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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS DEPARTAMENTO DE ADMINISTRAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BACHARELADO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DOUGLAS VINICIUS FRANCO Governança e Políticas Públicas: uma revisão Volta Redonda 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

DEPARTAMENTO DE ADMINISTRAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BACHARELADO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

DOUGLAS VINICIUS FRANCO

Governança e Políticas Públicas: uma revisão

Volta Redonda 2016

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Governança e políticas públicas: uma revisão1

Autor: Douglas Vinicius Franco

Resumo:

O presente artigo visa introduzir ao leitor um panorama acerca da governança, visto

que essa nova modalidade de governo se mostrou um campo frutífero no segmento

da pesquisa, abarcando inclusive diferentes áreas do conhecimento. Complexa pela

dinâmica dos atores dentro de redes existentes nas intermediações entre o público e

o privado e abrangendo do direito à sociologia, a governança vem se constituindo

como um tema recorrente nas agendas de pesquisa no campo das políticas

públicas. Dentro desse campo, discutiremos quais são as principais características

das redes de políticas públicas dentro do processo de elaboração, decisão e,

principalmente, da implementação de políticas públicas pelo Estado. A aproximação

entre os conceitos permitirá ao leitor notar as principais relações estabelecidas entre

a governança e o processo de implementação de políticas públicas. Para tanto, é

necessário conhecer os conjuntos de relações, horizontais e verticais,

compreendidas dentro do processo de políticas públicas. Deste modo, será possível

elucidar que a coordenação estatal é um mecanismo fundamental para a

implementação das políticas públicas. Indo além, a importância da coordenação fica

ainda mais evidente quando analisamos as teorias nacionais sobre as capacidades

estatais de implementar a política pública no âmbito local.

Palavras-Chave: governança, implementação, políticas públicas

Abstract:

This article objective is to introduce the reader a panorama about governance, since

this new modality of government has proved to be a prominent field in the research

segment, encompassing different areas of knowledge. Complexed by the dynamics

of the actors within existing networks in the intermediation between public and private

and encompassing the law studies until sociology, governance has become a

recurring theme in research agendas in the field of public policies. Inside this field, we

will discuss what are the main characteristics of public policy networks in the process

of elaboration, decision and mainly the implementation of public policies by the State.

The approximation between the concepts will allow the reader to notice the main

relations established between the governance and the process of implementation of

public policies. For this, it is necessary to know the sets of relations, horizontal and

vertical, understood within the process of public policies. In this way, it will be

possible to elucidate that state coordination is a fundamental mechanism for the

implementation of public policies. Going further, the importance of coordination

becomes even more evident when we analyze national theories about state

capabilities to implement public policy at the local level.

Key words: governance, implementation, public policy

1 Trabalho aprovado no Congresso de Administração, Sociedade e Inovação (CASI) e na “VII Jornada

Científica” do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ).

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Introdução

Nos últimos anos, a governança vem se constituindo como um importante

objeto de estudo. De maneira geral, a governança se identifica com os mais diversos

mecanismos decisórios disponibilizados para que os cidadãos possam atingir suas

preferências e conquistar demandas. É sob uma realidade globalizada que os

interesses, instituições e atores se multiplicam e se pluralizam reconfigurando o

cenário decisório das políticas. São produtos dessa pluralidade as disputas políticas,

as pautas dos movimentos sociais, o interesse da iniciativa privada e dos poderes

públicos que buscam alcançar suas expectativas dentro de uma ação conjunta.

A governança supõe alterações nos modos de relação entre o Estado e a

sociedade, buscando intermediar os diferentes interesses, recursos e visões dos

atores políticos e sociais. Essa “nova modalidade de governo” adquire, a partir da

década de 1990, expressiva importância na designação do processo específico que

abarca as agendas dos atores estatais e não estatais, servindo como importante elo

de ligação entre a sociedade civil e o Estado.

Governança é um termo polissêmico, disputado e sujeito a uma diversidade

de interpretações. A polissemia envolvida no conceito de governança torna

impossível qualquer definição apriorística. Por esse motivo, este trabalho faz uma

breve revisão sobre a literatura de governança, focando na complexidade dos atuais

cenários que cercam o processo decisório da implementação das políticas públicas.

Para alcançar o objetivo dessa obra, será necessário uma breve

contextualização e apresentação de algumas perspectivas teóricas relacionadas à

governança. A ideia inicial é tornar compreensível a importância que as mudanças

nas dinâmicas da sociedade e no modus operandi do Estado representaram para a

perspectiva da governança, uma vez que estes dois acontecimentos favoreceram

novos arranjos de interação entre o público e o privado nos processos políticos,

essencialmente os que envolvem à tomada de decisão.

Essa nova configuração de processos decisórios que se pulverizam e não

reconhecem fronteiras serviram de suporte para a formação das redes de

governança. Com relação a essas redes, é importante identificar as posições que os

atores políticos e sociais ocupam, pois tais posições são reveladoras de alguns de

seus comportamentos específicos. Outra característica das redes é o sistema de

relações horizontais, capazes de fugirem aos padrões de operação do Estado,

transformando o mesmo em mais um ator das dinâmicas de interação.

Essas informações, em suma, possibilitam vislumbrar o grau de complexidade

existente em torno do processo de implementação de políticas públicas. A tomada

de decisão, essência da implementação, é dependente de uma estrutura vertical de

comando que, no entanto, se mostra altamente permeável aos interesses da

sociedade.

Assim, o objetivo deste trabalho é elucidar a complexidade da implementação

de políticas públicas no novo contexto de governança, uma vez que o Estado se vê

reduzido em suas capacidades de implementar políticas. Neste trabalho, destacarse-

á o papel do Estado na coordenação dos atores sociais, que operam através de

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relações horizontais nas redes de governança, e das hierarquias verticais de suas

próprias instituições para obtenção da efetividade na implementação de suas

respectivas políticas.

Além desta breve introdução, o presente artigo está dividido em cinco partes.

A segunda parte apresenta as principais correntes teóricas sobre governança,

elucidando enfoques de diversos autores que são vistos como referência para o

estudo do conceito em questão. A terceira parte discute as redes de políticas

públicas e sua relação com o Estado e com o governo. A quarta parte contextualiza

o processo de formulação e implementação de políticas públicas, face a essa nova

realidade global de governo, que alimenta um arranjo de coordenação vertical e

horizontal dentro do processo de políticas públicas. A quinta parte traz algumas

discussões e proposições de novas bases teóricas abordadas pela agenda de

pesquisa brasileira. Por fim, o trabalho é seguido por uma conclusão.

Contextualização e perspectivas teóricas

Segundo alguns autores neoclássicos, a década 1970 foi marcada por um

governo sobrecarregado e pela ingovernabilidade da sociedade. Era necessário

compreender a maneira como o Estado fazia a gestão do que estava em seu

entorno, analisando suas capacidades através de estudos que envolviam sua

economia política e a composição de sua sociedade civil. Para as duas décadas

seguintes, novos agravantes surgiram: é evidenciada a crise financeira do Estado,

que prejudicou especialmente os países periféricos.

O conceito de “governança” enquanto expressão de um arranjo decisório não

hierárquico de produção e implementação de políticas públicas começa a se difundir

com a crise do Estado que emergiu no pós Segunda Guerra Mundial, caracterizado

pela regulação da economia e pela produção de políticas de bem-estar. Assim, os

novos arranjos de governança consistiram, segundo Pierre e Peters (2000), em

delegar aos atores privados e grupos organizados da sociedade civil as atividades

de prestação de serviços públicos.

A dependência do mercado e da sociedade civil crescem e o novo modelo de

governança passa a ser uma resposta lógica para as crises do Estado. A parceria

público-privada torna-se uma alternativa para a falta de poder regulatório do Estado

e escassez de recursos. Nesse movimento, o Estado passa a ser menos

autossuficiente e mais inclinado a atuar através de atores privados, assumindo papel

de coordenador das relações.

A nítida mudança ideológica para o mercado, advinda das estratégias

adotadas, permitiu a invasão do capital privado na esfera pública e como

consequência obteve-se a supressão do papel interventor do Estado. A política deixa

de ser parte da solução e se torna parte do problema no âmbito das relações entre

Estado e sociedade. Outro aspecto ainda mais nefasto desta mudança de paradigma

se refere a cultura política, que passa de coletivista para individualista, à medida em

que as políticas dos governos liberais de Ronald Reagan nos Estados Unidos e

Margaret Thatcher no Reino Unido começam a se difundir para as demais nações

(PIERRE; PETERS, 2000).

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Para afirmar a concretude da nova forma de governo, ganha força o novo

movimento de renovação da gestão pública, conhecida como a “nova gestão

pública”. Este modelo forneceu munição ideológica para que o setor público

adotasse estratégias de desoneração das suas obrigações com a provisão de

serviços e equipamentos públicos, especialmente nos níveis locais de governo.

A ênfase em um Estado “enxuto, flexível e barato” surgiu como uma panaceia

para recuperar a competitividade das economias ao desobrigar o Estado de suas

funções redistributivas. Em outras palavras, o Estado passa a ser caracterizado

como regulador e fiscalizador, promovendo apenas atividades que lhe são

exclusivas e delegando as atividades de provisão de serviços públicos a atores não

estatais. Tal característica acarreta a fragilização das especificidades políticas e

culturais finalísticas do setor público (PIERRE; PETERS, 2000).

Algumas teorias sobre governança apontam que governar é algo basicamente

“unidirecional”. Contudo, um novo modelo “bidirecional” deve considerar aspectos,

problemas e oportunidades, tanto do sistema de governo, quanto do sistema a ser

governado (KOOIMAN, 2003). Com isso, as fronteiras existentes entre as

responsabilidades públicas e as privadas se transformam em um objeto de interação;

onde começa o governo e onde acaba a sociedade se tornou mais difícil de

diferenciar, tornando visível a percepção de complexidade das novas atividades de

governo. Nessa discussão importa destacar a contextualização da governança,

dando relevância aos atores que compõem as redes localizadas nas intermediações

das relações entre Estado e sociedade.

O termo “rede” é utilizado para descrever os mais diversos atores

interdependentes envolvidos na prestação de serviços, sendo estas redes

compostas por organizações que intercambiam recursos (por exemplo dinheiro,

conhecimentos, informações) para maximizar sua influência sobre os resultados e

alcançar seus objetivos (RHODES, 1997). As redes são “uma forma peculiar de

coordenação da atividade econômica” (POWEL, 1991), de modo que elas se

apresentam como alternativa para que os atores de mercado e as hierarquias se

sobressaiam sobre os limites dos setores públicos, privado e voluntário (RHODES,

1997). Portanto, em poucas palavras, as redes atuam desenvolvendo suas próprias

políticas, através de um conjunto de relações horizontais coordenadas que visam

modelar seu entorno.

Retomando o que se discutiu anteriormente, quanto mais o Estado flexibiliza

suas relações através do modelo de gestão gerencial, mais graus de liberdade são

adquiridos pelos atores da sociedade civil no sentido de influenciar o processo

decisório das políticas. Toda essa complexidade existente nas redes de atores

organizados faz com que um simples questionamento, como por exemplo, “quem

governa?”, apresente múltiplas respostas, que em muitos casos, não são nem um

pouco simples.

Para além dos enfoques realizados à luz do Estado e da sociedade, as

instâncias multinível se mostram relevantes para a discussão da governança, além

de serem instrumento de elevada importância para o processo de coordenação das

atividades estatais. Enquanto instâncias supranacionais, importa destacar a

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influência do Banco Mundial e da OCDE (Organização para a Cooperação e

Desenvolvimento Econômico). Nos anos oitenta, essas organizações promoveram

políticas de ajuste estrutural, principalmente em países periféricos, ignorando na

maioria dos casos o contexto local e as condições políticas dos países em questão

(MARQUES, 2013).

Na Europa, a influência da União Europeia (UE) reflete a erosão das

capacidades nacionais de governo nos mercados europeus integrados, uma vez que

as empresas são capazes de oferecerem seus produtos por toda a extensão da UE

(SCHARPF, 2001), dificultando a atuação do Estado na regulação econômica e em

outras áreas estratégicas. Em grande medida, as lógicas dessas instituições se

apresentam como processos de mundialização contraditórios e compostos por

atores transnacionais que operam fora as injunções de governo. Isso requer plena

capacidade de coordenação por parte do Estado, além da criação de novas

agências para promoção de boas práticas, construindo estruturas de incentivo e

instituições regulatórias para liderar os mais diversos atores que estão dispersos

pelas redes de governança, incluindo o próprio Estado, para que dessa maneira o

interesse público possa prevalecer (MARQUES, 2013).

As teorias de governança são inúmeras e seus reflexos são aplicados

diretamente sobre as capacidades de o governo exercer a tomada de decisão. Não

obstante a notoriedade do papel do Estado, a governança supõe não só as

modificações das relações estabelecidas entre Estado e sociedade, significa

também uma nova forma de governar, com maior nível de cooperação entre os

atores públicos e privados no processo decisório das políticas (MAYNTZ, 2001).

Portanto, é a substituição de um modelo antigo “por novas formas de regulação

baseadas em negociação e coordenação, incluído persuasão, mediante as quais os

responsáveis públicos tratam de mobilidade de recursos políticos dispersos entre

atores públicos e privados” (MORATA; HANF, 2000).

Após esse breve inventário de perspectivas teóricas sobre governança,

passaremos a discutir as redes de políticas públicas.

Estado, governo e redes de políticas públicas

Vimos que a governança se apresenta como um frutífero campo de

pesquisas, dando margem para debates e possibilitando a criação de novas teorias.

Embora o campo seja amplo e promissor, não é objetivo desse artigo seguir

demonstrando exemplares de redes de governança, mas sim demonstrar os

mecanismos de operação das redes de políticas públicas dentro do seu processo

decisório. É importante destacar que a essência da teoria sobre as redes de políticas

públicas está construída sobre os conceitos da ciência política.

A ciência política é notadamente conhecida por ser a “teoria da decisão”, uma

vez que ela se preocupa com o cálculo dos custos e benefícios e pela otimização

dos efeitos das decisões. Essa teoria é centrada na figura de um ator principal, que

toma as decisões e tem por objetivo “a sistematização de todas as políticas

possíveis, para uma análise sistemática similar das consequências de cada

alternativa possível e para uma eleição política para servir metas e objetivos

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separadamente” (BRAYBROOKE; LINDBLOM, 1963). O modelo das políticas

públicas consiste em fases, a saber: a formulação, a decisão e a implementação.

Do ponto de vista dos tomadores de decisão, é válido ressaltar que não existe

uma situação de informação plena, o que determina a “racionalidade limitada” das

políticas públicas. Portanto, os processos políticos podem ser imprevisíveis em

virtude das informações incompletas e falta de claridade de valores (BRAYBROOKE;

LINDBLOM, 1963). Boa parte da literatura sobre a implementação e os instrumentos

de política pública estão igualmente incluídas no enfoque da racionalidade limitada

do tomador de decisões (KLIJN; KOOPENJAN; TERMEER,1995).

A análise se torna mais interessante da década de 1970 em diante, onde

novas teorias surgiram, apontando que a política pública é o resultado de interações

estabelecidas entre atores diversos que buscam influenciar o processo político a fim

de garantir uma direção favorável aos seus “repertórios de ação coletiva” (TILLY,

2010). Como exemplo dessas teorias temos o modelo da “lata de lixo” de Cohen,

March e Olsen (1972); o “enfoque da interação” tecido pelos autores Lindblom e

Cohen (1979), e por último, as “teorias de definição de agenda” propostos por Cobb

e Elder (1983).

As redes de governança apresentam elevado grau de complexidade, devido

às dinâmicas sociais e a diversidade de atores existentes em sua composição.

Nessa mesma linha de raciocínio são estabelecidos os processos de política pública

dentro das redes, uma vez que diferentes atores influenciam no processo de tomada

de decisão, suas preferências não são fixas e as interações complexas de diferentes

formas geram ações estratégicas com percepção dos problemas e das soluções,

que mudam com o tempo (KLIJN; KOOPENJAN; TERMEER, 1995).

O interesse recente e repentino em torno do conceito de redes de políticas públicas pode ser caracterizado pela tentativa de contextualização do enfoque do processo de políticas públicas. Nas décadas de 1970 e 1980, autores como Fritz Scharpf (1978) colocaram em dúvida a utilidade de um único decisor, concluindo que

“é pouco provável, senão impossível, que uma política pública com um mínimo de

relevância poderia resultar do processo de eleição de um único ator”. A formação de

políticas e sua implementação são, indubitavelmente, “resultados de interações entre

uma pluralidade de atores distintos com interesses, objetivos e estratégias distintas”

(SCHARPF, 1978). Fica evidente que o novo modelo de múltiplos atores está

presente no processo das políticas públicas. Os padrões se alteram e o Estado

passa a ser mais um ator nas redes, devendo coordenar as relações através de suas

capacidades organizativas.

Para Morgan (1986), a organização é “um padrão de tarefas bem definidas,

organizadas de maneira hierárquica por linhas de mando e comunicação definidas

com precisão”. Em outras palavras e aplicando ao contexto do Estado: são unidades

com objetivos claros, com uma estrutura de autoridade bem definida que domina

seus processos, além de procedimentos organizados com comunicação, controle e

coordenação, em uma espécie de governança verticalizada. Grande parte das

visões sobre as formas hierárquicas de governo está centrada na teoria da

burocracia de Max Weber.

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A sociologia das organizações contribuiu de forma decisiva para o estudo do

ambiente circundante das organizações. A organização responde de maneira

estratégica ao seu entorno segundo sua necessidade de adaptar-se aos processos

de mudança (MINTZBERG, 1979). Isso caracteriza a análise interorganizacional,

onde as relações estabelecidas e os intercâmbios de recursos são desenvolvidos

para assegurar a coordenação entre organizações (KLIJN; KOOPENJAN;

TERMEER,1995).

Segundo os autores Rogers e Whetten (1982), existem três tipos de

coordenação: o ajuste mútuo, a aliança e a coordenação corporativa. No ajuste

mútuo, a interação é voluntária, mais ou menos espontânea e se baseia em regras

informais. Na segunda, a aliança representa uma situação em que não existe

nenhuma autoridade e a coordenação ocorre através de regras negociadas. Por

último, são de natureza corporativa as estratégias de coordenação que ocorrem

quando as organizações desenvolvem estrutura de autoridade conjunta que

transpassam parte de sua autonomia.

A literatura de políticas públicas se preocupa fundamentalmente em estudar

as relações entre as agências governamentais e as organizações privadas, além de

observar até que ponto estas mesmas relações influenciam na elaboração das

políticas públicas. O poder é igualmente distribuído na sociedade, ou está

concentrado em um grupo relativamente pequeno de atores que dominam a maioria

dos processos decisórios? O processo político se assemelhava a um “mercado”: os

atores dispõem de relativo grau de liberdade para entrar em uma arena de

negociações que envolve diferentes atores de distintos interesses. Como resultado

dessa discussão, surge a investigação centrada nas relações das agências

governamentais e grupos de pressão acerca do processo de elaboração e

implementação da política pública (JORDAN, 1990).

Nos Estados Unidos, durante as décadas de 1950 e 1960, a relação entre

grupos de pressão e suas agências governamentais foi investigada, centrando seu

enfoque nos atores que influenciam o processo de fixação da agenda política

(COBB; ELDER, 1983). A investigação alemã, por sua vez, teve início em meados

dos anos setenta, na crista do debate sobre os arranjos de intermediação dos

interesses nas democracias capitalistas, destacando o debate sobre o pluralismo e o

neocorporativismo (SCHMITTER; LEHMBRUCH, 1979; LEHMBRUCH;

SCHMITTER, 1982).

Cabe ainda destacar o conceito de subsistema e subgoverno para explicar a

dimensão vertical e horizontal da governança. O primeiro surgiu nos anos sessenta e

foi introduzido por Freeman (1965), referindo-se aos “padrões de interações, atores

ou envolvidos na tomada de decisões, especialmente na política”. A ideia de

subsistema foi mais desenvolvida por Ripley e Franklin (1987) que, todavia,

preferiram utilizar o termo “subgovernos”, significando “grupos de indivíduos que de

fato tomam a maior parte das decisões rotineiras em alguma área fundamental da

política”. De maneira ampla, o conceito de subgoverno e subsistema são adotados

para indicar padrões de interação em áreas de políticas públicas (JORDAN, 1990).

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Em trabalho mais recente, Milward e Wamsley (1985) adotam um conceito

amplo e dinâmico para os subsistemas. O subsistema apresenta uma estrutura

vertical, que é de grande importância para a implementação de programas de

políticas públicas, além de uma horizontal, que é formada por representantes de

grupos de interesse, burocratas e políticos. A estrutura vertical apresenta elevada

relevância para o processo de políticas públicas, uma vez que “os programas

governamentais se unem aos profissionais do programa e/ou associados em todas

as camadas de governo em autocracias funcionais verticais”. Desta perspectiva, o

conceito de subsistemas se liga ao conceito das redes, exigindo cooperação e

coordenação entre atores para consecução de seus objetivos. Rhodes (1992) ainda

amplia a contribuição para esse debate ao inferir que as relações entre as

hierarquias que compõem as redes são como um jogo complexo em que vários

níveis de governo são interdependentes e que intercambiam recursos.

Governança e implementação de políticas públicas

É através de uma aproximação entre os enfoques da governança e das redes

de políticas públicas que se consegue vislumbrar a natureza interativa da

implementação, revelando a importância do contexto institucional para o seu

processo decisório. Portanto, para que o Estado possa coordenar as interações

existentes no ambiente das redes de políticas públicas, faz-se necessário que todo

seu aparato institucional tenha como característica a manutenção de relações

relativamente estáveis entre suas organizações, mantendo fluxo de recursos em prol

do desenvolvimento delas. Isso se justifica, pois na ótica da governança as

organizações governamentais já não são o ator de direção central na consecução

dos processos de políticas públicas.

Grande parte das teorias de governança apontam que o poder está

relacionado ao ator que dispõe de maiores recursos, impedindo que os demais

atores da rede tenham igual poder. Rompendo com os enfoques mais tradicionais, a

simples gestão dos atores dentro da rede não mais se aplica. As atividades de

gestão estão dirigidas a melhorar e manter a interação entre os diferentes atores

envolvidos, deste modo, as organizações governamentais não apenas ocupam uma

posição diferente, como também se envolvem em diferentes atividades. É evidente

que os atores estatais, enquanto atores situados dentro das redes de governança,

devem utilizar seus instrumentos de gestão para induzir políticas públicas

específicas.

A instrumentação da ação pública é entendida como o conjunto de problemas

colocados pela escolha e o uso de instrumentos (técnicas, meios de operar,

dispositivos) que materializam a ação governamental. Os instrumentos podem ser

catalogados em instrumentos legislativos, reguladores, econômicos, fiscais,

informativos e de comunicação. Com frequência se constata a grande pluralidade de

instrumentos mobilizados, colocando a questão da sua coordenação na ordem do

dia. Não obstante, trabalhos de Linder e Peters (1989) apontam para a dimensão

cognitiva dos instrumentos, além de ressaltar que os mesmos são portadores de

valor. Ademais, os instrumentos de política pública traduzem os tensionamentos da

relação Estado-sociedade, gerando implicações para as políticas públicas

produzidas (LE GALÈS; LASCOUMES, 2012).

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Os instrumentos de gestão para materialização da ação pública apresentam

caráter heterogêneo e possuem em sua formação três componentes, quais sejam:

um substrato técnico; uma representação esquemática de organização; e uma

filosofia gestionária. Assim, um instrumento jamais será reduzido a uma

racionalidade técnica pura, pois o mesmo é indissociável dos agentes que

programam seus usos (LE GALÈS; LASCOUMES, 2012). Pode-se inferir que esse

fato faz com que diferentes atores sociais possam terminar em posições mais ou

menos desiguais ao final dos efeitos gerados pelos instrumentos de política pública.

Efeitos estes que podem ser programados ou não, exigindo novamente a

capacidade de coordenação das políticas públicas. Hood (1995) aponta que “existem

instrumentos de múltiplos propósitos que são portadores de ambiguidade”.

São igualmente ambíguas as disposições jurídicas e isso é evidenciado no

setor saúde e meio ambiente, segurança do trabalho, proteção aos consumidores e

regulação da concorrência. Enfim, os instrumentos são instituições no sentido

sociológico do termo (LE GALÈS; LASCOUMES, 2012), pois são capazes de

determinar, em certa medida, como os atores se comportam, criam incertezas e

como alguns são constrangidos enquanto outros tornam-se mais dotados recursos.

Visto como são caracterizados os instrumentos da ação pública, o próximo

passo será apresentar as análises atuais sobre o processo de implementação de

políticas públicas na “ponta” do sistema, no caso, o nível local. Para se exercer uma

boa análise crítica do processo de implementação de políticas púbicas, parece ser

de comum acordo que os atores e os recursos sejam devidamente investigados. Os

atores são os principais envolvidos nas arenas políticas, podendo, deste modo,

participar de diversas atividades do Estado - que serão melhores detalhadas no

próximo item. Já os recursos, envolvem principalmente os fluxos de capital, que

fluem entre as diversas instituições públicas ou privadas e entre os próprios atores

do processo das políticas públicas.

Governança e implementação de políticas públicas: as principais

discussões sobre o assunto no Brasil

No processo de implementação de políticas, tal como salienta Bichir (2016),

os desafios são essencialmente políticos e não apenas técnicos ou de gestão e

devem ser considerados na “construção de horizontes comuns de atuação entre

distintos setores do governo, seja no nível federal, seja no nível municipal, a partir da

interação de atores e comunidades de políticas com diferentes interesses, visões e

perspectivas” (BICHIR, 2016).

Recentemente diversos autores voltaram seus olhares para os estudos

urbanos, ampliando a compreensão sobre a atuação política no âmbito das cidades.

Alguns desses autores passaram a considerar o enfoque das redes de governança

na implementação de políticas públicas.

Os estudos no Brasil ainda são incipientes quando se trata do tema em tela.

Contudo, não faltam trabalhos de qualidade que visam traduzir a realidade da

política pública local. Em alguns desses trabalhos nota-se a proposição de novas

bases teóricas para o desenvolvimento do campo de pesquisa abordado.

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Os estudos realizados por Marques (2003; 2016) destacaram a importância

dos capitais do urbano para o detalhamento das políticas urbanas locais. O autor

rejeita a ideia de pura captura do Estado pelos capitais, especialmente daqueles

ligados aos processos gerais de acumulação. A ideia é estabelecer a importância do

capital como uma espécie de influência na produção de políticas públicas, através de

estratégias políticas em conexão com diversos atores que se envolvem direta ou

indiretamente com as instituições que produzem as políticas.

Para tornar mais claro o funcionamento das políticas nesse contexto, o autor

parte da premissa que os capitais que mais se interessam por influenciar as políticas

urbanas são “os capitais que têm seus circuitos de valorização associados

diretamente à cidade” (MARQUES, 2016). Para esse tipo de capital, as

características e as políticas urbanas são fatores relevantes. Dentre os atores que se

preocupam com essas políticas urbanas, podemos citar: empresas de serviços

urbanos, de transportes, as construtoras e empreiteiras, incorporadoras, holdings e

as empresas que oferecem apoio à gestão do Estado e de suas políticas públicas

(idem, 2016).

No que se refere ao tema da produção da cidade, a fim de vislumbrar como os

capitais podem atuar no processo de acumulação, Maricato (2011) aponta para a

funcionalidade da “cidade informal, ilegal ou periférica” para o processo de

acumulação de capital nos países periféricos. Aponta-se que a renda imobiliária é

aspecto central para o processo de urbanização capitalista. Tal fato se deve a

desregulamentação do mercado imobiliário, o desemprego, a guerra fiscal e outros

fatos que se combinaram “a uma tradição histórica de falta de controle sobre o uso

do solo e de segregação territorial e urbana” (MARICATO, 2011).

As relações e interações do capital e suas estratégias de valorização se

relacionam diretamente com a produção da cidade e com o processo político que a

caracteriza. Nesse sentido, cabe agora diferenciar quatro conjuntos de capitais

propostos por Marques (2016), na tentativa de diferenciar elementos da economia

política que constituem os mercados que se associam com diferentes organizações,

empresas e instituições.

Um primeiro grupo de capitais a ser descrito inclui o capital incorporador. No

caso desse tipo de capital, os ganhos são oriundos da sobrevalorização da terra

através da mudança de seu uso, tendo em vista que “a terra urbana não tem preço

de produção e é um bem irreprodutível” (MARQUES, 2016). Deste modo, boa parte

dos sobrelucros são gerados “mediante a aquisição da terra pelo preço do uso

corrente e a venda futura ao preço do uso transformado” (idem, 2016). Isso faz com

que a localização e o acesso à terra sejam fatores centrais para o circuito de

valorização fundiária da cidade.

Um segundo conjunto envolve os capitais que se relacionam ao fornecimento

de serviços públicos. Exemplos tradicionais que englobam esse tipo de capital são

“contratações de empresas privadas para a prestação de serviços de transporte

público e limpeza urbana” (idem, 2016). Todavia, em um período mais recente,

evidenciamos concessões urbanísticas de áreas inteiras. Um exemplo é a área do

Porto Maravilha, no Rio de Janeiro, em que “a concessionária proverá serviços

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urbanos e a zeladoria por quinze anos e as concessões dos serviços de ônibus e

limpeza urbana” (idem, 2016). Nesse exemplo, a fonte de lucratividade é o fundo

público, sendo que seus patamares estão diretamente associados com a regulação

estatal sobre a prestação.

O setor da construção civil é um terceiro conjunto de capitais. Nele inclui-se,

tanto as edificações quanto as infraestruturas ou obras públicas em geral. A fonte de

remuneração nesse caso é “um lucro de tipo industrial, associado à produção de

uma mercadoria (fixa no espaço e construída sob encomenda) – a obra” (idem,

2016).

Por fim temos o grupo que envolve os capitais associados à prestação de

serviços de consultoria, apoio à gestão e gerenciamento do próprio Estado nas

políticas urbanas. Essas atividades tradicionalmente eram realizadas pelas agências

e burocracias estatais, contudo “em período recente têm sido crescentemente

contratadas com empresas privadas” (idem, 2016).

Como já mencionado, a importância desses capitais está diretamente

associada à economia política do Estado. Levando em consideração o primeiro

conjunto de capitais, o incorporador, temos um mercado extremamente politizado,

pois “os produtos são vendidos no mercado, mas as suas características, assim

como a terra-localização, são impactadas muito fortemente pela regulação do

Estado” (idem, 2016). Isto significa que, por um lado, o grau de concentração de

terras disponíveis para o Estado influencia em sua capacidade de realizar as

políticas urbanas mas altera, por outro, os patamares de lucratividade dos capitais

do setor para a realização de empreendimentos.

Quando tratamos do grupo de capitais de serviços públicos, o Estado é um

dos únicos compradores, tratando-se, portanto, de um oligopsônio, característica

que atribui qualidade de mercado altamente politizado a este grupo também. Na

construção civil evidenciamos acontecimento similar; o Estado novamente é o

principal comprador, embora nesse caso não ocorra de maneira oligopsônica, visto

que atores privados também participam como compradores. Mesmo assim, o preço e

a qualidade dos produtos são fixados pelo Estado, gerando incentivos para que

“atores privados entrem no Estado e nele influam, explicando em parte por que a

corrupção é endêmica no Brasil nesses setores” (idem, 2016). No conjunto dos

serviços de consultoria, apoio à gestão e gerenciamento, “o Estado é um dos únicos

compradores, o que também dá contornos fortemente políticos a esse mercado”

(idem, 2016).

Levando em consideração o que foi discutido no presente trabalho, vimos

que após os anos 1980 novos arranjos de produção de políticas públicas se

disseminaram pelo mundo com a presença de atores privados na provisão de

políticas públicas, concessões de serviços e outras diversas formas de parceria.

Nessa estrutura de redes de governança, destacou-se a importância da

coordenação das atividades do Estado frente a essa nova maneira de realizar

política. Nesse sentido, os capitais do urbano salientam sua importância “na

formulação e implementação de política, por vezes com redução do controle público

ou democrático” (MARQUES, 2003; 2016), por isso a ideia de um novo padrão de

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governança pode ser capaz de ampliar o foco dos estudos das políticas do próprio

governo (MARQUES, 2016). Fato que representaria um ganho por permitir a

“incorporação nas análises de dimensões informais e mesmo ilegais que

efetivamente caracterizam as dinâmicas políticas, mas que ficam de fora de

perspectivas mais tradicionais” (idem, 2016).

Detalhar a relação entre atores e concentrar a atenção em suas ações

políticas são fundamentais e nesse aspecto, a ideia de padrões de governança pode

fornecer um enquadramento teórico flexível sobre o ambiente no interior do qual

acontecem as interações entre capitais e demais atores. No caso específico do

Brasil, a formação histórica do Estado e os diversos atores políticos e econômicos de

sua trajetória “deram grandes recursos de poder às empresas privadas, ao mesmo

tempo que tornavam o Estado e suas instituições o mais importante ator na

produção de políticas” (idem, 2016).

Governar é, dentre outras coisas, tomar decisões, resolver conflitos,

coordenar os comportamentos privados e regular os mercados. Num primeiro

momento, vimos os enfoques acerca da governança e entendemos a essência das

redes. Todo esse conceito inicial serve de complemento para explicar boa parte do

processo de políticas públicas, uma vez que o Estado foi forçado a alterar seus

padrões de funcionamento, sendo reduzido em tamanho e obrigado a ser eficiente

pelo ponto de vista econômico-institucional. Essas mudanças requerem do Estado

alto grau de coordenação de suas instituições, pois estes instrumentos

disponibilizados para a concretização da ação pública são dotados de ideologias

específicas, implicando em possibilidades de cooptação por parte de outros atores

que estão dentro de uma mesma rede de política pública. Cabe destacar que as

relações horizontais encontradas nas redes de políticas públicas escapam aos

padrões de regulação tradicionais, sendo altamente capazes de agir conforme suas

vontades e/ou a de seus atores centrais.

Em essência, entender todo esse processo de coordenação - horizontal no

âmbito das redes e vertical no âmbito do Estado -, além das respectivas

características organizacionais, possibilita evidenciar a dificuldade do processo de

implementação de políticas públicas dentro do atual modelo de governança.

Conclusão

Nos novos arranjos de governança torna-se importante inquirir sobre “quem

governa” as políticas públicas, especialmente quando as redes que compõem os

atores políticos e sociais se tornam cada vez mais dispersas. O processo de

governança implica necessariamente a interação de diferentes atores, o que

determina a elevada complexidade do processo. O intuito desse trabalho de revisão

foi apresentar uma breve introdução sobre as redes de governança e o desafio da

implementação de políticas públicas pelo Estado.

O interesse que emergiu em torno da governança teve sua origem na crise do

Estado, que passou a delegar a atores privados diversas incumbências de governo.

Não deixa de ser sintomático o fato de a “nova gestão pública” ser um

desdobramento do interesse maior pelas redes de governança. Estas inspiraram as

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reformas administrativas em diversos países, consubstanciando uma visão que fazia

da administração pública um mero acessório do mercado.

As sociedades também representam grande importância nos estudos sobre a

governança. Vimos que sua complexidade e sua diversidade exige um olhar

bidirecional na relação estabelecida entre governantes e governados. Conceituamos

as redes de governança, e analisamos as possibilidades de arranjos entre atores, e

por consequência, a importância de uma boa estratégia de atuação por parte do

Estado no âmbito da rede. Por último, a influência das instâncias multinível como um

ator de notável relevância, que em alguns casos reflete a erosão das capacidades

do estado de implementar políticas.

Munidos de conhecimento acerca da governança, de sua contextualização e

visões de diferentes enfoques, canalizamos a discussão para as redes de

governança e o papel do Estado. O enfoque da rede de políticas públicas destaca a

importância do contexto institucional para o tema da governança, uma vez que os

acordos organizacionais são necessários para a coordenação entre os diversos

atores envolvidos no processo de políticas públicas. Seguindo essa perspectiva, os

instrumentos de ação pública podem ser demonstrativos de comportamento dos

atores, tornando-os visíveis e previsíveis, o que é fundamental para o Estado.

Além das contextualizações teóricas, o presente artigo de revisão procurou

demonstrar como se estruturam as disputas em torno do processo de

implementação das políticas públicas. A intensa complexificação da sociedade fica

evidente em seus novos arranjos de relações horizontais situadas às margens das

instituições públicas, que exercem grande influência nas agendas governamentais.

Tal fato exige que o Estado recupere seu poder de ator central, articulando as

demandas dos diversos atores situados nessas redes.

Enfim, unindo a teoria da governança ao processo decisório das políticas

públicas reforçamos a centralidade que a coordenação adquire nos atuais ambientes

complexos que presidem o desenvolvimento dessas políticas, recuperando a

importante dimensão do governo. Afinal, quem governa quando ninguém governa?

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