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UNIVERSIDADE PARANAENSE – UNIPAR CAMPUS UMUARAMA - SEDE FREDERICO MENDES JÚNIOR VALORAÇÃO DA PROVA UMUARAMA 2009 Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now.

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  • UNIVERSIDADE PARANAENSE UNIPARCAMPUS UMUARAMA - SEDE

    FREDERICO MENDES JNIOR

    VALORAO DA PROVA

    UMUARAMA2009

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    FREDERICO MENDES JNIOR

    VALORAO DA PROVA

    Dissertao apresentada como requisitoparcial obteno do grau de Mestre, peloPrograma de Mestrado em DireitoProcessual e Cidadania da UniversidadeParanaense - UNIPAR na rea deconcentrao Direito Processual Penal.Orientador: Prof. Dr.: Eduardo Cambi

    UMUARAMA2009

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    TERMO DE APROVAO

    FREDERICO MENDES JNIOR

    VALORAO DA PROVA

    Dissertao apresentada como requisito parcial obteno do grau de mestre, peloPrograma de Mestrado em Direito Processual e Cidadania da UniversidadeParanaense UNIPAR, na rea de concentrao Direito Processual Penal, pelaseguinte banca examinadora:

    ______________________________________Prof. Dr. Eduardo Cambi

    Presidente da Banca e Orientador

    ______________________________________Prof. Dr. Cndido Furtado Maia NetoMembro do Corpo Docente da Unipar

    ______________________________________Prof. Dr. Ricardo Rachid de Oliveira

    Membro Convidado

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    Umuarama, 28 de fevereiro de 2009.

    Este trabalho dedicado ao meu pai,Frederico Mendes, com quem deveria terconversado mais, passeado mais...

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeo a Deus pela oportunidade que me foi dada de participar deste curso epelos amigos que aqui encontrei.Um especial agradecimento ao meu orientador, Professor Eduardo Cambi, pelapacincia, compreenso e dedicao no desempenho deste papel, e,principalmente, por apontar caminhos pelos quais nunca tinha me aventurado edos quais gostei.No posso deixar de mencionar o apoio e ateno do Professor Celso HiroshiIocohama, coordenador do curso a quem sou grato.Agradeo aos juzes Antnio Lopes de Noronha Filho, Geraldo Dutra de AndradeNeto e Nicola Frascati Jnior, pelas muitas conversas sobre todos os assuntos quese possa imaginar, inclusive relacionados a este trabalho, e pela amizade sincera -dessas que quase no se encontra na vida. No poderia deixar de agradecer, ainda,ao juiz Marcelo Gobo Dalla Da, companheiro de viagem, amigo, que teve papelfundamental para que no desistisse no meio do caminho. Lusa, Llian, Carla, Adriana, Pedro e Ceclia pelo amor.

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    Mas que a verdade nunca me fezsentido. A verdade no faz sentido! porisso que eu a temia e a temo.Desamparada, eu te entrego tudo paraque faas disso uma coisa alegre. Por tefalar eu te assustarei e te perderei? Masse eu nunca falar eu me perderei, e porme perder eu te perderia.

    Clarice Lispector

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    RESUMO

    No processo penal a prova passa por diferentes momentos. Primeiro a postulao,depois a anlise de sua admissibilidade, a efetiva realizao no processo (produo)e, por fim, o momento em que o juiz ir valorar esta prova. no momento davalorao que a prova age no esprito do julgador, influindo no julgamento.Provavelmente este o momento mais importante da atividade probatriadesenvolvida durante o processo, uma vez que ocorrer a deciso. No h como sefalar em valorao da prova sem antes localizar a prova nos sistemas de processo edireito penal. Isto porque, dependendo da concepo de direito penal, tambmhaver variao no processo, indo de modelos mais liberais a outros comcaractersticas mais inquisitrias. No processo penal, j que o sistema acusatrio,as figuras do acusador, defensor e julgador no se confundem. Tanto quantopossvel, o juiz deve permanecer distante da iniciativa na produo da prova, paraque possa analis-la com a devida imparcialidade e sem valorao antes domomento adequado. No campo do direito penal a transmodernidade oumodernidade reflexiva impe uma srie de novas exigncias. o tempo do direitopenal simblico. Neste contexto a mdia tem papel relevante, transformando o crimeem um negcio. H campanha aberta em favor do medo (do cidado) e demovimentos como a lei e ordem. importante que o juiz, que vai ser convencidocom a prova, esteja consciente que no busca a verdade material at porque noa encontraria. No momento de valorar a prova deve buscar a verdade possvel. Deoutro lado, algumas provas, como a testemunhal, que constitui a maior parte domaterial de prova em processo penal, apresenta uma srie de dificuldades nomomento da valorao da a importncia do contato proporcionado pelaimediao. Este contanto faz com que o juiz possa ter percepo de sinais noexpressos pela fala. A avaliao, no entanto, deve ser cuidadosa, em razo dapossibilidade de percepo equivocada ou defeituosa. Como critrio de valorao daprova o juiz sempre far uso das mximas da experincia para formar juzo deverossimilhana. A valorao da prova, aqui, passa pela anlise dos sistemas daprova legal, ntima convico e persuao racional. Vigorando a persuao racionalh necessidade de que todas as decises judiciais sejam motivadas, possibilitandocontrole, tanto pelos envolvidos no processo como pela sociedade. No momento dadeciso existe duas fases: a primeira delas ocorre na mente do julgador, comatuao de componentes instintivos, psicolgicos e que fazem com que sejaformada convico neste ou naquele sentido (deciso). Em um segundo momento,como forma de justificar a deciso adotada, vem a fundamentao, onde se procurademonstrar a validade e Justia da deciso, lanando mo de lgica naargumentao, de instrumentos de retrica (motivao). No possvel, ainda quecom a obrigatoriedade de motivar, acabar com o subjetivismo na valorao da provae formao da convico, da se pensar em modelos de constatao para evitar adiscricionariedade judicial ou pelo menos diminu-la.

    Palavras-chave: Valorao da Prova; Verdade Material; Decises Judiciais;Motivao; Sistema.

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  • 8

    ABSTRACT

    In criminal proceedings the evidence goes through different moments. First thepostulation, then a review of its admissibility, the effective realization in the process(production) and, finally, the moment when the judge will value the evidence. It is atthe valuation that the evidence acts in the spirit of the judge, influencing the trial. It isprobably the most important moment of the evidence activity developed during theprocess, once will happen the decision. There is no way to talk evaluating theevidence without first finding the proof in the systems of criminal law and procedure.This is because, depending on the conception of criminal law, there will also bevariation in the process, ranging from more liberal models to other models with moreinquisitorial charactheristics. In criminal proceedings, since the system is accusatory,the pictures of the accuser, judge and lawyer do not get confused. As ever aspossible, the judge must stay away from the initiative in the production of theevidence, so he can examine it with due impartiality and without valuation before theappropriate time. In the field of criminal law the transmodernity or reflexive modernityimposes a serie of new requirements. It is the time of the symbolic criminal law. Inthis context the media have important role, transforming the crime in business. Thereare open campaign in favor of fear (the citizen) and movements such as law andorder. It is important that the judge, who will be convinced by the evidence, be awarethat he does not seek the material truth because he would never find it. At value ofthe evidence he must seek the possible truth. At the other side, some evidence suchas witnesses, which constitutes the major part of the evidence material in criminalproceedings, presents a series of difficulties at the time of valuation - hence theimportance of contact provided by immediacy. This contact provides that the judgenotice signals not expressed by speech. The evaluation, however, must be careful,because the possibility of wrong or faulty perceptions. As a criterion for evaluatingthe evidence the judge will always use the maximum of experience to train judges ofcredibility. The evaluation of evidence, here, pass through the analysis of systems oflegal proof, deep conviction and rational persuasion. Whichever is rationalpersuasion is necessary that all judicial decisions are motivated, allowing control byboth involved in the process and the society. At the time of decision, there are twophases: the first one occurs in the mind of the judge, acting instinctive, psychologicalcomponents and which make it formed convinction in this or that sense(decision). Ina second time as a way of justifying the decision taken, has the reasoning, whichseeks to demonstrate the validity - and justice - of the decision, making use of logic inargumentation, rhetorical instruments (motivation). It is not possible, even with theobligation to motivate, ending with the subjectivism in the valuation of the evidenceand in the conviction formation, then it is to think of finding models to avoid thejudicial discretion to avoid - or at least reduce it.

    Key Words: Evaluating the Evidence; Material Truth; Judicial Decisions; Motivation;system.

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  • 9

    SUMRIO

    RESUMO

    ABSTRACT

    INTRODUO............. 11

    2 SISTEMAS DE PROCESSO PENAL.....................................................................15

    3 SISTEMA PENAL NA ATUALIDADE.....................................................................24

    4 ONDE EST A VERDADE NO PROCESSO?.......................................................34

    4.1 Verdade Material e Verdade Formal...................................................................36

    4.2 A verdade cientfica, histrica e a possibilidade (ou no) da construo da

    verdade no processo..................................................................................................40

    5 A IMEDIAO E A PROVA TESTEMUNHAL........................................................48

    5.1 Dificuldades e riscos na valorao quando se trata de testemunhas.................53

    6 TRABALHANDO COM OS FATOS E AS MXIMAS DA EXPERINCIA...............59

    6.1 Trabalhando com os fatos....................................................................................60

    6.2 O uso indispensvel (e inevitvel) das mximas da experincia........................62

    7 SISTEMAS DE APRECIAO DA PROVA............................................................71

    7.1 Sistema da prova legal.........................................................................................72

    7.1.1 O sistema da prova legal como resposta ao subjetivismo e religiosidade........75

    7.2 Da prova legal ao convencimento ntimo............................................................78

    7.3 Do livre convencimento ou persuaso racional...................................................80

    7.3.1 A persuaso racional e o dever de motivar as decises..................................81

    8 A VERDADE, A RETRICA E A SENTENA.......................................................90

    9 DA (IM)POSSIBILIDADE DE OBJETIVIDADE NAS DECISES JUDICIAIS........97

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    9.1 realmente livre a livre convico do juiz?........................................................99

    9.2 A formao de juzo de fato por modelos de constatao................................101

    10 CONCLUSO......................................................................................................108

    11 REFERNCIAS..................................................................................................111

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    INTRODUO

    A prova apresenta diversos momentos no processo penal. Logo de incio

    ocorre a postulao da prova quando as partes realizam seus requerimentos -

    seguido da anlise de sua admissibilidade e da sua produo. Por ltimo, o juiz ir

    valorar a prova que as partes foram capazes de produzir durante a instruo

    processual - que objeto deste trabalho.

    neste ltimo momento que determinada prova age no esprito do

    julgador, influindo no julgamento. Provavelmente este o momento mais importante

    da atividade probatria desenvolvida durante todo o processo, uma vez que ocorrer

    a deciso que, necessariamente, produzir efeitos na vida da pessoa que est

    sendo processada e julgada.

    Antes de adentrar no tema de maneira mais especfica e j existindo

    uma noo sobre o que vir pela frente -, so necessrias algumas consideraes

    preliminares sobre o trabalho acadmico em si, para melhor compreenso e

    entendimento.

    Desde logo importante que fique claro que neste trabalho no se

    pretendeu tratar da valorao da prova e formao do convencimento judicial como

    se tivesse um especialista falando do assunto. No havia um projeto j pronto,

    acabado, para ser colocado no papel. Muito pelo contrrio, partiu-se de algumas

    poucas idias (precariamente organizadas) que foram sendo amadurecidas e

    ampliadas com as leituras recomendadas. Logo, qualquer tentativa de parecer

    erudito ou especialista no assunto (ou se o leitor ficar com esta impresso em algum

    momento), ter se dado por descuido e, provavelmente, implicar em pensamentos

    pouco ordenados e de difcil compreenso, reveladores da verdadeira face e

    incapacidade de quem escreveu.

    possvel que este trabalho tenha valor cientfico limitado e tambm no

    tenha por fundamento o que possa existir de melhor sobre valorao da prova -

    porque expresso das preferncias de quem o escreveu. A seleo dos argumentos,

    de acordo com o que se considerava certo ou mais relevante, ocorreu em todos os

    momentos. No algo completamente isento, onde se procura mostrar as diferentes

    opinies sobre cada assunto tratado. No raro se fez uma opo e assumiu-se esta

    opo ainda que no abertamente declarada at o final. Alguns pontos de vista,

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  • 12

    e no h como negar por honestidade intelectual, tiveram tratamento privilegiado,

    reconhecendo-se a inexistncia de neutralidade axiolgica e minha condio (de

    aluno) neste momento.

    Cada trecho representa a soma de algo que foi lido com uma pitada de

    argumentao prpria ou palavras prprias -, sendo que nada de novo ou

    exclusivo ser revelado. Se conseguir que transparea o desejo de um processo

    penal melhor, que se traduza em mais justia, com provas adequadamente

    valoradas, decises racionalmente fundamentadas, e com o que for possvel de

    objetividade, j haver satisfao com o resultado final.

    A insistncia quanto a alguns temas no algo que ocorre

    gratuitamente. Visa-se a contextualizar a valorao da prova e a formao do

    convencimento dentro dos sistemas de processo penal, bem como tratar do tema

    sob os aspectos considerados mais importantes.

    Voltando proposta de desenvolvimento de pesquisa, no h como se

    falar em valorao da prova sem antes localizar a prova no direito processual e

    penal. Isto porque, dependendo da concepo de direito penal, tambm haver

    variao no processo o que repercute diretamente na prova.

    Iniciou-se pela diviso histrica do processo penal em sistemas

    inquisitrio e acusatrio indicando o sistema acusatrio como prevalente no

    processo penal brasileiro (por escolha constitucional). Estes sistemas, importante

    frisar, ao longo dos sculos, no mantiveram sua estrutura e caractersticas como no

    momento da concepo. Cada um agregou caractersticas do outro, sendo

    indicados, na atualidade, como sistemas mistos com mais ou menos

    caractersticas de um ou de outro.

    Neste ponto, at porque diretamente relacionado valorao da prova,

    de maneira bastante sinttica, ser abordada a iniciativa da prova pelo juiz no

    sistema acusatrio, e as conseqncias desta forma de proceder em relao

    imparcialidade e a prpria valorao porque doutrinariamente se coloca a

    possibilidade de, quando o juiz se pe atrs de uma prova, j ter opinio sobre o fato

    que pretende provado, o que seria atividade tipicamente inquisitria e

    comprometedora de julgamento isento.

    Passando para o direito penal, foram abordados os efeitos da

    transmodernidade no sistema penal, a influncia da mdia na vida das pessoas e

    como fator determinante para a criao de um direito penal simblico. Foi tratada,

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    ainda, a cultura do medo - quanto mais (medo) melhor. este medo quem

    alimenta movimentos como a lei e ordem ou tolerncia zero (ou intolerncia cem

    por cento). A expanso do direito penal, como fenmeno atual e inevitvel, no

    poderia permanecer fora, bem como a sua utilizao para gerir eventuais

    contingncias no campo social e financeiro.

    Partiu-se da idia de um processo penal que no tem finalidade

    meramente punitiva, como considerado antigamente. No sistema acusatrio, em um

    pas democrtico, inegvel que est inserido em um sistema de garantias - onde

    se visa a produzir provas, dentro do processo legal, para um julgamento justo. E

    neste contexto, tratando do convencimento do juiz, da valorao da prova para

    decidir, h de se ter clara a verdade que se busca (e que se pode encontrar). Isto

    porque o juiz pode se colocar em busca de uma verdade que nunca vai encontrar,

    comprometendo a valorao isenta e imparcial da prova, formando a convico de

    forma defeituosa.

    A prova testemunhal, que corresponde a maior parte da prova em quase

    todos os processos criminais mereceu especial ateno, bem como a imediao - a

    qual est diretamente relacionada. Com a imediao torna-se possvel a

    observncia de sinais de nervosismo, inquietao, expresses corporais de que

    est privado o julgador que simplesmente recebe as declaraes transcritas. O suor,

    a gagueira, a palidez, o rubor, a insegurana, a inquietao, devem ser processados

    da mesma maneira que os demais dados e, associados s mximas de experincia,

    pode-se atribuir aptido para, dedutivamente, se levar a uma concluso embora

    cercada de todos os cuidados em razo de sinais falsos ou mal interpretados.

    Os fatos que justificam a realizao de prova no processo penal -, no

    foram esquecidos. Somente alguns dados empricos so relevantes para o direito.

    No so todos os acontecimentos da vida que so considerados importantes para a

    resoluo de determinado conflito e importante que o juiz consiga delimit-los

    para dar-lhes o valor adequado.

    No poderia deixar de ser mencionado que, enquanto trabalhando com

    os fatos e at mesmo para sua compreenso -, o julgador far uso, como critrio

    para a valorao dos meios de prova, da(s) mxima(s) da experincia, que

    assumem papel relevante para formao de juzo de verossimilhana e como

    mecanismo para interpretao e entendimento de declaraes de algum dos

    envolvidos no processo.

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    Foram abordados, tambm, os sistemas de apreciao da prova, desde

    a prova legal, onde a convico do julgador no tinha importncia alguma,

    exercendo o juiz atividade meramente burocrtica, passando pela ntima convico

    onde o juiz tinha poderes praticamente absolutos -, at chegar persuaso racional.

    Nessa parte ganha relevo a motivao, que permite o controle das decises judiciais

    no somente pelos interessados, mas por toda a sociedade.

    Tratou-se, ainda, de aspectos internos relacionados valorao da

    prova e deciso, enxergando-se duas fases: a primeira delas onde ocorre, na mente

    do julgador, a atuao de componentes instintivos, psicolgicos e que fazem com

    que seja formada convico neste ou naquele sentido. Na segunda fase ocorre a

    justificao da deciso adotada, onde se procura demonstrar a validade e justia da

    deciso, lanando mo de lgica na argumentao e instrumentos de retrica.

    A ausncia de objetividade, que na maior parte do tempo fenmeno

    imperceptvel, inconsciente, tambm foi abordada, bem como outros meios alm

    do dever de motivar para tentar diminuir a subjetividade na valorao da prova e

    deciso.

    Isto porque, nem sempre, na motivao da sentena, esto descritos

    todos os caminhos que o juiz percorreu, internamente, para decidir. evidente que

    de maneira lgica e racional, utilizando-se de tcnicas de argumentao, procura

    explicar a opo realizada, mas certo, tambm, que no raro, no se entende

    muito bem e sem entrar na questo se a deciso foi certa ou errada porque

    realizou a opo por uma verso dos fatos e no por outra.

    Da a idia dos modelos de constatao ou standards que serviriam para

    preencher, na livre convico, espaos recheados de subjetividade, que sero

    tratados na parte final deste trabalho. Neste aspecto deu-se nfase ao modelo da

    prova alm da dvida razovel utilizado em outros pases em matria de

    formao de juzo de fato no processo penal, e timidamente no processo penal

    brasileiro.

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  • 15

    2 SISTEMAS DE PROCESSO PENAL

    No h como se falar em valorao da prova sem antes localizar a prova

    nos sistemas de processo e direito penal. Isto porque, dependendo da concepo de

    direito penal, tambm haver variao no processo, indo de modelos mais liberais a

    outros com caractersticas mais inquisitrias.

    O processo penal, historicamente, se divide em sistemas inquisitrio e

    acusatrio. Hoje, tais sistemas, existem como modelo terico j que no mantiveram

    sua estrutura e caractersticas como no momento da concepo. Cada um desses

    sistemas agregou caractersticas do outro, sendo indicados, na atualidade, como

    sistemas mistos com mais ou menos caractersticas de um ou de outro. H

    caractersticas que so prprias a cada modelo terico como a separao entre

    acusao e juiz, a paridade entre defesa e acusao, que sempre devem estar

    presentes em um sistema que se pretenda acusatrio -, e outras que no so

    essenciais, embora possam existir tal como a elegibilidade do juiz, a sujeio dos

    rgos de acusao ao Poder Executivo, em um sistema acusatrio -.1

    Miranda Coutinho (2001, pp. 18-19)2, assevera que nos sistemas que se

    pretendem mistos no h um princpio unificador prprio (ou inquisitrio como o

    nosso, segundo a concepo do autor com traos de acusatrio, ou o inverso na

    1 Ferrajoli explica que a distino entre sistema acusatrio e sistema inquisitrio pode ter um carterterico ou simplesmente histrico. necessrio precisar que as diferenas identificveis no planoterico no coincidem necessariamente com aquelas verificveis no plano histrico, no sendosempre logicamente conexas entre si. Por exemplo, se fazem parte tanto do modelo terico como datradio histrica do processo acusatrio a separao rgida entre o juiz e a acusao, a paridadeentre a acusao defesa, e a publicidade e a oralidade do julgamento, o mesmo no se pode dizer deoutros elementos que, pertencendo historicamente tambm tradio acusatria, no sologicamente essenciais ao seu modelo terico: como a discricionariedade da ao penal, aelegibilidade do juiz, a sujeio dos rgos da acusao ao Poder Executivo, a excluso damotivao dos julgamentos do jurado dentre outros. Por outro lado, se so tipicamente prprios dosistema inquisitrio a iniciativa do juiz em campo probatrio, a disparidade de poderes entre acusaoe defesa e o carter escrito e secreto da instruo, no o so institutos que nasceram exclusivamenteno seio da tradio inquisitria, como a obrigatoriedade e a irrevogabilidade da ao penal, o carterpblico dos rgos de acusao, a pluralidade dos graus de jurisdio e a obrigao do juiz demotivar suas decises. Essa assimetria foi fonte de confuses mltiplas, pois frequentementemantiveram-se como essenciais a um ou outro modelo terico elementos de fatos pertencentes ssuas respectivas tradies histricas, mas logicamente no necessrios a nenhum dos dois ou comeles incompatveis. In: FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razo. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2006,pp. 518-519.2 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Crtica Teoria Geral do Direito Processual Penal. Rio deJaneiro: Renovar, 2001, pp. 18-19.

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  • 16

    essncia acusatrio, com traos de inquisitrio), logo no seria lgico se falar em um

    terceiro sistema:

    Salvo os menos avisados, todos sustentam que no temos, hoje, sistemaspuros, na forma clssica como foram estruturados. Se assim o , vigoramsempre sistemas mistos, dos quais, no poucas vezes, tem-se uma visoequivocada (ou deturpada), justo porque, na sua inteireza, acabarecepcionado como um terceiro sistema, o que no verdadeiro. O ditosistema misto, reformado ou napolenico a conjugao dos outros dois,mas no tem um princpio unificador prprio [...] Por isto, s formalmentepodemos consider-lo como um terceiro sistema, mantendo viva, sempre, anoo referente a seu princpio unificador, at porque est aqui, qui, oponto de partida da alienao que se verifica no operador do direito,mormente o processual, descompromissando-o diante de um atuar que osistema est a exigir, ou pior, no o imunizando contra os vcios geradospor ele.3

    Souza Neto (2006, p. 36),4 na mesma linha de raciocnio, afirma que o

    nosso sistema inquisitivo na essncia, assim como toda a persecuo penal,

    recebendo elementos acusatrios na segunda fase da persecuo, que corresponde

    instruo processual.

    Lopes Junior (2006, p. 182)5, tambm reconhece o processo penal

    brasileiro como inquisitrio, no entanto, ao mesmo tempo afirma que respeitada a

    opo acusatria feita pela Constituio, so substancialmente inconstitucionais

    todos os artigos do CPP que atribuem poderes instrutrios e/ou investigatrios ao

    juiz.

    No obstante o fundamentado entendimento acima de que o sistema

    processual predominantemente inquisitrio - , a maior parte da doutrina se inclina

    para a existncia de um sistema acusatrio com alguns traos de inquisitrio. 6

    3 E o prprio Jacinto N. de Miranda Coutinho aponta a soluo para que se consiga realizar atansio do sistema inquisitrio segundo este autor existente no processo penal para o sistemaacusatrio. Para ele deveria-se acabar com o inqurito policial, advertindo que o fim do inqurito noseria para a instaurao dos juizados de instruo, mas para que ocorresse, e sempre sob o crivo docontraditrio, uma nica instruo no processo. In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papeldo novo juiz no processo penal. Seminrio Nacional Sobre o Uso Alternativo do Direito. Rio deJaneiro: ADV, 1994, pp. 33-45.4 SOUZA NETTO, Jos Laurindo. Processo Penal Sistemas e Princpios. Curitiba: Juru, 2006, p.36.5 LOPES JR, Aury. Introduo Crtica ao Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 182.6 Entendem que o sistema processual penal no pas acusatrio: MARQUES, Jos Frederico.Elementos de Direito Processual Penal. v 1. Campinas: Bookseller, 1998, p. 73; TOURINHO FILHO,Fernando da Costa. Processo Penal. v 1. So Paulo: Saraiva, 1995, p. 70; GRINOVER, Ada Pellegriniet al. Teoria Geral do Processo. So Paulo: Malheiros, 1998, p. 58; JARDIM, Afrnio Silva. DireitoProcessual Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 190; MIRABETE, Jlio Fabbrini. Processo Penal.So Paulo: Atlas, 1996, p. 96.

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  • 17

    Ferrajoli (2006, pp. 519-520)7, aps isolar o que essencial para cada

    sistema8, define os sistemas acusatrio e inquisitrio da seguinte forma:

    [...] pode-se chamar de sistema acusatrio todo sistema processual quetem o juiz como um sujeito passivo rigidamente separado das partes e ojulgamento como um debate paritrio, iniciado pela acusao, qualcompete o nus da prova, desenvolvida com a defesa mediante umcontraditrio pblico e oral e solucionado pelo juiz, com base em sua livreconvico. Inversamente, chamarei inquisitrio todo sistema processual emque o juiz procede de ofcio procura, colheita e avaliao das provas,produzindo um julgamento aps uma instruo escrita e secreta, na qualso excludos ou limitados o contraditrio e os direitos da defesa. Estclaro que aos dois modelos so associveis sistemas diferentes degarantias, sejam orgnicas ou procedimentais: se o sistema acusatriofavorece modelos de juiz popular e procedimentos que valorizam ocontraditrio como mtodo de busca da verdade, o sistema inquisitriotende a privilegiar estruturas judicirias burocratizadas e procedimentosfundados nos poderes instrutrios do juiz, compensados talvez pelosvnculos das provas legais e pela pluralidade de graus de juzo (instncias).

    Da se extrai que um importante critrio identificador de um sistema ou

    outro, de maneira simplificada, est na gesto da prova. A definio de quem exerce

    a gesto da prova e quais os poderes do juiz neste gerenciamento da prova so

    fatores determinantes para se dizer o sistema predominantemente acusatrio ou

    inquisitrio.

    No sistema acusatrio a gesto da prova est centrada nas mos das

    partes, enquanto no inquisitrio, tanto a iniciativa quanto a produo das provas

    encontra-se centrada nas mos do juiz.

    As principais caractersticas do inquisitrio e acusatrio9, segundo

    Barreiros (1981, pp. 11-14 apud MORAIS DA ROSA, 2006, p. 135)10 so:

    7 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razo. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, pp. 519-520.8 Sobre o que essencial em cada um dos modelos Ferrajoli afirma que [...] a seleo dos elementosteoricamente essenciais nos dois modelos invevitavelmente condicionada por juzos de valor emvirtude da conexo que indubitavelmente pode ser instituda entre sistema acusatrio e modelogarantista e, por outro lado, entre sistema inquisitrio, modelo autoritrio e eficincia repressiva. Tudoisso se torna ainda mais essencial, no plano metodolgico de modo a evitar operaes ideolgicasde desvirtuamento histrico ou construes tericas logicamente inconsistentes e axiolgicamenteinteis -, manter bem distinta a noo terica e convencional dos dois modelos de reconstruo desuas caractersticas empricas nas diferentes experincias histricas. Embora de fato dessareconstruo possa resultar um esclarecimento dos nexos funcionais que ligam os diversoselementos de qualquer modelo terico, na experincia prtica estes nunca aparecem em estado puro,mas sempre misturados a outros no logicamente e nem axiologicamente necessrios. Isto dependede contingentes e espontneas dinmicas histrico-polticas, ou de explcitas escolhas legislativasprecrias, ou ainda do fato de que muitos princpios relativos a uma ou outra tradio acabaram seafirmando como universalmente vlidos na Idade Moderna, surgindo, portanto, ao menos no papel,em todos os ordenamentos processuais evoludos: pense-se, por exemplo, no carter pblico daacusao em lugar do carter privado, de origem inquisitria, ou no livre convencimento do juiz, nocontraditrio e nos direitos de defesa, de ascendncia acusatria. 8 In: FERRAJOLI, Luigi. Direito eRazo. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 519.

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  • 18

    No modelo Inquisitrio: a) o julgador permanente; b) no h igualdade departes, j que o juiz investiga, dirige, acusa e julga, em franca situao desuperioridade sobre o acusado; c) a acusao de ofcio, admitindo aacusao secreta; d) escrito, secreto e no contraditrio; e) a prova legalmente tarifada; f) a sentena no faz coisa julgada; e g) a prisopreventiva a regra. J no modelo Acusatrio: a) o julgador umassemblia ou corpo de jurados; b) h igualdade das partes, sendo o juizum rbitro sem iniciativa investigativa; c) nos delitos pblicos, a ao popular, e nos privados, de iniciativa dos ofendidos; d) o processo oral,pblico e contraditrio; e) a anlise da prova se d com base na livreconvico; f) a sentena faz coisa julgada; e g) a liberdade do acusado aregra.

    O juiz, no sistema acusatrio, deve ser figura separada das partes. Isto

    porque se exige paridade entre acusao e defesa e, havendo confuso entre

    julgador e acusador, esta paridade inexiste.

    Ferrajoli (2006, p. 522)11 explica que de todos os elementos

    constitutivos do modelo terico acusatrio, o mais importante, por ser estrutural e

    logicamente pressuposto de todos os outros,12 indubitavelmente a separao entre

    juiz e acusao.

    Segundo Frederico Marques (1998, p. 71):13

    9 Marcos A. C. Zilli aponta como traos fundamentais do sistema acusatrio: 1. A jurisdio penal exercida, essencialmente, por tribunais populares, posicionando-se o julgador como um rbitroimparcial entre acusador e acusado; 2. A persecuo penal exercida por uma pessoa fsica que nopossui qualquer vnculo com os rgos oficiais de persecuo; 3. O acusado considerado comsujeito de direitos estando, pois, em condio de igualdade frente ao acusador; 4. O procedimentodesenvolve-se mendiante um debate pblico, oral, contnuo e contraditrio; 5. Na valorao da prova,impera o sistema do livre convencimento, no estando os juzes subordinadosa regras especficas ergidas quanto valorao das provas emprestadas; 6. A sentena resultado de uma votao, quepode tomar por base a vontade expressa pela maioria ou pela unanimidade dos julgadores. In: ZILLI,Marcos Alexandre Coelho. Iniciativa Instutria do Juiz no Processo Penal. So Paulo: Revista dosTribunais, 2003, pp. 38-39.10 ROSA, Alexandre Morais da. Deciso Penal: A Bricolage de Significantes. Rio de Janeiro: LumenJuris, 2006, p. 135.11 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razo. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 522.12 Aps afirmar que a separao entre as figuras do acusador e do julgador o principal elementoconstitutuivo do sistema acusatrio por ser pressuposto de outros elementos do sistema, Ferrajoliespecifica: Ela comporta no s a diferenciao entre os sujeitos que desenvolvem funesjudicantes e os que desenvolvem funo de postulao e o consequente papel de espectadorespassivos e desinteressados reservado aos primeiros em virturde da proibio ne procedat iudex exofficio, mas tambm, e sobretudo, o papel de parte em posio de paridade com a defesa consignado ao rgo da acusao e a consequente ausncia de qualeur poder sobre a pessoa doimputado. Entendida nesse sentido, a garantia da separao representa, de um lado, uma condioessencial do distanciamento do juiz em relao s partes em causa, que, como veremos, a primeiradas garantias orgnicas que definem a figura do juiz, e, de outro, um pressuposto do nus dacontestao e da prova atribudos acusao, que so as primeiras garantias procedimentais dojuzo. In: FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razo. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 52213 MARQUES, Jos Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. V. 1. Campinas: Bookseller,1998, p. 71.

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  • 19

    No sistema acusatrio, autor e ru encontram-se em p de igualdade,sobrepondo-se a ambos, como rgo imparcial de aplicao da lei, o titularda jurisdio, ou juiz, tal como o consagra o direito brasileiro. A titularidadeda pretenso punitiva pertence ao Estado, representado pelo MinistrioPblico, e no ao juiz, rgo estatal to-somente da aplicao imparcial dalei para dirimir os conflitos ente o jus puniendi e a liberdade do ru.

    No sistema inquisitrio se objetiva realizar o direito penal material. O

    poder punitivo do Estado o dado central, o principal objetivo e os poderes

    outorgados ao juiz devem ser compatveis com esta finalidade. O juiz, ao invs de

    garantidor de direitos, funciona com a funo de realizao da segurana pblica. E

    entre estes atos, para realizar o direito penal, se destaca: a) exercer a ao penal no

    lugar de terceiro originalmente como previa o art. 531 do Cdigo de Processo

    Penal, seja interferindo na delimitao da acusao, como ocorre na mutatio libelli;

    b) a produo de provas de ofcio; c) o recurso de ofcio nos casos de deciso

    favorvel ao ru; que so tarefas tpicas da acusao (PRADO, 2006, p. 105). 14

    Morais da Rosa (2006, p. 137)15, por outro lado, destaca que a assuno

    de um modelo acusatrio no depende do texto constitucional, mas sim de uma

    autntica motivao, de um compromisso interno e pessoal em reconstruir a o

    processo sobre alicerces democrticos, com o juiz se distanciando da iniciativa

    probatria. Para Prado (2006, pp. 63-64)16 a mentalidade inquisitria, ainda forte,

    s compreende alteraes na estrutura do processo penal quando enxerga o

    aperfeioamento do sistema punitivo. 17

    14 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatrio A Conformidade Constitucional das Leis ProcessuaisPenais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 105.15 ROSA, Alexandre Morais da. Deciso Penal: A Bricolage de Significantes. Rio de Janeiro: LumenJuris, 2006, p. 137.16 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatrio A Conformidade Constitucional das Leis ProcessuaisPenais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, pp. 63-64.17 Geraldo Prado explica que esta passagem do sistema inquisitrio para um sistema realmenteacusatrio ocorre, primeiro, com a mudana do discurso, com o abandono do passado autoritrio onde se tolerava inclusive a tortura para um modelo democrtico de processo penal. E continua:Transitar do sistema inquisitrio para o sistema acusatrio significa mudar lugares, adapt-los sfunes que devero cumprir. Importa, tambm, criar Ministrios Pblicos onde antes no havia eequipar Defensorias Pblicas. Ainda h de se pensar em termos de treinamento e capacitao depessoas, desde os funcionrios encarregados de atender ao pblico e processar os expedientes atjuzes, promotores de justia e defensores, habituados ao processo escrito, lento e sigiloso,substitudo por um mecanismo oral, gil e pblico. Isto custa dinheiro e em poca de conteno dedficit pblico so espinhosas as negociaes voltadas autonomia administrativa e financeira dascitadas instituies (Poderes Judicirios, Ministrios Pblicos e Defensorias Pblicas). Por fim,sugere a modificao na forma de ensino jurdico, que deveria ser mais prxima da realidade, comcontato interdisciplinar, preparando os jovens para novas formas de sociabilidade e conflito. In:PRADO, Geraldo. Sistema Acusatrio A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais.Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 64.

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  • 20

    Fixada a premissa de um sistema predominantemente acusatrio no

    processo penal brasileiro, h um ponto, no entanto, que merece destaque e especial

    cuidado para evitar a violao desse sistema -, que a produo das provas

    centrada nas mos do juiz.

    Lopes Junior (2006, pp. 164-165)18 realiza crtica bastante contundente a

    esta possibilidade:

    importante destacar que a principal crtica que se fez (e se faz at hoje)ao modelo acusatrio exatamente com relao inrcia do juiz(imposio de imparcialidade), pois este deve resignar-se com asconseqncias de uma atividade incompleta das partes, tendo que decidircom base em um material defeituoso que lhe foi proporcionado. Essesempre foi o fundamento histrico que conduziu atribuio de poderesinstrutrios ao juiz e revelou-se (atravs da inquisio) um gravssimo erro.O mais interessante que no aprendemos com os erros, nem mesmocom os mais graves, como foi a inquisio. Basta constatar que o atualCPP atribui poderes instrutrios para o juiz, a maioria dos tribunais edoutrinadores defende essa postura ativa por parte do juiz (muitas vezesinvocando a tal verdade real, esquecendo a origem desse mito e nopercebendo o absurdo do conceito), proliferam projetos de lei criandojuzes inquisidores e juizados de instruo, etc.

    No entanto, Badar (2003, p. 137)19, para citar um autor, afirma que

    plenamente possvel e natural compatibilizar sistema acusatrio com poderes

    instrutrios para o julgador, e que o processo penal brasileiro seria exemplo disso:

    que, embora seja caracterstica histrica do processo acusatria a inrciaprobatria do juiz, que tinha apenas uma funo passiva em relao atividade instrutria, tal aspecto no lhe fundamental. A evoluo de talmodelo, principalmente em decorrncia da publicizao do processo, fezsurgir um processo em que h clara separao de funes entre acusao,defesa e julgador, a despeito de o juiz poder ser dotado de poderesinstrutrios. Assim, quanto s caractersticas secundrias, possvel aexistncia de um processo acusatrio no qual o juiz pode determinar aproduo de provas de ofcio v.g., o processo penal brasileiro ouportugus. No primeiro caso, haveria um processo acusatrio, comestrutura adversarial, na acepo que tal expresso tem no sistema decommon law. Diversamente, na segunda hiptese, ter-se-ia um processoacusatrio, de natureza inquisitorial (segundo a acepo de tal palavra nosistema anglo-americano).Aqueles que, equivocadamente, partem da premissa de que o processoacusatrio se identifica com o processo adversarial concluem, tambm deforma errnea, que o processo acusatrio implica ausncia de atividadeprobatria do juiz. Em outras palavras, acabam por equiparar o processoacusatrio ao processo dispositivo, no qual h um domnio pleno daspartes, com inrcia do juiz, inclusive no campo probatrio.

    18 LOPES JR, Aury. Introduo Crtica ao Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, pp.164-165.19 BADAR, Gustavo Henrique Righi Ivahy. nus da prova no Processo Penal. So Paulo: Revistados Tribunais, 2003, p. 137.

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  • 21

    Prado (2006, p. 140),20 contrrio a idia acima de que poderes

    instrutrios ao juiz algo natural ao sistema acusatrio de alguns pases afirma

    que esta diviso em sistema acusatrio adversarial (onde h inrcia do juiz no

    campo probatrio) e sistema acusatrio onde o juiz tem poderes de instruo,

    somente se presta a prolongar a vida do Cdigo de Processo Penal de 1941, de

    filosofia autoritria, que via no processo um instrumento a servio da segurana

    pblica, e no como o devido processo legal previsto na Constituio Federal atual.

    No processo penal, j que o sistema acusatrio, tanto quanto possvel,

    o juiz deve permanecer distante da produo da prova, para que possa analis-la

    com a devida imparcialidade. Embora s vezes a atitude do juiz tome ntido carter

    inquisitrio, como, por exemplo, na produo de provas de ofcio, como busca e

    apreenso, inquirio de testemunhas no arroladas pelas partes, dentro de um

    sistema eleito pela Constituio como acusatrio, com figuras muito bem definidas

    (autor da ao, defensor, julgador), tais atitudes somente devem ser adotadas em

    situaes muito bem ponderadas - at para no comprometer a imparcialidade do

    julgador.

    O raciocnio para a moderao, para a reserva quanto a produo de

    provas de ofcio pelo juiz, parte de que quando se pretende trazer ao processo-crime

    alguma prova, antes disso j se processou uma anlise, no pensamento de quem

    pretende produzir esta prova, sobre os rumos para que este material de prova possa

    determinar e se este pensamento for de alguma das partes no haveria problema,

    a questo quando parte do juiz.

    Sobre o assunto, considera Prado (2006, pp. 141-142)21 que:

    O juiz o destinatrio da prova e, sem dvida alguma, sujeito doconhecimento. Quando, porm, se dedica a produzir provas de ofcio secoloca como ativo sujeito do conhecimento a empreender tarefa que no neutra, pois sempre deduzir a hiptese que pela prova pretender verconfirmada. Como as hipteses do processo penal so duas: h crime e oru responsvel ou isso no verdade, a prova produzida de ofcio visarconfirmar uma das duas hipteses e colocar o juiz, antecipadamente,ligado hiptese que pretende comprovar.Assim, por exemplo, se uma testemunha X afirma sem muita convicoque viu o ru subtrair o carro da vtima e que estava ao lado de outra

    20 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatrio A Conformidade Constitucional das Leis ProcessuaisPenais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 140.21 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatrio A Conformidade Constitucional das Leis ProcessuaisPenais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, pp. 141-142.

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  • 22

    testemunha Z, no arrolada, a deciso do juiz, de ofcio, de ouvir amencionada testemunha Z s pode ser determinada pela convicohonesta de que a testemunha Z confirmar o fato. evidente que se atestemunha Z negar o fato, o juiz tender a levar isso em considerao.Caso, porm, a testemunha confirme as declaraes da outra, dificilmenteo ru poder acreditar que o juiz dar crdito a testemunhas que vier aarrolar para desmentirem as duas primeiras. Com isso estar quebrado ofrgil equilbrio em que se sustenta a imparcialidade do juiz no processopenal.

    No obstante, tem sido comum o juiz fazer trazer aos autos provas,

    muitas vezes sequer mencionadas ou produzidas pelo autor da ao penal, que,

    naturalmente, sero utilizadas na resoluo da ao at porque j considerada

    importante pelo julgador -.22

    A questo, neste ponto, que, para tanto, partiu o julgador de uma

    desconfiana inicial, provavelmente de culpa, pelo acusado e investiu na direo de

    produzir prova capaz de demonstrar esta culpa ou responsabilidade, para

    diferenciar do dolo em matria penal.

    No pode ser considerado absurdo que esta postura tem grande

    possibilidade de afastar o juiz da posio de distanciamento necessria a um

    julgamento isento, em confronto com o sistema acusatrio,23 que se baseia muito

    mais na interveno moderada, de coordenao dos princpios e disposies da

    Constituio Federal e Cdigo de Processo Penal, do que na investigao judicial

    caracterstica do sistema inquisitrio -.

    Lopes Junior (2006, p. 89),24 ao tratar da imparcialidade do julgador,

    adverte:

    22 Marcos A. C. Zilli, tratando do sistema adversarial, destaca que a atuao instrutria do julgadorimplica em risco do juiz exteriorizar um pr-julgamento, e d o exemplo do surgimento de umdepoimento contrrio a todas as provas at ento apresentadas em um processo. Diante de talquadro, se o julgador decidisse por pressionar a testemunha, exigindo maiores esclarecimentos a fimde dirimir a contradio, sua conduta seria invariavelmente interpretada, por todos aqueles queacompanham o julgamento, como uma valorao negativa quanto veracidade daquele depoimentoapresentado. Por outro lado, se o julgador nada fizesse, sua omiso poderia causar a impresso deque a contradio por todos percebida no teria a menor relevncia para o deslinde da causa. In:ZILLI, Marcos Alexandre Coelho. A Iniciativa Instrutria do Juiz no Processo Penal. So Paulo:Revista dos Tribunais, 2003, p. 46.23 Aury Lopes Junior explica que o sistema acusatrio um imperativo do modeno processo penal,frente atual estrutura social e poltica do Estado. Assegura a imparcialidade e a tranquilidadepsicolgica do juiz que ir sentenciar, grantindo o trato digno e respeitoso com o acusado, que deixarse ser mero objeto para assumir sua posio de autntica parte passiva do processo penal. Tambmconduz a uma maior tranquilidade social, pois evita-se eventuais abusos da prepotncia estatal quese pode manifestar na figura do juiz apaixonado pelo resultado de sua labor investigadora e que, aosentenciar, olvida-se dos princpios bsicos de justia, pois tratou o suspeito como condenado desdeo incio da investigao. In: LOPES JR, Aury. Introduo Crtica ao Processo Penal. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2006, p. 165.24 LOPES JR, Aury. Introduo Crtica ao Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 89.

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  • 23

    Mas tudo isso cai por terra quando se atribuem poderes instrutrios (ouinvestigatrios) ao juiz, pois a gesto ou iniciativa probatria caracterstica essencial do princpio inquisitivo, que leva, porconseqncia, a fundar um sistema inquisitrio. A gesto/iniciativaprobatria nas mos do juiz conduz a figura do juiz ator (e no espectador),ncleo do sistema inquisitrio. Logo, destri-se a estrutura dialtica doprocesso penal, o contraditrio, a igualdade de tratamento e oportunidadese, por derradeiro, a imparcialidade o princpio supremo do processo.

    A existncia hoje indiscutvel porque admitida pela jurisprudncia e boa

    parte da doutrina de poderes instrutrios nas mos do juiz, representa risco ao

    sistema acusatrio. Isto porque, no raro, pode ocorrer quebra da imparcialidade em

    razo de pr-julgamento no momento de determinar alguma prova, partindo-se da

    premissa que o julgador, antes mesmo que seja produzida, mentalmente, j prev o

    seu destino, caso apresente o resultado esperado.

    De igual forma no momento de valorar esta prova. possvel que, antes

    mesmo do momento prprio valorao o juiz j esteja convencido da

    responsabilidade penal do acusado tanto que foi, em substituio s partes, atrs

    daquela prova que considerava imprescindvel como elemento para embasar futura

    motivao.

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  • 24

    3 SISTEMA PENAL NA ATUALIDADE

    A segurana pblica tem sido colocada como um dos principais

    problemas a ser enfrentado pelos governantes. Existe grande exigncia da

    populao para que sejam oferecidas solues violncia e criminalidade. O medo

    constante, atingindo ricos e pobres, moradores em pequenas ou grandes cidades.

    Diz-se que a populao pede para que algo (ou tudo) seja modificado,

    preferencialmente em regime de urgncia. Pouco interessa polticas de longo prazo

    ou resoluo de problemas sociais (misria, fome, educao, sade), exige-se do

    direito penal uma resposta e de preferncia que implique na priso de muitos

    excludos.

    Este um fenmeno prprio a este tempo, que Coelho (2001, p. 18-33)25

    denomina de transmodernidade decorrente do esgotamento da modernidade -, e

    que reflete tambm no direito, como em qualquer outro campo da vida. A

    transmodernidade teria sua origem juntamente com a liberdade de informao hoje

    existente, a globalizao, o neoliberalismo, impondo ao pensamento jurdico uma

    reviso de todos os pressupostos ideolgicos em que se apia e, quanto ao direito

    positivo, um repensar de seus institutos fundamentais.

    Com o fim da modernidade o indivduo acaba perdendo parte de seus

    referenciais, buscando outras coisas no definidas. O Estado, a Justia acabam

    sendo considerados superados, questionados em sua prpria legitimidade, no que

    Coelho (2001, p. 33)26 chama de desreferencializao.

    H uma sensao de que j no existe um conceito muito bem definido

    de nao ou de fronteira, encontrando-se espalhadas pelo mundo clubes de servio,

    grandes corporaes (compra-se o tnis estadunidense, mas fabricado na China, na

    Malsia; o carro com nome ingls, fabricado no Mxico, com pneu chins etc.).27

    25 COELHO, Luiz Fernando. Saudade do Futuro: transmodernidade, direito, utopia. Florianpolis:Fundao Boiteux, 2001, p. 18-33.26 COELHO, Luiz Fernando. Saudade do Futuro: transmodernidade, direito, utopia. Florianpolis:Fundao Boiteux, 2001, p. 33.27 Sobre isso Coelho esclarece: E tudo isso leva a um deslocamento do homem tambm no espaoideolgico, porque os velhos conceitos, categorias e modelos de saber, bem como os antigos mitosconstrudos pela cincia e filosofia jurdica e poltica, tais como o Estado, o prprio direitoobjetivamente considerado e a justia, j se apresentam como anacrnicos e superados e no ocapacitam mais a compreender seu prprio lugar na sociedade e no mundo e a aceitar como legtimoo papel que essa sociedade lhe reservou. A desreferenciao ideolgica faz com que o homem percao sentimento de segurana que os antigos mitos lhe proporcionavam, como membro de uma famlia,

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  • 25

    Ao mesmo tempo, com a tecnologia, o indivduo acaba ficando na mira

    de todo tipo de propaganda, informao e mecanismos de controle, que diminuem a

    sensao de privacidade. As relaes pessoais ficam de lado somente para os

    momentos que forem consideradas convenientes -, os valores familiares so

    abandonados, e a pessoa passa a representar um nmero, uma estatstica.

    Isto tudo produz muita insegurana, medo, desconfiana no Estado e

    nas pessoas, que passam a acreditar que melhor ficar em sua casa que interagir,

    fazer amizades (o que pode ser considerado como um risco). Tudo parece transitrio

    e descartvel e o que importa a satisfao imediata.

    Bauman (2004, p. 7-9)28, socilogo polons, tratando da fragilidade dos

    laos humanos e a insegurana dela decorrentes, afirma:

    [...] o cidado de nossa lquida sociedade moderna e seus atuaissucessores so obrigados a amarrar um ao outro, por iniciativa, habilidadese dedicao prprias, os laos que porventura pretendam usar com orestante da humanidade. Desligados, precisam conectar-se... Nenhumadas conexes que venham a preencher a lacuna deixada pelos vnculosausentes ou obsoletos tem, contudo, a garantia da permanncia. Dequalquer modo, eles s precisam ser frouxamente atados, para quepossam ser outra vez desfeitos, sem grandes delongas, quando oscenrios mudarem o que, na modernidade lquida, decerto ocorrerrepetidas vezes.[...]Em nosso mundo de furiosa individualizao, os relacionamentos sobnos ambguas. Oscilam entre o sonho e o pesadelo, e no h comodeterminar quando um se transforma em outro. Na maior parte do tempo,esses dois avatares coabitam embora em diferentes nveis deconscincia. No lquido cenrio da vida moderna, os relacionamentostalvez sejam os representantes mais comuns, agudos, perturbadores eprofundamente sentidos da ambivalncia. por isso, podemos garantir,que se encontram to firmemente no cerne das atenes dos modernos elquidos indivduos-por-decreto, e no topo de sua agenda existencial.

    Neste contexto (globalizao, neo-liberalismo, concentrao do capital

    sob o enfoque econmico , e solido, angstia, desconfiana, ausncia de projetos

    para o futuro no campo pessoal), aumenta-se o nmero de excludos e

    marginalizados. Como conseqncia, e para dar resposta a problemas nitidamente

    sociais, se exigir resposta do direito penal com mecanismos mais rgidos e

    diminuio de garantias.

    seguidor de uma seita ou religio e nacional de um pas. COELHO, Luiz Fernando. Saudade doFuturo: transmodernidade, direito, utopia. Florianpolis: Fundao Boiteux, 2001, p. 48.28 BAUMAN, Zygmunt. Amor Lquido. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, pp. 07-09.

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  • 26

    E em razo desta exigncia, cada vez mais, o direito penal vai inflando,

    com a formulao expressiva de novos tipos penais (e reconfigurao de tipos

    penais j existentes) A impresso que se d que ningum mais est preocupado

    com o Estado Social que por algum tempo foi objeto dos anseios da maioria mas

    sim com a instaurao de um Estado Penal que, com seus incontveis novos tipos

    seria capaz de restaurar a lei e a ordem.

    Morais da Rosa (2006, p. 221)29 apresenta viso perfeita deste

    fenmeno:

    O Estado Intervencionista da Nova Escola Penal est de volta na suamisso de defender os cidados bons e sadios dos maus e doentes,desenterrando o discurso etiolgico, perfeitamente conveniente para mdiae para classe dominante. Sob o mote de curar ao mal, tendo da sociedadecomo um organismo vivo, na perspectiva de uma vida social sadia, aviolncia oficial se mostra mais do que justificada: necessria sobrevivncia social.Sustenta Arend que: O mais assustador que h um estratgico eeficiente contgio ideolgico programando as pessoas para servirem comoa voz que chama a ao do poder do Estado para combater a violncia,com a presena da autoridade e ataque aos perigosos. Perdeu-se aaspirao do Estado social. A utopia agora a do Estado Penal, mediantea ao capilar e absoluta do Estado Policial.

    Embora Silva Snchez (2002, p. 23-25)30 sustente que esta tendncia

    expansionista do direito penal no guarda qualquer semelhana com movimentos

    como de law and order onde se reclamava atuao mais violenta e repressiva que

    passa pelo aumento da legislao e rigor nas penas, forma de agir policial e judicial

    mais contundentes em relao criminalidade o que se tem, no final das contas,

    com vis de modernidade, o bom e velho discurso da lei e da ordem que agora, ao

    invs de ter como foco a criminalidade patrimonial violenta passa a falar em tipos

    penais para bens coletivos.

    A percepo pblica, pela inexistncia de censura, liberdade de

    expresso e imprensa, maior que em outras pocas, realizando efeito multiplicador

    (de medos) em todos os seguimentos da sociedade.

    Atravs da televiso e existe mais televiso que geladeira nas casas

    brasileiras segundo o IBGE todos assistem ao crime na hora do almoo ou antes

    29 ROSA, Alexandre Morais da. Deciso Penal: a Bricolagle de Significantes. Rio de Janeiro: LumenJuris, 2006, p. 221.30 SNCHEZ, Jess-Maria Silva. A Expanso do Direito Penal Aspectos da poltica criminal nassociedades ps-industriais. Trad. Luiz Otavio de Oliveira Rocha. So Paulo: Revista dos Tribunais,2002, pp. 23-25.

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  • 27

    da janta. Geralmente um apresentador ruim que a cada pessoa que aparece viva

    ou morta faz um comentrio degradante, sempre seguido de um onde vamos

    parar, o cidado de bem tem que ficar trancado em casa enquanto o bandido est

    na rua, a criminalidade no tem mais jeito, preciso leis penais mais rigorosas.

    algo como quanto mais (medo) melhor.

    Pastana (2003, p. 98)31 assevera que a cultura do medo que se criou

    em torno da criminalidade provoca um generalizado desejo de punio, uma intensa

    busca de represso e uma obsesso por segurana. Diante deste quadro, a

    sociedade s se contenta, s se satisfaz com novas leis colocadas como passveis

    de resolver todos os problemas.32

    Beck (2005, p. 3)33 destaca que a cultura do medo vem do paradoxo de

    que as instituies feitas para controlar o medo produzem exatamente o seu

    descontrole. A pessoa sempre estar com medo de algo ainda prestes a acontecer,

    mas que no sabe bem o que .

    H uma indstria dos programas policialescos de rdio, televiso, que se

    alimentam deste fenmeno, e fomentam o medo na cabea das pessoas.34 Da para

    que a criao de novas leis e a dureza do direito penal sejam transformadas em

    plataforma de governo um passo.

    Bauman (2004, p. 143-144)35 observa de forma muito clara este

    fenmeno:

    31 PASTANA, Dbora Regina. Cultura do medo: reflexes sobre a violncia criminal, controle social ecidadania no Brasil. So Paulo: Mtodo, 2003, p. 98.32 H uma histria (que pode ser apenas falao popular) que determinado governante, em umainaugurao de poos para retirada de gua no serto nordestino, aps assinatura de ordem paraque o rgo responsvel furasse mais alguns poos, declarou que, com aquele documento, estavaresolvido o problema da seca no nordeste o que no correspondia realidade. Da mesma formaacontece com a lei penal, que como aqueles unguentos, gordura de peixe eltrico e garrafadas,vendidos nas praas e rodovirias, colocado como capaz de curar de queda de cabelo problemascardacos.33 BECK, ULRICH. Incertezas Fabricadas. Entrevista a IHU on-line em 22.mai.2005. Disponvel: acesso em 15.jun.2007, p. 03.34 Sobre esta influncia negativa da mdia, Alexandre Morais da Rosa pontua: [...] a fora da mdiapromove, com objetivos comerciais e outros nem tanto, a vivacidade do espetculo violncia, capazde instalar a cultura do pnico, fomentador do discurso da Defesa Social e combustvel inflamvelpara aferrolhar o desalento constitutivo do sujeito clivado com a promessa de segurana, enfim, derealimentar os esteritipos do crime e criminoso, mote dos discursos da Lei e Ordem. LembraBatista: acreditar em bruxas costuma ser a primeira condio de eficincia da justia criminal, comoos inquisidores Kramer e Sprenger sabiam muito bem. Alis, o Martelo das Feiticeiras de Kramer eSprenger, manual de procedimento muito difundido durante a inquisio, por certo, serve deinspirao velada de muitas propostas de reforma da legislao ou mesmo de prticas judiciaisantigarantistas. ROSA, Alexandre Morais da. Deciso Penal: a Bricolagle de Significantes. Rio deJaneiro: Lumen Juris, 2006, pp. 204-205.35 BAUMAN, Zygmunt. Amor Lquido. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 173.

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  • 28

    Pessoas desgastas e mortalmente fatigadas em conseqncia de testes deadequao eternamente inconclusos, assustadas at a alma pelamisteriosa e inexplicvel precariedade de seus destinos e pelas nvoasglobais que ocultam suas esperanas, buscam desesperadamente osculpados por seus problemas e tribulaes. Encontram-nos sem surpresa,sob o poste de luz mais prximo o nico ponto obrigatoriamenteiluminado pelas foras da lei e da ordem: So os criminosos que nosdeixam inseguros, so os forasteiros que trazem o crime. E assim ereunindo, encarcerando e deportando os forasteiros que vamos restaurar asegurana perdida ou roubada.[...] com efeito, em todo o mundo submetido a governos democraticamenteeleitos a frase serei duro com o crime transformou-se num trunfo, mas amo vencedora quase sempre uma promessa de mais prises, maispoliciais, sentenas maiores [...].

    E da forma como est, o sistema penal acaba no dando a resposta

    esperada, embora dando a resposta para o qual foi projetado priso de pobres e

    excludos em sua maioria -, fazendo com que a cobrana por segurana e fim da

    impunidade esteja presente no discurso de quase todos, mesmo daqueles

    residentes em pequenas cidades onde o pior ilcito no ltimo ms foi a subtrao de

    alguma roupa no varal.

    Os crimes continuam ocorrendo, a televiso continua mostrando e

    muitas vezes chega antes mesmo da polcia - e cada vez mais o sistema de penal

    diminui sua legitimidade em razo de no conseguir explicar porque alcana

    somente algumas pessoas geralmente pobres, negros, moradores de favelas ou

    bairros perifricos e por no ser capaz de apresentar respostas impunidade e

    sentimento de insegurana.

    Sobre a contribuio da propaganda para o aumento do sistema penal,

    Morais da Rosa (2006, p. 226)36 sustenta:

    A mdia possui um papel destacado de fomento do discurso da Lei e daOrdem. Isto porque o clima de insegurana passado pela imprensa, notocante a violncia criminal, de certa forma garante a manuteno do idealdominante. No se pode, todavia, imputar-lhe simplesmente a vontadedeliberada de tal proceder, porque ela baila conforme o mercado, nalgica capitalista, dos interesses dos que se escondem por detrs da tela.

    Em razo disso, para ganhar simpatia, e acreditando que esta simpatia

    se converte em voto, os polticos esboam reao, que quase sempre quer dizer

    36 ROSA, Alexandre Morais da. Deciso Penal: a Bricolagle de Significantes. Rio de Janeiro: LumenJuris, 2006, p. 226.

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  • 29

    produo legislativa repressiva, dando resposta populao, porm sem resolver o

    problema, no que se convencionou chamar de direito penal simblico.

    Para Fernandes (2001, p. 53)37:

    A ameaa do legislador penal com sanes graves, embora saiba deantemo que no vai ser capaz de, mesmo assim, proteger eficazmente obem jurdico uma vez que se criminaliza a conduta, mas sabe-se queser muito difcil, ou mesmo impossvel, punir os infratores cria a imagemde um direito penal por um lado incapaz e, por outro, de pura intimidao,que acaba por punir, de quando em vez, alguns infratores, que nopassaro de bodes expiatrios.

    Com isso, e essa parece ser uma tendncia irremedivel neste momento

    histrico, ocorre um inchao, uma hipertrofia do poder punitivo, passando-se a

    alcanar fatos tidos como normais (lcitos) h pouco tempo.

    Ainda que a expanso do direito penal seja algo inevitvel e em alguns

    poucos campos sustentvel, como o direito ambiental a realidade que o direito

    penal passa a servir como forma de gerir eventuais contingncias no campo social,

    financeiro (e principalmente do prprio Estado, no necessariamente do indivduo)

    ao invs de atuar como ultima ratio na proteo dos bens jurdicos e interesses mais

    valiosos.

    impossvel no se admitir que com a globalizao e a integrao de

    vrios pases diferentes, prprias deste sculo e da modernidade ps-industrial,

    algumas condutas extremamente lesivas a uma pessoa ou grupo de pessoas jamais

    alcanaria resposta seno por estruturas punitivas tambm mais complexas. Da o

    grande desafio, porque sendo o direito penal a ultima ratio, as solues para todos

    os problemas no pode simplesmente desembocar na elaborao de novos tipos e

    penas maiores para os j existentes principalmente quanto aos problemas vindos

    da ineficincia do prprio Estado, que tem mania de querer san-las utilizando-se do

    direito penal.

    Roxin (2006, p. 15)38 assevera que:

    Sociedades simples podem arranjar-se com os dez mandamentos ouanlogas normas bsicas. Mas a moderna sociedade de massas s sedeixa controlar atravs de abrangentes regulamentaes. Tambm osnovos desenvolvimentos trazem consigo imediatamente uma enxurrada de

    37 FERNANDES, Paulo Silva. Globalizao, Sociedade de Risco e o Futuro do Direito Penal.Coimbra: Almedina, 2001, p. 53.38 ROXIN, Claus. Estudos de Direito Penal. Trad. Lus Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 15.

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  • 30

    novos dispositivos jurdicos. Isto vlido no s para decises polticas,tais como medidas de boicote no direito do comrcio exterior, mas tambmpara as crescentes ameaas ambientais e para a tecnologia moderna, emespecial na forma do processamento de dados.

    O processo de produo das grandes corporaes capaz de criar uma

    sucesso de vrias sociedades empresrias, destacadas pelos cantos do mundo

    preferencialmente para aquele canto onde a mo-de-obra seja mais barata ou

    escrava -, sem que se saiba muito bem quem responsabilizar (ou como) em caso de

    condutas lesivas a terceiros.

    Com a utilizao de um computador, internet, possvel a prtica de

    vrios crimes, em lugares diferentes, quase simultaneamente. Vicente (2005, p.

    274)39 destaca a dificuldade em se realizar fiscalizao mais efetiva neste ambiente:

    O custo relativamente baixo da tecnologia da internet a torna acessvelcomo instrumento para um amplo grupo de usurios embora seu acessoseja ainda um problema em algumas partes do mundo, hoje ainda existemcafs de internet espalhados pelos lugares mais longnquos, entredesertos, montanhas e florestas. E, embora a vigilncia eletrnica pelasagncias de informao esteja se intensificando, o anonimato amplamente resguardado, pois no h necessidade de revelar a identidadepara usar esta tecnologia.

    Por causa disso o direito penal chamado a dar respostas para as

    quais talvez ainda no esteja preparado da a expanso, com o abandono do

    direito penal liberal que em sua essncia voltado para bens jurdicos individuais.

    Todavia, tendo o bem jurdico como delimitador do poder de punir e

    no como fundamentador deste poder tem-se que o direito penal dever abranger

    somente casos excepcionais, onde os outros ramos do direito mostram-se

    ineficientes, com feio nitidamente subsidiria. E esta ineficincia no ineficincia

    do funcionrio da repartio pblica (nos casos em que o direito administrativo

    bastaria para represso ou castigo), mas ineficincia do prprio direito

    administrativo, com seu instrumental, para resoluo do problema. E a concluso

    idntica quando se trata do direito civil.

    Fernandes (2001, p. 53)40 adverte que:

    39 VICENTE, Kim. Homens e Mquinas. Trad. Maria Ins Duque Estrada. Rio de Janeiro: Ediouro,2005, p. 274.40 FERNANDES, Paulo Silva. Globalizao, Sociedade de Risco e o Futuro do Direito Penal.Coimbra: Almedina, 2001, p. 53.

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  • 31

    [...] paradoxalmente o direito penal arrisca-se a fugir do direito penal. orisco de se tornar simblico (sucumbindo, qui muitas vezes, tcnica dobode expiatrio), de se relativizar, funcionalizar (ou politizar),administrativizar-se, procurar ancorar-se em portos diversos do seu, paraconseguir uma maior efectividade.

    A finalidade do direito penal est pautada na proteo subsidiria. Roxin

    (2006, p. 33)41 destaca:

    A finalidade do direito penal, de garantir a convivncia pacfica dasociedade est condicionada a um pressuposto limitador: a pena s podeser cominada quando for impossvel obter esse fim atravs de outrasmedidas menos gravosas. O direito penal desnecessrio quando se podegarantir a segurana e a paz jurdica atravs do direito civil, de umaproibio de direito administrativo ou de medidas preventivas extrajurdicas.

    A dificuldade est em se elaborar um modelo de direito penal capaz de

    ter equilbrio entre o direito penal clssico e o direito penal que responda aos novos

    riscos. Isto porque o direito penal ao pretender fornecer resposta praticamente

    sozinho aos novos riscos realiza supervalorizao de sua estrutura em um delrio

    de grandeza (messianismo) decorrente da auto-atribuio do papel de proteo dos

    valores mais caros humanidade, chegando a assumir responsabilidade pelo futuro

    da civilizao (tutela penal das geraes futuras) (CARVALHO, 2003, p. 206)42 o

    que jamais conseguir realizar.

    A idia de que a tica social praticamente inexiste em razo da queda

    dos critrios tradicionais de avaliao nas ltimas dcadas (e o exemplo a

    reclamao de juzes que no se sentem capacitados para aplicar o direito e

    produzir valores morais); que o direito civil est desprestigiado em razo dos

    contratos de seguro e indenizaes em montantes padronizados, e o direito

    administrativo por causa da burocracia e da corrupo (SILVA SANCHEZ, 2002, p.

    57-61)43, no convence.

    Bastaria manejar o direito civil e administrativo com o instrumental

    necessrio melhor consecuo de suas finalidades para no precisar ter o direito

    41 ROXIN, Claus. Estudos de Direito Penal. Trad. Lus Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 33.42 CARVALHO, Salo de. A Ferida Narcsica do Direito Penal (primeiras observaes sobre as(dis)funes do controle penal na sociedade contempornea). In: A Qualidade do Tempo: para almdas aparncias histricas. Ruth M. Chitt Gauer (org.). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 206.43 SNCHEZ, Jess-Maria Silva. A Expanso do Direito Penal Aspectos da poltica criminal nassociedades ps-industriais. Trad. Luiz Otavio de Oliveira Rocha. So Paulo: Revista dos Tribunais,2002, pp. 57-61.

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  • 32

    penal como nico instrumento de pedagogia e socializao, fazendo com que

    realmente fosse a ultima ratio.

    Para Lopes Junior (2006, p. 56)44 esse cenrio conduz onipotncia

    que incapacita o Direito Penal a perceber seus prprios limites, inviabilizando uma

    relao madura com os outros campos do saber (interdisciplinaridade). Ao no

    dialogar o Direito Penal no percebe a falncia do monlogo cientfico, o que conduz

    ao agravamento da crise e do prprio autismo jurdico.

    Toda esta discusso, at aqui exposta, tem como ponto de partida a

    doutrina da sociedade de risco de Beck (2005, p. 05-12)45. O socilogo faz uma

    diferenciao entre os riscos mais simples existentes no incio do sculo

    passado e os riscos decorrentes da ps-modernidade. Enquanto antes os problemas

    decorrentes da interveno do homem no meio afetavam apenas uma pessoa, ou

    pequeno grupo, hoje os riscos produzidos so capazes de atravessar fronteiras e

    destruir uma sociedade por completo, como, por exemplo, em um acidente atmico,

    ou decorrente de manipulao gentica.

    E para estes novos riscos que estaria legitimada a interveno do

    Estado, no necessariamente penal. No se pode esquecer que criminalidade e

    violncia so fenmenos que sempre acompanharam a humanidade.

    Sendo a atuao do direito penal a ultima ratio somente se justifica sua

    utilizao para hipteses extremas ainda que sob o prisma da teoria do risco.

    Embora esta tendncia tenha sido incorporada na legislao Lei n.

    8.072/90, Lei n. 9.034/95, p. ex. so construes jurdicas que vo alm do que o

    prprio Beck (2005, p. 10)46 havia colocado como dimenso do perigo: crise

    ecolgica; segunda, crise financeira global; e terceira a partir de 11 de setembro

    de 2001 o perigo terrorista causado pela rede transnacional terrorista.

    No final das contas, no h clareza sobre o que ocorrer adiante.

    Mesmo havendo esta forte tendncia expanso do direito penal e parece ser

    inevitvel no contexto mundial, em razo destes novos riscos - o que acaba

    refletindo por aqui inegvel tambm a face perversa que revela, como a

    utilizao do argumento para justificar todo e qualquer aumento da estrutura de

    44 LOPES JR, Aury. Introduo Crtica ao Processo Penal Fundamentos da InstrumentalidadeConstitucional. 4 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 56.45 BECK, ULRICH. Incertezas Fabricadas. Entrevista a IHU on-line em 22.mai.2005. Disponvel: acesso em 15.jun.2007, p. 05-12.46 BECK, ULRICH. Incertezas Fabricadas. Entrevista a IHU on-line em 22.mai.2005. Disponvel: acesso em 15.jun.2007, p. 10.

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  • 33

    represso, inclusive na rea patrimonial o que no tem nada em comum com

    grandes riscos ambientais ou perigo de destruio do mundo.

    Tem servido, ainda, no processo penal, como argumento para

    relativizao ou supresso de direitos em casos absolutamente desvinculados da

    risk society. menos ampliao dos mecanismos de controle para novos riscos do

    que reforo do que existe para o sistema seletivo e injusto que se apresenta no

    momento, implicando sempre em diminuio do indivduo frente a um interesse

    pblico47 que neste caso no quer dizer interesse em melhorar a vida do povo,

    mas em prender mais (fazer sofrer mais, excluir mais, isolar mais), com menos

    chance de defesa.

    47 Trcio Sampaio Ferraz Junior deixa muito claro que o interesse pblico, quando se trata deprocesso penal completamente diverso do interesse pblico do direito privado. Visa a restauraoda harmonia interna da sociedade, e no a vingana do Estado contra suposto autor de crime.Explica: Muito embora haja aparentemente uma adequao, no uso da expresso ao penal, ainteresses, no se deve tomar a expresso interesse pblico, no caso do processo penal, damesma forma que se toma a noo de interesse privado nem mesmo interesse pblico quando sediz que o Estado, pessoa jurdica, atua administrativamente. Na verdade, nenhuma das trs acepesde interesse coincidem. Na acepo privada, o interesse aponta para uma concepo do social comoum todo resultante da soma de suas partes, caso em que um interesse privado se acomoda,conflitua, coincide, se separa etc. em face de outro interesse privado. Da o direito como composiode interesses. No caso do interesse pblico administrativo, a palavra ainda se refere ao socialconcebido como um todo composto pela soma de suas partes, justamente no sentido destasomatria. O interesse de que nos fala o Direito Administrativo aquilo que compete ao Estado gerircom prevalncia do todo sobre cada uma das partes que venham a comp-Io. Pode-se dizer, nestestermos, que pblico e privado aparecem como correlatos. Diferente, porm, o caso do interessepblico no que diz respeito ao penal e ao direito penal de modo geral. Aqui a concepo do socialcomo um todo extrapola a mera soma agregada das partes, posto que indica um plus em relao soma. O interesso pblico protegido na ao penal no resulta do contraste entre o todo e uma desuas partes, mas algo que se pe acima deste contraste. Em outras palavras, na ao penal, ointeresse no exsurge em oposio a outro interesse, apenas com grau de proeminncia diferente,mas se pe antes mesmo de qualquer contraste. Esta colocao, obviamente, supe um estgio deevoluo em que o princpio da retaliao no seja mais levado em conta. A idia de que a aopenal visaria proteo do interesse pblico em contraste com outro interesse pressupe ainda umaespcie do retaliao da sociedade contra o indivduo-membro. A retaliao, contudo, no prismasedutor no direito contemporneo de ordem penal. Se, como diz a doutrina, o processo penalmoderno superou o estgio da vingana privada como meio de reparao do crime, com mais fora,na era contempornea, h de se atentar para a superao do crime como uma violao do indivduocontra a sociedade: o crime no ocorre da parte de um contra o outro, como se fossem esferasdistintas, mas dentro da sociedade. Nestes termos, a ao penal no visa proteo de interessepblico em oposio a outro interesse, mas ao restabelecimento da justia enquanto harmoniainterna corporis. No se entenderia, doutro modo, toda a moderna concepo da pena comoinstrumento de reintegrao social. FERRAZ JR, Trcio Sampaio. Interferncia Funcional Princpios (do arquivamento do inqurito no Cdigo de Processo Penal).. Acesso em30.dez.2008, pp. 03/04.

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  • 34

    4 ONDE EST A VERDADE NO PROCESSO?

    A histria cclica, sendo que os fenmenos e acontecimentos sociais

    acontecem e repetem-se, cada um com suas peculiaridades, em um dado momento.

    No exerccio do poder penal tambm se revezam momentos de paz, com

    amplitude de liberdades, com momentos de extrema opresso e arbitrariedades.

    inegvel que no momento atual proliferam leis rgidas, medidas de

    exceo, transformao de atos preparatrios em crimes consumados e de ilcitos

    de natureza administrativa em ilcitos criminais. a clara manifestao do direito

    penal simblico utilizado pela classe poltica, simbolicamente, para dar satisfao

    populao.

    Este direito penal expansionista48, transportado para o processo penal,

    exige um sistema processual com caractersticas mais inquisitrias que acusatrias

    este ltimo prprio ao momento onde exista amplitude de liberdades. No sistema

    predominantemente inquisitrio h um ntido fortalecimento do Estado e diminuio

    do indivduo e suas garantias, da ser caracterstico em regimes repressivos.

    Historicamente o sistema acusatrio predominou at o sculo XII, sendo

    substitudo pelo sistema inquisitrio at o sculo XVIII e XIX.

    Como o sistema acusatrio tem como um dos traos marcantes a inrcia

    do juiz, e muitas vezes se tinha prova incompleta ou incapaz de levar a alguma

    concluso, passou-se a atribuir mais poderes de instruo e busca de provas ao

    julgador, at um ponto que os acusadores deixaram de ter importncia, reunindo-se

    em uma nica pessoa as funes de acusar e julgar.

    No existe qualquer dvida que um dos principais alicerces na estrutura

    do processo inquisitrio a busca da verdade real ou absoluta, que embora jamais

    possa ser alcanada serviu como justificao, muitas vezes, para tortura, violncia

    desmedida do Estado contra o indivduo. Tudo sob o argumento de que a verdade

    real objetivo maior do processo para alguns49 justificaria os meios para sua

    48 Conforme define SNCHEZ, Jess Maria Silva, a criao de novos bens jurdico-penais,ampliao dos espaos de riscos jurdico-penalmente relevantes, flexibilizao das regras deimputao e relativizao dos princpios poltico-criminais de garantia, no seriam mais do queaspectos dessa tendncia geral, qual cabe referir-se com o termo expanso. In: A Expanso doDireito Penal. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 21.49 Nesse ponto vale ressaltar a ressalva realizada por Frederico Marques ao dizer que aponta-se adescoberta da verdade como finalidade imediata e especfica do processo penal, o que no nos

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  • 35

    obteno. Tais aspectos (negativos) do processo penal, na busca da verdade real ou

    material, so ressaltados por Lopes Junior (2006, p. 272-273):50

    Quando se aborda a fundamentao das decises judiciais, em ltimaanlise, est se discutindo tambm que verdade foi buscada e alcanadano ato decisrio. Eis aqui a relevncia de desconstruir o mito da verdadereal, na medida em que uma artimanha engendrada nos meandros dainquisio para justificar o substancialismo penal e o decisionismoprocessual (utilitarismo), tpicos do sistema inquisitrio.Historicamente, est demonstrado empiricamente que o processo penal,sempre que buscou uma verdade mais material e consistente e commenos limites na atividade de busca, produziu uma verdade de menorqualidade e com pior trato para o imputado. Esse processo, que noconhecia a idia de limites admitindo inclusive a tortura levou maisgente a confessar no s delitos no cometidos, mas tambm algunsimpossveis de serem realizados.O mito da verdade real est intimamente relacionado com a estrutura dosistema inquisitrio; com o interesse pblico (clusula geral que serviu deargumento para as maiores atrocidades); com sistemas polticosautoritrios; com a busca de uma verdade a qualquer custo (chegando alegitimar a tortura em determinados momentos histricos); e com a figurado juiz ator (inquisidor).

    Foucault (2005, p. 11)51 explica que existe uma histria interna e uma

    histria externa da verdade. A primeira (a histria interna) uma espcie de histria

    interna da verdade, a histria de uma verdade que se corrige a partir dos seus

    prprios princpios e regulao: a histria da verdade tal como se faz na ou a partir

    da histria das cincias. A segunda, cheia de formas de subjetividade, com regras

    do jogo definidas, criadas pela sociedade, seria a histria exterior da verdade, na

    parece de todo aceitvel.[...] Em toda a pretenso fundada em norma penal, h a qualificao, comolide, de um conflito entre o interesse punitivo do Estado-Administrao e o direito de liberdade dequem apontado como infrator da lei penal. E a finalidade concreta da jurisdio e do processo , porisso mesmo, como diz ROUX, no deixar impunes os crimes cometidos e impedir que inocentessejam condenados. Solucionando com exatido o litgio penal, o juiz aplica, com justia, o Direitoobjetivo; e para isto imprescindvel se torna um perfeito conhecimento, pelo magistrado, dos fatos quedevam ser enquadrados nas normas penais, para aturar os seus poderes jurisdicionais em harmoniacom a vontade concreta da lei. evidente, portanto, que para atingir a esse desiderato necessita ter ojuiz um conhecimento bem exato do litgio que vai decidir, a fim de apurar a verdade dos fatosocorridos, e aplicar a lei com estrita justia. Nisto reside, alis, como descreveu CAPOGRASSI, ogrande drama do processo, visto que o juiz, estranho aos acontecimentos que vai julgar, precisareconstituir fatos de que este ausente numa operao proustiana de emprica e vera ricerca deltempo perduto. In: MARQUES, Jos Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. V. I.Campinas: Bookseller, 1998, p. 69.50 LOPES JUNIOR, Aury. Introduo Crtica ao Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.272-273.51 FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurdicas. Trad. Roberto Cabal de Melo Machado et al.Rio de Janeiro: Nau, 2005, p. 11.

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    qual estariam includas as prticas judicirias,52 a forma de julgamento e punio

    dos acusados de crime e a forma de reparao por algum tipo de ao.

    As invenes, os mitos como o de que possvel o juiz saber a

    verdade absoluta sobre um fato tal como ocorreu que foram criadas pelo

    conhecimento, decorrem de relaes nem sempre ortodoxas de poder. A verdade

    est intimamente ligada ao poder. Partindo de Nietzsche, Foucault (2005, p. 13 e

    16)53 explica que o mito da verdade foi construdo pelo homem, que inventou o

    conhecimento e dele se utiliza como forma de poder.

    E por isso possvel se afirmar que o processo penal foi ou ainda

    nutrido por um discurso sobre a verdade que fundamenta a outorga legal de

    poderes ao magistrado para a busca desta verdade (THUMS, 2006, p. 187).54

    E isto a crena de que o juiz poderia chegar verdade, pelos meios

    mais variados - foi extremamente importante para o sistema inquisitrio e

    manuteno do poder dos que l se encontravam.

    4.1 Verdade material e verdade formal

    Tratando do convencimento do juiz, da valorao da prova para decidir

    em matria de processo penal, h necessidade de anlise sobre a verdade que se

    busca (e que se pode encontrar) pelos dados existentes nos autos de processo. Isto

    porque o juiz pode se colocar em busca de uma verdade que nunca vai encontrar

    at porque ela inexiste -, ou acreditar que encontrou esta verdade para formar sua

    convico e decidir o que no corresponder realidade.

    52 Michel Foucault, na Ilada, encontrou exemplo de prtica judiciria grega, de forma de regulamentojudicirio, de litgio, de disputa: Dois guerreiros se afrontam para saber quem estava errado e quemestava certo, quem havia violado o direito do outro. A tarefa de resolver esta questo cabia a umadisputa regulamentada, um desafio entre os dois guerreiros. Um lanava ao outro o seguinte desafio:s capaz de jurar diante dos deuses que no fizeste o que eu afirmo? Em um procedimento comoeste no h juiz, sentena, verdade, inqurito nem testemunho para saber quem disse a verdade.Confia-se o encargo de decidir no quem disse a verdade, mas quem tem razo, luta, ao desafio,ao risco que cada um vai correr. In: FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurdicas. Trad.Roberto Cabal de Melo Machado et al. Rio de Janeiro: Nau, 2005, p. 53.5