momento em quese procedem aos estudos relativos à aplicação do Decreto-lei n° 378/68,permitimo-nos, data vênia, formular as considerações que se nos parecempertinentes à espécie e sugerir as soluções que se nos afiguram maiscondizentes com os interesses do Tribunal.

2. É fato do reconhecimento geral dos servidores desta Corte que asmedidas tomadas na gestão do eminente Ministro Taciano Gomes de Mello, nosentido de obter do Poder Executivo o envio de mensagem ao SenadoFederal, postulando a decretação de lei específica, que criou o Novo Quadrodo Tribunal de Contas do Distrito Federal, foram ditadas, antes de tudo, pordois motivos principais: primeiro, o de dotar o Tribunal, em face da novasistemática de controle financeiro que lhe impunha recente Lei Orgânica, deum quadro de pessoal capaz de atender satisfatoriamente as obrigações quelhe eram agora cometidas; segundo, o de reparar situações de quase atotalidade de seus antigos servidores, cujos níveis de vencimentos, ao longodesses oito anos de vida no Tribunal, não correspondiam nem às difíceisfunções que desempenhavam e nem atendiam aos reclamos mais elementaresdas suas necessidades vitais.

3. Não podemos atribuir a outras razões a imediata acolhida dada peloExcelentíssimo Senhor Presidente da República à exposição de motivos e. aoanteprojeto que lhe enviou o Excelentíssimo Senhor Ministro Taciano Gomesde Mello, então Presidente desta Corte.

4. Determinando o eminente Chefe do Governo que se promovessem osestudos preliminares no DASP e no Ministério do Planejamento, enviou, logoem seguida, sem qualquer objeção daqueles órgãos, a respectiva mensagemao Senado Federal, impondo que sua tramitação obedecesse ao prazo de 45dias, nos termos do art. 54, combinado com o art. 69, inciso IV, e com o art. 17,§ 1°, da Constituição Federal.

Antes, entretanto, do término daquele prazo, foi editado o .AtoInstitucional n° 5, por força do qual o Congresso Nacional entrou em recesso,não podendo, assim, o Senado Federal votar referido projeto de lei.

(*)Trabalho apresentado ao Exm.º Sr. Presidente do Tribunal de Contas do Distrito Federal, a propósito datransferência do pessoal do Quadro Provisório para o instituído pelo Decreto-lei n.º 378/68.

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6. Dez dias depois de editado o Ato Institucional, apressou-se o GovernoFederal em baixar o Decreto-lei n° 378, de 23 de dezembro de 1968, publicadono mesmo dia no Diário Oficial, demonstrando, desse modo, o seureconhecimento à necessidade e à urgência da matéria nele contida.

7. Assim, consideramos, preliminarmente, que urge, encontrar os meiosde sua imediata aplicação.

8. Convém ressaltar, à guisa de introdução, sem que isso implique emsugestão simplista ou de interesse casuístico, que este. Tribunal vemmantendo, por força mesmo de suas necessidades, uma linha de liberalidadena estruturação de seu quadro de pessoal, cujo primeiro núcleo, à época desua instalação e ao qual coube a ingente tarefa de organizá-lo e fazê-lofuncionar, foi formado por servidores recrutados, à base de ínfimos e irrisóriossalários.

9. Instalado em setembro de 1960, o Tribunal só em 1962 realizou osseus primeiros concursos de provas para provimento de dois lugares deAuditores e de um de Procurador-Adjunto, graças aos quais obtinha, depoisdisso, a colaboração especializada e técnica daqueles elementos,possibilitando, dessa forma, que se aliviassem os órgãos de suasatividades-fins, já de si tão precários, de vários encargos que lhes eramatribuídos, por força das necessidades do Tribunal.

10. Aquele período, que podemos chamar de pioneiro e heróico, exigiu detais servidores, que procuravam suprir suas deficiências com inexcedíveldedicação, um esforço que não pode ser hoje esquecido, quando seapresenta, no momento, a oportunidade de testemunhar-lhes oreconhecimento desta Corte.

11. Parece nos que esse nobre propósito está contido no próprio contextodo Decreto-lei n° 378/68, quando atribui ao Tribunal, de forma ampla, aprerrogativa de regular a transferência de seus servidores para o NovoQuadro, estabelecendo, como condicionamento, o grau de instrução, similitudede funções e curso de treinamento.

12. É nesse sentido que formulamos as considerações e as soluções quese seguem.

13.Examinemos o que diz o art. 4° do Decreto-lei n° 378/68:"O Tribunal regulará a transferência dos servidores do Quadro Provisório,

instituído pelo Decreto-lei n° 274, de 28 de fevereiro de 1967, para o Quadrode que trata o presente Decreto-lei, tendo em vista o grau de instrução de cadaum, a similitude. das atribuições que atualmente desempenhe e o resultadoobtido em cursos de treinamento a que, obrigatoriamente, se. submeterãotodos os que não hajam sido admitidos mediante concurso público de provas,quer exerçam funções gratificadas, de carreira ou em comissão, observado odisposto no art. 4° da Lei n° 5.437, de 16 de maio de 1968."

14.E o art. 4° da Lei n° 5.437, de 16 de maio de 1968, dispõe, verbis:"Art. 4° O art. 54 e parágrafos, e o art. 56 do Decreto-lei n° 274, de

28 de fevereiro de 1967, passam a ter a seguinte redação:

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Art. 54. O pessoal do Quadro Provisório poderá ser aproveitado emcargos vagos do Quadro Permanente, atendido o interesse daadministração e observados os critérios fixados neste artigo.

§ 1° O aproveitamento dos funcionários nomeados ou admitidosmediante habilitação em concurso ou prova pública de carátercompetitivo será processado, independentemente de outrasformalidades, em caros de atribuições iguais ou equivalentes àsdaqueles que ocupam atualmente.

§ 2° O aproveitamento dos demais funcionários far-se-á:1 - mediante prova de suficiência, quando se tratar de ocupante de

cargo de nível superior ou técnico de grau médio, portador de título dehabilitação legal para o exercício da profissão;

11 - mediante conclusão de. curso de treinamento específico,quando se tratar de ocupante de cargo não compreendido nos gruposindicados no item anterior.

§ 3° As normas para a realização da prova de suficiência e docurso de treinamento, mencionados no parágrafo anterior, bem como oscritérios para a inscrição e habilitação dos respectivos concorrentesserão objeto de regulamento a ser baixado pelo Prefeito."

15. Que pretende o art. 4° da Lei n° 5.437/68?16. Assegurar que a estruturação do Quadro Permanente, criado pelo

Decreto-lei n° 274/67, fosse feita de forma tal, que os seus integrantespossuíssem comprovada habilitação, ou mediante concurso, ou através deprova de suficiência ou curso de treinamento.

17. Portanto, a preocupação dominante era a fixação de critérios rígidospara o mecanismo do aproveitamento, vale dizer, de transferência.

18. As regras contidas no aludido art. 4° da Lei n° 5.437/68 dizemrespeito à maneira de como processar-se a transferência, sem cogitar doelemento humano, mas somente adstrito á forma, com o intuito de garantir-seum Quadro ocupado mediante critérios objetivamente sérios.

19. Por isso, sua sistemática prende-se, sobretudo, a uma apreciação decargos, isto é, como melhor dispô-los para provê-los.

20. Nas normas deste artigo, os servidores entram como merosocupantes de cargos, não sendo suas aptidões pessoais levadas emconsideração, porquanto a intenção que aí prevaleceu foi a de estabelecer ocomo se deva transferir e não quem deva ser transferido.

21. Que deseja o art. 4° do Decreto-lei n° 378/68?22. Atribuir ao Tribunal a competência para regular a transferência do

pessoal do Quadro Provisório para o de que trata o citado diploma legal,chamando-lhe a atenção para a necessidade de ter em vista as qualidadespessoais dos servidores, expressas, ou através de seu Grau de instrução, oumediante o exercício de atribuições mais elevadas do que as de seu própriocargo, no momento da transferência.

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23. Aqui se dá ênfase ao elemento humano, ensejando a que o executorda lei considere, sobremodo, o valor pessoal do servidor, apreciando seu graude instrução e levando em conta as atribuições que na ocasião desempenha.

24. Com isto, o legislador fez acrescer às regras rígidas do art. 4° da Lein° 5.437/68, novas dimensões para a concretização da transferência. Não sedeve preocupar-se, apenas, em acomodar, mecanicamente, os servidores noscargos iguais ou equivalentes aos que ocupam.

25. Isto seria tarefa de rotina, sem maior relevância.26. Ora, a implantação de um Quadro de Pessoal, em caráter definitivo,

não pode ser obra rotineira, mas supõe toda uma análise de elementosobjetivos e subjetivos. Exatamente por isso é que o Decreto-lei n° 378/68manda que o Tribunal, no regulamentar a transferência, o faça tendo em vistacondicionamentos que transcendem à mera apreciação de cargos, mas queressaltam o valor e as qualidades do servidor.

27. Em síntese, não se pode ser fiel à lei, aplicando somente as regrasestabelecidas no art. 4° da Lei n° 5.437/68 e desprezando os critérios doDecreto-lei n° 378/68.

28. Para aquela fidelidade exigida é indispensável conjugar-se os doisdispositivos e interpretá-los à luz dessa conjugação, na qual aparece um todoharmônico, capaz de fornecer o caminho tranqüilo que se deseja trilhar.

29. Da análise dos dois artigos resulta, portanto, em primeiro lugar, aabsoluta necessidade de sua aplicação em conjunto, e não, separadamente.

30. Para que se obtenha uma clara e justa execução das referidas leis éindispensável que se leve em consideração as regras contidas em uma e oscritérios estabelecidos na outra, isto é, o cumprimento da forma estatuída pelaLei n° 5.437/68 (mecanismo) com o conteúdo (valor pessoal) que lhe dá oDecreto-lei n° 378/68.

31. Estas considerações não teriam procedência ou valor, caso nãopudéssemos oferecer hipóteses concretas.

32. Desejamos demonstrar como podem ocorrer casos em que a simplesaplicação do art. 4° da Lei n° 5.437/68 encontraria óbices dificilmentesuperáveis, o que não se verificará com a junção ou a soma dos valorescontidos no art. 4° do Decreto-lei n.º 378/68.

33. Senão, vejamos:1.ª hipótese: "Concursado que possua grau de instrução mais

elevado do que o exigido para o concurso a que se submeteu."34. Aplicado, pura e simplesmente, o critério fixado no art. 4° da Lei n°

5.437/68, o concursado em referência seria transferido, sem quaisquerformalidades, para cargo igual ou equivalente ao que ocupa.

35. Todavia, entendemos que o Decreto-lei n° 378/68 não quer restringira transferência para cargo igual ou equivalente, mas, também, possibilitar suatransferência para cargo mais elevado, condizente com seu grau de instrução.Não, sem maiores formalidades, mas submetendo-o, a curso de treinamentoespecífico.

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36. Verifica-se, nesta hipótese, a conjugação expressa dos arts. 4° dosdois diplomas legais: 1°) tendo em vista o grau de instrução do concursado; 2°)a necessidade de um curso de treinamento específico para cargo maiselevado.

37. 29 hipótese: "Ocupante de cargo que esteja exercendo funções deatribuições mais elevadas do que as de seu cargo."

38. Adotada, exclusivamente, a norma constante do art. 4° da Lei n°5.437/68, a transferência far-se-á tão-somente para cargo igual ou equivalenteao de que é ocupante.

39. A vista do disposto no art. 4° do Decreto-lei n° 378/68, infere-se queesse dispositivo não pretende limitar a transferência, mediante curso detreinamento, somente para cargo igual ou equivalente, mas, levando em contaa similitude das atribuições que no momento desempenhe, expressas,inclusive, no padrão de vencimentos, permitir sua transferência para cargomais elevado, mediante curso de treinamento específico.

40. É, também, a conjugação dos arts. 4° dos dois diplomas legais: 1°)levar-se em conta a similitude das atribuições que desempenha o servidor; 2°)exigir-se o curso de treinamento específico para sua transferencia.

41. 3d hipótese: "Ocupantes de cargos de grau médio ou superior,portador de diploma de nível universitário e desempenhando atribuições maiselevadas que as de seus próprios cargos:"

42. Também, observados, apenas, os critérios do art. 4° da Lei n.º5.437/68, esses servidores seriam transferidos, após provas de suficiência oucurso de treinamento, para cargos iguais ou equivalentes aos de que sãoocupantes.

43. Neste caso em que os ocupantes apresentem os dois requisitos dashipóteses anteriores, isto é, grau de instrução (diploma) e atribuições maiselevadas (similitude) não nos parece possa restringir-se sua transferência paracargos iguais ou equivalentes aos que ocupam, sem se ferir o espirito doDecreto-lei n° 378/68. Ao contrário, achamos que essas transferências possamser feitas para cargos mais elevados, mediante curso de treinamentoespecífico.

44. Pelas hipóteses aqui apresentadas, verificamos a existência decasos, cuja solução não poderia encontrar acolhida somente com a aplicaçãoda Lei n.º 5.437/68.

45. As situações levantadas neste trabalho demonstram, ã. saciedade,ser imprescindível a conjunta aplicação dos dois diplomas legais.

46. Com esses elementos, submetemos o presente estudo àconsideração de Vossa Excelência, esclarecendo que o nosso intuito visacontribuir para melhor elucidação e conseqüente apreciação dos textos legaisem análise, para a regulamentação a ser baixada pela Egrégia Corte.

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III. – TRABALHOS E JURISPRUDÊNCIAS

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CONTRATOPublicação no Diário Oficial em resumo e sua dispensa.

Procurador do Tribunal de Contas da União DR.SEBASTIÃO BAPTISTA AFFONSO

PARECERO Distrito de Meteorologia do Ministério da Agricultura em Belo Horizonte, por intermédio da

IRCE/MG, suscita a questão da publicidade dos contratos no "Diário Oficial", para a adjudicaçãode serviços relacionados com manutenção de bens móveis e outros assemelhados, quando asdespesas deles decorrentes forem de pequeno valor. 2. Pondera a instrução, em síntese:

a) que o ajuste daqueles serviços costuma ser feito mediante "contrato-tipo", adotado pelarespectiva empresa prestadora;

b) que tal instrumento, rotulado de "contrato", equipara-se à "carta-contrato”;c) que não há obrigatoriedade para contrato bilateral nesses casos (art. 134 do Deerecto-lei

n° 200/67);d) que a falta da publicação, no prazo de 20 dias, torna inexistente o contrato (art. 792 do

RGCP e art. 25, § 3°, do Decreto-lei n° 426/38);e) que não haveria necessidade da publicação do contrato quando a sua lavratura fosse

facultativa;f) que a dispensa da publicação de "carta-contrato" já foi admitida (Decisão TCU de

21-3-1972; In Rev. n° 3, pág. 272) .3. Na sessão de 3-6-1975, a requerimento do Sr. Relator, o eminente Ministro Wagner

Estelita Campos, foi solicitado o pronunciamento desta Procuradoria (a Secretaria das Sessões,pelo seu operoso titular, fez presente aos autos um rol de decisões já adotadas sobre a espécie,colaboração esta de grande valia, para melhor orientar a solução do caso em exame).

II4. Uma preliminar caberia ser levantada, qual a do cabimento da consulta, nos termos em

que formulada.5. A Resolução TCU n° 55, de 8-3-1968, que "dispõe sobre a competência do Presidente e

do Plenário", no seu Capítulo V, arts. 60 e 61, estabelece o seguinte:"Art. 60. O Plenário decidirá sobre as consultas que lhe forem formuladas quanto a

dúvidas suscitadas na aplicação de dispositivos legais concernentes à matéria de suacompetência, pelo Presidente do Senado Federal, da Câmara dos Deputados, dosTribunais Federais e pelos Partidos Políticos, bem como pelos Ministros de Estado,Governadores, responsáveis pela direção dos órgãos centrais dos Ministérios, dirigentes deentidades da Administração Indireta e Prefeitos Municipais.

Parágrafo único. As consultas, acompanhadas de parecer do órgão de assistênciajurídica da autoridade consulente, conterão indicação precisa do seu objeto e serão,sempre que possível, formuladas articuladamente.

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Art. 61. As decisões tomadas pelo Plenário do Tribunal, quando aprovadas por cincoMinistros, no mínimo, terão caráter normativo e importarão prejulgamento.

§ 1° O Plenário, por iniciativa do Presidente, de qualquer Ministro ou de representantedo Ministério Público, ou, ainda, a requerimento do interessado, poderá reexaminar decisãoanterior.

§ 2° A decisão tomada em reexame da matéria somente prevalecerá em seus novostermos, a partir da sua publicação."

6. O caso vertente, de fato, encerra uma consulta, sobre "dúvidas suscitadas na aplicaçãode dispositivos legais, concernentes á matéria", compreendida na competência da colenda Cortede Contas; ocorre, porém, que não foi ela formulada por autoridade competente, para tal fim.

7. Verifica-se, entretanto, que a questão surgiu em face de "recomendações" feitas, pelaequipe de inspeção realizada na repartição suscitante, a qual encontrou dificuldade noatendimento da medida, sendo que o Departamento Central, ciente do problema, deu orientaçãodivergente da exigência feita pela IRCE (fls. 2, alínea d).

8. Diante disso, considerando também a relevância da matéria, poder-se-ia conhecer doprocesso em causa, não como "consulta" (porque formulada por autoridade sem competênciapara tanto), mas como Representação da Inspetora Regional, a qual pretende ver dirimida adúvida, na aplicação dos dispositivos legais que regem a espécie, para melhor conduzir a suaatuação, diante da contestação feita pelo órgão inspecionado.

III9. O Decreto-lei n° 200 (Reforma Administrativa), de 25-2-67, no seu Titulo XII, ao tratar "das

normas relativas a licitações para compras, obras, serviços e alienações", estabeleceu o seguinte:"Art. 134. As obrigações, decorrentes de licitação ultimada, constarão de:I - contrato bilateral, obrigatório nos casos de concorrência e facultativo nos demais

casos, a critério da autoridade administrativa; eII - outros documentos hábeis, tais como cartas-contratos; empenho de despesas,

autorizações de compra e ordens de execução de serviço.§ 1° Será fornecida aos interessados, sempre que possível, a minuta do futuro

contrato.§ 2° Será facultado a qualquer participante da licitação o conhecimento dos termos do

contrato celebrado."10. Esse mesmo diploma legal, quando cuidou dos "princípios fundamentais" da reforma,

assim estatuiu a respeito da "Descentralização" (Capítulo III do Titulo 11)"Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente

descentralizada.§ 1º A descentralização será posta em prática em três planos principais:a) dentro dos quadros da Administraçãob) da Administração federal para a das unidades federadas... ; ec) da Administração Federal para a órbita privada, mediante contratos ou concessões............................................................................§ 7° Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação,

supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquinaadministrativa, a Administração, procurará desobrigar-se da realização material de tarefasexecutivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato,

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desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada adesempenhar os encargos da execução.

11. Por outro lado, o art. 772 do antigo Regulamento Geral de Contabilidade Pública(Decreto n° 15.783, de 8-11-1922), preceituou:

"Art. 772. As disposições sobre os contratos aplicam-se aos ajustes, acordos ouobrigações que derem origem ao recolhimento da receita ou ao pagamento de despesas dequalquer natureza."

12. Sabe-se, ainda, conforme os ensinamentos dos grandes mestres, que "contrato é o atojurídico, em virtude do qual duas ou mais pessoas se obrigam, por consentimento recíproco, adar, fazer ou não fazer alguma coisa" e, bem assim, que contrato bilateral (ou sinalagmático) é"aquele de que para ambas as partes contratantes resultam obrigações, como a venda e ocomodato" (In "Teoria e Prática dos Contratos por Instrumento Particular no Direito Brasileiro", deAffonsa Dionysio Gama, RJ/1919).

IV13. Verifica-se, por conseguinte, que as obrigações, quando decorrentes de licitações,

deverão constar de "contrato bilateral", nos casos de concorrência, mas poderão figurar de"cartas-contratos", de empenho de autorização para compra, de ordem para execução dosserviços, dentre outros documentos hábeis.

14. Aquela compulsoriedade, a nosso ver, decorre da necessidade de ficarem bem definidasas obrigações recíprocas, nos casos de obras, de compras ou de serviços, que pelo seu grandevulto, exijam maiores cautelas nas correspondentes adjudicações.

15. Quando, porém, tenha havido tomada de preços ou convite, a simples participação noprocesso licitatório, implicitamente, importa aceitar as obrigações gerais, contidas no respectivoedital ou convite, nos termos previstos nos arts. 130, incisos 1 a VIII, e 133, do Decreto-lei n°200/67. 16. Logo, só com a mera emissão do empenho, da autorização de compra, da ordem deexecução ou da carta-contrato, fica completado o negócio, objeto da licitação, à moda doscontratos mercantis, por correspondência.

V17. Na hipótese, entretanto, de adjudicação não precedida de licitação, impõe-se

documentar, por meio hábil, as obrigações assumidas pelo adjudicatário.18. Isto seria irrelevante, em obediência ao princípio contido no art. 14 do Decreto-lei n°

200/67, nos casos de "pequeno vulto", em que se torna dispensável a licitação (Decreto-lei cit.,art. 126, alínea h do § 2°; e Decreto n.º 60.888, de 22-6-1967).

19. Pela mesma razão, não teria aquela exigência maior significado, também, nas despesasfeitas com dispensa da licitação (art. 126 cit., alíneas ‘a’ a ‘h’ do seu § 2º), quando o seu totalglobal não ultrapassar os limites fixados para a realização de "convite" (art. 127, § § 5º e 6°, doDecreto-lei n.º 200/67).

20. Nessas adjudicações diretas, em regra geral, os compromissos são de carátermomentâneo, efetuando-se os devidos pagamentos após "liquidação", fase esta em que se apuracumprimento de todas aquelas obrigações, sem maiores implicações futuras.

21. Não se incluem, contudo, dentre as hipóteses em que seria desnecessária acolaboração de contrato, aludidas nos §§ 18 e 19 precedentes, as locações residenciais e deserviços (inclusive manutenção dos bens móveis), porquanto devem ficar explicitadas asresponsabilidades de ambas as partes, que se projetam no futuro, com caráter continuado. VI

22. Entendemos, destarte, que se torna imprescindível a celebração do contrato:a) quando as obrigações decorrerem de concorrência (DL n.º 200/67, art. 134) ;

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b) nas adjudicações (compras, obras e serviços), não precedidas de licitação (DI n.º 200/67,art. 126, alíneas ‘a’ a ‘h’ do seu § 2°), de valor igual/superior aos limites previstos para dispensade convite (art. 127 cit., § § 5° e 6º) ;

c) na descentralização de serviços e atividades, da Administração Federal para a órbitaprivada (DL n.º 200/67, art. 10, letra c do § 1º e § 7°), desde que o valor das despesas outransferências, em cada exercício financeiro, não ultrapasse aquele mesmo limite, fixado paradispensa de convite (art. 127 e parágrafos supracitados);

d) nas locações de imóveis e de serviços, inclusive para a manutenção dos bens móveis, deefeito permanente, no tempo, pelas conseqüências que possam advir do eventualinadimplemento de uma das obrigações previamente estabelecidas.

23. Os contratos em geral, para sua validade, estão subordinados a uma série de requisitose condições, destacando-se dentre estas a sua publicação no "Diário Oficial".

24. De conformidade, todavia, com aquele entendimento, poder-se-ia estabelecer uma certadistinção, entre os diversos tipos de contratos, para admitir-se o abrandamento das exigênciaslegais e regulamentares, diante do mesmo princípio acima invocado (art. 14 do Decreto-lei n°200/67), qual a da simplificação de procedimentos e supressão de controles, que se evidenciamcomo puramente formais ou cujo custo seja evidentemente superior ao risco.

25. Não se pode, evidentemente, suprimir trâmites essenciais ou forma1?dadesestabelecidas em lei, o que não obsta, contudo, que sejam adotados procedimentos outros, emalternativa, como sucedâneos eficazes, para aqueles trâmites ou formalidades, uma vez não hajaprejuízo, quanto aos seus reais objetivos.

VIl26. Em várias assentadas, o Eg. Plenário já teve oportunidade de apreciar alguns aspectos

do problema em lide.27. Na sessão de 11-12-1969, solucionando consulta do DNM-MTPS, sobre a

obrigatoriedade de publicação dos convênios, para desenvolvimento de cursos intensivos, foramacolhidas as conclusões do voto proferido pelo eminente Ministro Wagner Estelita Campos,Relator, do seguinte teor (Ata n° 94/69, in D.O. de 20-1-70)

"Voto, acolhendo os pareceres do Senhor Diretor e do Ministério Público, econsiderando sobretudo reiteradas decisões do Tribunal, na espécie, sobre a vitalidade dedispositivos, especialmente, do CCU e do RGCP, que: a) os contratos, ajustes, acordos,convênios ou outras obrigações que derem origem ao recolhimento de receita ou aopagamento de despesas de qualquer natureza, serão publicadas no "Diário Oficial" ou noórgão que inserir tais atos nos Estados (art. 789 do RGCP; § 3°, art. 25, do Decreto-lei n.º426, de 12-5-1938), salvo se, a juízo do Presidente da República, a publicação afetar adefesa nacional, ou o crédito público (§ 5°, art. 25, do Decreto-lei n° 426, citado; art. 792, infine, do RGCP) ; b) é permitida a publicação de resumos de contratos padrões, queobedeçam a cláusulas uniformes, na conformidade das diretrizes fixadas no art. 13, in fine,do Decreto n° 63.347, de 2-10-68."

28.A 21-3-1972, foi determinado que respondesse á consulta do DAM-Ministério da Marinha, nos termos da conclusão do voto do nobre Ministro Vergniaud

Wanderley, Relator, a saber (Ata n.º 18/72, in D.O. de 26-4-1972)"Deverá ser esclarecido que o dito contrato bilateral, obrigatório, nos termos do art.

134, item II, do Decreto-lei n.º 200/67, nos casos de concorrência e facultativo nos demais,deverá, em resumo, obedecer aos seguintes dispositivos legais:

I - art. 767, letra g, do RGCP, determinante de sua lavratura nos órgãos aos quaisinteresse o serviço;

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II - art. 784 do RGCP, que o condiciona à aprovação ministerial; eIII - art. 25 do Decreto-lei n° 426, de 12-5-38 (e não art. 789 do RGCP, conforme

sugere a instrução), à luz do qual é obrigatória sua publicação no "Diário Oficial" dentro de20 dias contados de sua assinatura.

Quanto à carta-contrato, adotada facultativamente na hipótese de realizar-se convite outomada de preços, a resposta satisfatória é a proposta nos autos, ou seja, a carta-contrato "é oinstrumento pelo qual a firma vencedora de uma licitação por convite ou tomada de preçosassume o compromisso de executar o objeto da referida licitação, observadas as condiçõesestipuladas, de conformidade com a proposta apresentada e aceita, diferindo do contrato peladispensa de formalidades exigidas quanto a este, especialmente no tocante à forma de licitação,lavratura, aprovação ministerial e publicação."

29. Determinando diligência sugerida nos pareceres, para o fim de serem sanadas asirregularidades argüidas, na sessão de 27-9-73, foi acolhida entre judicioso veto do ilustre MinistroWagner Estelita, no qual S. Ex.ª assim concluía (Ata n.º 72/73; Ire D.O. de 31-12-73 e RevistaTCU n.º 6, pág. 89)

"Diante de todo o exposto, firmo a convicção de que: 1. os contratos administrativosregulam-se pelos mesmos princípios gerais que regem os contratos de Direito Comum, noque concerne ao "acordo de vontades" e ao "objeto", observadas, porém, quanto à suaestipulação, aprovação e execução, as normas de Direito Administrativo e de ContabilidadePública" (Regulamento Geral de Contabilidade Pública, art. 766, 767, letra h, 794);

2. os contratos que, por qualquer modo, interessem imediatamente à receita ou àdespesa pública independem de registro prévio ou posterior do Tribunal de Contas daUnião, sujeitos, porém, ao controle exercido pelo mesmo Tribunal (Emenda Constitucionaln° 1/ 69, art. 72, § 5º);

3. os contratos serão assinados por autoridade competente para empenhar despesas, emvirtude de lei ou delegação (RGCP, art. 767, letra a); os de constituição de aforamento de terrenode marinha ou de seus acrescidos (enfiteuse) serão assinados pelo Procurador da FazendaPública que poderá, para esse fim, delegar competência a outro servidor federal (Decreto-lei n°9.760, de 5-9-1946, art. 75). Os contratos com pessoa jurídica serão assinados por quem, porforça legal, contratual ou estatutária, tenha capacidade para o fazer (Código Civil, art. 17) ;

4. os contratos serão subscritos por duas testemunhas (Código Civil, art. 135) ;5. os contratos em geral, assim como as minutas, deverão ser aprovados pelos respectivos

Ministros de Estado (RGCP, arts. 781, 784 e 187), ou autoridade diretamente subordinada aoPresidente da República. ® Ministro pode delegar a aprovação, não podendo a outorga recair nomesmo funcionário perante o qual o contrato foi estipulado (RGCP, art. 786) . Elos funcionáriospúblicos e aos militares é proibido fazer contratos de natureza comercial ou industrial com oGoverno, direta ou indiretamente, ou neles figurar como representantes de terceiros (RGCP, art.779; Lei n° 1.711, de 28-10-1952; Lei n° 5.774, de 23-12-1971); 6. os contratos serão lavrados emlivros especialmente destinados a esse fim - que ficarão à disposição dos inspetores de controleinterno e externo - salvo nos casos em que a lei exija a escritura pública, ou assim a considere leiespecial, e traduzidos legalmente em vernáculo, se escritos em língua estrangeira (RGCP, arts.783 e 78'7, letra g; Código Civil, arts. 134, n° II, e 140);

7. na redação dos contratos serão observados: a ortografia oficial, aprovada pela Lei n°2.623, de 21-10-1955, com as alterações de que trata a Lei n° 5.765, de 18-12-1971; asprescrições, quanto aos números e símbolos, dos Decretos n°s 52.423, de 30-8-1963, e 63.233,de 12-9-1968; os preceitos relativos ao emprego do cruzeiro e frações, na forma da lei;

8. os contratos serão publicados no `Diário Oficial" ou no órgão oficial nos Estados, dentrode vinte dias a partir de sua assinatura (Decreto-lei n° 426, de 12-5-38, art. 25, § 3°). Serão

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considerados inexistentes os contratos que não forem publicados no prazo legal (RGCP, art.792). Os contratos de pessoal podem ser publicados no Boletim de Pessoal. Será dispensável apublicação dos termos, ajuste ou contratos relativos a imóveis da União (Decreto-lei n.º 9.760, de5-9-1946, art. 74) e a dos contratos que decorrem de atos ou se referem a assuntos classificadoscomo sigilosos, assim conceituados de acordo cora o disposto no Decreto n° 60.417, de11-3-1967, alterado pelo de n° 69 .531, de 11-11-1971, bem como a dos que estão desobrigadosem virtude de lei especial;

9. são cláusulas essenciais, nos contratos administrativos, as enumeradas no art. 775, § 2°,do RGCP, e facultativos (acessórias) quaisquer outras que as partes deliberarem pactuar-se enão contra venham disposições legais;

10. a lavratura de contratos é obrigatória nos casos de concorrência e facultativa nos demaiscasos, a critério da autoridade administrativa (Decreto-lei n.º 200, de 25-2-1967, art. 134, n° 1);

11. os contratos deverão ter duração certa, adstrita à vigência dos respectivos créditos, nãopodendo exceder de cinco anos (RGCP, art. 777), salvo disposição expressa em contrário em leiespecial;

12. será facultativa, a critério da autoridade competente, a exigência de prestação degarantia por parte dos licitantes, segundo as modalidades previstas no art. 135 do Decreto-lei n.º200, de 25-2-1967;

13. instruirão os contratos, além de outros documentos obrigatórios em virtude de lei, osrelativos (Decreto-lei n.º 200, art. 131):

I - à personalidade jurídica;lI - à capacidade técnica;III - à idoneidade financeira do contratante;14. os termos aditivos obedecerão, quanto à sua elaboração, assinatura, publicação e

documentação, às regras estabelecidas para os contratos (ex argurnento do art. 722 do RGCP);15. rios atos de prorrogação, suspensão ou rescisão dos contratos, deverão ser respeitadas

as formalidades exigidas para a legalidade dos mesmos, salvo na hipótese de prorrogação deprazo para a conclusão de obras ou de fornecimento (RGCP, art. 769 e parágrafo único);

16. nas revisões dos preços unitários contratuais ou em parte do valor global contratualserão observadas as disposições do Decreto-lei n° 185, de 23-2-1967;

17. são considerados nulos (RGCP, art. 778, e Lei n.º 4.717, de 29-6-1965, art. 49):I - os contratos verbais com a Fazenda Pública;II - a empreitada, a tarefa e a concessão do serviço público, quando:a) o respectivo contrato houver sido celebrado sem prévia concorrência pública, sem que

essa condição seja estabelecida em lei, regulamento ou norma geral;b) no edital de concorrência forem incluídas cláusulas ou condições que comprometam o

seu caráter competitivo;Ill - as modificações ou vantagens, inclusive prorrogações, que forem admitidas, em favor do

adjudicatário, durante a execução dos contratos de empreitada, tarefa e concessão de serviçospúblicos, sem que estejam previstas em lei e nos respectivos instrumentos;

IV - a compra e venda dos bens móveis ou imóveis, nos casos em que não cabível aconcorrência pública, quando:

a) for realizada com desobediência a normas legais, regulamentares, ou constantes deinstruções gerais;

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b) o preço de compra de bens for superior ao corrente no mercado, na época da operação;c) o preço de venda dos bens for inferior ao corrente no mercado, na época da operação."30. Alguns outros julgados, em tema dessa natureza, deixam bem marcada a

obrigatoriedade de serem os contratos e convênios, indistintamente, celebrados com observânciadas normas legais sobre a espécie, sobretudo quanto à publicação oficial, no prazo de 20 dias,como dão notícias as Atas n°s 19, de 27-3-1973 (TC n° 7.497, in D.O. de 8-8-73, págs. 4.486 a4.502) ; 74, de 1°-10-1974 (TC n° 39 .393 / 74 e TC n° 29.676/ 74, in D.O. de 17-10-1974, pág.11.913) ; 83, de 31-10-1974 (TC n.º 37.293, in D.O. de 21-11-1974, págs. 1.260 e seguintes); e11, de 27-2-1975 (TC n0 37.355/74, in D.O. de 21-3-1975, págs. 3.458 e 3.459).

31. Na sessão de 22 de maio p. passado, nos termos do voto emitido pelo preclaro MinistroEwald Pinheiro, foi admitida a publicação, em resumo, dos contratos, convênios outermos-padrões, celebrados pelo PIPMO, em face das peculiaridades do caso, devendo, porém,conter: a) número do termo; b) identificação das partes; c) vigência do instrumento; d) número detreinandos; e) valor a pagar; f) número do empenho prévio; g) objeto e dispositivo legal queautoriza a celebração dos termos; além disso, cada órgão deverá manter devidamentearquivados, para os fins de direito, o inteiro teor dos referidos termos, com a indicação do "DiárioOficial" em que foi publicado o seu resumo (Ata n° 35/75, in D.O. de 6-6-75) .

32. Por último, ainda na sessão de 17-6-1975, ao examinar "carta-contrato", celebrada paraa locação de uma copiadora, à vista da publicação no "Diário Oficial", o colendo Plenário mandouproceder à diligência sugerida, "no sentido da inclusão, mediante termo aditivo, da cláusulaessencial relativa à dotação orçamentária e ao empenho da despesa (Ata n° 41/75, Processo TCn° 16.483/75).

33. Cabe ressaltar, outrossim, que na sessão de 14-10-1974, ao ser apreciada questãoconexa, da qual fora Relator o eminente Ministro Freitas Cavalcanti, teve acolhida o parecer destaProcuradoria, onde havíamos concordado com uma recomendação, ao Ministério da Agricultura,para serem adotadas providências tendentes à observância, com rigor, do prazo legal de 20 dias,para a publicação dos contratos, devendo ser presentes à Inspetoria de Controle Externo o inteiroteor daqueles que forem publicados em resumo" (Ata n.º 79, in D.O. de 11-11-1974) .

VIII34. Para tanto, e bem assim para que esta Procuradoria possa promover o exame da

matéria, na devida oportunidade (Decreto-lei n° 199, de 25-2-1967, arts. 31-V e 37, combinadoscom Resolução TCN n° 45/67, art. 7°, inciso IX), imprescindível afigura-se-nos a publicaçãoregular dos contratos, no prazo legal de 20 dias (Decreto-lei n.º 426/38, § 3° do art. 25; DecisãoNormativa TCU, de 10-5-1973, no Processo TCU n.º 47.149/72, in D.O. de 31-12-1973) .

35. Na verdade, não se torna obrigatória a celebração de contrato bilateral, quanto àsobrigações decorrentes de tomada de preços ou convite (Decreto-lei n° 200/67, art. 13,4).Quando, porém, adotado tal instrumento, não devem ser preteridas as formalidades essenciais,atentando-se ainda para o princípio fundamental da publicidade, que preside a todos os atos daAdministração Pública. Assim sendo, desde que se trate de contrato, mesmo nos casos em quese pudesse dispensar aquele procedimento é pela sua publicação no "Diário Oficial", em seustermos, que se pode fazer o sistemático acompanhamento dos Contratos Administrativos ou atossimilares, ante seus inevitáveis reflexos financeiros (Constituição, arts. 71, parte final do item III,72, §§ 4° e 59, e 153, § 31, e Lei n° 4.717, arts. 1° a 4°).

36. Admitida, que fosse a publicação dos contratos feita em resumo (Decreto n° 73 .140, de9-11-1973, art. 54 ), o inteiro teor dos mesmos não poderia deixar de ser trazido ao conhecimentodo órgão controlador, para o devido acompanhamento e adoção das providências cabíveis, nocaso de haver alguma irregularidade.

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37. O preclaro Ministro Ruben Rosa, em judicioso voto proferido sobre a espécie, teve aoportunidade de assim justificar as razões do seu voto, acolhido na Sessão de 10-10-1965, nasolução de consulta, contrariamente à publicação resumida dos contratos (in D.O. de 16-11-1965,pág. 11.710):

"Il - A publicação no "Diário Oficial" dos contratos celebrados pelo Governo foi erigida em"formalidade essencial" pelo Decreto Legislativo n° 2.511, de 20 de dezembro de 1911.Determina-se mais que, dentro do prazo de 20 dias de sua assinatura e no mesmo prazoremetido ao Tribunal de Contas para o seu julgamento. Se dita remessa desobedecer ao prazolegal, o Ministério Público promoverá o julgamento do contrato em petição instruída com oexemplar da folha do "Diário Oficial" em que ele estiver publicado (Decreto-legislativo n° 2.511, de20 de dezembro de 1911, art. 789 e parágrafo único. Decreto-lei n° 426, de 12 de maio de 1938,art. 25, § 3°). Para os celebrados em favor dos serviços situados no "Polígono das Secas" o prazopara publicação e remessa é de 40 dias (Lei n° 3.681, de 7 de dezembro de 1959). Considera-se"inexistente" o contrato não publicado no prazo legal (Reg. Cont., art. 792). A própria publicaçãodo "edital" obedece a requisitos explícitos (arts. 745, 749, 750, 753, 755) e é feita uma só vez (Lein° 183, de 13-1-36, art. 36) . Dispensa-se, apenas, as "especificações de fornecimento" as quaisconstarão de avulso, distribuído pela repartição que promover a concorrência (Decreto-lei n°1.705, de 27-10-39, art. 1°, n° IV). Por sua vez, a publicação dos contratos será dispensável, ajuízo do Presidente da República, se afetarem a defesa nacional ou o crédito público. Num enoutro caso, ditos expedientes serão submetidos a exame do Tribunal de Contas (Lei n° 3.991, de5-1-29, artigo 19. Lei. n° 156, de 24-12-35, artigo 28, § 3° Decreto-lei n° 426, de 12 de maio de1938, art. 25, § 5°, do Reg. Cont., art. 79'2, in fine. A única exceção diz respeito a contratosfirmados com a União, para o desempenho das funções públicas, cuja publicação nos órgãosoficiais far-se-á "em resumo" (Decretos-leis n°s 4.558, de 10-8-42; 5 .130, de 23-12-42; 5.175, de7-1-1943. Lex voluit) ( . . . ).

Isto posto, até que haja nova legislação permissiva, os contratos concluídos pelo Governofederal devem ser publicados na íntegra no órgão oficial ou no congênere dos Estados (Reg.Cont., arts. 789 a 791) ."

IX38 . Esta Procuradoria, em Representação feita a 26-5-1975 (Ofício n° 129, dirigido à Egr.

Presidência do Tribunal, sugeriu fosse encarecida a especial atenção do Governo federal, porintermédio da Chefia do Gabinete Civil da Presidência da República, para a imperiosanecessidade de serem adotadas providências, dentre outras, a que se segue:

"a) estabelecimento de instruções, de caráter geral, reguladoras dos procedimentoslicitatórios, para a compra de bens ou prestação de serviços, destinados aos diversos órgãospúblicos, a exemplo do que foi feito, modelarmente, pelo DNB/MEx "Instrução IDMB n.º 01l/75, doDepartamento de Material Bélico do Ministério do Exército, publicada no Boletim Interno n° 079,de 30-4-1975) ."

39. Conforme aquela Instrução IDMB n° 01/75, foram aprovadas minutas de "Edital-Padrão","Contrato-Padrão", "Extrato de Contrato", "Finança Bancária", "Seguro-Garantia", dentre outrosmodelos. Com a adoção de exemplar medida, publica-se uma única vez o "Edital-Padrão" e o,"Contrato-Padrão", reduzindo-se as licitações e os correspondentes contratos, respectivamente, abreves "notícia resumida" e "Extrato de Contrato", cujas publicações não acarretariam maioresônus. Dessa forma, sem maiores dificuldades e com grande: racionalização procedimental, dá-sepleno atendimento às normas legais e regulamentares, que regem a espécie.

40. Nenhum empecilho haveria, juridicamente, que obstaculizasse a utiIização dessa mesmasistemática, na área de cada Ministério, com as adaptações que se tornarem necessárias "mutatismutandis", enquanto :pão forem estabelecidas instruções, de caráter geral, reguladoras dosprocedimentos judicatórios e contratação, para a compra de bens ou prestação de serviços, nasRepartições Públicas.

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X41. Feitas estas considerações, à margem da questão central ora em debate, podemos

chegar a uma conclusão, no sentido de ser fixada a seguinte orientação, sem prejuízo dasDecisões Normativas e Recomendações até então adotadas:

I - As obrigações, decorrentes de concorrência, constarão necessariamente de contrato, ebem assim as relativas a compras, obras ou serviços, cujos custos globais excedam do limitefixado para a realização de convite, quando não tenha havido licitação.

II - As obrigações, decorrentes de convite ou tomada de preços, constarão de outrosdocumentos hábeis (tais como cartas-contratos, empenho da despesa, autorização de compra eordem de execução dos serviços), mediante referência ao respectivo edital, que as tenhaespecificado.

III - As obrigações relativas a compras, obras ou serviços, de valor contido no limite máximofixado para a realização de convite, quer tenha havido licitação ou não, constarão explicitamentede documento hábil, que dê origem à despesa, quando não tenha havido licitação,dispensando-se o contrato, nesses casos, sempre que os efeitos da negociação ficam exauridoscom o pagamento do preço, por parte da Administração, o qual era devido ao credor, pela regularprestação do que lhe cabia, sem implicações futuras de maior relevância, à falta de vínculoobrigacional continuado.

IV - As obrigações, relativas a locações de imóveis e de serviços, inclusive para amanutenção de bens móveis, constarão de contrato, quando não tenha havido licitação, e quandodecorrentes de convite ou tomada de preços, se o edital foi omisso ou lacunoso, com referênciaàquelas que dizem respeito ao locador e aos limites das do locatário (sendo completo o edital,aplica-se a solução prevista no inciso II, supra).

V - Nas compras de bens e execução de obras ou de serviços, quando de pequeno vulto,em razão do que é dispensável a licitação (letra ‘i’ do § 2°, art. 126 do Decreto-lei n° 200/67), aadjudicação direta torna prescindível o contrato ou outros documentos, salvo o empenho prévio,devendo porém o pagamento integral ser feito após exauridas as respectivas obrigações.

VI - Em todos aqueles casos, nos quais se torna necessária a celebração de contrato, quertenha havido concorrência ou não, devem ser observados os devidos trâmites, requisitos econdições estabelecidos nas normas legais que regem a espécie, inclusive a publicação no"Diário Oficial" dentro de 20 dias (ver enumeração constante do § 2º, na Parte VII deste Parecer).

VII - A publicação dos contratos, quando julgado conveniente pela respectiva autoridade,poderá ser feita em resumo, do qual constem os elementos essenciais à sua identificação (nomedas partes, objeto, prazo, preço, empenho etc.), devendo nesses casos, porém, ser remetida umacópia do seu inteiro teor à Inspetoria de Controle Externo competente, para os fins que setornarem necessários à eficácia do controle, sem prejuízo de ficarem os termos arquivados, emordem cronológica e com indicação do "Diário Oficial" da sua publicação, na repartição de origem(art. 78, § 5°, do Decreto-lei n° 200/67).

VIII - Para as contratações em geral, especialmente quanto às de rotina ou de caráteruniforme (celebrados em série), será admitida a utilização de "Contrato-Padrão", do qual constemas cláusulas e obrigações comuns, reportando-se aos seus termos os atos individualizados, com

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a precisa indicação de preço, prazo, objeto e o que mais for peculiar a cada caso.IX - Os contratos devidamente arquivados, pelo seu inteiro teor e em rigorosa ordem

cronológica, na respectiva Unidade Orçamentária ou Administrativa, poderão ter a sua transcriçãosubstituída pelo seu registro, em resumo (inciso VII, supra), no livro próprio (RGCP, arts. 767,alínea g, e 783), indicado o D.O. da publicação.

42. Esta, a nosso ver, a solução viável para o problema suscitado no presente processo, quepoderia ser adotada como norma de caráter geral (Resolução TCU n° 55/68, art. 61).

Sub censura.__________________________-Parecer em 3-7-75.

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PENSÃO - DEPENDENTE (LOPS - ARTS. II, ITEM 2.º, E 13)A madrasta que vivia sob o mesmo teto e na dependência exclusiva do enteado, cabe o

direito à pensão instituída pela morte deste. O artigo 2°, item li, da LOPS, não é restritivo dedependência.

(TFR - AC n° 42.403 - Rel., Ministro Márcio Ribeiro.)

SÍNDROME DE PEUTZ - JAEGHERSNão é considerada moléstia profissional e nem garante aposentadoria com vencimentos

integrais.(TFR - AC n° 37.860 – Rel. Ministro Jarbas Nobre.)

PREVIDÊNCIA SOCIAL --- SEGURADO CASADO - PENSÃO ACOMPANHEIRA

O art. 14 da Lei n° 3.807/60 não impede a concessão de pensão à companheira, se osegurado, embora condenado à prestação de .alimentos à sua ex-esposa, jamais prestou-os, pordesinteresse desta, que deixou de promover a fixação do seu valor em liquidação, e não recebeu,nem pretendeu receber, qualquer quantia a esse título, numa verdadeira renúncia à suapercepção.

(TFR - A.C. n° 34.807 – Rel. Ministro Jorge Lafayette.)A determinação constitucional de revisão dos proventos da inatividade sempre que, por

motivo de alteração do poder aquisitivo da moeda, se modificarem os vencimentos dosfuncionários em atividade (Constituição de 1946, art. 7.93; Constituição de 1967, art. 101, § 2°, eEmenda Constitucional n° 1, de 1969, art. 102, § 2º) , dirige-se ao legislador ordinário a quemincumbe, entretanto, estabelecer os critérios do reajustamento, ficando-lhe, é certo, interditadonegar reajuste aos inativos, quando der aumento aos funcionários, por motivo de alteração dopoder aquisitivo da moeda ou deferir aos aposentados, nessa oportunidade, revisão simbólica ouirrisória dos proventos. Não está, entretanto, obrigado o legislador a adotar regra de igualação devencimentos e proventos, no que concerne aos reajustamentos futuros. Compreensão das Leisn°s 2.622, de 18-10-55; 4.345, de 26-6-64, art. 21; 4.863, de 29-11-65, art. 29; e Decreto-lei n° 81,de 21-12-66, art. 4° Os critérios legais do reajustamento estabelecidos nos dois últimos diplomaslegais não entram em conflito com a Constituição, nem ferem direito adquirido. Distinção entreregime de aposentadoria e regime de revisão de proventos. Havendo facultado a Constituição aolegislador ordinário definir os critérios, tanto pode ele lixar o reajustamento segundo aintegralidade, o critério da equiparação, como pode fazê-lo, diferentemente, desde que, emaplicando a última solução, não conceda acréscimo irrisório aos proventos dos inativos.

(TFR - A.C. n° 29.120 – Rel. Ministro José Néri da Silveira.)

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TESE N.º 18“LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS A AUTONOMIA

ESTADUAL ELI MATÉRIA DE TRIBUNAIS DE CONTAS”

Autor: Procurador José Guilherme Villela do Tribunal deContas do Distrito Federal

RELATÓRIOEm sua primeira sessão, ontem realizada, esta II Comissão deliberou confiar-me a tarefa de

relatar seis das teses, que lhes foram presentes, nas quais são versados temas de naturezaconstitucional. Faço, desde logo, esse registro, a fim de explicar o fato de ser eu próprio o Relatordo trabalho que apresentei ao VIII Congresso, sob o titulo "Limitações Constitucionais àAutonomia Estadual em Matéria de Tribunais de Contas".

2. Como esse tema é mais abrangente do que os tratados nas outras cinco teses, e aposição adotada em .relação a ele pode influenciar o exame das demais questões, creio que devacomeçar com o relatório referente à Tese n° 18.

3. Sustenta-se, nesta tese, que os Estados-membros sofrem duas limitações à suaautonomia de unidades federadas, a saber:

lá - devem, obrigatoriamente, adotar Tribunal de Contas, e2á - estão adstritos a observar, em suas linhas básicas, o modelo federal de fiscalização

orçamentária e financeira, no qual se incluem as normas constitucionais da União sobre estrutura,prerrogativas, competência, organização e funcionamento de seu Tribunal de Contas.

4. Salvo em relação ao Acre, a primeira limitação tem sido acatada por todos os Estados. Aoutra, todavia, não tem merecido o devido respeito, como demonstrou em minuciosa pesquisaapresentada ao V11 Congresso o ilustre Conselheiro Nelson Siqueira. A fuga ao modelo federal

Relatórios apresentados ao VIII Congresso de Tribunais de Contas pelo Procurador JoséGuilherme Villela. obrigatório tem sido estimulada pela nostalgia do federalismo clássico e peloapego dos próprios Tribunais de Contas ao regime derrogado do .registro prévio.

5. Depois de realçar que não pretende trazer contribuição original em tema já tão debatidoem nosso âmbito, o autor adverte que seu objetivo é mostrar, em face da evolução constitucionaldo País e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que as conclusões acima resumidassão irrecusáveis, apesar das vozes ainda dissidentes.

6. Examinando o sistema de 1891, a tese situa o regime da ampla autonomia dos Estadosseja no que concerne ao princípio da fiscalização financeira e orçamentária, seja quanto à adoçãode Tribunais de Contas. Citando Castro Nunes, em trabalho especializado, refere que na PrimeiraRepública poucos Estados se preocuparam com esses problemas, só tratados pelasConstituições da Bahia, do Pará, de Pernambuco, do Piauí, do Rio de janeiro, de São Paulo e deMinas Gerais, que o fizeram sob as mais variadas formas, todas legítimas, por não seremobrigados os Estados-membros à observância de qualquer modelo.

7. Sem sacrificar o princípio federalista, o constituinte de 46 revelou maior preocupação coma aplicação dos recursos financeiros estaduais, exigindo a fiscalização financeira, mas facultandoa adoção de Tribunal de Contas ou outro órgão de controle (art. 22) . Onze Estados criaramTribunais em suas Constituições, quatro deixaram a fiscalização a cargo das própriasAssembléias Legislativas, três se omitiram sobre o tema e um adotou uma Comissão Legislativa.A esse tempo, discutiu-se se, tendo optado pelo Tribunal, o Estado deveria certa fidelidade aoórgão da União, de modo a garantir pelo menos a independência da Corte e a eficiência da suafunção de controle. Com esse pensamento, entre outros, Aliomar Baleeiro (Pr. n° 764/ 68, R.T. J.n.º 50/248) e Victor Nunes (Rp. 467/61, R.D.A. n° 78/380) formaram em corrente vencida, pois, no

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Supremo Tribunal, triunfou a posição contrária, defendida por Luiz Gallotti, desde o julgamento doRE n.º 21.198/53 (R.D.A. n° 45/166).

8. A crescente redução da autonomia estadual atingiu maior expressão em 1967 - 1969,quando a federação quase se transformou numa mera inscrição de pórtico na nossa CartaMagna. A União tem supremacia incontrastável e assumiu o comando do processo político dosEstados, preocupando-se sobremodo com a aplicação dos recursos financeiros locais, em boaparte transferidos aos órgãos locais pelo Governo central. A autonomia ampla, que plasmara ofederalismo clássico, cedeu lugar à idéia da cooperação, havendo o constituinte tomado a cautelade garantir que houvesse efetiva fiscalização financeira, com fiel observância das normas básicasestabelecidas para a União. Dai a regra do art. 13, IV, que impôs aos Estados o princípio dafiscalização financeira, desenvolvido na Seção própria da Carta como compreensivo do controleinterno pelo Poder Executivo e do controle externo pelo Congresso Nacional, com o auxílio doTribunal de Contas (art. 70). Essas e outras regras do direito federal, se não fossem adotadaspelos Governos locais, seriam incorporadas automaticamente às respectivas constituiçõesestaduais (art. 188 da Carta de 67 e art. 200 da de 69) .

9. As restrições foram severas e até com pormenores se ocupou o constituinte federal,como, por exemplo, o título e número dos membros dos Tribunais estaduais (art. 193, parágrafoúnico, e art. 13, IX). As Cartas estaduais, para serem fiéis aos novos preceitos, têm de reproduzira federal, sem excessos que afastem a cópia do seu modelo (v., sobre os limites dessaadaptação, as Rp. n° 753/68, RTJ n° 46/441 e Rp. n.º 749/68, RTJ n.º 50/738).

10. Entre as linhas básicas do paradigma federal de fiscalização financeira e orçamentária,enumerou Luiz Zaidman, com inteiro acerto, as seguintes:

"1ª - controle externo da administração financeira pelo Poder Legislativo;2ª - controle interno mantido pela Administração, com o fito de criar condições de

eficácia para o exercício do controle externo; 3ª - institucionalização do Tribunal de Contas, auxiliar irrecusável do Poder

Legislativo, no controle externo das finanças públicas;4ª - exercício privativo, pelo Tribunal de Contas, das funções de apreciar, em parecer,

as contas anuais da Administração, e, em relatório, o exercício financeiro; de auditoriafinanceira e orçamentária; de julgamento das contas dos administradores e outrosresponsáveis, e de julgamento da legalidade das aposentadorias, reformas e pensões;

5ª - extensão plena do controle externo ás entidades autônomas;6ª - autonomia interna corporis do Tribunal de Contas idêntica à das corporações

judiciárias;7ª - equiparação dos Ministros de Tribunal de Contas aos magistrados da mais alta

Corte de justiça;8ª - condicionamento da nomeação de Ministro de Tribunal de Contas à idade e

qualificações especiais e à prévia aprovação do Poder Legislativo;9ª - obrigatoriedade de comunicação ao Poder Legislativo, pelo Tribunal de Contas,

das irregularidades ou abusos que verificar;10ª - são sustentáveis os atos da administração financeira pelo Tribunal de Contas,

quando exaurido o prazo concedido; mas esse veto pode ser suspenso pelo dirigentemáximo da Administração, ad referendum do Poder Legislativo;

11ª - são sustáveis, dentro do prazo de 30 dias, os contratos, pelo Poder Legislativo,em face de solicitação do Tribunal de Contas;

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12ª - - executoriedade dos atos e contratos administrativos até que sustados, sobargüição de ilegalidade, respectivamente, pelo Tribunal de Contas e pelo Poder Legislativo"(of. Anais do V Congresso, vol. II, págs. 403-404.)

11. Em vários julgados, citados na tese, a Suprema Corte vem proclamando a observânciaobrigatória do paradigma federal, especialmente quando se cuidou da adaptação das CartasEstaduais à Federal em 67 e 70. Desse teor: RE n° 78.568/75, negando acesso de Auditores aoTribunal, sem aprovação do Poder Legislativo, como previu a Constituição elo Amazonas; Rp. n°755/69, RTJ n° 52.501, invalidando norma fluminense sobre produção de prova documental naapreciação do nome indicado à nomeação para Conselheiro; Rp. 856/71, RTJ n.º 58/504,recusando validade à supressão do poder de iniciativa legislativa ao Tribunal de Alagoas para leide criação e extinção de cargos; Rp. n° 886/73, em que se deu pela inconstitucionalidade denorma mato-grossense, que atribuía ao Governador prover certo cargo da Secretaria do Tribunalde Contas; Rp. n° 764/68, RTJ n.º 50/250, fulminando a Constituição capixaba, que se revestia devícios apontados nas duas anteriores; finalmente, nas Rp. n° 753/68, RTJ n° 46/441, e Rp. n°896/73, RTJ n° 69/648, de São Paulo e do Piauí, foram mantidos dispositivos impugnados emobséquio à mesma regra da obrigatoriedade do modelo federal do Tribunal de Contas.

12. Diante da evolução constitucional sumariada e dos numerosos precedentes do SupremoTribunal, a matéria já não pode comportar maiores dissenções, pelo que ratifico, como Relator datese e diante dos ensinamentos colhidos nas várias teses afins, que pude examinar, asconclusões, que adotei como seu autor, no sentido de que este VIII Congresso:

a) deve reafirmar que os Estados-membros estão obrigados a instituir Tribunal de Contas,segundo as linhas básicas do modelo federal;

h) deve recomendar que os Tribunais estaduais promovam as medidas necessárias àrevisão das leis locais que ainda estejam em desconformidade com o referido modelo.

João Pessoa, 12 de novembro de 1975. - José Guilherme Villela, Relator.

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TESE N.º 17"UM RETROCESSO POLÍTICO-CONSTITUCIONAL NO

PROCESSO EVOLUTIVO DO CONTROLE EXTERNO PELOSTRIBUNAIS DE CONTAS"(*)

Autor: Dr. JOSÉ BORBA PEDREIRA LAPA Auditor Jurídico do Tribunal de Contas da BahiaRELATÓRIO

Para o ilustre autor desta tese, a possibilidade constitucional de adoção dos Conselhos deContas dos Municípios (art. 16, § 1°, da Constituição Federal) representa um recuo no processode fortalecimento do controle externo.

2. Nos Tribunais de Contas, têm assento juízes independentes, revestidos das garantias epredicamentos dos magistrados, aptos ao exercício da atividade de controle de que estãoincumbidos. Ainda assim, muitas vezes, não logra o Tribunal proclamar desonestidade em gastospúblicos, mesmo naqueles casos em que ela é notória, como afirmou Seabra Fagundes.

3. As Cortes de Contas vêm evoluindo no sentido de seu aperfeiçoamento e se observarem,como lhes cumpre, o modelo federal de Tribunal de Contas, plenamente satisfatório, poderãoconduzir à certeza do bom desempenho de sua missão fiscalizadora, tanto que a necessidade desua existência e o valor de sua atuação não têm sofrido contestação séria, em qualquer dosEstados da Federação.

4. A consciência coletiva, no entanto, está longe de acolher os chamados Conselhos deContas dos Municípios, já existentes em três Estados (Ceará, Bahia e Rio de janeiro), os quais,se fossem extintos, não provocariam quaisquer protestos.

5. Houve incoerência da Carta vigente, que depois de estabelecer o princípio da "unicidadeda fiscalização financeira pelos Tribunais de

Contas", tolerou a existência de um órgão estadual, diverso do Tribunal de Contas, paraexercer a competência deste em relação aos Municípios. A existência desses órgãos resulta dofavorecimento eleitoreiro e são eles altamente onerosos para os cofres públicos e, por isso, nãotêm vingado na quase totalidade dos Estados, que não cederam à enganosa aparência dasobrecarga dos Tribunais estaduais pelo fato de acumularem a fiscalização dos municípios. Arealidade demonstra ainda que nos poucos Estados, em que existem os Conselhos, não secredenciaram eles a aplausos, que justificassem sua criação e funcionamento.

6. Assinala a tese que a regra de hermenêutica, segundo a qual a lei não contém palavrasinúteis acabou levando ao entendimento de que as expressões utilizadas no § 1° do art. 16 daConstituição Federal 'ou órgão estadual a que for atribuída essa incumbência" justificam a criaçãode tais Conselhos. Como o autor condena esses órgãos, propõe que se elimine a alternativa dotexto, para obrigar sempre à fiscalização pelo Tribunal de Contas do Estado, salvo quando oMunicípio puder instituir seu próprio Tribunal (art. 16, § 3°) .

7. Feita essa ligeira recapitulação do pensamento desenvolvido na tese, passarei a emitirminha opinião, acentuando, desde logo, que me ponho de acordo com a conclusão do ilustreAuditor da Bahia.

8. Dispõe o art. 16, § 1°, quando cogita da fiscalização financeira dos Municípios:"O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio do Tribunal de

Contas do Estado ou órgão estadual a que for atribuída essa incumbência."9. Poder-se-ia sustentar que a alternativa prevista nesse texto se referisse a Estados que

não possuíssem Tribunal de Contas, como o Acre, onde funciona uma Auditoria-Geral de Contas.Não creio, entretanto, seja esse o melhor entendimento do texto, por levar a conclusão

(*)Relatório apresentado ao VIII Congresso de Tribunais de Contas pelo Procurador José Guilherme Villela.

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inadmissível, segundo a doutrina e a jurisprudência dominantes, isto é, a de que os Estadospoderiam deixar de ter Tribunal de Contas no atual estágio de nossa evolução constitucional.Prefiro interpretar o parágrafo em tela como faculdade atribuída aos Estados de, ao lado de seuTribunal de Contas, criar um outro órgão estadual para livrar a Corte de eventual sobrecarga -deserviço com a acumulação da fiscalização do Estado e a dos Municípios (isso não seriainimaginável, por exemplo, em São Paulo, Estado em que há vários Municípios de considerávelimportância econômica, e em Minas Gerais, onde são muito numerosas as comunas).

10. Aliás, nos três Estados que criaram os Conselhos, eles estão coexistindo com osrespectivos Tribunais de Contas (minha convicção n.o sentido da constitucionalidade da criaçãodos Conselhos de Contas dos Municípios se reforça com um dado, que não é jurídico, mas quetem inegável peso na prática: refiro-me ao fato consumado, sem oposição oportuna do SupremoTribunal, que não chegou a declarar a inconstitucionalidade de algum dos Conselhos criados e jáem funcionamento, embora já a houvesse examinado mais de uma vez). Assim, tudo leva a crerque os Conselhos continuem a existir e talvez se disseminem por outros Estados, a menos quese venha a adotar a solução advogada pelo ilustre autor da tese, que é pela reforma daConstituição, de modo a impedir a criação do Conselho de Contas dos Municípios e valorizar asCortes de Contas tradicionais.

11. Além dos inconvenientes lembrados pela tese, há outras considerações que me levam,de lege ferenda, a concluir pelo repúdio aos Conselhos de Contas. Com efeito, se esses órgãosfossem tão bem constituídos como os Tribunais e se seus membros tivessem as garantiasasseguradas aos dos Tribunais de Contas, não passariam os Conselhos de uma simplesduplicação dos Tribunais, com penoso e evitável aumento da despesa pública. Se não fosseassim, sofreria a fiscalização financeira dos Municípios, que seria realizada por órgão de menorqualificação ou categoria.

12. A idéia de não sujeitar os Municípios à ação fiscalizadora dos Tribunais estaduais já tevecomo justificativa evitar o cerceamento da autonomia municipal pelos Estados, princípio quepoderia levar ao absurdo de se pretender um Tribunal em cada Município. Mas tanto háintervenção estadual pela ação do Tribunal de Contas, quanto pela do Conselho de Contas, nãohavendo vantagem, sob esse aspecto, em optar pelo último.

13. Se o argumento do acúmulo de serviço fosse sério, muito provavelmente os Estados deSão Paulo e Minas Gerais se teriam antecipado na adoção dos Conselhos pelos argumentos jáenunciados (lembro que, em 1967, o constituinte estadual de São Paulo chegou a prever acriação de 4 ou 5 Tribunais Municipais, além do da Capital de São Paulo, que a Carta de 69permitiu manter).

14. Em suma, recomendo se aprove a conclusão da tese pela supressão, do texto do § 1°do art. 16 da Constituição Federal, das expressões ou órgão estadual a que for atribuída estaincumbência".

João Pessoa, 12 de novembro de 1975. - José Guilherme Villela, Relator.

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TESE N.° 12"UNIFORMIZAÇÃO DAS LEIS ORGÂNICAS DOS TRIBUNAIS

DE CONTAS”(*)

Autor: OTÁVIO DE Sá LEITÃO FILHOEx-Procurador-Geral do Tribunal de Contas da Paraíba

RELATÓRIOO ilustre Dr. Otávio de Sá Leitão Filho, ex-Procurador-Geral do Tribunal de Contas da

Paraíba, acentua que nossos Tribunais, a partir da Constituição de 1967, tiveram seu campo deatuação bastante alargado, pois não devem mais ficar adstritos apenas à simples verificação daexatidão quantitativa das contas, podendo mesmo chegar à avaliação dos resultados da gestão eda oportunidade das despesas.

2. Por haverem os Tribunais recebido maiores encargos, ficaram com ônus acrescidos emais graves responsabilidades perante a opinião pública, sendo de toda conveniência que seaparelhem com uma legislação uniforme, que lhes proporcione os instrumentos necessários aocorreto desempenho de suas novas e relevantes tarefas.

3. A legislação dos Estados sobre Tribunais de Contas deve, tanto quanto possível, seruniforme sob os aspectos da competência, da estrutura, dos órgãos de apoio e das Normas defiscalização financeira, seja naqueles aspectos que costumam ser tratados nas Constituiçõesestaduais, seja naqueloutros pertinentes às leis ordinárias, especialmente às leis orgânicas dosTribunais.

4. Embora seja desejável completa uniformidade, ao autor se afigura mais viável e práticoiniciar a reformulação a partir das leis orgânicas, devendo caber ao Instituto Rui Barbosa aelaboração de um anteprojeto de lei orgânica uniforme, que seria objeto de estudo pelos diversosTribunais.

5. Do ponto de vista jurídico, como procurei mostrar em trabalho por mim oferecido àdiscussão deste conclave, torna-se quase inadiável que se proceda a uma cabal revisão naslegislações estaduais que ainda discrepem do modelo federal de fiscalização financeira e deTribunal de Contas, tanto mais que muitas normas já foram suspensas por Resoluções doSenado Federal em cumprimento de acórdãos da Suprema Corte, que as declararaminconstitucionais. Outras poderão ter o mesmo destino, causando sérias dificuldades aofuncionamento de nossos Tribunais, cuja função de controle não deve ser tolhida pela ineficiênciados instrumentos legislativos postos à nossa disposição.

6. No plano prático, as praxes estabelecidas ao tempo do registro prévio e só compatíveiscom esse sistema já derrogado, recomendam que um órgão de assessoramento técnico seincumba da elaboração de um anteprojeto de lei estadual, que poderia vir a ser transformado nalei uniforme reclamada pelo ilustre autor da tese.

7. De. posse desse trabalho, os Tribunais estarão, sem dúvida, habilitados a promover arevisão de suas leis, mesmo quanto às modificações que se fizerem necessárias nas respectivasConstituições estaduais.

8 . Considero que a sugestão desta tese está em perfeita sintonia com a da anterior e aelaboração de um anteprojeto de lei orgânica pelo Instituto Rui Barbosa, de certo, haverá deministrar aos Tribunais estaduais melhor orientação acerca dos parâmetros federais defiscalização orçamentária e financeira, dentro dos quais deverão ficar os legisladores estaduais,em virtude do imperativo constitucional do art. 13, IV.

(*)Relatório apresentado ao VIII Congresso de Tribunais de Contas pelo Procurador José Guilherme Villela.

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9. Em suma, a conclusão do relatório é pela aprovação da Tese n° 12, do ilustre Dr. Otáviode Sá Leitão Filho, que recomendou se solicite do Instituto Rui Barbosa a elaboração de umanteprojeto de lei orgânica uniforme para os Tribunais de Contas dos Estados.

João Pessoa, 12 de novembro de 1975. - José Guilherme Villela, Relator.

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TESE N ° 3"DA PREVALÊNCIA DAS IMPUGNAÇOES DOS TRIBUNAIS

DE CONTAS EM RELAÇAO AOS CONTRATOS QUANDO DOSILÊNCIO LEGISLATIVO" (*)

Autor: DR. JOSÉ AUGUSTO PEDR.OSA CUNHA Chefeda Assessoria do Tribunal de Contas da Bahia

RELATÓRI0O ilustre Dr. José Pedrosa Cunha, Chefe da Assessoria do Tribunal de Contas da Bahia,

divide seu trabalho em duas partes: na primeira, oferece uma visão retrospectiva da funçãoexercida pelas Cortes de Contas, acentuando a profunda alteração constitucional de 1967, queaboliu o regime do registro prévio dos contratos; na segunda parte, em face dessa nova realidadeconstitucional, examina o tema da tese, que é o do valor da impugnação do Tribunal em relaçãoaos contratos celebrados pela Administração.

2. Na primeira parte, embora faça alusão ao desejo de retorno do sistema derrogado doregistro prévio, não chega a propugnar por isso. Não revela, contudo, entusiasmo pelasafirmações dos que sustentam que o regime vigente, com as inspeções in loco e representaçõesque comporta, possa reforçar o prestígio dos Tribunais ou contribuir para o melhor exercício desuas relevantes funções constitucionais; para evitar as conseqüências danosas do direito novoclama por que não se. releguem as Cortes de Contas a meras atribuições assessoradoras.

3. Com o objetivo de impedir essa verdadeira capitis deminutio dos Tribunais, sugere a teseque nossas decisões, quando impugnem a legitimidade de contratos, não sejam invalidadas pelosimples silêncio do Poder Legislativo, como tolera o art. 72, § 6°, da Constituição Federal.

4. O controle político, a cargo do Legislativo, não deve prevalecer sobre o controle dalegalidade, que é juízo de natureza técnica de que se incumbe o Tribunal de Contas, órgãotécnico e especializado. Se o Tribunal pode julgar a execução de outro ato de despesa, por quenão pode fazê-lo em relação aos contratos, que assumem importância cada vez maior na vidafinanceira do Estado? Se o ato contravem à lei, é nulo, e o que é nulo não convalesce pelo tratodo tempo nem pelo silêncio, que juridicamente nada exprime.

5. Cita a opinião de Pontes de Miranda, que, de jure condendo, considera erradíssima anorma constitucional do § 6° do art. 72. Adianta que, em vários Estados, a regra não tem sidoacolhida, como aconteceu no Acre, cuja Auditoria-Geral de Contas pode cancelar a despesa edeclarar insubsistente o contrato, no silêncio da Assembléia; em Mato Grosso há ainda o registroprévio como condição da eficácia dos contratos; em São Paulo, a Constituição deu tambémprevalência ao pronunciamento do Tribunal de Contas; em Minas Gerais, o entendimento doTribunal de Contas é no mesmo sentido.

6. O Judiciário pode exercer controle jurisdicional do contrato através da ação popular; oExecutivo pode declarar a nulidade deste, como expressa o Supremo Tribunal na Súmula n° 473;não se deve vedar esse poder ao Tribunal de Contas, cuja decisão não pode ser revogada pelosilêncio do Legislativo, porque isso contraria o interesse público.

7. Sumariados os principais argumentos do ilustre autor da tese, passo a opinar sobre oassunto, através de uma breve e resumida palavra.

8. Não alimento no meu espírito qualquer prevenção contra os políticos ou contra o controlepolítico. Os representantes do povo sujeitam-se periodicamente ao julgamento dos seusrepresentados, que censuram suas omissões ou erros, negando-lhes a renovação dos mandatos.As decisões dos Tribunais têm encontrado larga divulgação pela imprensa e, por isso, são de

(*)Relatório apresentado ao VIII Congresso de Tribunais de Contas pelo Procurador José Guilherme Villela.

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conhecimento notório. A prática democrática pode, pois, eliminar, em futuro próximo, muitos dosinconvenientes apontados, aconselhando os legisladores ao exato cumprimento da sua função decontrole da despesa pública.

9. Por outro lado, os Tribunais exercem função auxiliar do Poder Legislativo, poder ao qualcompete, na verdade, o controle externo da Administração. Não há mal em devolver aoLegislativo o exercício pleno do controle, que ele exerce. com auxílio do Tribunal, permitindo-lhe,a ele, Legislativo, a palavra final sobre a legalidade de despesa decorrente do contrato (aliás,nem se trata da palavra final, porquanto quase sempre a matéria poderá ser submetida ao PoderJudiciário.

10. Segundo o direito vigente - parece que este ponto não é contestado pelo ilustre autor datese - a Carta, efetivamente, não dá prevalência à decisão do Tribunal, quando se trata decontrato. Tanto é assim que a tese sugere modificação à Constituição, precisamente para alterara parte final do § 6º, a exemplo do que já foi proposto e aprovado em Congressos anteriores.

11. Apesar de não concordar com toda a fundamentação da tese, entendo que a norma emapreço foi bastante infeliz, ao atribuir ao simples silêncio do legislador - a uma atitude omissivaque pode resultar até de manobras obstrucionistas rotineiras na atividade parlamentar -, aconseqüência de revogar, de. anular, de tornar sem efeito ou invalidar uma decisão técnica,emanada de um órgão técnico e independente, estruturado à imagem e semelhança de umverdadeiro Tribunal.

12. Para obviar essa anomalia inconcebível é que entendo devamos aprovar a tese oradiscutida, cuja conclusão é no sentido de recomendar a modificação do art. 72, § 6°, daConstituição Federal, substituindo as expressões "será considerada insubsistente a impugnação"por estas outras: "prevalecerá a impugnação do Tribunal de Contas".

João Pessoa, 12 de novembro de 1975. - José Guilherme Villela, Relator.

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TESE N.º 4"OS TRIBUNAIS DE CONTAS EM FACE DO § 6 °, ART. 72, DACONSTITUICAO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL"(*)

Autor: Conselheiro Djalma Falcão do Tribunal de Contas do Estado de AlagoasRELATÓRIO

A matéria versada nesta tese do ilustre Conselheiro Djalma Falcão, de Alagoas, coincideintegralmente com a do ilustre Dr. José Augusto Pedrosa Cunha, da Bahia, que acaba de serrelatada.

2. Sustenta S. Ex.ª que, em matéria de apreciação dos contratos, a Constituição de 1967representou "indubitável retrocesso" em relação ao que preceituava o art. 77 da Constituição de1946, que estabelecia o registro prévio como condição essencial de sua validade, ato integrativode sua formação ou cláusula compulsória. Considera "principio esdrúxulo" que, pelo silêncio, oLegislativo possa tornar insubsistente uma decisão da Corte de Contas, que agora está às voltascom um sistema "fluido, frouxo e fraco", consoante a expressão realista de João Lira Filho.

3. Para obter a vantagem de inspeção in loco, já preconizada por Seabra Fagundes, em1958, a fim de evitar que o controle dos contratos ficasse circunscrito a um ato meramente formal,não seria preciso, ao ver do ilustre Conselheiro alagoano, perder o registro prévio dos contratos.

4. "Silêncio, omissão e nada são sinônimos". Não se justifica a discriminação do contrato emrelação aos demais atos de despesa e ao julgamento das aposentadorias e reformas, todos demenor importância financeira. O § &° do art. 72 minimiza a ação do Tribunal de Contas, como oconstituinte paulista implicitamente reconheceu, quando deixou de acolher a inovação no textoestadual. Invocando trabalho do ilustre Conselheiro José Bezerra, mostra a tese que o expedientedo "engavetamento" da representação do Tribunal de Contas ao Legislativo por mais de 30 diaspode ser prática comum, tornando nulo e nenhum o ato da Corte.

5. Reportando-me à motivação expendida no relatório pertinente à Tese n° 3, recomendo aaprovação da presente, cuja conclusão é também pela alteração do art. 72, § 6°, de modo a que apalavra "insubsistente", que nela está escrita, seja substituída pela palavra "subsistente".

João Pessoa, 12 de novembro de 1975. - José Guilherme Villela, Relator.

(*)Relatório apresentado ao VIII Congresso de Tribunais de Contas pelo Procurador José Guilherme Villela.

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TESE N.º 7"O VEREADOR E A FUNÇAO PÚBLICA"

Autor: José Jappur Auditor do Tribunal de Contas do Rio

Grande do SulRELATÓRIO

O ilustre Auditor José Jappur, do Rio Grande do Sul, sustenta que, com oadvento da Emenda Constitucional n° 4, de 1975, e da Lei Complementar n°25/75, ambas acerca de remuneração de Vereadores, há perplexidade quantoao tratamento que deve ser dispensado ao Vereador ocupante de cargopúblico.

2. Depois de acentuar que o Vereador não é funcionário público, masagente político, mostra que não pode estar ele sujeito ao princípio daacumulação de cargos nem ao regime estatutário ou trabalhista dos servidoresdo Estado.

3. Diante do art. 104, que só seria adequado ao regime, já agora abolido,da gratuidade do mandato de Vereador, sugere que se preencha a lacuna daLei Complementar n° 25/75, adotando no caso as sete regras, que resume noitem 7 de sua tese, alíneas ‘a’ a ‘g’, isto é:

"a) o funcionário municipal investido em mandato gratuito deVereador não perderá os vencimentos do cargo. A hipótese é de difícilocorrência pela atual reforma constitucional, retribuindo sempre omandato de Vereador;

b) o funcionário municipal investido em mandato remunerado deVereador deverá afastar-se do cargo, perdendo os vencimentos eganhando os subsídios, salvo se a legislação local permitir a opção;

c) o afastamento efetivar-se-á por licença na forma prevista nosestatutos municipais ou legislação estadual pertinente.;

f') Relatório apresentado ao VIII Congresso de Tribunais de Contaspelo Procurador José Guilherme Villela.

d) o tratamento dispensado ao funcionário federal é idêntico aoservidor municipal, no que couber;

e) a legislação rio-grandense permite ao funcionário estadual eleitoVereador remunerado permaneça no cargo nos dias sem funcionamentodas câmaras ou comissões representativas;

f) embora seja livre a legislação estadual, até onde não haja ofensaá Constituição, pode o Governo Federal disciplinar uniformemente amatéria, mediante lei complementar para superação das variaçõeslegislativas e/ou compatibilização das normas dissonantes;

g) a regra de licença obrigatória do funcionário público em geralpara exercício do mandato remunerado de Vereador parece, adequadano seu alcance e finalidades."

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4. Conquanto os Vereadores integrem as Câmaras Municipais, de que osTribunais de Contas são órgãos auxiliares quando exercem a fiscalizaçãoorçamentária e financeira dos Municípios, a proposição em exame, data venia,não versa qualquer aspecto de interesse imediato ou mediato das Cortes deContas. Por isso mesmo, é natural que não figure este assunto no Temário doCongresso.

5. Em face dessa dificuldade, lamento recomendar que não se discuta atese apresentada pelo ilustre membro da delegação gaúcha, devendo o seutrabalho ser recebido como valiosa colaboração ao conclave.

João Pessoa, 12 de novembro de 1975. - José Guilherme Villela, Relator.

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IV. - NOTICIÁRIO

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O Conselheiro Geraldo Ferraz representou o TCDF no Ciclo sobrePanorama Econômico Brasileiro — patrocinado pela Escola Superior deGuerra, no Rio de Janeiro.

* * *Os Conselheiros Geraldo Ferraz e José Wamberto compareceram ao 1

Simpósio sobre Fiscalização de Contas Municipais e Controle de sociedadesaaônimas, no Rio de Janeiro.

Com grande freqüência, o Centro de Estudos do TCDF promoveu emsetembro um Ciclo sobre Direito Administrativo com os Professores: CaioTácito — Revogação e Anulação do Ato Administrativo; Celso AntônioBandeira de Mello — Autarquias; Manoel de Oliveira Franco Sobrinho —Moralidade Administrativa; Sérgio D'Andréa Ferreira — Fundações e JoséCretella Jr. — Empresas Públicas.

Duas conferências estão publicadas neste número, e as demais serão nopróximo.

* * *No Projeto de Reforma do Poder Judiciário há alteração de interesse dos

Tribunais de Contas: a substituição da expressão julgar da legalidade, porapreciar a legalidade.

* * *HOMENAGEM A CYRO DOS ANJOS — APOSENTADORIA.

Lamentavelmente o Senhor Governador do Distrito Federal não pôderecusar-se a decretar a aposentadoria do Conselheiro Cyro dos Anjos, combase na compulsória.

Durante 16 anos, isto é, desde os primeiros dias de Brasília, eespecialmente deste Tribunal, o Conselheiro Cyro dos Anjos esteve presenteaos principais acontecimentos desta Corte de Contas.

No exercício de sua Presidência procurou demonstrar a sua capa-cidadecriativa, redundando em grandes benefícios para a Corte, destacando-se acriação do Centro de Estudos e a Revista aos quais deu interesse e incentivo.

O Tribunal de Contas do Distrito Federal perde essa grande figura, noentanto, a literatura brasileira ganha um militante em tempo integral, o que nãofoi possível nesses anos, preterindo os invejáveis livros publica-dos —Montanha, Abdias, Suas Memórias, e o consagrado Amanuense Belmiro, tãoprejudicado em sua conclusão, pelos afazeres do Tribunal, o que levouAgripino Grieco, a dizer jocosamente que o Amanuense fora promovido aOficial Administrativo, tal a demora em sair.

Brasília está perdendo esse intelectual de fino lavor, e especialmente aUniversidade de Brasília, que tem em Cyro dos Anjos o seu mais antigoprofessor, ou melhor, o único de seus fundadores, e o Tribunal de Contas doDistrito Federal, e especialmente este Centro de Estudos que lhe rende estahomenagem.

* * *

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Ao atingir a compulsória, o Conselheiro Cyro dos Anjos foi homenageadoem sessão plenária do TCDF presidida pelo Conselheiro Heráclio Salles, Vice-Presidente:

"Declaro aberta esta sessão, em que o Tribunal de Contas do DistritoFederal — tão fiel ao sentimento de amizade quanto a uma velha praxe noscolegiados desta espécie — rende homenagem ao grande companheiro que aele é subtraído pela aposentadoria: o Conselheiro Cyro Versiani dos Anjos.Fundador desta Casa, como foi um dos fundadores da Universidade deBrasília, Sua Excelência vinculou seu nome à história da nova Capital doBrasil, restando-lhe tempo — e longo tempo, com certeza — para tornar àantiga Capital e lá continuar a construção de uma obra literária que já hámuitos anos ocupa lugar seguro no centro da ficção brasileira.

Esse transitar discreto do tradicional para o novo, com a disposição devoltar deste para aquele e a ambos enriquecer, em movimento simultâneo,com a marca de sua experiè iria vital, pode talvez definir, sob certos aspectos,seu romance, seu memorialismo e até sua incursão prudente no ensaísmoliterário. Certo é que o define também como servidor público, assim comoexplica o encantamento de sua arte de conversar.

Quem do grande companheiro vai falar, entretanto, é o ilustre ConselheiroJosé Wamberto, a quem a Presidência pediu que lhe dissesse a palavra oficialdesta Corte. Devo acrescentar, apenas, que o Presidente Geraldo Ferraz — háalguns dias ausente para atender a compromisso na Escola Superior deGuerra — associou-se expressamente a esta homenagem, lamentando nãoconcorrer com sua presença física para a unanimidade da afeição refletidanesta sessão especial.

Percebe o Senhor Conselheiro Cyro dos Anjos que, se o homem passapelos cargos, nem tudo passa com o homem que soube por eles passar; enem tudo justificaria aquele "sentimento de caducidade da vida", identificadoem seus livros de ficção por um de seus críticos.

Tem a palavra o Senhor Conselheiro José Wamberto Pinheiro deAssunção."

O Conselheiro José Wamberto proferiu a seguinte oração: "SenhorPresidente,

Naquela linguagem clara e cheia de luminosidade do sol de Alicante,Azorín afirma que a paisagem somos nós próprios, é o nosso espírito, são asnossas melancolias, são os nossos sonhos, são os nossos sentimentos.Invoco o mestre espanhol para mostrar que o nosso eminente colega Cyro dosAnjos não deixou nas montanhas, mas carrega consigo sua própria paisagemmineira, um quadro completo das qualidades mineiras que tanto o têm ajudadoa ser um vitorioso na vida pública e no mundo das letras. A ponderação, oequilíbrio, o empenho em ir ao fundo dos problemas desprezando asaparências que são sempre tentadoras mas que também quase sempreenganam; a tendência natural em escapar dos extremos e sentir o prazermoral da verdade e o gosto espiritual da conciliação — eis alguns doscomponentes principais do sucesso em sua carreira de homem público.

Deixa Vossa Excelência, Sr. Conselheiro Cyro dos Anjos, hoje, umTribunal de que foi o fundador e de que foi timoneiro em instantes difíceis.

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Recordo especialmente o ano de 1968, quando a Corte pôde resistir semmaiores traumas a um grande impacto. Inesperadamente chamado a presidi-lapela feliz coincidência de ser o mais antigo na hora delicada, a Corteconseguiu absorver com serenidade o choque e retomar a normalidade.

Disse que Vossa Excelência nos deixa hoje, mas não cometeria o maugosto nem a inverdade de afirmar que se despede. É claro que esta Casa,após dezesseis anos de convivência harmoniosa, continua sendo sua.Ficamos afagando a esperança de acolhê-lo entre nós por muitas vezes,quando Vossa Excelência puder dispor de algum tempo no intervalo daquelasdesejadas e demoradas visitas que agora poderá receber com maisfreqüência, para uma boa prosa, de vultos ilustres, dos quais dois eu possodestacar com certeza porque lhe estão mais próximos pela aristocráticaafinidade literária: Joaquim Maria Machado de Assis e José Maria Eça deQueiroz.

Não nos despedimos, deixamos aqui um "até logo", com os nossas votosde felicidades para Vossa Excelência e digníssima esposa Dona Lilita."

A seguir, falou, em nome da Procuradoria-Geral, o Procurador-Geral emexercício Dr. Lincoln Teixeira Mendes Pinto da Luz:

"Na ocasião em que o Tribunal de Contas do Distrito Federal prestahonras à grande figura de Cyro dos Anjos, por motivo de sua retirada doserviço ativo, após mais de meio século de frutuoso devotamento à causapública, tenho a satisfação de expressar a voz da Procuradoria-Geral, que,prazerosamente, se incorpora às homenagens e manifestações de apreço comque esta Casa agracia não apenas um de seus fundadores, mas o inspiradorda linha de ação precursora e da filosofia de técnica e especialização queinscreveram este Tribunal como órgão de vanguarda no universo dasinstituições de controle das finanças públicas no Brasil.

Saiba Vossa Excelência, Ministro Cyro, que, se naturalmente vai ser embreve preenchido o cargo de Conselheiro que ora se vaga, por força da fria einexorável mecânica administrativa, ficará entretanto reservado na história e nocoração do Tribunal um lugar que, por direito de aquisição, em definitivo lhepertence: o de artífice e modelador da configuração extrínseca e da estruturaessencial desta Corte, cuja imagem, cujo caráter e cujo espírito se plasmaramcom as marcas da atualização e do pioneirismo, com a nota da prudência emoderação e sob o signo da intelectualidade, da cultura e do rematado talentoadministrativo de Vossa Excelência.

Externo, pois, ao eminente homem público e querido Amigo, nestemomento em que se subtrai de nosso convívio sua presença amena eenriquecedora, o preito de reverência da Procuradoria e o reconhecimento cor-dial do singular papel de Sua Excelência na vida desta Casa."

Finalmente, o Conselheiro Cyro dos An/os fez o seguinte discurso deagradecimento:

"Senhor Presidente, Srs. Membros do Plenário.A Vossa Excelência, Sr. Presidente, e a Vossas Excelências, Sr.

Conselheiro José Wamberto e Sr. Procurador Lincoln Teixeira Pinto da Luz,agradeço, de todo o coração, as benévolas palavras que acabam de

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pronunciar, neste momento em que, carregado de saudades prévias, deixoesta Casa onde por tanto tempo tive o privilégio de conviver com VossasExcelências.

A afabilidade, associada à simpatia e à estima, inspirou a VossasExcelências juízos extremamente generosos sobre o velho companheiro detrabalho. Não consigo reconhecer-me nesse retrato que a prodigalidade deVossas Excelências compôs de mim, numa hora de despedida, horamagnânima, em que a figura daquele que vai é vista sob a luz deformadora dosentimento nostálgico da separação.

Não me identifico nessa lisonjeira imagem que de mim se traçou — repito— mas alegro-me de ter podido inspirá-la. Parecermos ser é confortador,quando, com força de alma, procuramos ser, lutamos por ser. Obrigado,amigos, por me terem proporcionado a ilusão de que atingi aquele modelointerior, individual, que cada um de nós persegue.

Envelheci, e os velhos precisam de ilusões. Direi, mesmo, que delasprecisam muito mais que os moços. Nos moços, a provisão de ilusões éinesgotável. Nos velhos, esse tesouro se vê esvaziado. E é duro viver sem ele.

Caros companheiros, vivi dezesseis anos nesta Casa. Poucos são, hoje,os que para aqui vieram comigo. Muitos entraram depois. A alguns destes, vientrar e sair. E eu, sempre ficando. Em 1960, pouco depois de assumir ocargo, já contava tempo legal para aposentadoria. Vejam só: podia ter-meaposentado há dezesseis anos! Ninguém entenderia porque fiquei aqui todoesse tempo, se soubesse que sempre desejei aposentar-me. Mal ingressei noserviço público, lá na minha Minas Gerais, eu não pensava noutra coisa. Nãoporque tivesse olhos voltados para uma rede preguiçosa ou paradeambulações vadias. Afianço-lhes que não sei ficar à-toa. Quando não tenhoas mãos ocupadas, logo a angústia, que nunca deixa de estar à espreita, medá botes mortais. Se, durante toda a minha carreira de funcionário, sonheisempre com os dias de aposentado, foi porque tinha, cá na cachola, certosprojetos literários, sem dúvida um tanto ambiciosos. Vãos projetos, purasveleidades — eu sei — mas esse trabalho, que parece supérfluo, era, nofundo, o único que me atraía. Entretanto, deixei-me ficar na função pública, atéquando a lei permitiu. Dezesseis anos, o meu apartamento ficou vazio, no Rio,à minha espera. É que eu gostava dos ares de Brasília e comprazia-me noconvívio do pequeno e seleto grupo de amigos que esta Gasa congregou.

Agora, não havia mais jeito. Ou eu me aposentava, ou o Governo se veriana contingência de despejar o inquilino renitente. Assim, não os deixo porgosto, caros amigos. Deixo-os com pesar, compelido por um artigo de lei. Nãomalsino esse imperativo mandamento. Sou respeitador das leis, e, afinal, quediabo! já era tempo. É preciso que, a certa altura, desocupemos o lugar,abramos oportunidade e que outros venham para o serviço do Estado, comforça nova, idéias melhores.

Parto carregado de saudades, disse. E tenho abundantes motivos paracarregá-las. Deixo, aqui, bons e leais amigos, no Plenário, na Secretaria doTribunal, em todos os serviços desta Casa, desde os mais modestos até aosmais complexos. E espero não ter deixado nenhum desafeto. Na Presidência,que exerci por várias vezes, devo ter tido muita ocasião de errar e, quem sabe,de praticar injustiças. Mas acredito que todos me farão a justiça de reconhecer

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que nunca as terei praticado voluntária e conscientemente. Aconselhei-me,sempre, com os mais lúcidos, os mais capazes, os mais prudentes desta Casa.E não é segredo para ninguém que os mais lúcidos, os mais capazes, os maisprudentes também podem falhar, também erram, também podem serinvoluntariamente injustos. De qualquer modo, nesta despedida, peço de novo,para os meus erros, o perdão que sempre pedi, em palavras ou no íntimo docoração.

Eis, Sr. Presidente, os sentimentos com que me afasto do nosso Tribunal,e de um convívio diário que tanto me enriqueceu, quer no espírito, quer nasensibilidade. A todos, aos Srs. Conselheiros, Auditores, Procura-dores, e aosfuncionários, em geral, os meus comovidos agradecimentos.”