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Abril de 2009, nº 1 Comunidades rurais de Abaetetuba e Castanhal abrem as portas para a primeira vivencia do

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Primeira edição da publicação on line do Programa de vivência estudantil camponesa - PROCAMPO.

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Page 1: Vivencia on line

Abril de 2009, nº 1

Comunidades rurais de Abaetetuba e Castanhal abrem as portas para a primeira vivencia do

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Daniel Rios GarzaCoordenador Geral

Abril de 2009, 1º Edição

On line

A revista On line é uma publicação semestral do Programa de Vivência Estudantil Camponesa (PROCAMPO).

GovernadoraAna Júlia Carepa

Chefe da Casa CivilCláudio Puty

EdiçãoDaniel Garza

Revisão e ediçãoLuis Fernando Machado

Paula Catarina

Diagramação e IlustraçãoKayo Souza

Artigos

Abaetetuba

Alessandra SeixasAnanda Tighar Lima Pires

Anderson CostaCaio Santos Silva

Danielle Dias Deusinaldo Silva

Diego Bil Silva BarrosFernanda Dias

Jennefer BentesLorenny Santos da Costa

Margareth PadilhaMaria do Parto

Mizael MascarenhasPatrícia Pantoja

Raimunda SouzaRenato Néri

Silvio Éder Dias da SilvaVander Monteiro da Conceição

Castanhal

Ana Carolina CostaAndrielle Leal

Débora LinharesEmanuella Mesquita

Francy TaissaJoubert SouzaNatália Abdul

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lossárioAbaetetuba Pág. 40Castanhal. Pág 41

ÍNDICE

Abril de 2009, 1º Edição

Abaetetuba

Castanhal

Os dois lados da Pérola do Tocantins Pág 4

A convivência - Pág. 6

Minha VivênciaAndando por estivas - Pág. 15(Re) Conhecendo Abaetetuba - Pág.20

Políticas PúblicasPolíticas públicas e a realidade ribeirinha: Um

desafio permanente- PUm olhar sobre a ilha Campompema- Pág.8

O abandono da saúde nas ilhas de Arumanduba e Caripetuba:fechar os olhos ou

buscar uma solução? Pág. 13

ág. 11

SaúdeO cuidado com a saúde da mulher- a prevenção como arma contra o câncer de colo uterino na ilha

de Sapucajuba- Pág.17EconomiaAçaí- Uma questão cultural e nutricional dos

moradores de Abaetetuba- Pág. 22

Religiosidade Lendas, religião e religiosidade nas

ilhas de Abaetetuba- Pág. 24

A rainha do assentamento- Pág. 27

Cultura A mística do brincar entre os “Sem Terrinha”- Pág. 29

Minha Vivência Construindo Novos Olhares- Pág. 33SaúdeVisita domiciliar: A realidade da saúde no assentamento João

Batista II. Pág. 34

Meio Ambiente Problemas ambientais. Pág. 38

EducaçãoEducação no campo e com

o campo. Pág. 36

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Os dois lados da Pérola do Tocantins

descoberta de um mundo rico e profundo que se esconde atrás da Apaisagem Amazônica pode parecer

improvável, ou melhor, loucura nas sociedades modernas, que muito valorizam a tecnologia e pouco a sabedoria popular. Prova disso é que se for pedido ao leitor para pensar em um lugar bonito, certamente virá à cabeça Roma, Paris, Nova York e por aí vai. Dificilmente (ou nunca) pensará em Abaetetuba. “Abae... O quê?”, deve estar se perguntando o caro leitor. É isso mesmo, Abaetetuba, uma cidadezinha localizada no nordeste paraense, há cerca de duas horas da capital, Belém.

Abaetetuba é uma cidade bela, e ainda mais belas são suas ilhas, sem dúvida um exemplo de mundo rico e profundo comparável a Roma e Paris, mas claro, sem o Coliseu e a Torre Eiffel. Uma dessas ilhas é a do Rio da Prata.

Localizada há duas horas de barco da cidade, a ilha é belíssima e as pessoas dessa localidade, gente de extraordinária hospitalidade, trazem no DNA a força, o caráter, o amor e o respeito ao próximo, ideais que a sociedade contemporânea valoriza tanto e que são tão ausentes nas relações cotidianas.

>>As histórias da região misturam o pitoresco e o sobrenatural. A

população fala com muita naturalidade sobre

“curupiras”, “cobra-grande” e botos que viram homens.<<

Um fato interessante nesse canto do planeta é que o limite entre o real e o fantástico é muito tênue. As histórias da região misturam o pitoresco e o sobrenatural. A população fala com muita naturalidade sobre “curupiras”, “cobra-grande” e botos que viram homens. A verdade é que as histórias dos ribeirinhos, tanto as reais como as extraordinárias, encantam a qualquer um. É, meu amigo leitor, a ilha do Rio da Prata é um lugar paradisíaco. Mas antes que você se entusiasme demais e se mude para a ilha, é importante que se fale que, apesar de Deus ter sido generoso com a região, a área sofre com muitos problemas.

Mizael Mascarenhas: é aluno do curso de medicina da Universidade Federal do Pará e cursa o 5º semestre. Durante a vivência ficou na comunidade da ilha Rio da Prata.

Por

Mizael MascarenhasA i lha é detentora de r iquezas

incalculáveis, a população sofre com problemas que são, em grande parte, reflexos da falta de responsabilidade dos governantes. Educação e saúde de péssima qualidade, desemprego e falta de segurança são alguns deles.

No que diz respeito à saúde, a situação beira o caos. Pessoas morrendo por conta de uma simples diarréia, hipertensos e diabéticos com tratamento inadequado, gravidez precoce, falta de informação, falta de profissionais e infra-estrutura para trabalhar de forma digna. O problema é realmente muito grave e fica evidenciado no desabafo de um dos moradores da ilha: “a gente está esquecido aqui, o governo acha que é só na cidade que tem doença, que é só na cidade que tem gente que precisa, mas aqui a gente precisa também, nunca veio um médico aqui na ilha, tem gente morrendo de diarréia”. Há uma verdadeira seleção natural, uma luta diária pela sobrevivência.

Dessa forma, o Rio da Prata é mais uma região marcada pelo contraste: se por um lado conta com uma paisagem linda e um povo maravilhoso, por outro sofre com problemas comuns das grandes cidades. Para reverter esse quadro é necessário investir em uma educação transformadora, capaz de criar uma nova ética cidadã, despertando os ideais de solidariedade, respeito e amor à vida, pois só dessa maneira conseguiremos formar políticos compromissados com as questões sociais. É, como afirmava Platão, um dos grandes pensadores gregos: para se chegar a uma sociedade justa e democrática é preciso estabelecer primeiro as bases para uma política e uma justiça correta, caso contrário, ficaremos eternamente presos aos tentáculos do capitalismo neoliberal

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Denominada poeticamente de “Pérola do Tocantins”, a cidade de Abaetetuba é conhecida como a terra da cachaça, das bicicletas e do brinquedo de miriti, famoso atrativo no Círio de Nazaré.

População: 132.222 hab.Território: 1.611km2 PIB: Saúde: 54 estabelecimento de saúde (dados IBGE de 2005)

Histórico:

O município de Abaetetuba, localizado à margem direita do Rio Tocantins, é situado na zona Guajarina. Existem divergências históricas quanto ao início da povoação do território, mas segundo Palma Muniz a ocupação da área aconteceu a partir de 1850 por padres capuchos e posteriormente por jesuítas. A história tradicional afirma que a família de Francisco de Azevedo Monteiro foi uma das primeiras famílias a aportarem no local. A vila, pertencente inicialmente a Belém até 1950 e depois a Igarapé-Mirim era denominado Abaeté, mas pela lei estadual nº 334 de 1895 passou a ser considerada cidade, e voltou a pertencer a capital do Estado. Atualmente, Abaetetuba tem uma abrangência de 62 ilhas, 36 comunidades localizadas à beira da estrada, além da cidade. São quase 133.316 mil habitantes, segundo o último censo do IBGE (2006).

Economia: Extrativismo, agropecuária e pesca.

Campus universitário: Possui o campus Baixo Tocantins da Universidade Federal do Pará (UFPA), em 1987. O espaço físico do Campus de Abaetetuba comporta sete prédios, dois em construção, onde funciona a biblioteca, coordenação dos cursos e administração do campus e são ministradas as aulas dos cursos ofertados (Pedagogia Intervalar e Regular; Letras Regular; Matemática Regular; Física Intervalar e Ciências Contábeis Regular), e o espaço cultural Toca Tocantins, inaugurado em 2003.

(Fonte: IBGE Cidades)

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A convivência

As dinâmicas em grupo e discussões sobre assuntos

diversos da minha limitada realidade acadêmica eram

a força propulsora para enfrentar esse desafio.

por

Patrícia Maria Pedrosa Pantoja

articipar do PROCAMPO foi, antes de tudo, um desafio.P

Assim como o período da vivência já estando no internato- etapa final do curso de medicina- sem férias. Desafio para explicar a proposta do programa a familiares e amigos e, principalmente, para ser compreendida na estranheza que causava o fato de sair de casa e ir morar com desconhecidos em um assentamento ribeirinho. O desejo de aprender, vivenciando a magia do desconhecido, era a força e coragem que me impulsionavam.

O palco da minha vivência foi a ilha de Sirituba, município de Abaetetuba, que, com seu trapiche, igreja e escola, é uma verdadeira cidade em relação às demais ilhas. A minha família - as pessoas com quem morei durante a vivência - era constituída pelo seu Dílson, líder comunitário da ilha, pela sua esposa, dona Zenilda, e pelos meus “irmãos”, seus filhos: Isa, de 14 anos, Gico, de 13 e Tita, de 11. Tita, a menina mais nova, foi minha companheira de todas as horas nessa experiência. Com o típico biótipo de ribeirinha, destaca-se dos irmãos pela habilidade que tem pelos estudos. O que mais me chamou a atenção nela foi o fato de querer ser médica quando crescer, e, diga-se de passagem, tem muitas chances de conseguir.

Com eles vivi momentos ímpares, que possibilitaram a troca de experiências dos estudantes entre si, e entre os estudantes e as famílias. A vivência permitiu uma aproximação com a realidade sócio-econômica de pessoas que recebemos nos hospitais universitários. Isso permitiu que despertássemos o respeito e passássemos a valorizar a sobrevivência milagrosa dessas comunidades ribeirinhas, para que nós, futuros profissionais, possamos prover uma atendimento mais humanizado.

Logo na chegada à ilha, dona Zenilda me levou para conhecer a casa: apenas dois cômodos, um era o quarto, para todas as redes de noite, que serve de sala durante o dia, e outro era a cozinha. Começava o aprimoramento do meu equilíbrio pelas pontes de tronco de açaí para chegar ao sanitário ou para ir à casa dos vizinhos.

Patrícia aprendeu durante a vivência tarefas do dia-a-dia da comunidade de Sirituba..

O melhor aprendizado foi vivenciar o cotidiano ribeirinho, partilhando com a família, desde a alimentação, entretenimento, sua identidade cultural, crendices, seus medos, sofrimentos, alegrias, ao seu amor pela ilha e até suas esperanças. Pessoas sem um currículo acadêmico, muitas sem histórico escolar, mas cheias de dignidade.

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Aprendi a valorizar muitas coisas que passavam despercebidas por mim: o trabalho necessário para conseguir um quilo de camarão, de peixe ou um litro de açaí, por exemplo. Pratiquei o compart i lhamento de conhecimento, o relacionamento humano interpessoal e a convivência com o próximo, respeitando as diferenças, sobretudo o impacto da linguagem, procurando adaptar-me às peculiaridades da localidade. Isso tudo contribuiu para o meu amadurecimento pessoal e profissional, pois pude presenciar as dificuldades financeiras e de locomoção para se chegar a um atendimento médico na capital.

As pessoas de mais idade ainda cultivam plantas medicinais e conhecem os segredos da natureza para aliviar as dores mais freqüentes. As agentes de saúde contam com um mínimo de material e informações, e são empenhadas em ações como a da Pastoral da Criança, na missão de promover a diminuiç?o da mortalidade infantil com as ações básicas de saúde e nutrição.

Pude observar durante as entrevistas realizadas nos domic?lios, que os ribeirinhos encontram satisfação na forma coletiva em que vivem. Para eles não há tempo bom ou ruim, sol ou chuva. Esteja escuro ou claro, é hora de trabalhar, pescar, consertar rede de pesca, tirar o açaí, aquecer e extrair a polpa do buriti ou fazer matapi.

Eles precisam de tão pouco para estar felizes. Foram tantos momentos de emoção vividos junto a eles: nos passeios de canoa ao vislumbrar a natureza encantadora, no culto, na pesca de um mandi, na ansiedade que sentiam pela chegada do dia do pagamento do Bolsa-família.

A felicidade ribeirinha é poder dormir com uma lâmpada em vez de lamparina ou assistir televisão a qualquer horário quando se tem 4 reais para alugar uma; beber água gelada, não da geladeira - que não existe, já que não há energia elétrica-, mas do isopor com gelo; ou ainda madrugar para ir à cidade para receber o Bolsa-família. Talvez eu nem soubesse o que significava felicidade.

Sei que muito do que eu sei não serve para eles, e talvez eu não possa oferecer a eles muito do que precisam. Os ribeirinhos precisam do básico: energia elétrica, tratamento de água, educação e ações básicas de saúde.

Como dizia a “parábola da semente” que ouvi na tarde escaldante do meu primeiro dia na ilha: sou apenas uma semente de muitas que virão

Patrícia Maria Pedrosa Pantoja: ex-graduanda do curso de medicina da

Universidade Federal do Pará, participou da vivência no PROCAMPO na comunidade de

Sirituba, município de Abaetetuba .

A estudante dialogando com a família Santos Pereira sobre os problemas e demandas da comunidade de Sirituba.

: Ver glossário

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Um olhar sobre a ilha Campompema

Por

Maria do PartoDeusinaldo Silva

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Moradora produzindo paneiros, cesto feito do miriti retirado das palmeiras locais

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E x i s t e , t a m b é m , u m a carência de profissionais qualificados no local. Somente agora, na “nova era dos projetos”, os professores estão recebendo qualificação acadêmica ao cursar o nível superior na faculdade de pedagogia da região.

Os agentes da Pastoral da Criança orientam as mães em relação à desnutrição, amamentação e fazem a pesagem mensal das crianças da ilha. Mas, no geral, na área da saúde, as famílias enfrentam inúmeras dificuldades e contam apenas com um agente leigo que atende os pacientes na própria casa, em condições precárias. Um agente comunitário de saúde faz visitas domiciliares, orienta as famílias sobre higiene, tratamento da água e prevenção de doenças. Esses problemas poderiam ser solucionados com políticas públicas para atender as necessidades de s e g u r a n ç a , i n f r a - e s t r u t u r a , saneamento básico e energia elétrica.

Segundo Maria de Paula Dallari Bucci , professora da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, políticas públicas são "Política pública é o programa de ação governamental que resulta de um processo ou conjunto de processos juridicamente regulados - processo eleitoral, processo de planejamento, processo judicial - visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados”.

No âmbito social e ambiental é necessário assegurar condições de moradia digna e a realização de projetos de infra-estrutura que dialoguem com os conceitos da sustentabilidade ambiental no campo.

*

A Pastoral da Criança é um organismo de ação social da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), os voluntár ios da Pastoral desenvolvem ações de saúde, nutrição, educação, cidadania e e s p i r i t u a l i d a d e n a s comunidades pobres de todo o Brasil. A entidade tem como objetivo o desenvolvimento integral das cr ianças e consequentemente de suas famílias e comunidades, sem distinção de raça, cor, profissão, nacionalidade, sexo, credo religioso ou político. A Pastoral da Criança atua nos seguintes programas:

Acompanhamento das gestantes

-Direitos e Deveres. -Cuidados importantes na gravidez: preparo para o

aleitamento materno, pré-natal, alimentação, higiene,

vacinação, etc. -Apoio psicológico, melhoria

da auto-estima. -Acompanhamento de cada

trimestre da gravidez: desenvolvimento do bebê no útero; queixas mais comuns,

sinais de risco; preparo para o parto e pós-parto.

Acompanhamento das crianças menores de seis

anos - Direitos.

-Desenvolvimento e aprendizagem da criança.

- Aleitamento Materno. - Avaliação Nutricional. - Higiene e Saúde Bucal.

-Imunização. - Orientações para a

prevenção e tratamento da diarréia e de Infecções

respiratórias. -Sinais de Risco para a

Saúde.

A entidade também trabalha em ações complementares ao bem estar das crianças e suas famílias como alfabetização, capacitação para o trabalho e controle social das políticas públicas.

Os festejos

Os festejos tradicionais são os de Santo Antônio, São João, São Pedro, Santos Reis, São Benedito, São José, Santa Maria e Nossa Senhora de Nazaré. Essas festas acontecem há mais de cem anos na i lha. Algumas delas acontecem na casa de uma das famílias da vila, outros na igreja local, são eventos culturais passados de pai para filhos. Os locais utilizados para o lazer são os barracões dos Santos Padroeiros, o campo de futebol, as sedes, para as festas, o bar e o restaurante “Barco Panacarica”. Observamos que o desenvolvimento desta população está se constituindo, porém ainda há muito a se fazer para que surjam novas oportunidades que possam viabilizar o bem estar dessas famílias, como fortalecer a luta por meio de estratégias políticas

Maria do Parto: cursa pedagogia das águas na Universidade Federal do Pará no campi de Abaetetuba, e passou a vivência na ilha de Campompema.

D e u s i n a l d o S i l v a : c u r s a p e d a g o g i a d a s á g u a s n a Universidade Federal do Pará no campi de Abaetetuba, e passou a vivência na ilha de Campompema.

Maria Paula Dallari Bucci: Possui graduação em Direito pela Universidade de São Paulo (1987), mestrado em Direito pela USP (1994) e doutorado em Direito pela USP (2000). Atualmente é Consultora Jurídica do Ministério da Educação e Professora da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo (Direito-GV) Autora de Direito Administrativo e Políticas Públicas (Saraiva, 2000) e Políticas Públicas: Reflexões sobre o Conceito Jurídico (Saraiva, 2006). Atua nos temas: direito público, direito administrativo, educação superior, políticas públicas.

Fonte: Sistema de Currículo Lattes

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Políticas públicas e a realidade ribeirinha:

um desafio permanente

Por

Danielle DiasMargareth Padilha

O sorriso do ribeirinho em contraste a ausência de políticas públicas

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Danielle Dias: Aluna do curso de Geografia da Universidade Federal do Pará e passou a Vivência na comunidade de Igarapé Vilar.Margareth Padinha: Aluna do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Pará e p a s s o u a V i v ê n c i a n a comunidade de Guajará de Beja.

De fato, é desafiador ou da ínfima possibilidade de sobreviver no meio rural sem alcance de planos, programas políticas públicas que possam e projetos, em diversas áreas.dar suporte para manutenção No que diz respeito à da vida e diante das precárias prevenção da gravidez na situações expressas na falta de a d o l e s c ê n c i a , t r a b a l h o tratamento de água e esgoto, infantil, abandono escolar, ausência de coleta de lixo, degradação ambiental e inexistência de postos de saúde outras expressões da questão e médicos locais , baixa social, as políticas são pontuais, qualificação profissional (na fragmentadas e, por fim, saúde e na educação) um ineficazes.número insuficiente de escolas, E s s a s s i t u a ç õ e s algumas delas com a estrutura i n s t i g a m r i b e i r i n h o s e c o m p r o m e t i d a , o u t r a s ribeirinhas a lutarem para funcionando em barracões serem reconhecidos como que parecem verdadeiras cidadãos, para serem ouvidos saunas de tão quentes, com e terem as suas demandas alto índice de abandono revert idas em pol í t i cas escolar e outros problemas públicas. Historicamente este como os casos em que alunos reconhecimento não tem de 1ª a 4ª série estudam em acontecido, propiciando dessa uma turma só, as turmas forma a migração para os m u l t i s e r i a d a s , a centros urbanos em busca de vulnerabilidade diante de saúde, educação e trabalho. A práticas de pirataria, entre identificação da população outros problemas. com o lugar, o parentesco, a

Os amazônidas que idéia de pertencer ao lugar residem em áreas ribeirinhas justificam sua permanência convivem com a questão da em áreas de ilhas e várzeas, pirataria, os chamados "ratos a inda que lhe s fa l tem d ' á g u a " , q u e r o u b a m , condições estruturais para se s a q u e i a m c a s a s e viver mais dignamente.embarcações, levando o Os quinze dias que pouco que estes sujeitos passamos com as famílias possuem, restando apenas a foram de compartilhamento indignação e a sensação de de conhecimentos. exclusão diante de tamanha ausência de segurança pública

Paul Elliot Little: é professor adjunto IV no Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB). É Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nivel 2 e doutor em Antropologia pela UnB (1996) e doutor em Ciências Sociais pela Faculdade Latino-Americano de Ciências Sociais - Brasil (1996). Possui graduação em Antropologia - Kalamazoo College (1975), mestrado em Educação - Black Hills State College (1983) Tem experiência na área de Antropologia, com ênfase em Antropologia Ambiental, atua principalmente nos seguintes temas: sociedades indígenas, povos tradicionais, Amazônia, meio ambiente, confl itos soc ioambienta i s e desenvo lv imento sustentável.Fonte: Sistema de Currículo Lattes

: Ver glossário

Acordamos nas primeiras horas do dia, pilotamos rabetas, preparamos puquecas, matapis, fizemos farinha, atravessamos pontes para ir ao banheiro, e de forma desajeitada tentamos remar e direcionar a canoa. Percebemos que em nós faltava algo que não percebíamos, não só em nossa formação acadêmica, mas como ser humano, que foi a convivência com pessoas que nos acolheram como membros de suas famílias. Mostraram sua realidade e nos lembraram de nossas responsabilidades enquanto futuros profissionais e cidadãos.

A v i v ê n c i a f o i u m a experiência singular, proporcionaram afinar o olhar, a observação, a apreensão e compreensão da dinâmica camponês. Não fomos somente observar as comunidades ribeirinhas de Abaetetuba, vivemos e sentimos o que é ser ribeirinho e ribeirinha, e esse sentir é palpável. E, é bem provável que não só estas palavras comprovem isso.

Nosso ouvir e o falar agora são outros, tanto Eles e Elas (os ribeirinhos) quanto nós sabemos que não somos mais os mesmos estudantes urbanos, passamos a ser também camponeses

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O abandono da saúde nas ilhas de Arumanduba e Caripetuba:

fechar os olhos ou buscar uma solução?Por

Diego Bil Silva BarrosCaio Santos SilvaSilvio Éder Dias da SilvaVander Monteiro da Conceição

Vander, estudante de enfermagem medindo a pressão arterial de morador da ilha de Caripetuba

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Diego Bil Silva Barros: aluno do curso de biblioteconomia da Universidade Federal do Pará, passou a Vivência na comunidade de Caripetuba.Caio Santos Silva: aluno do curso de biologia da Universidade Federal do Pará e do curso de agronomia da Universidade Federal Rural da Amazônia, passou a Vivência na comunidade de Aramanduba.V a n d e r M o n t e i r o d a Conceição: aluno do curso de enfermagem da Universidade Federal do Pará, passou a Vivência na Universidade de Caripetuba. Silvio Éder Dias da Silva: Professor Assistente da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal do Pará. Doutorando do DINTER/UFPa/UFSC/CAPES. Mestre em Enfermagem pela EEAN/UFRJ. Membro do Grupo de E s t u d o d e H i s t ó r i a d o Conhecimento de Enfermagem (GEHCE) e do Grupo EPOTENA. Orientador do artigo.

ilha de Caripetuba, distante cerca de uma hora e trinta Aminutos do município de

Abaetetuba, possui seis localidades onde residem pouco mais de setecentas famílias. Algumas dessas p e s s o a s v i v e m q u a s e q u e exclusivamente da terra. Apesar dos belos discursos utópicos de que, “apenas da terra vive o homem”, crianças ainda morrem de doenças prevalentes na infância como vômitos e diarréias.

Para o ribeirinho, ir até a cidade em determinados horários tornou-se perigoso, principalmente à noite, pois é grande o número de piratas existentes nessa região, fato que amedronta a população, fator a ser solucionado em todas as ilhas de Abaetetuba.

Em Arumanduba, existe uma unidade de saúde com infraestrutura regular, lá não há médicos, apenas uma enfermeira, dois técnicos de enfermagem, um agente adminis-trativo, um agente de posto e um auxiliar de serviços gerais

O posto de saúde conta com estrutura para realização de teste de glicemia, preventivo, sutura, curativos e aplicação de injetáveis. Na unidade há estrutura e equipamentos para a implantação de um consultório odontológico, proveniente do programa “Brasil Sorridente” que espera há três meses a ida de um técnico para fazer a instalação desses equipamentos.

Tanto em Caripetuba quanto em Arumanduba, e talvez nas demais ilhas do município, os casos mais freqüentes registrados na unidade de saúde são de vômitos e diarréias. Já no período de férias aumenta a ocorrência de acidentes com anzol e ferrada de arraia.

O destino do lixo

O lixo hospitalar é queimado e somente os materiais cortantes são descartados em recipiente próprio. O posto encontra algumas deficiências de mobília, como: arquivos e armários para fazer o estoque correto dos remédios. Cerca de quinhentas famílias provenientes da ilha de Arumanduba e de outras ilhas próximas neste posto de saúde.

A falta de saneamento básico é um dos problemas encontrados. A água dos rios e dos poços consumida pela população das ilhas não recebe nenhum tratamento -apenas é coada- abrindo caminho para as doenças paras i tá r ia s . Faz- se necessário educar a população a fazer uso do hipoclorito, distribuído nos postos de saúde, para promover a descontaminação da água.

Outra questão de relevância, quanto à falta de saneamento básico, é o uso de fossas negras onde os e x c r e m e n t o s s ã o d e s p e j a d o s diretamente no solo podendo ocasionar a contaminação das áreas próximas, ou serem levados pela água das chuvas até os rios e poços.

Somente vivenciando a real idade r ibeir inha podemos perceber as verdadeiras necessidades dessa população. Concordamos que programas assistenciais devam ser implantados nessas localidades e que a esfera federal, estadual ou Municipal, devem estar atentas a essas necessidades.

Apesar do pouco estudo, de p o u c a o r i e n t a ç ã o e m u i t a s necessidades, a recepção agradável das famílias a cada visita nossa, sempre oferecendo o famoso “cafezinho” com um sorriso feliz estampado no rosto, fica, sem dúvida alguma, como lição de vida para nós..

“Ao passar quinze dias com famílias ribeirinhas residentes nas ilhas de Caripetuba e Arumanduba no município de

Abaetetuba, interior do Pará, foi possível notar a não abrangência do Sistema Único de Saúde, o qual tem como princípios a universalidade, a integralidade e a equidade. Seria bastante relevante se tais princípios ultrapassassem o

porto de Abaetetuba”

Hipoclorito: É um composto químico com fórmula NaClO, usado na desinfecção de águas de abastecimento.

Abril de 2009, 1º Edição

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Andando por estivas“Nos quinze dias que estivemos

hospedadas em duas ilhas do município de Abaetetuba vivenciamos experiências muito marcantes em nossas vidas. (...)

Aprendemos bastante com os ribeirinhos da região.”

Por

Alessandra Seixas eJennefer Lavor Bentes

as 72 ilhas do município, co-nhecemos a ilha de Guajarazinho, Da da Arumanduba e um pouco da

Sapuquara.Na Guajarazinho, vimos não apenas a

realidade da família que nos hospedou, mas também a de outras ao redor. Observamos a distância considerável entre as casas.

Pode-se dizer que cada família tem um campo de cultivo de açaí no quintal. Outra fonte de alimentação e renda dessas comunidades é a criação de pequenos animais, como porcos, patos e galinhas.

As casas são feitas com armaduras que ficam expostas e as paredes e pilares apresentam muitas rachaduras. As baixas pontes por onde nos locomovíamos de uma casa para outra- as estivas- são feitas com o tronco dos açaizeiros. Com uma certa dificuldade para andar numa estiva, percebemos como é difícil a locomoção para as crianças e para os idosos. Notamos a necessidade de fiscalização e orientação para as obras da região.

O rio é a principal via para ir da ilha até Abaetetuba. Tanto moradores como visitantes utilizam de vários tipos de barco como transporte, a canoa, de remo ou motor; o “casco” e as “rabetas” ,pequena embarcação geralmente movida a motor, principal veículo da região.

Na visita à ilha de Arumanduba, estivemos com uma família que produz paneiros. Os paneiros servem, na maioria das vezes, para carregar frutas e outros alimentos, um tipo de cesto muito utilizado em feiras. Observamos durante dois dias a produção da família, um trabalho muito bonito, contudo pouco valorizado. O cesto é feito do miriti retirado das palmeiras locais e vendido na feira de Abaetetuba ou para os supermercados.

Ainda em Arumanduba, visitamos o estaleiro do senhor João, um carpinteiro que constrói e conserta a maioria dos barcos da região. O que ele sabe é o que aprendeu com o pai e hoje em dia passa para os dois, seja em casa ou com outros estaleiros na cidade, sempre está em serviço. Na ilha existe uma olaria e a produção ainda é feita em formas antigas, o barro é queimado em um forno a lenha bastante difícil de manter a temperatura. As telhas e tijolos produzidos são vendidos os habitantes da região, estâncias e outros moradores de Abaetetuba.

Na área de terra-f irme da i lha Arumanduba, as pessoas aproveitam o “Lazer”, como é chamada a festa que acontece em um barracão próximo ao campo de futebol. Neste barracão o que mais nos chamou a atenção foi o livre comércio de bebidas alcoólicas para os jovens e a a gravidez precoce entre as jovens da região. O “Lazer” é frequentado tanto por crianças quanto por pessoas idosas.

Alessandra e Jennefer convivendo com a comunidade ribeirinha

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O Trabalho na roça

Diferentemente da área de várzea, na de terra-firme é possível desenvolver o roçado. Próximo ao barracão, a plantação de mandioca, alimento comum na mesa dos ribeirinhos voltado para o comércio e para a produção de farinha. Adjacente à plantação há uma carvoaria e um poço cavado pelos próprios moradores.

É na ilha de Arumanduba onde estão localizada a igreja, a escola e o posto de saúde. O posto de saúde e a escola são os únicos que tem para atender a todas as famílias da ilha e das ilhas vizinhas. O atendimento é feito apenas por uma enfermeira, devido a ausência de outros profissionais como médicos e dentistas.

Arumanduba conta com um alto índice de crianças com diarréia, vômito e feridas pelo corpo. Conversando com as mulheres é possível perceber que elas não fazem o exame papanicolau ou preventivo, fator que contribui para o crescente número de mulheres com câncer do colo uterino. Algumas delas tampouco conhecem os métodos contraceptivos, o que resulta nessa permanência de adolescentes grávidas na região.

A escola

Na escola, as classes são multiseriadas, pouco espaço, poucas salas de aula, poucas carteiras e bastante sujeira. Como o prédio da escola não comporta todas as classes, um barracão da igreja é utilizado como alternativa para o andamento das aulas. A energia elétrica da escola é obtida a partir de uma placa solar. O transporte dos alunos e dos funcionários é feito por barco, mantido pela prefeitura de Abaetetuba.

A família

A família que nos recebeu em Sapuquara é de pescadores. Da pesca e do açaí eles retiram a renda. Com a vivência aprendemos a iscar e a colocar o “matapi”, armadilha feita de miriti para pegar o camarão, e observamos a retirada e preparo do açaí.

>>(...) durante o período que estivemos lá, a família foi constantemente

ameaçada por um senhor com quem brigam pela terra há

bastante tempo.<<

Jenefer Lavor Bentes : Aluna do curso de Engenharia Civil da Universidade Federal do Pará e p a s s o u a V i v ê n c i a n a comunidade de Guajarazinho..Alessandra Seixas: Ex-aluna do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Pará e p a s s o u a V i v ê n c i a n a comunidade de Arumanduba.

Formada por 20 pessoas, a família recebeu a aprovação de um projeto de assentamento de reforma agrária que está em curso na região e foram beneficiados com a construção de quatro casas e uma porção de terreno. Porém, durante o período que estivemos lá, a família foi constantemente ameaçada por um senhor com quem brigam pela terra há bastante tempo.

Observamos diversos hábitos pre-ocupantes em relação à saúde e higiene. A água para beber, cozinhar, lavar roupas, bater o açaí e tomar banho é utilizada diretamente do rio, sem tratamento. A maioria das crianças está na escola e os pais recebem o auxílio da bolsa-família do Governo Federal para mantê-las estudando. Dos sorrisos dos adultos e dos pequenos, nota-se a ausência de alguns dentes e uma grande quantidade de cáries. Vivenciar a realidade do campo não foi somente um aprendizado científico, mas também um aprendizado humano, que ficará para sempre marcado em nossas vidas. Foram durante aqueles quinze dias que deixamos de lado nossa identidade urbana e assumimos outra, a ribeirinha.

Alessandra e sua “família” de Abaetetuba convivendo em uma nova realidade.

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O cuidado com a saúde da mulher a prevenção como arma contra o câncer do

colo uterino na ilha de Sapucajuba

Por

Fernanda de Souza DiasRaimunda Silvia dos Santos Souza

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manutenção da boa saúde da mulher exige uma série de cuidados Ae atitudes preventivas, cada

mulher possui uma história e uma bagagem hereditária, genética e cultural, que devem ser analisadas cuidadosamente para garantir uma vida saudável e sem surpresas. O uso de ferramentas da enfermagem, com estratégias de promoção e prevenção à saúde, é uma das formas de estimular essas mulheres a ampliar os conhecimentos sobre seus direitos, sexualidade e cuidados com o corpo.

Os fatores de risco indicadores de câncer do colo do útero são vários, geralmente, associados às baixas condições sócio-econômicas, ao início precoce da atividade sexual, à multiplicidade de parceiros sexuais, ao tabagismo (diretamente relacionados à quantidade de cigarros fumados), à higiene íntima inadequada e ao uso prolongado de contraceptivos orais segundo o Instituto de Nacional de Câncer (INCA).

Observamos na ilha Sapucajuba, no município de Abaetetuba, uma grande incidência de mulheres que se enquadram dentre os fatores de risco citados, principalmente no que se refere ao tabagismo. O Exame Preventivo do Cólo do Útero (PCCU) é um dos mais importantes exames para a saúde da mulher. Muitas pessoas deixam de fazê-lo por medos e ansiedades, mas o exame é simples e tem reduzido as mortes por câncer de colo uterino em 70 % desde sua criação.

Além de ser uma maneira de diagnosticar a doença, serve principalmente para determinar o risco de uma mulher vir a desenvolver o câncer. Já existe uma vacina, mas ainda está sendo estudada pelo Ministério da Saúde e pelo Sistema Único de Saúde (SUS), pois a forma de imunização não protege contra todos os tipos de HPV.

Dentro da atuação do Programa de Vivência Estudantil-Camponesa (PROCAMPO), foi possível analisar, por meio de pesquisa qualitativa com aplicação de questionários, a condição de saúde da mulher na ilha de Sapucajuba, onde se averiguou o conhecimento das mulheres sobre o PCCU e a análise da freqüência de realização do exame.Dentro da atuação do PROCAMPO foi possível analisar, por meio de pesquisa qualitativa, com aplicação de questionários, a condição de saúde da mulher na ilha de Sapucajuba, onde se averiguou o conhecimento das mulheres sobre o PCCU e a análise da freqüência de realização do exame.

O uso de fitoterápicos, chás, “garrafadas” e os asseios é a forma mais freqüente de prevenção e tratamento da lesão precursora do câncer na ilha. O acesso à saúde em Sapucajuba é fragilizado pela falta de profissionais especializados. Essas alternativas de tratamento reduzem os riscos, mas não impedem que estas sejam acometidas por doenças ginecológicas.

Dos dados coletados, observamos que todas as mulheres ouvidas têm algum conhecimento sobre o PCCU, sendo que 77% o realizam, porém sem regularidade. Ainda é importante salientar que, dentre as complicações ginecológicas existentes, há um maior índice de infecções causadas por fungos e bactérias, não deixando de mencionar que entre elas existem mulheres que apresentam lesões precursoras de câncer de colo de útero. Um fator preocupante do câncer uterino é que ele atinge cada vez mais mulheres jovens, cerca de 50% em relação às mulheres que sofrem com o câncer de mama, de acordo com a médica Geyna Amorim, do Simpósio Brasileiro de Genitoscopia.

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Estudantes ampliam o conhecimento da sexualidade e dos cuidados com o corpo das mulheres da ilha de Sapucajuba.

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Fernanda de Souza Dias: aluna do curso de enfermagem da Universidade Federal do Pará, passou a Vivência na comunidade de Cintiarana Mirim.Raimunda Silvia dos Santos Souza: aluna do curso de enfermagem da Universidade Federal do Pará, passou a Vivência na Ilha de Sapucajuba.

INCA. Câncer. Tipo-Câncer de Colo de Útero [online]:

Ministério da Saúde (BR). Programas de Saúde. Saúde da família. Saúde da Mulher [online]:

Portal Saúde. Legislação. Normas Básica do SUS. Lei 8080/90 [online]:

http://www.inca.gov.br.

http://www.saude.gov.br/dab/

http://portal.saude.gov.br/saude/

atencaobasica.

Busque mais informações:

No Brasil, uma das principais causas de morte entre mulheres é o câncer do colo do útero, sendo o segundo na l i s ta dos cânceres que mais levam a óbito no país.(Dados do Ministério da Saúde-Saúde Brasil 2007)

Na ilha Sapucajuba, encontramos apenas um posto de saúde, que não atende à demanda, e este não realiza o exame PCCU, nem consultas ginecológicas. As mulheres realizam o exame no barco “Pescador de Saúde” que visita a ilha uma vez a cada ano, porém devido a condições fisiológicas, tempo indisponível, condições de preparo inadequado para realização do exame e quantidade insuficiente de fichas, muitas mulheres ficam impossibilitadas de realizar o exame periodicamente.

A motivação das mulheres quanto à promoção de sua própria saúde, de suas famílias e, também, da comunidade na qual convivem, acontece pelo auto cuidado, acesso à informação e aos serviços de saúde, pela ajuda mútua e condições dos meios sociais, econômicos e culturais.

A c r e d i t a m o s q u e , q u a n d o s e estabelecerem melhores relações entre profissional de saúde, família e comunidade através de outros tipos de abordagens a procura pela realização de exames como medida de prevenção aumentará no local

Durante anos as moradoras da ilha utilizam as famosas “garrafadas” para o tratamento de doenças

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(Re)Conhecendo Abaetetuba

Conheci uma Abaetetuba que não conhecia, muito diferente da realidade do centro da cidade onde cresci. Uma Abaetetuba de pessoas humildes

no seu modo de vida, mas felizes em viver, ribeirinhos que sabem que no momento não tem

infra-estrutura, mas não perderam a esperança de que alguém olhe por eles.

oje sou acadêmico da Faculdade de

Odontologia pela Universidade Federal do HPará. Nasci e fui criado em Abaetetuba, algo que me orgulho muito. Passei grande parte da minha infância na frente da cidade, pois meus pais possuem estabelecimento comercial bem próximo; olhava o rio e os barcos que paravam, principalmente pela tarde, pois estudava pela manhã, e tinha como hábito desenhar os barcos, mas nunca havia atravessado para o outro lado, tinha muita curiosidade de visitar aquelas ilhas que apenas via de longe, saber “quem mora nelas?” “como moram?”. As lendas que ouvia às vezes na cidade me intrigavam. Mas o tempo passou e não tive essa oportunidade, vim para capital e fui aprovado em meu curso, o qual concluo no próximo ano. Por um amigo ouvi sobre o Procampo, participei das aulas, e, lógico, escolhi Abaetetuba para vivenciar, realizando um desejo de infância, e conhecer os ribeirinhos.

E como foi bom! Uma experiência inesquecível. Aprendi coisas que pretendo ensinar para meus filhos, principalmente que existem seres humanos que precisam muito de ajuda, e não estão longe de nós. Apesar de ter visitado várias outras ilhas, eu fiquei na Ilha Tabatinga. Mais precisamente no chamado “Furo do Boto”, onde fui muito bem recebido por uma nova família que ganhei. Para chegar até a casa onde fiquei era necessário andar em uma ponte de um quilômetro. Assim, cheguei pela primeira vez na casa da família Gonçalves Ferreira, do Seu Paulo, pescador, homem trabalhador, pai de cinco filhos e vencedor. Ganhei uma mãe que cuidou muito bem de mim, não me deixava fazer quase nada para ajudar, sempre muito atenciosa e carinhosa; e meus “irmãozinhos” que me trataram muito bem. Brincamos, sorrimos, nos divertimos com piadas e com verdades. Tinha ainda o “vovô”, que sempre conversava comigo.

Uma família que sempre estará no meu coração. Pessoas que me mostraram que para ser feliz não é preciso um complexo de coisas, mas sim valorizar as coisas simples, como um miritizeiro no igarapé na frente da casa, onde eu o Lucas e o Nilson (meus irmãos) nos divertimos muito brincando.

Energia elétrica só tinha para o jantar e para assistir o capítulo da novela das sete, talvez um pedacinho de um filme, para no outro dia assistir o restante a fim de economizar “óleo” (a energia elétrica funciona com geradores na maioria das ilhas). Apesar de todas as adversidades e problemas de infra-estrutura pelos quais aquela família passava, todos estavam ali, reunidos pela noite, trocando carinhos e sorrindo.

Em minha vivência aprendi muitas coisas, como por exemplo a “virar motor”- impulso manual necessário para que o motor das embarcações funcione-, dirigir “rabeta” e pescar.

por

Renato Neri

Renato e sua “nova família” na comunidade Sirituba

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Conheci a famosa cachoeira do rio Abaeté. Foi inesquecível, simplesmente lindo. Aprendi, principalmente, a valorizar mais a vida e reclamar menos. Essas famílias não possuem água potável, tomam a água do rio e minimizam os problemas com a desinfecção com hipoclorito distribuído pelo governo.

Não possuem energia elétrica, mas a vontade os movem a fazer grandes coisas. Usam o motor, a lamparina, e mesmo na penumbra dá pra ver os sorrisos das crianças assistindo o desenho animado. Pude fazer na ilha um pequeno levantamento epidemiológico em 15 crianças. Pude perceber em várias delas inúmeros dentes cariados e perdidos. Essa comunidade não possui condições satisfatórias de saneamento básico.

São seres humanos que enfrentam dificuldades em diversos níveis e apesar de tantas coisas que poderiam deixá-los ranzinzos e de mal com a vida, em várias casas que visitamos fomos recebidos com um cafezinho ou suco e bolachas, além do jeito carinhoso e sorridente.

São pessoas que ainda esperam por promessas que não foram cumpridas, o Estado como governo que não chega a elas. Eles dormem cedo e acordam muito cedo para trabalhar, lutam a vida toda para dar algo melhor para seus filhos, torcendo para que algum deles “dê sorte”.

São crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos que, apesar das conquistas e de um maior nível de organização, sabem que ainda há muito a ser feito

A vivência, para mim, foi mais que observação, foi interação.

Despertou o desejo de ajudá-los. Mesmo que seja apenas um pouco, dentro das minhas

possibilidades, sei que já será algo.

Renato Neri: ex-graduando de Odontologia da Universidade Federal do Par?, teve a sua

vivência na comunidade de Sirituba.

Um novo olhar sobre as ilhas de Abaetetuba por Renato Neri

Uma janela para o outro lado do rio

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Açaí uma questão cultural e

nutricional dos moradores de Abaetetuba

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Por

Ananda Tighar Lima Pires Lorenny Santos da Costa

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Ananda Tighar Lima Pires: cursa Serviço Social na Universidade Federal do Pará, passou a vivência na comunidade de Maracapucu Palmar.Lorenny Santos da Costa: cursa nutrição na Universidade Federal do Pará e passou a vivência na comunidade do Rio Xingu, Igarapé São José.

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O açaí

É um alimento de alto valor calórico e nutricional, com elevado percentual de lipídeos, rico em proteínas (teor superior ao do leite- 3,50%) e minerais, em relação aos aminoácidos.

O açaí possui elevado teor de antocianinas, pigmentos naturais que possuem alta função antioxidante (cerca de 1,02 /100 g). O açaí também é rico em potássio e cálcio, e em vitaminas, como a vitamina E, um antioxidante natural que atua na eliminação dos radicais livres.

A árvore do açaí pode ser encontrado nos estados do Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Tocantins; e em países da América do Sul (Venezuela, Colômbia, Equador, Suriname e Guiana) e da América Central (Panamá). A fruta é consumida em forma de polpa, mas também pode ser servido como suco, sorvete, geléias e licores.

Além da indústria alimentícia, o fruto já chegou as indústrias nacionais e internacionais de cosméticos, que hoje, produzem xampus e cremes com propriedades hidratantes e esfoliantes.

Fonte: http://www.embrapa.br/embrapa/imprensa/noticias/2007/maio/foldernoticia.2007-05-07.9295104805/noticia.2007-05-08.5133090404

açaizeiro, palmeira característica das margens dos rios da Amazônia, Oé uma árvore com longas folhas de

cor verde escuro e pode alcançar até 30 metros de altura. O fruto, o açaí, tem formato arredondado, de cor roxa, e fica preso em cachos, a polpa da fruta é um prato muito apreciado pela população de Abaetetuba.

Segundo a população local, existem dois períodos para a colheita: o “de beber”, utilizado apenas para o consumo diário das famílias, e o outro que é o período de safra, iniciado em agosto, a temporada varia de uma ilha para outra. Quando o fruto está maduro, começa a colheita realizada pelos ribeirinhos- moradores de várzeas- e pelos seus filhos, que retiram os cachos com apoio das peconhas, artefato utilizado como instrumento para facilitar a subida até o alto do açaizeiro, onde ficam os cachos da fruta.

Depois da retirada do cacho, o fruto tem que ser debulhado. Debulhar? Esse verbo não está presente nos livros de gramática de Abaeté, assim como os verbos: remar, “despescar” e embalar. No entanto, são ações executadas muito bem pelas pessoas que vivem lá. É parte do cotidiano deles, porém não é mencionado na hora de estudar gramática, tornando o português, por exemplo, um bicho de sete cabeças. Então, debulhar é o ato de tirar o caroço do açaí, nada se perde, pois o caroço é utilizado para adubar o solo.

: Ver glossário

Após tudo isso, a fruta é batida em uma máquina movida à manivela, já que a infra-estrutura local não apresenta uma rede de energia elétrica. Isso é uma grande contradição, pois a ilha é bem próxima do município de Barcarena, onde é produzida energia através do complexo Albrás-Alunorte.

Em média, para conseguir eletricidade nas casas é necessário um litro de gasolina para o gerador funcionar durante, aproximadamente, 3 horas. O tempo de assistir a novela e o jornal, depois dessa programação, luz? Só se for da lamparina.

E, finalmente o açaí está na mesa, pronto para ser consumido, o famoso pirão que alimenta as famílias que participaram da plantação do fruto até a hora de degustá-lo. Na ilha ele é consumido com peixe, carne vermelha ou frango.

Em Belém, para ter o açaí à mesa não é preciso participar de todo esse processo, basta o dinheiro para comprar o litro que, aliás, tem o valor aumentado a cada safra. Este é um exemplo de como o capital consegue banalizar uma cultura, reduzindo-a a um mero valor de compra, ignorando toda a riqueza do processo de extração do fruto. Para os ribeirinhos, o fruto não é só um alimento, é algo presente no cotidiano dessa comunidade, o açaí participa da vida dessas famílias, da produção a extração e consumo

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Lendas, religião e religiosidade nas ilhas de Abaetetuba

por

Anderson Ferreira Costa

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região onde passei minha vivência era formada por quatro igarapés: AAreia, Villar, Moju e Pacoval.

Existem na localidade uns moradores mais antigos que contam histórias como a da “mulher de branco”, que sai à noite escondendo o rosto com o seu longo cabelo; a de um caçador sem cabeça que cai de um “açacuzeiro”- árvore nativa da região- junto com o seu fiel companheiro, um cachorro grande e preto, o famoso boto e a “bôta”, fêmea popularizada do boto, que se transformam em seres humanos; o curupira; os Oiaras, homenzinhos negros que andam em bandos e transformam pessoas em curupiras ao jogar uma fumaça que inverte os pés.

Uma lenda bem comum é a do lobisomem, em Abaetetuba, a criatura pode assumir a forma de homem ou porco. Na região existem muitas criações de porcos, as lendas e a própria religião possui as configurações estruturais do estilo de vida local.

“Um curupira morava dentro de um açacuzeiro localizado em frente à casa de Seu Baré”, conta um dos moradores da região, lendas como essas são contadas por Longico, Baré, Manoel e Pedrão, habitantes mais antigos da comunidade. A religiosidade, as práticas e crenças paralelas à religião institucional na comunidade de Abaeté é mais forte do que a Igreja Católica. A criação do mito, das aparições de santos e santas nos rios é uma característica animística, pois, de acordo com o relato de Longico, “os santos estavam em vários lugares, nas árvores, rios e mares, e todos eles estavam em locais em que realmente precisavam estar”, as imagens segundo seu Longico é apenas uma oportunidade que os santos tem de se manifestar com os fiéis.

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O boi mimoso

Na região existe a história do “boi mimoso”, uma manifestação teatral de origem africana de grande representatividade nos anos 40, 50, 60 e 70. A peça é o cortejo do personagem Mimoso, um boi “extrovertido” que visita as casas das pessoas trazendo-lhes alegria. Aqueles que participam se fantasiam de algum personagem, geralmente índio, mulher e até mesmo uma visagem ou um santo.

Os personagens da história são o pajé, a moça, o pai da moça e o padrinho, os brincantes tentam “casar” com a moça, enquanto o pretendente tenta convencer o pai e o padrinho que ele é o merecedor da mão da donzela. Ao final do cortejo, o boi é morto com uma facada na garganta. Nessa ocasião, a pessoa que fica dentro da fantasia derrama uma garrafa de vinho representando o sangue. O pajé pode aparecer a qualquer momento para ressuscitar o boi e continuar a festa, a morte do boi significa a comida que alimenta as pessoas pelo resto do ano.

O animismo, crença que tudo no planeta possui uma alma, é algo que a Igreja Católica sempre lutou contra. E, agora, tem seus personagens canonizados, transformados em entidades, mesmo com características pagãs, o que revela a real necessidade de uma comunidade que precisa ser mais compreendida. A Igreja não tem força para lutar contra isso, pois quem configura esse fenômeno é o povo, a religiosidade desorganizada não usa as teologias acadêmicas para expressar os sentimentos diante do transcendente. A religião muda de acordo com a necessidade dos fiéis e de seu contexto geográfico.

>>O animismo, crença que tudo no planeta possui uma alma, é algo que a Igreja Católica sempre lutou contra. E, agora, tem seus personagens canonizados, transformados em entidades, mesmo com características pagãs...<<

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A lenda do vira porco

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Anderson Ferreira Costa : estudante de teologia da Universidade do Estado do Pará passou sua vivência na comunidade de Igarapé Vilar.

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A maioria das pessoas que organizavam a festa já faleceu e a geração futura não se interessa muito pela festividade. O único remanescente da boiada é um homem chamado “Pedrão”, que infelizmente não pode organizar a festa sozinho. Para que essa herança não seja perdida existe a esperança de que a educação possa construir na consciência do jovem a importância cultural da festa. Isso pode ser feito acrescentando o assunto na grade curricular da escola, assim como as histórias de lendas, visagens e assombrações, uma visão maior do que tudo isso representa. É importante que a escola mantenha viva estas tradições que estão se perdendo, tanto para os moradores, quanto para a cultura ribeirinha paraense, pois essas narrativas fazem parte do imaginário popular de um espaço cultural de imensa riqueza..

O fenômeno religioso no Igarapé Villar possui uma base bastante popularizada, apesar das raízes católicas. O que transformou o fenômeno institucional em uma fé essencialmente equilibrada ao

estilo de vida da comunidade.

Para conhecer mais:

CECIM, Yara. Lendário: contos fantásticos. CEJUP, 2004.CECIM, Yara.Taú-Taú e Outros Contos Fantásticos da Amazônia. CEJUP, 1989. MONTEIRO, Walcyr. Visagens e Assombrações de Belém.WALCYR MONTEIRO, 1985.

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Ilustração do boi mimoso

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A rainha do assentamento

o assentamento João Batista II, próximo à rodovia BR-316, há uma rainha que governa os corações e é N

soberana das almas. As pessoas obedecem a suas ordens, porque se tornam mais humanizadas quando cumprem as suas leis. Como ela é mais do que uma déspota esclarecida, a comunidade a abraça sem temor ou ganância. A rainha se chama Solidariedade.

Há 10 anos, um batalhão de brasileiros com os espíritos inundados de esperança e fé fez de terra prometida extensas paragens que estavam sob o jugo do ócio. Até transformarem a terra esquecida em um campo onde germinam os feijões e se espraiam as mandioqueiras, a luta foi árdua. Foi, então, quando a Solidariedade iniciou seu reinado; Uniu seu povo a uma só direção, a conquista de fazer valer o direito a terra. As adversidades foram inúmeras: a violência da polícia, o desconforto da lona, a ausência da energia elétrica, a diarréia das crianças, o impaludismo que acomete os familiares e os amigos e a distância dos parentes que temeram o sonho de conquistar um lugar para plantar. No acampamento o pão sempre se multiplica mesmo que a farinha seja pouca e, já na fase de assentamento, a desnutrição é um flagelo que não assombra. E as amizades e boas conversas espantam a solidão, além de fortalecerem os laços entre os companheiros.

Quando alguém adoece, ninguém fica indiferente para ajudar o enfermo. Cada um providencia socorro com o que sabe e como pode. Para a criança afligida pela diarréia, a mãe separa do quintal erva cidreira e hortelã, põe suas folhas em água quente e, em poucos minutos, está pronta a infusão que domará o mal; para o amigo febril, coleta-se a folha da quina ou da cibalena para também preparar poderosa bebida que rapidamente amenizará a temperatura corporal; para as pessoas com vômito, chá da folha amarela de mamoeira ou chá do capim santo pode ser a única solução à mão. Caso, durante a colheita de banana, o facão escapa e golpea um membro, os colegas prontamente lavam o ferimento e aplicam ungüento à base de amor-crescida. Em situações graves, há sempre alguém que se dispõe a levar o doente ao centro urbano para atendimento hospitalar e acompanhá-lo em sua convalescença, confortando-o com palavras amigas na esperança do retorno em breve.

O médico tem dia e hora marcada para estar no assentamento; quinzenalmente forma-se uma fila para ter acesso ao atendimento desse profissional em uma casa de apoio, que está necessitada de reformas materiais, e depois de 4 horas ele tem de partir para outra comunidade rural. Felizmente, dentre as assentadas há 3 grandes mulheres, com formação técnica em Enfermagem, que prestam serviços em Saúde. São funcionárias municipais pelo Programa de Agente Comunitário da Saúde (PACS) e executam trabalho de evolução do estado de saúde física e psicológica da população. Quem tiver a oportunidade de seguir um dia de trabalho dessas guerreiras, verá o quanto de coragem o espírito delas é feito e de Solidariedade tem em suas ações. Fazem o acompanhamento em média de 30 a 50 famílias durante o mês, visitando nas casas da vila; investigam aspectos do desenvolvimento bio-físico-psico-motor das crianças, condições da saúde do idoso, o estado da saúde da mulher e da g e s t a n t e , i n c l u i n d o a o b s e r v a ç ã o a o acompanhamento pré-natal, e os demais programas especiais do Sistema Único de Saúde (SUS), além de socorrerem imediatamente os casos de urgência. Trabalham muito com bem pouco! A quantidade de insumos (por exemplo, o soro fisiológico) é insuficiente para atender acidentes de trabalho a de trânsito. E estão presentes em datas especiais, como uma das agentes que serviu de parteira em 7 vezes.

D i a r i a m e n t e v ê - s e a u n i ã o d a comunidade. O saber da medicina popular é difundido livremente ao contrário das grandes indústrias farmacêuticas que guardam suas técnicas a sete chaves. O individualismo cruel, característico de tradicionais sociedades capitalistas, não tem espaço no assentamento, porque é a Solidariedade que reina lá! Portanto, vida longa a Rainha!

por

Joubert Souza

Joubert Souza : estudante de medicina da Universidade Federal do Pará passou sua vivência no assentamento João Batista II.

: Ver glossário

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População: 152.126Território: 1.029 Km2Localização: nordeste do ParáSaúde: 52 estabelecimentos de saúde (dados IBGE 2005)

Histórico:

O início do povoamento de Castanhal iniciou a partir do projeto da Estrada de Ferro de Bragança, que ligaria Belém ao município bragantino, quando os trabalhadores que construíram a estrada de ferro chegaram ao local de construção da estação ferroviária, avistaram uma frondosa castanheira, razão pela qual o nome do município recebeu o nome de Castanhal.

Em 1885, os trilhos chegaram à localidade de Itaqui próximo a Apéu, município que faz parte do distrito de Castanhal, a função de integração do município foi comandada pelo coronel Antonio de Souza Leal.Devido à falta de verbas e a epidemia da febre amarela que aconteceu na época, as obras foram suspensas por tempo indeterminado. Porém a paralisação das obras não impediu o crescimento do núcleo, pois o comércio e a agricultura começaram a se desenvolver de forma acelerada, assim também aconteceu com o número de famílias que chegavam no local.

Na década de 70, após a Proclamação da Adesão do Pará, cinco meses antes da Proclamação da República, o Núcleo de Castanhal, pela Lei nº. 646, de 06-06-1899, passou a categoria de Vila. Em 1902, o então Governador Augusto Montenegro visando controlar melhor a produção da região, achou que o melhor meio seria centralizar tudo e dividiu a área pertencente a Castanhal, em sete colônias: “José de Alencar” que corresponde hoje ao (centro da cidade), Anita Garibaldi, Ianetama, Iracema, Inhangapi, Antonio Baena e Marapanim. Mas, isso ainda não satisfazia o desejo do então governo para ele, precisaria mais um pouco de mão-de-obra a fim de elevar a referida produção. Com esse objetivo, em 1903, foi firmado um acordo com o governo da Espanha que permitiu a vinda de famílias espanholas para dar melhor desenvolvimento à agricultura local. Essas famílias receberiam em troca toda a assistência técnica e material.

Economia:

Campus de universidades públicas: O campi da Universidade Federal do Pará (UFPA) de Castanhal existe a mais de 30 anos e oferece os seguintes cursos: Licenciatura em Educação Física (Matutino e Vespertino); Licenciatura em Letras- Língua Espanhola (Matutino) (Lic.); Licenciatura em Letras- Língua Portuguesa Intensivo; Licenciatura em Matemática (Intensivo); Licenciatura em Matemática (Vespertino); Medicina veterinária (Matutino e Vespertino); Licenciatura em Pedagogia (Intensivo); Licenciatura em Pedagogia (Vespertino).

Fonte:http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1 http://www.castanhal.pa.gov.br/lnk_hist3.phphttp://www.campuscastanhal.ufpa.br/programacao.html

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A Mística do Brincar entre os “Sem Terrinha”

por

Natália Abdul

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vivência no Assentamento João Batista II aconteceu no período das férias escolares. AOuvimos dos pais das crianças sobre a "falta

do que fazer" dos pequenos, durante esse período. Mas acabamos surpreendidos com os mais diversos brinquedos e brincadeiras. Elas não apenas passavam o tempo brincando, mas também sugeriam soluções para suas dificuldades, começando a construir suas relações sociais. Não presenciamos ou participamos da mística*, mas pudemos senti-la, fortalecendo uma identidade “Sem Terrinha”.

A maioria das pessoas que vivem no acampamento já morou no campo antes, outra parcela vivia na cidade antes de se integrar ao MST. Passada a ocupação da terra, o projeto de construção de uma identidade coletiva, de acordo com os princípios do Movimento, ainda tem pela frente a adaptação ao meio; a situação precária da terra pós-gado, dos tempos do latifúndio; a apropriação das técnicas de produção; o diálogo entre o modelo de formação com as experiências e memórias dos indivíduos; as diferenças histórico-políticas e culturais de cada um, por vezes geradoras de conflitos e da fragmentação em grupos. Além, dos ataques constantes de empresários do agronegócio, latifundiários e da grande mídia, com a tentativa de criminalização do Movimento.

A educadora Dulcirene Pereira dos Santos relatou a visão do MST, sobre o que é ser “Sem Terra”, a esse grupo “não se restringe à falta de terra, é sonhador e empenhado na criação de uma sociedade justa, sabendo-se integrante de uma história ampla de lutas”. A continuidade na definição deste sujeito é um desafio fundamental aos Movimentos Sociais, para que possam evitar a regressão da participação social depois das conquistas. No MST, a importância dada à escola e às místicas mostra o reconhecimento desta necessidade. A educadora nos certificou que todas as crianças estão na Escola.

Os pais aprovam as aulas de música, embora não vejam com bons olhos, apesar de não participarem ativamente da vida escolar dos filhos. Quando falávamos sobre os estudos com as crianças, era comum que elas cantarolassem músicas ou dissessem palavras soltas e formassem frases, nomeando e versando a partir do que estava ao redor. Nos passeios pelo lugar, apresentavam-nos as árvores, os moradores e os caminhos. Um dia perguntei ao Diogo, de cinco anos, o nome de uma árvore, arriscou quatro diferentes, o que para ele não significou, de forma alguma, não saber. Mais tarde, quando eu já tinha esquecido, ele se lembrou e veio me dizer “é ingazeiro”, perguntara o nome ao avô, sem que eu visse. O Diogo inclui-se em qualquer conversa, ainda que se limite a imitar as falas da irmã mais velha. Se não consegue apreender de primeira, pede a ela que repita, para que ele possa reproduzir corretamente.

“não se restringe à falta de ter ra , é sonhador e empenhado na criação de uma sociedade justa, sabendo-se integrante de uma história ampla de lutas”.

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Suzy e Diogo usando a criatividade

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Em nenhum momento nos trataram como adultos distantes, vendo-nos sempre como iguais, ao ensinar e aprender. Um tipo de relação estendida ao meio ambiente, à família, aos amigos, e às atividades domésticas, ao qual não são obrigados a participar. Na agrovila, as crianças “fazem de conta” que estão pescando ou capinando, enquanto os adolescentes saem para colher açaí.

Escola, imediatamente, lembrava-os de histórias e livros, lá eles têm a biblioteca José Martin* e são contemplados pelo Projeto Vagalume*, como um canal à compreensão e a expressão do que os cerca e deles mesmos. Por outro lado, a presença das músicas de aparelhagens, acaba iniciando-os em temas como bebidas alcoólicas, por exemplo, com letras cheias de estereótipos sociais, que sem um debate sobre o conteúdo, podem incentivar o desenvolvimento de preconceitos e influenciá-los negativamente.

Pelos quintais, ruas e campos não há muitas limitações de tempo e espaço para soltar pipa, brincar de casinha, pescar, subir e descer a montanha de terra, “escorrega - bunda de folhas e galhos”, balanço, colher frutas, corridas, subir em árvores, banho de igarapé, dentre outras. Por exemplo, a casinha da Suzy, de oito anos, é derrubada e construída todos os dias, em vários lugares diferentes. Chamou-me atenção o fato de tudo ser feito por ela, desde as prateleiras de madeira até as redes de saca, que sustentam o seu peso, e outros objetos reciclados. Ela sonha em ter uma casa da Barbie e um carro para as suas bonecas, loiras como a Xuxa. Como as outras meninas, Suzy gosta muito de assistir televisão e tem como referência de lugar bonito e divertido, a cidade de Belém. A introdução do fetiche consumista pela mídia, mostrando apenas a realidade urbana, burguesa e branca como ideal, faz as crianças se sentirem excluídas, diminuindo sua auto-estima. Depois de ter percebido o quanto admirávamos suas criações, foi notável a recepção mais alegre e o aumento de suas obras, pois ansiava mostrá-las para nós.

Em todas as atividades infantis, as crianças cuidam umas das outras, por exemplo, ajudam os menores a nadar no rio, mostrando como pular na água. Todos participam, se os maiores saltam do morro, os menores não se intimidam em fazer de conta que saltam, enfiando apenas a cabeça na água. Embora exista a diferença no que é brincadeira de menino e de menina, as garotas não se consideram mais frágeis que os garotos, sobem à vontade nas árvores e até apostam corridas.

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Estudante ao lado da biblioteca comunitária, no assentamento JB

Improviso e imaginação na hora de brincar

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Natália Abdul : estudante de ciências sociais da Universidade Federal do Pará passou sua vivência no assentamento João Batista II.

Mística: A mística é uma prática social, que envolve ritos, e há nela uma influência da Igreja no sentido de ser um fator de unidade, de vivenciar os ideais; porém, a mística não é somente uma liturgia propriamente dita. A mística deve fazer parte da vida cotidiana, não pode ser um momento à parte, é sentimento canalizado em direção a um ideal alcançável e revivamento das lutas e lutadores do passado. (STEDILE) http://www.imaginario.com.br/artigo/a0061_a0090/a0064.shtml

Busque mais informações:

Projeto Vagalume: A associação trabalha na implantação de bibliotecas comunitárias, promovendo rodas de leitura com contadores de histórias da região amazônica e demais regiões do país.” http://www.expedicaovagalume.org.br/site/

Compreender o mundo da criança como produtor e transformador de cultura, pode contribuir à sociedade organizada pelos adultos. No caso deste Assentamento, são exemplos do valor da coletividade, desenvoltura e renovação de estratégias, prontidão, concretização dos quereres e manutenção da esperança. Em um contexto sem uma estrutura de lazer, especificamente, pensada para elas e uma série de brinquedos industrializados à venda, as crianças inventam outros jeitos de fazer. Uma observação mais atenta a sua não resignação às situações pré-estabelecidas os ajudam na discussão de temas como racismo, violência doméstica, machismo, relação com a mídia, educação sexual, alimentar e ambiental.

Na praça central, ao lado da Igreja, há um concreto onde foi pintado o rosto de Che Guevara, os “Sem Terrinha” nos disseram que ele está enterrado lá embaixo, porque lutou por eles. Para a Suzy, “sem terra” significa união, quando perguntamos ao Diogo, ele achava que era Sem Terra, de "se enterrar", mas depois foi confirmar com o avô, que respondeu: "Somos nós”.

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Olhares em busca de uma sociedade mais igualitária

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Debora Linhares da Silva: aluna d o c u r s o d e p s i c o l o g i a d a Universidade Federal do Pará passou a vivência no Assentamento João Batista II.

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a primeira fase da minha experiência no PROCAMPO encontrei estudantes das mais diferentes áreas, da medicina à N

agronomia, das artes visuais à engenharia sanitária, em meio a essa miscelânea, estava eu, única estudante de Psicologia do grupo construindo novas relações com os alunos que comigo conviviam e dialogavam. Formaram grupos de educação, saúde e outros, estabelecidos com o intuito de orientar nossas futuras construções e intervenções junto àquela comunidade.

Esta diversidade de saberes junto às muitas possibilidades que me eram apresentadas, remetem a aspectos simples como compreender o que é ou quem é a “comunidade” em que ficamos- o assentamento João Batista II- e como nós, “estrangeiros”, poderíamos adentrar nesse grupo.

Para Cezar Wagner Góis, doutor em psicologia e professor da Universidade Federal do Ceará, “o que constitui questão central nas discussões acerca do tema ‘comunidade’, no que diz respeito à sua existência e papel no mundo de hoje, é pensá-la fazendo parte de uma sociedade, os aspectos históricos, culturais, sociais, econômicos, políticos e ideológicos de uma sociedade maior, também se diferencia dela por revelar nos aspectos que reflete uma particularidade um modo de vida próprio”.

A vivência nos permitiu desenvolver um olhar mais atento às peculiaridades sociais do assentamento, o “estar” no dia-a-dia deles me fez perceber as relações de poder praticadas no local, aproximando-me daquela realidade.

Ao tecer no meu dia-a-dia com conversas e caminhadas pude conhecer e interagir nas práti-cas de trabalho com os adultos e das brincadeiras com as crianças, deixei de ser uma “estrangeira” e aprendi admirar cada momento, com eles pude discutir os mais diversos temas, desde as relações de gênero, gravidez na adolescência, acesso à e d u c a ç ã o , a t é p r o b l e m a s f a m i l i a r e s contemporâneos.

Construindo novos olhares

Por

Debora Linhares da Silva

Tudo começou com uma experiência ainda pioneira no estado do Pará, o

Programa de Vivência Estudantil Camponesa (PROCAMPO),

estudantes do mundo acadêmico levados para o mundo do campo,

vivendo o cotidiano de outros saberes.

Nestes poucos, porém intensos, quinze dias, observei as questões que também fazem parte de nosso mundo urbano, questões de meio ambiente; gênero; alcoolismo; higiene; tabagismo, entre as mulheres do assentamento um grande número de fumantes (cerca de 80% da população feminina do assentamento, incluindo as jovens e grávidas); e a “ausência” de uma educação sexual preventiva, uma forma de “silêncio”, não no sentido de deixar de comentar o assunto, mas na forma como se trata a sexualidade e as práticas sexuais.

O nosso intuito não é o de “criar demandas” e sim de conseguir construir uma relação dialógica e libertadora com os indivíduos desta comunidade, numa perspectiva de coletividade e autonomia destes atores sociais

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A estudante Débora Linhares vivenciando sua nova realidade

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VISITA DOMICILIAR:A realidade da saúde no

Assentamento João Batista II.

É através da rotina com as ACSs e demais profissionais da saúde que se torna possível juntamente com as visitas a orientação, levantamento de possíveis soluções de saúde, educação e o fornecimento de subsídios educativos para que os indivíduos atendidos tenham condições de se tornar independentes quanto a essa necessidade médica.

Neste contexto, a equipe universitária da área de saúde do PROCAMPO e a agente comunitária Dona Áurea, realizaram visitas domiciliares no Assentamento João Batista II, analisando as dificuldades, amparando no atendimento e principalmente, observando a realidade existente em saúde do campo.

Outros autores enfatizam que as orientações desempenhadas condizem com o saneamento básico, cuidados com a saúde, uso de medicamentos, amamentação, controle de peso, ou qualquer evento que diga respeito àquele indivíduo, à família e a comunidade em que vivem.

Por

Emanoella Mesquita

visita domiciliar é um importante instrumento para auxiliar à saúde na Apromoção e prevenção de doenças,

principalmente em áreas de difícil acesso. Perto de Castanhal, no Assentamento João Batista II, a visita é uma alternativa assistencial para orientação à saúde e cuidados básicos, devido a distancia entre os postos médicos e os lotes.

Para muitos moradores do assentamento, a salvação é a Dona Áurea, agente comunitária de saúde (ACS), e mais duas outras agentes que são responsáveis pelo atendimento as 156 famílias do João Batista II. Essas senhoras, além dar assistência aos moradores também compartilham da história, conquistas e formação da comunidade. Elas utilizam a visita como ferramenta fundamental num entendimento mais amplo das reais condições de vida da família, permitindo a interação através do conhecimento do conhecimento que se desenvolve no cotidiano, na cultura e nos costumes dessas pessoas tornando essas vivências enriquecedoras para os dois lados. No campo, a saúde ainda sofre com o isolamento e despreparo no atendimento. O posto de saúde do assentamento recebe visitas quinzenais do médico que realiza as consultas rotineiras. Entretanto, observa-se que as agentes comunitárias estabelecem um vínculo, como por exemplo, conhecem todos os moradores pelo nome, logradouro e principalmente. pelos problemas de saúde de cada residente rural,e ainda, auxiliam no atendimento domici l iar e no posto do assentamento.

Segundo Márcia Mazza, professora de enfermagem da Universidade Federal do Paraná, “por intermédio da visita domiciliar são oferecidas ações e meios para que indivíduo, família e c o m u n i d a d e p o s s a m c o m p a r t i l h a r o planejamento, a organização e a intervenção dos cuidados elementares a saúde, improvisando e utilizando os recursos locais disponíveis”.

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Acadêmico de medicina do PROCAMPO pesando uma criança

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Emanoella Mesquita: estudante de enfermagem da Universidade Federal do Pará passou sua vivência no assentamento João Batista II.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

LACERDA, M. R. Internação domiciliar. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENFERMAGEM, 51.,1999, Florianópolis. Anais... Florianópolis: ABEn, 1999.

MAZZA, M. M. P. R. A visita domiciliária como instrumento de assistência de saúde. < www.fsp.usp.br/MAZZA > Acessado em: 22/08/2208.

Segundo Lacerda (1999), “a visita é desempenhada pelos profissionais de saúde e/ou equipe na residência do paciente, com a finalidade de avaliar as demandas exigidas por ele e seus familiares, bem como o ambiente onde vivem, visando estabelecer uns planos assistenciais, comumente planejados com objetivo definido”.

A vivência mostrou uma situação atípica para os universitários do PROCAMPO, de como lidar com as mais inconstantes circunstâncias em saúde no meio rural. O ato de improvisar, adequar-se a realidade e aos meios oferecidos no cuidado à saúde, buscando adaptação para o planejamento da assistência, de acordo com os recursos que a família disponibiliza.

Ressaltando, que a experiência no campo com a visita domiciliar expôs as particularidades, as dificuldades e superações que o homem rural lida diariamente em sua vida, incluindo as problemáticas no auxílio médico.

Durante o acompanhamento da visita pelo assentamento foram feitos avaliação de rotina: verificação da pressão arterial, verificação de peso e orientações básicas à saúde.

Márcia Maria Porto Rossetto Mazza: Graduada em Enfermagem e Obstetr íc ia pela Univers idade Estadual de Londr ina ( 1978) , Doutorado em Enfermagem pela Universidade Federal de Santa Catarina (2000). Atualmente é professora adjunta da Universidade Federal do Paraná. Tem experiência na área de Enfermagem, com ênfase em Cuidados Domiciliares em Saúde e Cuidado ao Cuidador Profissional e Familiar, atuando principalmente nos segu inte s temas : cu idado de enfermagem, enfermagem, cuidados domiciliares de saúde, cuidado ao cuidador, Educaçao em Enfermagem, Prática profissional de Enfermagem e Ética. Coordenadora do Nepeche/ UFPR - Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão de Cuidado Humano em Enfermagem.

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Estudante de enfermagem da UFPA medindo a pressão de morador da comunidade JB

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Educação no campo e com o campoE

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ivenciar quinze dias do mês de julho com uma família desconhecida, uma cultura Vdiferente e sabendo que são assentados, ou

seja, que fazem parte do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra foi uma grande experiência. Essa escolha para algumas pessoas pode parecer no mínimo estranha, no entanto, para mais ou menos trinta e cinco estudantes universitários que participaram do PROCAMPO, foi algo bastante enriquecedor. Durante a quinzena, vivenciamos junto às famílias atividades desenvolvidas no assentamento João Batista II (JB) e aprendemos muito com eles, pessoas que muitas vezes são estereotipados pela mídia como anarquistas, desorganizadas, com interesses de compra e venda de terra.

Ao falarmos em aprendizado podemos citar Vigotsky: “através dos outros constituímo-nos”, ou seja, aprendemos na relação com o outro a partir da interação. No entanto, o tipo de aprendizado pode variar de cultura para cultura, uma vez que o modo de agir e pensar também varia e é justamente isso que este artigo se propõe a mostrar, a educação no campo em suas particularidades em relação à educação urbana. Não estamos dizendo que por ser diferente, a educação nas áreas rurais deva ser minimizada ou colocada à margem, pelo contrário, essa educação deve ser cada vez mais valorizada.

Por

Francy Taissa Nunes Barbosa

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A educação no JB segundo os professores locais

Foram realizadas entrevistas com alguns professores que moram e trabalham no assentamento, segundo eles, a proposta educativa do assentamento é “mudar o modelo da sociedade moderna agro-exportadora para uma agricultura que alimente o povo”. Para o MST, o importante é elevar o nível de consciência da sociedade e a educação do campo tem que dar suporte a isso. Para os entrevistados, na sala de aula o importante é mostrar a dignidade humana e se organizar para mudar a realidade, por isso as crianças desde pequenas estudam assuntos referentes à proposta do Movimento, a questão produtiva no campo, etc.

Ao entrar em uma das salas da escola do JB percebemos que a organização das cadeiras era em círculo e não enfileiradas como observamos na maioria das escolas da cidade, perguntei o porquê, e a resposta foi que há a necessidade de se trabalhar em grupo, mostrar a importância do coletivo, embora haja divergências de idéias entre as famílias que vivem no JB, isso acaba refletindo na educação das crianças, entretanto, os entrevistados nos informaram que a educação do assentamento defende interesses globais e não particulares.

Faz-se necessário pensar a educação não para o campo, mas com o campo, não uma educação imposta do meio

urbano para o rural, mas uma que valorize e preserve a cultura

local.

Os problemas enfrentados pela escola, segundo os professores, são as crianças que chegam mal-alimentadas para a aula e o consumo de drogas lícitas e não-lícitas, causada por um processo de urbanização no campo. Todos os professores do assentamento fizeram o curso de libras para proporcionar uma educação de qualidade às crianças, as aulas acontecem uma vez por semana, “a escola tem a preocupação de atender às pessoas com necessidades educacionais especiais”, afirma um dos professores.

Apesar dos moradores do assentamento João Batista preocuparem-se com o ensino, ainda não foi possível erradicar o analfabetismo no JB, uma das provas desse fato é o casal de idosos que me acolheu durante a vivência.

Portanto, é mais válido conhecer a proposta educativa das comunidades do campo que tentar impor uma educação que não condiz com as perspectivas locais. Nesse sentido, os sujeitos do campo são os protagonistas de uma educação que atende as particularidades de vida, trabalho e cultura.

Francy Taissa Nunes Barbosa: graduanda de pedagogia da Universidade Estadualdo Pará passou a vivência no Assentamento João Batista II.

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A pequena moradora do assentamento é beneficiada pelas aulas de libras que acontecem uma vez por semana, na escola comunitária do JB

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te Problemas Ambientais no Assentamento João

Batista IIPor

Andrielle Leal da Silva

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om o auxílio de diversos ou despejadas nos igarapés tropicais, que em vários lotes não depoimentos, coletados nas causando um desequilíbrio vingaram. A erosão também foi Cv i s i t a s c o n s e g u i m o s ecológico local. Alguns igapós outro problema constantemente

resgatar um pouco da história do hoje passam por um processo de encontrado, observamos os Assentamento João Batista II e auto-recuperação gradual. principais tipos: laminar ou lençol, entender a causa da maioria dos causada pela água da chuva que problemas ambientais da área. d e s l i z a c o m o u m l e n ç o l Uma das observações feitas foi a provocando o desgaste do solo; a retirada de uma parte da erosão em sulcos, encontradas nos cobertura vegetal pelo antigo terrenos de grande declive e sem proprietário, acusado de ter cober tu ra f l o re s ta l , e a s comercial izado a madeira voçorocas , um grau mais retirada para financiar o plantio avançado de desgaste do solo, de de gramíneas, a fim de formar difícil de recuperação. pastos para a pecuária, como era A terra associado ao tipo comum nos anos 70 e 80 na de solo da área dificulta o plantio Amazônia, fato que acontece até de diversas culturas como, hoje. Grande parte dessa banana, côco, laranja e espécies cobertura florestal foi queimada florestais como a teca, tipo de e depositada em grandes “valões” v e g e t a ç ã o d e a m b i e n t e s

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: Ver glossário

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Andrielle Leal da Silva: graduanda de Engenharia Sanitária e Ambiental UFPA passou sua vivência no assentamento João Batista II.

A deficiência da rede de drenagem urbana é um problema ambiental presente na vida dos moradores da comunidade JB

ausência da cobertura vegetal nas áreas de mata ciliar- vegetação nativa localizada próxima às margens de rios, igarapés, e olhos d´água- ela é importante para a conservação e funcionamento das bacias hidrográficas, manutenção da biodiversidade, proteção do solo contra erosão e equilíbrio climático, considerada por lei área de Preservação Permanente (APP) pelo Código Florestal, Lei nº 4771 de 65-. A carência da vegetação ciliar deixa o solo desprotegido da chuva aumentando as probabilidades de lixiviação, “lavagem” dos sais minerais presentes no solo, uma fase inicial de erosão, implicando no assoreamento (depósito de sedimentos) de rios e córregos da área. Segundo depoimentos coletados os barcos passavam sem dificuldade nos córregos e rios, hoje, existem vários trechos de difícil acesso até mesmo para pequenas embarcações como as canoas.

Na agrovila também foi possível observar e As voçorocas foram encontradas em 96% dos avaliar alguns problemas de saneamento

lotes e núcleos visitados, algumas já em um estado ambiental, como a ineficiência da rede de drenagem avançado com 3m a 5m de largura e 2m a 7m de urbana, grande parte da tubulação está aterrada, altura. Esse tipo de erosão traz muitos prejuízos quando há enxurradas a água passa por cima dos econômicos aos assentados, pois além de diminuir a tubos formando erosões nos trechos de algumas ruas área de pasto ou de plantio do agricultor, existem que seguem pela declividade da agrovila, casos de gados que caíram nas voçorocas e aumentando as voçorocas já existentes em certos quebraram as patas ou morreram. pontos do assentamento. O sistema de

Essas voçorocas também acumulam água abastecimento de água da agrovila não funciona e poluída proveniente da chuva que lava os pastos, os moradores têm que fazer ligações improvisadas trazendo fezes de animais e os dejetos da agrovila. para abastecer suas casas. Infelizmente, pudemos Quando essa água não fica parada em um ponto da observar que no assentamento ainda não é voçoroca, ela é levada até as partes mais baixas do trabalhado algum tipo de ação para a preservação terreno, onde estão os igapós e igarapés que do solo e da cobertura vegetal.abastecem os lotes, aumentando o risco de aparecimento de doenças como: desinterias e diarréias bacterianas, Amebíase e Hepatite.

Outro problema que vale ressaltar é a

Segundo a visão de Andrielle, estudante de Engenharia Sanitária e Ambiental é necessária uma ação para preservar o solo e a cobertura vegetal

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