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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
Isac Ramos Barreto
A IRREPETIBILIDADE DOS ALIMENTOS NA TUTELA
CAUTELAR
CURITIBA
2011
Isac Ramos Barreto
A IRREPETIBILIDADE DOS ALIMENTOS NA TUTELA
CAUTELAR
Monografia apresentada ao curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em Direito. Orientador: Georgia Sabbag Malucelli Niederheitmann.
CURITIBA
2011
TERMO DE APROVAÇÃO
Isac Ramos Barreto
A IRREPETIBILIDADE DOS ALIMENTOS NA TUTELA
CAUTELAR
Curitiba, de de 2011.
________________________________________________________
Curso de Direito
Universidade Tuiuti do Paraná
Orientador: Prof. Dra. Georgia Sabbag Malucelli Niederheitmann
Universidade Tuiuti do Paraná
Prof. Universidade Tuiuti do Paraná
Prof. Universidade Tuiuti do Paraná
Esta monografia foi julgada e aprovada como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito no Curso de Direito na Universidade Tuiuti do Paraná.
RESUMO
Quando não existiam as medidas cautelares e seu procedimento específico do Livro III do Código de Processo Civil, as lides causavam muitos danos ao autor da ação por causa da demora da sentença no processo principal. Percebendo esse problema, o legislador tratou de incluí-las em nosso ordenamento, objetivando a proteção da eficácia do processo principal, nos casos em que, havendo uma situação de perigo e a aparência do direito pleiteado, poder-se recorrer a uma medida cautelar para proteger o futuro resultado útil da demanda principal. Contudo, o fim dos motivos que deram causa a medida cautelar enseja o retorno da situação ao seu “status quo” por sua característica de reversibilidade. Quanto aos alimentos, o artigo 852 daquele código e as Leis de Alimentos Gravídicos nº 11804/08 e de Alimentos nº 5.478/68 que dispõe sobre “alimentos provisórios” estão previstos como medida específica e, sendo eles espécies de alimentos lato sensu, são irrepetíveis. Isto posto, verificamos que entre as características da reversibilidade da medida cautelar, a irrepetibilidade dos alimentos evidencia-se claramente a contradição. Por meio do presente estudo se pretende demonstrar que estes princípios não podem ser considerados absolutos, porque o direito não pode compactuar com a má-fé e o enriquecimento ilícito, ensejando, dessa forma, justo motivo para se pleitear a repetição.
Palavras Chave: Cautelar; Irrepetibilidade; Contradição.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 6
2 DO PROCESSO CAUTELAR .................................................................................. 7
2.1 MEDIDAS CAUTELARES NO DIREITO ROMANO .............................................. 7
2.2 O REGRAMENTO DA TUTELA CAUTELAR NO DIREITO COMPARADO .......... 8
2.2.1 Direito Italiano .................................................................................................... 8
2.2.2 Direito Alemão .................................................................................................... 8
2.2.3 Direito Português ................................................................................................ 9
2.2.4 Direito Argentino ................................................................................................. 9
2.3 SÍNTESE DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA TUTELA CAUTELAR NO DIREITO
BRASILEIRO ............................................................................................................. 10
2.4 DECURSO DO TEMPO E SUAS IMPLICAÇÕES. OBJETIVO DA TC ............... 11
2.5 MÉRITO DA TUTELA CAUTELAR ...................................................................... 11
2.5.1 Fumus boni iuris ............................................................................................... 12
2.5.2 Periculum in mora ............................................................................................ 13
2.6 CARACTERÍSTICAS DO PROCESSO CAUTELAR ........................................... 13
2.6.1 Autonomia ........................................................................................................ 13
2.6.2 Sumariedade .................................................................................................... 14
2.6.3 Provisoriedade ................................................................................................. 14
2.6.4 Revogabilidade ................................................................................................. 15
2.6.5 Fungibilidade .................................................................................................... 16
2.6.6 Unitariedade ..................................................................................................... 16
2.6.7 Acessoriedade .................................................................................................. 16
2.6.8 Instrumentalidade ............................................................................................. 17
3 DOS ALIMENTOS ................................................................................................. 18
3.1 CONCEITO ......................................................................................................... 18
3.2 CARACTERÍSTICAS DOS ALIMENTOS ............................................................ 19
3.2.1 Pessoalidade .................................................................................................... 19
3.2.2 Irrenunciabilidade ............................................................................................. 19
3.2.3 Intransmissibilidade .......................................................................................... 20
3.2.4 Impenhorabilidade ............................................................................................ 21
3.2.5 Incompensabilidade ......................................................................................... 21
3.2.6 Imprescritibilidade ou Não Decadência ............................................................ 22
3.2.7 Inalienabilidade, Incedibilidade e Intransacionabilidade ................................... 23
3.2.8 Irretroatividade ................................................................................................. 23
3.2.9 Reciprocidade .................................................................................................. 24
3.2.10 Divisibilidade e Não Solidariedade ................................................................. 24
3.2.11 Irrepetibilidade ................................................................................................ 25
4 IRREPETIBILIDADE .............................................................................................. 26
5 DOS ALIMENTOS PROVISIONAIS ....................................................................... 28
6 ALIMENTOS GRAVÍDICOS ................................................................................... 29
6.1 A SATISFAÇÃO FÁTICA E NÃO JURÍDICA DA CAUTELAR ............................. 30
6.2 REVERSIBILIDADE DA MEDIDA CAUTELAR ................................................... 32
7 REVERSIBILIDADE DA MEDIDA CAUTELAR E O PRINCÍPIO DA
IRREPETIBILIDADE DOS ALIMENTOS .................................................................. 35
7.1 IRREPETIBILIDADE, MÁ-FÉ E ENRIQUECIMENTO ILÍCITO ............................ 38
8 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 42
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 44
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1. INTRODUÇÃO
Houve uma época em que o Estado não era detentor do monopólio da
jurisdição e com isso os conflitos de interesses se resolviam pela lei do mais forte.
Contudo, após proibir a autotutela, o Estado tornou-se responsável pela solução das
lides da população, começou a ditar regras de pacificação e concedeu o direito do
particular em recorrer à justiça, nascendo então o direito de ação. Todavia, verificou-
se posteriormente que o processo era muito demorado e beneficiava o réu que
supostamente não tinha razão.
Visando solucionar esse desequilíbrio temporal que trazia prejuízo ao autor
que se pressupunha que tivesse razão, o legislador inovou e resolveu essa questão
por meio do Processo Cautelar, que foi introduzido no Livro III do Código do
Processo Civil. Desde então, havendo uma situação de perigo e a aparência do
direito pleiteado, recorre-se a esse instituto para garantir a eficácia do processo
principal, que antes, quando chegava ao seu termo, já não havia mais patrimônio do
réu para satisfazer o crédito do credor.
Verificamos, entretanto, que a reversibilidade está entre as características do
Processo Cautelar, a qual assegura o retorno à situação anterior quando cessarem
os motivos que lhe deram causa. Em contrapartida, os alimentos, previstos na Lei de
Alimentos de nº 5.478/68 que dispõe sobre “alimentos provisórios” e o artigo 852 do
Código de Processo Civil que se refere aos “alimentos provisionais”, os quais são
espécies de alimentos latu sensu de medidas cautelares, tem, entre suas
características, a irrepetibilidade, que confronta com a reversibilidade.
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2. DO PROCESSO CAUTELAR
2.1 - MEDIDAS CAUTELARES NO DIREITO ROMANO
No Direito Romano as medidas urgentes já eram conhecidas. Das várias
medidas existentes ressalta-se a chamada “l’ operis novi nuntiato” que consistia em
uma denúncia oral através da qual se proibia ao proprietário de prosseguir a obra
iniciada, mas não terminada, e se este não a interrompesse, o denunciante poderia
pedir ao pretor um interdito proibitório ou demolitório. Nota-se que existia uma fase
extrajudicial que antecedia a judicial.
Juntamente com a “l’ operis novi nuntiatio” existia a “cautio damni infecti” que
permitia ao requerente ter uma garantia de ressarcimento nos casos em que
houvesse o perigo de dano, e quando não fosse prestada essa caução pelo
requerido, poderia o pretor imitir o requerente na posse dos bens do requerido.
Neste sentido relata ainda Giovanni Arieta:
Al contrario della novi operis nuntiatio, l‟istituto della cautio damni infecti non si articolava in due distinte fasi, l‟una stragiudiziale e l‟altra giudiziale, mas si concretava immediatamente nel ricorso al pretore, il quale, imponendo la stipulatio e la prestazione della cautio, tentava di ottenere la costituzione convenzinale della misura cautelare. (I provvedimenti d’urgenza. Padova: Cedam, 1985. p. 3). Ao contrário da novi operis nuntiatio, o instituto da cautio damni infecti não se articulava em duas fases distintas, um extrajudicial e outra judicial, mas se centrava no recurso ao pretor, o qual, impondo o estipulado e a prestação da cautio, tentava obter a constituição convencional da medida cautelar.
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2.2 - O REGRAMENTO DA TUTELA CAUTELAR NO DIREITO COMPARADO
2.2.1 Direito Italiano
Os chamados Provvedimenti d’urgenza são regulados no artigo 700 do
Código de Processo Civil Italiano de 1942 que assim estabelece:
Art. 700. Fuori dei casi regolati nelle precedenti sezioni di questo capo. Chi há fondado motivo di temere che durante il tempo ocorrente per far valere il suo diritto in via ordinaria, questo sai minacciato da um pregiudizio imminente e irreparabile, può chiedere com ricorso al giudice provvedimenti d‟urgenza che appaiano, secondo le circostanze, più idonei ad assicurare provvisoriamente gli affetti dela decisione sul mérito. (MARINONI, L. G. Tutela cautelar e tutela antecipatória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 36).
Além dos casos regulados na seções precedentes a este caput. Quem tiver fundado receio que durante o tempo necessário para fazer valer seu direito na via ordinária e o mesmo está ameaçado por um prejuízo iminente e irreparável, pode requerer ao juiz um provimento urgente, segundo as circunstâncias, mais adequado a garantir temporariamente os efeitos da decisão de mérito.
2.2.2 Direito Alemão
O § 935 da ZPO estabelece:
“Pode o juiz adotar medidas provisórias de segurança, relativas à coisa litigiosa, quando for de temer que modificações do estado atual possam frustrar ou tornar notavelmente difícil a satisfação do direito da parte”. (MARINONI, op. cit., p. 38)
E o § 940 prescreve:
Permite-se a adoção de medidas cautelares para regular um estado provisional, respeitante a uma relação jurídica controvertida, se tal regulamento se considerar necessário para evitar prejuízos de monta ou atos de força que a ameacem, ou por outros motivos, especialmente quando se tratar de relações jurídicas permanentes. (MARINONI, op. cit., p. 40)
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O fim conservativo do § 935 demonstra uma medida parecida com o
seqüestro, enquanto o § 940 visa construir uma situação provisória. Todavia, em que
pese os objetos serem diversos, as duas tem um fim cautelar.
2.2.3 Direito Português
O artigo 405 do Código de Processo Civil português dispõe que:
Quando uma pessoa tenha justo receio de que alguém cometa violência ou pratique fatos susceptíveis de causar lesão grave e de difícil reparação ao seu direito, pode requerer às providências que lhe forem adequadas para se evitar o prejuízo, tais como a posse, o seqüestro ou o depósito de coisa litigiosa, a proibição ou a autorização de certos actos. (REIS, José Alberto dos. A figura do processo cautelar. Separata do Boletim do Ministério da Justiça. Lisboa, 1947, n. 3, p. 57 apud MARINONI, op. cit., p. 40)
O artigo 399 do mesmo Código prescreve:
Quando alguém mostre fundado receio de que outrem, antes de a ação ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer, se ao caso não convier nenhum dos procedimentos regulados neste capítulo, as providências adequadas à situação, nomeadamente a autorização para a prática de determinados atos, a intimação para que o réu se abstenha de certa conduta ou a entrega de bens móveis ou imóveis que constituem objeto da ação, a um terceiro, seu fiel depositário. (MARINONI, op. cit., p. 40.)
A inserção da locução “antes de a ação ser proposta ou na pendência dela” foi feita mais tarde para se dar a possibilidade de se conceder medidas cautelares, não só incidentalmente, mas também antecedentes. Cabe observação que as medidas cautelares inominadas só poderão ser requeridas quando não existirem, nas medidas específicas, uma que lhe convenha. (MARINONI, op. cit., p. 41).
2.2.4 Direito Argentino
Com inspiração no art. 700 do Código italiano, o direito argentino em seu art.
232 do Código Procesal Civil y Comercial de la Nación prescreve:
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Art. 232. Fuera de los casos previstos em los artículos precedentes, quien tuviere fundado motivo para temer que durante el tiempo anterior al reconocimiento judicial de su derecho, éste pudiere sufrir um perjuicio inminente e irreparable podrá solicitar las medidas urgentes que, según las circunstancias, fueren más aptas para assegurar provisionalmente el cumplimiento de la sentencia. (RAMIREZ, José Orlando. Medidas cautelares. Buenos Aires: Depalma, 1975 apud MARINONI, op. cit., p. 43.). Fora dos casos previstos nos artigos antecedentes, quem tiver fundado motivo para temer que durante o tempo anterior ao reconhecimento judicial de seu direito, este possa sofrer um prejuízo iminente e irreparável poderá solicitar as medidas urgentes que, conforme as circunstâncias, forem as mais adequadas para assegurar provisoriamente o cumprimento da sentença.
As medidas cautelares vêm disciplinadas no Capítulo III, do Título IV, do livro
II do Código argentino.
2.3 - SÍNTESE DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA TUTELA CAUTELAR NO DIREITO
BRASILEIRO
Nas Ordenações, já se tratava da tutela cautelar, mas eram somente
reguladas as medidas específicas.
Nas Ordenações Afonsinas no Livro Terceiro, título XXV, havia a previsão
das medidas, assim como nas Ordenações Manuelinas no Livro Terceiro, título XX, e
nas Ordenações Filipinas, no Livro Terceiro, título XXXI.
O poder geral de cautela: “Além dos casos em que a lei expressamente
autoriza, o juiz poderá determinar providências para acautelar o interesse das
partes”, previsto no Código de Processo Civil de 1939 e, em seus três incisos,
exemplificava quando era cabível a medida.
O Código de Processo Civil Brasileiro atual é considerado o mais avançado em matéria de sistematização da tutela preventiva, nas palavras de Basílio
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de OLIVEIRA e continua que, nesse Código, o caráter jurisdicional e a autonomia do processo cautelar foram claramente enfatizados pelo legislador. (Das medidas cautelares na questões de família. Rio de Janeiro: F. Bastos, 1995. p. 11).
2.4 - DECURSO DO TEMPO E SUAS IMPLICAÇÕES. OBJETIVO DA TUTELA
CAUTELAR
Com o monopólio da atividade jurisdicional, o Estado chamou para si a função de dirimir as lides, e com isso se incumbiu de garantir a todos os jurisdicionados a prestação de uma tutela adequada às necessidades da vida de relação. (DORIA, R. D. A tutela antecipada em relação à parte incontroversa da demanda. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 22).
Contudo, a solução de conflitos através do processo, precisa de uma série de atos que, por muitas vezes, acabam por arrastar a demanda por anos, mas que são necessários para a plena defesa dos interesses das partes, o que resulta ao julgador uma formação mais profunda de seu julgamento para a melhor solução da lide. (THEODORO JÚNIOR, H. Processo cautelar. São Paulo: Ed. Universitária de Direito, 2000. p. 49).
O decurso do tempo implica em agravar a situação de conflito, a perda de
confiança no Poder Judiciário e o aumento da violência, e descaracteriza a própria
função do Poder Judiciário – através do processo- que é a paz social.
Com razão, ensina THEODORO JÚNIOR:
“Não basta ao ideal de justiça garantir a solução judicial para todos os conflitos; o que é imprescindível é que essa solução seja efetivamente justa, isto é, apta, útil e eficaz para outorgar à parte a tutela prática a que tem segundo a ordem jurídica vigente”.(2000, p. 42).
2.5 - MÉRITO DA TUTELA CAUTELAR
O tempo necessário para se obter uma cognição exauriente põe em risco a
eficácia da sentença, conforme já exposto, a eficácia do processo principal depende
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da garantia do direito do autor por meio da tutela cautelar, para assegurar uma
decisão justa e atual.
Nas palavras de Rogéria Dotti DÓRIA
“com a tutela cautelar procura-se salvaguardar a possibilidade de realização futura de um provável direito afirmado pelo autor”. Para obtenção de tal tutela, mister se faz estarem presentes seus requisitos, consagrados uniformemente pela doutrina: são eles o fumus boni iuris e o periculum in mora. (DORIA, op. cit., p. 31.).
Elementos que exigem requisitos diversos dos que são exigidos para o
mérito do processo principal.
2.5.1 Fumus boni iuris
O fumus boni iuris é a demonstração de um “provável direito a ser realizado ou resguardado no processo satisfativo”. (MARINS, V. A. A. B. Tutela cautelar: teoria geral e poder geral de cautela. Curitiba: Juruá, 2000. p. 97.).
Para Marcus Vinícius Rios GONÇALVES:
“Fumus boni iuris. É a plausibilidade, a possibilidade de existência do direito invocado (...) o juiz não se pronunciará, em termos de certeza, sobre a existência ou não do direito alegado. A plausibilidade do direito invocado faz-se necessária para evitar a concessão de medidas, quando não houver possibilidade de o direito ameaçado vir a ser, mais tarde, tutelado”. (GONÇALVES, M. V. R. Processo civil: processo de execução e cautelar. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 102).
Para analisar dessa maneira a probabilidade do direito, é necessário
ressaltar que, no processo cautelar, a cognição é sumária, o que se pode deduzir,
pois se trata de um procedimento de urgência, para assegurar com mais celeridade
o processo, já que, através do processo de conhecimento de cognição plena e
exauriente demoraria muito mais.
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2.5.2 Periculum in mora
É o prejuízo que o lapso temporal pode acarretar a uma das partes entre o
início e o fim do processo, desconfigurando assim, a função jurisdicional.
É o periculum in mora imprescindível na concessão da tutela cautelar. Deve-
se observar que sua verificação, além do direito afirmado no processo principal,
pode vir a pôr em risco a eficácia da tutela jurisdicional.
O Código de Processo Civil brasileiro atual apontou os elementos que
compõem a figura do periculum in mora em seu art. 798 onde diz que o juiz poderá
determinar as medidas provisórias que julgar adequadas quando houver fundado
receio de que uma parte, antes do julgamento da lide cause, ao direito da outra,
lesão grave e de difícil reparação.
2.6 - CARACTERÍSTICAS DO PROCESSO CAUTELAR
2.6.1 Autonomia
O processo cautelar é considerado um terceiro gênero jurisdicional, visto que
o Código Civil lhe reserva um Livro separado dos processos de conhecimento e
execução.
Como bem ensina Victor A. A. Bomfim MARINS:
“a função do processo cautelar confere-lhe tipicidade e autonomia, visto como nenhum outro processo tem o escopo de garantir, provisoriamente, o exercício frutuoso da atividade jurisdicional”.(MARINS, Tutela cautelar ..., p. 152).
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2.6.2 Sumariedade
A característica da sumariedade está ligada à urgência, e a tutela cautelar é
uma tutela de urgência, fato pelo qual se adota o procedimento sumário, já que a
demora do procedimento comum, poderia comprometer a eficácia da jurisdição, e
nesse sentido, ensina Ovídio A. Baptista da SILVA:
“Não se pode pensar em verdadeira tutela de simples segurança instrumentalizada através de um procedimento ordinário, pois a urgência é uma premissa constante e inarredável de todo o provimento cautelar”, mas cabe salientar que, na acautelatória, não somente o procedimento é sumário como também o é, a cognição. (SILVA, O. A. B. da. Do processo cautelar. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 76).
No processo de cognição exauriente, o juiz deve fazer um estudo em
profundidade, enquanto na cognição sumária, somente se faz um juízo de
verossimilhança e probabilidade.
2.6.3 Provisoriedade
Na lição de Basílio de OLIVEIRA:
“A situação protegida ou constituída pelo provimento preventivo não tem caráter definitivo”. Assim, a medida cautelar tem seu tempo de vigência restrito já que sua função é preparatória ou assecuratória do provimento principal. (Do processo cautelar. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 76).
Nesse mesmo sentido assegura CHIOVENDA:
“A medida provisória corresponde à necessidade efetiva e atual de afastar o temor de um dano jurídico; se, pois, na realidade esse dano é ou não iminente, apurar-se-á na verificação definitiva”.(Instituições de direito processual civil. Campinas: Bookseller, 2000. p. 333).
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Isto posto, a finalidade do processo cautelar é assegurar a eficácia e
utilidade do processo principal que realmente porá fim a lide, não possuindo, dessa
forma, o caráter definitivo, que é inerente a este.
2.6.4 Revogabilidade
Essa característica vem definida pelo próprio Código de Processo Civil em
seus artigos 805 e 807, onde consta que as medidas cautelares podem ser
modificadas, revogadas ou substituídas a qualquer tempo, desde que não mais
presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora.
Artigo 805, CPC: A medida cautelar poderá ser substituída, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, pela prestação de caução ou de outra garantia menos gravosa para o requerido, sempre que adequada e suficiente para evitar a lesão ou repará-la integralmente. Artigo 807, CPC: As medidas cautelares conservam a sua eficácia no prazo do artigo antecedente e na pendência do processo principal: mas podem, a qualquer tempo, ser revogadas ou modificadas.
Alfredo de Araújo Lopes da COSTA, já observava que:
“o caráter rebus sic standibus é inerente às medidas cautelares, que existirão enquanto presentes as condições que deram causa à sua concessão, portanto, a modificação e a revogação de medidas cautelares já concedidas, ficam sujeitas à alteração do estado de coisas que ensejaram seu deferimento”. (Medidas preventivas. Belo Horizonte: B. Álvares, 1958. p.21.).
O mérito da cautelar apenas faz coisa julgada formal, porque a coisa julgada
material, que torna indiscutível e imutável a sentença, acontece apenas com a
decisão final do processo principal possuindo efeito erga omnes.
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2.6.5 Fungibilidade
Dispõe o art. 805 do Código de Processo Civil, que a medida cautelar pode
ser substituída por outra, porém com ônus menor do que o contido naquela
anteriormente concedida, de ofício ou a requerimento das partes.
Para Marcus Vinícius GONÇALVES:
A fungibilidade consiste na possibilidade de o juiz conceder a medida cautelar que lhe pareça mais adequada para proteger o direito da parte, ainda que não corresponda àquela medida que foi postulada. (Processo civil: processo de execução e cautelar. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 90.
2.6.6 Unitariedade
A prática de atos de execução e conhecimento no mesmo procedimento, é o
que demonstra essa característica , porque se concedida a liminar, ela será
executada nessa mesma relação processual. Por esta razão, não necessita de
processo de execução por se tratar de um procedimento de urgência, de sentença
mandamental, ou seja, caráter auto-executório da ordem.
A respeito de não haver previsão expressa na lei sobre o caráter unitário do
processo cautelar, Humberto THEODORO JÚNIOR prescreve que:
a incindibilidade do aspecto cognitivo e executivo na espécie deriva de uma exigência lógica, pois, sem ela, nenhuma eficácia prática teria a tutela preventiva ou de segurança. (Tutela jurisdicional de urgência. Rio de Janeiro: A. Jurídica, 2001. p.19).
2.6.7 Acessoriedade
Conforme disposto no artigo 796 do Código de Processo Civil vigente, o
processo cautelar pode ser instaurado previamente ou no curso do processo
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principal, mas será dependente deste. Porém, essa dependência não se refere a
autonomia procedimental do processo cautelar.
“O procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal e deste é sempre dependente.” (art.796 CPC).
Humberto THEODORO JUNIOR ao comentar sobre os efeitos da medida
cautelar, revela que esta “não vai além do preparo de execução de futuro provimento
jurisdicional” (Tutela Jurisdicional ..., p. 10)
2.6.8 Instrumentalidade
O instrumento pelo qual o Estado se utiliza para desenvolver sua atividade
jurisdicional é o processo, que é uma cadeia de atos que são praticados até a
sentença. Assim, a instrumentalidade esta presente tanto no processo de
conhecimento, como nos de execução e cautelar.
É notório que a demora do processo de conhecimento, pela garantia de
defesa e contraditório, pode tornar inútil o desfecho do processo que corre o risco de
se tornar ineficaz depois de longa espera do interessado, visto que para o direito ser
justo, tem que ser atual, esta é a posição de THEODORO JÚNIOR, quando ensina
que:
O processo – nele compreendido seus elementos e sua finalidade – não pode ficar sujeito a se inutilizar como instrumento de realização da tutela jurisdicional, por demora na sua prestação. (Tutela jurisdicional ..., p.104).
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3 . DOS ALIMENTOS
3.1 - CONCEITO
Yussef Said CAHALI ensina que, por alimentos pode se entender:
tudo aquilo que é necessário à conservação do ser humano com vida” – isso seria o seu significado vulgar. E acrescenta o citado autor que, na acepção técnica, basta acrescentar a esse conceito “a idéia de obrigação que é imposta a alguém, em função de uma causa jurídica prevista em lei, de prestá-los a quem deles necessite.(Dos alimentos. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 01).
De fato, pois, na sociedade atual, são evidentes outras necessidades do ser
humano como membro social, além da alimentação, conforme observa Sérgio
Gilberto PORTO quando afirma que, como alimentos, não deve se entender só o
sustento:
“mas também os demais meios indispensáveis para as necessidades da vida no contexto social de cada um”.( Doutrina e prática dos alimentos. 2. ed. Rio de Janeiro: Aide, 1993. p. 11).
Portanto, os alimentos, conforme definições supra citadas, têm como fim,
dado pelo legislador:
resguardar a assistência à família, à sociedade e à própria comunidade humana, impondo que um, diante de suas possibilidades, auxilie o outro diante de suas necessidades. (Doutrina e prática dos alimentos. 2. ed. Rio de Janeiro: Aide, 1993. p. 11).
Salientando com isso a reciprocidade no âmbito social, de ajuda mútua entre
os membros sociais porém, sempre respeitando o binômio possibilidade-
necessidade.
Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. (Art. 1694, 2º, CC).
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3.2 - CARACTERÍSTICAS DOS ALIMENTOS
3.2.1 Pessoalidade
O direito a alimentos é pessoal, ou seja, não se transfere a sua titularidade a
outrem através de negócio ou de ato jurídico, podendo ser chamado assim de direito
personalíssimo, daqueles que não se pode transferir.
E, conforme Orlando Gomes, consiste em:
um direito que se destina a tutelar a própria integridade física do indivíduo”, sendo esse direito considerado inato pois, visa a assegurar a subsistência e integridade física do ser humano. (GOMES, O. Direito de família. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 431).
3.2.2 Irrenunciabilidade
Em decorrência do caráter de ordem pública é que se dá a irrenunciabilidade
dos alimentos conforme preceitua o art. 1707 do Novo Código Civil.
A disposto do Código Civil anterior que também já se manifestava dizendo que se podia deixar de exercer, mas não podia renunciar os alimentos, reza o Código atual: “pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, (...).
Da norma citada, extrai-se que há opção do credor de não exercer esse
direito, mas não a de renunciar a ele, conforme exposto por Washington de Barros
MONTEIRO “o que se pode renunciar é a faculdade de exercício, não a de gozo.
(Curso de direito civil: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 306).
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3.2.3 Intransmissibilidade
O artigo 1700 do Novo Código Civil contém preceito no sentido de que é
possível a transmissão aos herdeiros do devedor da obrigação de prestar alimentos,
na forma do artigo 1694.
A obrigação de prestar alimentos, transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.694.
Assim, pode se perceber que a transmissibilidade passiva vale, o que não
pode é a transmissão do crédito alimentar, pois isto é conseqüência de seu caráter
personalíssimo, já anteriormente explicado no item 3.2.1, que trata da pessoalidade
dos alimentos. Porém a exigência (e aqui se deve entender a hipótese de
transmissão citada no referido artigo) por parte dos herdeiros do credor, das
prestações já vencidas e não pagas é válida, “eis que se trata de direito
definitivamente adquirido pelo alimentário, já integrado em seu patrimônio, e como
tal, perfeitamente transmissível”.(CAHALI, op. cit., p. 54).
Assim leciona Washington de Barros MONTEIRO, “ também não pode ser
cedido o direito, quanto às prestações vincendas, mas, no tocante às vencidas,
como constituem dívida comum, nada impede sua cessão a outrém” (MONTEIRO,
op. cit., p. 307).
Donde conclui-se ser possível a transmissão do crédito das prestações
atrasadas, bem como do débito em relação a elas, é o que preceitua CAHALI
dispondo que, “o que se transmite (art. 1.796 do CC; art. 1.997 do Novo CC) aos
herdeiros não é a obrigação de prestar alimentos propriamente dita, mas a de pagar
as prestações atrasadas”. (CAHALI, op. cit., p. 55).
21
3.2.4 Impenhorabilidade
Sendo destinada a manter as necessidades daquele que a pleiteia, a
prestação alimentícia é impenhorável, motivo pelo qual, “não pode, de modo algum,
responder pelas suas dívidas”, ficando, portanto, isenta da penhora. (DINIZ, M. H.
Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 396).
A mesma orientação é dada pelo Novo Código Civil em seu artigo 1.707,
parte final, quando diz que este crédito é insuscetível de penhora.
“Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora.”
Nesse sentido leciona CAHALI:
Tratando-se de direito personalíssimo, destinado o respectivo crédito à subsistência da pessoa alimentada, que não se dispõe de recursos para viver, nem pode prover às suas necessidades pelo próprio trabalho, não se compreende possam ser as prestações alimentícias penhoradas; inadmissível, assim que qualquer credor do alimentando possa privá-lo do que é estritamente necessário à sua subsistência. (CAHALI, op. cit., p. 102).
3.2.5 Incompensabilidade
Por ser intransferível o crédito alimentar é que o devedor não pode opor ao
credor a compensação, também esta é a posição de Oliveira e CRUZ:
resulta isso da própria natureza da dívida alimentar, do seu caráter social e de ordem pública, pois sua destinação é uma só e não pode ser desviada, servindo de amparo à própria vida do necessitado ou a solução de despesas reputadas indispensáveis ou necessárias. (Dos alimentos no direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 1956. p. 16).
O Novo Código Civil, em seu art. 373 repetindo na íntegra o art. 1015 do
Código anterior:
22
“A diferença de causa nas dívidas não impede a compensação, exceto: II- se uma se originar de comodato, depósito ou alimentos ...”
E também o art. 1.707, parte final, também se posiciona no sentido de que
não cabe a compensação, se a dívida tiver como origem os alimentos, pois:
“as dívidas alimentares não admitem esse modo de extinção das obrigações”.( MONTEIRO, op. cit., p. 307).
3.2.6 Imprescritibilidade ou Não Decadência
O direito aos alimentos, ainda que não exercido, não prescreve. De maneira
que, “enquanto vivo tem o alimentando o direito de demandar do alimentante
recursos materiais indispensáveis a sua sobrevivência”. (DINIZ, op. cit., p. 396).
Portanto, o que não prescreve é o direito de pedir alimentos, já as
prestações vencidas prescrevem em dois anos, contados da data em que se
vencerem, conforme redação do art. 206 § 2º do Novo Código Civil.
“Prescreve:...§ 2º - Em 2 (dois) anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem.”
Com relação à prescrição das prestações vencidas, afirma Orlando GOMES
que “é compreensível e desejável que o prazo prescricional seja curto pela
presunção de que se o alimentando deixa de receber por algum tempo as
prestações alimentares é porque não estava realmente necessitado”. (GOMES, op.
cit., p. 432).
Se o direito não protege aquele que dorme, nada mais justo que se reduza o
prazo prescricional daquele que não exerceu o seu direito.
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3.2.7 Inalienabilidade, Incedibilidade e Intransacionabilidade
Por se tratar de direito personalíssimo e de caráter público, é que o direito a
alimentos não pode ser alienado, motivo pelo qual também não podem ser cedidos e
transacionados, características estas constantes do art. 1.707 do Novo Código Civil.
“Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora.”
Neste sentido leciona Sérgio Gilberto PORTO:
Quando se afirma que os alimentos são inalienáveis se está a afirmar que o direito a alimentos é que não pode ser transacionado, ou seja, o direito subjetivo à obtenção dos alimentos é que aparece com a característica da impossibilidade de transação e não o resultado alimentos ou prestação alimentícia, pois esta é perfeitamente passível de venda ou transação.( PORTO, op. cit., p. 19).
3.2.8 Irretroatividade
“Os alimentos têm como finalidade prover a subsistência e satisfação de necessidades da pessoa. Assim, é perfeitamente clara a premissa de que não se pode exigir alimentos pretéritos, pois essas necessidades têm que ser atuais ou futuras e não passadas”. (MONTEIRO, op. cit., p. 307).
O pleito para esta forma de prestação deve ser representado pelas
necessidades atuais, por isso, o direito pretérito, não pode ser mais exercido pelo
credor, pois, como o objetivo dos alimentos é a garantia da sobrevivência, entende-
se que se o credor não se pronunciou anteriormente é porque não estava
necessitando deles.
24
3.2.9 Reciprocidade
O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos e se
estende aos outros ascendentes, sobrevindo à obrigação àqueles mais próximos em
grau, excluindo os mais remotos. Em especial é o que determinam os arts. 1.694 e
1.696 do Novo Código Civil.
“Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.”
“O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.”
Como ensina Maria Helena DINIZ, “na mesma relação jurídico-familiar, o
parente que em princípio é devedor de alimentos poderá reclamá-los, se vier a
precisar deles”. (DINIZ, op. cit., p. 398).
É o caráter de reciprocidade que entende que aquele que era credor pode se
tornar devedor e vice-versa.
3.2.10 Divisibilidade e Não Solidariedade
O caráter divisível da obrigação de alimentos é porque não é solidária e
resulta da lei ou da convenção das partes.
Com relação à solidariedade, leciona Arnoldo WALD, “obrigações solidárias
são aquelas com pluralidade de credores e devedores, cada um com direito ou
obrigado ao total, como se houvesse um só credor ou devedor”. (Curso de direito
civil brasileiro. 7. ed. São Paulo: RT, 1987. p. 33).
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Verifica-se, pois, que o caráter divisível da prestação alimentar, por não ser
solidário, não concede o direito ao credor de cobrar o valor total de apenas um dos
devedores. Deve, portanto, propor ação contra todos ou se contra apenas um,
receberá apenas a quota-parte que cabe a este devedor.
3.2.11 Irrepetibilidade
A doutrina e jurisprudência reconhece o princípio da irrepetibilidade dos
alimentos, em que pese não estar expresso na legislação. Essa característica
demonstra que como se entende que os alimentos serão consumidos imediatamente
assim que recebidos não são passíveis de restituição. Isto posto, será em face da
reversibilidade do processo cautelar que se passará a discorrer sobre esse princípio.
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4. IRREPETIBILIDADE
Os alimentos uma vez prestados, não se restituem, mesmo que,
posteriormente, se reconheça a inexistência do direito a eles. Mesmo não havendo
respaldo legal no ordenamento jurídico, a irrepetibilidade é uma característica dos
alimentos já consagrada pela jurisprudência e pela doutrina. Mas, sob a análise do
direito comparado, verifica-se tal princípio de origem portuguesa expresso no artigo
2.007 do Código Civil Português:
Art. 2.007 1. Enquanto se não fixarem definitivamente os alimentos, pode o tribunal, a requerimento do alimentando, ou oficiosamente se este for menor, conceder alimentos provisórios, que serão taxados segundo seu prudente arbítrio. 2. Não há lugar, em caso algum, à restituição dos alimentos provisórios recebidos.
José Ignácio Botelho de MESQUITA, intrigado com a irrestituibilidade dos
alimentos, teve a preocupação de se aprofundar na sua investigação, iniciando sua
pesquisa pelos juristas portugueses mais antigos, citados por Pontes de Miranda.
Entre os juristas estudados por Botelho de Mesquita estão Lafayette
Rodrigues Pereira, Joaquim José Caetano Pereira e Souza e Antonio Joaquim
Ribas, sendo que todos concordavam com este conceito e, baseavam suas opiniões
no autor português chamado Álvaro Velasco.
O fato de começar a pesquisa pelos juristas portugueses se dá pela
constatação de que tal princípio não é expresso em nossa legislação, e por vezes,
os autores brasileiros referem-se ao citado artigo do Código Português. Contudo, o
referido autor não parou por aí:
“Mas senti a necessidade de examinar mais largamente o assunto. E quem acabou me esclarecendo foi um autor, também antigo, porém mais recente, Manuel de Almeida e Souza de Lobão, que viveu no século passado. Lobão
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chega a fazer a seguinte referência: diz que os alimentos percebidos não devem sofrer restituição, simplesmente pelo fato de que a pessoa, embora podendo restituí-los, os tenha recebido a título de alimentos provisórios ou a título de alimentos provisionais”.
O princípio da irrepetibilidade também chamado de “não restituição”, no
direito brasileiro pode ser entendido como “os alimentos, quer sejam provisionais
quer definitivos, uma vez prestados, não são restituíveis”, pois “o dever alimentar
constitui matéria de ordem pública e só nos casos legais pode ser afastado, devendo
subsistir até decisão final em sentido contrário” e, no caso dos provisionais enquanto
presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora.
Com efeito, tal dispositivo foi amplamente acolhido na jurisprudência
brasileira, e também estendido, ao contrário do que dispõe o artigo do Código Civil
Português, aos alimentos definitivos. Portanto extinguindo-se a necessidade de
alimentos, qualquer que tenha sido o motivo da cessação do dever de prestá-los não
está o devedor autorizado a pedir restituição, pois “quem satisfaz obrigação
alimentar não desembolsa soma suscetível de reembolso”.
Tal afirmação foi explicada por Pontes de MIRANDA: “Essa peculiaridade,
esse paradoxo, resulta apenas de regra de direito material. Nada tem com o
processo em si mesmo. Se o direito material não possuísse a regra jurídica, tudo se
passaria no plano do direito processual, como se passa, havendo-a, porque a
repetição depende do direito material”.
Orlando GOMES, por sua vez preferiu apresentar essa característica da
seguinte forma:
A jurisprudência e a doutrina assentaram o entendimento no sentido de que os valores atinentes à pensão alimentar são incompensáveis e irrepetíveis, porque restituí-los seria privar o alimentado dos recursos indispensáveis à própria mantença, condenando-o assim a inevitável perecimento. (STJ, 3º T., Resp. 25.730-3-SP, Rel. Min. Waldemar Zveiter, ac. 15.12.1992, DJU, 01.03.1993, p. 2.510).
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5. DOS ALIMENTOS PROVISIONAIS
Tanto as necessidades fisiológicas como as sociais do ser humano são
consideradas alimentos, os quais podem ser obrigados pela lei a serem prestados
aquele que deles carece por quem tem o dever de prestá-los. As despesas do
processo chamadas expensas litem também são cobertas pelos alimentos.
Para melhor compreensão, fica o conceito de CAHALI:
Assim, tendo os alimentos provisionais por finalidade proporcionar ao alimentando os recursos necessários à sua manutenção na pendência da lide e a fazer valer o seu direito, compreendem eles, além do necessário ao sustento, vestuário, remédio, também o necessário para a procura e produção das provas na causa de que se tratar; as custas e mais despesas regulares feitas em juízo; os honorários de advogado; a execução da sentença.
Para a concessão de alimentos provisionais, que são concedidos em caráter
preventivo, deve haver os requisitos da tutela cautelar, quer sejam o fumus boni iuris
e o periculum in mora.
Sua previsão é expressa no Código de Processo Civil, nos artigos 852 e
seguintes, pois sendo uma medida cautelar específica sujeita-se à disciplina
processual própria dos procedimentos cautelares.
São cabíveis os alimentos provisionais, pedidos em caráter preparatório ou
incidental, por exemplo, nas ações de separação judicial, de divórcio, de anulação
ou nulidade de casamento, de investigação de paternidade e de alimentos.
Os alimentos provisionais, inseridos na tutela cautelar, são também, uma
espécie dos alimentos lato sensu, e, por conseguinte têm as mesmas características
destes, ou seja, a irrenunciabilidade, impenhorabilidade, pessoalidade e também a
irrepetibilidade, sendo esta última característica objeto deste estudo em face da
reversibilidade do provimento cautelar, a que estão sujeitas as medidas cautelares.
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6 . ALIMENTOS GRAVÍDICOS
A Lei 11.804, de 5 de novembro de 2008, reconheceu, a favor da mulher
gestante, o direito a alimentos em face do futuro pai. O fato gerador do direito
subjetivo é a gravidez, enquanto a verba alimentar deve cobrir as despesas
necessárias à gestação saudável e ao parto. Caso a mulher grávida possua meios,
deverá participar do custeio geral, hipótese em que ambos contribuirão e na
proporção de seus recursos.
A fixação dos alimentos, pelo juiz, não exige a prova cabal da paternidade,
apenas a existência de seus indícios. Caberá à requerente oferecer ao juízo os
elementos básicos de cognição, seja mediante depoimentos de testemunhas,
declarações por escrito, entre outros meios. Citado, o requerido poderá apresentar
resposta no prazo de cinco dias. Com o nascimento, os alimentos gravídicos se
converterão em pensão alimentícia, sujeita , naturalmente, à revisão diante de
eventual mudança na situação fática.
Caso, o alimentante, em qualquer tempo, consiga elidir a paternidade e comprovar má-fé da requerente, poderá ajuizar ação de responsabilidade civil, a fim de reaver suas perdas.( Curso de direito civil brasileiro. 7. ed. São Paulo: RT, 1987. p. 33.
Em outros termos, a Lei 11.804/2008 procura proporcionar à mulher grávida um autêntico auxílio-maternidade, sob a denominação latu sensu de alimentos, representado por uma contribuição proporcional a ser imposta ao suposto pai, sob forma de participação nas despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes à alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.( CAHALI, Y. S. (2009). dos Alimentos, 6ª ed. . São Paulo: Forense).
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6.1 - A SATISFAÇÃO FÁTICA E NÃO JURÍDICA DA CAUTELAR DE ALIMENTOS
A tutela cautelar tem como função a garantia da eficácia do provimento
definitivo,
a sua principal e confessada finalidade estampa-se no prevenir o dano, e não em reconhecer o direito ou realizá-lo praticamente”, pois, é só por meio do processo de conhecimento que o juiz pode tutelar o direito material e subjetivo. (OLIVEIRA, C. A. A.; LACERDA, G. Comentários ao código de processo civil: lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973, v. VIII, t. II, arts. 813 a 889. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 19).
Alguns doutrinadores entendem ser satisfativa a pretensão de alimentos
provisionais. É o caso do professor Ovídio A. Baptista da SILVA que os considera
como:
uma forma de tutela satisfativa e não simplesmente assecurativa (cautelar)” e com mais ênfase ressalta o autor que, a tutela cautelar deve ter apenas o escopo de acautelar, não implicando jamais na realização antecipada – ainda que provisória do direito acautelado. (SILVA, op. cit., p. 55, 420, 427, 431, 437.).
Segue nesse mesmo sentido, Humberto THEODORO JÚNIOR, ao tratar da
execução de medida cautelar e antecipatória:
até mesmo quando, excepcionalmente, compreenderem imposições de pagamento de somas em dinheiro”. É o caso, por exemplo, dos alimentos provisionais, outros pensionamentos similares e participações em rendas comuns, entre outros. Nesses casos, continua o referido autor, “as medidas antecipatórias, se possível, dispensarão o rito das execuções por quantia certa. (Tutela jurisdicional ..., p. 20.).
Porém, tal satisfatividade ocorre somente no mundo fático, que é o mundo
onde atua a cautelar; por isso, as acautelatórias nunca refletirão a resposta
jurisdicional estatal à pretensão do autor, já que servem para assegurar situação
aclamada pelo próprio processo, em nome da eficácia processual, sendo que nunca
devem visar ao fornecimento de satisfação fática e material do autor, ainda que
eventualmente isso possa ocorrer.
31
Na doutrina de CAHALI:
“a medida é provisional, no sentido de regulação provisória de uma situação processual vinculada ao objeto da própria demanda, de cognição sumária e incompleta, visando à preservação de um estado momentâneo de assistência”, mas que não se identificam – os provisionais – com as demais medidas cautelares que visam assegurar a utilidade prática da sentença final, comportando-se portanto como “antecipação satisfativa e não meramente assecuratória do resultado final”. (p. 840,841)
Se na decisão final, e, portanto através da cognição exauriente, o direito for
declarado existente, neste caso então haverá satisfação no mundo jurídico.
Considera-se medida juridicamente satisfativa aquela em que, por meio de uma
sentença de mérito, será declarada pelo juiz a existência ou não do direito objeto da
demanda.
Clara é a diferenciação feita por Pontes de MIRANDA:
O minus está na diferença entre acautelar e satisfazer; porém, há casos em que a cautela não deixa de ser cautela, posto que se dê a restituição e assim pareça importar satisfação. Esses casos, que são excepcionalíssimos, nascem da própria natureza da prestação. É o caso dos alimentos provisionais (Venter non patitur dilationem) segundo a regra jurídica de que por eles não se presta caução e ainda se perde a ação, o alimentado não os restitui.
Este é o limite entre as cautelares e as medidas puramente satisfativas, pois
aquelas, mesmo sendo aparentemente satisfativas, nunca devem ultrapassar o
mundo dos fatos e estas se destinam ao mundo jurídico, satisfazendo portanto, as
pretensões.
Os alimentos provisionais se inserem nas cautelares, mesmo sendo uma
relação de satisfatividade fática, pois se não o fosse, não necessitaria da propositura
da ação principal, que é onde se vai declarar o direito ou não aos alimentos. Esta
também é a posição de Victor A. A. Bomfim MARINS:
A pretensão cautelar, diferentemente, pois de natureza processual, não visa à realização do direito subjetivo afirmado pela parte, mas sim à asseguração do processo principal, no que se refere a seus vários elementos,
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particularmente, no caso de alimentos, à própria parte, considerada como sujeito do processo, que se impõe preservar em posição de equilíbrio processual em relação à parte contrária, até sobrevir decisão definitiva sobre a lide da qual depende para a obtenção do bem da vida pleiteado.
Todavia, a satisfação jurídica será concedida através da declaração da
existência do direito pela sentença, concretizando, portanto, a efetiva prestação
jurisdicional, resultado do conhecimento exauriente da relação processual e dos
fatos que a fizeram surgir.
Como se verá adiante, o processo cautelar, assim como as medidas
preventivas e antecipatórias, deve resguardar a sua reversibilidade, para os casos
em que, na análise pela cognição exauriente, se verificar não ser devida a medida
concedida através da cautelar, e assim, possa se voltar ao estado anterior ou a sua
reversão, no mínimo jurídica, através das medidas contidas no art. 461 do CPC.
Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
Fato notório, entendendo ser satisfativa ou não a cautelar de alimentos, é
que sua irrepetibilidade é consagrada pela doutrina e pela jurisprudência. Nos casos
em que a pretensão do autor venha a decair com a sentença final, não terá ele
direito a reembolso das verbas alimentícias.
6.2 - REVERSIBILIDADE DA MEDIDA CAUTELAR
A tutela cautelar tem como finalidade precípua e primordial, assegurar o
resultado útil do processo principal. Nesse sentido, se mostra importante a
característica da provisoriedade desta medida, pois será útil até a extinção do
33
processo principal, e tão logo mude a realidade que lhe deu motivos para sua
aplicação, sua função estará esgotada.
Após a cessação da medida cautelar, na maioria dos casos, o retorno à
situação anterior se dá normalmente, como é o caso, por exemplo, do seqüestro,
onde o bem apreendido é entregue a quem de direito. Porém, por vezes, a reversão
do pedido concedido não é tão fácil, como é o caso de uma demolição, por exemplo,
e por isso o juiz, ao examinar o pedido da cautelar, deve verificar a reversibilidade da
medida.
Este requisito – da satisfatividade da cautelar- tem contribuído para a
restrição dos provimentos acautelatórios nos tribunais, pois havendo a
irreversibilidade da cautelar já estaria indicada, a satisfatividade do provimento pois
o objeto do pedido coincide com o objeto do processo principal.
O professor Ovídio A. Baptista da SILVA, constatou que, “a doutrina
somente considera verdadeiramente definitivo o provimento que importe julgamento
final da causa, não os eventuais efeitos fáticos, mesmo que estes sejam
irreversíveis”.(SILVA, op. cit., p. 89.).
Porém, no caso de alimentos cautelares, pelo princípio da irrepetibilidade,
não exigirá a medida a reversibilidade, nem no plano fático, nem no jurídico, pois os
alimentos são irrepetíveis, tornando-se assim uma cautelar anômala às outras.
O artigo 811 do Código de Processo Civil elenca os casos em que deve
haver indenização ao requerido pelos prejuízos que venha a sofrer. Em seus incisos,
traz como motivo para a indenização, a situação de sentença desfavorável no
processo principal; a não promoção de citação do requerido no prazo de 5 dias, nos
casos de concessão de liminar inaudita altera pars; se cessar a eficácia da medida
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por um dos motivos expostos no art. 808 e, por fim, se reconhecida pelo juiz, a
decadência ou prescrição do direito do autor.
Sem prejuízo do disposto no art. 16, o requerente do procedimento cautelar responde ao requerido pelo prejuízo que lhe causar a execução da medida: I- se a sentença no processo principal lhe for desfavorável. (Art. 811, CPC).
Portanto, se concedida em sede liminar ou mesmo em sentença cautelar, os
alimentos prestados, e reconhecidos na sentença do processo principal como
indevidos ou ocorrendo as hipóteses dos outros incisos do referido artigo, deveriam
ser restituídos. É o que se pode entender pela simples interpretação legal.
Mas, sob a ótica do princípio da irrepetibilidade, pode constatar-se que os
alimentos cautelares não se sujeitam às regras desse artigo.
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7. REVERSIBILIDADE DA MEDIDA CAUTELAR E O PRINCÍPIO DA
IRREPETIBILIDADE DOS ALIMENTOS
O fumus boni iuris será reexaminado em processo posterior de cognição
exauriente, dessa forma, a pretensão a segurança se perfaz com o processo
cautelar que destina-se a eliminar ou minimizar o perigo.
Diante disso, a decisão do processo principal pode reformar a decisão
proferida na sentença cautelar , casos em que a reversibilidade, no mínimo, jurídica,
da tutela cautelar deveria ser aplicada.
Temos, portanto, reversibilidade fática, que é aquela onde se retorna à exata
situação do status quo ante (por exemplo: a devolução do bem seqüestrado); e a
reversibilidade jurídica, onde se aplicam as alternativas do art. 461 do Código de
Processo Civil (a reversão por uma providência equivalente ou conversão em perdas
e danos).
Os alimentos não se revestem da característica da reversibilidade da medida
cautelar, pois, “a urgência da satisfação impõe essa anomalia”, significando que, por
se tratar de matéria de ordem pública, os alimentos não se sujeitam a devolução,
não cabendo análise sobre a idoneidade do motivo que lhe deu causa.
Quando evidente a irreversibilidade, o juiz deve fazer um exame mais
apurado dos interesses em jogo valendo-se do princípio da proporcionalidade. Mas a
irreversibilidade das prestações pagas a título de alimentos provisionais se dá, tanto
no mundo fático como no jurídico, na posição da doutrina dominante.
Constata-se da exposição que, mesmo em matéria de execução, a função
do juiz em sopesar, subsiste. Função que se torna ainda mais relevante na
concessão de cautelares, evitando que não se torne um gravame injusto para aquele
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que irá sofrer seus efeitos, pois a tutela cautelar não poderia ser concedida quando
pudesse causar dano maior do que o que se pretende evitar.
Conforme os dizeres de MARINONI, “não somente a tutela sumária
satisfativa, como também a tutela cautelar, em vista de cada caso podem causar
prejuízos irreversíveis”. (MARINONI, op. cit., p. 125).
A prevalência do direito provável sobre o improvável concede ao julgador a
possibilidade de proteger um processo, e por conseqüência um direito que pareça
provável, mesmo que cause dano irreversível a outro direito aparentemente
improvável.
Por meio do princípio da proporcionalidade, pode-se admitir que o juiz
provoque um prejuízo irreparável ao direito que lhe pareça improvável, devendo
sempre ocorrer a ponderação dos bens jurídicos em tela, pois, quanto maior for o
valor jurídico do bem a ser sacrificado, maior deverá ser a probabilidade de
existência do direito que justifica o seu sacrifício.
J. J. Calmon de PASSOS fez dura crítica aos casos de concessão inaudita
altera pars:
Hoje em nosso país, as pessoas da Santíssima Trindade são quatro: Pai, Filho, Espírito Santo e o autor. Porque o que o autor diz em sua inicial vem se tornando „palavra sagrada‟, que não pode ser contestada. Tanto que o autor simplesmente diz, e o juiz simplesmente concede liminarmente e sem audiência da parte contrária e ainda satisfativamente. (Efetividade do Processo Cautelar. Revista do Advogado, ano IX, n. 20, p. 128, 1993.)
Basílio de OLIVEIRA relata que:
na comarca do Rio de Janeiro, os juízes não costumam fixar desde logo os alimentos provisionais, sem que antes, o autor complemente a inicial com outras informações, para fundamentar a decisão. Medidas como essa podem evitar prejuízos irreversíveis que a improcedência da futura decisão venha a causar. (OLIVEIRA, J. F. B. de, op. cit., p. 252).
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Pode o juiz, para conceder a medida cautelar, exigir caução por parte do
autor para, se havendo prejuízos, possa com ela ressarcir os danos que o requerido
possa sofrer, é o que reza o artigo 804 do mesmo Código.
É lícito ao juiz conceder liminarmente ou após justificação prévia a medida cautelar, sem ouvir o réu, quando verificar que este, sendo citado, poderá torná-la ineficaz, caso em que poderá determinar que o requerente preste caução real ou fidejussória de ressarcir os danos que o requerido possa vir a sofrer.
Esse artigo não se aplica aos alimentos devido a irrepetibilidade, é o que
dispõe o Tribunal de Justiça do Paraná:
ALIMENTOS – EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE SENTENÇA – DESNECESSIDADE DE CAUÇÃO – SEGURANÇA DENEGADA”. – Na execução provisória de sentença em ação de alimentos, a execução independe de caução. Se os alimentos são irrestituíveis será descabida a exigência de caução, instituto que por índole não se compatibiliza com a condição de quem necessita de alimentos. Mandado de segurança 94/77 – Curitiba – Impetrante: M.M.C. Impetrado: Juízo de Direito da 1º Vara de Família. (TJPR/RT522/174).
Porém, não se pode afirmar veementemente que nunca haverá restituição,
pois cada caso deve ser analisado individualmente. Também, não há que se impedir
a concessão de alimentos baseando-se somente na reversibilidade, como adverte
Iara de Toledo Fernandes, quando trata dos alimentos provisionais:
a magnitude da função jurisdicional não pode ficar ofuscada, desprestigiada em nome do tabu da irrepetibilidade, que, num rigor jurídico, não encontra sustentação, faltante até mesmo, norma definidora da não restituição de valores alimentares pagos indevidamente.(Alimentos provisionais. São Paulo: Saraiva, 1994 apud OLIVEIRA, F. L. de, op. cit., p.189.
Em algumas situações admite-se caber restituição.
O Código Civil Português Comentado, afirma que o princípio da
irrepetibilidade vigora em relação aos alimentos provisórios, porém com relação a
alimentos definitivos, pode haver colisão entre o dito princípio e o princípio do
enriquecimento sem causa e a repetição do indevido, mas que, em ambos os casos
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a irrepetibilidade irá se sobrepor, razão pela qual, pode se estender para os
alimentos definitivos.
Ovídio A. Baptista da SILVA também mudou seu entendimento com relação ao cônjuge que obteve os provisionais e foi vencido na demanda principal. O mestre gaúcho admite que possa haver compensação do que foi pago para custeio da causa, na partilha. (SILVA, op. cit., p. 417.)
De entendimento diverso, Carlos Alberto Alvaro de OLIVEIRA dispõe:
A nosso ver impossível cogitar de restituição, mesmo em se cuidando de ações matrimoniais. Inexiste regra no sistema jurídico brasileiro considerando a parcela ad litem como mero adiantamento, a ser compensável na futura partilha dos bens do casal. (OLIVEIRA, C. A. A.; LACERDA, G., 3. ed., op. cit., p. 277.)
Cabe ressaltar, que a irrepetibilidade também não tem regra expressa em
nosso ordenamento jurídico e, entretanto é aplicada.
A execução da medida cautelar, conforme o art. 811 (nos casos descritos
em seus incisos) do Código de Processo Civil brasileiro, quando gerar algum
prejuízo ao requerido, deverá este, ser indenizado pelo requerente.
Art. 811 - Sem prejuízo dos disposto no art. 16, o requerente do procedimento cautelar responde ao requerido pelo prejuízo que lhe causar a execução da medida:
Porém, a regra contida no art. 811 não é específica, e apesar de não existir
norma expressa em nossa legislação sobre a irrepetibilidade dos alimentos, é
evidente a constatação de que é de caráter de ordem pública, o que descaracteriza
o citado artigo para o caso dos alimentos provisionais.
7.1 - IRREPETIBILIDADE, MÁ-FÉ E ENRIQUECIMENTO ILÍCITO
Para os casos de enriquecimento ilícito onde, por exemplo, se conceda
alimentos provisionais com o uso de documento falso, é de se admitir que, numa
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ação própria, portanto diversa do art. 811, tenha o prejudicado o direito de provar a
falsidade documental e, portanto, reaver o que pagou sem dever, pois o direito não
pode proteger a má-fé.
O artigo 17 do Código de Processo Civil traz os casos de litigância de má-fé, e em seu inciso II, considera litigante de má-fé aquele que altera a verdade dos fatos.
Essa não é a finalidade da justiça. Não nos parece a mais correta a
afirmação de Pontes de MIRANDA, “ainda que injusta a decisão que concede
alimentos provisionais, não se restituem”. (MIRANDA, Comentários ao ..., p. 42.)
O próprio art. 811 do Código de Processo Civil, remete ao art. 16 do mesmo
código. O referido artigo diz respeito aos casos de má-fé. Assim, nos casos em que
for comprovada a má-fé, também se poderá pedir indenização, o que não é
restituição, mas, uma forma de restabelecer a situação daquele que amargou o
prejuízo sem devê-lo.
Responde por perdas e danos aquele que pleitear de má-fé como autor, réu ou interveniente. (Art. 16 CPC).
No mesmo sentido, Arnaldo MARMITT assevera que:
mesmo na fixação errônea do quantum, se houve dolo, má-fé ou fraude que induziu o julgador em erro, é possível a repetição do valor pago a maior, “por uma simples questão de justiça, e para evitar o enriquecimento sem causa. (Pensão Alimentícia. 2. ed. Rio de Janeiro: Aide Editora, 1999. p. 21.
CAHALI admite caber restituição – repetição de indébito:
quando a mulher-divorciada oculta novo casamento, beneficiando-se ilicitamente das pensões pagas pelo ex-marido. É mais um caso de ilícito, de má-fé, e mesmo não se chamando de restituição, o devedor poderá reaver o que pagou. (Cahali p.124).
Também admite caber restituição, mas de forma mais complexa, Arnold
WALD:
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Admite-se a restituição dos alimentos quando quem os prestou não os devia, mas somente quando se fizer prova de que cabia a terceiro a obrigação alimentar, pois o alimentado utilizando-se dos alimentos não teve nenhum enriquecimento ilícito. A norma adotada pelo nosso direito é destarte a seguinte: quem forneceu os alimentos pensando erradamente que os devia, pode exigir a restituição do valor dos mesmos do terceiro que realmente devia fornecê-los. (Direito de família. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981. p. 32.).
Entretanto, não parece satisfatória essa solução, se pensarmos em qual
seria o procedimento se quem realmente devia não sabia dos fatos e estava de boa-
fé quando fosse acionado para restituir os alimentos pagos por vários anos?
Seria colhido de surpresa e teria uma grande dívida com o suposto devedor.
E, se no final do processo descobre-se que o devedor não o era e não existe outro
devedor conhecido, como seria o ressarcimento de quem os pagou?
Ainda com relação à má-fé, Victor A. A. Bomfim MARINS afirma que:
a má-fé do autor em requerer a cautela, segundo previsão dos arts. 16 e 18, CPC, configura-se um plus que desqualifica a tutela acautelatória e, a fortiori, a irrepetibilidade dos alimentos cautelares, gerando, por conseguinte, a obrigação de indenizar. (Marins 2000, p.299).
Na pesquisa feita por José Ignácio Botelho de MESQUITA, ao examinar a
obra de Manuel de Almeida e Souza de Lobão, constatou a irrepetibilidade dos
alimentos, porém, ainda nas palavras de Lobão, o pesquisador achou uma
possibilidade de restituição:
Se aquele que recebeu os alimentos vem a decair da ação principal e depois vem a adquirir fortuna ou vem a poder restituir, ele deve restituir. Lobão se refere – é sua expressão – àquele que vem a se tornar “opulento”. Nesta expressão de Lobão está bem clara a situação de Direito português antigo. A ação de alimentos, a ação sumaríssima de alimento será concedida às pessoas que provassem sua quase miserabilidade, porque a regra de que cada um deve prover o seu sustento era aplicada a ferro e fogo no antigo Direito português. Conseqüentemente, era inútil a pretensão à restituição. Daí decorre que só se poderia realmente pretender a restituição quando a pessoa viesse a dispor de recursos para essa restituição. (MESQUITA, op. cit.).
41
O Objetivo essencial dos alimentos é prover as necessidades humanas e
percebemos que, pelo exposto, eles eram concedidos em casos de evidente
miserabilidade, o que suprimia a repetição.
Não se pode criar óbice para autorizar a concessão por conta da
irrepetibilidade dos alimentos, mas também não se pode legitimar a injustiça e
impossível reparação, posto que o juiz quando concede a cautelar apenas assegura
a efetividade do processo e não concede o direito pleiteado.
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8. CONCLUSÃO
A Constituição Federal garante a todos o acesso à justiça que é exercido
pelo direito de ação e quem o fizer tem o direito a uma adequada, justa e eficaz
tutela de seus interesses. Contudo, quando os cidadãos buscam a solução de seus
conflitos no judiciário, o resultado além de demorado é muitas vezes ineficaz.
Um dos grandes pilares que sustentam a eficácia da atividade jurisdicional
estatal é o Processo Cautelar, pois proporciona aos que dela se utilizam a
oportunidade de garantir, diante de uma situação de urgência, que o resultado do
processo em que se discutirá a lide, não resulte ineficaz pelo excesso de tempo.
As inovações que ajudaram a aplicação da tutela jurisdicional pelo Estado
foram as medidas cautelares. Entretanto, por não serem satisfativas, devem retornar
ao estado anterior quando cessarem os motivos de sua causa.
A cautelar de alimentos provisionais foi objeto do presente estudo que pela
característica da irrepetibilidade dos alimentos, fogem a esta regra.
Este trabalho demonstrou que o princípio da irrepetibilidade dos alimentos
não tem regra expressa em nosso ordenamento jurídico, mas é oriunda do Direito
português, conforme a pesquisa de Botelho de Mesquita. Todavia, tal premissa é
amplamente aceita por juristas e doutrinadores brasileiros.
Dessa forma, resta evidente a problemática que se institui na questão da
satisfação dos alimentos provisionais, contudo, percebe-se também que, se
concedidos, quando presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora
(pressupostos para a concessão de cautelares) serão eles medidas cautelares.
Ocorre, porém, que por serem os alimentos, matéria de ordem pública, são
irrepetíveis, enquanto a medida cautelar concedida mediante os pressupostos da
cautelar deveriam resguardar a sua reversibilidade.
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Diante de todo o exposto e considerando todas as hipóteses apresentadas
ao final desta pesquisa, percebemos claramente que, assim como tudo no direito
reserva exceções e nada é absoluto, a irrepetibilidade dos alimentos não deve ser
encarada como tal, sem qualquer possibilidade de exceção, porque se ela for
aplicada irrestritamente e sem objeções, o indivíduo que quitou uma obrigação
alimentar inexistente, ou que o fez por erro, será injustiçado.
O enriquecimento ilícito e a má-fé comprovam a injustiça, o que se pode
concluir que alimentos recebidos indevidamente poderão ser repetidos, ainda que na
forma de indenização por ação própria.
O juiz deve ater-se ao caso concreto e não apenas à presença dos
pressupostos para concessão da cautelar para aplicar o princípio da irrepetibilidade
para não gerar locupletamento sem causa justa e por conseqüência trazer injustiça
ao que não devia e mesmo assim prestou uma obrigação alimentar.
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