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TAREFA E ACTIVIDADE 1 B. Christiansen, Royal Danish School of Educational Studies, Dinamarca G. Walther, Pädagogisches Hochschule Kiel, República Democrática Alemã Uma vinheta (1) De livros de texto alemães de 1862 e 1978 Elementarisches Rechenbuch. U. Mentzel. Altona 1862 Multiplicar: 12*356; 25*956; 37*875; 59*976; 115*516;538*796; 758*969; 932*864;569*777; 753*867; 983*674; 673*368; 985*793. Welt der Zahl, 1978 637*65 732*76 562*72 240*83 438*21 1103*84 2324*37 215*81 217*44 953*94 826*47 912*43 1017*68 1821*43 358*74 904*81 746*62 495*96 846*52 2109*24 3572*21 (2) Um conjunto de tarefas relacionado com a escrita da multiplicação: Calcula: 37 037*3= 37 037*6= 37 037*9= Estranho! Por que números devemos multiplicar 37 037 se queremos obter 555 555? 777 777? Verifica as tuas conjecturas. Como poderias obter 666 666, 888 888, 999 999? Usa os resultados prévios para predizer os resultados dos cálculos seguintes: 37 037*30; 37 037*36 Verifica as tuas conjecturas. Calcula: 15873*7= 15873*14= 15873*21= 1 Christiansen, B., & Walther, G. (1986). Task and activity. In B. Christiansen, A. G. Howson, & M. Otte (Eds.), Perspectives on mathematics education (pp. 243-307). Dordrecht: D. Reidel. 1

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Page 1: TAREFA E ACTIVIDADE - educ.fc.ul.pt · Tarefa Matemática Objectificada ... influenciado por um grande número de aspectos e factores sociais que ... Este pequeno número de exemplos

TAREFA E ACTIVIDADE1

B. Christiansen, Royal Danish School of Educational Studies, Dinamarca G. Walther, Pädagogisches Hochschule Kiel, República Democrática Alemã

Uma vinheta

(1) De livros de texto alemães de 1862 e 1978

Elementarisches Rechenbuch. U. Mentzel. Altona 1862

Multiplicar: 12*356; 25*956; 37*875; 59*976; 115*516;538*796; 758*969;

932*864;569*777; 753*867; 983*674; 673*368; 985*793.

Welt der Zahl, 1978

637*65 732*76 562*72 240*83 438*21 1103*84 2324*37 215*81 217*44 953*94 826*47 912*43 1017*68 1821*43 358*74 904*81 746*62 495*96 846*52 2109*24 3572*21

(2) Um conjunto de tarefas relacionado com a escrita da multiplicação:

Calcula: 37 037*3=

37 037*6=

37 037*9=

Estranho! Por que números devemos multiplicar 37 037 se queremos obter

555 555? 777 777? Verifica as tuas conjecturas.

Como poderias obter 666 666, 888 888, 999 999?

Usa os resultados prévios para predizer os resultados dos cálculos seguintes:

37 037*30; 37 037*36

Verifica as tuas conjecturas.

Calcula: 15873*7=

15873*14=

15873*21=

1 Christiansen, B., & Walther, G. (1986). Task and activity. In B. Christiansen, A. G. Howson, & M. Otte (Eds.), Perspectives on mathematics education (pp. 243-307). Dordrecht: D. Reidel.

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Estes resultados ajudam a encontrar 15 873*28 e 15 873*35. Verifica as tuas

respostas.

37 037 e 15 873 são realmente números mágicos.

Tenta encontrar outros números mágicos. (Como obtiveste 111 111 de 37 037?

E de 15 873? Estas questões ajudaram-te?)

Calcula 271*41 e 271*82 e escreve outros produtos deste tipo. Prevê o resultado

e verifica fazendo o cálculo.

O leitor já comparou e avaliou os exemplos (1) e (2) acima. Contudo, neste

ponto usaremos meramente estes exemplos como primeira orientação para o que se irá

dizer neste capítulo.

As tarefas mencionadas em (1) e (2) podem em ambos os casos servir de apoio à prática da multiplicação escrita. Contudo, enquanto os exercícios dados em (1) são isolados uns dos outros, as tarefas em (2) estão claramente interrelacionadas e apelam para a exploração dos princípios organizativos e, além disso, para investigações subsequentes pelo aluno.

Em (1) o aluno sabe, através da prática e do treino prévios, o que é que tem de fazer e o seu objectivo é ‘completar’ o seu trabalho.

Em (2) a actividade pode ser guiada predominantemente pelo objectivo ‘descobrir alguma coisa acerca ou por detrás do padrão’, que observou nos primeiros passos. A exploração guiada fornece oportunidades para a prática, mas conduz, para além disso, a outras acções tais como: fazer conjecturas, fazer generalizações, interpretar e trabalhar um texto.

Em (1) a utilização pretendida dos exercícios é imediatamente vista pelo professor, e ele pode usar as séries sem qualquer outra preparação. As formulações dadas conduzem o desenvolvimento do processo de ensino de uma maneira bastante óbvia. As tarefas do tipo (1) correspondem possivelmente às ideias e expectativas actuais dos professores acerca do papel e da forma dos exercícios.

Pelo contrário, o professor tem que fazer uma preparação deliberada para usar (2). Isto exige um conhecimento apropriado, experiência e concepções acerca da exploração matemática de situações, e está fortemente relacionado com as concepções de ensino-aprendizagem da Matemática dos professores. Tarefas do tipo (2) não correspondem ao conhecimento, ideias e expectativas dos professores em geral, presentemente.

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1. A área problemática em consideração

O trabalho com exercícios ocupa um lugar central em todos os níveis do ensino

da Matemática. A tarefa assinalada torna-se no objecto da actividade do aluno, e a

definição das tarefas, em conjunto com as acções relacionadas realizadas pelo professor,

constitui o principal método pelo qual se espera que a Matemática seja transmitida aos

estudantes.

Muitas das dificuldades relacionadas com as tarefas e as actividades são, na

nossa opinião, devidas às concepções predominantes, limitadas e isoladas, das

categorias didácticas básicas de tarefa e actividade. Por essa razão, nesta secção

introdutória procuramos expor o carácter relacional global das tarefas e chamar a

atenção para a necessidade de lidar com um amplo espectro de actividades relacionadas

com a maioria das tarefas. Esperamos que a vinheta precedente tenha servido para

estimular o leitor para reflexões pessoais sobre estes aspectos.

1.1. O papel predominante dos exercícios

O tema “Tarefa e actividade” tem desempenhado um papel importante no

desenvolvimento da educação matemática das últimas décadas e – com outras

designações – na história do ensino da Matemática. Consequentemente, experiências

profissionais e rotinas respeitantes ao trabalho dos alunos e respectivo desempenho

têm-se acumulado ao longo do tempo. As visões, os princípios e as atitudes

relacionadas com o papel e a forma do trabalho dos alunos tornaram-se profundamente

enraizadas nos professores e nos pais – e no público em geral. A sequência que se segue

é a nossa tentativa de descrever a tradição prevalecente. Contudo, achamos que é

altamente provável que esta sequência seja observada como a principal característica

numa aula de Matemática normal:

O professor especifica um ou mais exercícios para serem trabalhados pelos alunos, usualmente na continuação de explicações e demonstrações de procedimentos que estão ligados a um exemplo, que se pretende que sirva de modelo;

Os alunos aprendem através do seu trabalho (individualmente ou em grupos) com a tarefa, mas a sua actividade de aprendizagem matemática é predominantemente limitada ao treino e à pratica relacionada com os conceitos e procedimentos previamente descritos;

Os resultados são controlados e, talvez, discutidos com toda a classe;

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Se o professor achar que o feedback, dos passos anteriores é negativo, ele normalmente volta atrás ao procedimento standartizado: mais explicações – mais treino; se ele avalia o feedback como positivo segue o padrão descrito em ‘novos’ exercícios.

A importância tradicional e central dos exercícios dentro do currículo e da sua

função metodológica, foi clarificado por Lenné na sua análise (1969) do ensino da

Matemática. Cada subdomínio matemático é, segundo Lenné, caracterizado por um tipo

especial de exercícios, que é tratado com passos sistemáticos partindo das formas mais

simples para as mais complexas. Lenné assinala criticamente que o uso organizado

deste princípio que ele chama de Aufgabendidaktik, leva os alunos a ver a Matemática

mais como uma colecção de diferentes tipos de exercícios e menos como um todo

integrado de ideias.

A reforma do ensino da Matemática durante as últimas décadas provocou apenas

um desvio limitado do uso deste princípio didáctico no nível superior do ensino

secundário. Além disso, a recessão tem tido nos últimos anos um impacto no debate

educacional geral. Como resultado, exigências crescentes têm sido feitas pelo uso de

testes e exames, como meios de controle e selecção, e isto levou novamente a pedidos

de pais e alunos para darem maior prioridade a exercícios tipificados em todos os

níveis.

Estas correntes no debate educacional geral podem servir para arrefecer o

desenvolvimento inicial emergente em que a ênfase do uso do Aufgabendidaktik estava

a decrescer no ensino da Matemática nos níveis primário e intermédio. Pode até haver o

perigo de uma nova confirmação do princípio de uma forma estreita e incrustada, que

exige um treino e prática excessivos como os meios principais para proporcionar

conhecimentos e capacidades matemáticas.

Neste contexto – e referindo-nos também à vinheta – sugerimos que o uso actual

de exercícios como meio proeminente no ensino da Matemática assenta numa

diferenciação insuficiente e inadequada da relação entre os conceitos tarefa e

actividade. Isto é também causa de uma sobrevalorização dos produtos em detrimento

dos processos na aprendizagem da Matemática e das formas rígidas actuais do

planeamento de actividades do professor.

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1.2. A actividade dos alunos segundo novas perspectivas

A Matemática escolar pode basear-se muito mais na actividade pessoal dos

alunos do que é habitual hoje. Consideramos que a maior prioridade deve ser dada aos

estádios do processo educacional em que os alunos estão envolvidos – por si mesmos –

em actividades do tipo construir, explorar e resolver problemas. Além disso, em cada

estádio do processo de ensino-aprendizagem, os alunos podem trabalhar sozinhos, mas

certamente também em grupo.

Este desenvolvimento não pode possivelmente ser implementado no ensino

escolar somente pedindo aos alunos que sejam activos no seu próprio trabalho (por

exemplo, na forma de exercícios ou mesmo em problemas interessantes) dados no livro

de texto. Nem este desenvolvimento pode ser promovido inserindo algumas

componentes de ‘actividades matemáticas’ ligadas a tópicos seleccionados no processo

de ensino.

No entanto, defendemos que a Matemática escolar pode ser desenvolvida da sua

forma actual, na direcção indicada acima, providenciando ajudas para professores

(através da formação inicial e contínua de professores) no que diz respeito ao uso e

desenvolvimento de tarefas e actividades como uma ferramenta educacional.

A nossa ideia é que os professores – independentemente do uso que fazem de

outros meios tais como livros de texto, apresentações expositivas, tutoriais – liguem as

suas explicações aos processos de trabalho dos alunos em tarefas a eles ajustados.

Assim, as tarefas e as actividades estabelecem, por assim dizer, a articulação do ‘um

ponto de encontro’ entre o professor e o aluno. Mas a definição de tarefas para o aluno é

uma acção familiar do professor, do mesmo modo que o é um conjunto de passos

relacionados com os procedimentos dos estudantes na execução dessas tarefas. E este é

o nosso ponto de partida para acreditar que é possível utilizar a actividade matemática

como um conceito organizador no ensino da Matemática segundo os objectivos e

intenções actuais e no contexto educacional actual.

Há, contudo, factores, como as concepções prevalecentes no ensino da

Matemática e as rotinas profissionais correspondentes, que contrariam (e podem até

impedir) uma mudança em profundidade na atitude do professor na exploração da

actividade dos alunos. Assim, os problemas de implementação estão fortemente ligados

às dificuldades dos professores em corresponder às exigências e intenções de aumentar

o peso da autodirecção e autodeterminação na actividade de aprendizagem dos alunos.

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Estas novas exigências que requerem mudanças no papel e acção do professor, estão

especialmente ligadas a: (1) mudanças na distribuição da ênfase nos diferentes tipos de

actividade; (2) mudanças nos tipos de acções dos professores e na sua sequenciação no

processo de ensino; e (3) mudanças nas formas pelas quais o professor serve de

mediador do sentido matemático.

Introduzimos a análise destes problemas ao longo de duas linhas. Primeiro (na

secção 1.3), pela análise das deficiências actuais inerentes às concepções actuais de

tarefa e actividade e da sua interacção. Depois (na secção 1.4), por uma breve

consideração do desenvolvimento deste tema nos anos 60 e 70.

1.3. O carácter relacional das tarefas e actividades

Temos afirmado repetidamente que as relações entre tarefa e actividade podem

ser tratadas de uma maneira significativa apenas se ambas as componentes são

investigadas também nas suas conexões com outros aspectos importantes da educação

matemática. Este é particularmente o caso do conceito tarefa, como está ilustrado na

figura 1.

Aluno 1 Aluno 2 ............

Professor

Tarefa

Matemática Objectificada

Conteúdo/ Currículo

Fig 1

O carácter relacional do conceito tarefa é explicitamente demonstrado por este

modelo enquanto o conceito actividade só está implicitamente ilustrado, dado que é

inerente nas relações entre as várias componentes indicadas pelas setas.

A complexidade da educação matemática torna-se evidente quando o ensino é

visto como um processo de interacção entre o professor e o aluno – e entre os próprios

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alunos – no qual o professor procura proporcionar aos alunos o acesso ao conhecimento

e capacidades matemáticas, de acordo com dadas intenções. Este processo de ensino-

aprendizagem é (como todos os processos entre pessoas) influenciado por um grande

número de aspectos e factores sociais que só podem ser ‘controlados’ de forma parcial e

limitada. A interacção entre professor e aluno é assim não só condicionada pelas

decisões oficiais acerca de finalidades, conteúdos, métodos, avaliação e estrutura

escolar, mas também é fortemente dependente de muitos outros aspectos mais subtis

como as concepções dos professores sobre a Matemática, o ensino e a aprendizagem e

concepções emergentes dos alunos nestes domínios.

Este pequeno número de exemplos de factores que influenciam o processo de

ensino-aprendizagem mostra claramente que uma redução da complexidade é necessária

para obter uma situação cujos procedimentos podem ser planeados, os resultados

observados e os ajustamentos necessários realizados. Contudo, quando afirmamos isto,

é também necessário mencionar que tais reduções não eliminaram a complexidade do

campo de problemas.

A Figura 1 representa – devido ao pequeno número de componentes considerado

– uma redução da complexidade da interacção entre professor e aluno relacionadas com

uma tarefa dada. Há muitas razões a favor deste modelo e algumas delas são em parte

do tipo heurístico:

Descreve (reproduz, ilustra) as duas categorias tarefa e actividade e serve como meio para fornecer uma visão geral de aspectos importantes do ensino da Matemática ligados a estas categorias;

É aberto a extensões, simplificações e interpretações e está relativamente próximo dos modelos bem conhecidos de três passos: aluno – professor – currículo e finalidades – conteúdos – métodos.

Defendemos que a teoria didáctica e a prática pedagógica podem ser levadas a

interagir de maneira que os professores são iniciados a trabalhar sob a perspectiva das

múltiplas relações complexas indicadas pela Figura 1. Esta tese é claramente muito

mais modesta do que a requerer a consideração deliberada e conscienciosa dos

professores sobre a referida complexa rede de conexões. Contudo, também defendemos

que tal iniciação pode dar origem uma construção pessoal de princípios e rotinas por

parte de cada professor que o ajudará na exploração de tarefa e actividade. Trataremos

este campo de problemas e estas teses na secção 4.

As setas da Figura 1 chamam a atenção para as dez relações binárias entre as

componentes tomadas duas a duas. O potencial do diagrama como base para a análise

didáctica é exemplificada pelas nossas observações abaixo, acerca de quatro destas

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relações, e nós convidamos o leitor a reflectir nas restantes seis. Mas também as

considerações sobre os ternos de relações, Professor–Tarefa–Aluno ou Aluno–Tarefa–

Matemática, darão um contributo para a consciencialização acerca de aspectos

fundamentais do ensino e aprendizagem da Matemática.

Conteúdo/Currículo e Matemática

O conhecimento e o saber-fazer acumulados no domínio da Matemática é um

objecto socialmente constituído. Um aspecto característico desta Matemática

(objectificada) é que respostas muito diferentes à questão ‘O que é a Matemática?’ são

aceitáveis no interior da comunidade científica de matemáticos, e também aceitáveis

pelos que usam a Matemática, e pelos didactas (para quem o maior interesse reside na

forma pela qual a Matemática é criada, constituída, ensinada e aprendida). De facto,

esta diversidade nas concepções tem sido uma das forças mais fortes no

desenvolvimento da Matemática ao longo da história e do tempo.

Portanto, têm de haver sempre discrepâncias em todas as sociedades entre

matemática objectificada (como concebida pelos matemáticos e professores de

Matemática com uma grande formação matemática) e a Matemática como

conteúdo/currículo (significando a descrição oficial dada pelas autoridades

educacionais da disciplina de Matemática a ser ensinada na escola). Ambos os domínios

– Matemática e Matemática escolar – são instituídos socialmente embora de maneiras

muito diferentes. As suas relações encontram expressão em manuais e livros de

exercícios e constituem tema fundamental no debate didáctico. Portanto, didactas e

autores de manuais devem ocupar-se conscienciosamente com estas ligações e

influências entre Matemática e os conteúdo/currículo dados.

Contudo, as formas pelas quais o professor individualmente considera e actua

nestas relações (e como ele luta com as diferenças entre ‘a sua própria Matemática’ e o

manual usado) depende de muitos factores. E eles incluem não só a experiência

matemática, mas também as suas concepções sobre Matemática, ensino e aprendizagem,

bem como a estrutura do ensino condicionada (e inerente à) pela sociedade.

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Professor e Tarefa

A identificação e a preparação do professor para uma tarefa requer em princípio

– como já foi indicado – a sua atenção para muitas das relações ilustradas na Fig. 1.

Contudo, o uso generalizado de tarefas prontas a usar (tiradas de livros de texto ou de

outros recursos facilmente à mão) serve para reduzir a investigação pessoal do professor

a questões acerca da acessibilidade para os seus alunos e a sua preparação à

determinação pessoal das soluções dos exercícios e problemas a ser tratados na aula.

Nós trataremos nas secções 3 e 4 de formas e meios para um envolvimento mais

profundo do professor individual na selecção e construção de tarefas que sejam

apropriadas para os seus fins e condições específicas.

Tarefa e Aluno (Alunos)

O conhecimento acerca destas relações é uma ferramenta indispensável para ser

usada nas decisões dos professores acerca da actividade dos alunos (individualmente ou em grupos) numa tarefa. Mas as relações são para ser estudadas no contexto educativo, uma vez que são necessárias respostas para questões tais como: (1) quais são os papéis e as formas de actividade pessoal dos alunos na sua própria aprendizagem da Matemática na escola? (2) como pode a aprendizagem pessoal ser guiada (regulada) de modo a tomar forma de uma aprendizagem partilhada com outros na e para além da aula? A investigação destas questões requer uma discussão teórica do conceito de actividade que tentaremos realizar nas secções 2.1-2.2.

Professor e Aluno (Alunos)

Estas relações estão entre os factores mais importantes que influenciam as

relações entre tarefa e aluno mencionados acima. Uma breve consideração de alguns

dos papéis do professor em diferentes estádios do processo de ensino-aprendizagem

ilustram isto: instrutor; professor da disciplina (perito, árbitro); educador; observador

participante; observador neutro; participante apoiante; crítico construtivo; e — com

ênfase e domínios variados — juiz. A exploração de tais papéis do professor está

integrada na acção específica sobre o assunto e serve para estabelecer conhecimento e

contexto para as interacções entre professor e aluno ligadas com qualquer tarefa

específica. Discutimos este problema na secção 2.4.

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Os exemplos acima ilustram o carácter relacional e global das categorias tarefa

e actividade. Assim, as tarefas em si mesmas não contêm conceitos ou estruturas

matemáticas. E actividade às cegas numa tarefa não assegura a aprendizagem que se

pretende. A tarefa é interpretada sob a influência de muitos factores e a actividade é

condicionada pelas acções do professor, que são uma vez mais feitas e interpretadas sob

a influência de atitudes e concepções do professor e do aluno respectivamente.

Portanto, o uso de tarefas e actividades é um princípio organizador no ensino da

Matemática que apela para novos metaconceitos por parte do professor. Vamos ilustrar

isso melhor observando alguns desenvolvimentos desde 1960 que se relacionam com

este tema.

1.4. Desenvolvimentos nas últimas décadas

O movimento de reforma nos anos 60 deu origem a mudanças consideráveis nos

conteúdos matemáticos do ensino nas escolas. O uso da ‘linguagem dos conjuntos’ foi

visto como um meio privilegiado para a obtenção, pelos alunos, de uma compreensão

matemática aperfeiçoada: uma compreensão relacional apoiada por uma atitude mental

integral através da Matemática. Portanto, nestes anos foi dada uma grande prioridade ao

desenvolvimento de manuais e materiais de ensino. Contudo, foi enormemente

reconhecido durante os anos 60 e início dos 70 que aprender, apesar de todos os

esforços em contrário, permanecia predominantemente instrumental.

Mas outras ideias e tendências foram integradas no trabalho ou decorreram em

paralelo com o desenvolvimento mencionado acima. Por exemplo, o ponto de vista que

não é o material de ensino, mas o professor, que é o factor crucial na mediação da

Matemática na escola; um interesse didáctico crescente foi-se desenvolvendo em

relação ao processo de trabalho dos alunos durante a sua interacção com o professor.

Este desenvolvimento deveu-se a vários aspectos interrelacionados ligados ao forte

movimento sócio-político em oposição a um sistema elitista educacional rumo a uma

estrutura escolar na qual a Matemática era ensinada a todos os alunos desde o 1º ano da

escola. Este movimento que se dirige “à Matemática para todos” conduziu a uma

procura crescente de experiências realizadas pelos alunos através do seu trabalho

prático.

Durante os anos 70 ‘as actividades matemáticas’ transformaram-se num tópico

destacado nas publicações para professores de Matemática. Artigos de trabalho na sala

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de aula com pavimentações, geoplanos, dominós, construção com cubos, etc. etc., foram

publicados, tendo sido realizadas análises sobre as finalidades matemáticas de cada uma

das actividades e das suas possibilidades no ensino e aprendizagem da Matemática

escolar. Normalmente o propósito mencionado para estas actividades é fornecer aos

alunos oportunidades para o trabalho exploratório e aberto – de preferência em grupos –

com os materiais e ideias em questão. Contudo, fazer actividades ‘matemáticas’ não

resulta necessariamente em aprendizagem partilhada da Matemática. Como

consequência de uma doutrina não crítica da ‘Matemática como actividade’ há agora o

perigo de ‘concretismo’ e de não enfatização do papel dos constructos teóricos no

ensino da Matemática.

Este desenvolvimento – e as dificuldades encontradas e realizadas – servem para

suportar um interesse na relação entre tarefa e actividade e a aprendizagem resultante

que vai para além do uso das ‘actividades matemáticas’ como componentes separadas

no processo de ensino. Este interesse foi influenciado e motivado pela mudança de

pontos de vista na aprendizagem, na Matemática, e no ensino; e isto conduziu a um

interesse crescente pelo papel da própria actividade individual no interior do processo

de ensino-aprendizagem. Três tendências dos anos 70 devem ser anotados aqui.

Primeiro, uma crescente aceitação da visão de que um pré-requisito para uma

aprendizagem ‘significativa’ de qualquer parte da Matemática escolar é o próprio

envolvimento pessoal e as reflexões individuais acerca dos aspectos e relações

essenciais em questão.

Segundo, uma crescente aceitação de que a ênfase deve ser colocada não só nos

resultados do processo de trabalho matemático na forma de teoremas e fórmulas e na

aplicabilidade destes resultados, mas também no próprio processo de trabalho em si.

Esta direcção pode ser expressa como se segue, em termos que são mais cuidados do

que os usados normalmente: a Matemática é também uma actividade.

Terceiro, uma tendência para ver o ensino da Matemática não só como

instrução, mas como um longo processo de interacções, no qual os professores

funcionam na maior parte dos casos como mediadores, que favorecem e encorajam o

conhecimento pessoal adquirido pelo desenvolvimento individual – completado pelo

conhecimento partilhado na sala de aula – no conhecimento da Matemática

objectificada.

Como evoluíram estas tendências no início dos anos 70? E quais foram os seus

méritos na mudança de perspectivas para a sociedade e para a escola nos anos 80 e

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seguintes? Uma resposta à primeira questão é encontrada em Novas tendências no

ensino da Matemática, Vol. IV (UNESCO, 1979) no capítulo sobre os três níveis

escolares por, respectivamente, Colmez, Krygowska, e Quadling. Cada autor fornece

informação acerca do interesse educacional e didáctico crescente nas actividades dos

alunos de tipo não rotineiro, e acerca das tentativas para explorar trabalho em

‘situações’ de ensino da matemática.

Destes capítulos emerge uma imagem de aspectos do ensino da Matemática

relacionados com as três tendências mencionadas acima. É descrito pelos autores em

meados dos anos 70, e eles construíram as suas descrições no desenvolvimento do que

tinham observado na década anterior. Isto mostra que nos três níveis da Matemática

escolar é dada prioridade acrescida às actividades de exploração pelos estudantes.

Mas existem – de acordo com os autores e apesar das expectativas com a melhoria do

ensino – sérios constrangimentos que impedem uma disseminação muito difundida das

mudanças correspondentes nos métodos de ensino:

Falta de tempo adequado para os currículos sobrecarregados. A requerida organização do ensino-aprendizagem relacionada com a actividade dos alunos apela para uma atmosfera sem pressas quer no estádio preparatório quer na aula. Por essa razão, novos esboços de currículo – aberto e flexível para as intervenções próprias do professor – são necessários.

Incompatibilidade com as rotinas do dia a dia actuais. A forma necessária de interacção com os alunos (individualmente e em grupos) não combina com os procedimentos e rotinas usuais dos professores. Os novos métodos ainda têm para muitos professores o gosto das pesquisas didácticas e parecem consumir muito tempo e energia.

Necessidade de capacidades profissionais especiais. As novas abordagens tendem a sobrecarregar os professores habituados a depender dos manuais. Isso requer individualmente do professor não só experiência pessoal em exploração matemática, mas também mudanças fundamentais nas suas atitudes favoráveis à educação matemática. Para alguns professores, a segurança nas relações bem estabelecidas com estudantes e pais parecem estar ameaçadas pelas mudanças pretendidas nos métodos de ensino.

Esta observação dos desenvolvimentos nos anos 60 e 70, junto com as nossas

recentes observações acerca das mudanças nas estruturas sociais devido à recessão,

sublinham que não há um caminho simples ou imediato para uma ampla disseminação –

e uma mais apropriada exploração – do princípio da actividade no ensino da

Matemática. Tal desenvolvimento parece ser contrariado não só por factores de

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constrangimentos externos, mas também por obstáculos internos que influenciam e

também determinam as relações dos professores com a actividade.

1.5. A necessidade de novos metaconceitos

Os constrangimentos internos que referimos são devidos aos metaconceitos dos

professores (também inerentes à sociedade em geral) acerca de aprendizagem, ensino,

actividade e Matemática, ou antes a um desenvolvimento insuficiente destas

metaconcepções.

O efeito perpetuado destas concepções inadequadas exerce uma influência

especial em todos os níveis do ensino da Matemática. Uma primeira barreira contra as

mudanças são os sinais visíveis do ‘trabalho diligente e submisso’ muito difundidos e

geralmente aclamados na escola e na sociedade, e a apreciação e avaliação de tal

trabalho pela medição directa do desempenho. Nesta perspectiva, o acordo no que diz

respeito à necessidade dos alunos escolherem a sua própria actividade significa, para a

maioria dos professores e pais, que o padrão existente no ensino deve ser continuado.

Isto significa que o tributo para as actividades próprias dos alunos é pago pela elevada

atenção aos exercícios e à prática; para a aprendizagem por um núcleo de regras e

procedimentos standard; e trabalhar em exercícios de rotina e outras tarefas dos

manuais. E verdadeiramente, em todos estes assuntos, os alunos devem ser activos e

desempenharem resultados mensuráveis.

Assim, o problema principal colocado à educação matemática não é apenas que

os estudantes se mostrem activos, mas que as formas presentes das tarefas e actividades

são insuficientes. Eles cuidam de alguns tipos de aprendizagem, mas ignoram outros, os

quais são vistos como importantes nas intenções educacionais actuais. Para mudar este

padrão, novas concepções são necessárias.

O ensino da Matemática aponta tanto para a construção de um repertório (store)

individual de informações (de factos, rotinas, procedimentos standard e formulações

standard em símbolos e linguagem) como para a construção de um potencial (store) de

‘consciência’ (de critérios da natureza do assunto tratado, do conhecimento acerca da

Matemática e da sua aplicabilidade, de formas de trabalho e procedimentos gerais no

processo matemático). Portanto, uma extensa variedade de tipos diferentes de

actividades pessoais deve interagir no interior do aluno para que o ensino da

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Matemática produza estes resultados, e se se pretende que os dois tipos de

conhecimentos sejam acessíveis ao aluno em relações apropriadas.

Contudo, durante qualquer actividade matemática, a aprendizagem toma lugar

em níveis cognitivos diferentes. Se um estudante, por exemplo, é solicitado a

desenvolver uma certa prova, ele estará preocupado tanto com o conteúdo matemático,

como com processos gerais como provar e ler um texto matemático. O primeiro tipo de

aprendizagem está preocupado com o conteúdo matemático num sentido estreito,

enquanto o segundo tipo é um exemplo de contexto de aprendizagem (no sentido de

Bateson). Outros exemplos são: aprender a formular ideias; como investigar e explorar

situações ou conjecturas; como resolver problemas; como criar questões e problemas.

Ensinar Matemática deve ajudar tais níveis elevados de aprendizagem, e esta tese está

de acordo com os pontos de vista expressos por Pólya, Lakatos e outros, que

desenvolveram as suas filosofias acerca da criação dos produtos matemáticos na

perspectiva dos processos pelos quais o conhecimento é construído pelo indivíduo e

pela espécie humana.

Estas considerações mostram a grande amplitude da aprendizagem com que o

professor de Matemática tem de se ocupar. Nesta perspectiva, as contribuições básicas

da teoria da actividade – que investigaremos na secção 2 – é que um indivíduo que está

motivado para agir sobre um objecto, aprende através da sua actividade, acções e

reflexões relacionadas. Assim, há uma relação de controle mútuo entre o objecto e a

actividade.

A tese os estudantes – por meio do conjunto de tarefas dadas pelo professor –

podem ser iniciados num espectro apropriado de actividades matemáticas. Contudo, um

número de acções do professor são necessários em cada caso para assegurar que a

actividade educacional em questão resulta na aprendizagem que se pretende. Indicamos

sucintamente quatro grandes campos de problemas relacionados, para serem

investigados e analisados de seguida: (1) qualquer actividade procede directamente das

finalidades de acções dirigidas que lhe são ‘inerentes’, mas não ‘dadas pela’ tarefa; (2)

tarefas específicas são necessárias para motivar tipos específicos de actividades (do tipo

de exploração ou resolução de problemas); (3) qualquer actividade contribui para

aprender de maneiras diferentes e em níveis cognitivos diferentes; (4) as acções

específicas do professor são necessárias para assegurar que o conhecimento pessoal é

desenvolvido num grau apropriado dentro do conhecimento partilhado.

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Já que a dependência mútua entre tarefa e actividade é de uma natureza

indirecta, e devido ao carácter relacional dos dois conceitos, aprender não pode ser

assegurado simplesmente pelas tarefas. A grande importância das acções dos

professores é enfatizada por (1)-(4). Por exemplo, o professor deve assegurar-se

regularmente que certas acções inerentes às actividades (cf. (1)) são realizadas. E deve

assegurar-se (cf. (3) e (4) através da sua interacção com os alunos durante o seu

desempenho destas acções, que o potencial de aprendizagem é explorado correctamente.

Contudo, a experiência das últimas décadas mostrou claramente que uma

concepção superficial das relações entre tarefa e actividade, facilmente conduz a um

ponto de vista reducionista que pode resultar em actividade cega. Por exemplo, em

casos em que o aluno não é levado a uma reflexão conscienciosa acerca do objecto da

sua aprendizagem, ou quando uma actividade consiste em treino e prática sem visar a

construção de mudanças na “zona de desenvolvimento próximo” (Vygotsky, ver secção

2.4. abaixo).

Assim, são necessários mais meios profundos de regulação para providenciar

aprendizagem apropriada e desenvolvimento do sujeito activo. Propomos que um

aumento de consciência e conhecimento acerca de estrutura e papel da actividade nos

dará uma base teórica aperfeiçoada para o estabelecimento de um processo de

regulação pelo educador da actividade do aluno.

2. O enquadramento teórico de actividade educacional

2.1. O conceito de actividade

A teoria da actividade é um campo de problemas no qual constructos de várias

áreas, como por exemplo, a Psicologia, a Sociologia, a Epistemologia, etc. são postos

em interacção. Uma descrição detalhada e exacta das relações mais profundas entre

actividade, representação e tomada de consciência podem ser encontradas em Leont’ev

(1975) e Galperin (1980). Estas descrições tratam também da relação entre actividade e

desenvolvimento da personalidade do sujeito em acção, tendo em atenção os

determinantes sociais da actividade observados ao longo da história.

As relações entre o “homem” e o mundo que o rodeia são mediadas através de

actividade-orientada-para-um-objecto no decorrer da qual o sujeito constrói uma

imagem do objecto em questão. Por outras palavras: o objecto adquire uma forma

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subjectiva na mente do sujeito em acção. E esta imagem ou representação do objecto

pode servir como meio de orientação para o sujeito no seu ambiente. Pela sua natureza,

as relações sociais, comunicativas e cooperativas que estão embutidas na actividade,

estabelecem uma conexão mútua entre o indivíduo e o ambiente. A característica

interactiva da actividade humana tem um papel fundamental na acomodação do

“homem” às suas condições externas bem como à mestria das mesmas.

Actividade não é somente reacção comportamental e adaptação a condições

ambientais. Por isso, a actividade consciente e orientada para um certo objectivo (goal)

de uma pessoa em acção resulta em correspondentes mudanças nas suas necessidades e

intenções e nos motivos com elas relacionadas. Neste processo de adaptação – e como

consequência das regulações no seu processo de desenvolvimento – uma mudança toma

lugar na personalidade do indivíduo. Por outras palavras: a regulação que o homem faz

do ambiente resulta numa regulação do homem. Estes factos são de importância

primordial para a compreensão do papel central da actividade educacional.

Consideraremos agora – antes de tratarmos o problema da regulação – a

estrutura da actividade tal como é desenvolvida por Leont’ev. O aspecto essencial da

actividade é ser orientada para um objecto. Assim, qualquer actividade humana

corresponde a necessidades específicas do indivíduo activo e é orientada para o objecto

dessas necessidades. As actividades podem diferir em múltiplos aspectos, mas a

distinção mais importante entre as actividades é devida à diferença entre os respectivos

objectos. O motivo real de uma actividade é, na terminologia de Leont’ev, inerente ao

seu objecto, material ou mental. Assim, para ele, a actividade é um processo que é

sempre iniciado e interpretado na perspectiva de um motivo.

A actividade humana procede através de um sistema de acções que são

processos orientados para um objectivo, causados pelo motivo da actividade. A

actividade realiza-se através destas acções, que podem ser encaradas como suas

componentes. A actividade existe somente nas acções, mas actividade e acções são

entidades diferentes. Assim, uma acção específica pode servir para realizar diferentes

actividades e a mesma actividade pode ter origem em objectivos diferentes e, consoante

esses objectivos, dar início a diferentes acções.

As relações entre, por um lado, motivo e fins, e por outro lado, actividade e

acções poder ser brevemente descrita da seguinte forma: o fluxo de um dado processo,

interno ou externo, de actividade/acções desenvolve-se e procede relativamente a um

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motivo (o objecto factual) como actividade, e relativamente ao sistema de fins como

acções.

Cada acção, servindo como componente de uma actividade , é dirigida – de

acordo com o seu objectivo – para um certo resultado final antecipado. A acção,

consequentemente, procede de um estado inicial para um estado final, e, normalmente,

através de várias etapas reconhecíveis. De acordo com isto, uma acção humana

consciente é – como o próprio objectivo – concebida como um plano. Mas isto

pressupõe a existência de várias possíveis discrepâncias relativamente ao progresso de

qualquer acção pertencente a uma actividade: (1) o resultado final é aceite embora se

desvie do resultado pretendido; (2) a acção é ajustada em comparação com o plano

previsto a priori.

No caso de uma actividade complexa com uma correspondente rede complexa

de fins e acções, sub-acções são concebidas, organizadas e executadas como meios para

atingir um ou mais desses fins. O indivíduo estabelece através de tais sub-acções

condições que lhe permitem alcançar os fins em questão e atingir o resultado final

pretendido da acção em questão. Consideremos exemplos de tais acções auxiliares:

acções preparatórias que servem para estabelecer condições que são necessárias (num sentido directo e imediato) para a realização em vista ou que facilitam o desempenho da acção intencionada;

acções de observação e reflexão que servem para desenvolver e construir informação necessária para o desempenho ou planeamento de acções;

acções de salvaguarda que servem para assegurar que os resultados intermediários importantes estão disponíveis para um possível uso futuro no processo de acções;

acções de controlo que servem para comparar fins/acções intencionadas com os resultados obtidos ou com as acções que foram de facto desempenhadas;

acções correctivas que servem para remover erros, e num sentido mais lato, também ara antecipar possíveis erros.

O processo pelo qual uma certa acção é executada é chamado, por Leont’ev,

uma operação. Assim, qualquer acção exibe dois aspectos: o aspecto intencional,

relacionado intimamente com a questão “O que deve ser obtido?”, e que expressa o seu

carácter de dirigido para um objectivo; e, o aspecto operacional, relacionado com a

questão “Como é que isto pode ser obtido?”, e que expressa a sua dependência com

condições inerentes no objecto ‘sobre o qual’ a acção opera.

Então, de acordo Leont’ev, uma tarefa é o objectivo de uma acção, objectivo este

enquadrado por condições distintas. A execução de uma acção corresponde assim à

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tarefa (e é em certo sentido seu equivalente). E Leont’ev frisa: as acções são

determinadas pelos objectivos, as operações pelas condições.

As operações são em geral desenvolvidas socialmente e obtidas na forma de meios

ou instrumentos. Assim, a maioria das operações usadas na actividade humana são, de

acordo com Leont’ev, resultados de aprendizagem; representam uma aquisição de

procedimentos e métodos que foram socialmente mediados.

Muitas operações correspondem aos meios materiais pelos quais são executadas:

o desenhar de uma recta à régua; o desenhar de um círculo ao compasso; e as

operações aritméticas elementares ao ábaco. Nesta conexão, são de importância

específica os aspectos operativos dos conceitos quando usados como instrumentos

(Otte, 1980).

A estrutura de uma actividade é assim determinada: pelas condições inerentes ao

objecto; pelo sistema de motivos e objectivos; pelas condições internas do sujeito em

acção; e pelas condições externas (por exemplo, consistindo no apoio ou limitações com

origem em fontes externas). Na perspectiva da nossa necessidade de regulação da

actividade, deverá ser sublinhado que os aspectos acima não devem ser linearmente

ordenados, mas – pelo contrário – devem ser vistos como um sistema complexo de

conceitos e aspectos mutuamente relacionados.

2.2. Regulação da actividade

Trataremos agora de factores que influenciam a actividade humana e servem

assim para regular a aprendizagem do indivíduo através desta actividade nos

omnipresentes cenários sociais do homem. O conhecimento desta regulação da

actividade será importante para a tomada de decisões sobre o uso educacional e a

exploração da actividade.

De importância básica temos, primeiramente, o todo integral de: (1) os aspectos

produtivos/criativos/construtivos da actividade; (2) a acção dirigida para um objectivo

sobre um objecto e em interacção com ele; (3) o efeito retroactivo de (1) e (2) no sujeito

em acção, um efeito que influencia continuamente o fluxo da actividade e o qual conduz

à transformação/reconhecimento/desenvolvimento do sujeito.

O objecto da actividade nesta unificação integral é manifestado sob duas formas,

como o exprime Leont’ev: como o objecto em si mesmo – na sua existência

independente – em cuja capacidade é subordinado e transformado pela actividade do

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sujeito; como imagem do objecto, como resultado de reflexão cognitiva do objecto, que

é estabelecida e realizada como produto da actividade do sujeito.

Esta representação cognitiva é, assim, não estabelecida como uma reflexão

imediata. É construída durante processos nos quais o sujeito estabelece contactos com o

seu ambiente. Em consequência, estes processos são necessariamente influenciados pela

necessidade e mais ou menos determinados pelas condições externas existentes, mas

também influenciados pela organização interna do indivíduo, que poderá, de acordo

com tal, estabelecer e manter uma certa autonomia nas suas atitudes relativamente ao

mundo que o rodeia.

Tal ponto de vista é ‘ecológico’ no sentido em que é baseado na teoria de que

existe uma profunda relação entre a vida do “homem”, o seu desenvolvimento genético

e o mundo físico e social que o rodeia; e é baseado na tese de que estas relações formam

a base para recursos que permitem ao “homem”, através de processo dirigidos para um

objectivo, lidar com a variabilidade do mundo que o rodeia. Esta posição ecológica é

fundamental nas diferentes escolas psicológicas do nosso tempo (Leont’ev; Piaget;

Miller, Galanter e Pribam; Neisser).

Enfatizemos agora os factores de maior relevo na regulação da actividade:

A organização interna de entre o indivíduo, os assim chamados modelos ou mapas internos do mundo na forma de conhecimento já adquirido, conceitos, autocompreensão, sistema de valores e normas, posições, pontos de vista, esquemas (schemata) antecipatórios, etc.;

As duas formas do objecto para a actividade: o objecto em si mesmo com as suas características factuais, concebido pelo indivíduo como sendo externo a ele; e a imagem cognitiva do objecto, o qual possui uma qualidade interna;

Os mecanismos de resposta (feedback-mechanisms) que permitem ao indivíduo comparar dados coleccionados no ambiente com respostas estabelecidas através dos seus mapas internos; discrepâncias ou incongruências entre os dados externos e os modelos cognitivas podem iniciar actividades que conduzem a mudanças mútuas no sujeito e objecto.

Uma descrição muito clara das diferentes possibilidades inerentes na regulação

da actividade é dada por Bromme e Seeger (1979).

Os fins dirigem, interrelacionam e conduzem a correcções – resumindo servem para regular a actividade; tal como a actividade serve como um factor regulador, dado que conduz a mudanças nos fins e nas suas imagens.

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E o correspondente é também verdade para o objecto da actividade e a sua

imagem subjectiva. Assim, por um lado, a imagem do objecto serve para regular a

actividade porque dá origem a antecipações sobre o fluxo do processo – estas

antecipações são causadas pela influência ou pelo uso de propriedades específicas do

objecto como base para a actividade – e, por outro lado, a actividade serve para regular

a génese da imagem (e cada vez mais, à medida que o trabalho procede com e sobre o

objecto). Esta influência sobre o estabelecimento da imagem acontece através de um

processo de modificações, que são também causadas ‘pela experiência’; por exemplo,

através de um nível cada vez maior de diferenciação, articulação e coordenação.

Uma breve análise à teoria da percepção de Neisser servirá para apoiar a nossa

análise da regulação da actividade e, estabelecerá uma base (background) para

considerações que faremos mais tarde. Traz-nos-á de volta ao tema da actividade

exploratória a qual, na nossa opinião, deve ter um papel central no ensino da

Matemática.

Neisser investiga a percepção como um aspecto especial da cognição e

considera a percepção como um protótipo de actividade cognitiva. Ele escreve na

introdução do seu trabalho Cognição e Realidade (1976a):

Usualmente, percepção e cognição são não só operações mentais (in the head) mas transacções com o mundo. Estas transacções não só informam o agente da percepção, mas também o transformam. Cada um de nós é criado pelos actos cognitivos em que nos empenhamos.

Ele vê a percepção como um processo exploratório e construtivo e, durante todo

este seu importante livro, chama a atenção para a ideia de que a percepção toma lugar

ao longo do tempo e está intimamente relacionada com movimentos do agente da

percepção e do que é percebido.

O diagrama auto-explicativo abaixo (Neisser, 1976a) (ver a figura 2) ilustra as

principais características do seu importante conceito, o ciclo perceptual. A sua hipótese

é que toda a percepção utiliza esquemas antecipatórios, e que o indivíduo

continuamente desenvolve e modifica esses esquemas, os quais têm de ser

necessariamente desenvolvidos de forma a assegurar que o organismo possa existir na

realidade em movimento. De acordo com isto e num certo sentido, nós podemos

somente ver, cheirar e sentir, ... objectos que de certo modo cabem nos nossos esquemas

antecipatórios, tal como eles se encontram no momento da percepção.

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Deverá ser notado que os esquemas antecipatórios perceptuais são vistos por

Neisser como embutidos em mapas cognitivos (no sentido de esquemas-orientadores do

mundo e de suas possibilidades). Correspondentemente, propõe (1976a, p. 112) que este

ciclo perceptual está embutido “num ciclo mais inclusivo de exploração e obtenção de

informação que cobre mais terreno e leva mais tempo”.

Esquema Exploração

Objecto (informação disponível)

Modifica

Dirige

Experimenta

Ciclo Perceptual de Neisser

As teorias psicológicas de Neisser têm um papel importante na forma tratamos

na Secção 4 o planeamento do professor para as tarefa e as actividade. Assim, o que

dissemos acima implica um aviso importante que o aluno – e o professor – até um certo

grau, só podem ‘ver’ aquilo que esperam ver. E as ideias de Neisser também

providenciam a base para um princípio de acordo com o qual a informação deve estar

embutida no contexto das nossas tarefas educacionais com o propósito de que quem

aprende seja capaz de se envolver em ciclos perceptuais e actividade mental

relativamente à essência do material matemático pretendido.

Percepção e actividade são em muitos aspectos processos similares e a razão é

claramente o facto da percepção (como uma parte da cognição) estar profundamente

envolvida em toda a actividade. No seu capítulo sobre esquemas, Neisser (1976a)

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descreve como é que “a cada momento a actividade competente (skilled activity)

depende do estado das coisas existente, no que aconteceu antes e dos planos e

expectativas do sujeito em acção”. Ele afirma que este processo cíclico de actividade

encaixa no paradigma da sua representação gráfica dada acima. Na opinião de Neisser,

o sujeito activo competente age no mundo do qual faz parte e age também sobre ele

próprio. E, embora “percepcionar não altere o mundo, altera o agente da percepção”. E,

do mesmo modo, a “acção” altera obviamente o seu agente. Esta conclusão pode ser

colocada como a hipótese básica sobre a qual repousa o nosso uso de actividade

educacional como conceito organizador do ensino da Matemática.

2.3. Actividade educacional e actividade de aprendizagem

Nas Secções 2.1. e 2.2. foram feitas considerações teóricas relativamente a

actividade humana e como esta é verdadeiramente motivada pelo objecto em questão.

Em ocasião propícia, chamaremos a este tipo de actividade ‘genuína’ para a distinguir

da actividade mais ou menos ‘artificial’, aquela em que o sujeito se encontra activo com

tarefas colocadas por outros e logo não necessariamente orientada para um objecto

escolhido pelo sujeito.

Viramo-nos - nesta perspectiva - para o contexto educacional institucionalizado.

Neste contexto, a tarefa (o trabalho marcado pelo professor) torna-se o objecto para a

actividade do aluno, tendo em conta a sua aprendizagem e desenvolvimento. Falaremos

de actividade educacional quando os alunos trabalham como resultado de planeamento

educacional, e da actividade de aprendizagem quando a actividade educacional resulta

na aprendizagem intencionada.

Para criar um enquadramento apropriado de referências, começaremos a nossa

análise com um exemplo do ensino da Matemática do nível elementar: Quanto custa

sustentar um cão? (Tammadge, 1971).

Embora esta questão se relacione com os pensamentos e interesses dos alunos

mais jovens de forma directa e natural, será normalmente, no cenário da escola,

encarada como uma simulação de um problema da vida real.

Se a questão tivesse sido levantada por alguém no seu próprio contexto, a sua

motivação pessoal poderia ser a sua necessidade de decidir se quer comprar um cão ou

encontrar argumentos para não o fazer. Numa tal situação real, o sujeito em acção

certamente que não consideraria o papel da sua presente actividade na forma como irá

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tratar outras situações no futuro. O resultado em si mesmo, por exemplo, o custo médio

anual para manter um cão, constitui o motivo da sua actividade. Contrariamente, a

resposta em si mesma é, no contexto educacional, de pouca importância, tanto

considerada como um item de informação, como como um item de consciencialização

(awareness).

O próprio motivo do professor (que planeou o uso destas tarefas na sala de aula)

diz respeito somente à aprendizagem intencionada. As suas intenções gerais podem ser

que a actividade deve providenciar aprendizagem sobre a matematização de uma

situação; mais detalhadamente o professor pode esperar que os alunos fiquem

motivados para processos como os seguintes:

construção de um plano de acções (antecipar as necessidades, o que pode ser importante, que procedimentos fornecer, etc.);

organização do trabalho a ser executado (incluindo, talvez, decisões sobre a divisão de trabalho ou sobre pesquisas a ser feitas);

coleccionar dados, directamente ou através de ‘especialistas’; sistematização, avaliação transformação e reorganização de dados; avaliação do modelo usado em termos do quanto é adequado para a

resolução do problema inicial. Assim, a aprendizagem pretendida no nosso exemplo é o desenvolvimento no

indivíduo de processos de acções de um tipo bastante geral, que são orientadas para o

problema factual dado e organizadas de acordo com ele, ou seja: Quanto custa sustentar

um cão? Processos de acções deste tipo são obviamente componentes indispensáveis

em numerosas actividades e, mais ainda, têm um papel central como instrumentos no

pensamento e na aprendizagem. Vejamos como são desenvolvidos pelo aluno na

perspectiva do nosso exemplo.

Primeiramente, estes processos de acções são integrados na actividade total

iniciada pela questão. O motivo do aluno é, ou pretende-se que seja, estabelecer uma

resposta apropriada a esta questão, mas um observador poderia, presumivelmente, ver

que estas acções-esquemas estariam a ser desenvolvidas espontaneamente por alguns

alunos enquanto que outros ser manteriam passivos. Estas diferenças de comportamento

são bem conhecidas e as respectivas causas facilmente identificáveis. No entanto, a

questão importante aqui é que o desenvolvimento de acções-esquemas e de acções

(ambas relativamente aos seus aspectos intencionais e operacionais) têm que ser

apoiadas directamente pelo professor. Além disso, tal apoio é necessário não só para os

alunos neste último grupo ‘inactivo’ como para todos os outros. Através de diversos

meios, acções são concebidas, discutidas, e desenvolvidas numa cooperação entre

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professor e alunos. Um das principais objectivos do professor, nesta situação, é

diferenciar, de acordo com as diferentes necessidades o apoio, mas assegurar que todos

os alunos reconhecem que esses processos de acções são criados deliberadamente e com

propósitos específicos.

Linguagem e comunicação têm um papel indispensável e central nesta conexão.

Assim, a interacção entre professor e alunos compreende propostas/interpretações/

/discussões/negociações/decisões que dizem respeito à actividade e aos componentes

das acções em construção. Linguagem e acções estão ‘entrelaçadas’ em todo este

desenvolvimento durante o qual imitação (dos alunos mutuamente e do aluno

‘copiando’ professor) bem como o teste (de ideias, conjecturas e linguagem e

terminologia) têm papéis dominantes.

É agora de importância decisiva para o desenvolvimento intelectual do aluno

que as acções dos tipos mencionados se tornem generalizados em estratégias cognitivas

que apoiem o indivíduo na sua solução de problemas específicos. Mais ainda, que estas

estratégias – ao longo do tempo – assumam o carácter de esquemas para aprendizagem,

que devem ser reconhecidos pelo indivíduo pelo seu poder geral. Neste último caso, o

indivíduo adquiriu meios poderosos para aprendizagem auto-suficiente e independente.

Sumariamente, o exemplo serviu para ilustrar que actividade iniciada por tarefas

em questões dá origem a aprendizagem a duas ‘dimensões’:

aprendizagem na dimensão 1 é determinada pelo objecto para a actividade, pela essência matemática da tarefa dada;

aprendizagem na dimensão 2 consiste no estabelecimento de esquemas para aprendizagem e na consolidação e desenvolvimento desses esquemas.

Na perspectiva do princípio da actividade, a aprendizagem da Matemática, sobre

conceitos e procedimentos matemáticos toma lugar através de acções ‘na’ dimensão 2.

Esta aprendizagem diz respeito (cf. o exemplo) aos aspectos gerais da resolução de

problemas, exploração, generalização, descrição, raciocínio, aplicação, armazenamento

relacional de conhecimento, etc. No entanto, as acções ‘na’ dimensão 1, as quais são

dirigidas para o objecto dado e específico, constituem o campo dos pré-requisitos para o

desenvolvimento ‘na’ dimensão 2. Em alguns sentidos, temos aqui um desenvolvimento

mais profundo das considerações que fizemos na Secção 1.5. sobre informação e

consciencialização, e sobre a aprendizagem de conteúdos e o contexto da aprendizagem.

O conhecimento e a aprendizagem que pertencem às dimensões 1 e 2 constituem

domínios complementares para cada indivíduo. As suas relações e a forma como se

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inter-relacionam uma com a outra em cada indivíduo dependem das exigências dados;

e, o desenvolvimento interno de (ou de entre) ambos os domínios está intimamente

conectado e é inseparável do ambiente externo através dos aspectos socio-

comunicativos do conhecimento, conceitos e actividade Assim, o desenvolvimento

intrínseco pode ser apoiado, guiado, e regulado pelo professor através de materiais

textuais e outros meios e enquadramentos externos.

Do dito acima segue que a complementaridade pretendida entre a aprendizagem

nas dimensões 1 e 2 requer um ‘equilíbrio’ no apoio educacional proporcionado para a

actividade mental ‘em’ cada dimensão. De modo semelhante, uma complementaridade

apropriada entre processo e produto, e entre conhecimento de informação e

conhecimento do tipo consciencialização (awareness), pode somente ser promovida

através de um equilíbrio no apoio educacional das componentes.

No entanto, a experiência mostra que mesmo quando os alunos trabalham em

tarefas dadas, apoiadas por contextos educacionais cuidadosamente estabelecidos e por

correspondentes acções do professor, a aprendizagem tal como pretendida não decorre

automaticamente da actividade dos alunos sobre as tarefas dadas. Dois factores de

importância específica e básica podem aqui ser apontados: (1) as atitudes e atenção do

aluno relativamente à tarefa dada; (2) o carácter da actividade do aluno.

No que diz respeito a (1), os factores importantes são o interesse individual na

tarefa, a sua motivação para agir, as suas atitudes relativamente ao professor e escola, as

suas concepções sobre a aprendizagem e sobre a Matemática. Relativamente a (2), a

questão é se o indivíduo reflecte nas suas acções e na sua própria aprendizagem.

Os factores (1) e (2) são também tratados por Davydov e Markova. Eles

escrevem (1981):

Numa investigação é necessário levar em conta o facto de que uma pessoa precisa de não ficar submergida em actividade. Relativamente à aprendizagem tal significa que o desenvolvimento mental não pode ser derivado directamente da lógica do desenvolvimento da actividade educacional.

De acordo com isto, Davidov e Markova acham necessário criar condições no

contexto educacional que permitam que a actividade adquira um significado pessoal

para o aluno, tornando-se “a fonte de auto-desenvolvimento da pessoa e do

desenvolvimento global (comprehensive) da sua personalidade bem como constituir

uma condição para a sua entrada na prática social”.

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Claramente, que esta visão indica, ao mesmo tempo, grandes dificuldades mas

também importantes possibilidades para o professor. No entanto, quando são atingidas

as condições necessárias, Davidov e Markova encaram a actividade como um dos

principais meios para o professor entrar em contacto com o aluno. Eles propõem que

existe “no ambiente de uma actividade definida” possibilidades de fazer, ao mesmo

tempo, uma avaliação e uma transformação da natureza do desenvolvimento mental da

criança. E afirma na continuação que o aluno torna-se sujeito do seu próprio

comportamento através do processo de actividade, e que assim “assume uma orientação

activa”, simultaneamente, relativamente aos objectos do mundo que o rodeia e às outras

pessoas. Em resumo, apoiam fortemente a ideia que tarefa e actividade estabelecem um

‘ponto de encontro’ de valor para professor e aluno (Secção 1.2.).

A tarefa educacional é uma unidade de análise através da qual os autores

reconheceram que “aprendizagem não é somente a aquisição e mestria de

conhecimento”, mas que “é primariamente um processo de mudança, reorganização e

enriquecimento para a própria criança”. A sua investigação da “estrutura da actividade

educacional”, que tem ocorrido ao longo de vários anos, levou os autores a distinguir

entre os seguintes componentes da actividade educacional: (a) a concepção que o aluno

tem das tarefas educacionais; (b) o desempenho do aluno dos actos educacionais; (c) os

actos pessoais do aluno de controle e avaliação.

O importante ponto sobre (a) é que o aluno aceite as tarefas educacionais como

parte do seu próprio processo de aprendizagem e que a actividade educacional seja

desempenhada de uma forma consciente. Relativamente a (b), as acções do aluno,

quando levadas a cabo como concebidas numa educação “correctamente organizada”,

dar-lhe-ão “acesso a relações universais, princípios dominantes e ideias chave numa

certa área de conhecimento ...”. A substância de (c) é auto-evidente.

Estes três aspectos, que dizem respeito à concepção do aluno sobre tarefas e os

seus contextos de aprendizagem, são todos desenvolvidos inicialmente “em actividade

conjunta com o professor ou com um colega”. Davydov e Markova reconhecem que

cada uma das componentes (a), (b) e (c), foram investigadas por psicólogos anteriores,

mas que a sua “interacção” – apesar da sua óbvia importância – não foi ainda estudada

especificamente. A sua própria proposta é que a actividade educacional deve ser sempre

investigada como actividade educacional integral no sentido de uma unidade de (a), (b)

e (c).

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Consideraremos estas ideias na perspectiva da nossa investigação anterior.

Obviamente, (a) e (b) correspondem directamente às nossas dimensões 2 e 1, enquanto

que (c) se constrói sobre acções de tipos auxiliares (cf. Secção 2.1.). Mais ainda, a ideia

de Davydov e Markova de actividade educacional integral é completamente compatível

com a nossa concepção de duas dimensões de aprendizagem através da actividade.

Visto no nosso contexto, as exigências a fazer ao professor incluem: que opere

conscientemente com essas dimensões; que identifique tarefas nas quais estão inerentes

potenciais para acções de entre ambas dimensões; e que analise tais tarefas com o

propósito de descobrir actos de ensino através pelos quais o aluno pode ser apoiado na

sua aprendizagem em ambas as dimensões.

Nestas considerações, uma vez mais, a responsabilidade para a exploração da

actividade de uma dada tarefa cabe ao professor individual (à sua interacção criativa e

construtiva com os alunos), obviamente não é negada a importância da informação

sobre as tarefas e o seu potencial. Mas a descrição de uma tarefa, uma análise do seu

potencial e dos conselhos ao professor sobre uma possível orientação em relação à

dimensão 2, que ele possa exercer na sua turma, são passos externos à tarefa, ao

professor e aluno, e à sua actividade e interacção no processo de ensino/aprendizagem.

De facto, tarefas à ‘prova-de-professor’ existem tão raramente quanto manuais escolares

à ‘prova-de-professor’.

Os professores que estão conscientes das diferentes dimensões da aprendizagem

e da complementaridade da informação e consciencialização têm tendência a

transformar e ajustar uma dada tarefa – através de uma construção pessoal – de tal

forma a que ela corresponda às suas próprias necessidades e condições e às dos seus

alunos. Esses professores reflectem e seleccionam a parte da informação que lhes está

disponível, ou que constróem sobre a tarefa em questão. Os professores com uma

concepção da aprendizagem mecanicista e reducionista têm tendência a encarar o

professor como dador de conhecimento, que transmite itens de conhecimento para o

aluno como se se tratassem de coisas que pudessem ser passadas para o aluno

materialmente.

Com base nas partes anteriores desta secção, podemos resumir a nossa

concepção dialéctica da aprendizagem através da actividade, no contexto escolar, da

seguinte forma.

Os alunos são motivados para a actividade e iniciam-na através de passos

deliberadamente tomados pelos professores. Estes passos educacionais são planeados na

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perspectiva de propósitos educacionais e intenções que se preocupam, mais ou menos

explicitamente, com a aquisição por parte do aluno de conhecimento específico e saber-

fazer partilhado com outros; em resumo, conhecimento social e saber-fazer. Esta

aprendizagem intencional não está limitada à aquisição de produtos finais fechados mas

deve compreender processo e produto como aspectos que se complementam. Deve

conter diferentes tipos de aprendizagem e diferentes níveis cognitivos, e deve beneficiar

da atribuição de alta prioridade a acções dirigidas pelo fim específico aprender.

Na perspectiva das exigências a fazer ao professor, inerentes à posição acima

descrita, torna-se obviamente importante identificar formas de apoiar os professores de

matemática na sua exploração e regulação de actividade. Expresso na terminologia de

Davidov e Markova, o problema consiste em identificar meios através dos quais o

professor pode promover uma concepção unificada – de entre o aluno – do papel da

tarefa-e-actividade, da aprendizagem, da Matemática, e do seu controlo, pessoal e

consciente, do seu próprio processo de aprendizagem.

Em todo este contexto, será óbvio que a aprendizagem no sistema da escola não

pode ser baseada primariamente na actividade que brota dos interesses e necessidades

pessoais do indivíduo. A aprendizagem do aprender na escola consiste também em

aceitar tarefas propostas pelo professor e em aceitar a necessidade de prestar atenção a

tais trabalhos propostos. Num certo sentido, tais concepções personalizarão a forças

condutoras da actividade do aluno.

Assim, voltamos às questões dos metaconceitos, que são formados (e podem ser

mudados) pela ‘aprendizagem do contexto’ no sentido defendido por Bateson, como

recentemente discutido em Mellin-Olsen (1981). Os ‘marcadores de contexto’ através

dos quais o indivíduo pode adquirir as suas normas relativamente à aprendizagem e ao

conhecimento (i.e., metaconceitos de aprendizagem e conhecimento os quais

correspondem num grau apropriado às condições do sistema educacional) devem,

presumivelmente, ser estabelecidos através da actividade educacional integral sobre

tarefas necessárias para propósitos educacionais, mas apoiadas por tarefas ‘em

quantidade suficiente’ e nas quais o interesse pessoal do aluno serve como uma

motivação forte para a actividade. (Ver também as Secções 4.3., 4.4. 4.7. e 4.8. do

Capítulo 1).

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2.4. Dimensões pessoais e sociais da aprendizagem

Para nós, o ensino através de actividade significa planear para a actividade do

aluno e utilizá-la como veículo principal para a aprendizagem intencionada. A nossa

justificação deste princípio da actividade tem consistido em considerações pedagógicas

bastante gerais relacionadas com a nossa análise do conceito de actividade e da sua

regulação.

Consideraremos agora – com base na teoria de S. L. Rubinstein (1963, 1968,

1973) – a fundamentação psicológica deste princípio, e nesta conexão estudaremos mais

profundamente as questões da regulação da actividade. Estas considerações lidam com

formas nas quais o indivíduo desenvolve uma relação teórica com o mundo que o

rodeia, e que têm, como tal, implicações pedagógicas directas.

Uma tese fundamental está contida no trabalho Sein und Bewusstsein (1973, p.

240) de Rubinstein. Neste trabalho o autor afirma que existe uma unidade entre tomada

de consciência e actividade que é devida às conexões recíprocas entre ambas e

dependência mútua.

Esta unificação tem consequências de longo alcance. A actividade prática e

teórica do “homem” condiciona o desenvolvimento da sua consciência – e da sua

personalidade. E, por outro lado, os ‘estados internos’ do indivíduo, as suas estruturas

mentais, constituem, através da sua função na regulação da actividade, os pré-requisitos

para um desempenho adequado da actividade em questão. As características mentais do

homem são demonstradas externamente através da sua actividade – no trabalho e na

aprendizagem. Assim, a actividade do homem é influenciada e, até certo grau,

determinada por essas condições internas e por esses recursos: pelo seu conhecimento e

saber-fazer, e pelas suas capacidades, atitudes, e motivações. E, este potencial interno

está, por outro lado, em contínuo desenvolvimento através da sua actividade.

Rubinstein é levado por este princípio da unidade entre tomada de consciência e

actividade a fazer a seguinte afirmação sobre o desenvolvimento do intelecto, das

capacidades mentais e espirituais do homem (1973, pp. 185-86; traduzido pelos

autores):

Os resultados acumulados dos processos da actividade humana ao longo da história são realizados ou objectificados na forma de produtos finais ou resultados. É de importância essencial para o desenvolvimento das capacidades (habilities) do indivíduo que ele adquira tais resultados. Esta dependência da actividade humana dos produtos estabelecidos ao longo

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da história pela humanidade é uma característica específica do desenvolvimento humano. As capacidades do indivíduo são desenvolvidas através de um processo no qual o indivíduo adquire os produtos já estabelecidos pela actividade humana e os torna seus. Mas, o ‘desenvolvimento capacidades’ não é uma aquisição de produtos acabados. Assim, as capacidades não são projectadas no homem por esses produtos como se estes fossem objectos, mas desenvolvidos através da interacção entre homem e os produtos do desenvolvimento histórico.

O poder explicativo destas afirmações usadas como fundamento para o princípio

da actividade é óbvio e, de acordo com Rubinstein, uma unificação similar entre

desenvolvimento pessoal e desenvolvimento educacional (Bildung) fica disponível.

Assim, ele escreve algures que as capacidades espirituais do aluno são desenvolvidas

através da vida mental activa na qual ele toma parte. Os passos educacionais tomados

pelo professor durante o processo de ensino servem para desenvolver a personalidade

do aluno no sentido de que o iniciam e guiam a sua actividade pessoal. Como veremos,

é aparente a contradição entre desenvolvimento pretendido da independência e o uso da

orientação educacional indicada.

O desenvolvimento das capacidades mentais pode ser ilustrada por uma espiral:

o aluno pode somente adquirir conhecimento e saber-fazer se o seu desenvolvimento

mental (o desenvolvimento do seu conhecimento, saber-fazer, e capacidades – incluindo

os seus esquemas de aprendizagem) atingiram um nível correspondente. E,

conversamente, as novas condições internas estabelecidas através do processo

constituem o fundamento para a aquisição de conhecimento e saber-fazer a um nível

mais elevado.

Esta dependência mútua é analisada por Vygotsky (1997, Capítulo 6 e 1978, pp.

84-91). A sua tese principal é que cada estado específico do desenvolvimento do aluno

é caracterizada pelos “nível de desenvolvimento real” e “nível de desenvolvimento

potencial”, e que é característica essencial da aprendizagem na escola que cria “a zona

de desenvolvimento próximo”.

Assim, embora o aluno não possa explicitar as possibilidades no nível potencial

por si próprio, pode conseguir realizações ao nível da zona de desenvolvimento

próximo através de orientação e apoio educacional, incluindo por exemplo,

oportunidades para imitação e reflexão relacionadas com as propostas do professor e

demonstrações que digam respeito a tarefas e procedimentos aquele nível.

De acordo com esta hipótese, não existe dicotomia entre a independência do

aluno e a orientação providenciada pelo professor e pelos meios educacionais de apoio

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(por exemplo, materiais textuais). Os dois aspectos - a autonomia do aluno e o apoio

educacional - são interdependentes, e faz parte desta posição didáctica que as formas de

conhecimento e saber-fazer – que são estabelecidos socialmente (conhecimento

objectificado) – não podem ser desenvolvidas espontaneamente pelo aluno, mas têm de

ser mediadas por passos educacionais.

As exigências e desafios educacionais devem estar relacionados com o nível

seguinte de aprendizagem pretendido não devendo ficar restritas à questões de rotina e

prática ou a problemas ligados ao nível real de realização. Nas palavras de Vygotsky:

“Aprender tem valor enquanto contribuir para o desenvolvimento”. Os passos

educacionais devem, de acordo com o dito, ter como objectivo a aprendizagem real, os

quais através de cooperação orientada para objectos, reflexão e comunicação servem

como um impulso para novas áreas de actividade e conhecimento.

Temos agora como objectivo analisar com mais profundidade os passos

educacionais nos quais os aspectos comunicativos e sociais são de importância

fundamental, bem como o papel desses factores no planeamento educacional para a

aprendizagem através da actividade.

Os poderes característicos do homem realizam-se e objectificam-se nos produtos

materiais (criações, resultados) do trabalho e da actividade humana, e tal é verdade

tanto quando os produtos são criados por um indivíduo como quando são resultado de

processos de produção mais complexos. Similarmente, estas características do homem

são inerentes em produtos da actividade humana como a linguagem, a ciência e a arte.

O que o aluno deve tornar seu (incluindo os seus próprios esquemas de aprendizagem)

está assim disponível como conhecimento social e saber-fazer inerente aos dias de hoje,

ao estádio histórico de desenvolvimento humano, e parcialmente ligado ao estádio de

desenvolvimento dominante de entre grupos profissionais específicos.

Disto resulta que tal aprendizagem não pode acontecer através de actividade

realizada por um indivíduo isoladamente, mas deverá processar-se em relação a

actividade mediada por outras pessoas – o professor, os pais, os companheiros, etc. – e

frequentemente através de actividade realizada por um grupo que inclui o indivíduo em

questão.

Deste modo, podemos falar sobre mediação educacional mútua entre aspectos

orientados para o objecto e relações sociais, podendo descrever esta ideia da forma que

se segue. Na regulação educacional da aprendizagem através da actividade, a mediação

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de aspectos orientados para o objecto é promovida por relações sociais, e a mediação de

aspectos sociais é promovida por relações orientadas para o objecto.

A linguagem tem um papel central nesta mediação de relações devido aos seus

poderes inerentes, generativos e generalizadores, os quais permitem ao indivíduo:

quebrar a sua esfera pessoal de experiência; identificar o essencial dos objectos sob

consideração; construir relações teóricas com a realidade; ter um lugar no conhecimento

socializado; e, no total, estabelecer-se e compreender-se a si próprio como ser humano

no contexto social e da humanidade.

Nestas perspectivas respeitantes à regulação da actividade através da linguagem,

o propósito educacional consiste em transformar a atenção e reflexão do aluno para

aspectos centrais do objecto ou tarefa em questão, e deixar, então, que a sua actividade

se desenrole. A estratégia do professor aqui será a de usar a linguagem – em todas as

fases do processo de ensino/aprendizagem – para iniciação, motivação e mediação em

relação ao fluxo dos processos de acções que são inerentes à actividade educacional (ou

tarefa) em questão; esta é uma estratégia poderosa porque a linguagem pode ser usada

conforme indicado, por ter acções desenvolvidas em proximidade com ela e relações

com a comunicação, assegurando, assim, que essas acções se tornem conscientes para o

aluno e acessíveis para debate aberto na sala de aula. Uma das directivas, a longo prazo,

da exploração daquelas possibilidades no decorrer do processo de ensino/aprendizagem

é permitir ao indivíduo o controlo das suas acções e que o faça cada vez em maior grau.

No entanto, dois factores de forte importância no efeito educacional da

linguagem como forma de regulação da actividade têm de ser indicados aqui, embora

sejam discutidos mais profundamente na Secção 4.

Primeiramente, o grau de apoio (orientação e controlo), dado pelo professor ao

indivíduo em actividade, através da linguagem é uma variável de importância

fundamental. Mais ainda, o grau de apoio que pode ser apropriado para alunos

diferentes não pode ser pré-definido, mas tem de ser estimado durante a interacção do

professor com os alunos na sala de aula. Sendo assim, uma das funções profissionais

importantes do professor é avaliar as necessidades individuais de cada aluno e fazer

variar os seus próprios comentários, sugestões e questões de acordo com o aluno em

questão – desde as indicações mais fracas até à assistência forte e directa.

Em segundo lugar, diversos outros factores, para além das palavras faladas ou

escritas, influenciam a comunicação entre o professor e os alunos e no interior do grupo

de alunos. Assim, acções não verbais de vários tipos são meios importantes de

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comunicação e estabelecem um contexto ‘local’ adicional para interacção oral. E, além

disso, qualquer afirmação é usada e interpretada no contexto multifacetado social da

sala de aula.

Até agora, a nossa investigação mostrou que ensinar e aprender estão ambas

ligadas a um domínio de vida e acção pessoal e social, e que existe uma relação

complementar entre os aspectos pessoais e sociais da aprendizagem. Sob esta

perspectiva, olhemos para dois casos gerais de actividade sobre tarefas na sala de aula:

(1) o sujeito a agir sobre uma tarefa; e (2) sujeitos a agirem sobre uma tarefa. Em cada

um dos casos temos razões para considerar a aprendizagem pessoal e social de cada

indivíduo, no entanto (1) e (2) providenciam potenciais educacionais diferentes e

requerem planeamentos diferentes. Os dois casos estão incluídos no nosso diagrama na

Secção 1.3. (Figura. 1).

Em ambos os casos, actividade e aprendizagem tomam lugar em conexão com

passos educacionais realizados pelo professor. Assim, em (1) o aluno tem a sua relação

pessoal com o professor e com a tarefa. No entanto, em (2) relações mútuas existem

entre os membros do grupo; tal conduz a diferenças características nas condições de

aprendizagem, o que significa que o professor tem de planear as suas intervenções de

forma diferente em cada um dos casos. Presumivelmente, algumas tarefas são mais

apropriadas para actividade na forma (1) e outras para actividade na forma (2). O que é

dito de seguida está muito simplificado com o objectivo de ilustrar as diferenças nas

condições para a aprendizagem nos dois casos.

No caso (1), o aluno está, por assim dizer, forçado a contar somente com os seus

próprios recursos: decisões a tomar não podem (de forma imediata) ser deixadas ou

conscientemente transferidas para outros alunos; as acções têm de ser planeadas e

realizadas pelo aluno; neste caso o aluno pode experimentar os resultados da sua

actividade como ‘pertencendo-lhe’ – e sentir que está a aprender por si mesmo.

No caso (2), o aluno individualmente experimentará tarefa, actividade, e o

professor em pelo menos duas maneiras diferentes. Primeiramente, quando ele (embora,

por vezes de forma limitada) reflecte e age ‘por si mesmo’ e se separa conscientemente

do grupo. E, em segundo lugar, quando (presumivelmente com frequência e

extensivamente) reflecte, age e concebe na sua capacidade como membro do grupo.

Especialmente, qualquer questão ou proposta dirigida pelo professor ao grupo

influenciará o membro individual do grupo sob as perspectivas das relações internas de

entre o grupo. Aqui, o membro do grupo pode querer tornar-se invisível no grupo, ou

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pode querer dominá-lo, para mencionar as duas situações extremas. Claramente, um

número de factores sociais diferentes estão em acção aqui. Deverá ser apontado que um

dos resultados de aprendizagem no caso (2) pode ser levar o membro do grupo a

entender como o seu desempenho está relacionado com o desempenho daqueles com

quem ele está a cooperar. Os seus esquemas de aprendizagem podem ser mudados de

acordo com tal, de tal forma que ele entenda de que formas pode construir sobre

(respectivamente assistir) a actividade de outras pessoas e vice-versa.

Deverá ser enfatizado que a aquisição, feita pelo aluno, de conceito e estruturas

pertencentes à Matemática socializada (ou objectificada) deve ser cuidada através de

passos educacionais deliberados tanto quando a actividade toma lugar na forma (1) ou

na forma (2). Assim, os aspectos sociais inerentes a (2) não podem por si só

providenciar o acesso ao domínio do conhecimento socializado. A razão para tal reside

na natureza deste domínio, como descrita acima nesta secção.

O significado em situações interactivas é frequentemente mediado pela

negociação em relação à tarefa em questão. O professor tem propósitos bem definidos e

pré-formulados, sendo a correspondente comunicação e diálogo com eles relacionado

intencional da sua parte. No entanto, as respostas e acções dos alunos influenciam os

usos que o professor faz da linguagem e dos argumentos bem como, por exemplo, a sua

escolha de exemplos adicionais. Nesta perspectiva, o tradicional diálogo orientador

pode ser transformado conscientemente pelo professor num processo de negociação.

Embora o uso de situações interactivas seja da maior importância, todas as

actividades orientadas vistas retrospectivamente no momento da conclusão de uma dada

actividade têm significado decisivo na construção individual, feita pelo aluno, da

Matemática como domínio socializado de conhecimento e saber-fazer.

Uma questão importante relacionada com a unidade dos aspectos sociais e

pessoais da aprendizagem é como é que o desenvolvimento do conhecimento e do

saber-fazer, através de actividade, podem contribuir para o desenvolvimento da

capacidade de comunicar e cooperar. Esta questão está ligada ao problema de como

pode a actividade educacional ser planeada, iniciada e orientada de tal forma que o

aluno desenvolva estratégias de aprendizagem específicas que aumentem a sua

capacidade para beneficiar da comunicação e cooperação e contribuir para ela.

É necessária uma análise deste campo de problemas dado que é bem conhecido,

da experiência da prática escolar, que cooperação e comunicação, em relação ao objecto

a ser aprendido, só tomam lugar de forma apropriada e com valor quando os alunos – e

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na nossa opinião também o professor – adquiriram experiência em comunicação e

cooperação praticando esses processos ao longo de um tempo considerável.

As seguintes indicações ilustrarão como é que o professor pode apoiar o

desenvolvimento de estratégias de aprendizagem relevantes em relação a comunicação e

cooperação orientada para objectos e também como é que um formador pode iniciar os

futuros professores a explorar princípios didácticos sobre esses aspectos.

O professor deve preparar (cf. Walther, 1982) tarefas bem adaptadas para

actividade cooperativa, e preparar e realizar passos educacionais que sirvam para

assegurar:

que o indivíduo relacione as suas acções nas dimensões (1) e (2) (Ver a Secção 2.3.) com as dos seus companheiros. Expresso em mais pormenor, este ‘relacionamento’ pode ser realizado quando o aluno se apodera de acções feitas por outros; através dos seus passos para fazer com que as suas próprias acções, objectivos e ideias fiquem acessíveis aos seus companheiros e, vice-versa, as suas tentativas de compreender os seus objectivos, planos e actos; e, através dos elementos de comparação e avaliação inerentes a esses processos;

que o indivíduo se envolva em comparações conscientes das acções desempenhadas por ele e pelos seus companheiros, e dos resultados obtidos, e que entre num debate sobre essas características. Estes processos podem levar ao estabelecimento de argumentos e cadeias de raciocínio;

que a actividade individual seja iniciada e dirigida por um motivo comum, um propósito partilhado por todos ou quase todos os participantes no trabalho. As acções dirigidas-para-um-objectivo que pertencem à actividade do indivíduo dependem fortemente desse motivo, o qual providencia portanto um fundamento e pontos de partida para re-orientação dessas acções no decorrer de todo o processo.

3. Análise e exploração de tarefas matemáticas

3.1. São necessários novos meios para a análise

Como mostraremos nestas notas introdutórias, novos meios são necessários para

a análise de tarefas; não para benefício do psicólogo, mas para o uso dos professores

quando decidem que tarefas devem ser trabalhadas pelos alunos e seleccionadas dentro

de um amplo espectro, desde exercícios de rotina aos problemas.

As nossas considerações teóricas na Secção 2 até agora apenas mostraram que a

natureza das relações entre tarefa e actividade permite controlar cada uma destas

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componentes pela outra. Consideraremos agora os meios para uso do professor na sua

selecção e identificação de tarefas e na decisão dos potenciais de aprendizagem que lhe

são inerentes.

Embora tal investigação pré-activa de tarefas matemáticas seja uma parte

indispensável do plano do professor para tarefa-e-actividade na sala de aula, devemos

novamente enfatizar que a tarefa não “inclui” ou “transmite” a actividade pretendida

(acções, aprendizagem) aos alunos de qualquer modo canónico ou a priori. O maior

problema é exactamente que o controlo educacional deve ser mediado pelo professor

através do contexto da tarefa e através das suas acções e funções com ela relacionadas

durante a actividade dos alunos. As nossas considerações têm lugar nesta perspectiva,

que na Secção 4 se tornam o foco da nossa investigação.

Dois conjuntos de questões relativamente à aprendizagem na dimensão 1 e 2 (cf.

secção 2.3.) são de uma importância imediata neste contexto:

(i) Que acções estão potencialmente presentes numa tarefa ou sistema de tarefas dadas e quais são os potenciais aprendizagens correspondentes na dimensão 1 e 2?

(ii) Quais as tarefas que podem ser apropriadas para o desenvolvimento das acções seleccionadas como meios para a intencionada. e talvez exigida aprendizagem na dimensão 1 ou 2?

As acções mencionadas em (i) e (ii) são para ser feitas (planeadas e executadas)

pela acção do aluno, mas apoiadas e mais ou menos iniciadas pelo professor através do

seu plano pré-activo para a tarefa e seus passos interactivos durante a actividade na

aula. Contudo, tal uso competente e pedagógico das tarefas (incluindo uma grande

quantidade de exercícios “habituais”) é somente possível se o professor estiver na posse

das concepções, atitudes, ideias, princípios e experiência profissional no que diz

respeito às áreas problemáticas (i) e (ii).

As ferramentas necessárias são meios teóricos de suporte para funções tais

como:

identificar, descrever e caracterizar e distinguir de acordo com o tipo as acções que estão potencialmente presentes na actividade sobre a tarefa matemática dada;

caracterizar e exemplificar tarefas matemáticas educacionais de acordo com as acções que estão potencialmente presentes na actividade educacional correspondente.

Visamos criar um fundamento para a teoria e a prática relacionada com estes

dois conjuntos de funções duais. Isto pode apoiar o desenvolvimento de novas

ferramentas incluindo conhecimento e saber fazer acerca da tarefa-e-actividade. A

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necessidade de tais novas ferramentas é claramente sublinhada pelo facto de que os

meios do dia-a-dia para a caracterização e análise das tarefas e trabalhos a realizar é

geralmente limitado a: (1) o grau de dificuldade; (2) o conteúdo temático; e (3) a função

pedagógica. Vamos, nesta perspectiva, voltar às questões: O que é um exercício e o que

é um problema?

3.2. O que é um problema?

A investigação sobre o conceito de problema tem uma longa tradição filosófica.

Enquanto Leibniz não considerou o aspecto da dificuldade (Grego Aporie: dúvida,

indecisão, indeterminação) como um dos aspectos característicos do problema,

exactamente este aspecto (aporietic) é sublinhado na linha do desenvolvimento baseada

na tradição de Kant e N. Hartmann.

De acordo com esta posição, Hartkopf (1958) vê um problema como uma

questão ou uma tarefa mental com aspectos e dificuldades inerentes. Contudo,

perspectivas importantes de modelação ligadas às relações entre ‘problema como uma

situação’ e ‘problema como um texto’ não são evidentes nesta definição.

Parthey (1978) trata com um contexto rico no qual a distinção é feita entre

problema, situação-problema e consciência-problema. Um problema ganha existência

somente quando algum objectivo é para ser atingido sob dadas condições (incluindo o

conhecimento objectivo existente) e quando não está disponível nenhum procedimento

conduzindo à obtenção do objectivo. Em tal caso, Parthey fala sobre uma situação-

problema, a qual ele considera como sendo duma natureza objectiva. Todo o problema

é precedido por uma tal situação-problema.

Um indivíduo adquire consciência-problema relativamente a uma dada situação-

problema, quando ele conscientemente considera todos os aspectos dos objectivos

dados e as condições tanto como as conexões e discrepâncias entre estas. Neste

processo, o conhecimento individual, atitudes e emoções são muito influentes na forma

pela qual ele concebe a situação-problema, experiencia os objectivos e as condições, e

avalia o seu próprio processo de reflexão nestas componentes. Além disso, a

consciência-problema subjectiva inclui algumas ‘construções racionais’ que podem ser

representadas linguisticamente e desta forma fornecer as bases objectivas pelas quais o

problema como tal é concebido.

Assim, um problema é para Parthey um objecto mental que representa as

relações características entre objectivo e as condições dadas de tal forma que esta

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representação cognitiva seja objectivamente reproduzível de forma textual. No

prosseguimento, um sistema de questões e afirmações em que as afirmações servem

como um modelo de situação-problema, enquanto as questões e pedidos referentes ao

conhecimento a ser obtido, define um problema quando nenhum algoritmo é conhecido,

pela qual a descrita falta de conhecimento pode ser removida num número finito de

passos. Quando, por outro lado, tal algoritmo é conhecido, o sistema define uma tarefa.

Consequentemente, qualquer problema no sentido de Parthey é um tarefa no sentido de

Leontev (cf. Secção 2.1). Mas claramente, o inverso não é verdade.

No ambiente educacional, uma distinção nítida parecida é frequentemente

tentada entre problemas e exercícios. Tendo em vista as necessidades educacionais,

parece ser mais produtivo conceber o campo das tarefas como um espectro que se

estende entre dois pólos: tarefas para as quais um procedimento completo conduzindo à

solução é conhecida (frequentemente chamadas ‘exercícios’) e tarefas (com Aporie)

para a qual tal procedimento é desconhecido (frequentemente chamadas ‘problemas’).

A metáfora ‘o espectro de tarefas’ é proveitosa. Mas vê-se imediatamente que o

lugar – num sentido absoluto – de uma tarefa matemática educacional dada dentro deste

espectro é impossível e de nenhum interesse. Pelo contrário, no ensino da Matemática,

qualquer tarefa dada – ou observada – deve ser considerada e avaliada dentro do

espectro em relação próxima com o contexto educacional específico em que é para ser

usada. Factores importantes de enquadramento serão, por exemplo, o nível de

escolaridade em questão; os estádios anteriores, presentes e futuros do processo de

ensino/aprendizagem; o conhecimento e o saber-fazer já adquiridos, tal como estão

presentes na sala de aula como um todo e como estão disponíveis ao aluno individual.

As notas acima sublinham o carácter subjectivo e relativo dos problemas no

contexto de sala de aula: o que é um problema para um aluno pode não ser um problema

para o seu par; e o que é um problema num nível de desenvolvimento pode ser uma

tarefa de rotina num estádio posterior.

A distinção entre situação-problema, e a concepção de problema de um

indivíduo e um problema como um objecto textual, que encontrámos na nossa

referência a Parthey, é obviamente de grande interesse didáctico. Assim, situações-

problema encontram-se na realidade. São entendidas e concebidas pelos indivíduos, e

são modeladas em sistemas de afirmações e questões por estes indivíduos. Contudo,

agimos frequentemente no ensino da Matemática (devido à tradição e a determinações

pertencentes ao sistema escolar) em direcção oposta.

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As nossas considerações nesta secção têm sido decididas até aqui pelo

desenvolvimento histórico em investigações e debates do conceito de problema. Uma

análise completamente análoga pode ser feita em relação à tarefa, substituindo na

descrição acima a ‘tarefa’ de Parthey por ‘problema’ e ao mesmo tempo

desconsiderando a exigência requerida de aporie.

Desta nota resulta imediatamente que uma tarefa pode ter um carácter mais ou

menos rotineiro, ou um carácter mais ou menos de problema, dependendo do grau de

dificuldade subjectivo com que atinge o indivíduo, que aceita a tarefa quando concebe

as condições e o objectivo inerentes. Além disso, o fundamento estabelecido

permite-nos demonstrar mais claramente a relação complementar entre tarefas rotineiras

(exercícios) e tarefas-problema (problemas) no contexto do ensino da Matemática. Isto

é devido à possibilidade agora aberta para comparar exercícios e problemas nos três

níveis: o nível de situação, o nível da concepção/percepção do indivíduo e o nível da

representação textual.

3.3. Tarefas rotineiras e não rotineiras

A classificação de tarefas mais usada na literatura didáctica é semelhante à

distinção de Pólya (e.g., 1966) entre tarefas rotineiras e tarefas não rotineiras, na qual

lutar com as ‘dificuldades’ requer um certo grau de originalidade e construtividade.

Todavia, as armadilhas inerentes à tentativa de fazer uma avaliação absoluta do

grau de rotina ou de dificuldade, não deve somente ser evitada mas deliberadamente

contrariada por uma exploração pedagógica activa do facto de que estes aspectos são

subjectivos e relativos (cf. a secção precedente). De acordo com isto, o papel

pedagógico de uma tarefa deve ser estimado no contexto dos processos reais de

ensino/aprendizagem em são para ser usados isto é, na perspectiva dos alunos (as suas

necessidades, interesses e desempenho) e na perspectiva da interacção pretendida ‘à

volta da tarefa’ entre os professores e os alunos.

Mas, quando isto é sublinhado, uma outra classificação de acordo com a

experiência profissional geral e ligada ao uso dos manuais é claramente de interesse

para o professor para usar na sua planificação. Tal classificação foi dada por Le Blanc

et al., Butts, e Suydam em Krulik e Reys (Eds., 1980).

As contribuições destes autores produziram um amplo sistema de classificação

estruturado na tabela abaixo. Ela pode fornecer alguma ajuda geral ao professor que

procura analisar uma dada tarefa na perspectiva do processo de ensino/aprendizagem

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nas suas próprias aulas. Assim, a deliberação acerca do lugar de qualquer tarefa

pretendida dentro deste sistema de duas colunas representa um importante grau de

consciência acerca da questão: “Porque é que eu devo usar esta tarefa como fundamento

para a aprendizagem e actividade dos meus alunos?”

Tarefas rotineiras (exercícios) Tarefas não rotineiras (problemas) Exercícios de reconhecimento Problemas de processo Exercícios algorítmicos Problemas de pesquisa abertos Exercícios de aplicação (problemas de palavras) Situações problemáticas

As palavras entre parêntesis no cimo das colunas são termos ‘populares’

frequentemente usados para distinguir entre tarefas rotineiras e não rotineiras, e que

também apontam para a principal função pedagógica do trabalho a realizar.

A tarefa em questão – quer seja um exercício ou um problema – pode ser

apresentada numa forma textual escrita (não necessariamente retirada no manual

usado), ou pode ser apresentada como uma situação (por meio de materiais específicos;

relacionada com o ambiente; ou criada como uma história contada pelo professor).

Consequentemente, ambas as colunas podem ser consideradas como cobrindo tanto

‘tarefas habituais (standard) dos manuais’ como ‘tarefas ad hoc’, e ambas as formas em

vários modos de apresentação.

Por isso, o sistema oferecido aqui como um meio para uma análise preliminar de

uma tarefa dada ou pretendida tem realmente um grande alcance. E isto é ainda

ampliado pela explicação e informação adicional que é normalmente dada durante o

desempenho da tarefa, e que é usado – mais ou menos conscientemente – pelo professor

para fornecer sugestões e orientações de graus variados acerca das suas intenções e

expectativas em relação à tarefa e relativamente às formas de a iniciar. Estas ricas

possibilidades permitem ajustamentos apropriados dos tradicionais processos de ensino

baseados nos manuais por meio de tarefas ad hoc inseridas deliberadamente.

Voltaremos a este tema na Secção 4.

Em resumo, a tentativa de classificação dada acima torna-se numa importante

ferramenta nas tomadas de decisão do professor. Neste processo, as seguintes teses

podem ser úteis.

1) O desempenho das tarefas de rotina é principalmente um meio para a aprendizagem de tipos subsumidos. Deste modo, a actividade em tais tarefas contribui antes de mais para uma consolidação cognitiva do conhecimento e competências já adquiridas pelo aluno. Contudo, a

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prática e o treino de rotinas já adquiridas não contribuem para um desenvolvimento genuíno do conhecimento e o treino e a prática isoladas são meios especialmente não apropriados para o desenvol-vimento/explicação/ensino de novo conhecimento.

2) O desempenho de tarefas não rotineiras dá – devido à interacção inerente entre aspectos heurísticos e acções rotineiras (e.g., o uso de algoritmos já adquiridos) – condições óptimas para o desenvolvimento cognitivo em que: o novo conhecimento subjectivo é construído pelo indivíduo; o itens de conhecimento prévio adquirido (informação consciente)

são reconhecidos e avaliados pelo indivíduo – em novas perspectivas, com novos potenciais, em novas relações mútuas – e são reorganizados e restruturados num corpo de conhecimento consolidado e alargado.

Vamos dar uma maior ênfase a estas afirmações recordando que normalmente o

desenvolvimento individual está ligado à actividade individual – através de motivos

pessoais – sobre um objecto no seu contexto social. Deste modo, a nossa segunda tese

não é justificada a priori por qualquer conjunto de tarefas não rotineiras em forma

textual mas no background total dos potenciais educacionais inerente à tarefa-e-

actividade (cf. Secções 1.3. e 2.4.).

Deve ser sublinhado em termos gerais que qualquer análise da tarefa deve ter

lugar na perspectiva do processo de ensino/aprendizagem no qual é para ser usado, e

que, consequentemente, uma análise pré-activa dependerá das intenções educacionais. E

que, além disso, o carácter relativo e subjectivo de aspectos como rotineiro, não

rotineiro, dificuldade, grau de abertura, não podem ser correctamente cuidados apenas

pela análise pré-activa e selecção das tarefas.

3.4. Outros meios didácticos para análise da tarefa

A análise e exploração das tarefas feita na Secção 3.3. é defeituosa no sentido

em que se concentra em aspectos e características da própria tarefa e não nas suas

potencialidades como um objecto para a actividade do aluno, a qual como entidade se

torna num objecto para as funções do professor na sala de aula. E a mesma deficiência

está presente nesta subsecção.

Contudo, a complexidade da tarefa e actividade justifica que os meios para uma

análise parcialmente ‘isolada’ da tarefa sejam identificados e discutidos. Estes meios

podem ser concebidos como questões específicas que podem ser formuladas em relação

a qualquer tarefa, e para as quais um conjunto de respostas tentativas estabelecem uma

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indicação do potencial educacional e do alcance da tarefa – para ser melhor analisado

no contexto da planificação do professor para a usar no seu próprio ensino.

Nesta luz, formulamos as seguintes questões gerais. Elas podem ser levantadas

em ligação com uma tarefa, mas têm presumivelmente um interesse especial quando é

feita uma tentativa para analisar o carácter e potencialidades de tarefas não rotineira. As

cinco questões (ver abaixo) estão estreitamente interrelacionadas. Estão todas

relacionadas com aspectos da natureza relativa e subjectiva e as respostas não

dependem somente da tarefa em questão mas das intenções pedagógicas da pessoa que

responde. Enumeramos cinco questões, oferecendo breves comentários, e apelamos ao

leitor para tomar estas questões como ponto de partida para a sua própria reflexão.

O contexto da tarefa?

A complexidade da tarefa?

O grau de abertura da tarefa (ou de determinação)?

A forma e apresentação da tarefa?

A origem da tarefa?

O contexto da tarefa?

A tarefa tem a ver com relações internas à Matemática? Ou é uma tarefa de

aplicação do tipo pro forma, tal como os ‘problemas de palavras’ tradicionais? Estará a

tarefa correctamente adaptada ao processo de ensino/aprendizagem que está a decorrer

na sala de aula? E terá um interesse apropriado e será relevante para estes alunos?

A complexidade da tarefa?

Poderá a solução da tarefa ser estabelecida por meio de alguns passos óbvios?

Ou poderá o desempenho apelar para várias séries de acções? E devem estas séries ser

desempenhadas pelos alunos por uma ordem definida (a ser identificada, talvez, por ela

mesma no decorrer da actividade na tarefa)? Existe uma exigência para a análise lógica

da tarefa?

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O grau de abertura?

A tarefa é descrita de uma forma aberta como em Quanto custa manter um cão?,

ou tem um alto grau de ajuda inerente na formulação textual como no exemplo (2) da

vinheta? Os objectos a ser trabalhados são dados clara e explicitamente? Algumas das

possibilidades a investigar são mencionadas no texto? São dados exemplos de abertura?

Existe um contexto apropriado para ulteriores decisões independentes e actividade?

A forma e a apresentação da actividade?

Esta questão é sobre a forma e o efeito da apresentação textual da tarefa. Assim,

o nosso interesse liga-se neste estádio à análise das formas pelas quais ‘a tarefa como

texto’ é apresentada aos alunos (cf. os conceitos Texto I e Texto II em Keitel at al.

1980).

Outro aspecto importante é a extensões em que o texto contém incentivos e

pontos de partida para a reflexão – ou mesmo para o diálogo entre o leitor e o texto ou

‘dentro’ do próprio leitor. E um terceiro aspecto para análise é se o texto é desafiante

em grau apropriado. Considere as últimas questões mencionadas relacionadas com a

forma e a apresentação textual do exemplo (2) na vinheta.

A origem da tarefa?

Uma tarefa educacional existente (e.g., dada em forma textual) foi

concebida/construída/formulada num certo contexto e influenciada por certas intenções

didácticas. O conhecimento e a reflexão acerca da origem da tarefa (e.g. do seu papel e

contexto histórico) pode ser uma importante ferramenta na análise da tarefa e das suas

potencialidades num contexto modificado.

Relacionado com este aspecto está o facto bem conhecido que uma tarefa que

tenha sido criada por professor com objectivos e usos específicos (ou que tenha sido

ajustada ou desenvolvida de uma tarefa existente nessas perspectivas) adquire um papel

e um interesse especial para o professor.

Há também um potencial rico para a aprendizagem dos alunos quando estes

constróem a tarefa (e.g., a ser resolvida por outros alunos ou a ser ‘publicada’ no

placard da turma). A necessidade inerente – genuinamente motivada – para a descrição

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das condições e a formulação de questões fornece ao ‘autor’ ricas possibilidades de

aprendizagem e o mesmo conta para o seu desenvolvimento das respostas e para a

defesa destas em debates com os seus pares. Tal actividade pode influenciar

grandemente as concepções dos alunos da Matemática, da aprendizagem e do ensino

porque aqui a criação, exploração e construção têm a sua origem nos alunos mais do

que no professor e no manual.

Temos repetidamente sublinhado que os resultados de uma análise, uma

classificação, ou uma avaliação da tarefa dependem fortemente das intenções

pedagógicas sob a quais se vê a tarefa para ser usada na aula pelo professor ou para ser

analisada pelo didacta. E de modo semelhante, que a actividade e a aprendizagem dos

alunos – quando e se a tarefa é usada na prática – depende fortemente das formas pelas

quais é apresentada pelo professor e das suas interacções com os alunos na aula.

Pontos de vista muito diferentes (sobre as relações entre tarefa e actividade,

ensino e aprendizagem) situam-se por detrás da crença que certas tarefas por si só

servem para finalidades pedagógicas específicas adicionais. Com tal concepção

sobresimplificada da relação entre tarefa e aprendizagem, o professor, quando quer

motivar, procura uma ‘tarefa motivadora’ e quando quer ensinar aplicações, procura

para uma ‘tarefa de aplicação’, etc. O perigo de erradamente tentar ‘rotular’ uma tarefa

como uma espécie de garantia do seu efeito pedagógico tem sido inerente ao nosso

tratamento da classificação das tarefas nesta secção, e esta é a razão para as nossas

várias advertências.

3.5. Desenvolvimento de estratégias cognitivas

Lidamos nesta subsecção com esquemas ou estratégias de aprendizagem que os

alunos podem adquirir – ao longo do tempo – através da sua actividade em diferentes

tipos de tarefas. Introduziremos o tema com alguns exemplos de problemas

exploratórios, um tipo de tarefa descrita por muitos autores, e.g. (1978) por Avital e

Parness.

(1) De quantas maneira o número 60 pode ser representado como uma soma de números naturais consecutivos?

(2) Determine – no contexto do exemplo (2) da vinheta – seis números mágicos diferentes.

(3) É possível haver sempre vencedor neste jogo? O número inicial é 0 e o objectivo é chegar a 100. Dois jogadores escolhem alternadamente um dos números 1, 2, ...., 9, e adicionam o número escolhido à soma

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previamente formada (i.e., somando ao 0 no primeiro passo). O primeiro jogador a chegar a 100 é o vencedor.

(4) Investigar polígonos do tipo ilustrado. Qual é a relação entre o número i de ângulos internos rectos e de ângulos externos rectos?

Fig.3

O leitor poderá presumivelmente – depois de uma análise destas tarefas e

através da sua experiência – concordar com as seguintes conclusões:

As tarefas admitem procedimentos exploratórios que são desenvolvidos através da investigação de casos individuais (i.e., uma abordagem indutiva).

O trabalho em casos individuais e a recolha de dados relacionados poderão ser reconhecidos pelos alunos como promissores e poderão ajudá-los na formulação de conjecturas ou na resolução do problema.

A recolha de dados e a actividade na tarefa é possível em diferentes níveis (e.g., no que respeita à profundidade e à dificuldade).

A actividade na tarefa está – especialmente no estádio de recolha de dados e informação – ligada à prática de competências matemáticas fundamentais.

É muito fácil formular sub-finalidades e sub-tarefas relativamente a estes problemas.

Cada uma destas tarefas pode constituir a semente de um sistema fácil de criar de tarefas relacionadas ou análogas (i.e., elas não representam puzzles isolados).

As tarefas poderão ser desafiantes devido ao seu carácter estrutural interno e poderão estimular e encorajar o aluno a desenvolver esforços pessoais e tentativas para estabelecer uma solução.

A lista identifica diversos aspectos que servem para caracterizar tarefas de

exploração. Inferimos através destas características que a actividade dos alunos neste

tipo específico de problemas subjectivos poderá contribuir para a aprendizagem

desejada pelo menos nestes três aspectos. Assim, tarefas de exploração têm:

Um efeito activante no sentido que motivam para, e iniciam uma actividade possibilitando aprendizagem em níveis cognitivos de nível superior (na nossa dimensão 2), e.g. aprender como explorar uma situação;

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Um efeito reactualizante no sentido que o conhecimento e os procedimentos adquiridos integram-se como ferramentas e meios necessários e proveitosos no desempenho de acções orientadas por finalidades;

Um efeito produtivo no sentido que o conhecimento e o saber fazer adquirido previamente não é apenas recordado para uso imediato, mas que estes elementos, frequentemente, têm de ser adaptados, modificados e desenvolvidos para se adaptar às necessidades actuais.

Os exemplos acima mostraram que a aprendizagem em níveis cognitivos

superiores, ou seja, aquisição e desenvolvimento de estratégias cognitivas, é fomentado

quando o indivíduo interage com problemas como objectos do seu ‘ambiente’.

Chamaremos a atenção aqui para a descrição proposta por Wittmann (1973) de duas

direcções principais nesta interacção: (I) do ambiente para o indivíduo (II) do indivíduo

para o ambiente.

(I) A tarefa T é dada. O indivíduo está à procura da solução S. O equivalente mental duma solução objectiva é um plano ou esquema cognitivo, e podemos agora – dependendo da tarefa dada – distinguir entre três procedimentos cognitivos:

(a) selecção do esquema (através de tarefas de rotina) (b) adaptação do esquema (através de tarefas não familiares) (c) desenvolvimento do esquema

(através de tarefas requerendo esforços criativos)

(II) Um indivíduo está na posse de um sistema cognitivo S. Está à procura da tarefa T a qual pode ser resolvida por meio de S. Como no caso (I) podemos distinguir três procedimentos:

(a) selecção da tarefa (para esquemas de rotina) (b) adaptação da tarefa (para esquemas complicados) (c) desenvolvimento da tarefa

Oferecemos dois exemplos e recomendamos que o leitor os explore – tal como

exemplos da sua própria escolha – nas perspectivas de (I) e (II).

Primeiro, considere a tarefa (1) dada no início desta subsecção. Poderá ser vista

como uma ilustração do caso (b) (e parcialmente (c)) de (I). De seguida, considere esta

clara ilustração de um caso (c) de (I): construir o ponto médio de um segmento de recta

dado usando somente uma régua não graduada com lados paralelos (régua paralela). O

aluno ao resolver esta tarefa desenvolverá uma certa estratégia básica, e ele desejará

muitas vezes -– como a experiência mostra – ‘andar à volta’ e tentará responder à sua

própria questão emergente: “que construções posso fazer com uma régua paralela?”.

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Isto ilustra os casos (b) e (c) de (II), mas – como o leitor envolvido na actividade sentirá

– isso também demonstrará muito claramente a interacção entre as duas direcções: da

tarefa ao esquema e do esquema à tarefa.

Em geral, tarefas de um tipo mais complexo, conduzem a um processo cognitivo

(claramente influenciado pelo ambiente educacional e social) em que ambas as

direcções são efectivas de uma forma integrada e numa relação claramente

complementar. Esta complementaridade entre as duas ‘direcções de pensamento’ (I) e

(II) pode proveitosamente ser considerada na perspectiva da complementaridade entre

processos e produtos.

Deste modo, vemos no exemplo (1) da vinheta um domínio total do produto

sobre o processo, e a selecção do esquema inicial toma lugar nas sugestões dadas

presumivelmente sem qualquer necessidade de uma deliberação conscienciosa. No

exemplo (2) a actividade poderá também incluir o uso extensivo de esquemas de

multiplicação, mas o trabalho será aqui fortemente orientado para o processo. A

exploração relativamente aos números mágicos motivará então – e tornará necessárias –

um número de acções do tipo geral, como por exemplo, exploração de uma situação,

procura e observação de regularidades, formulação de conjecturas, etc. E neste rico

processo de aprendizagem encontraremos agora todos os aspectos (a), (b) e (c) da

interacção entre a tarefa e os esquemas cognitivos do indivíduo agindo a trabalhar em

estreita integração. Deste ponto de vista, podemos estar de acordo com o dito chinês, “o

objectivo é o caminho”.

O interesse para uma investigação de aspectos de processo – e os potenciais

científicos e pedagógicos da ‘Matemática em construção’ – é salientado na concepção

de Pólya da Matemática e da educação matemática (1945, p. VII):

Sim, a Matemática tem duas faces; é a ciência rigorosa de Euclides mas é também algo mais. A Matemática apresentada no modo euclidiano aparece como uma ciência dedutiva e sistemática; mas a Matemática em construção aparece como uma ciência experimental e indutiva. Ambos os aspectos são tão velhos como a própria ciência Matemática.

Assim, há boas razões para distinguir entre tarefas no sentido da ‘distribuição da

prioridade’ num espectro que vai da forte valorização dos produtos à forte valorização

dos processos. Estas perspectivas produto/processo foram também discutidas em

pormenor por Avital e Finegold (1976).

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Na literatura didáctica têm sido feitas várias tentativas para classificar a

interacção entre o indivíduo e as tarefas matemáticas não rotineiras por meio de tipos de

acções (ou tipos de actividade). Por exemplo, as categorias:

- reconhecer e iniciar a construção do conhecimento - (Erkenntnisfindung) - adquirir e estabilizar conhecimento - (Erkenntnissicherung) - organizar, apresentar e descrever conhecimento; - (Erkenntnisdarstellung)

podem ser usados para uma análise e avaliação de tal tarefa.

Um ponto de vista semelhante – pondo ênfase em aspectos que iniciam a

actividade construtivista, cognitiva e a substanciação reflexiva e organização do

conhecimento – é representada por Choquet na sua proposta que qualquer actividade

matemática é estabelecida por ciclos em que as seguintes funções interagem:

observação; matematização; dedução; aplicação.

Além disso, Choquet descreve estes ciclos (os quais podem ser menores ou

maiores em extensão) como se segue (1962):

Cada um dos grandes ciclos corresponde à conquista de uma nova noção; os seus quatro estádios são os estádios necessários para permitir ao cérebro a sua própria restruturação e mudar de um nível de pensamento para outro.

Embora estes pontos de vista possam não encontrar aceitação em todos os

pormenores, eles têm importantes consequências.

Actividade – no sentido de ‘fazer Matemática’ – é um elemento intrínseco da Matemática, e não deve ser simplesmente visto como uma consequência de uma estratégia pedagógica.

O espectro de acções matemáticas ‘aceitáveis’ é alargado para além dos tipos bem estabelecidos (e.g. sistematizar, definir e deduzir) e passa a incluir o domínio experimental da identificação e construção do conhecimento (cf. Pólya, 1954).

Para o ensino da Matemática, Christiansen (1969) descreve a sua concepção de

abordagens indutivas em quatro passos, os quais ele resume sob os seguintes títulos:

experimentação; observação; formulação de hipóteses e teste de hipóteses por ulterior

experimentação. Ele sublinha que a actividade indutiva é uma preparação importante e

necessária para uma subsequente organização dedutiva dos domínios matemáticos, mas

menciona também a sua importância geral como “um método de trabalho especial

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aplicável por qualquer ser humano tentando obter cognição relativamente a qualquer

campo do conhecimento”.

A actividade do tipo, normalmente chamada, ‘experimentação’ está ligada a

esquemas cognitivos tais como planificação, organização, classificação – mas todos

usados de uma forma deliberadamente tentativa: experimentando diferentes abordagens,

fazendo inferências a partir de exemplos, fazendo e refazendo ilustrações, investigando

conjecturas, planeando e replaneando, organizando e reorganizando, etc.

Enquanto a característica básica da actividade humana genuína é a sua

orientação para objectos, a actividade educacional pode ser mais ou menos ‘distorcida’

porque o aluno será guiado em graus diversos por motivos externos ao objecto dado

(tarefa). A experimentação como parte do ensino da Matemática pode ser limitada e

controlada por um dado contexto matemático; mas ela ocorrerá, por causa de uma

planificação pedagógica deliberada, em domínios muito complexos, e.g. num contexto

circundante ou ligada a materiais concretos ‘estruturados’. Embora as contribuições

para o desenvolvimento de estratégias individuais de aprendizagem (aqui o seu esquema

para a experimentação e exploração) sejam nestes casos indubitáveis, pode ser difícil

avaliar (e.g. através de observação) a medida e o carácter da sua aprendizagem

matemática e se tal aprendizagem tem lugar tal como era pretendido.

É óbvio, através destas considerações, que as tarefas educacionais que exigem

um elevado grau de experimentação, exploração, reflexão e comunicação (com outros

alunos e com o professor) constituem uma ferramenta educacional que – no ensino de

cada disciplina escolar – serve fortemente para aumentar a aprendizagem e o

desenvolvimento para além dos limites das disciplinas Actividade em tais tarefas é,

portanto, um importante meio educacional de ajudar os processos gerais de socialização

que é um dos papéis básicos da escola como um instrumento criado pela sociedade.

Estas ideias estão claramente expostas num contexto sociocultural no trabalho

de Winter (1975). A ideia essencial é que a aprendizagem no contexto do ensino da

Matemática faz a mediação entre o homem como uma criatura activa e a Matemática.

Para aprofundar esta mediação, o processo de ensino/aprendizagem da

Matemática deverá incluir tarefas que apoiem o desenvolvimento e uso de estratégias

cognitivas relativamente às seguintes funções:

investigação, inquirição, exploração, construção; argumentação racional; matematização, modelando situações externas ou internas à

Matemática.

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Estas estratégias cognitivas – a primeira das quais já considerámos

repetidamente – são de carácter e graus diferentes de generalidade. São adquiridas e

reconhecidas ao longo do tempo durante a actividade do indivíduo em tarefas com

diferentes conteúdos. Portanto, poderemos presumivelmente considerar as estratégias

cognitivas no sistema acima (o qual contém subsistemas de técnicas e conhecimentos

básicos servindo para o processamento e aquisição de informação matemática) na sua

inter-relação e interacção como uma parte complexa da estrutura cognitiva do

indivíduo, cf. e.g., Aebli (1981). Todavia, descrições como as acima mencionadas –

onde as estratégias de aprendizagem geral são mencionadas separadamente – têm os

seus méritos, porque elas podem servir como perspectivas importantes em cada um dos

três estádios principais de processos de ensino: estádio de planificação, o estádio de

execução e o estádio de reflexão construtiva.

Contudo, os modos pelas quais tais orientações e perspectivas gerais são trazidas

para o terreno da prática é um campo de problemas importante a ser atacado na Secção

4. Inclui, por exemplo, a questão de como as estratégias heurísticas de Pólya se podem

tornar ferramentas para o professor, e como ele as pode mediar para os seus alunos. Mas

voltemos por agora às três estratégias cognitivas acima mencionadas.

Acções que podem contribuir para a aquisição de esquemas cognitivos ajudando

a argumentação racional são ilustradas abaixo. Os papéis do professor como iniciador e

mediador estão claramente implicadas nas formulações (cf. Secção 2.4.).

Discussão, comparação, avaliação de processos de solução e seus resultados durante os quais a linguagem diária e a ‘linguagem matemática’ interagem. A exploração de um dado espaço de problemas, na forma de tentativas de produzir sub-tarefas e suportar estas tentativas pelo desenvolvimento de exemplos e contra exemplos pelos quais o potencial inerente é investigado.

Exploração com materiais (e.g. consistindo em afirmações) onde a comparação entre itens apela para o uso de estratégias tais como argumentos hipotéticos (“se isto foi verdade, então...”) e provas indirectas.

De forma semelhante, a aquisição pelos alunos de esquemas cognitivos que

suportem a matematização podem ser promovidos, através da sua actividade, em tarefas

não rotineiras seleccionadas, quando esta actividade é influenciada por passos

educacionais que asseguram que tipos apropriados de acção são realizados.

Identificação e recolha de dados (através da medição, comparação, estimação, cálculo, recolha de informação de peritos, etc.).

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Interpretação de dados e de resultados (que, por exemplo, foram fornecidos por meio de um modelo estabelecido, e que estão disponíveis, e.g. de forma numérica ou gráfica).

Ulterior desenvolvimento e exploração dos (ou a partir dos) dados fornecidos pela descrição ou modelo estabelecidos.

Descrição de situações por meio da linguagem matemática (conceitos, símbolos, tabelas, ilustração gráfica) comparação de resultados obtidos através de modelos diferentes da mesma situação.

Mais informação sobre aspectos didácticos de matematização podem ser

encontrados em Steiner (1976).

4. Planificação de tarefas e actividades

Um sistema de contribuições teóricas sobre tarefa e actividade como

ferramentas no ensino e aprendizagem da Matemática foram estabelecidas nas Secções

2 e 3. Mas como, de que forma e com que extensão deve o conhecimento teórico deste

tipo ajudar o professor de Matemática na sua prática? As respostas a estas questões são

usualmente desanimadoras, e há um acordo geral, como foi discutido na Secção 1, que

melhores meios para a implementação de novos conceitos e rotinas de sala de aula são

necessários. O objectivo específico desta última secção é contribuir para responder às

seguintes questões básicas: como pode a teoria ser trazida mais produtivamente para a

prática no domínio da tarefa-e-actividade?

4.1. Sobre os princípios e métodos pessoais do professor

Vários princípios didácticos acerca de tarefa e actividade foram considerados

neste capítulo e muitos deles foram expressos na forma de conclusões normativas,

afirmando que certos procedimentos de ensino terão um certo efeito.

Quando um professor está de acordo com um ponto de vista expresso nalguma

tese (“Deve ser dada uma grande prioridade às actividades de exploração pelos

alunos!”) ou com alguma intenção educativa (“A comunicação e cooperação devem ser

promovidas no ensino da Matemática!”), e quando ele tem consciência desta

concordância ou aceitação e reflecte sobre isso, podemos dizer que o professor tem esta

concepção normativa como um princípio pessoal. Se ele decide trabalhar de acordo com

este princípio, deve aplicar e talvez desenvolver algum método e estratégia

correspondente para que estas ideias se possam relacionar com a prática.

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O seu método pode consistir em acções específicas a ser realizadas no processo

de ensino, e.g. numa série de passos a ser seguidos ao explicar um algoritmo ou

introduz um novo tópico. Ou o método pode estar relacionado com certos

procedimentos a ser seguidos no seu plano de aula diário ou na sua observação e

avaliação da actividade do aluno.

Em todos os casos o seu princípio (como uma concepção, como um ponto de

vista), tem um estatuto cognitivo diferente do seu método, o qual pode existir para ele

primeiro como um sistema mental de acções pretendidas (como intenção), mas mais

tarde – quando tiverem sido usadas na aula – também como um procedimento (como

operação).

O professor estará frequentemente motivado para descrever o seu método. Por

exemplo, em resposta ao interesse ou desafios expressos pelos seus colegas, ou pelos

alunos e pais. A sua descrição do método – oral ou escrita – é um modelo do seu

princípio.

Se o professor usa o seu método na aula, e se reflecte sobre os resultados obtidos

comparando-os com as suas intenções ele estará normalmente motivado para procurar

ajustamentos. Estes podem estar relacionados com a sua concepção do princípio (o seu

conteúdo mental) ou com os passos usados no método, isto é, o modelo do princípio (a

sua forma externa). Tais ajustamentos são frequentemente realizados numa série de

passos que estão relacionados apenas com uma de duas dimensões: o princípio e o

método pelo qual é praticado.

No exemplo acima considerámos um professor que reflecte conscientemente

sobre um princípio e sobre o seu efeito na sua própria prática. Contudo, os princípios

estão também presentes na mente dos professores – e influenciam a sua prática – numa

forma menos consciente, e o mesmo acontece com outros factores mentais de tipos

diversos e efeitos como desejos, expectativas, atitudes e ambições. Durante o trabalho

na aula, as suas concepções mais ou menos reconhecidas estão representadas nas suas

acções na forma de aspectos correlativos exteriorizados. Consequentemente, também

neste casos a concepção em questão está numa interacção estreita com o procedimento

de ensino através do qual ele actuou. Segue-se que os princípios pedagógicos e métodos

de ensino são desenvolvidos e mudam numa mútua dependência, e que isto é verdade

independentemente da explicitação e consciencialização dos princípios bem como dos

métodos.

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Ao longo do tempo, os princípios e métodos pessoais do professor actuam um

sobre o outro – influenciados pelas experiências ligadas aos ajustamentos mencionados

– até que algum equilíbrio é atingido tornando-se o professor capaz de lidar com a

complexidade do processo de ensino/aprendizagem como um todo. Este equilíbrio

global pode alterar-se claramente com o tempo à medida que processos de modificação

ocorrem devido a novas necessidades ou exigências. Estamos aqui no núcleo dos

mecanismos pelos quais o professor adquire, ajusta e desenvolve princípios pessoais e

estabelece métodos e rotinas correspondentes (cf. Secção 2.2.).

Nós vimos acima que há uma relação complementar do tipo conteúdo/forma

entre um princípio e o método correspondente. E, além disso, que qualquer princípio (e

qualquer método) é instituído e efectivado apenas em interacção com outros princípios

e procedimentos, nunca isoladamente. Neste contexto, as questões que se seguem estão

claramente indicadas:

Como podem os professores ficar motivados para reflectir acerca de princípios (expectativas, atitudes) que estão a influenciar e determinar o carácter e a forma das suas funções pedagógicas?

Como podem os professores ser introduzidos ao uso de princípios didácticos que são promovidos por fontes externas (e.g. relatórios de investigação ou decretos oficiais), de modo a que se tornem úteis no processo de ensino/aprendizagem da Matemática?

Devem tais princípios de origem externa ser propostos em conjunto com os métodos e estratégias correspondentes pelos quais se espera (ou se requer) que os princípios sejam postos em prática?

Estas e outras questões semelhantes, por assim dizer, colocam-se por si mesmas

no contexto acima estabelecido. Elas estão relacionadas a preocupação com o

desenvolvimento e construção de novo conhecimento pelo professor individual acerca

do seu próprio ensino e da aprendizagem dos seus alunos. E elas lidam com a regulação

da actividade do professor, e portanto quando o controlo externo é considerado com

problemas de tipo ético.

Mas, consequentemente, a parte central da resposta a estas questões acerca do

desenvolvimento pessoal e implementação social do planeamento educativo são para ser

estabelecidas no próprio quadro deste capítulo: o conceito de actividade orientada por

objectos e o controlo mútuo entre tarefa e actividade. Aqui, no entanto, com o professor

como a indivíduo em acção.

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4.2. Princípios pessoais e conhecimento teórico

A relação entre princípios pessoais e métodos pessoais foi considerada acima.

Mas quais são as relações entre estes dois aspectos complementares e o conhecimento

teórico de base já adquirido (construído/desenvolvido) pelo professor?

O primeiro passo na nossa resposta é baseado na hipótese de que a actividade

humana procede de acordo com o motivo (Secção 2.1.) e que a actividade de ensino do

professor individual, interna e externa, é portanto ‘conduzida’ pelo seu motivo global.

E, como a história nos tem demonstrado, um indivíduo agindo na perspectiva de

princípios pessoais firmemente estabelecidos (convicções, expectativas, desejos,

atitudes, emoções) é na verdade uma força poderosa.

No entanto, de facto, o professor deve trabalhar na maior parte das situações de

ensino – devido às suas concepções de ensino e aprendizagem e de acordo com a sua

própria auto-compreensão profissional – com um espectro de motivos globais.

Habitualmente, alguns destes motivos ou perspectivas gerais dizem respeito ao

conteúdo da disciplina, enquanto outros motivos estão relacionados com o processo de

trabalho e os resultados pretendidos; com aspectos educacionais normativos; com as

necessidades dos estudantes com um estatuto especial na turma (e.g. com alunos com

‘lentidão’ e ‘grande capacidade’). Ainda outros motivos podem dizer respeito às

ambições pessoais, expectativas e emoções bem como a aspectos pessoais semelhantes

dos estudantes.

A capacidade de ser activo com um tal espectro de motivos é – como foi

apontado por Neisser (1976b) – uma característica do homem. E, tal como o professor

realiza a sua actividade de ensino de acordo com certas forças condutoras pessoais, a

actividade do estudante individual procede de acordo com o espectro dos seus motivos

pessoais. E em ambos estes processos de actividade, aprendizagem e desenvolvimento

ocorrem a partir da exploração dos recursos internos do indivíduo.

Mas regressemos ao nosso interesse principal aqui, a relação entre o

conhecimento teórico do professor e os princípios pessoais. Se nós simplificarmos, o

objecto para a actividade do professor numa situação de ensino pode ser vista como a

actividade do aluno numa tarefa designada. A sua actividade de ensino procede de

acordo com os seus motivos globais. E as finalidades das suas acções de ensino podem

emergir conscientemente como intenções ou existir nas suas operações. Quando

motivos e finalidades novos (ou aceites de novo) estão envolvidas, um processo de

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modificação (cf. Secções 2.2. e 4.1.) tem início – conduzindo talvez a um novo

equilíbrio entre princípios e métodos.

Em tal processo de modificação, o repertório (store) de conhecimento, saber-

fazer, e experiência já adquirida pelo professor entram em uso. Descrevemos estes

recursos pessoais por termos tais como: esquemas cognitivos; memória de longo prazo

de dados factuais de vários tipos; conhecimento e consciência de temas, domínios e

ciências; rotinas standard; rotinas profissionais; estratégias heurísticas. Estes

repertórios são construídos durante a formação do professor individual e na sua vida

profissional, e variam em profundidade, grau e extensão de professor para professor. E

podem – até mesmo quando estão em construção no futuro professor – entrar em acção

no seu processo de modificação, e se for dada oportunidade, como parte da sua

educação, para actividade pessoalmente motivada com alunos envolvidos em tarefas

matemáticas.

No decorrer destes processos, o professor trabalha sob a influência de

expectativas ou antecipações. As suas interacções com os alunos leva-o a modificar as

suas intenções e operações e a iniciar observações sob outros esquemas antecipatórios.

Neste processo contínuo, durante o qual a personalização de princípios e métodos, e o

seu equilíbrio, estão em desenvolvimento, os esquemas antecipatórios existentes serão

muitas vezes ineficazes, e aprender sobre ensino toma lugar no sentido que novos

esquemas são construídos habilitando o professor a ver, ouvir, e fazer outras ‘coisas’

que não fazia anteriormente. Nas palavras de Neisser (1976a, p.23): “O próprio acto de

procurar” enforma o que é observado “em certo grau do conteúdo” a ser usado na

construção de novos padrões das acções internas ou externas do professor.

Neste processo total, os recursos pessoais presentes de cada professor individual

são incorporados na sua acção de ensino, tornam-se parte deles, e podem ser

conscientemente reconhecidos com um grau progressivo de compreensão: “Isto pode

ser, o que é pretendido pelo princípio operativo!”. E, como com a aprendizagem em

grupos de estudantes, os debates entre professores em cooperação podem servir para

realizar semelhantes exemplos de uma nova consciência.

É necessário acentuar que o repertório de conhecimento e saber-fazer do

professor serão integrados na sua prática pelas formas descritas, quando novos

princípios/acções/rotinas são tentadas com uma motivação genuína. Consequentemente,

os modelos que apresentaremos mais adiante como meios para iniciar desenvolvimentos

construtivos nos professores, podem em princípio, ser independentes do nível do

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conhecimento teórico dos professores e da sua formação inicial. Estas observações

conduzem-nos a questões cerca da actividade como um princípio organizativo na

formação do professor que trataremos na próxima subsecção.

Contudo, procuremos mostrar primeiro que as considerações anteriores

fornecem uma base para as respostas a duas ou três das questões principais da Secção

4.1. No que respeita à primeira, as reflexões acerca de princípios e consciência das

expectativas e atitudes são aprofundadas se o professor se empenha em actividade

pessoal, construtiva, respeitante à sua interacção com os alunos durante a sua actividade

orientada para objectos na sala de aula. No que se refere à terceira questão, é agora

claramente indicado que os princípios (no sentido das intenções globais) têm um

potencial de originar mais elevado do que os métodos; e que estes devem ser

desenvolvidos pelo professor, não lhe dados directamente. Por outras palavras, cada

professor individual deve, ele próprio, operacionalizar os seus princípios.

A respeito da segunda questão, a sociedade deve tomar decisões acerca dos

objectivos e intenções gerais para a educação escolar. Contudo, tais intenções e

princípios devem ser interpretados e mediados pelos professores, como um grupo e

individualmente. Este processo dual é uma ligação indispensável entre o planeamento

educativo e prática educativa. Os meios sociais para assegurar uma interpretação e

mediação apropriada é providenciar condições apropriadas para a investigação

didáctica, para a formação inicial do professor, para o trabalho profissional do

professor, e para a sua formação contínua. Voltaremos aos aspectos éticos da

implementação por decretos e instrumentos externos da sociedade na Secção 4.7.

4.3. Algumas observações acerca da formação do professor

A base de conhecimento teórico do professor de Matemática respeita

principalmente à Matemática e Didáctica da Matemática, com alguma Psicologia e

Pedagogia. A importância dos recursos teóricos foi acima salientada, mas as nossas

considerações também implicaram que as formas pelas quais o conhecimento teórico é

adquirido têm um alto significado pelo seu valor na vida profissional do professor.

Assim, as razões e as concepções que estão por detrás da formação de

professores e por detrás das disciplinas básicas mencionadas assumem grande

importância, e.g. no que diz respeito à distribuição da prioridade sobre o produto e o

processo. Além disso, na perspectiva da mútua dependência e controlo entre tarefa e

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actividade, a constituição de objectos reais deveria ser do maior interesse para os

formadores de professores em todos as disciplinas.

A constituição da Didáctica da Matemática como uma componente da formação

de professores adquire aqui uma importância específica, porque a actividade orientada

por objectos do futuro professor dentro desta disciplina acerca do ensino da Matemática

terá uma grande influência nas suas concepções sobre os factores chave por detrás da

sua vida profissional. Não só as suas concepções sobre a Matemática, ensino e a

aprendizagem, mas também na forma pela qual ele concebe as disciplinas de suporte e

os seus próprios papéis e funções.

Otte (1974) ocupa-se da constituição da Didáctica da Matemática como

disciplina científica. Como ponto de partida, toma a complexidade do ensino da

Matemática na escola. Pela sua natureza, isto requer uma abordagem interdisciplinar, e

apenas pode ser tratado com base em conhecimento teórico e processamento científico

da experiência prática. A teoria pode desenvolver meios que podem servir para orientar

a prática. Mas o profissional precisa de desenvolver capacidades para avaliar – e lidar

construtivamente com – as diferenças e as relações entre o modelo teórico e a situação

real.

Otte também investiga a natureza da cooperação entre as disciplinas cientificas,

que servem na constituição do domínio teórico, e que todas pretendem optimizar as suas

contribuições para este domínio na perspectiva da prática relacionada. Tal cooperação é

necessária na educação matemática e a sua proposta é identificar o objecto da actividade

didáctica numa forma que prepare uma concepção unificada dos aspectos sociais,

psicológicos e matemáticos envolvidos. O ensino da Matemática é realizado através de

um conjunto de parceiros em cooperação e de funções coordenadas, e as relações entre

eles são estabelecidas e organizadas de acordo com o conteúdo do ensino. O sistema

destas relações constitui, segundo Otte, o objectivo científico central da Didáctica da

Matemática quando a optimização do sistema é tomada como uma premissa para o seu

estabelecimento.

Nós propomos que o estudo da Matemática e da Didáctica da Matemática –

como disciplinas científicas – deve ser baseado na actividade dos futuros professores

em tarefas colocadas em contextos relacionais suficientemente ricos. Tal abordagem

orientada para a actividade (onde a amplitude do conteúdo da tarefa-e-actividade pode

ser muito amplo) fornece na nossa opinião – e de acordo com a nossa hipótese básica

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acerca da aprendizagem humana – os melhores meios conhecidos para suporte das

seguintes intenções.

O que os futuros professores obtenham:

complementaridade apropriada entre conhecimento do tipo informação e do tipo de consciência;

complementaridade apropriada entre a aprendizagem do conteúdo e das estratégias heurísticas (i.e., entre conhecimento nas nossas dimensões 1 e 2);

complementaridade apropriada entre processo e produto dentro dos vários domínios do conhecimento e do saber fazer;

potencial para o desenvolvimento da consciência acerca da sua aprendizagem pessoal e aquisição de conhecimento e rotinas práticas;

conhecimento acerca do conhecimento – e.g., dos seus aspectos pessoais e sociais – e acerca do desenvolvimento do conhecimento através da actividade individual e em grupo.

Claramente incluímos nesta posição que a actividade dos futuros professores em

tarefas toma lugar em interacções apropriadas com o formador, que a este nível é o

mediador responsável pelo desenvolvimento do conhecimento partilhado no que diz

respeito ao seu domínio. E a nossa proposta não exclui o uso (ou nega o papel

importante) do ensino expositivo. Em resumo, a formação do professor baseada na

actividade como o conceito organizativo principal promoverá a mudança nas

concepções e perspectivas que a longo termo poderão assegurar um uso apropriado da

tarefa-e-actividade no ensino escolar.

O nosso interesse imediato é o objecto real para a actividade através do qual o

futuro professor explorando o seu conhecimento teórico – pode aprender acerca de

tarefa-e-actividade como uma ferramenta no ensino da Matemática. Este objecto não

são as tarefas matemáticas em si mesmas; não é o sistema de classificação de tarefas

discutido na Secção 3; não é a teoria acerca da actividade considerada na Secção 2; e

não são princípios didácticos acerca do trabalho dos alunos nas tarefas.

O aluno da escola envolve-se em actividade em tarefas matemáticas, adquire conhecimento matemático e aprende a praticar a sua Matemática. O professor de Matemática (que vai interagir com o aluno e guiar a sua aprendizagem) deve adquirir conhecimento acerca exactamente desse objecto e aprender a praticar o seu conhecimento adquirido. O formador de professores de Matemática é activo num objecto mais complexo e desenvolve talvez (dependendo do seu tipo de envolvimento com os professores em serviço) prática didáctica. A linha abaixo ilustra a complexidade crescente do objecto para a actividade dos indivíduos mencionados:

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Professor Educador [ Professor (Alunos Tarefas Matemáticas)]

Assim, um importante propósito na formação do professor deve ser iniciar os professores em actividade no objecto: alunos em actividade em tarefas matemáticas num contexto escolar. Mas nas tarefas que para isso projectamos, devemos atrair a atenção para uma ampla e apropriada selecção dos factores que constituem este objecto. A linha acima não ilustra a complexidade do objecto. Este é também, até certo ponto, o caso do diagrama na Secção 3.1. (ver a Figura 1). Contudo, a relação implicada pelo diagrama está enquadrada por um número de factores altamente influentes. Isto está ilustrado abaixo, onde o modelo precedente é visto no contexto da selecção de tais perspectivas. Perspectivas emotivas Perspectivas sociais e

pessoais Perspectivas e expectativas da sociedade

Perspectivas cognitivas Alunos Professor Tarefa Perspectivas pedagógicas e epistemológicas

Matemática Conteúdo/Objectificada Currículo

Perspectivas de educação futura

Perspectivas linguísticas e mediadoras

Perspectivas didácticas

Perspectivas matemáticas

4.4. Condições para a aprendizagem na escola

Chamamos mais uma vez a atenção para as diferenças entre a actividade humana

genuína e a actividade educacional (cf. Secção 2.3.). A estrutura da actividade humana

é determinada por um sistema complexo de factores mutuamente relacionados: (1) o

objecto para a actividade e as condições inerentes; (2) o motivo da actividade e os

objectivos das acções pelas quais ela prossegue; (3) as condições internas e os recursos

do sujeito que age; e (4) o enquadramento externo da actividade (cf. Secção 2.1.).

Vamos considerar estes factores no contexto educacional institucionalizado onde as

tarefas colocadas pelo professor servem como objecto da actividade dos alunos.

Em relação a (1), o objecto (a tarefa) só até certo ponto está directamente

disponível ao aluno. Deve ser criado para ele ou mediado para ele e isto cria uma

situação de partida que difere da actividade humana ‘natural’.

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Em relação a (2), necessidades, motivo e objecto estão estreitamente ligados na actividade humana genuína. Em contrapartida, no caso das tarefas educacionais, surgem questões acerca da medida em que o motivo para a actividade visada é inerente à tarefa.

Finalmente, em relação a (3) e (4), a tarefa como apresentada serve para iniciar estudantes diferentes, em vários graus e medidas, no desenvolvimento de acções que são potencialmente inerentes à actividade visada.

Estas observações conduzem imediatamente a duas linhas de investigação. Uma diz respeito ao papel das normas e concepções para o fluxo da actividade no contexto educativo. A outra diz respeito às formas pelas quais o professor pode mais apropriadamente apoiar as actividades dos alunos na perspectiva das dificuldades causadas pela condições ‘artificiais’ da actividade educativa. Consideramos estes dois campos de problemas no contexto da preparação do professor para tarefa-e-actividade na sala de aula; e construímos as nossas observações a partir das contribuições teóricas das secções 2.3., 2.4. e 3.

Quando tarefa-e-actividade é tomada como veículo base para a aprendizagem, os três factores seguintes assumem uma grande importância: (i) a concepção dos alunos sobre as tarefas na escola como ferramentas para a sua própria aprendizagem; (ii) o desempenho dos alunos nas acções ‘inerentes à tarefa’ como necessidade para a aprendizagem pretendida; e (iii) o controlo e avaliação pessoal dos alunos da sua aprendizagem.

As descrições acima são versões ajustadas das dadas por Davidov e Markova (cf. (a)-(c) na Secção 2.3. acima), e nós propomos em consequência que só uma unificação pessoal integral de (i), (ii) e (iii) pode fornecer uma base adequada para a aprendizagem. Mas, pode obter-se tal unificação? Esta questão é razoável à luz do carácter artificial das tarefas educativas e do contexto para a actividade na escola. A resposta é afirmativa, e os mecanismos pelos quais a unificação se torna possível são as regras de conduta mútua para as relações entre – e os papéis de – professor e aluno no sistema escolar.

Então, de facto, os alunos aceitam as tarefas estabelecidas pelo professor; executam estas tarefas; e adquirem normas pelas quais avaliam o seu próprio desempenho. E estas normas de conduta são consequências gerais dos aspectos sociais da escola como instrumento criado pela sociedade com funções educativas específicas.

Concepções e normas – na sociedade em geral e em sistemas fechados como a escola em particular – são aspectos mutuamente relacionados. O aluno aceita trabalhos que correspondem ao seu conceito adquirido de tarefas, e ele adquire o seu conceito de ‘tarefas aceitáveis’ aceitando-as no decurso do processo de ensino/aprendizagem. Consequentemente as suas normas para ‘o que é uma tarefa’ dependem das suas experiências e do seu desenvolvimento no sistema social. E de forma semelhante, o que

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os professores em geral fazem na escola determina com o tempo o que o professor deve fazer, e vice-versa.

A escola como instrumento social é baseada na existência de tais concepções e

normas acerca da sua função. Elas são naturais no público, nos pais, professores, e

alunos como aspectos preponderantes constituídos por e representados numa

multiplicidade de processos e produtos. E concepções e normas são constantemente

desenvolvidos (apoiados/ajustados) aos alunos na escola, e.g. acerca:

As formas e propostas de interacção entre professor e aluno;

As regras e os deveres do professor e do aluno;

Ensino e aprendizagem;

Assuntos escolares (e.g. Matemática).

Este processo contínuo de socialização no contexto escolar está relacionado e é

condicionado pelo sistema predominante de concepções e normas comportamentais

pertencentes a vários grupos na sociedade, e entre estes o grupo familiar do aluno e os

grupos de pares têm uma influência específica. Contudo, o sistema normativo na escola

e na sociedade está em contínua mudança, e o desenvolvimento no contexto escolar

pode por vezes prosseguir em harmonia com, e por vezes em conflito com tendências

externas.

Os professores, que tentam seguir novos sinais, devem usar novos tipos de

tarefas e promover novos métodos de trabalho nos estudantes. Os alunos tentarão

(devido às normas prevalecentes acerca dos papéis dos professores) trabalhar nestas

tarefas, mas quer o professor quer os pelo menos por algum tempo sentirão dificuldade

(lack background) para avaliar os seus próprios esforços. E se as mudanças pretendidas

são extensas, os professores em geral serão incapazes de desenvolver novas rotinas de

sala de aula apropriadas conduzindo a um equilíbrio entre princípios e métodos. Os

alunos poderão em tal situação não encontrar incentivos para uma mudança nas suas

concepções e normas.

Mas também no caso em que o trabalho matemático dos professores está de

acordo com o sistema normativo e objectivos predominantes para o ensino, a falta de

equilíbrio pode aparecer no interior da classe devido a diferentes normas e concepções

dos alunos com origens sociais (social backgrounds) diferentes e diferentes tipos de

grupos de pares. Muitos alunos não se conformam com o sistema de normas para o

ensino e aprendizagem na escola. Estes problemas foram discutidos no Capítulo 1,

Secções 4.2-4.8, onde foi sugerido que perspectiva (rationale) destes alunos (as suas

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concepções da Matemática e aprendizagem) podem ser especialmente influenciada pelo

uso de trabalho de projecto (cf. também (d) na Secção 4.5. abaixo).

Todas estas considerações têm importância no nosso contexto, uma vez que nós

tratamos de questões acerca da implementação de mudanças significativas nos

propósitos e formas de interacção entre professor e alunos no processo de ensino e

aprendizagem da Matemática.

Então, as concepções de aprendizagem e das relações mútuas entre professor e

aluno são na tradição prevalecente próximas do padrão dos exemplos/explicações/prá-

tica/controlo descrito na Secção 1.1. e no uso do manual pelo professor na tradição de

Aufgabendidaktik. Neste padrão, o estabelecimento de tarefas pelo professor consiste no

uso de exemplos do manual como base (background) para a explicação dos

procedimentos a ser seguidos na prática dos alunos em exercícios semelhantes aos do

manual. O que é a Matemática, o que é a aprendizagem, o que deve ser um bom

estudante – todas estas concepções básicas são formadas no e por este padrão. Como

exemplo: ser ‘um bom professor’ significa nesta tradição providenciar uma boa base

para o estádio de treino e prática independente, i. e. explicação acerca da forma e papel

das várias sugestões, que são usados na formulação do tipo de problemas padrão em

causa.

Qualquer desvio maior deste padrão resulta – como a experiência dos anos da

reforma e especialmente agora durante a recessão – em protestos dos pais, alunos e

público em geral. E a mudança proposta para o uso de actividade motivante em tarefas

como o principal princípio organizativo no processo de ensino/aprendizagem significa

de facto levar um padrão totalmente diferente a tornar-se dominante na aula de

Matemática.

Então, se o professor toma a responsabilidade de identificar, seleccionar, e

talvez mesmo construir tarefas para usar no seu próprio ensino, o processo de

apresentação de tais tarefas torna-se uma nova actividade-do-professor almejando a

constituição mental da tarefa em cada aluno. A razão é que as tarefas não habituais

(non-standard) normalmente devem ser transmitidas aos alunos por outros meios que

não uma formulação textual (cf., e.g. Secção 3.2.).

A seguir, se o professor quer que a actividade do aluno seja motivada pela tarefa

(o objecto da investigação) o uso tradicional dos exemplos introdutórios e explicações

anteriormente (prior) ao próprio trabalho do aluno deve ser evitado em parte ou no

todo. Assim, depois de um estádio de apresentação com um principal objectivo (a

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constituição da tarefa) segue-se um estádio de actividade ‘independente’ do aluno

durante o qual o professor tenta manter um fluxo apropriado de actividade e assegurar a

aprendizagem individual como se pretende (cf. Secção 2.4.).

E, finalmente, um terceiro estádio é necessário. Um estádio de resumo e de

reflexão na classe inteira, que é um meio indispensável para assegurar um grau

apropriado de aprendizagem partilhada, do uso comum de linguagem e símbolos, de

negociação acerca dos papéis e potenciais do trabalho completado e acerca das suas

relações com as tarefas anteriores (cf. novamente a Secção 2.4.).

4.5. Um conjunto de ferramentas do professor

Um novo padrão de trabalho na sala de aula foi indicado acima. Ele difere

totalmente do padrão de procedimentos de ensino baseado no manual. Ele aponta para

três estádios de interacção entre professor e alunos relativamente às tarefas

seleccionadas ou construídas pelo professor: (1) um estádio de apresentação; (2) um

estádio de actividade independente individual ou em grupos; e (3) um estádio de

reflexão conclusiva. A actividade dos alunos nas tarefas procede (de formas diferentes)

através destes três estádios. E o professor realiza em cada uma destes muitas funções

diferentes, embora certos papéis e funções tenham prioridade em cada um dos estádios

como já foi indicado.

O uso deste padrão de trabalho na sala de aula requer novas preparações da parte

do professor e o seu uso de novas ferramentas profissionais. O principal propósito por

detrás desta mudança no padrão e ferramentas é fornecer condições melhoradas para a

actividade motivada no contexto da escola. Olhamos a seguir para as ferramentas do

professor nesta perspectiva e investigamos os esforços preparatórios do professor na

subsecção seguinte. Deste modo, seguimos em ambos os casos a segunda linha de

investigação mencionada no início da Secção 4.4.

Primeiro, notamos que a indicação das tarefas no ambiente tradicional era

estreitamente baseada no manual. Deste modo, tanto os exemplos padrão como os

exercícios correspondentes eram usualmente tirados do manual. Segundo, quando

explicações eram necessárias, o professor frequentemente as liga a exemplos

semelhantes no livro, ou simplesmente requer mais prática numa série de exercícios

mais simples aí dados. Para fazer tentativas de ter actividade motivada pela tarefa, o

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professor precisa de utilizar outros contextos para formular as tarefas para além do

manual.

Quatro contextos importantes, nos quais as tarefas (no sentido de objectos para a

actividade dos alunos) podem ser constituídas, são indicados abaixo. Daremos então

comentários acerca de cada uma destas ferramentas do professor, as quais são utilizadas

tanto na formulação das tarefas como durante a interacção com os alunos na sua

actividade sobre estas.

a) Manual c) Tarefas ad hoc

b) O ambiente d) Projectos

Tratamos na secção seguinte com o trabalho do professor com tarefa-e-

actividade na perspectiva do padrão dos três estádios; que se repete de tarefa para

tarefa. Primeiro, um estádio de planificação. Segundo, um estádio de sala de aula. E

terceiro, um estádio de reflexão retrospectivo. Argumentamos assim que estes três

estádios são para ser concebidos como uma unidade integral de preparação, execução e

reflexão. Contudo, será útil para as nossas presentes considerações (a)–(d) oferecer aqui

algumas observações acerca de duas funções básicas pertencentes ao primeiro estádio,

nomeadamente a identificação pelo professor e a sua apresentação das tarefas aos

alunos.

Identificar, seleccionar, ou talvez mesmo construir uma tarefa para ser o objecto

para a aprendizagem nesta aula, neste estádio do processo total de ensino, é uma

actividade do professor altamente exigente. O professor em questão está motivado e

condicionado pela especificidade da situação. As decisões são acerca da sua aula, dos

seus alunos, e do seu processo; e ele está a construir sobre o seu conhecimento do

estádio presente do processo de ensino/aprendizagem e sobre as suas expectativas

acerca dos estádios futuros.

O envolvimento pessoal do professor na selecção da tarefa é um primeiro passo

importante na planificação para a sua apresentação na aula. Assim, na nossa opinião, a

função crucial do professor não é motivar os alunos para a actividade numa tarefa

seleccionada, mas seleccionar tarefas que motivem os seus alunos para a actividade – e

que, tanto quanto possível, façam isto em e por elas próprias.

Baseado nestas observações preliminares, consideraremos (a)–(d) acima como

meios para o professor estabelecer e formular tarefas. O manual terá o seu papel e

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importância especiais e isto reflecte-se na forma e na extensão dos nossos comentários.

Mas deve ser notado que quando uma tarefa é apresentada por meio de um dos

contexto, o professor presumivelmente utilizará todos os outros na sua interacção

subsequente com os alunos.

a) O manual

Dois tipos de trabalhos (assignments) são tradicionalmente constituídos na

relação directa com o manual utilizado na aula: (1) trabalhos dados por escrito (textual

form), que vão de exercícios a problemas; e (2) – em níveis apropriados – trabalhos de

páginas ou parágrafos no livro para a serem estudados como preparação para a aula

seguinte. A função do professor foi anteriormente limitada a anular algumas das tarefas

dadas no livro e a adicionar tarefas habituais de outros livros. Mudanças esta tradição

têm estado em curso desde há muitos anos.

Assim, de modo crescente, os professores fazem ajustamentos ao seu ‘próprio’

manual que tomam a forma de acções direccionadas para os objectivos conduzindo a

processos de modificação. Deste modo, as tarefas inseridas podem resultar realmente

bem, mas o professor verifica que uma explicação adicional é necessária. Isto pode

conduzir ao seu desenvolvimento de materiais escritos fornecendo tal ajuda aos seus

alunos.

Mas os professores também progressivamente constróem e planeiam tarefas (no

espectro dos exercícios aos problemas) que se adaptam no contexto do manual utilizado

e que satisfazem as suas necessidades e motivos pessoais relativamente ao processo de

ensino/aprendizagem.

O manual proporciona a muitos professores o enquadramento indispensável para

a organização do processo de ensino, tanto relativamente à sequenciação do conteúdo

matemático como ao tempo gasto nos diferentes sub-temas principais. Além disso,

tarefas são necessárias para múltiplas exigências nos processos de ensino em todas as

aulas. Por isso, uma grande quantidade de tarefas prontas (ready-made) é indispensável,

e isto é fornecido pelo manual.

Mas é crescentemente admitido que o manual não pode corresponder às

necessidades e condições específicas de cada professor individual. Os dois tipos de

ajustamentos mencionados acima parecem ser os primeiros passos importantes para

lidar com este problema.

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Finalmente, deve ser dada atenção para a importância do manual como um meio

de motivar os alunos para actividades específicas com materiais escritos (cf. Capítulo

5).

(i) Aprender a ler e usar – num sentido imediato – material escrito acerca de

procedimentos matemáticos desconhecidos, de ordinário, deve ser um objectivo

principal do ensino da Matemática em níveis intermédios. (ii) Aprender a estudar um

texto mais difícil (explorar e utilizar o texto em profundidade) deve ser um objectivo do

ensino da Matemática no ensino secundário. (iii) A concepção da Matemática do aluno

deve incluir a Matemática como conhecimento socialmente construído e acumulado

pelo homem ao longo da história.

Com efeito, trabalhos – consistindo numa actividade sobre materiais escritos –

podem em todos os níveis do ensino da Matemática ser concebidos de modo a fornecer

apoio por muito tempo para um ou mais destes objectivos.

Deve ser assinalado que as nossas observações acerca (a) acima e (b), (c) e (d)

abaixo dizem respeito aos níveis 1-12. A actividade do professor sobre a selecção,

identificação ou construção de tarefas deverá, de acordo com o nível escolar em

questão, requerer uma extensão diferente de actividade matemática inerente. Contudo,

em conexão com todos os níveis, a actividade construtiva do professor na concepção

das tarefas pode ser apoiada pelo conhecimento teórico de base acerca das tarefas

matemáticas discutido na Secção 3 e pelo conhecimento didáctico de base discutido na

Secção 2. A construção pessoal das tarefas fornece aos professores em serviço

excelentes condições para aprender acerca do objecto da tarefa-e-actividade no

ambiente complexo ilustrado no fim da Secção 4.3. As razões são o feedback imediato

do trabalho dos alunos sobre a tarefa designada e a atenção específica com a qual o

professor observa como a actividade na tarefa corresponde às suas expectativas.

b) O ambiente

(1) Construir várias casas diferentes-5. Conta o número de paredes exteriores quadradas em cada casa. Construir todas as possíveis; 5 casas diferentes com 14 paredes exteriores quadradas.

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Fig.4 (2) Quanto custa sustentar um cão? (3) Quanta tinta é necessária para pintar todos os armários da escola? (4) Qual é o tráfego que circula perto da escola? (5) Como são as condições das casas relacionadas com o salário nesta

comunidade?

O ambiente dos alunos (num sentido lato) muda em ‘proximidade’, em natureza

e em extensão durante os anos da escola. É um meio indispensável para as explicações

do professor e a mediação do significado nos vários estádios do processo de

ensino/aprendizagem. Os exemplos acima ilustram claramente que o ambiente imediato

é um contexto importante para a constituição das tarefas, e que isto tem um potencial

especial para promover a complementaridade entre informação/consciência (awareness)

e entre aprendizagem em diferentes dimensões (cf. a elaboração do exemplo (2) na

Secção 2.3).

Além disso, visto que cada disciplinada escolar pode ser vista como um meio de

descrição de aspectos específicos do ambiente humano, o contexto (b) fornece em todos

os níveis escolares um rico potencial para a cooperação entre ensino da Matemática e o

ensino de outras disciplinas (e para a cooperação entre professores da turma em

questão). Tais tarefas, conduzindo ao uso do conhecimento adquirido no trabalho com

diferentes disciplinas e ensinado por diferentes professores, é de grande importância

para as concepções dos alunos sobre o conhecimento e aprendizagem.

c) Tarefas ad hoc

Como o título indica, estamos aqui interessados nas tarefas construídas pelo

professor com uma motivação específica em mente. Além disso, estamos a pensar em

tarefas (ou conjuntos de tarefas) que conduzam a actividade durante um período de

várias aulas. Um professor pode, por exemplo, querer dar passos educacionais

concentrados no desenvolvimento da resolução de problemas por grupos de alunos, e

espera que a actividade dos alunos melhorará as condições gerais de comunicação e

cooperação na aula. Ou o professor pode (com alguma intenção especial explícita)

querer trabalhar com um tópico que não está incluído no currículo oficial. Isto pode

conduzir à preparação de um conjunto de tarefas de geometria do motorista de taxi,

adequado para a sua turma do 5º ano, ou a uma série de tarefas sobre teoria dos grafos

(e.g., para o 10º ano).

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A planificação do professor para tarefa-e-actividade de uma natureza de tal

modo substancial toma a forma de um projecto educacional.

d) Projectos

Uma das finalidades educacionais atrás do trabalho de projecto é que os alunos

devem experimentar como a actividade procede quando um tema de uma natureza

integral e de grande e imediato interesse para os alunos é o objecto da actividade.

O tema pode ser ligado a situações da vida diária bem conhecidas de todos e

pode ser mais ou menos directamente apropriado para uma descrição matemática. A

filosofia geral é que em tal actividade o aluno (os alunos) trabalha em grande medida

com base nos seus próprios (cooperam por si próprios) recursos e motivações. O

trabalho temático (o projecto) deve consequentemente prosseguir durante um período

de tempo substancial. A cooperação entre professores de diferentes disciplinas pode

fornecer o tempo necessário e ajudar a quebrar a rigidez do horário habitual.

Vários dos exemplo dados em (b) podem, numa formulação diferente, servir

para ilustrar temas que podem ser usados para projectos. Deste modo, as condições das

casas nas últimas décadas pode fornecer uma base suficientemente ampla e aberta para

um projecto. E o tráfego pode ser um tema proveitoso de natureza de algum modo não

pessoal. Pelo contrário, determinar o custo de um campo de verão para a turma pode

proporcionar debates conduzidos por interesse pessoal envolvendo muitas disciplinas da

escola, e também dar origem a muitas acções matemáticas dirigidas para os objectivos.

Nos níveis secundários, o trabalho de projecto pode construir-se sobre todo o currículo

de Matemática.

As descrições acima mostraram que cada uma das alíneas (a)–(d) pode ser

considerada como uma ferramenta do professor. Elas são usadas – juntamente com

outras ferramentas – como meios para a sua mediação do significado e regulação da

actividade. Os factores motivantes por trás do trabalho do professor são, devido ao seu

efeito controlador, de importância específica. Por isso, os princípios pessoais são

ferramentas, e também o são os princípios didácticos pertencentes ao repertório de

conhecimento teórico do professor. E contudo uma ferramenta do professor tem de ser

mencionada, nomeadamente o feedback que ele obtém da interacção com os alunos e da

observação da sua actividade. Por isso, no nosso tratamento do modelo de planificação

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em três estádios na Secção 4.6., podemos referir-nos a este conjunto de ferramentas do

professor:

(a) O manual (d) Projectos (b) O ambiente (e) Princípios pessoais e conhecimento teórico de base (c) Tarefas ad hoc (f) Feedback da interacção com os alunos

4.6. O padrão dos três estádios de trabalho

Os três estádios neste padrão de trabalho para os professores são, como já

mencionado:

um estádio preparatório;

um estádio de sala de aula;

um estádio de reflexão retrospectivo;

e o objecto da actividade do professor durante este processo integral de trabalho é

assumido ser a actividade dos seus alunos em alguma tarefa escolhida por ele.

O nosso interesse nesta estratégia de trabalho para os professores reside no seu

grande potencial como um meio para a implementação de novas concepções – da parte

de professores e alunos – relativamente à actividade na escola em tarefas matemáticas, e

relativamente aos papéis do professor e do aluno em novas formas de interacção na sala

de aula. Tem aqui um importância específica que o padrão de trabalho proposto –

quando usado em tarefas que são novas para o professor com respeito ao conteúdo

matemático ou intenções educacionais – serve para iniciar e ajudar: (i) o uso deliberado

pelo professor do conjunto de ferramentas considerado na Secção 4.5.; e (ii) o processo

de modificação investigado na Secção 4.2., através do qual os princípios didácticos se

tornam pessoais e operacionais para o professor.

Os três estádios mencionados estão claramente relacionados com os temas

Planificação pré-activa, Tomada de decisão interactiva e Reflexão pós-activa, que

foram tratadas nas Secções 4-6 do Capítulo 3. Contudo, as nossas propostas aqui são

diferentes das dessas investigações anteriores. Assim, o nosso objectivo é agora mostrar

como o professor individual pode ser iniciado e motivado para reflexões conscientes

sobre a sua própria actuação nos três estádios, quando a sua actividade durante um

período de tempo está relacionado com uma tarefa substancial para os seus alunos. E

visamos, além disso, ilustrar como a formação pode promover o uso do modelo dos três

estádios como uma ferramenta geral do professor no seu trabalho profissional.

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O objecto da actividade do professor nos três estádios é constituído por

acontecimentos no estádio da sala de aula, tal como estes são pensados,

experimentados e reflectidos pelo professor. Deste modo, a sala de aula é o cenário de

muitos processos de interacção que ele espera iniciar e planeia apoiar e utilizar na sua

orientação dos alunos ou na sua mediação da Matemática. É nesta conexão de grande

importância que o professor reflecte e faz preparações deliberadas para os três estádios

dentro do estádio de sala de aula que foram identificados no início da Secção 4.5.

O padrão de trabalho aqui proposto não é definitivamente para ser visto como

um meio tecnológico para ajudar os professores nos seus esforços de planificação. Os

comentários seguintes podem servir para ilustrar isto.

Presentemente, a formação de professores proporciona aos futuros professores

uma (frequentemente extensa) base teórica para a planificação de lições que é para ser

utilizada por eles na preparação da sua prática na escola. Ao três estádios acima

mencionados poderão estar presentes em tal prática de planificação, e isso pode levar a

pensar que não há muita novidade no padrão de trabalho proposto. A resposta reside na

ideia que está por detrás do uso do modelo dos três estádios. A nossa sugestão pode ser

sumariamente formulada planeamento tentativo (para proporcionar interacção potencial

com os alunos) para ser usado e ajustado de acordo com os acontecimentos na sala de

aula. Nesta perspectiva, advertimos contra a “planificação tradicional” que

frequentemente se baseia na ideia que decisões definitivas e detalhadas podem ser

apropriadamente tomadas antecipadamente acerca do fluir do processo de

ensino/aprendizagem na aula.

Mas também advertimos contra o uso do padrão dos três estádios na perspectiva

de uma ideia que exige que o professor conscientemente investigue múltiplos princípios

didácticos tratados num manual moderno de Didáctica da Matemática. Já admitimos a

grande importância do conhecimento teórico como recurso nos processos de

modificação dos princípios/métodos. Mas também propusemos que a actividade de

interno ou externo de ensino do professor individual é mais conduzia pelos seus

motivos gerais do que pelo seu conhecimento de princípios didácticos detalhados. De

acordo com isso, se a formação do professor é para apoiar a implementação de novas

concepções sobre tarefa-e-actividade, isto pode presumivelmente ocorrer por meio dos

padrões de trabalho que o professor sente que mais o ajudam no seu planeamento

imediato do – e pensamento sobre – processo de ensino.

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A propósito dos comentários foi ilustrar aspectos importantes do padrão de

trabalho dos três estádios. Mas, deixem-nos, para evitar incompreensões, dizer

claramente: os professores estão preocupados com uma cobertura apropriada dos

conteúdos disciplinares dados para o seu ensino; eles devem ser conscienciosos tanto

relativamente ao tempo gasto sobre as suas próprias acções como ao tempo gasto pelos

alunos nas tarefas; e o conhecimento teórico e didáctico de base do professor é de

grande importância.

Propomos que os professores podem ser iniciados ao uso do padrão de trabalho

dos três estádios por meio de cursos incluídos na formação do professor (inicial e em

serviço), e, para além disso, que é muito proveitoso se os participantes em tais cursos

cooperarem no seu uso do modelo. Vamos falar em pormenor destas propostas na

Secção 4.7. Contudo, deixem-nos ilustrar o nosso campo de problemas com um breve

esboço de um projecto educacional em que um grupo de quatro professores utiliza o

padrão dos três estádios na preparação de uma sequência de tarefas para serem

utilizadas nas suas aulas. Christiansen e Werner (1984) contam-nos acerca do trabalho

acerca das linhas indicadas em vários cursos recentemente oferecidos no sistema de

educação dinamarquês de formação contínua do professor de Matemática. Os papéis do

formador são apenas vagamente indicados nos cinco pontos do esboço. As nossas

propostas relativamente a isto são dadas na Secção 4.7, mas o leitor pode já aqui

ponderar sobre as suas próprias preferências.

(1) O ambiente geral

As equipas de cooperação são formadas por quatro membros, todos ensinando

Matemática nos 4º-6º anos na mesma escola. Eles seguem um curso visando colocar os

princípios didácticos em relação directa com a prática da sala de aula. O formato do

curso é que o formador indique projectos educacionais como tarefas para serem

resolvidas pelos participantes através da cooperação em grupos (semelhantes ao

descrito acima) trabalhando no padrão dos três estádios, que é para ser introduzido e

investigado ao longo do curso.

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(2) As intenções pedagógicas dos professores

Tem sido geralmente acordado pelos participantes que a experiência deve ser

obtida acerca do trabalho de grupo em que os alunos cooperam na solução de problemas

exploratórios (cf. Secção 3.5). Além disso, que os problemas podem ser expostos no

contexto de ‘geometria do motorista de taxi’, e que as equipas de professores devem

tentar desenvolver tarefas nas quais a exploração possa conduzir a situações nas quais

os alunos cheguem a diferentes respostas e por sua vez são conduzidos a usar o

raciocínio para resolver discordâncias dentro do seu grupo ou entre grupos. Os

objectivos gerais de cada equipa têm em consequência sido expostos formalmente como

se segue: (1) desenvolver tarefas pertencentes à geometria do motorista de taxi que

podem motivar os alunos para uma actividade de exploração e resolução de problemas;

(2) utilizar estas tarefas como base para o trabalho com grupos de alunos e para

promover comunicação e cooperação dentro dos grupos; (3) iniciar a comparação de

soluções estabelecidas por alunos individuais num grupo ou por diferentes grupos e

promover o uso do raciocínio nestas conexões.

(3) Estádio preparatório

O uso do modelo dos três estádios durante o curso induziu a um padrão comum

no trabalho das equipas. Deste modo, as preparações para o trabalhar na sala de aula

exigem que cada equipa estabeleça respostas a três conjuntos de questões

interrelacionadas (e que as acções preparatórias sejam realizadas em consequência pelos

seus membros). (i) Como obter a actividade iniciada nas aulas? (ii) Como sustentar,

guiar e apoiar a actividade dos alunos? (iii) O que discutir, descrever, sistematizar e

sublinhar em vários pontos dos processos na aula?

Mas, além disso, devem ser tomadas decisões na preparação para o terceiro

estádio do projecto educacional. O que observar? O que relatar? E como? A riqueza e a

complexidade didáctica proporciona uma multiplicidade de situações em que a

discordância dentro da equipa aponta para aspectos para observação no estádio de sala

de aula e para um subsequente debate esclarecedor no estádio de reflexão retrospectivo.

A equipa em questão concorda num plano global tentativo do no qual alguns

pontos principais que são mencionados aqui. O tema da geometria do motorista de taxi

é para ser apresentado a cada turma por meio de uma história contada pelo professor,

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seguida por interacção com os alunos durante o seu trabalho em grupos em tarefas

introdutórias apresentadas em cartões com explicações gráficos e textuais preparadas

pelos professores. Sete séries de cartões foram desenvolvidos (durante três semanas de

preparação) para serem usados durante uma sequência de cinco aulas durante 1-2

semanas. As primeiras três aulas visam dar oportunidades ricas para explorar e

desenvolver rotinas relacionadas com ‘círculos’ e conjuntos de pontos a igual distância-

de-taxi de dois pontos dados. O quarto é para ser usado em problemas mais difíceis (e.g.

“Encontra todos os ‘triângulos’ possíveis com lados de comprimento 3, 4 e 5”). Neste

caso, o discurso e a forma de cooperação são para ser registados cuidadosamente por

dois professores cooperantes. A quinta aula é para ser utilizada para a partilha de

resultados e para sistematização e raciocínio conduzido pelo professor. A equipa estava

satisfeita com os bons resultados do seu trabalho.

(4) O estádio de sala de aula

Cada membro da equipa faz ajustamentos no plano geral de acordo com o nível

de turma e com as condições dos alunos e do professor. Mas o plano continua a ser

tentativo depois destes ajustamentos. O trabalho prossegue de diferentes maneiras na

aula, e alguns dos relatórios mostram desalento acerca dos fracos resultados durante as

primeiras aulas – “apesar de todas essas preparações”. Mas outros professores falam de

“experiências maravilhosas”.

Os relatórios dos professores individualmente acerca do trabalho na sala de aula

são de crucial importância, não somente para o terceiro estádio do trabalho da equipa e

para os debates plenários, mas para a própria reflexão consciente de cada professor

sobre o contínuo ‘processo de modificação’ dos princípios pessoais e métodos durante o

curso. Discordâncias entre dois observadores acerca “o que aconteceu na aula” provam

ser de valor especial como meio para identificar princípios que estão “escondidos” para

as partes envolvidas.

(5) O estádio de reflexão retrospectiva

Este estádio parece tornar-se de valor crescente de projecto para projecto à

medida que a equipa e os seus membros obtêm compreensão profunda (insight) do

potencial do padrão de trabalho. O formador pode mostrar nos debates plenários como

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experiências das salas de aula podem deitar luz em questões que foram tratadas

rapidamente no estádio preparatório, e.g. em questões acerca das acções potenciais – e

potenciais para a aprendizagem – inerentes na actividade numa tarefa dada. Isto pode

conduzir a melhorar a identificação durante o estádio preparatório das equipas para ser

observado na sala de aula e discutido pela equipa no terceiro estádio.

4.7. Os papéis do formador de professores

Na descrição acima do padrão de trabalho do terceiro estádio, nenhuma ideia

aprofundada foi fornecida para a nossa recomendação do porquê deste modelo.

Mostraremos agora que tal ideia pode ser baseada na teoria da actividade. Deste modo,

é uma consequência das teses fundamentais acerca da natureza da actividade orientada

para objecto da actividade humana genuína, acerca da regulação da actividade e acerca

da actividade educacional integral que o padrão dos três estádios é uma estratégia

apropriada para os professores na preparação da actividade dos seus alunos nas tarefas.

Demonstraremos isto em relação à nossa representação simbólica (cf. Secção 4.3.),

onde a seta dupla deve ser lida como ‘em actividade com’.

Formador [Professor (Alunos Tarefas Matemáticas)]

O diagrama ilustra o objecto real para a actividade do professor: os seus alunos

em actividade com tarefas matemáticas. E também ilustra o objecto real para a

actividade do formador: os seus futuros professores em actividade com o complexo

objecto acima mencionado. Deste modo, o diagrama é uma ajuda para a nossa

consideração de estratégias apropriadas para as preparações dos professores para a sua

actividade, mas também para o nosso segundo objectivo de encontrar maneiras nas

quais o formador pode apoiar o professor (i.e., ajudar relativamente às decisões do

formador acerca da sua estratégia preparatória).

Contudo, nós estamos aqui preocupados com a actividade em contextos

educacionais e com aprendizagem como pretendida poderá em tais contextos não

resultar automaticamente da actividade dos alunos numa tarefa educacional dada. Deste

modo, a regulação da actividade é necessária, e aqui as duas linhas mutuamente

discutidas nas Secções 4.4. e 4.5. podem ser seguidas: regulação por meio de normas

educacionais; e regulação por meio de passos interactivos dados pelo professor. No caso

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das tarefas que são ‘’novas’ para o professor, ambas as linhas de regulação devem ser

usadas, e isto requer sem dúvida actividade substancial na preparação para o estádio de

sala de aula.

Assim, um estádio preparatório deve no caso de tais tarefas novas preceder o

estádio de ‘sala de aula’. Deve notar-se que isto conta para qualquer professor em

qualquer contexto educacional, e que outras considerações mostrarão que o estádio

preparatório necessariamente deve incluir decisões acerca da necessidade para, e

extensão de diferentes estádios dentro da sala de aula (cf., e.g., a Secção 4.5. acima).

Relativamente ao terceiro estádio, ele pode ser visto como um estádio necessário

para ‘controlar e avaliar’ as acções da parte do professor durante a sua aprendizagem a

partir da actividade integral (cf. Secções 2.1 e 2.3.).

Vamos agora – construindo a partir da introdução acima e do “estudo de caso”

da Secção 4.6. – indicar maneiras em que futuros professores e professores em serviço

podem ser iniciados através da formação para o uso e desenvolvimento pessoal da

estratégia em questão. Comecemos pela seguinte conjunção de cinco recomendações:

que a introdução e a iniciação ao modelo tenha lugar dentro do enquadramento educacional de um curso regular pensado pelo formador, que aceita responsabilidade por explorar as normas educacionais inerentes neste contexto;

que o formato deste curso proporcione condições óptimas para o trabalho de equipa, e que o potencial para a cooperação dentro das equipas e dentro do grupo plenário sejam utilizados;

que todas as equipas de professores cooperantes repetidamente trabalhem durante um longo período sobre a mesma tarefa substancial (e.g., um projecto educacional do tipo descrito no estudo de caso);

que os procedimentos no estádio de sala de aula sejam efectivamente realizados pelos participantes e não apenas considerados como acções possíveis ou processos;

que o formador interaja com as equipas e com o grupo plenário usando os seus papéis como uma força iniciadora, apoiante e mediadora durante um longo período de tempo em que visa a aquisição pelos professores de conhecimento e experiência relativamente ao trabalho no padrão dos três estádios e o seu potencial para apoiar a prática no domínio da tarefa-e-actividade.

Já proporcionámos bastante fundamentação para muitas destas recomendações.

Contudo, comentários adicionais são necessários em vários casos.

As recomendações relativamente ao trabalho de equipa e cooperação são

suportados por um número de factos. Primeiro, a Secção 2.4. proporciona uma base

teórica acerca dos mecanismos de natureza pessoal e social que são operativos também

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neste nível quando o trabalho de equipa é considerado ambiente educacional no dado.

Segundo, a experiência mostra que a comunicação e a cooperação têm lugar em grande

extensão dentro das equipas e mais tarde entre estas e dentro do grupo plenário. E a

razão é claramente que os professores são pessoalmente motivados – e altamente

motivados – para a actividade em projectos educacionais que são apropriadamente

identificados no contexto do curso. Por outro lado, as reflexões individuais dos

participantes em questões centrais de natureza teórica e prática são fortemente

favorecidos pela sua confrontação com diferenças nas concepções, atitudes, normas,

princípios e rotinas que estão presentes e em mudança durante todo o processo de

trabalho.

Outro ponto importante é que a tarefa específica é própria difícil e que as

diferenças mencionadas servem para aumentar a complexidade. O desafio e a frustração

causada pelas muitas propostas diferentes acerca dos procedimentos tornam-se uma

motivação importante para ‘encontrar uma maneira aceitável de fazer’. E neste

processo, os membros da equipa conseguem compreender que a união de recursos

dentro da equipa – tanto os que dizem respeito ao conhecimento matemático/didáctico

como à experiência prática – constituem meios poderosos para estabelecer soluções

comuns tentativas para as questões relacionadas com o estádio preparatório de uma

tarefa indicada.

O padrão de trabalho dos três estádios apoia-se desde o início numa observação

naive dos alunos em actividade nas tarefas. Mas à medida que a experiência dos

professores aumenta, novas questões emergem e podem ser usadas pelo formador como

pontos de partida para um tratamento mais sistemático da observação (cf. Capítulo 6).

Há no contexto descrito de cooperação e comunicação oportunidades ricas para

o formador inserir questões específicas ou princípios como possibilidades para serem

investigadas. Por outras palavras, possibilidades para a iniciação de processos pessoais

de modificação, os quais poderão fornecer materiais importantes para um debate

continuado – e para a aprendizagem.

A quarta recomendação deve ser vista à luz das considerações anteriores.

Implica que os membros de cada equipa estejam presentemente a ensinar Matemática

mais ou menos no mesmo ano de escolaridade (ou ter acesso a tal ensino durante um

período apropriado). O estádio preparatório e tentativo de planeamento depende

intimamente desta premissa: que cada membro tenha conhecimento e experiência da sua

turma, dos alunos e do processo de ensino/aprendizagem em progresso. Deste modo, o

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estádio preparatório inclui certamente uma comparação de ‘experiências de

pensamento’ (no sentido de Freudenthal) em que cada participante considera os seus

alunos em actividade na tarefa em questão tal como as suas próprias possibilidades para

dar passos interactivos apropriados no apoio à aprendizagem pretendida. A seguir, cada

membro deve fazer ajustamentos adequados aos planos tentativos para o seu próprio

estádio de sala de aula. E, em terceiro lugar, é de importância crucial que cada membro

experimente o papel de planeamento tentativo para o seu próprio ensino. A deliberação

de alternativas deve ser confrontada com a realidade de sala de aula.

Além disso, o estádio de reflexão retrospectiva é baseado na produção conjunta

de experiências relativas às relações entre as intenções e o planeamento global por um

lado, e os acontecimentos na sala de aula por outro lado. Aqui, as observações (se

possível realizadas por vários membros em cooperação) são importantes pontos de

partida para a aprendizagem acerca de potenciais dos passos interactivos do professor,

para debates acerca de decisões tomadas na altura, ou acerca de possibilidades para

utilizar ‘momentos ensináveis. E todos estes pontos são núcleos importantes para os

esforços da parte do formador dentro do contexto total do curso.

Mas quais são as possibilidades reais para estabelecer tais cursos? Tais modelos

são mais facilmente integrados em programas de formação contínua. Mas na formação

inicial, pode ser necessário identificar novas formas de componente prática de modo a

criar uma base suficiente de trabalho baseado na escola para o formador e para os

futuros professores. A abordagem sistémica para a constituição da Didáctica da

Matemática (cf. Secção 4.3. acima) é importante aqui, visto que os formadores de

diferentes disciplinas (e.g. Matemática, Didáctica da Matemática, Psicologia e

Pedagogia) são parceiros interessados na exploração de componentes práticas. E o

mesmo é verdade para vários órgãos administrativos.

Temos neste comentários acerca das nossas cinco recomendações apontado

muitos papéis e funções do formador. Mais alguns devem ser mencionados.

Primeiro, há um perigo que os professores – devido às concepções prevalecentes

– possam aceitar simplesmente os três estádios simplesmente como três passos

separados numa sequência cronológica das tarefas dos professores. Tal concepção

tenderá a minimizar o papel pretendido de planeamento tentativo como uma base para

as decisões finais na sala de aula e como um meio para envolver um amplo espectro de

esquemas antecipatórios. Por isso, isto torna-se num importante objectivo para o

formador em que a actividade dos seus futuros professores em cada um dos três estádios

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se torne estreitamente relacionado com os outros, que eles experienciam como uma

unidade integral.

Poderá ser aqui uma ajuda o facto que os estádios de preparação, desempenho

real e posterior reflexão crítica sejam experienciados nas suas mútuas relações numa

variedade de actividades do dia a dia. Deste modo, enquanto pensamos acerca de um

acontecimento que ocorre, actuamos sobre ele nas nossas mentes, e queremos saber o

que resultou. No meio do acontecimento, experienciamos como os nossos planos estão a

influenciar as nossas acções e compreendemos o que devemos reconsiderar ou remediar

em estádios posteriores. E depois do acontecimento, reflectimos sobre os estádios

anteriores e comparamos as nossas expectativas iniciais com o processo real e seus

resultados.

O formador pode promover a reflexão acerca das maneiras nas quais cada

estádio do padrão de trabalho beneficia dos outros. Isto pode também servir para

identificar o seu diferente estatuto epistemológico. O primeiro e o terceiro estádio são

dominados pelo pensamento e discussão acerca do segundo. O segundo estádio é

dominado pelas acções influenciadas pelas reflexões feitas no primeiro, mas também

pelas ideias e ajustamentos que acontecem durante a prática no segundo estádio, e que

são registados para investigação posterior durante o terceiro estádio.

Chamámos a tenção na Secção 4.4. para os três estádios diferentes de interacção

entre os professor e os alunos em relação a uma tarefa iniciada pelo professor: estádios

de apresentação, de actividade independente do aluno (individual ou em grupo), e

reflexão conclusiva. Em cada estádio, o professor actua com prioridade em certos dos

seus papéis e a ideia de uma tal divisão em estádios (interrelacionados e sobrepostos)

era para promover mais a actividade construtiva por parte dos alunos.

Claramente – e de maneira intrigante – o formador poderá explorar agora dentro

do seu ‘estádio de sala de aula’ esta mudança marcante entre os três principais papéis de

modo a desenvolver as potencialidades dos seus alunos para utilizar exactamente esta

estratégia na sua própria sala de aula.

Por isso, o formador visará proporcionar: (1) uma constituição própria de tarefas

que ele escolheu; (2) apoio apropriado e orientação num período subsequente de

actividade independente do professor; e (3) mediação conclusiva do significado

partilhado e conhecimento socializado. Ou – ilustrado pelos principais papéis

correspondentes – ele deve actuar: primeiro num papel iniciador; segundo como uma

força de apoio, orientadora e mediadora; e terceiro como o didacta emprestando a sua

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autoridade profissional para a avaliação dos vários processos e produtos e a

identificação da aprendizagem comum acerca dos objectos da actividade do professos.

O nosso principal objectivo nesta parte de conclusão do capítulo tem sido

ilustrar como o modelo dos três estádios pode ser usado como um meio para mediar as

intenções educacionais e princípios didácticos de origem externa aos professores. E,

além disso, indicar como esta mediação pode ser baseada na própria actividade

construtiva do professor.

Não fizemos uma tentativa de fazer esta ilustração completa. Qualquer descrição

detalhada estaria em conflito com a nossa própria resposta à segunda questão na Secção

4.2. acerca da implementação dos princípios de origem eterna. Assim, na nossa opinião,

um equilíbrio deve existir necessariamente entre objectivos e intenções e educacionais

de tipo oficial e a integridade do professor. Este equilíbrio é obtido e mantido por

virtude da mediação e interpretação de funções do professor durante as quais os

objectivos dados se tornam personalizados e os métodos de ensino são influenciados em

consequência. Por isso, a comunicação de estratégias e métodos em grandes detalhes

seria contra-indicada, tendo em conta a nossa filosofia de educação.

A principal tese neste capítulo tem sido que a promoção de uma maior relação

produtiva entre conhecimento teórico e prática de sala de aula deve apoiar-se em larga

medida na actividade do professor com o objecto real do seu trabalho profissional: os

alunos em actividade nas atarefas matemáticas. E nós acrescentamos a esta tese que a

promoção de tal actividade do professor deve em larga medida apoiar-se na formação

do professor e dos formadores que estão verdadeiramente motivados pelo seu objecto

real.

Outros modelos, para além dos sublinhados nas Secções 4.6. e 4.7. estão

claramente em uso. As intenções a longo prazo de todos estes esforços devem ser que o

professor se torne pessoalmente envolvido em muitos mais aspectos de planeamento

consciente para a sua interacção com os alunos do que é habitual hoje.

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Page 80: TAREFA E ACTIVIDADE - educ.fc.ul.pt · Tarefa Matemática Objectificada ... influenciado por um grande número de aspectos e factores sociais que ... Este pequeno número de exemplos

Tarefa e actividade - Índice

UMA VINHETA 1 1. REFLEXÃO SOBRE O ÂMBITO DO PROBLEMA 3 1.1. O papel predominante dos exercícios 3 1.2. A actividade dos alunos segundo novas perspectivas 5 1.3. O carácter relacional das tarefas e actividades. 6 1.4. Desenvolvimentos nas últimas décadas 10 1.5. A necessidade de novos metaconceitos 13 2. O ENQUADRAMENTO TEÓRICO DA ACTIVIDADE EDUCACIONAL 15 2.1. O conceito de actividade 15 2.2. Regulação da actividade. 18 2.3. Actividade educacional e actividade de aprendizagem 22 2.4. Dimensões da aprendizagem pessoais e sociais 29 3. ANÁLISE E EXPLORAÇÃO DE TAREFAS MATEMÁTICAS 35 3.1. São necessários novos meios para a análise. 35 3.2. O que é um problema 37 3.3. Tarefas rotineiras e não rotineiras 39 3.4. Outros meios didácticos para a análise da tarefa 41 3.5. Desenvolvimento de estratégias cognitivas 44

4. PLANIFICAÇÃO DE ACTIVIDADES E TAREFAS 51 4.1. Sobre os princípios e métodos pessoais do professor 51 4.2. Princípios pessoais e conhecimento teórico 54 4.3. Algumas observações acerca da formação do professor 56 4.4. Condições para a aprendizagem na escola. 59 4.5. Um conjunto de ferramentas do professor 63 4.6. Os três estádios padrão de trabalho. 68 4.7. Os papéis do formador de professores 73

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