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  • 7/25/2019 Tasca, Fabola - Talkin About Santiago Sierra With Cuauhtmoc Medina

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    20TEMTICAS | CUAUHTMOC MEDINA

    TALKING ABOUT SANTIAGO SIERRA

    Fabola Tasca

    Entrevista com Cuauhtmoc Medina

    esttica remunerada tica

    trabalho cio militncia

    A entrevista com o crtico e curador Cuauhtmoc Medina tem como objetivo central

    discutir a produo do artista Santiago Sierra, nomeadamente aqueles trabalhos que

    envolvem atividades remuneradas. Para tanto, Medina define um cenrio artsticoespecfico do final da dcada de 1990, bem como discute o sentido da crtica e da

    relao entre arte e poltica no circuito global.

    No dia 30 de setembro de 2010 encontrei-me

    com Cuauhtmoc Medina em um caf no Bairro

    Condesa, na Cidade do Mxico, para conversar-

    mos sobre o trabalho de Santiago Sierra, foco

    de ateno de minha pesquisa de doutorado.

    Transcrevi o material logo aps nosso encontroe lhe encaminhei com vistas autorizao para

    publicao e eventuais reticaes. Ele me res-

    pondeu informando que no lia em portugus

    com a destreza necessria para vericar o que havia dito, mas, disse-me tambm que acolhia a entrevista

    supondo que o texto deveria reetir o que conversamos. Agradeo-lhe a conana e espero que o leitor

    possa perceber, assim como tive a oportunidade de testemunhar, a beleza de um pensamento em ao.

    Fabola Tasca Gostaria de saber como voc conheceu e se interessou pelo trabalho de Santiago Sierra.

    Cuauhtmoc MedinaPrimeiro por Santiago e logo por seu trabalho mais ou menos em 1995, por

    uma circunstncia casual, mas interessante: quando visitei Madri, pouco antes de 95, Ana Margules,uma amiga autista e mexicana que l vive, levou-me ao Ojo Atmico. um bar com espao para

    exposies, e ela me levou l para apresentar-me a Toms, que era seu amigo e dirigia o Ojo Atmico.

    Nessa ocasio devo ter conhecido brevemente Santiago, mas no me recordo. Em fevereiro de 97, quan-

    do houve a Feira Arco sobre a Amrica Latina, tambm sem saber antes, acabei indo ao Ojo Atmico,

    TALKING ABOUT SANTIAGO SIERRA | Interviewwith Cuauhtmoc Medina | The main aim of theinterview with critic and curator CuauhtmocMedina is to discuss the work of artist SantiagoSierra, namely, his work involving paid activities.Accordingly, Medina defines a specific art scenario

    in the late 1990s, and discusses the direction ofreviewing and relationships between art and politicsin the global circuit. | remunerated aestheticsethics work idleness militancy

    Teresa Margolles,1 tonelada de escombro de vergalho, RuaMariscal, Ciudad Jurez, 2010, ao fundido, ferro cinza50 x 50 x 50cm

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    202 Arte & Ensaios | rev ista do ppgav/eba/ufr j | n. 27 | dezembro 2013

    porque o Semefo1e Teresa Margolles haviam sido

    convidados precisamente por Santiago e por To-

    ms para expor a srie Dermis, lenis usados nos

    servios hospitalares mexicanos de seguro social,

    com manchas de sangue, que eram quase como

    Santos Sudrios ou impresses corporais manei-

    ra de Yves Klein.L estavam Santiago e Toms.

    Santiago veio ao Mxico no nal de 97 ou incio

    de 98 e conheceu o trabalho do Semefo, que

    naquele momento j se dissolvia, e Teresa estava

    levando a produo adiante. Talvez esse tenha

    sido o evento mais importante do Ojo Atmico,

    que nesse momento, me parece, estava em fran-

    ca ebulio. Eu morava em Londres, desde o nal

    de 94, fazendo doutorado, e, at regressar, em

    99, s voltei ao Mxico uma vez, para participardo lme de Olivier Debroise, Un Banquete em

    Tetlapayac. Passei pela Cidade do Mxico muito

    brevemente e, depois da inaugurao, no Bairro

    Condesa, de um edifcio no qual muitos artistas

    zeram intervenes, conduzidos por Guilhermo

    Santamarina e Paloma Porras, fui a um bar com

    Guilhermo Santamarina e lhe perguntei: O que

    est acontecendo que eu estou perdendo? Com

    sua melancolia peculiar, ele respondeu: Aqui no

    acontece nada, tudo aborrecido; a nica coisainteressante o que est fazendo Santiago Sierra,

    que est sentado ali; v falar com ele. Em geral

    quando Guilhermo diz venha ver isso tem razo.

    Ento fui falar com Santiago, que j conhecia. Ele

    devia estar h pouco tempo no Mxico, um ano,

    talvez, e deve ter-me falado a respeito dos proje-

    tos de Vizcanas e de sua ideia de desenvolver uma

    produo com o trabalho assalariado; me pare-

    ceu muito interessante, e em algum momento ele

    deve ter trocado e-mails com Oliver Debroise, quefoi seu colaborador num projeto. Um ano e meio

    depois, regressei ao Mxico, e, nesse momento,

    comeou a ser gerada uma situao na qual Taiya-

    na Pimentel e eu comeamos a nos aproximar em

    funo de estarmos ambos muito impressionados

    com o trabalho de Santiago.

    FT Ele j estava trabalhando no sentido da Esttica

    Remunerada, com a contratao de pessoas?

    CM Quando falei com ele, sim; mas no havia

    feito muitas coisas; era como uma ideia inicial;

    quando regressei, em 99, j era algo rme. At

    ento eu havia falado com ele, mas no vira obra.

    Regressei em junho de 99 e passei a acompanhar

    seu trabalho mais de perto, mas j com a proxi-

    midade de Taiyana Pimentel, que estava comple-

    tamente obcecada com a produo de Santiago

    e, como voc sabe, ela fez a interveno extrema-

    mente importante no Museu Tamayo.

    O que quero transmitir a voc com tudo isso que

    seria totalmente falso e contraproducente sugerir

    que me encontrei com Santiago Sierra de manei-

    ra isolada. H uma comunidade, que comunica

    ideias, se fala toda semana, e isto existe h mais

    de uma dcada, e, nesse momento, era particular-

    mente intenso, e, honestamente, no outono de 99

    estar interessado em Santiago Sierra era minha ra-

    zo de manter proximidade com Taiyana Pimentel.

    Comecei a escrever para um jornal e, nesse mo-

    mento, o que havia de fato era uma espcie decumplicidade. Era Taiyana e eu. Guilhermo, que

    eu no via com tanta frequncia, Francis [Als],

    Olivier Debroise, Teresa Margolles, todos estva-

    mos persuadidos de que o mais interessante que

    estava ocorrendo era o que Santiago Sierra estava

    fazendo e, porque era outro momento histrico,

    o que ele fazia nos parecia to incrvel, que no

    poderamos transmitir jamais, a ningum, ou seja,

    Santiago era o artista que entendamos como de-

    cisivo. Ao mesmo tempo, porm, sabamos quenem os curadores internacionais do mundo da

    arte local, nem os outros artistas jamais entende-

    riam por que ele era to importante. Era, portan-

    to, um artista que no tinha como se localizar no

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    20TEMTICAS | CUAUHTMOC MEDINA

    contexto do mundo da arte que precisvamos so-

    frer ou viver, com o qual negocivamos. Era uma

    espcie de crculo de pessoas muito persuadidas

    da singularidade e relevncia de Santiago Sierra,

    um crculo muito pequeno e muito localizado.

    O momento seguinte, talvez fevereiro de 2000, muito curioso: convidaram-me para dar uma

    palestra no Royal College of Art, em Londres, e a

    diretora do programa de curadoria e comissiona-

    mento de arte contempornea, Teresa Gledowe,

    sugeriu: Seria bom que voc falasse um pouco

    de Francis [Als] ela sabia que tnhamos essa

    aproximao mas tambm de Gabriel Orozco.

    Honestamente, nesse momento, esse tipo de su-

    gesto provocava-me muita raiva internamente,

    sem que eu pudesse expressar, porque reconheciaser uma reao muito irracional... Como eu po-

    deria falar algo a respeito dessa comparao?

    Converti minhas anotaes sobre Santiago em um

    texto extenso que depois foi publicado na revista

    Trans: Formas polticas recentes: Francis [Als], Mi-

    nerva Cuevas e Santiago Sierra.2Foi nesse momen-

    to tambm que Minerva Cuevas se havia voltado

    para sua interveno Mejor Vida Corporation. Co-

    loquei todos juntos, escrevi o texto e fui no avio

    pensando... Perceba o signicado de SantiagoSierra ento: dos quatro que acreditvamos de-

    cisivos, Santiago o artista que contradiz qual-

    quer noo bem pensante de como deve operar

    a arte hoje e que ningum vai entender por que

    era importante. Qualquer inteno de explicar a

    algum visitante ou a qualquer amigo por que era

    importante encontrava uma expresso de incom-

    preenso. Havia um pouco de autoindulgncia... a

    sensao de que era como o artista-limite, que s

    nas condies de brutalidade de um lugar como

    este poderia ter sentido. E acho que isso, de algu-

    ma maneira, est colocado nesse texto.

    E nessa primavera, coincidentemente, saiu um

    texto de Adriano Pedrosa que Taiyana insistiu para

    que ele o zesse, mas tudo se modicou. Eu ia

    lendo meu texto, pensando... ok, vou ler isto,

    no vo entender como posso estar interessado

    nesse argumento e vou-me arruinar com ele. J

    no vou falar bem de Gabriel Orozco e vo ter

    que aceitarque sim, somos uma bola de marxis-

    tas absurdos. Quando, porm, acabei de l-lo foi

    muito surpreendente, porque o diretor da Lisson

    Gallery vinha descendo as escadas correndo, em

    meio aos aplausos, para parabenizar-me e pedir

    o e-mail de Santiago. Dei-me conta ento de que

    nossa ideia de que isso poderia no ser interessan-

    te, que era inaceitvel, foi derrubada.

    Interessante, entretanto, foi ter entrado em con-

    tato com Santiago Sierra num tipo de cumplici-

    dade que tinha que ver com a sensao de que

    havia uma espcie de politizao brutal que no

    podia ser transmitida. Trs ou quatro curadores

    consideravam esse trabalho algo extraordinrio;

    Francis Als o classicava como incrivelmente in-

    teressante. Depois do Museu Tamayo, havia no

    Mxico quem julgasse a obra inaceitvel; a peano museu Tamayo foi especialmente brutal, e tive

    a sensao de que os visitantes estavam assusta-

    dos com o que estava ocorrendo ali, e que, an-

    tes de eles poderem fazer a reexo de validade

    Teresa Margolles, poltrona forrada com tecido e impregnadacom goma depois de ser arrastada pela Rua 23 de El Chorrillo,Cidade do Panam, sof, tecido, 2013

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    poltica, experimentavam a sensao de terror,

    ou seja, havia uma mudana de demograa, e

    foi muito interessante como isso se transformou

    num assunto que introduzia um problema na dis-

    cusso mais geral.

    Ento, entrei em contato com Santiago por inter-

    mdio dessa pequena rede que, me parece, teve

    alguns momentos de acerto.

    FTConsiderando a crtica de arte atividade impli-

    cada na instncia de produoda obra de arte,

    pode-se pensar a relao crtico/artista como uma

    relao de parceria. Voc falou em cumplicidade,

    e eu queria saber como voc definiria sua parceria

    com Santiago Sierra, se h um projeto comum...

    CMPor regra geral, a crtica de arte um mo-

    mento interno da produo da obra, sempre que

    se entenda que a produo da obra no est fa-

    turada em seu momento inicial, com a primeira

    crtica. A obra, nesse sentido, est constante-

    mente sendo produzida, de modo que sua fun-

    o de atrair tanto a crtica como a construo

    histrica, como a encenao fsica das exibies

    e colees, como sua demonstrao entre outros

    discursos e outras sensaes e outros problemas o que a obra de arte tem de diferente, frente

    a qualquer outro produto cultural, porque est

    demandando, absorvendo, incorporando e exci-

    tando essa intromisso.

    Alm de no ser completa antes de vista pelo p-

    blico, a obra um magneto de signicados que ad-

    quire a posteriori.Se isso ocorre em termos gerais,

    se isso a dinmica social, h, no entanto, uma

    diferena... haveria um modo de fazer uma taxo-

    nomia entre duas classes de crtica de arte, depen-

    dendo de qual o polo em que se situa em termos

    da enunciao. H, porm, formas de crtica de

    arte e momentos de crtica de arte que registram

    a relao do campo de opinio pblica frente a

    essa operao cultural, e que de certa maneira re-

    cebem, remetem, julgam, do ponto de vista hipo-

    ttico da sociedade ou do pblico que est sendo

    recipiente ou vtima desses objetos. H, portanto,

    uma crtica de arte civilizada e de grande relevn-

    cia, que se coloca no lugar do senso comum da so-ciedade. H, contudo, outro tipo de crtica de arte

    que est agenciada pelas obras de um momento

    especco e cujo discurso est informado por essas

    obras e no tem o ponto de vista do observador

    da arte, mas emitido do campo artstico e que ,

    portanto, parcial, que no pode tomar as obras de

    arte, em geral, como importantes e signicativas, e

    que est, alm do mais, provavelmente condenada

    a ser caduca num momento em que um argumen-

    to artstico passe a outro lugar. O que eu escrevisobre o que zeram Santiago, Teresa Margolles ou

    Francis Als, emergiu dessa posio formada pela

    obra dos artistas. No , portanto, inconsciente

    que minha funo no tenha sido discuti-las de

    meu ponto de vista, como se eu argumentasse

    livre, externa e imparcialmente, e fosse represen-

    tativo de alguma opinio sensvel, sensata e res-

    ponsvel, mas no imbuda dessa produo; de al-

    guma maneira so parte dessa produo. Isso tem

    menos a ver com a relao entre crtico e artista doque com a relao entre crtica de arte e obra. Di-

    zer que isso um terreno que deriva das pessoas

    cair na suposio desse lugar-comum que acredita

    existirem seres humanos que tm ideias pessoais,

    Santiago Sierra, Os penetrados, El Torax, Terrassa,Espanha, 12 out. 2008

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    20TEMTICAS | CUAUHTMOC MEDINA

    que tm personalidade; a experincia de produzir

    e operar com obras de arte todo o tempo, contu-

    do, o contradiz.

    FT Por que a experincia de operar com as obras

    contradiz a relao interpessoal?

    CMNo contradiz a relao entre pessoas, mas

    a ideia de que essa uma relao entre pessoas

    que tm coisas a trazer como pessoas, como se

    tivessem uma alma... pensar que o problema

    uma relao entre crtico e artista pressupor que

    crtico e artista so pessoas e no agentes, que,

    ao falar, eles falam como pessoas e que no esto

    ocupando uma funo discursiva e social, e que,

    por conseguinte, o que temos que fazer ao rece-

    ber essas obras pens-las como testemunhos depessoas. A ltima coisa que eu quero como crtico

    de arte que minha argumentao seja tomada

    como a expresso de minha pessoa. Minha pes-

    soa no existe, vazia, no consequente, pouco

    interessante. E tudo que no desejo exibir-me

    como pessoa. Essa distino importante; a re-

    lao de crtica de arte e obra de arte interna

    operao da crtica de arte e obra de arte qual

    pessoas que esto dispostas a servir como par-

    te, se oferecem como agentes, como agentes dafuno dessas obras como sujeito de discurso, e

    fazem de sua vida essa relao; mas essa no

    uma relao entre crtico e artista, e sim entre cr-

    tica e obra. claro que h pessoas que vivem ao

    redor disso, a servio dessa produo, s vezes de

    maneira inteiramente comprometida e perptua.

    FT Em seu texto Uma tica obtida por sua

    suspenso, voc traz elementos muito instigantes

    para pensarmos o trabalho de Sierra. Voc aponta

    vozes crticas indignadas com a potica do artista

    em funo da ausncia de boas intenes no seu

    trabalho. Claire Bishop discute uma virada tica

    na crtica de arte e v isso como um problema.

    Mas voc vai ainda mais longe ao assumir que o

    trabalho de Sierra poltico justamente por negar-

    se a fazer qualquer gesto de militncia. Poderia

    desenvolver esse ponto?

    CM No me recordo os termos exatos dessa frase,

    mas vou tentar pensar como a colocaria hoje. Aproduo artstica no circuito global esse circui-

    to de tensa negociao entre abrigar uma discus-

    so e uma memria da radicalidade e, ao mesmo

    tempo, operar como uma cultura do capitalismo

    no est em espao no qual a expresso da mi-

    litncia tenha algum sentido. O que quero dizer

    que a obra artstica no circuito global no pode

    acompanhar nenhuma militncia, ou seja, inve-

    rossmil que efetue um processo de interpelao

    que consiga atrair um processo militante.

    A ao absolutamente genial, que Roberto Jacoby

    tentou na semana passada, uma demonstrao

    prtica dessa impossibilidade institucional. Estou

    indo ver a Bienal [de So Paulo], mas conhecia a

    pea de Jacoby antes que ela estivesse instalada;

    ele me revelou o projeto de fazer propaganda para

    Dilma. Antes de abrir a Bienal, eu sabia que era

    isso que Jacoby iria fazer, porque eu sabia que j

    que colocaram a questo da natureza poltica daarte... Ok, querem poltica, vamos fazer poltica.

    E toda a estrutura do circuito artstico institucio-

    nalmente no pde acompanhar o gesto de um

    caso de militncia muito especco, mas um caso

    de militncia consciente em que a avaliao de Ro-

    berto Jacoby e eu o acompanho nisso que

    nas condies presentes, uma derrota do Partido

    dos Trabalhadores no Brasil signicaria um proble-

    ma geopoltico latino-americano muito srio. Isso

    porque o nico processo militante com alguma

    eccia governamental existente no continente e

    que no est embaraado numa simulao ideo-

    lgica como a Venezuela de Chaves, quer dizer,

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    que est construindo uma cultura de militncia

    efetiva, que est desenvolvendo economicamen-

    te uma soberania nacional e que est produzin-

    do uma validao de alguma gesto de esquerdasobre um aparato poltico nacional. Sua derrota

    seria cancelar a hiptese de que alguma opera-

    o partidria de esquerda na Amrica Latina te-

    nha sentido. Quer dizer, efetivo o argumento de

    Jacoby de que a indiferena sobre essas opes

    encontra um limite no PT. Mas a estrutura artstica

    per se cancelou esse gesto para mostr-lo como

    um gesto que s revelava o limite da instituio

    artstica para efetuar esse trabalho, primeiro por-

    que a curadoria foi incapaz de responsabilizar-se

    por sua seleo. Se havia um impedimento legal,

    ela deveria saber para tomar posio a respeito:

    A realiz-la e afrontar as consequncias, que po-

    deriam incluir o encarceramento; B impedi-la e,

    portanto, assinalar que o territrio que queria ex-

    plorar era puramente especulativo; C encontrar

    o estratagema curatorial que a tornasse possvel:

    por exemplo, incluir a pea no programa da Bie-

    nal [de So Paulo], assegurando que no estivesse

    num espao nanciado publicamente. Seria per-

    feitamente possvel encontrar um lugar que tivesse

    nanciamento privado para alojar a pea de Jaco-

    by e assinalar essa impossibilidade como parte do

    limite do projeto. O que teria sido gerar um nvel

    de cumplicidade real com Jacoby. Se todo esse

    diagrama necessita ser explorado e explicitado,

    algo que em algum momento vo ter que fazer.

    Ento, dentro do campo artstico efetivo o traba-

    lho de Sierra envolve uma no militncia, esse o

    requisito de sua operao poltica, porque o que

    faz colocar no centro do debate o question-

    rio do que era, e que no pode seguir sendo,

    mais do que o questionrio central de qualquer

    noo de militncia de esquerda, isto , a pergun-

    ta pela emancipao. Isso no se pode colocar de

    um modo positivo, de um modo indicativo den-

    tro do campo artstico como tal. No h espao,

    no h funo, no h lgica em conceber que o

    circuito de arte global, como existe, seja lugar de

    militncia. Pode ser lugar de um questionamento

    que exibe uma problemtica poltica e a imponha

    quando ela parece nem sequer ter lugar. Mas no

    via militncia. E o fato que a estrutura est dada

    de tal maneira, que parece que a nica militn-

    cia possvel no abordar o tema. Ou seja, no

    momento em que Santiago aparece, a estrutura

    geral bsica era assumir que no se podia exercer

    uma apresentao do problema. O territrio que

    Santiago estava explorando no parte das pro-

    blemticas polticas efetivas; seu trabalho conr-

    Santiago Sierra com Jorge Galindo, Os encargados, Madri,ago. 2012

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    ma isso todo o tempo, como prtica, e no como

    momento ocasional aqui h ponto importante

    em relao ao trabalho de Jacoby: ele uma inter-

    veno pontual, no a matriz de uma prtica. O

    que extraordinrio no trabalho de Santiago ser

    matriz de uma prtica, cuja ordem sistemtica e

    lgica quase contnua me parecem querer fechar

    todas as possveis combinatrias. O trabalho se

    faz efetivo porque no faz nenhuma ostentao

    de militncia, somente de crtica e tenso de limi-

    tes. Mais uma vez, aqui h uma diferena entre

    pessoa e obra. Santiago poder ser anarquista,

    marxista, antirreligioso, ilustrado, universalista,

    mas todos esses elementos no se constituem em

    prtica se so posies frente s quais a obra se

    joga, que traam limites que a obra no vai as-sumir. Santiago jamais far uma obra comunista.

    FTParece-me, alis, que Sierra insiste em se colo-

    car de maneira cnica termo que voc usa com

    frequncia investindo numa fala que salienta

    sua condio de explorador, que enfatiza seu dis-

    tanciamento de ambies humanistas. E acredito

    que isso faz parte da performance que ele executa

    como artista. O que voc pensa disso?

    CM H uma diferena entre a noo de perfor-mance como uma colocao em cena e a noo de

    fala que se executa a partir da necessidade dessa

    apario pblica que a obra requer. Acho que San-

    tiago faz isto: falar sob as condies efetivas que a

    obra lhe impe. No uma construo, mas uma

    enunciao. Eu no teria problema com a noo

    de ao, mas sim com a noo de que uma mon-

    tagem. O que Santiago diz algo que ele, como

    pessoa falante, pode dizer logo depois de haver

    feito essas obras, o que essas obras envolvem queno se pode dizer, sobre o que essas obras no

    permitem falar, porque seria uma formulao falsi-

    cada. uma posio cnica no sentido mais cls-

    sico do termo. Uma fala verdadeira que, por dizer

    as coisas como so, resulta insuportvel. O termo

    clssico parrhesia fala verdadeira. O cinismo

    no territrio dos gregos uma fala verdadeira, nodizer coisas elegantes e falsas. Isso o cinismo.

    Depois o poder escolstico, losco, ocidental,

    cristo converteu os cnicos nos imorais. O cnico

    se expressava antes de tudo de maneira a dizer

    ao governante o que ele no queria escutar. Isso

    parrhesia; acontece, porm, que a reputao

    do cinismo est sempre atravessada pelo modo

    como o pensamento do cristianismo elaborou

    todas essas posies antigas, de acordo com sua

    convenincia.

    FTO cinismo em Sierra , portanto, uma mano-

    bra, uma estratgia estreitamente relacionada a

    uma atitude crtica...

    CMQue tem que ver com a difcil problemtica de

    como possvel a uma obra de arte no circuito ar-

    tstico comercial, institucional existente abrigar as

    perguntas de radicalidade que o trabalho de Sierra

    elabora; e no se pode fazer isso se Sierra sugere

    coisas que a obra no vai fazer. anti-humanista.E escandaloso o artista dizer essas coisas, no

    inventar um estratagema que acalme a inquietu-

    de provocada pelo que ele faz, no nos oferecer

    uma linguagem miticada que nos ajude a perce-

    Roberto Jacoby com a Brigada Internacional por Dilma,A alma nuncapensa sem imagensOperao na 29aBienal de So Paulo, 2010

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    ber sua produo menos violenta. Repito, o que

    pensa e sente a pessoa Santiago Sierra deixa de

    ser importante, porque a questo que ele se

    colocou a servio de falar por meio dessas obras,

    o que uma forma de militncia muito espec-

    ca, em que uma prtica exatamente o que no

    ocorre na realidade se atreve a falar em seus

    termos. Seria o equivalente a um poltico dizer:

    Eu controlo o aparato administrativo de enga-

    no de massas que permite a existncia, dentro da

    violncia da operao do capitalismo, da ordem e

    da obedincia social que viabilizam a reproduo

    do capital. Se os polticos falassem cinicamente

    teriam que nos dizer isso todos os dias. Sou isso,

    fao isso. E, naturalmente, tudo isso nos parece

    escandaloso, porque nossa cultura ocidental segueoperando sobre uma base crist, para a qual fun-

    damental falar sempre a respeito de uma srie de

    bondades e maravilhas que no existem neste mun-

    do. Tudo o que deveria ser e exibir a beleza de uma

    alma que no tem nenhum lugar de eccia. E a

    formulao de valores que no pode abrigar o corpo

    nem as mentes. O objetivo fundamental do discurso

    cristo propalar, diariamente, a mentira da bon-

    dade, o que, para usar os termos clssicos de Marx,

    ao mesmo tempo um protesto contra o mundoe o engano que o acompanha. muito difcil, no

    entanto, entender essa condio na qual o artista se

    coloca na posio de falar a partir e por meio, e em

    nome das obras; dizer o que essas coisas nos esto

    obrigando a dizer, no o que eles queriam dizer.

    FT Em entrevista a Rosa Martinez, Sierra mencio-

    na Grupo de personas cara a la paredy Persona

    cara a la pared, afirmando que tratam do senti-

    do do trabalho como castigo. O trabalho como

    uma espcie de castigo pelo qual vendemos nosso

    tempo, corpo e vontade aos interesses do amo.

    Voc acha que essa definio de trabalho se aplica

    tambm no caso do fazer do artista?

    CMSendo a pergunta de carter geral, provoca

    imediatamente uma resposta acadmica. A gura

    da produo artstica na modernidade sempre foi,

    desde o sculo 18, no Ocidente, a postulao de

    um no trabalho, a atividade produtiva satisfat-

    ria subjetivamente, a produo com desejo e sig-

    nicao. Trabalho no alienado. Sierra elaborou

    e nem todo trabalho assim uma produo

    artstica colocada como demonstrao de um tra-

    balho alienado; ao mesmo tempo travava o meca-

    nismo de apreciar a obra do artista como um tra-

    balho no alienado e o apresentava de um modo

    mais claro por uma via negativa, insistindo nisso.

    Porque, assim, o lugar do artista voltaria implicita-

    mente a ser o territrio que no est nesse mesmo

    lugar. E o trabalho de Santiago no teria nenhumsentido se no houvesse uma estrutura cultural

    bsica que considera no alienado o trabalho do

    artista. No teria nenhuma signicao problem-

    tica. Ento, o curioso que ao mesmo tempo em

    que o trabalho de Santiago mostra uma situao

    paradoxal em que o trabalho do artista, sua obra,

    alienado, volta a nos obrigar a pensar a relao

    entre arte e trabalho no alienado. O fato de o

    trabalho aparecer como condenao toca a pro-

    blemtica da noo marxista de trabalho. tam-bm do contexto dessa questo o fato de o genro

    de Marx, Paul Lafargue, escrever uma obra crucial,

    O direito preguia, exclusivamente para tratar

    de diferenciar o projeto socialista de liberao do

    trabalho e o culto do trabalho, como valor moral,

    e para destacar a noo, uma espcie de leitura

    da condio do trabalho como mera condenao,

    para tratar de apartar o projeto dos trabalhadores

    da noo do trabalho como parte da essncia hu-

    mana positiva, da qual certamente um compo-

    nente no argumento marxista clssico. Ento esse

    problema comum nessa genealogia terica.

  • 7/25/2019 Tasca, Fabola - Talkin About Santiago Sierra With Cuauhtmoc Medina

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    20TEMTICAS | CUAUHTMOC MEDINA

    Tem-se, por um lado, um problema que o produ-

    tivismo de Marx; sobretudo os textos mais recen-

    tes, todos apontam para o trabalho no aliena-

    do, parte da ideia de que, atravs do processo de

    produo e reincorporao, de criao do sujeito

    pela mediao do produto, encontra-se o traba-lho como mbito de liberao. Ao mesmo tempo,

    ele faz uma leitura do trabalho alienado capitalis-

    ta como se fosse uma particularidade. E h uma

    tenso histrica geral de supor que poderia haver

    algo como um trabalho no alienado que sempre

    se apoia na existncia da arte, desde os textos de

    Marx, para supor a existncia de um trabalho que

    no seja castigo. Trata-se de territrio polmico

    muito profundo e frequentemente esquecido e

    no estimado, ou seja, h uma dissidncia marxis-ta histrica como os situacionistas que partem da

    base de que trabalhar uma condenao insupor-

    tvel. Em troca h a posio ideolgica ocial dos

    estados de opresso comunistas que constroem a

    ideia do trabalho como reivindicao teolgica da

    personalidade, que gera o herosmo do trabalho:

    estajanovismo no sei se voc conhece a ques-

    to de Aleksi Stajnov, mineiro que, em 1935,

    supostamente tirou no sei quantas toneladas

    de carvo em uma s sesso e converteu isso emlema do trabalho socialista, base de um movimen-

    to que busca convencer os trabalhadores de pro-

    duzir extenuantemente em favor da URSS, como

    valor social, como uma nova moral social. um

    debate muito importante da histria da esquerda.

    Seria muito difcil entender como opera a estrutura

    artstica ocidental se no se tem incorporado

    esse debate sobre o trabalho. parte do que faz

    importante a posio do cio dndi de Baudelaire, o que estrutura o argumento de Morris e os pr-

    rafaelitas de volta ao artesanato manual medieval.

    Parte da utopia construtivista est alojada na frase

    de Duchamp que arma buscar, ao escolher ser

    artista, jamais trabalhar. parte da mitologia de

    Picasso produzindo todo o tempo em interminvel

    progresso ertica de criao sem trgua,

    acompanhada de sexualidade sem limites; parte

    da posio produtivista antiprazerosa de George

    Maciunas; parte da iconograa do minimalismo,

    ou seja, um tema centralssimo. parte da tenso

    entre trabalho e cio, desde a crtica do juzo,

    de Kant. O labirinto mais complicado da teoria

    econmica da arte. No estou dizendo que Santiago

    conhece tudo isso ou parte disso; no sei, nunca

    falamos em detalhes a respeito desse tema.

    NOTAS

    1O grupo Semefo (Servio Mdico Forense), com-posto por Arturo Angulo, Carlos Lpez, MnicaSalcido e Teresa Margolles, foi, originalmente, uma

    banda de death metal rock. O grupo apareceu na

    cena artstica mexicana realizando aes polmicas,trabalhando com processos de transformao mate-

    rial de corpos em decomposio.

    2 Medina, Cuauhtmoc. Uma tica obtenida por su

    suspensin. In: Situaciones artsticas latinoamerica-

    nas. San Jos, Costa Rica: TEOR/tica, 2005:105-116.

    Cuauhtmoc Medina crtico de arte, curador

    e historiador com PhD em histria e teoria da

    arte pela Universidade de Essex, na Inglaterra.

    Pesquisador do Instituto de Investigaes Estticas

    da Universidade Autnoma do Mxico/Unam,

    foi o primeiro curador da coleo de arte latino-

    americana da Tate Modern, em Londres (2002-

    2008). Responsvel por inmeras exposies

    e projetos emblemticos para o territrio da

    produo artstica contempornea.

    Fabola Tasca artista e pesquisadora, doutora

    em artes pela Escola de Belas Artes da UFMG e

    professora na Escola Guignard da UEMG.