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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” MOBBING A vitimologia no trabalho e a justiça restaurativa. Pós graduando: Monique Lima de Andrade Orientador: José Roberto Rio de Janeiro 22 - 09 - 2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

MOBBING

A vitimologia no trabalho e a justiça restaurativa.

Pós graduando: Monique Lima de Andrade

Orientador: José Roberto

Rio de Janeiro

22 - 09 - 2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

MOBBING

A vitimologia no trabalho e a justiça restaurativa.

OBJETIVOS:

A presente publicação atende a conclusão do curso de Pós - graduação para

descrever, identificar e enumerar o mobbing que é uma vitimologia no trabalho,

um ato velado que prejudica a efetiva aplicação da lei ao fato concreto, com

isso sobrecarrega a justiça trabalhista com ações indenizatórias e o dano

causado não é amenizado. Com a chegada do século XXI surge a justiça

restaurativa como a solução para dirimir tais conflitos.

Curso de pós graduação em direito material e processual do trabalho.

Pós graduanda: Monique Lima de Andrade

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AGRADECIMENTOS

A todos os meus familiares e pessoas que, direta e indiretamente, contribuíram

para a confecção desse trabalho.

Obrigada meu mestre da vida Daisaku Ikeda!

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DEDICATÓRIA

Dedico esta obra a minha mãe, que tanto colaborou para concretização deste

curso.

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O trabalho é a atividade humana por excelência,

Pela qual o homem transforma a natureza e a si mesmo.

Mas nos sistemas onde persiste a exploração, ao invés

De contribuir pela liberdade do homem, o trabalho torna-se condição de sua

alteração.

Carl Marx

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RESUMO

O presente estudo traz como tema o Mobbing , tendo como visão principal, a

da vítima e todo seu sofrimento solucionado pela justiça restaurativa. Tem-se

por objetivo, investigar e analisar a fundo, esta conduta cada vez mais

freqüente, assim como as suas conseqüências. Para que pudesse ser

realizada esta obra, foram utilizados coleta de dados bibliográficos e em sites

especializados no assunto.

PALAVRAS : CHAVE: Mobbing, Vitimologia, Justiça Restaurativa .

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 8

1 - MOBBING 10

1.1 – - EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO MOBBING 11

1.2 CONCEITO DE MOBBING 16

2- CONCEITO DE VITIMOLOGIA 22

3– O DIREITO DO TRABALHO DIANTE DA JUSTIÇA RESTAURATIVA 24

4- JURISPRUDÊNCIA 27

5- TUTELA JURÍDICA DO MOBBING NO DIREITO COMPARADO 37

5.1- DIREITO EUROPEU 37

5.2 - DIREITO BRASILEIRO 41 6 – OS EFEITOS PSICOLÓGICOS DO MOBBING 43

6.1- A INICIAÇÃO 43 6.2. – TRANSTORNOS MENTAIS 44 6.3 – Transtorno de Ansiedade 44 6.4 - Transtorno Obsessivo-Compulsivo 45 6.5 - Transtorno Depressivo 46

CONCLUSÃO 47

BIBLIOGRAFIA 52

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INTRODUÇÃO

Por mais novo que pareça ser o assunto em questão, ele é mais antigo

do que se imagina. Tomando por exemplo da História do Brasil, a primeira

caracterização do mobbing se remete à primeira espécie sabida de relação

trabalhista, o trabalho escravo.

Desde a época da colonização que temos por difundida esta conduta em

território nacional, onde os homens brancos, gozando de status social e

econômico se auto - completavam com uma condição hierarquicamente

superior em relação aos homens negros, onde esses eram qualificados como

escravos, enquanto que aqueles eram considerados os senhorios.

Atualmente, diante da globalização de mercados internacionais e as

crescentes modernizações das indústrias vem causando nos empreendedores

um sentimento de busca incessante e a qualquer preço pela lucratividade.

É inegável que nas últimas décadas houve mais avanços tecnológicos

do que em qualquer outro lapso temporal na história da humanidade. Porém,

ao mesmo tempo, o que se avançou no campo das conquistas tecnológicas,

regrediu-se em relação à ética, que foi sendo renegada ao segundo plano,

levando o homem a um histórico e único momento de Intolerância, em que os

cidadãos são classificados em duas categorias: indivíduo produtivo e indivíduo

consumidor.

Evidencia-se a crescente tomada de consciência dos indivíduos a

respeito de direitos que envolvem personalidade, imagem pessoal, integridade

física e psíquica. Um intenso movimento, a partir das ações envolvendo os

direitos humanos, contribui para desenvolver, consolidar e ampliar essa

consciência – ainda que concernente em alguns nichos da sociedade por

motivos: educacionais, culturais, políticos e econômicos.

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As violações constantes, reiteradas e crescentes aos direitos da

personalidade do trabalhador são parte integrante de uma ordem social

globalizante, transformando o trabalho em mercadoria.

O Mobbing constitui-se como um fenômeno essencialmente terror

psicológico a priori, porém, podendo manifestar-se de forma concreta. A

maneira mais prudente de tratá-lo é como algo individual. Cada ato possui sua

particularidade; aquilo que humilha ou agride um indivíduo, pode passar,

eventualmente, despercebido para outros e pode ser agradavelmente

desafiador para um terceiro.

O fato de tratar tal fenômeno de forma individualizada, não significa que

o mesmo não precise de uma visão generalizante, para estabelecer suas

características básicas e comuns a todos ou à maioria dos casos e, dessa

maneira, dar início a um tratamento científico da questão, com as intenções

peculiares à ciência: explicar, compreender, controlar e prever.

É importante salientar que é a vítima afetada que interpreta as

comunicações transmitidas pelo suposto vitimizador, como mobbing, sendo que

isso ocorre dentro da realidade psíquica da vítima. Isto ocorre em

conseqüência aos fatos atribuídos a manipulação maldosa tais como a perda

de emprego, doenças físicas e/ou psíquicas, separações de casais, entre

tantas outras.

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Por outro lado também não se pode deixar de observar que a pessoa

que recebe a ação, interpretada por ela como “assédio moral” pode estar

sofrendo de transtornos psíquicos que a tornem particularmente vulnerável.

Sob esta ótica, reforça-se ainda mais a necessidade de se encarar a questão

sob o ponto de vista da realidade psíquica, porque tal indivíduo, potencialmente

“mobbizado”, escapa ao perfil de “normalidade psíquica” 1 que se poderia

admitir. Em outras palavras, o mobbing manifesta-se não só por eventual obra

do vitimizador, mas também pelo estado fragilizado do vitimado.

A presente obra tem por finalidade trazer a tona esta polêmica conduta

diretamente relacionada ao campo do Direito do Trabalho, através de uma ótica

diferente, fugindo um pouco do tradicionalismo habitual, privilegiando o leitor

com a visão, principalmente da vítima, e das conseqüências por ela sofrida em

decorrência de tal conduta abusiva e a solução encontrada através da justiça

restaurativa.

1 – MOBBING

. A palavra “mobbing” é o gerúndio que deriva da palavra “mob” de

origem inglesa da expressão latina "mobile vulgus", que remete a idéia de

agressão / molestar (Dicionário Merriam-Webster). Esse ato é uma verdadeira

praga social, um verdadeiro fenômeno de delinqüência organizada, com três

componentes: a vítima (mobizado), o agressor (mober) e as testemunhas.

Trata-se, pois, de um comportamento ou conjunto de comportamentos em

relação a alguém. Portanto, ultrapassa o vago campo da “intenção”, “desejo” ou

“idéia” para se referir a algo perceptível, no domínio do concreto, do

comportamento, com uma finalidade determinada.

1 O conceito de “normalidade psíquica” é extremamente complexo e está longe de algo que se possa determinar com precisão e objetividade.

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Sônia Nascimento sugere um prazo de um a três anos de práticas como

estas para a caracterização do mobbing. Todavia, adverte que é possível

ocorrer a lesão em período inferior, apesar de ser incomum.

1.1 – Evolução histórica do mobbing

A expressão harcèlement (assédio moral), na França; bullying (tiranizar)

na Inglaterra; mobbing (molestar), nos Estados Unidos ou murahachibu

(ostracismo social), no Japão correspondem ao que, nas leis ou projetos de leis

brasileiras, denomina-se de assédio ou coação moral. Um dos trabalhos

pioneiros sobre o assunto foi o da jornalista inglesa Andréa Adams que, em

1995, denunciou, em seu livro, o assédio moral como uma forma de

psicoterrorismo.

Documentos históricos mostram os protagonistas principais das relações de

trabalho existentes antes do inicio da Revolução industrial os trabalhadores

(escravos/feudos) e os empregadores (senhores de engenho). Nesta época

não existia o hábito de contraprestação em pecúnia, mas sim, em moradia,

alimentação precária e maus tratos. Cabe salientar que esses trabalhadores

eram vítimas de agressões morais, psicológicas e físicas de seus

empregadores, e apesar da prática desses atos serem absurdas não tinham

como obter a reparação pelos danos sofridos aos escravos em face da

sociedade de ricos detentores do poder.

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A Revolução industrial iniciada no século XVIII resultou em grandes

transformações tecnológicas, econômicas, políticas, sociais e culturas, que

definiram as bases do mundo contemporâneo. A transformação da economia

agrária e artesanal para uma economia industrial consolidou a burguesia como

principal agente econômico; acelerou o êxodo rural e impulsionou o surgimento

de grandes cidades; possibilitou a formação da classe operária, abrindo

caminho para a luta das classes que opuseram burguesia industrial

(proprietária dos meios de produção) e proletariado (detentor da força de

trabalho); e estimulou a busca por novos mercados consumidores e

fornecedores de matéria – prima como: metais, petróleo, borracha, ferro e

carvão.

Com advento de duas novas fontes de energia – a eletricidade e o

combustível fóssil(década de 1860 até o final do século XIX) – contribuíram,

assim como a especialização do trabalho, para a linha de montagem

implantada por indústrias, como a automobilística, cujo pioneiro foi Henry Ford.

Daí, a denominação “fordismo” para o modo de produção em que cada

trabalhador executa determinada função e descobre as demais etapas do

processo de produção.

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Tais mudanças permitiram intensificar e diversificar o desenvolvimento

tecnológico que resultaram na partilha de países da África e da Ásia por

nações ricas da Europa (o neocolonialismo), iniciando-se uma disputa de

mercados e colocando em choque as nações industrializadas, culminando na

Primeira Guerra Mundial. Com a Primeira Guerra Mundial (1914-1918)

surgiram às primeiras medidas voltadas para a qualidade de vida no ambiente

de trabalho que deram ensejo para ações focadas na saúde mental dos

trabalhadores, porém somente no final da década de 1960 tais ações foram

consolidadas. Logo após esse período, a formação de grandes conglomerados

econômicos e industriais, o avanço de empresas transnacionais, a

especialização máxima do trabalho e a substituição intensiva da mão- de –

obra humana geraram o desemprego estrutural provocado pela implantação de

novas tecnologias. Surgiram assim questões voltadas para a proteção da

integridade física do trabalhador, ameaçada pela condição de trabalho

perigosamente aplicada nas indústrias, minas, pedreiras e madeireiras, pelo

medo de uma possível baixa do número de trabalhadores desses

estabelecimentos que pudessem levar ao prejuízo econômico.

Em decorrência da segunda guerra mundial (1939-1945), o

desenvolvimento da microeletrônica e com a revolução técnico-científica,

apresentando uma melhoria na comunicação entre todas as partes do mundo,

acelerou a globalização, aumentando a interdependência das nações através

da intervenção e popularização do computador, além do desenvolvimento sem

precedentes da robótica.

Nas duas primeiras décadas do século XX, as velhas oligarquias agrárias

dominavam a vida política do “café com leite”; o coronelismo e as fraudes no

processo eleitoral eram incompatíveis com as necessidades de modernização

do Estado brasileiro.

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No Estado Novo (1937-1945), a Consolidação das leis do Trabalho (CLT –

1943), significou um avanço. Mas, trazia embutida a submissão dos sindicatos

ao Ministério do Trabalho e gerou a figura do “pelego” sindical. Getúlio Vargas

era tido como o “PAI DOS POBRES” e a “MÃE DOS RICOS”, já que a

produtividade permanecia estável e os lucros fluíam normalmente.

Com a globalização das décadas de 1980-1990, surgiram fatores como:

modernidade, instabilidade da economia mundial, responsabilidades

excessivas, repetitividade, intensidade, monotonia, ritmo acelerado de trabalho,

procura de lucro excessivo das indústrias e das empresas. Essas situações

contribuíram para aumentar distúrbios mentais no trabalhador.

No final do século XX, intensificaram estudos e medidas favoráveis à

proteção da integridade física , mental, psicológica do trabalhador. A OIT

(Organização Internacional do Trabalho) e a OMS (Organização Mundial de

Saúde) apontaram pelo crescimento dos impactos psicológicos nas relações de

trabalho/relação de emprego, tendo em vista as pressões psicológicas como

depressão, estresse, angústia, transtorno bipolar e síndrome do pânico. Todos

propagados pelo ritmo acelerado da atividade laboral com o tratamento

agressivo dos chefes ou pressão de outros trabalhadores.

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Em 2002, a OIT editou um documento sobre formas mais comuns de

se configurar o mobbing através das condutas mais comuns:

a) sem justo motivo, negativos e persistentes ataques ao rendimento

profissional;

b) controle inapropriado ou desmedido, ataques negativos

persistentes sem justo motivo ao rendimento pessoal;

c) Manipulação da reputação através de rumores e ridicularização

pessoal ou profissional;

d) meios de exclusão de uma pessoa de sua atividade laboral;

e) abuso de poder, fixação de objetivos com prazos nada razoáveis

ou inalcançáveis ou atribuições de tarefas impossíveis.

Vários autores afirmam que o assédio moral é tão antigo quanto o

trabalho. O que nos leva a acreditar que, desde a época da pedra, quando os

homens organizavam-se em grupos para realizar as tarefas - por exemplo,

alguns caçavam, outros apanhavam lenha e enquanto as mulheres cuidavam

das crias - até os dias de hoje, onde o empregado que não consegue atingir a

meta de venda e vê seu nome exposto no quadro como o último colocado do

mês, o mobbing estava, está e estará presente.

Hoje, em numa sociedade capitalista globalizada onde a competição em

busca do lucro marca as relações entre as empresas, independente do local

onde elas estejam, crescem as pressões por resultados em todos os âmbitos.

O local do trabalho torna-se o principal palco dessa situação onde, além da

cobrança de resultados, convive-se também com o próprio estresse pela

manutenção dos cargos de trabalho - que rapidamente estão diminuindo por

conseqüência das novas tecnologias. Nesse ambiente de riscos empresariais e

pessoais, cresce as oportunidades de mobbing.

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No Brasil, já foram promulgadas várias leis, sejam elas estaduais e

municipais que tipificam o mobbing de forma delituosa mas, somente em

outubro de 2002, saiu a primeira decisão de condenação por assédio moral.

Trata-se do acórdão 7660/2002, de autoria da relatora Juíza do Tribunal

Regional do Trabalho da 17ª Região, Drª. Sônia das Dores Dionísio, nos autos

do recurso ordinário TRT-RO-1315.2000.00.l7.00-1. De lá para cá outras

decisões foram tomadas e vários artigos foram publicados sobre o tema,

conforme veremos nos próximos capítulos.

1.2 – Conceito de Mobbing

As definições mais conhecidas de mobbing derivam do ambiente de

trabalho, onde se mostra proeminente a tomada de posição a respeito e os

comportamentos são menos encobertos, por exemplo, do que no lar e em

instituições fechadas 2. Estudiosos, por meio de trabalhos investigativos e

atuações efetivas, procuram conscientizar empresários, governos, sindicatos e

trabalhadores a respeito de sua existência e suas conseqüências. O resultado

desses esforços tem sido visível pelo surgimento de legislação pertinente,

notadamente em outros países.

O mobbing consiste na manipulação maldosa ou no terror psicológico

que cause constrangimento psicológico ou físico ao trabalhador, caracteriza-se

pela conduta abusiva, ofensiva ou humilhante, de forma repetitiva e prolongada

durante a jornada de trabalho e no exercício das funções do trabalhador, capaz

de interferir na vida do trabalhador de modo direto, comprometendo sua

dignidade e relações afetivas e sociais, causando danos graves à saúde física

e mental, tornando um mal invisível capaz de evoluir para incapacidade

laborativa, desemprego ou mesmo a morte.

2 Instituições fechadas são aqui entendidas como aquelas cujos procedimentos ou não são de domínio público, ou são tratados de maneira reservada, ou ambos, resolvendo-se internamente a maior parte das questões que lhe dizem respeito. Exemplos típicos são as religiosas e as militares denominadas “instituições totais”

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A finalidade do mobbing é a exclusão da vítima do ambiente de trabalho

através do desligamento voluntário do trabalhador ou afastamento arbitrário/

voluntário de seu ambiente de trabalho, motivado pelo empregador para se

esquivar do pagamento de obrigações trabalhistas decorrentes da rescisão

contratual. A pressão psicológica pelo empregador normalmente gera pedido

de demissão, aposentadoria ou afastamento para tratamento de saúde. Não é

uma ação singular, também não é um conflito generalizado. O terror

psicológico é uma estratégia, uma ação sistemática, estruturada, repetida e

duradoura.

O tempo determinado para caracterização do mobbing não existe, mas

estudos comprovam que o psicoterror pode destruir uma pessoa e em regra,

configura-se de 1 a 3 anos.

O fenômeno é definido por Leymann como um conflito cuja ação visa à

manipulação da pessoa no sentido não amigável; essa ação pode ser

analisada em três grupos de comportamentos:

a) O mobbing horizontal – É exercido quando os trabalhadores entre si

movidos pelo sentimento de inveja, discriminação sexual, racial ou

religiosa, ou por competição exclui outro trabalhador indesejado.

b) O mobbing vertical – Se dá quando o superior pela conduta abusiva

se utiliza de sua posição hierárquica para constranger seus

subalternos, mas também pode ser uma falsa alegação de um

assédio para denegrir a imagem de seu superior e se beneficiar com

tal situação. Exemplos do ordenamento jurídico brasileiro é o art.482

CLT (empregado contra empregador) e o art.483 da CLT

(empregador contra o empregado).

c) O mobbing combinado – Se dá em razão da união do chefe e dos

colegas de trabalho para excluir o trabalhador vitimizado.

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d) O mobbing ascendente – Acontece quando todos os trabalhadores

se julgam merecedores do cargo de chefia e deixam de lado a ética

profissional e sabotam o trabalhador candidato ao cargo de

confiança.

Mobbing, assédio moral ou terror psicológico no trabalho são sinônimos

que definem a violência pessoal, moral e psicológica sendo verticalmente ou

horizontalmente no trabalho. O fenômeno é antigo na sociedade e o termo

mobbing foi empregado pela primeira vez pelo etiologista Heinz Lorenz, ao

definir o comportamento de certos animais que circulando ameaçadoramente

outro membro do grupo, provocando a fuga por medo de um ataque, e

reproduzido nos anos 1960 por Peter Heinemann, para descrever o

comportamento hostil de determinadas crianças em relação a outras, dentro

das escolas.

Nessa linha de raciocínio, Marie-France Hirigoyen, francesa,

especializada no assunto e mundialmente reconhecida por seus estudos e

publicações, considera como:

Toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se

sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos,

escritos que possam trazer dano à personalidade, à

dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma

pessoa, pôr em perigo seu trabalho ou degradar o

ambiente de trabalho.

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A autora, nesta definição, descreve como comportamento (conduta) “que

possa causar dano (...) ou pôr em perigo seu trabalho ou degradar o ambiente

de trabalho”. Observa-se que ela inclui o campo da possibilidade. Isso, em

regra, não basta para caracterizar o mobbing; o comportamento potencialmente

causador poderá não ser suficiente para provocá-lo e, em termos práticos, tudo

se passará como se houvesse uma intenção que não se concretizou. Não há

forma objetiva de comprovar a existência de uma possibilidade, enquanto ela

se mantiver nos intangíveis campos do desejo do vitimizador ou da imaginação

do vitimado.

Entretanto, existindo o comportamento do vitimizador, sem que ocorra

dano psíquico ao vitimado, cabe a indenização por dano moral. O

comportamento de humilhação, destinado a destruir o outro, será visível e

comprovável: ainda que sem efeitos psíquicos (pode, inclusive, resultar em

ganhos psíquicos, porque demonstra, ao assediado, sua importância para o

vitimizador e, por isso, adquire o condão de lhe despertar a motivação para

lutar), pode caracterizar dano moral, para o qual cabe indenização.

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Vejamos agora a igualmente importante definição do estudioso alemão

Heinz Leymann, para quem:

Mobbing é a deliberada degradação das

condições de trabalho através do estabelecimento de

comunicações não éticas (abusivas) que se caracterizam

pela repetição por longo tempo de duração de um

comportamento hostil que um superior desenvolve contra

um indivíduo que apresenta, como reação um quadro de

miséria física, psicológica e social duradoura.

Tal conceito, igualmente citado e utilizado pelos estudiosos do tema,

constitui um paradigma importante para avaliações e julgamentos de

reclamações a respeito de assédio moral. Leymann chegou a criar um critério

matemático para caracterizar a existência do mobbing: as humilhações devem

se repetir pelo menos uma vez a cada semana e ter duração mínima de seis

meses.

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Para a Dra. Margarida Barreto, médica do trabalho e ginecologista,

mobbing no trabalho, é:

... a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras

a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e

prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício

de suas funções sendo mais comuns em relações

hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que

predominam condutas negativas, relações desumanas e

antiéticas de longa duração, de um ou mais chefes

dirigida a um ou mais subordinado(s), desestabilizando a

relação da vítima com o ambiente de trabalho e a

organização, forçando-o a desistir do emprego.

Definição muito bem elaborada que encontramos nos estudos de Martha

Halfeld Furtado de Mendonça Schmidt, para quem:

...existem várias definições que variam segundo o

enfoque desejado (médico, psicológico ou jurídico).

Juridicamente, pode ser considerado como um abuso

emocional no local de trabalho, de forma maliciosa, não-

sexual e não-racial, com o fim de afastar o empregado

das relações profissionais, através de boatos,

intimidações, humilhações, descrédito e isolamento.

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A renomada autora Márcia Novaes Guedes (2003) ensina que:

O Mobbing manifesta-se de maneira diferenciada

em relação ao sexo masculino e feminino. Tal fato

decorre de componentes culturais que podem ser

explicados sociologicamente. Em relação às mulheres

pode ocorrer em forma de intimidação, submissão,

piadas grosseiras, comentários acerca de sua aparência

física ou do vestuário. Quanto aos homens, é comum o

seu isolamento e comentários maldosos sobre sua

virilidade e capacidade de trabalho e de manter a família.

2 – CONCEITO DE VITIMOLOGIA

A Vitimologia é a ciência que estuda o comportamento da pessoa

vitimizada (sua gênese e desenvolvimento), o processo de vitimização, a

dinâmica entre vitimizador e sua vítima, buscando condições de ordem social

para resgate do dano sofrido, restituindo-se, na medida do possível, seu

prejuízo material e moral, oportunizando a correção de rumos daqueles que se

tornaram vítimas.

A vítima dessa grande transformação industrial é o trabalhador.

Segundo Elida Séguin, nas palavras iniciais da obra: Vitimologia no Terceiro

Milênio, a “vítima é a pessoa física que individual ou coletivamente tenha

sofrido danos, inclusive lesões físicas, patrimoniais, psicológicas e morais, com

perda ou diminuição substancial de seus direitos fundamentais, como

conseqüência de ações ou omissões que violem a legislação, os Direitos

Humanos e os princípios gerais de Direito”.

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Como não poderia deixar de ser, reserva-se um tópico dentro deste

capítulo para um pouco falar, refletir e discutir sobre esse assunto que muito

intriga, diverge e agrada a todos.

Vítima, entre os povos primitivos, era o ser destinado a ser sacrificado

para saciar a ira divina (hóstia) ou oferecimento em ação de graças pelos

benefícios recebidos (víctima).

Atualmente vitimar é mais abrangente, é deixar desassistido qualquer

direito básico do homem, nele incluídos os Direitos Humanos, os Direitos

fundamentais acolhidos pela Constituição e os princípios do Estado

Democrático de direito, o que torna vasto o campo da vitimologia.

Especialmente o surto industrial e os sucessivos documentos

internacionais em defesa dos Direito Humanos ocasionaram uma difusão de

estudos doutrinários, um desertar da jurisprudência e uma maior atenção

legislativa sobre a matéria. A Constituição Federal de 1988 e o CLT são provas

evidentes disso, e de certo ainda há muito que se discutir acerca desse

assunto, pois é um assunto que está diretamente ligado à dignidade do ser

humano. O estudo da vítima tem relação com os Direitos Humanos e o Direito

das Minorias para a assistência e proteção à vítima.

Já o mobbing caracteriza-se como uma violência multilateral: pode ser

vertical, horizontal ou ascendente (violência que parte do subordinado contra

um chefe). Deve ser uma violência continuada, aliás esta é uma de suas

características, que vise excluir a vítima do mundo do trabalho, seja forçando-a

a demitir-se, a aposentar-se precocemente, como também a licenciar-se para

tratamento de saúde. No mobbing, o agressor pode utilizar-se de palavras de

baixo calão, destruindo pouco a pouco sua auto-estima e identidade sexual.

Mas, diferentemente do assédio sexual, cujo objetivo é dominar sexualmente a

vítima, o mobbing é uma ação estrategicamente desenvolvida para destruir

psicologicamente a vítima e com isso afastá-la do mundo do trabalho.

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A vitimização deve ser analisada pelas dimensões objetiva e subjetiva,

considerando-se as possíveis conseqüências da vitimização subjetiva, em

termos da fragilização das vítimas em potencial e procura da sociedade por

ambientes de trabalhos mais justos. Enquanto ato isolado, deve ser analisada

no que diz respeito a predisposições da vítima individual em relação ao abuso

da dignidade humana.

3 – O DIREITO DO TRABALHO DIANTE JUSTIÇA

RESTAURATIVA

A Justiça Restaurativa é uma corrente relativamente recente nas áreas

da vitimologia. Surgida em meados da década de 70, nasce associada à

proclamação do fracasso da denominada justiça retributiva, incapaz de dar

respostas adequadas às problemáticas específicas de vítimas e vitimizadores.

A resolução 2002/12 do Conselho Econômico e Social das Nações

Unidas define muito bem o que é justiça restaurativa:“Programa de Justiça

Restaurativa significa qualquer programa que use processos restaurativos e

objetive atingir resultados restaurativos.”... e avança, dizendo que esses

Processos Restaurativos são quaisquer processos onde vítima e ofensor, bem

como demais outros indivíduos ou membros da comunidade que foram

afetados pelo conflito em questão, participam ativamente na resolução das

questões oriundas desse conflito, geralmente com a ajuda de um facilitador.

A justiça restaurativa é um processo estritamente voluntário,

relativamente informal, com a intervenção de mediadores, podendo ser

utilizadas técnicas de mediação, conciliação e transação para se alcançar o

resultado restaurativo, objetivando a reintegração social da vítima e do

vitimizador.

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As partes afetadas pelo conflito devem voluntariamente optar pela justiça

restaurativa como meio para sua resolução, diferentemente do processo

tradicional, pois, caso as pessoas não queiram optar pelo modelo restaurativo,

o Estado não pode intimá-las a utilizar essa via.

São geralmente apontados três elementos fundamentais do conceito de

Justiça Restaurativa:

O elemento social – a problemática é encarada não como um mero

aborrecimento, mas, acima de tudo, como uma perturbação, uma disfunção

das relações humanas. Esta perspectiva implica uma mudança de paradigma:

é a redefinição do conceito de chacota, passando este a ser encarado como

um ato de uma pessoa contra outra, violador de uma relação no seio de uma

comunidade, em vez de um ato contra o Estado. A tônica é colocada no

comportamento anti-social e na brecha aberta nas relações comunitárias;

O elemento participativo ou democrático – este elemento é a pedra

de toque de todo o conceito: só pode falar em justiça restaurativa se houver um

envolvimento ativo das vítimas, ofensores e, eventualmente, da comunidade,

ligados a “atores principais” no âmbito destes procedimentos;

O elemento reparador – os processos restaurativos são executados

para a reparação da vítima e tem como objetivo que o ofensor repare o dano

causado. O fato do ofensor e a vítima estarem envolvidos no procedimento

permite ir ao encontro das reais e concretas necessidades.

Idealmente, os principais méritos da justiça restaurativa são, ao

promover a participação ativa de vítimas, ofensor e comunidades, permitir às

primeiras expressar os sentimentos experimentados, as conseqüências

decorrentes da ofensa e as necessidades a suprir para a ultrapassagem dos

efeitos desta, proporcionar aos segundos a possibilidade de compreenderem

em concreto o impacto que a sua ação teve na vítima, de assumirem a

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26 responsabilidade pelo ato perpetrado, de repararem de alguma forma o mal

causado e possibilitar às terceiras a recuperação da “paz social”.

A justiça restaurativa beneficia o sistema tradicional e a administração

da justiça nas seguintes vertentes:

- contribui para a individualização das respostas e reações jurídico-trabalhista

face às características de cada caso;

- promove a aproximação e a compreensão do sistema judicial de justiça pelos

cidadãos;

- contribui para a melhoria da imagem e percepção dos cidadãos da Justiça;

- facilita a resolução de litígios de uma forma rápida, flexível e participada;

- contribui para a prevenção de litigiosidade;

- pode contribuir para a redução de processos no sistema tradicional de justiça

trabalhista, possibilitando a concentração de esforços e meios em áreas mais

exigentes;

- reduz os custos da “máquina” judicial;

A Lei 9099/95 dá à pessoa da vítima uma importância primordial,

instituindo a conciliação e a reparação civil dos danos. Importante observar que

o Estado, através da justiça, não repara o dano à vítima. Somente se preocupa

em aplicar a sanção ao autor do dano. Entretanto, Howard Zehr, professor de

sociologia, se tornou o pioneiro da Justiça restaurativa ao mostrar a

preocupação da restauração dos laços sociais, compensação dos danos e

gerar compromissos de comportamentos para um futuro mais harmônico. O

tema no Brasil está tomando força e mostra a participação em conjunto das

partes interessadas em busca de uma solução efetiva para os conflitos de

modo a preencher as necessidades emocionais das vítimas com um

procedimento cujo ritual é informal, voluntário, colaborativo e confidencial, com

pedidos de desculpas, restituição, reparação do trauma moral, reparação dos

prejuízos emocionais e inclusão resultando na responsabilização espontânea

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27 por parte do vitimizador com proporcionalidade e razoabilidade das obrigações

assumidas no acordo restaurativo. Os atores principais são a vítima,

vitimizador, pessoas da mesma classe, ONGs ou sindicatos. A vítima ocupa o

centro do processo, com um papel e com voz ativa, tem participação e controle

sobre o que se passa, recebe assistência, afeto, restituição de perdas materiais

e reparação, tem ganhos positivos, suprindo-se as necessidades individuais e

coletivas da vítima, da classe ou da equipe. O processo decisório é

compartilhado com as pessoas envolvidas buscando a paz social com

dignidade.

4 – Jurisprudência

A jurisprudência tem se manifestado acerca do assédio moral de várias

formas. Mesmo antes de se usar tal expressão, já havia preocupação com

violência contra o trabalhador, em razão da ambição ou ganância,

desequilibrando a relação contratual inicial. Interessante observar acórdão de

Exmº Ministro Marco Aurélio Mendes de Faria Mello, atualmente Ministro do

Supremo Tribunal Federal, mas que nos idos de 1987 quando era Ministro do

Tribunal Superior do Trabalho parecendo antevir a questão decidiu: A violência

ocorre minuto a minuto, enquanto o empregador, violando não só o que

contratado, mas, também, o disposto no § 2º, do art. 461 consolidado –

preceito imperativo – coloca-se na insustentável posição de exigir trabalho de

maior valia, considerando o enquadramento do empregado, e observa

contraprestação inferior, o que conflita com a natureza onerosa, sinalagmática

e comutativa do contrato de trabalho e com os princípios de proteção, da

realidade, da razoabilidade e da boa-fé, norteadores do direito do trabalho.

Conscientizem-se os empregadores de que a busca do lucro não se sobrepõe,

juridicamente, à dignidade do trabalhador como pessoa humana e partícipe da

obra que encerra o empreendimento econômico (Tribunal Superior do

Trabalho, 1ª t.; ac. 3.879, RR 7.642/86, 09/11/1987, rel. Min. Marco Aurélio

Mendes de Faria Mello).

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Note-se que a fundamentação usada na época era o artigo 461, § 2º da

Consolidação das Leis do Trabalho, pois o preceito Constitucional, inserido no

Art. 5º, X só foi contemplado na Constituição de 1988, in verbis: “Art. 5º, X –

são invioláveis, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,

assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de

sua violação”.

O primeiro acórdão que contempla, explicitamente, a denominação

assédio moral, tem como relatora a Juíza Sônia das Dores Dionísio, do

Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região – Espírito Santo. O acórdão de

número 7660/2002, foi publicado em 09 de setembro de 2002. Vejamos a sua

ementa: ASSÉDIO MORAL - CONTRATO DE INAÇÃO - INDENIZAÇÃO POR

DANO MORAL - A tortura psicológica destinada a golpear a auto-estima do

empregado, visando forçar sua demissão ou apressar a sua dispensa através

de métodos que resultem em sobrecarregar o empregado de tarefas inúteis,

sonegar-lhe informações e fingir que não o vê, todos resultam em assédio

moral, cujo efeito é o direito à indenização por dano moral, porque ultrapassa o

âmbito profissional, eis que minam a saúde física e mental da vítima e corrói a

sua auto-estima. No caso dos autos, o assédio foi além, porque a empresa

transformou o contrato de atividade em contrato de inação, quebrando o

caráter sinalagmático do contrato de trabalho, e por conseqüência,

descumprindo a sua principal obrigação que é a de fornecer o trabalho, fonte

de dignidade o empregado.

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Não obstante à primeira publicação do acórdão supracitado , vários

outros começaram a surgir, tendo sempre sua fundamentação na Constituição

Federal artigo 5º, V e X e nos artigos 461 § 2º e 483 da Consolidação das Leis

do Trabalho, dentre os quais podemos citar: ASSÉDIO MORAL –

RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO POR JUSTA CAUSA DO

EMPREGADOR – INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – CABIMENTO.

(Tribunal Regional do Trabalho 15ª Região, AC. 05807/2003, RO 1711-2001-

111-15-00-9, pub. 21 de março de 2003, Rel. Mariane Khayat Fonseca do

Nascimento).

QUALIFICAÇÃO CONTRATUAL CARGO TÉCNICO REBAIXAMENTO

DE FUNÇÕES DIMINUIÇÃO MORAL. (Tribunal Superior do Trabalho, 1ª t, RR

562158/1999, p. 08 de agosto de 2003, rel. Ministro convocado Vieira de Mello

Filho )

É hoje pacífica a jurisprudência, no sentido de que para a caracterização

do dano moral é desnecessária a comprovação de dano patrimonial, pois

aquele é indenizável por si.

As conseqüências danos do agravo moral são presumidas,

independente da prova específica, fato que ainda alguns juízes e tribunais

relutam em aceitar.

“Para que se configure o dano moral, não há de se cogitar da prova do

prejuízo. Embora alguns juristas de renome defendam, por vezes,

posicionamento diverso, tem prevalecido na jurisprudência a idéia de que basta

a constatação do nexo causal entre dano e a conduta do ofensor para se fazer

presente o dever de indenizar. O direito à reparação nasce uma vez apurado o

eventus damni, independente de haver, ou não, comprovação de prejuízo.”3

3 TJDF – 3ª T. CIV – AP 2000.04.1.005692 – 1º.10.2001 – RT796/333.

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Já na Corte Suprema era afirmado:

“Dano Moral Puro – Restituição indevida de cheque, com a nota ‘sem

fundos’ a despeito de haver provisão suficiente deste. Cabimento da

indenização a título de dano moral, não sendo exigível comprovação de reflexo

patrimonial do prejuízo.” 4

Esta orientação passou a ser usada por grande parte da Justiça

Comum:

“DANO MORAL – Cabimento independentemente da comprovação dos

prejuízos materiais.” 5

Na Justiça do Trabalho:

“Na concepção moderna do ressarcimento por dano moral, prevalece a

responsabilização do agente por força do simples dano da violação, de modo a

tornar-se desnecessária a prova do prejuízo em concreto, ao contrário do que

se dá quanto ao dano material.”6

“A ‘dor moral’ não pode ser materialmente provada, pois ela é de ordem

subjetiva e particularizada para cada indivíduo, motivo pelo qual caberá ao

julgador, utilizando-se de criterioso bom senso e tendo em conta os valores

médios do cidadão de seu tempo, aquilatar se determinadas situações e fatos

podem gerar ‘dor moral’ nas suas mais variadas formas (dor, sofrimento,

tristeza, desilusão, etc.). Em outras palavras, a ‘dor moral’ não é provada, mas

intuída pelo juiz à vista de sua experiência e levando em consideração o

valores da sociedade e do homem médio.” 7

4 STF – 1ª T.- RE 109.233/MA – 12.8.1986 – www.stf.gov.br 5 TJPB – 2ª CAM – AP 94.001807.4 – RT717/234 6 TRT 24ª Região – RO 1671/2003-002-24-00-0 – DJMS 2.6.04 – Just Trab HS248/116. 7 TRT 2ª Região – RO 1393-2001-000-24-00-7 – 5.6.02 – LTr 67 – L05/597.

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O ônus da prova, em processos que envolvem compensação de danos

morais, é matéria que tem suscitado muitas controvérsias e, se afigura, tenha

sido equivocadamente tratado por muitas decisões oriundas de Tribunais

diversos do País.

O ponto de partida reside numa indagação: a compensação por dano

moral decorre de uma responsabilidade contratual ou de uma extracontratual

ou aquiliana?

Se contratual, decorrente do contrato de emprego, por exemplo, o

fundamento será alicerçado no art. 389 do CC brasileiro, o ônus da prova

deverá ser o do devedor, ou seja, do ofensor, geralmente o empregador, que

precisará provar que não fez o que lhe é atribuído. Ao autor caberá apenas a

comprovação da existência do contrato e o fato.

Se extracontratual a responsabilidade, o fundamento será o art. 186 do

CC vigente ou art. 187, combinado com o art. 927, fundado no ato ilícito, e daí

o ônus da prova é do credor, ou seja, do ofendido, geralmente o empregado,

que deverá provar que sofreu o dano e o nexo de causalidade entre o ato do

ofensor e o dano.

A isso se há de, ainda, acrescentar a responsabilidade objetiva definida

no parágrafo único do art. 927 e art. 933 do CC.

O mesmo problema trata - se de responsabilidade contratual ou

extracontratual, enfrentado pelo dano moral nas relações do trabalho é

enfrentado, também, na fixação da natureza jurídica do dano moral nas

relações médico-paciente e hospital-paciente.

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Em se tratando de relações decorrentes da relação de trabalho, as

violações aos direitos de personalidade da pessoa física ou jurídica, do

empregador ou do empregado promovida na vigência do contrato, afiguram-se

que são decorrentes de uma responsabilidade de natureza contratual, pois o

contrato de emprego, vigente entre as partes, impõe ao empregador e

empregado e ao tomador de serviço e ao prestador de serviço nos contratos de

prestação de trabalho, em geral, os deveres primários e implícitos de

probidade, boa-fé, mútuo respeito e obediência aos preceitos constitucionais

vigentes, bem como à legislação infraconstitucional, que veda a discriminação

e, especialmente, aos princípios do equilíbrio social e dos bons costumes, que

devem nortear toda e qualquer relação contratual, de parte a parte, constituindo

o fundamento primordial da reparação por dano moral.

E já vimos que no contrato de emprego, entre empregador e empregado,

a responsabilidade daquele poderá ser objetiva, pois dele decorre da lei (art.

933 do CC), independente de comprovação de culpa.

O ato ilícito da conduta ofensiva caracteriza, na realidade uma violação

contratual que desloca o ônus da prova ao ofensor.

Já temos disposições sumuladas pelo Tribunal Superior do Trabalho que

pretendem regrar situações específicas do processo trabalhista. Exemplo disso

são as Súmulas n. 212 e n.338, que trazem em seu texto a elucidação da

questão em pauta, pois dizem que é do empregador o ônus de provar o término

do contrato de trabalho quando há despedimento, pois o empregado é

protegido pelo princípio constitucional da continuidade da relação de emprego

(súmula n. 212 TST). E diz também que é ônus do empregador o registro da

jornada de trabalho, a não apresentação injustificada do controle de freqüência

gera presunção de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser ilidida

por prova em contrário (súmula n. 338 TST).

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Com o deslocamento da competência das ações de danos morais

decorrentes do acidente de trabalho e moléstias profissionais advindas do

trabalho, além daquelas decorrentes de danos morais, assédio moral e assédio

sexual advindas do relacionamento entre empregado e empregador,

definitivamente para a Justiça do Trabalho Especializada, se acentuará um

problema de natureza processual, já detectado em processos sobre danos

morais que vinham sendo julgados por esta. Ocorre que a limitação de três

testemunhas poderá restringir a possibilidade de prova, quando na mesma

ação, são solicitadas verbas, por exemplo, decorrentes de hora extra,

equiparação salarial, desconstituição de falta grave, verbas rescisórias e danos

morais e materiais. Cada pedido poderá necessitar ser provado por

testemunhas diferentes. Com a limitação legal em três testemunhas, a prova

será, inegavelmente, prejudicada, quer para o demandante, quer para o

demandado.

Parece-nos que, enquanto não contarmos com regras procedimentais

específicas para o processo do trabalho, com suas novas características e

abrangência de competência, o mais prudente será desdobrar as

reivindicações em ações separadas, uma, por exemplo, para haver os créditos

trabalhistas comuns e outra para haver a reparação por danos morais e

materiais. Esta solução, todavia, virá acentuar ainda mais o acúmulo de

processos nas Varas do Trabalho. Cabe ao Juiz, cada vez mais, colocar a

serviço da Justiça o seu bom senso, prudência e zelo de Julgador, para que a

prova venha, no processo, a ser verdadeiramente o caminho para chegar a

uma solução justa.

A matéria probatória quando do assédio moral constitui outra fonte de

controvérsias em torno do dano moral. Pode o assédio sexual transformar-se

em assédio moral? Para Guedes (2003, p. 41), isso é possível e ela cita um

exemplo ocorrido na Marinha dos Estados Unidos em que um alto oficial

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34 assediou sexualmente um marinheiro sendo por ele rejeitado. E, logo em

seguida, o marinheiro passou a sofrer pesada discriminação no trabalho.

Abusando do poder que detinha, o oficial rejeitado determinou que lhe

fossem reservadas as tarefas mais difíceis, arriscadas ou fatigantes; foi isolado

do convívio com os demais colegas, ficando proibido de desfrutar junto ao

grupo dos momentos de lazer, inclusive de jogar futebol, durante as pausas na

jornada. Não suportando a desqualificação humilhante e o isolamento, solicitou

a baixa do serviço.

Sintetizando, podemos afirmar que no assédio sexual o objetivo é o

favor sexual enquanto que no assédio moral é a exclusão da vítima do mundo

do trabalho.

É fato que alguns indivíduos possuem uma estrutura psicológica mais

“endurecida”, capaz de enfrentar um assédio moral sem desestruturar-se com

tanta facilidade, em confronto com outro colega, que esteja a enfrentar a

mesma pressão. Isso leva a alguns ilustres estudiosos, como já anteriormente

referimos a preconizar a necessidade, como requisitos essenciais à

configuração do assédio moral, de um exame técnico, psíquico-emocional,

efetuado por psiquiatra ou técnico da área.

Não se trata de banalizar o instituto, nem confundir o assédio moral com

o dano moral decorrente de ato isolado, mas o conjunto de circunstâncias que

revestem o caso concreto pode levar o julgador à conclusão inafastável de que

se trata de assédio e não de simples ato isolado, independente de exame

psiquiátrico, ou realizado por técnico da área, diligência, certamente muito

apreciada e pretendida pelo ofensor, mas que somente serviria para retardar a

solução do feito, dificultar a prestação jurisdicional ainda mais, ao ofendido,

sem mérito justificável.

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Para bem ilustrar o assunto, citaremos o caso de Denise Gomes, 50

anos, professora em Belo Horizonte, cujo depoimento foi dado à Revista Veja,

e publicado na Edição 1913, de 13 de julho de 2005. Através de ação judicial, a

professora obteve a rescisão do contrato de trabalho, além de indenização no

valor de 25 mil reais. Vejamos as declarações de Denise:

Entre 2004 e 2005, fui moralmente assediada por

coordenadores do departamento da universidade onde

trabalhei até o mês passado. Depois de um período de

afastamento, encontrei um ambiente hostil. Deram-me

um horário irracional. Em um dia, tinha de trabalhar doze

horas ininterruptas. Quase todos os dias, recebia ofícios

de advertência, sem que nada tivesse feito de errado.

Elegi-me para uma comissão de prevenção de acidentes

e passei a ser ainda mais humilhada. Deram-me

atividades de orientação de estagiários, com a

justificativa de que eu não tinha qualificação para dar

aulas. Numa reunião, o coordenador agrediu-me aos

berros na frente de colegas e funcionários. Cheguei a ser

colocada numa salinha, sem nada para fazer. Nesse

processo estressante, adoeci e voltei a sofrer convulsões

depois de 24 anos sem ter esse problema. Também perdi

mais da metade da minha renda.8

Será que seria necessário um exame psiquiátrico na vítima para

assegurar ao julgador, independente de qualquer conseqüência psico-somática

já registrável na ofendida, que, no caso, se trataria de assédio moral?

8 http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7767 – acessado em 14/09/08

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Algum Juiz poderia ficar em dúvida em reconhecer a existência de

assédio moral diante desse conjunto de condutas, atos e circunstâncias,

devendo ficar à espera, para justificar a sua convicção, de um laudo

psiquiátrico, para lhe dizer se a vítima se configuraria, ou não, num Titã em

resistência psicológica, capaz de afastar a configuração de um legítimo e

indisfarçável assédio moral?

Com a máxima vênia das opiniões em contrário, nos afigura que o

julgador deverá buscar na coleta de informações, que lhe proporciona a

instrução do feito, elementos necessários e suficientes para distinguir entre o

simples dano moral, decorrente de um ato isolado, e um assédio moral, com as

características que lhe são conferidas, pela doutrina, legislação e

jurisprudência.

5 – TUTELA JURÍDICA DO MOBBING NO DIREITO

COMPARADO

5.1 - DIREITO EUROPEU

Após a difusão de seu estudo em 1995, Leymann acabou por

difundir o resultado de suas pesquisas por toda Europa. Após isso, a Alemanha

adotou medidas de atendimento médico específico para amenizar o sofrimento

das vítimas, e introduziu aspectos que envolvem o mobbing como disciplina de

estudo universitária como parte da cadeira de Psicologia do Trabalho. Na

França, a vitimologia passou a ser especialidade na área médica e consiste em

analisar as razões que levam um indivíduo a tornar-se vítima, os processos de

vitimização, as conseqüências a que induzem e os direitos que pode pretender.

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Foi a partir da divulgação dos estudos de Leymann que apareceram

as primeiras estatísticas sobre a violência psicológica na Europa. Pesquisa

demonstrada em 1998 mostrou que 8,1% dos trabalhadores europeus

empregados sofrem violência psicológica de vários tipos no ambiente do

trabalho. Dentre os países pesquisados, destacam-se a Grã-Bretanha, em

primeiro lugar, com 16,3% dos trabalhadores violentados, a Suécia com 10,2%,

a França com 9,9%, a Alemanha com 7,3% e a Itália com 4,2%. Todavia, os

estudiosos afirmam que estes números não retratam a realidade, visto que o

fenômeno poderia estar mascarado em face de aspectos culturais. Os dados

revelam que a Europa possui 12 milhões de indivíduos que sofrem de mobbing

no trabalho.

A legislação pioneira sobre o assédio ou coação moral é da Noruega

que, em sua regulamentação trabalhista, de 1977, proíbe o assédio em geral. A

França, em 2002, na chamada Lei de modernização social trata do mobbing,

dedicando o capítulo 4 ao tema.

Em termo de projetos, ou até mesmo promulgação de leis federais.

Podemos destacar os seguintes países já se anteviram ao problema: Suécia,

Alemanha, Itália, Austrália, Uruguai, Inglaterra, Suíça, Bélgica, Portugal,

França, Japão e Estados Unidos.

A lei francesa (2000-73) sobre a modernização do trabalho, aprovada

em 17 de janeiro de 2001, define o assédio moral nos seguintes termos:

"Nenhum trabalhador deve sofrer atos repetidos de assédio moral que tenham

por objeto ou por efeito a degradação das condições de trabalho, suscetíveis

de lesar os direitos e a dignidade do trabalhador, de alterar sua saúde física ou

mental e comprometa o seu desempenho profissional. Nenhum trabalhador

pode ser sancionado, licenciado ou ser objeto de medidas discriminatórias,

diretas ou indiretas, em particular no modo da remuneração, da formação, da

reclassificação, da qualificação e classificação de promoção profissional, de

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38 modificação ou renovação do contrato, por ter sofrido ou rejeitado de sofrer os

comportamentos definidos no parágrafo precedente ou por haver

testemunhado sobre referidos comportamentos."

A lei recém-aprovada na França, conforme inteligente análise da jurista

italiana Luiza Lerda, acolheu uma noção bastante ampla do conceito de

"mobbing" no local de trabalho, considerando tanto o de natureza vertical como

horizontal. De um modo geral, pode-se afirmar que essa norma tem por

objetivo precípuo evitar que, através do assédio moral, o trabalhador seja ferido

na sua dignidade profissional e sucessivamente se afaste voluntariamente do

trabalho. Adotou-se a nulidade como remédio geral para todo e qualquer ato de

modificação "in peius" das condições de trabalho (quarentena, redução direta

ou indireta do salário, rebaixamento de função, modificação do posto de

trabalho com prejuízo, transferência); igualmente nos casos de o contrato

sofrer solução de continuidade (dispensa, demissão ou licenciamento). O

mesmo se aplica para todos os casos de punição disciplinar que tenham

alguma conexão com a prática de "mobbing".

A pretensão do legislador francês é zerar todas aquelas condições

negativas que se fazem acompanhar do terror psicológico e que fragilizam e

dificultam a defesa da vítima. Além disso, a tutela é reforçada diante da

expressa previsão da inversão do ônus da prova, transferindo para o agressor

a incumbência de demonstrar a inexistência do assédio quando o trabalhador

tenha apresentado elementos suficientes para deixar presumir a existência do

assédio e de um dano.

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Na Itália, embora ainda não haja uma legislação específica, a

jurisprudência de primeiro grau proferiu sentença reconhecendo dois casos de

mobbing. No julgamento de primeiro grau do caso de uma senhora vítima de

assédio moral por parte de um chefe de setor, diante da prova inequívoca do

dano, da autoria e do nexo de causalidade entre o fato e os distúrbios

psicossomáticos alegados pela vítima, o juiz, após uma exaustiva instrução

processual, concluiu pela aplicação do artigo 2.087 do Código Civil, que prevê

a responsabilidade do empregador para com a proteção da integridade física,

psíquica e moral do empregado.

A primeira tentativa de dar uma definição jurídica para o assedio moral

partiu de uma Comissão da União Européia, segundo a qual "mobbing é uma

situação na qual a pessoa vem maltratada ou perseguida em circunstância

ligada ao trabalho, surgindo uma explícita ou implícita ameaça a sua segurança

e saúde". Países como Noruega, Suécia, Austrália e França já possuem

legislação específica contra o "mobbing". Em diversos outros países membros

da União Européia tramitam, nos parlamentos, projetos de lei no sentido de

coibir o terrorismo psicológico no trabalho, a exemplo do que se verifica no

Parlamento português, onde a ementa do projeto se refere ao terrorismo

psicológico ou assédio moral, expressão, aliás por nós adotada para intitular

nosso estudo.

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5.2 - DIREITO BRASILEIRO

Cabe ressaltar a primeira decisão judicial brasileira proferida pelo

Tribunal de Vitória do Espírito Santo (RO 1315.2000.00.17.00.1), a qual

classifica como assédio moral as perseguições sofridas por um técnico do setor

de publicidade e propaganda. Na petição inicial, o reclamante pediu

indenização por danos morais em virtude de “perseguições de natureza

ideológica”. Do exame do acórdão, depreende-se que o reclamante foi

preterido numa promoção, reagiu e se desentendeu com um colega que

recebeu a promoção. Desde então, o gerente da empresa havia anunciado, em

reunião para os demais empregados, que o reclamante estava proibido de

entrar na biblioteca (local onde realizava suas atividades), e, por cerca de dois

meses, ficou o reclamante sem receber trabalho, obrigado a ocupar uma

escada interna do prédio, local “carinhosamente” denominado pelos colegas de

“gabinete do Joãozinho” – prenome fictício do reclamante.

No Brasil, diversos projetos de leis tramitam no Congresso Nacional,

com o objetivo de regular a questão do mobbing ou, como preferem alguns

legisladores, a coação moral. Dentre tais projetos destacam-se os que alteram

o Código penal; a Lei 8.112, a Lei 8.666 e um que propõe alteração na CLT.

No âmbito dos estados brasileiros, a primeira lei aprovada foi uma

iniciativa de Noel de Carvalho, deputado estadual pelo PSB-RJ, depois

surgiram várias outras aprovadas ou em tramitação em suas devidas casa.

Curiosamente, no Brasil, veio da cidade Iracemápolis-SP a primeira lei

municipal a explicitar o termo. Varias outras cidades já legislaram ou têm

projetos de leis sobre o tema destacando-se: Americana-SP, Campinas-SP,

Cascavel - PR, Guarulhos-SP, Jaboticabal-SP, Natal-RN, São Paulo-SP,

Sidorlândia - MS, Amparo-SP, Cruzeiro-SP, Curitiba-PR, Guararema-SP,

Guaratinguetá-SP, Porto Alegre-RS, Reserva de Iguaçu-SP, Ribeirão Pires -

SP, São José dos Campos - SP, Vitória-ES e mais recentemente a cidade de

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41 Vila Velha teve sua Lei publicada.Não obstante a promulgação de diversas leis,

sejam elas estaduais ou municipais, é de se ressaltar que a sua aplicabilidade

se restringe aos órgãos, repartições ou entidades da administração

centralizada, autarquias, fundações, empresas públicas ou sociedades de

economia mista, do Poder Executivo, Legislativo ou judiciário e, também, às

concessionárias ou permissionárias de serviços estaduais e municipais.

Mas em qual legislação irá embasar a vítima que tem seu contrato de

trabalho regido pela Consolidação das Leis do Trabalho ou mesmo que não

tenha carteira assinada para pleitear seus direitos? A vítima irá buscar amparo,

primeiramente, na Carta Magna Brasileira, que em seu artigo 5º, V e X, lhe

assegura o respeito à dignidade humana, à cidadania, à imagem e ao

patrimônio do obreiro, com indenização por danos morais (assédio sexual,

assédio moral e dano pessoal).

Ademais a Lei nº. 9.029/95, proíbe a exigência de atestados de gravidez

e esterilização, além de outras práticas discriminatórias, para efeitos

admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho, culminando

em seu artigo 4º, I no rompimento da relação de trabalho por ato

discriminatório, facultando ao empregado optar entre a readmissão ou a

percepção em dobro, da remuneração do período de afastamento e o artigo

483 da CLT.

No Brasil, não há normas trabalhistas específicas sobre mobbing e muito

menos sobre a reparação das vítimas, mas é possível enquadrá-lo em algumas

situações da CLT e na Constituição Federal, ao tratar da violação da dignidade

humana, valores sociais do trabalho, livre iniciativa, dignidade humana,

igualdade, direitos e obrigações, proibição do tratamento desumano e

degradante, e violação da imagem e/ou da honra.

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6– OS EFEITOS PSICOLÓGICOS DO MOBBING

6.1 – A Iniciação

A primeira pergunta que a vítima faz a si mesma, ao constatar as

primeiras investidas do vitimizador, é: “O que foi que eu fiz de errado?”,

pergunta essa que leva um bom tempo para ser respondida. Ela nada fez de

errado – e nada tem em si de errado. Apenas foi escolhida como alvo.

Então, ao adquirir a certeza de que a perseguição é mesmo consigo, e

antes de se conscientizar de que muitos passam por situação idêntica, a vítima

faz a segunda pergunta: “Por que eu?”. Da mesma maneira, ela tenta encontrar

em si alguma falha que justifique as punições recebidas.

Quando alguém se vê nessa situação, uma resposta demora a lhe

aparecer. Mas todos os estudiosos do assédio moral, literalmente todos, depois

de várias pesquisas feitas aqui e em vários países do mundo, independente de

culturas locais, chegaram a um perfil semelhante entre as vítimas. Estas têm

algo especial que o vitimizador não tem e ele deseja destruir, tirar da vista dos

outros, como os índios antropófagos acreditam que se tornariam especiais

como um bravo se o devorassem.

Os danos provocados por tais humilhações são tantos que, se fossem

conduzidos cada um por um fio para uma central, o cérebro, para serem

processados, formariam um verdadeiro emaranhado de fios como os que se

pode ver em uma improvisada rede elétrica de periferia.

Ernesto Lippmann 9 explica que o Dano moral atinge os direitos

personalíssimos, que são os bens de foro íntimo de uma pessoa, tais como a

honra, a liberdade, a intimidade e a imagem.

9 LIPPMANN, Ernesto. Assédio Sexual nas Relações de Trabalho. 2. ed. Rio de janeiro. 2005

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6.2– Transtornos Mentais

O objetivo deste item é informar e em hipótese alguma ensinar critérios

de diagnóstico. Aqui apresentamos conhecimentos básicos que permitem, nas

Organizações, ao profissional de Direito suspeitar de que procedimentos de

assédio moral identificados efetivamente produzem danos psíquicos para a

vítima, os quais podem e devem ser atestados por profissional qualificado da

área de saúde.

Características pessoais fazem com que os indivíduos possuam

diferentes capacidades de suportar estímulos (e variadas formas de reagir a

eles); por isso, algumas pessoas convivem com situações aparentemente

insuportáveis, sem qualquer comprometimento mental: ultrapassam crises,

aprendem com elas e, em lugar de prejudicar-se, evoluem. Entretanto outras

reagem a estímulos agressivos (reais ou imaginários) apresentando transtornos

físicos e mentais, cuja incidência cresce continuamente.

Entre esses estímulos, estão os procedimentos de assédio moral. Daí o

interesse em se conhecer a respeito deles, de maneira similar ao que se

procura fazer em relação às causas de doenças somáticas. A seguir

conheceremos um pouco dos principais e mais comuns transtornos mentais

ocasionados pelos males do assédio moral ao indivíduo.

6.3 – Transtorno de Ansiedade

Os transtornos de ansiedade, diagnosticados em todas as faixas etárias,

são reconhecidos como os mais comuns entre os transtornos psiquiátricos

relacionados com o estresse.

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Os três sistemas, nervoso, endócrino e imunitário, formam um “tripé

homeostático essencial” (Salvino, apud Lent, 2001, p. 490), fazendo com que

as manifestações de ordem somática da ansiedade incluam vários tipos de

distúrbios. A combinação das manifestações psicológicas com as somáticas

concorre para aumentar a tensão e a instabilidade emocional do indivíduo, a

ponto de incapacitá-lo para um desempenho eficaz e torná-lo cada vez mais

vulnerável às pressões psicológicas que vivencia.

Sensação de tensão, irritação, impossibilidade de relaxar, dificuldade

para iniciar o sono, dificuldade para se concentrar nas atividades são queixas

comuns e sempre presentes nas vítimas. São também comuns as queixas

somáticas relacionadas com hipertensão, taquicardia, distúrbios gastro-

intestinais e gênito-urinários entre outros.

A continuidade do processo agrava os transtornos físicos e psíquicos;

quanto mais o indivíduo adoece, tanto menos consegue lidar com a situação.

Este tipo de transtorno encontra-se com notável incidência nos

empregados submetidos a Programas de Demissão “Voluntária” (PDV), de

privatização e de fusões ou incorporações de empresas, principalmente

quando se sabe que haverá uma redução no quadro, porém, por longos

períodos de tempo (que chegam a superar um ano) convive-se com a incerteza

a respeito de quem será demitido e em que condições acontecerão as

demissões.

6.4 – Transtorno Obsessivo-Compulsivo

Obsessão é a persistência patológica de um pensamento ou sentimento

irresistível, sempre associado à ansiedade, e que não pode ser eliminado da

consciência pelo esforço da lógica. A pessoa permanece continuamente

ruminando o assunto e, com isso, sofre e perde a condição de funcionalidade,

porque esse pensamento, percebido como profundamente desagradável, a

persegue.

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A obsessão pode associar-se à compulsão, comportamento ritualístico

de repetir um procedimento estereotipado, com o objetivo de prevenir um

evento improvável e que pode manifestar-se na mais variada gama de

comportamentos.

Há estreita ligação entre o pensamento obsessivo e a compulsão. A

maior parte dos indivíduos apresenta ambos: obsessão e compulsão, que se

combinam na busca da perfeição nas atividades, na preocupação com

detalhes, para que tudo aconteça da melhor forma. No assédio moral, isso se

reforça porque a compulsão justifica-se como uma tentativa do assediado de

demonstrar, para o assediador, suas competências, perícia e qualidades, além

de provar, para os observadores, que o assediador comete uma injustiça.

A obsessão pela perfeição dificulta a tomada de decisões, porque o

indivíduo perde-se na consideração das possibilidades de acontecer algo que

possa não sair como deveria. Conseqüência típica no ambiente de trabalho:

baixa produtividade e demora excessiva para agir em situações difíceis. No lar,

reflete-se no agravamento das relações conjugais, pela imposição de

comportamentos inibidores da liberdade de ação na forma de rígida atenção a

detalhes como limpeza, arrumação ou no cumprimento de cuidadosos

requisitos de segurança e controle do cônjuge ou de membros da família.

A ansiedade desencadeada pelo processo de assédio moral pode

desencadear ou acentuar o transtorno obsessivo-compulsivo, como mecanismo

de defesa inconsciente do cliente. A mente, empenhada em “brigar com seus

rituais”, desvia o pensamento dos comportamentos de assédio moral.

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6.5 – Transtorno Depressivo

Os efeitos da “depressão” (denominação usual que se dá, vulgarmente,

aos episódios e transtornos depressivos) são, atualmente, amplamente

reconhecidos. O fenômeno essencial, central, do estado depressivo é o que

Jean Sutter descreve como um “comprometimento profundo da antecipação” 10.

À medida que antecipar seja uma opção de futuro que o paciente não pode

mais assumir, o indivíduo experimentará comprometimento de todo processo

que requeira, de sua parte, a criação de alguma espécie de visão de futuro,

seja para estipular ganhos pretendidos, seja para estabelecer o método de

obtê-los.

O transtorno depressivo representa o comprometimento parcial ou total

das atividades do indivíduo, manifesto na crescente incapacidade de assumir

seu destino, sua impotência de agir e a orientação negativa de sua

antecipação, sendo o suicídio a mais drástica conseqüência de uma depressão

não tratada.

Pessoas deprimidas tendem a dar explicações, para a ocorrência de

eventos ruins ou indesejados por elas, em termos estáveis, definitivos, globais

e internos. Assim, eles sempre ocorrem, tudo anda mal e a culpa é delas

(Myers, 1999, p.332). Elas apresentam esquemas rígidos de pensamento em

torno de acontecimentos, encarando-os como ruins, percebendo ou

antecipando o fracasso, de tal forma que os pensamentos negativos da mente

influenciam de alguma forma os eventos bioquímicos, que num círculo vicioso

ampliam os pensamentos depressivos.

A capacidade de comunicação do cliente com transtorno depressivo

encontra-se deteriorada; a iniciativa se reduz e ele mostra-se incapaz de reagir

perante dificuldades naturais. Obviamente, torna-se extremamente vulnerável

às opções de assédio moral. 10 Monografia, 1996, p. 5

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CONCLUSÃO

O mobbing é tão antigo quanto o trabalho. Desde a idade da pedra até

os dias atuais, o trabalhador está sujeito a sofrer com as formas perversas

despendidas por seu superior hierárquico no trabalho.

A discussão pública sobre o tema teve início em 1995, quando a

jornalista francesa Andréa Adams, denunciou o mobbing como uma forma de

psicoterrorismo. A partir de então, novas denúncias, debates e estudos

geraram ensaios, livros, artigos doutrinários, seminários, legislações e

jurisprudências.

A partir da literatura analisada formulamos o seguinte conceito para

mobbing: trata-se de uma forma de humilhação, desprezo ou inação realizada

em local de trabalho em que um superior hierárquico, ou não, faz

repetidamente contra outro colega de trabalho, com o objetivo de humilhar e

destruir sua auto-estima levando-o a tomar atitudes extremas como demitir-se,

ou até mesmo, a tentar ou cometer suicídio.

Vimos que o agressor esconde-se sob várias denominações, sejam elas

dadas em tom humorístico, como por algumas organizações sindicais, ou mais

sérias, propostas por Hirigoyen (2002) e Guedes (2003). No entanto, apesar

das diferenciações de comportamento, os agressores são totalmente

despreparados para o exercício da chefia e portadores de sérios distúrbios de

comportamento, além de inseguros e receosos de perder o cargo que ocupam.

Dentre outros fatores, a vítima é escolhida, muitas vezes, por sua

capacidade produtiva, por seu senso de responsabilidade, pelo convívio

harmonioso com os demais colegas. Pessoas com esses perfis constituem-se

nas vítimas preferenciais dos agressores, já que as demais não lhes trazem

preocupação ou medo de perder seus postos de trabalho. A vítima é escolhida

por despertar no agressor o medo, a inveja e a insegurança.

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Os efeitos da coação moral, sejam eles, físicos ou psíquicos são

devastadores para a vítima, trazendo uma série de conseqüências que vão

desde a perda da auto-estima até a tentativa de suicídio. Também para a

empresa há um custo, qual seja, o excesso de faltas ao trabalho, perda da

motivação e diminuição da produtividade. E, até o próprio Estado é atingido

devido ao crescimento de solicitações de afastamentos por períodos superiores

a 15 dias para tratamento de saúde - tratamentos esses feitos muitas vezes

pela rede de saúde pública. Sem mencionar as inúmeras aposentadorias

precoces, que geram um custo ainda não estimado para a sociedade.

Em decorrência dessa situação, surgem várias legislações com o

objetivo de coibir a prática do abuso moral. Em nível mundial, a França foi a

pioneira a promulgar uma legislação específica sobre o tema. No Brasil já

temos legislações estadual e municipal promulgadas, mas a sua aplicabilidade

restringe-se aos servidores ou ocupantes de cargos públicos. Em termos de

legislação federal existem diversos projetos de leis, alguns propondo a

modificação do estatuto do servidor público (Lei 8.112) enquanto o projeto do

Deputado Federal Inácio Arruda, Pc do B-CE visa alterar a Consolidação das

Leis do Trabalho, ou seja, abrangendo a aplicabilidade a todos os empregados

da iniciativa privada.

Contudo, apesar da legislação brasileira ainda não contemplar

explicitamente a questão, nossos magistrados não se esquivam do problema e

buscam fundamentação na Constituição da República Federativa do Brasil em

seu artigo 5º, inciso V e X, na Lei 9.029 e nos artigos 461 e 483 da

Consolidação das Leis do trabalho. Prova disto são os acórdãos verificados no

capítulo de jurisprudência, onde os reclamados são condenados à resilição

indireta do contrato com base nas legislações supracitadas.

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O mobbing não é um simples dano moral, mas sim o dano moral

somatizado à busca pela exclusão da vítima no ambiente de trabalho

causando-lhe danos psíquicos.

Dada às condições dos malefícios causados pelo mobbing de afetar

a saúde social das vítimas fazendo, por exemplo, com que colegas de trabalho

se afastem dela, amigos se retraiam, casamentos abalados, perda de renda,

despesas com medicamentos se tornem uma constante, psicólogos e exames

se tornem uma rotina, bens patrimoniais se percam para custear o tratamento,

visto como um ato que afeta a vítima, o próprio vitimizador, a classe ou a

equipe, causando lhe uma variedade de danos.

A justiça restaurativa não significa uma resposta em todas as

situações. Não visa substituir o sistema legal vigente (guardião dos direitos

humanos básicos e do Estado Democrático de Direito), mas de modo

complementar, dar efetividade à justiça, contribuindo desta forma para a

construção de uma cultura de paz com produtividade.

Por derradeiro, cumpre ressaltar que o estudo da vítima está

bastante enriquecido, mas muito por fazer ainda, principalmente na mudança

da legislação, onde se devem resguardar os direitos das vítimas, a

responsabilidade do Estado e de alguma forma ressarcir os danos causados no

ambiente de trabalho.

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Ficou claro que implica em certa conspiração, um tipo de acordo tácito,

tal como o silêncio da empresa – a empresa não responde quando todos

sabem que está a acontecer uma violência moral. Se informarem os diretores

que estão para acontecer atos de violência e eles ignoram, isso significa uma

forma de mobbing.

Portanto, posicionamentos plausíveis devem ser tomados pela empresa

a começar pelo código de ética, deve-se trabalhar para restaurar quem foi

prejudicado, porém a restauração não precisa ser feita necessariamente pelo

ofensor – resposta não inteiramente, mas substancialmente restaurativa. O

encontro das partes também não é essencial, se for dada oportunidade de

participar e restaurar (caso em que o ofensor propagador não é identificado, e

quando a participação e restauração são promovidas pela organização e/ou

serviço social). Reintegração também não é essencial, se vítima e ofensor se

encontram e há reparação, sem que tenha havido reintegração, mas a reunião,

a narrativa, a emoção, o entendimento, o acordo, as desculpas, a conduta

modificada, a restituição, a generosidade, o respeito, a assistência material, o

direcionamento moral e espiritual, o convite, o reconhecimento de interesses, a

aceitação de abordagens diferentes devem ser expostos como fontes

fundamentais do ato de cidadania, educação e boa - fé. Vale ressaltar que

muitas vezes a vítima se prevalece dos fatos como um meio para obtenção de

grandes indenizações, mas a proposta da justiça restaurativa é exatamente

para que as pessoas possam conviver e resolver seus problemas sem

sobrecarregar o judiciário com processos que perduram anos e no final não

resolve o dano psicológico efetivamente.

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Por fim, três conclusões sobressaem: a primeira, é a vocação da Justiça

do Trabalho para aplicação do método restaurativo para casos de mobbing,

seu dever institucional de, antes de julgar, solucionar conflitos entre as partes

através da justiça restaurativa; a segunda é o bem estar emocional da vítima e

a saúde ambiental da empresa com aumento da produtividade; a terceira é que

esse sistema de solução de conflitos permite amenizar grandes números de

processos com pedido de reconhecimento de responsabilidade e dano moral.

É o sistema ideal e certamente espelha a Justiça com valor, mas é, sem

dúvida, um sistema que se baseia no humanismo, o que não deixa de ser um

reflexo dos direitos humanos. A Justiça do Trabalho, quando atuar no sistema

da justiça restaurativa, como uma grande instituição em que o trabalhador

poderá ter finalmente confiança da proteção jurídica pelo menos as vítimas de

mobbing, assim como, seus direitos como cidadão portador da dignidade da

pessoa humana tutelados pelo ordenamento jurídico trabalhista.

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55

Monique Lima de Andrade

MOBBING

A vitimologia no trabalho e a justiça restaurativa.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao INSTITUTO A VEZ DO

MESTRE – IAVM- Esta monografia foi julgada como requisito parcial à

obtenção do título de pós-graduado em direito material e processual do

trabalho.

.

Orientador:Prof.:JOSE ROBERTO

Conceito.: ____________________________________________________

Rio de Janeiro

Setembro de 2010