tasca, fabíola - talkin about santiago sierra with cuauhtémoc medina
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7/25/2019 Tasca, Fabola - Talkin About Santiago Sierra With Cuauhtmoc Medina
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20TEMTICAS | CUAUHTMOC MEDINA
TALKING ABOUT SANTIAGO SIERRA
Fabola Tasca
Entrevista com Cuauhtmoc Medina
esttica remunerada tica
trabalho cio militncia
A entrevista com o crtico e curador Cuauhtmoc Medina tem como objetivo central
discutir a produo do artista Santiago Sierra, nomeadamente aqueles trabalhos que
envolvem atividades remuneradas. Para tanto, Medina define um cenrio artsticoespecfico do final da dcada de 1990, bem como discute o sentido da crtica e da
relao entre arte e poltica no circuito global.
No dia 30 de setembro de 2010 encontrei-me
com Cuauhtmoc Medina em um caf no Bairro
Condesa, na Cidade do Mxico, para conversar-
mos sobre o trabalho de Santiago Sierra, foco
de ateno de minha pesquisa de doutorado.
Transcrevi o material logo aps nosso encontroe lhe encaminhei com vistas autorizao para
publicao e eventuais reticaes. Ele me res-
pondeu informando que no lia em portugus
com a destreza necessria para vericar o que havia dito, mas, disse-me tambm que acolhia a entrevista
supondo que o texto deveria reetir o que conversamos. Agradeo-lhe a conana e espero que o leitor
possa perceber, assim como tive a oportunidade de testemunhar, a beleza de um pensamento em ao.
Fabola Tasca Gostaria de saber como voc conheceu e se interessou pelo trabalho de Santiago Sierra.
Cuauhtmoc MedinaPrimeiro por Santiago e logo por seu trabalho mais ou menos em 1995, por
uma circunstncia casual, mas interessante: quando visitei Madri, pouco antes de 95, Ana Margules,uma amiga autista e mexicana que l vive, levou-me ao Ojo Atmico. um bar com espao para
exposies, e ela me levou l para apresentar-me a Toms, que era seu amigo e dirigia o Ojo Atmico.
Nessa ocasio devo ter conhecido brevemente Santiago, mas no me recordo. Em fevereiro de 97, quan-
do houve a Feira Arco sobre a Amrica Latina, tambm sem saber antes, acabei indo ao Ojo Atmico,
TALKING ABOUT SANTIAGO SIERRA | Interviewwith Cuauhtmoc Medina | The main aim of theinterview with critic and curator CuauhtmocMedina is to discuss the work of artist SantiagoSierra, namely, his work involving paid activities.Accordingly, Medina defines a specific art scenario
in the late 1990s, and discusses the direction ofreviewing and relationships between art and politicsin the global circuit. | remunerated aestheticsethics work idleness militancy
Teresa Margolles,1 tonelada de escombro de vergalho, RuaMariscal, Ciudad Jurez, 2010, ao fundido, ferro cinza50 x 50 x 50cm
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porque o Semefo1e Teresa Margolles haviam sido
convidados precisamente por Santiago e por To-
ms para expor a srie Dermis, lenis usados nos
servios hospitalares mexicanos de seguro social,
com manchas de sangue, que eram quase como
Santos Sudrios ou impresses corporais manei-
ra de Yves Klein.L estavam Santiago e Toms.
Santiago veio ao Mxico no nal de 97 ou incio
de 98 e conheceu o trabalho do Semefo, que
naquele momento j se dissolvia, e Teresa estava
levando a produo adiante. Talvez esse tenha
sido o evento mais importante do Ojo Atmico,
que nesse momento, me parece, estava em fran-
ca ebulio. Eu morava em Londres, desde o nal
de 94, fazendo doutorado, e, at regressar, em
99, s voltei ao Mxico uma vez, para participardo lme de Olivier Debroise, Un Banquete em
Tetlapayac. Passei pela Cidade do Mxico muito
brevemente e, depois da inaugurao, no Bairro
Condesa, de um edifcio no qual muitos artistas
zeram intervenes, conduzidos por Guilhermo
Santamarina e Paloma Porras, fui a um bar com
Guilhermo Santamarina e lhe perguntei: O que
est acontecendo que eu estou perdendo? Com
sua melancolia peculiar, ele respondeu: Aqui no
acontece nada, tudo aborrecido; a nica coisainteressante o que est fazendo Santiago Sierra,
que est sentado ali; v falar com ele. Em geral
quando Guilhermo diz venha ver isso tem razo.
Ento fui falar com Santiago, que j conhecia. Ele
devia estar h pouco tempo no Mxico, um ano,
talvez, e deve ter-me falado a respeito dos proje-
tos de Vizcanas e de sua ideia de desenvolver uma
produo com o trabalho assalariado; me pare-
ceu muito interessante, e em algum momento ele
deve ter trocado e-mails com Oliver Debroise, quefoi seu colaborador num projeto. Um ano e meio
depois, regressei ao Mxico, e, nesse momento,
comeou a ser gerada uma situao na qual Taiya-
na Pimentel e eu comeamos a nos aproximar em
funo de estarmos ambos muito impressionados
com o trabalho de Santiago.
FT Ele j estava trabalhando no sentido da Esttica
Remunerada, com a contratao de pessoas?
CM Quando falei com ele, sim; mas no havia
feito muitas coisas; era como uma ideia inicial;
quando regressei, em 99, j era algo rme. At
ento eu havia falado com ele, mas no vira obra.
Regressei em junho de 99 e passei a acompanhar
seu trabalho mais de perto, mas j com a proxi-
midade de Taiyana Pimentel, que estava comple-
tamente obcecada com a produo de Santiago
e, como voc sabe, ela fez a interveno extrema-
mente importante no Museu Tamayo.
O que quero transmitir a voc com tudo isso que
seria totalmente falso e contraproducente sugerir
que me encontrei com Santiago Sierra de manei-
ra isolada. H uma comunidade, que comunica
ideias, se fala toda semana, e isto existe h mais
de uma dcada, e, nesse momento, era particular-
mente intenso, e, honestamente, no outono de 99
estar interessado em Santiago Sierra era minha ra-
zo de manter proximidade com Taiyana Pimentel.
Comecei a escrever para um jornal e, nesse mo-
mento, o que havia de fato era uma espcie decumplicidade. Era Taiyana e eu. Guilhermo, que
eu no via com tanta frequncia, Francis [Als],
Olivier Debroise, Teresa Margolles, todos estva-
mos persuadidos de que o mais interessante que
estava ocorrendo era o que Santiago Sierra estava
fazendo e, porque era outro momento histrico,
o que ele fazia nos parecia to incrvel, que no
poderamos transmitir jamais, a ningum, ou seja,
Santiago era o artista que entendamos como de-
cisivo. Ao mesmo tempo, porm, sabamos quenem os curadores internacionais do mundo da
arte local, nem os outros artistas jamais entende-
riam por que ele era to importante. Era, portan-
to, um artista que no tinha como se localizar no
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contexto do mundo da arte que precisvamos so-
frer ou viver, com o qual negocivamos. Era uma
espcie de crculo de pessoas muito persuadidas
da singularidade e relevncia de Santiago Sierra,
um crculo muito pequeno e muito localizado.
O momento seguinte, talvez fevereiro de 2000, muito curioso: convidaram-me para dar uma
palestra no Royal College of Art, em Londres, e a
diretora do programa de curadoria e comissiona-
mento de arte contempornea, Teresa Gledowe,
sugeriu: Seria bom que voc falasse um pouco
de Francis [Als] ela sabia que tnhamos essa
aproximao mas tambm de Gabriel Orozco.
Honestamente, nesse momento, esse tipo de su-
gesto provocava-me muita raiva internamente,
sem que eu pudesse expressar, porque reconheciaser uma reao muito irracional... Como eu po-
deria falar algo a respeito dessa comparao?
Converti minhas anotaes sobre Santiago em um
texto extenso que depois foi publicado na revista
Trans: Formas polticas recentes: Francis [Als], Mi-
nerva Cuevas e Santiago Sierra.2Foi nesse momen-
to tambm que Minerva Cuevas se havia voltado
para sua interveno Mejor Vida Corporation. Co-
loquei todos juntos, escrevi o texto e fui no avio
pensando... Perceba o signicado de SantiagoSierra ento: dos quatro que acreditvamos de-
cisivos, Santiago o artista que contradiz qual-
quer noo bem pensante de como deve operar
a arte hoje e que ningum vai entender por que
era importante. Qualquer inteno de explicar a
algum visitante ou a qualquer amigo por que era
importante encontrava uma expresso de incom-
preenso. Havia um pouco de autoindulgncia... a
sensao de que era como o artista-limite, que s
nas condies de brutalidade de um lugar como
este poderia ter sentido. E acho que isso, de algu-
ma maneira, est colocado nesse texto.
E nessa primavera, coincidentemente, saiu um
texto de Adriano Pedrosa que Taiyana insistiu para
que ele o zesse, mas tudo se modicou. Eu ia
lendo meu texto, pensando... ok, vou ler isto,
no vo entender como posso estar interessado
nesse argumento e vou-me arruinar com ele. J
no vou falar bem de Gabriel Orozco e vo ter
que aceitarque sim, somos uma bola de marxis-
tas absurdos. Quando, porm, acabei de l-lo foi
muito surpreendente, porque o diretor da Lisson
Gallery vinha descendo as escadas correndo, em
meio aos aplausos, para parabenizar-me e pedir
o e-mail de Santiago. Dei-me conta ento de que
nossa ideia de que isso poderia no ser interessan-
te, que era inaceitvel, foi derrubada.
Interessante, entretanto, foi ter entrado em con-
tato com Santiago Sierra num tipo de cumplici-
dade que tinha que ver com a sensao de que
havia uma espcie de politizao brutal que no
podia ser transmitida. Trs ou quatro curadores
consideravam esse trabalho algo extraordinrio;
Francis Als o classicava como incrivelmente in-
teressante. Depois do Museu Tamayo, havia no
Mxico quem julgasse a obra inaceitvel; a peano museu Tamayo foi especialmente brutal, e tive
a sensao de que os visitantes estavam assusta-
dos com o que estava ocorrendo ali, e que, an-
tes de eles poderem fazer a reexo de validade
Teresa Margolles, poltrona forrada com tecido e impregnadacom goma depois de ser arrastada pela Rua 23 de El Chorrillo,Cidade do Panam, sof, tecido, 2013
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poltica, experimentavam a sensao de terror,
ou seja, havia uma mudana de demograa, e
foi muito interessante como isso se transformou
num assunto que introduzia um problema na dis-
cusso mais geral.
Ento, entrei em contato com Santiago por inter-
mdio dessa pequena rede que, me parece, teve
alguns momentos de acerto.
FTConsiderando a crtica de arte atividade impli-
cada na instncia de produoda obra de arte,
pode-se pensar a relao crtico/artista como uma
relao de parceria. Voc falou em cumplicidade,
e eu queria saber como voc definiria sua parceria
com Santiago Sierra, se h um projeto comum...
CMPor regra geral, a crtica de arte um mo-
mento interno da produo da obra, sempre que
se entenda que a produo da obra no est fa-
turada em seu momento inicial, com a primeira
crtica. A obra, nesse sentido, est constante-
mente sendo produzida, de modo que sua fun-
o de atrair tanto a crtica como a construo
histrica, como a encenao fsica das exibies
e colees, como sua demonstrao entre outros
discursos e outras sensaes e outros problemas o que a obra de arte tem de diferente, frente
a qualquer outro produto cultural, porque est
demandando, absorvendo, incorporando e exci-
tando essa intromisso.
Alm de no ser completa antes de vista pelo p-
blico, a obra um magneto de signicados que ad-
quire a posteriori.Se isso ocorre em termos gerais,
se isso a dinmica social, h, no entanto, uma
diferena... haveria um modo de fazer uma taxo-
nomia entre duas classes de crtica de arte, depen-
dendo de qual o polo em que se situa em termos
da enunciao. H, porm, formas de crtica de
arte e momentos de crtica de arte que registram
a relao do campo de opinio pblica frente a
essa operao cultural, e que de certa maneira re-
cebem, remetem, julgam, do ponto de vista hipo-
ttico da sociedade ou do pblico que est sendo
recipiente ou vtima desses objetos. H, portanto,
uma crtica de arte civilizada e de grande relevn-
cia, que se coloca no lugar do senso comum da so-ciedade. H, contudo, outro tipo de crtica de arte
que est agenciada pelas obras de um momento
especco e cujo discurso est informado por essas
obras e no tem o ponto de vista do observador
da arte, mas emitido do campo artstico e que ,
portanto, parcial, que no pode tomar as obras de
arte, em geral, como importantes e signicativas, e
que est, alm do mais, provavelmente condenada
a ser caduca num momento em que um argumen-
to artstico passe a outro lugar. O que eu escrevisobre o que zeram Santiago, Teresa Margolles ou
Francis Als, emergiu dessa posio formada pela
obra dos artistas. No , portanto, inconsciente
que minha funo no tenha sido discuti-las de
meu ponto de vista, como se eu argumentasse
livre, externa e imparcialmente, e fosse represen-
tativo de alguma opinio sensvel, sensata e res-
ponsvel, mas no imbuda dessa produo; de al-
guma maneira so parte dessa produo. Isso tem
menos a ver com a relao entre crtico e artista doque com a relao entre crtica de arte e obra. Di-
zer que isso um terreno que deriva das pessoas
cair na suposio desse lugar-comum que acredita
existirem seres humanos que tm ideias pessoais,
Santiago Sierra, Os penetrados, El Torax, Terrassa,Espanha, 12 out. 2008
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que tm personalidade; a experincia de produzir
e operar com obras de arte todo o tempo, contu-
do, o contradiz.
FT Por que a experincia de operar com as obras
contradiz a relao interpessoal?
CMNo contradiz a relao entre pessoas, mas
a ideia de que essa uma relao entre pessoas
que tm coisas a trazer como pessoas, como se
tivessem uma alma... pensar que o problema
uma relao entre crtico e artista pressupor que
crtico e artista so pessoas e no agentes, que,
ao falar, eles falam como pessoas e que no esto
ocupando uma funo discursiva e social, e que,
por conseguinte, o que temos que fazer ao rece-
ber essas obras pens-las como testemunhos depessoas. A ltima coisa que eu quero como crtico
de arte que minha argumentao seja tomada
como a expresso de minha pessoa. Minha pes-
soa no existe, vazia, no consequente, pouco
interessante. E tudo que no desejo exibir-me
como pessoa. Essa distino importante; a re-
lao de crtica de arte e obra de arte interna
operao da crtica de arte e obra de arte qual
pessoas que esto dispostas a servir como par-
te, se oferecem como agentes, como agentes dafuno dessas obras como sujeito de discurso, e
fazem de sua vida essa relao; mas essa no
uma relao entre crtico e artista, e sim entre cr-
tica e obra. claro que h pessoas que vivem ao
redor disso, a servio dessa produo, s vezes de
maneira inteiramente comprometida e perptua.
FT Em seu texto Uma tica obtida por sua
suspenso, voc traz elementos muito instigantes
para pensarmos o trabalho de Sierra. Voc aponta
vozes crticas indignadas com a potica do artista
em funo da ausncia de boas intenes no seu
trabalho. Claire Bishop discute uma virada tica
na crtica de arte e v isso como um problema.
Mas voc vai ainda mais longe ao assumir que o
trabalho de Sierra poltico justamente por negar-
se a fazer qualquer gesto de militncia. Poderia
desenvolver esse ponto?
CM No me recordo os termos exatos dessa frase,
mas vou tentar pensar como a colocaria hoje. Aproduo artstica no circuito global esse circui-
to de tensa negociao entre abrigar uma discus-
so e uma memria da radicalidade e, ao mesmo
tempo, operar como uma cultura do capitalismo
no est em espao no qual a expresso da mi-
litncia tenha algum sentido. O que quero dizer
que a obra artstica no circuito global no pode
acompanhar nenhuma militncia, ou seja, inve-
rossmil que efetue um processo de interpelao
que consiga atrair um processo militante.
A ao absolutamente genial, que Roberto Jacoby
tentou na semana passada, uma demonstrao
prtica dessa impossibilidade institucional. Estou
indo ver a Bienal [de So Paulo], mas conhecia a
pea de Jacoby antes que ela estivesse instalada;
ele me revelou o projeto de fazer propaganda para
Dilma. Antes de abrir a Bienal, eu sabia que era
isso que Jacoby iria fazer, porque eu sabia que j
que colocaram a questo da natureza poltica daarte... Ok, querem poltica, vamos fazer poltica.
E toda a estrutura do circuito artstico institucio-
nalmente no pde acompanhar o gesto de um
caso de militncia muito especco, mas um caso
de militncia consciente em que a avaliao de Ro-
berto Jacoby e eu o acompanho nisso que
nas condies presentes, uma derrota do Partido
dos Trabalhadores no Brasil signicaria um proble-
ma geopoltico latino-americano muito srio. Isso
porque o nico processo militante com alguma
eccia governamental existente no continente e
que no est embaraado numa simulao ideo-
lgica como a Venezuela de Chaves, quer dizer,
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que est construindo uma cultura de militncia
efetiva, que est desenvolvendo economicamen-
te uma soberania nacional e que est produzin-
do uma validao de alguma gesto de esquerdasobre um aparato poltico nacional. Sua derrota
seria cancelar a hiptese de que alguma opera-
o partidria de esquerda na Amrica Latina te-
nha sentido. Quer dizer, efetivo o argumento de
Jacoby de que a indiferena sobre essas opes
encontra um limite no PT. Mas a estrutura artstica
per se cancelou esse gesto para mostr-lo como
um gesto que s revelava o limite da instituio
artstica para efetuar esse trabalho, primeiro por-
que a curadoria foi incapaz de responsabilizar-se
por sua seleo. Se havia um impedimento legal,
ela deveria saber para tomar posio a respeito:
A realiz-la e afrontar as consequncias, que po-
deriam incluir o encarceramento; B impedi-la e,
portanto, assinalar que o territrio que queria ex-
plorar era puramente especulativo; C encontrar
o estratagema curatorial que a tornasse possvel:
por exemplo, incluir a pea no programa da Bie-
nal [de So Paulo], assegurando que no estivesse
num espao nanciado publicamente. Seria per-
feitamente possvel encontrar um lugar que tivesse
nanciamento privado para alojar a pea de Jaco-
by e assinalar essa impossibilidade como parte do
limite do projeto. O que teria sido gerar um nvel
de cumplicidade real com Jacoby. Se todo esse
diagrama necessita ser explorado e explicitado,
algo que em algum momento vo ter que fazer.
Ento, dentro do campo artstico efetivo o traba-
lho de Sierra envolve uma no militncia, esse o
requisito de sua operao poltica, porque o que
faz colocar no centro do debate o question-
rio do que era, e que no pode seguir sendo,
mais do que o questionrio central de qualquer
noo de militncia de esquerda, isto , a pergun-
ta pela emancipao. Isso no se pode colocar de
um modo positivo, de um modo indicativo den-
tro do campo artstico como tal. No h espao,
no h funo, no h lgica em conceber que o
circuito de arte global, como existe, seja lugar de
militncia. Pode ser lugar de um questionamento
que exibe uma problemtica poltica e a imponha
quando ela parece nem sequer ter lugar. Mas no
via militncia. E o fato que a estrutura est dada
de tal maneira, que parece que a nica militn-
cia possvel no abordar o tema. Ou seja, no
momento em que Santiago aparece, a estrutura
geral bsica era assumir que no se podia exercer
uma apresentao do problema. O territrio que
Santiago estava explorando no parte das pro-
blemticas polticas efetivas; seu trabalho conr-
Santiago Sierra com Jorge Galindo, Os encargados, Madri,ago. 2012
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ma isso todo o tempo, como prtica, e no como
momento ocasional aqui h ponto importante
em relao ao trabalho de Jacoby: ele uma inter-
veno pontual, no a matriz de uma prtica. O
que extraordinrio no trabalho de Santiago ser
matriz de uma prtica, cuja ordem sistemtica e
lgica quase contnua me parecem querer fechar
todas as possveis combinatrias. O trabalho se
faz efetivo porque no faz nenhuma ostentao
de militncia, somente de crtica e tenso de limi-
tes. Mais uma vez, aqui h uma diferena entre
pessoa e obra. Santiago poder ser anarquista,
marxista, antirreligioso, ilustrado, universalista,
mas todos esses elementos no se constituem em
prtica se so posies frente s quais a obra se
joga, que traam limites que a obra no vai as-sumir. Santiago jamais far uma obra comunista.
FTParece-me, alis, que Sierra insiste em se colo-
car de maneira cnica termo que voc usa com
frequncia investindo numa fala que salienta
sua condio de explorador, que enfatiza seu dis-
tanciamento de ambies humanistas. E acredito
que isso faz parte da performance que ele executa
como artista. O que voc pensa disso?
CM H uma diferena entre a noo de perfor-mance como uma colocao em cena e a noo de
fala que se executa a partir da necessidade dessa
apario pblica que a obra requer. Acho que San-
tiago faz isto: falar sob as condies efetivas que a
obra lhe impe. No uma construo, mas uma
enunciao. Eu no teria problema com a noo
de ao, mas sim com a noo de que uma mon-
tagem. O que Santiago diz algo que ele, como
pessoa falante, pode dizer logo depois de haver
feito essas obras, o que essas obras envolvem queno se pode dizer, sobre o que essas obras no
permitem falar, porque seria uma formulao falsi-
cada. uma posio cnica no sentido mais cls-
sico do termo. Uma fala verdadeira que, por dizer
as coisas como so, resulta insuportvel. O termo
clssico parrhesia fala verdadeira. O cinismo
no territrio dos gregos uma fala verdadeira, nodizer coisas elegantes e falsas. Isso o cinismo.
Depois o poder escolstico, losco, ocidental,
cristo converteu os cnicos nos imorais. O cnico
se expressava antes de tudo de maneira a dizer
ao governante o que ele no queria escutar. Isso
parrhesia; acontece, porm, que a reputao
do cinismo est sempre atravessada pelo modo
como o pensamento do cristianismo elaborou
todas essas posies antigas, de acordo com sua
convenincia.
FTO cinismo em Sierra , portanto, uma mano-
bra, uma estratgia estreitamente relacionada a
uma atitude crtica...
CMQue tem que ver com a difcil problemtica de
como possvel a uma obra de arte no circuito ar-
tstico comercial, institucional existente abrigar as
perguntas de radicalidade que o trabalho de Sierra
elabora; e no se pode fazer isso se Sierra sugere
coisas que a obra no vai fazer. anti-humanista.E escandaloso o artista dizer essas coisas, no
inventar um estratagema que acalme a inquietu-
de provocada pelo que ele faz, no nos oferecer
uma linguagem miticada que nos ajude a perce-
Roberto Jacoby com a Brigada Internacional por Dilma,A alma nuncapensa sem imagensOperao na 29aBienal de So Paulo, 2010
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ber sua produo menos violenta. Repito, o que
pensa e sente a pessoa Santiago Sierra deixa de
ser importante, porque a questo que ele se
colocou a servio de falar por meio dessas obras,
o que uma forma de militncia muito espec-
ca, em que uma prtica exatamente o que no
ocorre na realidade se atreve a falar em seus
termos. Seria o equivalente a um poltico dizer:
Eu controlo o aparato administrativo de enga-
no de massas que permite a existncia, dentro da
violncia da operao do capitalismo, da ordem e
da obedincia social que viabilizam a reproduo
do capital. Se os polticos falassem cinicamente
teriam que nos dizer isso todos os dias. Sou isso,
fao isso. E, naturalmente, tudo isso nos parece
escandaloso, porque nossa cultura ocidental segueoperando sobre uma base crist, para a qual fun-
damental falar sempre a respeito de uma srie de
bondades e maravilhas que no existem neste mun-
do. Tudo o que deveria ser e exibir a beleza de uma
alma que no tem nenhum lugar de eccia. E a
formulao de valores que no pode abrigar o corpo
nem as mentes. O objetivo fundamental do discurso
cristo propalar, diariamente, a mentira da bon-
dade, o que, para usar os termos clssicos de Marx,
ao mesmo tempo um protesto contra o mundoe o engano que o acompanha. muito difcil, no
entanto, entender essa condio na qual o artista se
coloca na posio de falar a partir e por meio, e em
nome das obras; dizer o que essas coisas nos esto
obrigando a dizer, no o que eles queriam dizer.
FT Em entrevista a Rosa Martinez, Sierra mencio-
na Grupo de personas cara a la paredy Persona
cara a la pared, afirmando que tratam do senti-
do do trabalho como castigo. O trabalho como
uma espcie de castigo pelo qual vendemos nosso
tempo, corpo e vontade aos interesses do amo.
Voc acha que essa definio de trabalho se aplica
tambm no caso do fazer do artista?
CMSendo a pergunta de carter geral, provoca
imediatamente uma resposta acadmica. A gura
da produo artstica na modernidade sempre foi,
desde o sculo 18, no Ocidente, a postulao de
um no trabalho, a atividade produtiva satisfat-
ria subjetivamente, a produo com desejo e sig-
nicao. Trabalho no alienado. Sierra elaborou
e nem todo trabalho assim uma produo
artstica colocada como demonstrao de um tra-
balho alienado; ao mesmo tempo travava o meca-
nismo de apreciar a obra do artista como um tra-
balho no alienado e o apresentava de um modo
mais claro por uma via negativa, insistindo nisso.
Porque, assim, o lugar do artista voltaria implicita-
mente a ser o territrio que no est nesse mesmo
lugar. E o trabalho de Santiago no teria nenhumsentido se no houvesse uma estrutura cultural
bsica que considera no alienado o trabalho do
artista. No teria nenhuma signicao problem-
tica. Ento, o curioso que ao mesmo tempo em
que o trabalho de Santiago mostra uma situao
paradoxal em que o trabalho do artista, sua obra,
alienado, volta a nos obrigar a pensar a relao
entre arte e trabalho no alienado. O fato de o
trabalho aparecer como condenao toca a pro-
blemtica da noo marxista de trabalho. tam-bm do contexto dessa questo o fato de o genro
de Marx, Paul Lafargue, escrever uma obra crucial,
O direito preguia, exclusivamente para tratar
de diferenciar o projeto socialista de liberao do
trabalho e o culto do trabalho, como valor moral,
e para destacar a noo, uma espcie de leitura
da condio do trabalho como mera condenao,
para tratar de apartar o projeto dos trabalhadores
da noo do trabalho como parte da essncia hu-
mana positiva, da qual certamente um compo-
nente no argumento marxista clssico. Ento esse
problema comum nessa genealogia terica.
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Tem-se, por um lado, um problema que o produ-
tivismo de Marx; sobretudo os textos mais recen-
tes, todos apontam para o trabalho no aliena-
do, parte da ideia de que, atravs do processo de
produo e reincorporao, de criao do sujeito
pela mediao do produto, encontra-se o traba-lho como mbito de liberao. Ao mesmo tempo,
ele faz uma leitura do trabalho alienado capitalis-
ta como se fosse uma particularidade. E h uma
tenso histrica geral de supor que poderia haver
algo como um trabalho no alienado que sempre
se apoia na existncia da arte, desde os textos de
Marx, para supor a existncia de um trabalho que
no seja castigo. Trata-se de territrio polmico
muito profundo e frequentemente esquecido e
no estimado, ou seja, h uma dissidncia marxis-ta histrica como os situacionistas que partem da
base de que trabalhar uma condenao insupor-
tvel. Em troca h a posio ideolgica ocial dos
estados de opresso comunistas que constroem a
ideia do trabalho como reivindicao teolgica da
personalidade, que gera o herosmo do trabalho:
estajanovismo no sei se voc conhece a ques-
to de Aleksi Stajnov, mineiro que, em 1935,
supostamente tirou no sei quantas toneladas
de carvo em uma s sesso e converteu isso emlema do trabalho socialista, base de um movimen-
to que busca convencer os trabalhadores de pro-
duzir extenuantemente em favor da URSS, como
valor social, como uma nova moral social. um
debate muito importante da histria da esquerda.
Seria muito difcil entender como opera a estrutura
artstica ocidental se no se tem incorporado
esse debate sobre o trabalho. parte do que faz
importante a posio do cio dndi de Baudelaire, o que estrutura o argumento de Morris e os pr-
rafaelitas de volta ao artesanato manual medieval.
Parte da utopia construtivista est alojada na frase
de Duchamp que arma buscar, ao escolher ser
artista, jamais trabalhar. parte da mitologia de
Picasso produzindo todo o tempo em interminvel
progresso ertica de criao sem trgua,
acompanhada de sexualidade sem limites; parte
da posio produtivista antiprazerosa de George
Maciunas; parte da iconograa do minimalismo,
ou seja, um tema centralssimo. parte da tenso
entre trabalho e cio, desde a crtica do juzo,
de Kant. O labirinto mais complicado da teoria
econmica da arte. No estou dizendo que Santiago
conhece tudo isso ou parte disso; no sei, nunca
falamos em detalhes a respeito desse tema.
NOTAS
1O grupo Semefo (Servio Mdico Forense), com-posto por Arturo Angulo, Carlos Lpez, MnicaSalcido e Teresa Margolles, foi, originalmente, uma
banda de death metal rock. O grupo apareceu na
cena artstica mexicana realizando aes polmicas,trabalhando com processos de transformao mate-
rial de corpos em decomposio.
2 Medina, Cuauhtmoc. Uma tica obtenida por su
suspensin. In: Situaciones artsticas latinoamerica-
nas. San Jos, Costa Rica: TEOR/tica, 2005:105-116.
Cuauhtmoc Medina crtico de arte, curador
e historiador com PhD em histria e teoria da
arte pela Universidade de Essex, na Inglaterra.
Pesquisador do Instituto de Investigaes Estticas
da Universidade Autnoma do Mxico/Unam,
foi o primeiro curador da coleo de arte latino-
americana da Tate Modern, em Londres (2002-
2008). Responsvel por inmeras exposies
e projetos emblemticos para o territrio da
produo artstica contempornea.
Fabola Tasca artista e pesquisadora, doutora
em artes pela Escola de Belas Artes da UFMG e
professora na Escola Guignard da UEMG.