a distribuicao de resultados no contexto do snc

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  • 7/21/2019 A Distribuicao de Resultados No Contexto Do SNC

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    A distribuio de resultados no contexto do

    Sistema de Normalizao Contabilstica: a

    relao com o Direito das Sociedades

    Lus Miranda da Rocha

    Fevereiro de 2011

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    A distribuio de resultados no contexto do Sistema de Normalizao Contabilstica: a relao com o Direito das Sociedades

    Lus Miranda da Rocha 2

    ndice

    1.Introduo........................................................................................................................................3

    2.EfeitosdoSNCnalegislaocomercialportuguesa........................................................................4

    3.

    Reflexo

    crtica

    sobre

    o

    novo

    texto

    do

    artigo

    32.

    do

    Cdigo

    das

    Sociedades

    Comerciais

    .............

    9

    4.Tratamentocontabilstico..............................................................................................................14

    5.Lucrodoexerccioelucrodebalano.....................................................................................16

    6.Umaperspectivaeuropeia.............................................................................................................18

    7.Aaplicaodeoutrasnormasquecondicionamadistribuioderesultados.............................21

    8.

    A

    (in)eficcia

    das

    normas

    de

    conservao

    do

    capital

    ....................................................................

    24

    9.Aplicaoprtica............................................................................................................................28

    10.Concluso.....................................................................................................................................41

    Bibliografia.........................................................................................................................................43

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    Lus Miranda da Rocha 3

    1. Introduo

    A legislao comercial vigente em grande parte dos pases europeus (tendo por base a denominada

    Segunda Directiva em matria de direito das sociedades, doravante designada por Segunda

    Directiva) e, mais especificamente em Portugal, estabelece um conjunto de ligaes com a

    contabilidade, definindo normas cuja aplicao est dependente dos valores assumidos por certas

    grandezas contabilsticas, como, por exemplo, o resultado lquido, o total do balano, o total do

    capital prprio, entre outras1.

    Como se compreender, os princpios e critrios contabilsticos que presidem ao clculo do

    montante assumido pelas ditas grandezas podem conduzir ao preenchimento de certas previses

    legais, ou, pelo contrrio, fazer com que algumas normas no tenham aplicao.

    Sabendo-se que, por exemplo, o montante do resultado lquido de um determinado exerccio

    econmico funo das normas contabilsticas aplicadas, bem como da seleco de critrios

    contabilsticos efectuada, facilmente se depreende que uma alterao do normativo contabilstico

    vigente pode ter profundas implicaes na aplicao de normas legais dependentes do valor

    assumido por algumas grandezas contabilsticas. Em termos abstractos, as referidas alteraes de

    normativo contabilstico podem, por um lado, retirar alcance prtico a algumas disposies vigentes

    e, por outro, originar lacunas na Lei.

    No contexto descrito, este trabalho tem por objectivo analisar a relao entre as normas de direito

    societrio que regulam a distribuio de resultados2e a contabilidade, na sequncia da entrada em

    vigor do novo Sistema de Normalizao Contabilstica.

    1 O Cdigo das Sociedades Comerciais no contm definio destas grandezas, pelo que tero de ser utilizadas asdefinies provenientes do ordenamento contabilstico.2 Curiosamente, o artigo 980. do Cdigo Civil aponta como objectivo de uma sociedade a distribuio do lucro:

    Contrato de sociedade aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou servios para oexerccio em comum de certa actividade econmica, que no seja de mera fruio, a fim de repartirem os lucrosresultantes dessa actividade.

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    2. Efeitos do SNC na legislao comercial

    portuguesaEm Portugal, a publicao do Sistema de Normalizao Contabilstica (Decreto-Lei n. 158/2009,

    de 13 de Julho) foi seguida pela aprovao do Decreto-Lei n. 185/2009, de 12 de Agosto que, entre

    outras medidas, vem modificar algumas disposies do Cdigo das Sociedades Comerciais que

    disciplinam a distribuio de resultados. Tais modificaes so justificadas no prembulo deste

    diploma, de que se transcreve um extracto:

    Por outro lado, a recente adopo, por parte das entidades com valorescotados, das Normas Internacionais de Relato Financeiro adoptadas pela

    Unio Europeia e a prxima adopo de um novo Sistema de NormalizaoContabilstico aplicvel s demais empresas vieram permitir que as

    empresas passem a utilizar com maior intensidade o critrio de mensuraodo justo valor (fair-value). A aplicao desta tcnica contabilstica tem

    como principal consequncia que a nfase dada mensurao dasrubricas do balano, passando, em consequncia, a expressar-se muitas das

    rubricas desta demonstrao financeira em valores de mercado. Assim

    sendo, e embora reconhecendo a importncia da adopo do critrio dejusto valor na qualidade da informao financeira prestada pelas empresas,

    facto que permite reflectir com maior relevncia a sua verdadeiraperformance, entende-se que dever haver alguma limitao

    distribuio dos resultados positivos que tenham sido gerados a partir daaplicao do referido critrio de valorimetria. Quanto s componentes

    negativas da aplicao do justo valor, no deixa de ter aplicao o princpio

    da prudncia, pelo que no contemplada qualquer alterao nestavertente, continuando a afectar, neste caso negativamente, a distribuio de

    resultados, j que, primeiro, tero de ser compensadas estas perdas, e sdepois se podero libertar bens para distribuio.

    Do ponto de vista legislativo, estas consideraes reflectiram-se numa significativa alterao da

    redaco do artigo 32. do Cdigo das Sociedades Comerciais.

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    Artigo 32. do Cdigo das Sociedades Comerciais Comparao

    Antiga redaco Nova redaco

    Sem prejuzo do preceituado quanto reduo do capital social, no podemser distribudos aos scios bens dasociedade quando a situao lquidadesta, tal como resulta das contaselaboradas e aprovadas nos termoslegais, for inferior soma do capital edas reservas que a lei ou o contratono permitem distribuir aos scios ouse tornasse inferior a esta soma emconsequncia da distribuio.

    1 - Sem prejuzo do preceituadoquanto reduo do capital social, no

    podem ser distribudos aos scios bensda sociedade quando o capital prpriodesta, incluindo o resultado lquido doexerccio, tal como resulta das contaselaboradas e aprovadas nos termoslegais, seja inferior soma do capitalsocial e das reservas que a lei ou ocontrato no permitem distribuir aosscios ou se tornasse inferior a esta

    soma em consequncia da distribuio.2 - Os incrementos decorrentes daaplicao do justo valor atravs decomponentes do capital prprio,incluindo os da sua aplicao atravsdo resultado lquido do exerccio,apenas relevam para poderem serdistribudos aos scios bens dasociedade, a que se refere o nmeroanterior, quando os elementos oudireitos que lhes deram origem sejamalienados, exercidos, extintos,liquidados ou, tambm quando severifique o seu uso, no caso de activosfixos tangveis e intangveis.

    A anlise das alteraes a este preceito legal leva a concluir que a principal diferena consiste na

    criao de um segundo ponto, em que se estabelece a impossibilidade de distribuio de qualquer

    incremento (registado no resultado lquido do perodo ou directamente nas outras contas de capital

    prprio) decorrente da aplicao do justo valor.

    Embora no tenha recorrido a essa terminologia, o legislador reconhece, implicitamente, que os

    ganhos por aumento de justo valor acabam por constituir variaes patrimoniais com caractersticas

    diferentes das demais, a que, regra geral, atribuda a qualificao de no realizadas.

    A legislao comercial portuguesa assume, deste modo explcito, que o patrimnio das sociedades

    pode ser alimentado por incrementos realizados e por incrementos no realizados. No se trata

    de uma novidade, uma vez que esta diferenciao j existia no contexto da aplicao do Plano

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    Oficial de Contabilidade e das Directrizes Contabilsticas, nomeadamente a partir do momento em

    que se acolheu a aplicao do mtodo da equivalncia patrimonial e se admitiu a reavaliao do

    imobilizado. Salienta-se, contudo, o facto de esta diferenciao chegar, pela primeira vez, ao textodo Cdigo das Sociedades Comerciais.

    O Exemplo 1 (apresentado em seguida) procura ilustrar os efeitos prticos desta nova redaco do

    artigo 32. do Cdigo das Sociedades Comerciais.

    Exemplo 1

    A sociedade A foi constituda com o capital social de 100 000 e detm, como nico elemento do

    activo, uma participao financeira (para negociao) composta por 20 000 aces da sociedade B

    (sociedade cotada em bolsa) adquirida, no incio do ano 1, por 5.

    Durante o ano 1, os ttulos da sociedade B sofreram uma significativa apreciao na bolsa,

    encerrando o ano com a cotao de 7 por aco. Neste mesmo exerccio, no ocorreu nenhum

    outro facto patrimonial na sociedade A.

    De acordo com a normalizao contabilstica vigente, ao encerrar as contas do ano 1, a sociedade

    A dever reconhecer um ganho por aumento do justo valor, no montante de:

    20 000 aces x 7 20 000 aces x 5 = 40 000

    No tendo havido nenhum outro facto patrimonial no ano 1 e admitindo a no tributao deste

    ganho em sede de imposto sobre o rendimento3, estes 40 000 vo constituir o resultado lquido

    do perodo da sociedade A. Naturalmente, no primeiro trimestre do ano 2, a Assembleia geral

    dever decidir qual a aplicao a dar ao referido resultado.

    Ora, tendo presente a nova redaco do artigo 32., est vedada a distribuio destes ganhos, pelo

    que, aos accionistas no resta alternativa transferncia deste montante para uma conta de

    Resultados transitados Incrementos de justo valor.

    3O pressuposto assumido por simplificao, mas no realista, no contexto portugus. Na verdade, a alnea a) do n.

    9 do artigo 18. do Cdigo do IRC consagra a concorrncia para a formao do lucro tributvel dos ganhos poraumentos de justo valor associados a instrumentos do capital prprio (aces), desde que a participao financeira norepresente mais de 5% do capital da participada.

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    O estudo das limitaes introduzidas pela nova redaco do artigo 32. do Cdigo das Sociedades

    Comerciais nas decises sobre a aplicao de resultados no fica completo sem uma anlise de

    eventuais casos em que, ao invs da obteno de um ganho, se verifique uma perda por reduo dejusto valor.

    Uma anlise precipitada poder levar a concluir que, havendo perdas, nada existir para distribuir o

    que, sendo obviamente verdade, no configura uma perspectiva completa do problema. Assim,

    importa reflectir sobre circunstncias em que uma perda por reduo de justo valor seja compensada

    por outros rendimentos gerando, por exemplo, um resultado nulo. Dever a perda por reduo do

    justo valor ser neutra, permitindo-se a distribuio das outras componentes do resultado (positivas,como se disse)?

    A inteno do legislador parece no ter sido essa. Por um lado, o artigo 32. do CSC consagra

    apenas a excluso dos incrementos gerados pela aplicao do critrio do justo valor e, pelo outro,

    deve-se relembrar o texto do prembulo do Decreto-lei n. 185/2009, a que j se aludiu:

    Quanto s componentes negativas da aplicao do justo valor, no deixa de

    ter aplicao o princpio da prudncia, pelo que no contempladaqualquer alterao nesta vertente, continuando a afectar, neste caso

    negativamente, a distribuio de resultados, j que, primeiro, tero de sercompensadas estas perdas, e s depois se podero libertar bens para

    distribuio.

    Invocando o princpio da prudncia, o legislador discrimina ganhos e perdas resultantes da

    aplicao do justo valor. De facto, as perdas por reduo de justo valor constituem um limite

    distribuio de resultados, s podendo consumar-se tal distribuio na hiptese de as restantes

    componentes do resultado serem de montante superior ao da perda por reduo do justo valor (e,

    evidentemente, se no houver outros entraves).

    No exemplo seguinte (Exemplo 2), procura-se adaptar o Exemplo 1 a uma situao em que

    existam as mencionadas perdas por reduo do justo valor.

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    Exemplo 2

    A sociedade C foi constituda com o capital social de 100 000 e detm uma participao

    financeira (para negociao) composta por 20 000 aces da sociedade D (sociedade cotada em

    bolsa) adquirida, no incio do ano 1, por 5.

    Durante o ano 1, os ttulos da sociedade D sofreram uma desvalorizao na bolsa, encerrando o

    ano com a cotao de 4 por aco.

    Neste mesmo exerccio econmico, a sociedade C desenvolveu outras actividades, gerando

    rendimentos de 30 000 e suportando gastos de 7 500.

    De acordo com a normalizao contabilstica vigente, ao encerrar as contas do ano 1, a sociedade

    C dever reconhecer uma perda por reduo do justo valor no montante de:

    20 000 aces x 5 20 000 aces x 4 = 20 000

    Admitindo a inexistncia de imposto sobre o rendimento, o resultado lquido do perodo da

    sociedade C ser o seguinte:

    Rendimentos diversos 30 000Gastos diversos - 7 500

    Perdas por reduo de justo valor - 20 000

    Resultado lquido do perodo 2 500

    No primeiro trimestre do ano 2, a Assembleia geral dever decidir qual a aplicao a dar a um

    resultado que composto por uma parcela de 22 500 de ganhos realizados e por uma outra

    parcela decorrente de uma perda no realizada, no montante de 20 000.

    Nestas circunstncias, julga-se que a deciso de aplicao do resultado dever explicitar

    claramente a existncia de uma perda no realizada, procedendo transferncia de 20 000 para a

    conta de Resultados transitados Perdas justo valor e constituindo uma reserva indisponvel4

    de idntico montante. Em seguida, devero ser tomadas as decises tidas por convenientes, no que

    respeita ao excedente de 2 500 que, depois de cumpridos os condicionalismos consagrados no

    artigo 33. do CSC, podero ser distribudos (pelo menos, em parte) aos scios ou accionistas.

    4

    Este procedimento de constituio de uma reserva indisponvel no ser obrigatrio (a indisponibilidade dos benspara serem distribudos consequncia da aplicao do n. 1 do artigo 32. do Cdigo das Sociedades Comerciais), masjulga-se que conferir maior contedo informativo ao extracto do capital prprio em que esteja evidenciada.

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    3. Reflexo crtica sobre o novo texto do artigo

    32. do Cdigo das Sociedades ComerciaisO artigo 32. est inserido numa subseco do Cdigo das Sociedades Comerciais denominada

    Conservao do capital, composta pelos artigos 31. a 35.. Em geral, as reflexes crticas, que

    se encontram quer na literatura de cariz mais acadmico, quer nos artigos de natureza mais

    prtica, incidem sobre a eficcia destas disposies, tendo em conta o seu objectivo principal: a

    proteco dos credores (este tema ser abordado posteriormente).

    Neste captulo, contudo, pretende-se analisar em pormenor a aplicao do novo texto do artigo 32.

    a situaes substancialmente idnticas, mas que, em consequncia da adopo de prticas distintas

    sob o ponto de vista formal, podem conduzir a diferentes cenrios, no que respeita ao montante de

    resultados distribuveis.

    Na verdade, no contexto que tem vindo a ser explorado nos exemplos apresentados aplicao do

    justo valor a uma participao financeira detida numa empresa cotada muito tnue a diferenaentre um resultado realizado e um resultado no realizado. Tal diferena pode mesmo resumir-

    se a dois cliques: um para efectuar uma venda e outro para efectuar uma compra em bolsa.

    Estando consagrado um regime discriminatrio dos ganhos por aumento de justo valor, face a

    outros rendimentos e ganhos, para efeitos de distribuio aos accionistas, julga-se que, havendo

    interesse em favorecer futuras distribuies de dividendos, existir um forte incentivo a requalificar

    estes ganhos (no realizados), convertendo-os em ganhos efectivamente realizados e, como tal,susceptveis de aumentar a parcela de resultados distribuveis. Em muitos casos, esta requalificao

    ou transformao ser fcil e pouco dispendiosa5, conseguindo-se mediante a alienao da

    participao financeira (por exemplo, no ltimo dia do perodo), seguida de uma imediata aquisio

    que reconstitui essa participao financeira e gera um novo custo de aquisio6. Nestas

    circunstncias, o ganho ser realizado e contabilizado numa conta de Rendimentos e ganhos nos

    5Os custos de transaco nas bolsas de valores so relativamente reduzidos.6

    Saliente-se que o Revisor Oficial de Contas pode (deve) manifestar o seu desacordo em relao a uma prtica como adescrita, mas j ser muito difcil sustentar uma opinio discordante em relao a mtodos mais discretos de atingir omesmo objectivo (por exemplo, fechos de posies dirios, reconstituio da carteira no perodo seguinte, entre outros).

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    restantes activos financeiros, no surgindo, posteriormente, nenhum entrave distribuio de

    resultados, decorrente da nova redaco do artigo 32. do Cdigo das Sociedades Comerciais.

    No Exemplo 3, tenta-se adaptar o Exemplo 1, explorando esta possibilidade de realizao

    forada de um ganho:

    Exemplo 3

    A sociedade A foi constituda com o capital social de 100 000 e detm, como nico elemento do

    activo, uma participao financeira (para negociao) composta por 20 000 aces da sociedade B

    (sociedade cotada em bolsa) adquirida, no incio do ano 1, por 5.

    Durante o ano 1, os ttulos da sociedade B sofreram uma significativa apreciao na bolsa,

    cotando, no ltimo dia do ano, ao preo de 7 por aco. Neste mesmo dia, a sociedade A

    ordenou a venda da participao ao preo mencionado. Logo que a venda foi realizada, deu-se

    uma ordem de compra de outras 20 000 aces, ao mesmo preo de 7, que tambm foi

    executada.

    A alienao da participao financeira permitiu a realizao de um ganho de 40 000, relevadonuma conta de Rendimentos e ganhos nos restantes activos financeiros. Por sua vez, o custo de

    aquisio da participao financeira recomprada tambm o seu justo valor (o preo de compra e

    a cotao do dia de encerramento coincidem), pelo que no h qualquer ganho ou perda

    decorrente da aplicao do justo valor.

    No tendo ocorrido nenhum outro facto patrimonial no ano 1 e admitindo, de novo, a no

    tributao deste ganho em sede de imposto sobre o rendimento, o resultado lquido do perodo da

    sociedade A ser de 40 000. Naturalmente, no primeiro trimestre do ano 2, a Assembleia geral

    dever decidir qual a aplicao do referido resultado, mas, ao contrrio do que acontecia no

    Exemplo 1, o artigo 32. j no constitui entrave distribuio de resultados.

    Uma situao patrimonial idntica (activo constitudo por uma participao financeira numa

    sociedade cotada e ausncia de passivo) pode, assim, aparecer associada a dois cenrios distintos

    em termos de capacidade de distribuio de resultados, em funo da forma das operaes (compra

    nica versuscompra + venda + compra). Ora, havendo interesse em maximizar a possibilidade

    futura de distribuio de resultados, no ser de prever que a racionalidade econmica conduza osoperadores a tomarem decises de gesto semelhantes s aqui exemplificadas?

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    Se a resposta questo formulada for afirmativa, como constitui nossa opinio, a nova redaco do

    artigo 32. consubstanciar um obstculo simples de ultrapassar, tornando a medida muito poucoeficaz, sempre que os ganhos por aumento de justo valor estiverem associados a activos facilmente

    transaccionveis.

    Neste contexto, de questionar em que medida o legislador portugus no ter ido demasiado longe

    ao afastar todosos ganhos decorrentes da aplicao do justo valor da possibilidade de distribuio.

    Na verdade, estes incrementos podem ter natureza bastante diversa, no que diz respeito facilidade

    de converso em dinheiro: ser, por certo, menos complexo efectuar a operao descrita nestecaptulo quando os activos subjacentes so aces do que no caso de esses activos serem, por

    exemplo, propriedades de investimento (as caractersticas dos mercados, ao nvel de profundidade e

    liquidez, so totalmente diversas).

    A este propsito, merece meno especial a soluo adoptada em Inglaterra (ICAEW, 2009, p. 25),

    que se afigura mais adequada realidade e pode sintetizar-se do seguinte modo:

    os resultados distribuveis so os lucros realizados acumulados (desde que no tenham sido

    utilizados em distribuies anteriores), deduzidos de eventuais prejuzos realizados (no

    compensados ou cobertos);

    para este efeito, consideram-se realizados os resultados que j deram origem a um fluxo de

    dinheiro ou a um activo cuja converso em dinheiro pode ser efectuada com razovel

    certeza. Desta definio, infere-se que so resultados realizados os decorrentes da aplicao

    do critrio do justo valor, na medida em que os activos que lhes deram origem sejam

    facilmente convertveis em dinheiro (como o caso da esmagadora maioria das pequenas

    participaes financeiras detidas em empresas cotadas).

    J em Espanha, segundo a interpretao veiculada por FERNANDEZ DEL POZO (2008), sobre o

    artigo 213.2 daLey de Sociedades Annimas, permite-se a distribuio aos accionistas sempre que

    os ajustamentos relacionados com a aplicao do justo valor sejam registados nas contas de

    resultados, proibindo-se a dos que so contabilizados directamente nas contas de capital prprio.

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    Lus Miranda da Rocha 12

    Tal acaba por constituir um reconhecimento implcito, por parte do legislador espanhol, de que os

    incrementos de justo valor que se registam em resultados se consideram realizados.

    Nestas breves notas de direito comparado, de referir, pelo seu pioneirismo, a soluo italiana

    que, como bem atentam COLOMBO (2007) e JESUS (2006), foi adoptada logo em 2005, num

    momento em que no havia experincia internacional na matria. Assim, no artigo 6.

    (Distribuio de lucros e reservas) do Decreto Legislativo n. 38/2005, estabelece-se que no

    podem ser distribudos:

    lucros do exerccio, na parte relativa aos ganhos inscritos na demonstrao de resultados,lquidos do respectivo efeito fiscal, no correspondentes aos instrumentos financeiros de

    negociao e s operaes de cmbio e de cobertura, que decorram da aplicao do critrio

    do justo valor ou do mtodo da equivalncia patrimonial;

    reservas movimentadas directamente como contrapartida de um incremento de justo valor.

    Observe-se que os incrementos de justo valor, reconhecidos atravs de resultados e relacionados

    com instrumentos financeiros de negociao ou com operaes cambiais, so excepcionados pelo

    legislador italiano, no sendo vedada a respectiva distribuio.

    Curiosamente, em documento publicado pela Comisso de Acompanhamento do Novo Sistema de

    Normalizao Contabilstica [CANSNC (2009)], escreve-se o seguinte (com sublinhado nosso):

    O fair value

    Na apreciao da problemtica do fair-value a Comisso de

    Acompanhamento entendeu sugerir as seguintes medidas:

    1. Adopo do fair-value regulado, i.e. a adopo de critrios de

    fairvalue, por regra, apenas possvel em situaes em que exista

    mercado regulado (p.ex. a adopo da informao constante do

    SIMA na Norma referente Agricultura). Em especial a adopo de

    critrios mark-to model fortemente restringida;

    2. Estabelecimento - atravs da alterao da redaco do art. 33.

    do Cdigo das Sociedades Comerciais - de limites distribuio de

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    resultados, sempre que estes tenham origem em valores no

    realizados provenientes da aplicao do fair-value atravs de outros

    factores que no a cotao de mercado regulamentado;

    3. Criao de mecanismos de controlo da aplicao do novo SNC,

    estabelecendo um regime contra-ordenacional associado m ou

    no aplicao do Novo SNC.

    Depreende-se, portanto, que, no processo de audio pblica anterior entrada em vigor do Sistema

    de Normalizao Contabilstica, foi equacionada a existncia de diferentes nveis de justo valor,

    conferindo maior credibilidade a valores resultantes de critrios mark to market (por exemplo,cotao de um ttulo na bolsa) em relao a critrios mark to model (v.g. avaliao de uma

    participao financeira segundo um modelo deDiscounted Cash-Flow). Neste contexto, a sugesto

    da Comisso de Acompanhamento ia apenas no sentido de estabelecer limites distribuio de

    resultados

    sempre que estes tivessem origem em valores no realizados provenientes da aplicao

    do justo valor, atravs de outros factores que no a cotao de mercado eficiente7. O legislador

    entendeu ir mais alm, estendendo os limites a todo e qualquer resultado originado pela aplicao

    de um critrio de justo valor.

    Esta posio , em certa medida, incoerente, uma vez que h cotaes formadas no mercado que

    afectam o apuramento do resultado lquido do perodo e que podem originar resultados positivos,

    passveis de distribuio. Com efeito, como bem assinala JESUS (2006), j na vigncia do Plano

    Oficial de Contabilidade (e agora, com o Sistema de Normalizao Contabilstica, a situao

    mantm-se), passaram a usar-se (desde 1990), na valorimetria dos crditos e dbitos em moeda

    estrangeira e nos resultados do exerccio, os cmbios da data do balano, independentemente de

    surgirem diferenas de cmbio positivas ou negativas, quando dantes as primeiras no eram tidas

    em conta nos resultados, com certeza por no se considerarem realizadas, sem que se tenha

    colocado a questo da distribuio da parcela do lucro gerada por aquela nova categoria de ganhos.

    7Curiosamente, na legislao fiscal portuguesa foi consagrada uma soluo deste gnero, no que respeita ao contributodas estimativas de justo valor para a determinao do lucro tributvel. A alnea a) do n. 9 do artigo 18. do Cdigo doIRC dispe o seguinte: Os ajustamentos decorrentes da aplicao do justo valor no concorrem para a formao dolucro tributvel, sendo imputados como rendimentos ou gastos no perodo de tributao em que os elementos ou direitosque lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, excepto quando respeitem a instrumentos

    financeiros reconhecidos pelo justo valor atravs de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capitalprprio, tenham um preo formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo no detenha, directa ouindirectamente, uma participao no capital superior a 5% do respectivo capital social.

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    Justificar-se- esta discriminao de mercados? Existir sustentao terica para afirmar que as

    cotaes provenientes dos mercados cambiais do origem a resultados distribuveis, ao passo que asprovenientes dos mercados accionistas criam resultados no distribuveis?

    A hierarquizao do justo valor, a que acima se aludiu, configura-se como uma tendncia a nvel

    internacional. A este propsito, de mencionar que o IASB publicou, em 19 de Agosto de 2010, um

    staff draft8de uma futura Norma Internacional de Relato Financeiro, em que se prev a existncia

    de trs nveis de justo valor, consoante a origem dos dados utilizados para o estimar:

    Nvel 1: cotaes (no ajustadas), formadas em mercados eficientes, para idnticos bens,

    direitos ou obrigaes;

    Nvel 2: outros dados (que no as cotaes mencionadas no nvel 1) observveis, directa ou

    indirectamente, relativos aos bens, direitos ou obrigaes;

    Nvel 3: dados no observveis, relativos aos bens, direitos ou obrigaes.

    Partindo da tese anteriormente defendida, advoga-se que os ganhos ou perdas decorrentes deestimativas de justo valor, calculados com dados de nvel 1, poderiam ser considerados

    realizados, para efeito de distribuio de lucros aos accionistas.

    4. Tratamento contabilstico

    O cdigo de contas do Sistema de Normalizao Contabilstica no prev, no mbito das rubricas

    de capital prprio, a existncia de contas que permitam identificar os elementos do patrimnio de

    uma empresa que se consideram no realizados (nomeadamente, os acrscimos ou decrscimos

    resultantes da aplicao do justo valor). No obstante, no pargrafo 64 da Estrutura Conceptual do

    Sistema de Normalizao Contabilstica, diz-se o seguinte (sublinhados nossos):

    8Documento disponvel na Internet, no endereo:www.ifrs.org/Current+Projects/IASB+Projects/Fair+Value+Measurement/Staff+draft+FVM.htm

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    Se bem que o capital prprio seja definido no pargrafo 49(c) como um

    resduo, ele pode ser subclassificado no balano. Por exemplo, numa

    sociedade, os fundos contribudos pelos accionistas, os resultados

    transitados, as reservas que representem apropriaes de resultados

    transitados e as reservas que representem ajustamentos de manuteno do

    capital podem ser mostradas separadamente. Tais classificaes podem ser

    relevantes para as necessidades de tomada de decises dos utentes das

    demonstraes financeiras quando indiquem restries legais ou outras

    sobre a capacidade da entidade distribuir ou, de outra maneira, aplicar o seu

    capital prprio. Podem tambm reflectir o facto de detentores de capitalnuma entidade terem direitos diferentes em relao ao recebimento de

    dividendos ou ao reembolso de capital prprio contribudo.

    Neste cenrio, julga-se que seria til a criao de subcontas que permitissem, numa nota do Anexo,

    uma (quase) imediata identificao das rubricas do capital prprio que se consideram realizadas

    ou no realizadas9. Este procedimento seria de grande interesse, no apenas para efeitos de

    controlo interno, mas sobretudo para os utilizadores externos da informao financeira,

    sinalizando a parte do patrimnio no distribuvel.

    Na medida em que os ajustamentos relacionados com a aplicao do justo valor podem originar

    lanamentos quer nas contas de resultados, quer directamente nas contas de capital prprio, cr-se

    que haveria vantagem na seguinte subdiviso das contas, apresentando os montantes realizados e

    os no realizados:

    Realizado Norealizado Total

    Resultadolquidodoperodo a b a+b

    Resultadostransitados c d c+d

    Reservas e f e+f

    Excedentes derevalorizao g h g+h

    SaldoConta

    9Poderia ser ponderada a hiptese de efectuar esta explicitao na face do Balano.

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    5. Lucro do exerccio e lucro de balano

    Num trabalho com este cariz, , sem dvida, necessrio precisar o conceito de lucro distribuvel.

    curioso observar, conforme assinala VASCONCELOS (2006), que a lei comercial no nos

    oferece uma noo de lucro, o que pode abrir caminho para diferentes entendimentos. No obstante,

    cr-se ser isenta de polmica, em termos prticos, a ligao do conceito legal de lucro ao

    resultado lquido, determinado nos termos da normalizao contabilstica em vigor.

    Cabe cincia da contabilidade o conhecimento da situao patrimonial,em geral e o apuramento dos resultados alcanados nas diversas

    actividades e, mais particularmente, o clculo dos custos das mercadorias

    compradas ou dos produtos fabricados e dos proveitos obtidos na venda de

    produtos ou na prestao de servios.

    Rogrio Fernandes Ferreira, Contabilidade para no contabilistas, p. 11 e 12.

    Estabelecida esta ligao contabilidade, importante distinguir Lucro do exerccio de Lucro de

    balano, voltando a seguir VASCONCELOS (2006). Assim:

    Lucro do exerccio: expresso monetria do resultado positivo da actividade desenvolvida

    pela empresa social durante o mesmo exerccio. Isto , trata-se dos resultados (positivos)

    decorrentes da explorao do objecto social, da actividade exercida em conjunto pelos

    scios. Daqui decorre que no se considera lucro do exerccio todo e qualquer acrscimo

    patrimonial verificado no decurso do exerccio, mas to-s aquele que provm do

    desenvolvimento da actividade social.

    Lucro de balano: representa o acrscimo patrimonial gerado e acumulado pela

    sociedade, desde o incio da sua actividade at determinada data. Corresponde, pois,

    diferena positiva entre o activo lquido (activo menos o passivo) e o capital social,

    acrescido das reservas indisponveis (legais e estatutrias). Desta forma, o lucro de

    balano ser igual ao lucro do exerccio menos as perdas transitadas e as reservas

    obrigatrias, acrescido dos lucros transitados e das reservas disponveis .

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    O conceito de lucro do exerccio (contabilisticamente, o resultado lquido do perodo, quando

    positivo) determinante para efeitos de quantificao do montante mnimo que constitui direito dosscios (ou accionistas) ao lucro. O Cdigo das Sociedades Comerciais refere-se a este lucro do

    exerccio em diversos pontos, sendo de referenciar o artigo 33. (lucros e reservas no

    distribuveis), o artigo 217. (direito aos lucros do exerccio nas sociedades por quotas), o artigo

    294. (direito aos lucros do exerccio nas sociedades annimas) e o artigo 296. (utilizao da

    reserva legal).

    Apesar do exposto, o conceito de lucro de balano o que permite a exacta quantificao domontante mximo que pode ser distribudo aos scios, sendo fundamental para operacionalizar a

    norma contida no artigo 32. do Cdigo das Sociedades Comerciais. O lucro de balano ,

    portanto, o montante mximo distribuvel.

    Numa tentativa de facilitar esta distino de conceitos, saliente-se que a Assembleia geral de uma

    sociedade pode deliberar distribuir lucros superiores ao resultado do perodo, inclusivamente no

    caso de este ltimo ser negativo (prejuzo). Para o efeito, suficiente que existam lucros de

    balano acumulados na sequncia da obteno de resultados positivos passados (no distribudos,

    data)10.

    Esta distino adquire maior importncia no contexto do Sistema de Normalizao Contabilstica,

    visto que, com a adopo do justo valor, pode ocorrer a realizao efectiva de um incremento em

    perodo diferente daquele em que tal incremento contribuiu para o resultado lquido do perodo.

    Nessas circunstncias (que sero exploradas no captulo 9), o conceito de lucro de balano11

    torna-se relevante, inclusivamente para determinao do reforo da reserva legal e do montante

    mnimo distribuvel.

    10Por vezes, so criadas reservas com o objectivo de garantir uma certa estabilidade dos dividendos, ao longo dos

    sucessivos exerccios econmicos.11A Demonstrao do Rendimento Integral (Statement of Comprehensive Income), prevista na IFRS 1, refora aimportncia deste conceito.

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    6. Uma perspectiva europeia

    Os problemas e dvidas suscitados ao nvel da distribuio de resultados, em Portugal, decorrentes

    da entrada em vigor do Sistema de Normalizao Contabilstica, no constituem propriamente uma

    novidade, se equacionarmos o tema no mbito internacional. Com efeito, tendo o Sistema de

    Normalizao Contabilstica bastantes semelhanas com as Normas Internacionais de Relato

    Financeiro (IAS/IFRS), provvel que algumas das questes, agora levantadas em Portugal, j

    tenham surgido quando outros pases optaram por uma normalizao contabilstica prxima ou

    idntica s IAS/IFRS.

    FERNNDEZ DEL POZO (2008) pe em relevo o facto de, j em 2002, os redactores do famoso

    Relatrio Winter12 se mostrarem perfeitamente conscientes dos problemas que a adopo das

    IAS/IFRS iria colocar ao regime de conservao do capital contido na Segunda Directiva (regime

    em que se incluem os limites distribuio de resultados, limites esses que constituem o tema deste

    texto).

    Na sequncia daquele relatrio, a Comisso Europeia submeteu a concurso pblico a realizao de

    um estudo sobre a viabilidade de um regime alternativo ao suprareferido,que deixaria de se basear

    no estabelecimento de requisitos legais em matria de capital das sociedades comerciais. Este

    trabalho, adjudicado consultora KPMG, foi divulgado em Janeiro de 2008 [KPMG (2007)]. Entre

    os temas que o constituem, est precisamente a determinao das reservas disponveis para efeitos

    de distribuio de dividendos, quando as demonstraes financeiras so elaboradas respeitando o

    normativo contabilstico IAS/IFRS.

    As concluses do estudo so claras: as IAS/IFRS no tm como objectivo primordial a

    determinao do resultado distribuvel13. O propsito fundamental do IASB o de conceber normas

    contabilsticas que conduzam a demonstraes financeiras teis para quem tem de tomar decises,

    12Report of the High Level Group of Company Law Experts on A Modern Regulatory Framework for Company Law inEurope, Brussels, 4 November 2002, documento disponvel na Internet em:http://ec.europa.eu/internal_market/company/docs/modern/report_en.pdf.13

    No obstante, na introduo da Estrutura Conceptual para a Preparao e Apresentao de DemonstraesFinanceiras, do IASB, determinar os lucros distribuveis e os dividendos um dos exemplos apontados comonecessidade dos utilizadores da informao financeira.

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    pelo que as normas esto orientadas para descrever a situao econmica e financeira de uma

    empresa.

    IFRSs apply to all general purpose financial statements. Such financial

    statements are directed towards the common information needs of a wide

    range of users, for example, shareholders, creditors, employees and the

    public at large. The objective of financial statements is to provide information

    about the financial position, performance and cash flows of an entity that is

    useful to those users making economic decisions.

    KPMG (2007)

    Os autores identificam algumas normas, cujo contedo mais propenso a criar problemas, no que

    se reporta determinao dos resultados distribuveis:

    IAS 19 Benefcios dos Empregados

    IAS 39 - Instrumentos Financeiros: Reconhecimento e Mensurao

    IAS 40 Propriedades de Investimento

    Em traos gerais, os mencionados problemas decorrem da adopo do justo valor na mensurao

    dos activos e dos passivos, ou, no caso da norma dos Benefcios dos Empregados, do no

    reconhecimento imediato de perdas actuariais. Estes critrios contabilsticos podem colidir com o

    princpio da realizao e com o princpio da prudncia subjacentes ao modelo de conservao

    do capital, institudo na Europa pela Segunda Directiva.

    No estudo, ainda apresentada uma anlise, pas a pas, sobre a possibilidade de distribuir

    resultados apurados de acordo com as IAS/IFRS, bem como sobre a eventual necessidade de

    introduzir ajustamentos a esses resultados, para efeitos de determinao do resultado distribuvel.

    Os respectivos resultados esto sintetizados na tabela subsequente e patenteiam uma grande

    diversidade de solues.

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    Distribuio de resultados apurados de acordo com as IAS/IFRS na Europa

    Pas DistribuioderesultadoIFRSpossvel? Ajustamentosnecessrios?

    Alemanha No

    ustria No

    Blgica No

    Bulgria Sim No

    Chipre Sim No

    Dinamarca Sim Sim

    Eslovquia Sim No

    Eslovnia Sim No

    Espanha Sim

    Estnia Sim No

    Finlndia Sim No

    Frana No

    Grcia Sim Sim

    Holanda Sim Sim

    Hungria No

    Irlanda Sim Sim

    Itlia Sim(sempresascotadas) Sim

    Letnia Sim No

    Litunia Sim No

    Luxemburgo No

    Malta Sim Sim

    Polnia Sim Sim

    Portugal Sim NoReinoUnido Sim Sim

    RepblicaCheca Sim No

    Romnia No

    Sucia No Fonte: KPMG (2007), pp. 319-320

    Como observvel, a maioria (17) dos 27 pases da Unio Europeia permitia (pelo menos em

    algumas circunstncias), j em 2007, a distribuio de resultados apurados de acordo com as

    IAS/IFRS, mas nem todos (apenas 7) estabeleciam, nas suas legislaes, a necessidade de efectuar

    ajustamentos, para efeitos de determinao dos resultados distribuveis (a Polnia apontada como

    um exemplo de coincidncia total entre resultado contabilstico e resultado distribuvel, apesar de

    ter normas muito parecidas com as IAS/IFRS, no que diz respeito aos Instrumentos Financeiros e s

    Propriedades de Investimento).

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    No caso de Portugal, note-se que, mesmo antes da entrada em vigor do Sistema de Normalizao

    Contabilstica, certas sociedades podiam, nos termos do Decreto-Lei n. 35/2005, elaborar as

    demonstraes financeiras segundo o normativo IAS/IFRS.

    Quanto aos mencionados ajustamentos, o estudo aponta no sentido de apenas se poderem distribuir

    resultados realizados (caso se pretenda manter o modelo de conservao do capital vigente,

    naturalmente), mas salienta que a classificao de um ganho ou de uma perda como realizado

    subjectiva.

    7. A aplicao de outras normas quecondicionam a distribuio de resultados

    Chegados a este ponto, importa reflectir sobre a forma de aplicao de outras normas do Cdigo das

    Sociedades Comerciais, que condicionam a distribuio de resultados, nomeadamente as que

    impem:

    a prvia cobertura de prejuzos;

    a constituio de reservas legais;

    a constituio de reservas indisponveis.

    Na prtica, est em causa o artigo 33. do Cdigo das Sociedades Comerciais (Lucros e reservas

    no distribuveis), que no foi objecto de alterao pelo Decreto-lei n. 185/2009, mantendo,

    portanto, as disposies que se transcrevem:

    1 - No podem ser distribudos aos scios os lucros do exerccio que sejam

    necessrios para cobrir prejuzos transitados ou para formar ou reconstituir

    reservas impostas pela lei ou pelo contrato de sociedade.

    2 - No podem ser distribudos aos scios lucros do exerccio enquanto as

    despesas de constituio, de investigao e de desenvolvimento no estiverem

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    completamente amortizadas, excepto se o montante das reservas livres e dos

    resultados transitados for, pelo menos, igual ao dessas despesas no

    amortizadas.

    3 - As reservas cuja existncia e cujo montante no figurem expressamente

    no balano no podem ser utilizadas para distribuio aos scios.

    4 - Devem ser expressamente mencionadas na deliberao quais as reservas

    distribudas, no todo ou em parte, quer isoladamente quer juntamente com

    lucros de exerccio.

    Um primeiro comentrio, que este preceito suscita, vai no sentido de questionar se o seu n. 2 nodevia ter merecido a ateno do legislador, na sequncia da entrada em vigor do Sistema de

    Normalizao Contabilstica. Com efeito, as despesas de constituio e as despesas de investigao

    deixaram de poder ser reconhecidas como um activo, no balano das sociedades, luz deste novo

    normativo contabilstico. Assim, a norma do n. 2 do artigo 33., a manter-se, devia apenas

    mencionar as despesas de desenvolvimento (as nicas que, em determinadas e restritas

    circunstncias, podem ser reconhecidas como um activo intangvel). Provavelmente, este ser um

    ponto a afinar (ou a eliminar) numa prxima alterao do Cdigo das Sociedades Comerciais.

    Quanto s restantes disposies, a circunstncia de se terem mantido inalteradas no significa a

    inexistncia de problemas decorrentes das mudanas na contabilidade. Poder-se-o, por isso,

    colocar questes como:

    1. Que componentes do resultado lquido do perodo podem ser utilizadas para cobertura de

    prejuzos? A totalidade do resultado ou apenas a componente realizada?

    2. A constituio da reserva legal deve passar pela aplicao da percentagem de 5%

    totalidade do resultado lquido do perodo ou apenas componente realizada?

    A resposta primeira questo deve comear pela afirmao da quase total irrelevncia de

    componentes no realizadas do resultado lquido do perodo para efeitos de aplicao do artigo 33.

    do Cdigo das Sociedades Comerciais. Tais componentes, como j se disse, no podem ser

    distribudas, pelo que no far sentido que sejam utilizadas para cobrir perdas realizadas no

    passado, libertando outras verbas para distribuio. Estabelece-se, portanto, como regra, que s

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    Lus Miranda da Rocha 23

    pode ser utilizada, para efeitos de cobertura de prejuzos, a parcela do resultado lquido do perodo

    que se considere realizada.

    A parcela realizada do resultado lquido do perodo deve ser utilizada para a cobertura de prejuzos,

    quer estes estejam integralmente realizados, quer na hiptese de conterem (ou serem totalmente

    constitudos por) parcelas no realizadas. Esta posio decorre do texto do prembulo do Decreto-

    Lei n. 185/2009, a que j se aludiu por diversas vezes: quanto s componentes negativas da

    aplicao do justo valor, no deixa de ter aplicao o princpio da prudncia, pelo que no

    contemplada qualquer alterao nesta vertente, continuando a afectar, neste caso negativamente, a

    distribuio de resultados, j que, primeiro, tero de ser compensadas estas perdas, e s depois sepodero libertar bens para distribuio.

    Ser necessrio prever, contudo, situaes em que o resultado lquido do perodo inclui uma parcela

    de ganhos no realizados respeitante ao mesmo activo (ou passivo) gerador de uma perda de justo

    valor j contida em resultados transitados. Nestas circunstncias, julga-se que deve ser admitida a

    excepo regra, permitindo a compensao de uma parcela de ganhos no realizados com uma

    perda no realizada (note-se que tal aconteceria automaticamente, caso as variaes que

    originaram esses resultados ocorressem no mesmo exerccio econmico).

    No que respeita segunda questo formulada, importante deixar claro, a priori, que, embora se

    encontrem generalizadas prticas diversas, o entendimento que deve prevalecer, quanto

    constituio de reserva legal, o de que s fica sujeito a este regime o lucro do exerccio, depois de

    deduzidos os prejuzos transitados de anos anteriores. Tal posio decorre da comparao com as

    solues adoptadas em vrios pases e da anlise do Projecto de Cdigo das Sociedades Comerciais,

    como defende VENTURA (1987, p. 361).

    Definido este critrio, julga-se que, estando em causa a determinao do resultado distribuvel, no

    deve ser retida qualquer fraco para reserva legal, relativa parcela do resultado que se considerou

    no realizada, por ter origem num incremento de justo valor. No faria sentido calcular uma

    componente dos lucros que no pode ser distribuda (a reserva legal), com base em valores que, pela

    sua natureza, j eram no distribuveis.

  • 7/21/2019 A Distribuicao de Resultados No Contexto Do SNC

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    A interpretao, segundo a qual a reserva legal s deve ser alimentada por incrementos

    realizados, j era defensvel no contexto da aplicao de um resultado apurado com utilizao do

    mtodo da equivalncia patrimonial, no constituindo, portanto, uma novidade decorrente daadopo do justo valor na contabilidade.

    Naturalmente, uma posterior realizao do incremento registado numa reserva de justo valor

    (por exemplo, como consequncia da alienao do instrumento financeiro que a havia originado)

    implicar a constituio de reserva legal, se esta ainda no tiver atingido o seu montante mximo,

    bem como a sua considerao para efeito de determinao do montante mnimo de lucro distribuvel

    aos accionistas.

    8. A (in)eficcia das normas de conservao docapital

    Os mecanismos que estabelecem limites distribuio de resultados enquadram-se numa rea mais

    vasta: as normas de conservao do capital que esto subjacentes ao direito das sociedades, a nvel

    europeu.

    Estas normas so geral e tradicionalmente apontadas como meios de proteco dos credores, uma

    vez que o capital social e as reservas no distribuveis de uma sociedade podero constituir uma

    garantia perante terceiros (em tese, permitem reter na sociedade bens do patrimnio social que so a

    garantia ltima dos credores).

    RICKFORD (2006) diz-nos que a operacionalizao destes princpios de intangibilidade do capital

    costuma ser feita atravs de um teste de balano que poder sintetizar-se (simplificando) do modo

    seguinte: para uma distribuio ser legal, ela tem de ser inferior ao excesso dos bens e direitos sobre

    as obrigaes, considerando o capital social como uma obrigao. As sociedades comerciais tm de

    manter, assim, uma almofada de bens, insusceptveis de serem distribudos aos scios ou

    accionistas.

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    Lus Miranda da Rocha 25

    A verso inicial do teste teve de ser adaptada medida que chegaram, s rubricas de capital

    prprio dos balanos das sociedades, os incrementos no realizados (por exemplo, os decorrentes derevalorizaes ou da aplicao do mtodo da equivalncia patrimonial). Em termos prticos, tais

    incrementos no realizados nunca puderam ser adicionados almofada a que se aludiu.

    Este sistema de proteco de credores, consagrado no direito das sociedades europeu, como

    consequncia da aplicao da Segunda e Quarta Directivas, frequentemente objecto de algumas

    crticas, de entre as quais, merecem nfase as seguintes:

    1. Uma alegada falta de proporcionalidade. Na verdade, a efectiva dimenso das sociedades

    no tem relao directa com o montante do capital social, pelo que podemos ter sociedades

    em que a garantia assume preponderncia (face ao total do passivo, por exemplo) e outras

    em que o montante do capital social totalmente diludo num passivo de grandes

    dimenses.

    2. Por outro lado, o balano uma demonstrao histrica, que apenas estabelece o valor de

    um patrimnio numa determinada data (passada). Ora, os credores pretendem ter uma

    garantia futura de pagamento, pelo que necessitam de indicadores sobre a capacidade da

    sociedade gerar dinheiro suficiente para honrar os seus compromissos no futuro.

    3. A circunstncia de o balano de uma sociedade evidenciar a existncia de um excedente dos

    bens e direitos, sobre a soma das obrigaes com o capital social, no significa que exista

    dinheiro para pagar aos credores: os bens e direitos, num cenrio de liquidao, podem

    originar montantes de dinheiro bem inferiores ao valor por que estavam expressos na

    contabilidade (pense-se, por exemplo, numa empresa que adquiriu equipamentos muito

    especficos, para os quais no existe um mercado de segunda mo eficiente). Neste sentido,

    a proteco dos credores pode ser ilusria, no existindo dinheiro para solver os

    compromissos.

    4. LOLLI (2010) pe em evidncia as correntes de pensamento mais liberal, que defendem a

    eficincia dos mercados, para justificar a inutilidade das normas de conservao do capital:

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    A distribuio de resultados no contexto do Sistema de Normalizao Contabilstica: a relao com o Direito das Sociedades

    Lus Miranda da Rocha 26

    uma empresa com capitais prprios muito baixos ter dificuldade em se financiar com

    recurso a capitais alheios, sendo-lhe, no limite, vedado o acesso ao crdito14. Existir, assim,

    um mecanismo de autoproteco dos credores.

    Tero alguma utilidade prtica as normas de conservao do capital? Configuraro um mecanismo

    efectivo de proteco dos credores? Se as respostas forem negativas, porque persistem, ento, tais

    normas, na legislao?

    RICKFORD (2006) recorre a um ditado ingls para caracterizar esta situao - Always keep ahold

    of nurse, for fear of finding something worse.-, frase que encontrar paralelo no adgio portugusQuando mal, nunca pior. Em resumo, alguma literatura apresenta, como justificao para se

    manter este teste de balano no edifcio do direito societrio europeu, o facto de ainda no se ter

    encontrado melhor soluo.

    A alternativa de que se fala com maior insistncia passa pela concepo de um teste de

    solvabilidade: uma empresa ser solvvel se formos capazes de prever com razovel certeza que

    ela detm ou ser capaz de gerar dinheiro suficiente para cumprir todas as suas obrigaes, ao longo

    do tempo.

    Os defensores deste tipo de teste insistem na necessidade de se efectuarem projeces sobre a

    capacidade de a sociedade libertar fundos, sendo sugeridos modelos de discounted cash-flow,

    declaraes da administrao sobre a suficincia do patrimnio aps a distribuio de resultados,

    entre outras tentativas de operacionalizao. No obstante, duvida-se da facilidade de incluso no

    texto legal da realizao obrigatria destes testes e, sobretudo, da sua eficcia na prtica. No se

    deve esquecer que o terreno subjacente composto por expectativas e previses.

    Apesar do exposto, saliente-se que o estudo da KPMG (2007) enumera algumas jurisdies onde foi

    colocado em prtica um teste de solvabilidade, como, por exemplo, Delaware, Califrnia, Canad,

    Nova Zelndia e Austrlia.

    14 frequente observar-se contratos de emprstimo que incluem clusulas impondo a obrigatoriedade de manuteno deum nvel mnimo de autonomia financeira (proporo dos capitais prprios em relao ao total do activo).

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    Lus Miranda da Rocha 27

    Reconhecendo a dificuldade em operacionalizar o referido teste de solvabilidade (agravada pelas

    caractersticas do processo de tomada de deciso no contexto europeu), a Comisso Europeia

    salientou que o regime de conservao de capital funciona como uma espcie de requisitomnimo, sendo conferida aos Estados-Membro a possibilidade de inclurem nas suas jurisdies

    normas adicionais que limitem as distribuies de bens aos scios.

    Ponderando os diversos argumentos que tm sido apresentados, a Direco-Geral do Mercado

    Interno e dos Servios da Comisso Europeia, em 2008, concluiu que o texto actual da Segunda

    Directiva no parece causar problemas operacionais s empresas, pelo que no vislumbrou razes

    para alteraes no texto da mencionada Directiva

    15

    .

    Em jeito de concluso deste captulo, h uma reflexo que se impe, apesar de todas as crticas ao

    velho regime de conservao do capital: caminhando as IAS/IFRS num sentido em que, cada vez

    mais activos e passivos so mensurados pelo preo (boa estimativa do valor, em mercados

    eficientes) ou pelo valor actual dos cash-flowsfuturos, no depararemos com uma situao em que

    o teste de balano acaba por constituir, tambm, um bom teste de solvabilidade?

    Com activos e passivos expressos em termos de valores actuais de cash-flowsfuturos, um capital

    prprio positivo significa precisamente que o valor actual dos activos superior ao valor actual dos

    passivos. Este facto constituir um bom indcio da capacidade de gerar cash-flowno futuro e, como

    tal, da solvabilidade da sociedade (pelo menos, no mdio e longo prazo). Admitindo a ideia como

    vlida, o teste de balano estar mais adequado actualmente (isto , depois da adopo das

    IAS/IFRS ou de normativos contabilsticos similares) do que esteve no passado

    15A crise financeira que hoje vivemos (com o denominador comum do excesso de endividamento) pode ter alterado

    esta posio. Lolli (2010) afirma mesmo que a questo que se coloca neste momento j no vai no sentido de se saber seo regime de conservao do capital necessrio, mas sim se suficiente para proteger os interesses dos accionistas edos credores.

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    9. Aplicao prtica

    Nota introdutria: esta aplicao prtica foi desenvolvida com o objectivo de ilustrar os

    conceitos que tm vindo a ser desenvolvidos ao longo deste trabalho, mas tambm para dar a

    conhecer outros problemas e solues, associados s condies impostas pelo Cdigo das

    Sociedades Comerciais s decises de aplicao de resultados.

    0. A sociedade Alfa, S.A. foi fundada no ano 0, com um capital social de 500 000. Tem uma

    estrutura accionista estvel, composta da forma que se enuncia:

    60% do capital detido pelo accionista maioritrio;

    os restantes 40% esto dispersos por quatro accionistas minoritrios, que exigem receber

    todos os anos o montante mnimo legal de dividendos a que tm direito, nos termos do n. 1

    do artigo 294. do Cdigo das Sociedades Comerciais (metade do lucro do exerccio que

    seja distribuvel).

    A sociedade exerce uma actividade considerada de grande interesse para a economia nacional, pelo

    que lhe foram atribudos benefcios fiscais de natureza contratual, entre os quais se destaca a

    iseno de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas por um perodo de 20 anos.

    No momento imediato ao da constituio, a sociedade apresentava a seguinte composio do seu

    capital prprio:

    Capital

    prprio 0

    Capitalrealizado 500.000

    Reservaslegais

    Outrasreservas Reservasindisponveis

    Outrasreservas Reservaslivres

    Resultadostransitados

    Res.Transitados Realizaoexcedentes

    Res.Transitados Incrementosjustovalor

    Res.Transitados Perdasjustovalor

    Ajustamentosemactivosfinanceiros

    Excedentesde

    revalorizao

    TotaldoCapitalPrprio 500.000

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    Capital

    prprio 2

    Capitalrealizado 500.000

    Reservaslegais 5.000

    Outrasreservas

    Reservas

    indisponveis

    Outrasreservas Reservaslivres 47.500

    Resultadostransitados 0

    Res.Transitados Realizaoexcedentes

    Res.Transitados Incrementosjustovalor

    Res.Transitados Perdasjustovalor

    Ajustamentosemactivosfinanceiros

    Excedentesderevalorizao

    TotaldoCapitalPrprio 552.500

    3. No ano 3, a sociedade voltou a registar prejuzo. Foi apurado um resultado lquido negativo de

    50 000, que no inclua nenhuma parcela decorrente da aplicao do justo valor. Tornou a no

    ocorrer nenhuma outra variao patrimonial. A Assembleia geral deliberou aplicar os resultados

    conforme se descreve:

    cobertura dos prejuzos do exerccio, utilizando o total de reservas livres disponvel:

    47 500;

    cobertura dos prejuzos do exerccio, utilizando uma parte da reserva legal18: 2 500.

    A imediata cobertura dos prejuzos com as reservas disponveis para o efeito foi uma deciso

    tomada em concordncia com a posio defendida por VASCONCELOS (2006, p. 79):

    Verificando-se em determinado exerccio uma perda, e existindo reservas no

    balano ou resultados positivos de exerccios anteriores, obrigatrio

    efectuar a compensao de umas com outras? A lei no o impedirectamente, mas a soluo mais razovel. Na verdade, a existncia de

    reservas ao lado de prejuzos transitados no mnimo uma situao pouco

    transparente, pois indicia uma situao contabilstica que no existe. O que

    os scios devero fazer, face aprovao de um balano que contm um

    prejuzo no exerccio em apreciao, deliberar a utilizao de reservas

    livres e, na sua falta ou insuficincia, reservas legais, para compensar o

    prejuzo verificado.

    A composio do capital prprio, aps a Assembleia geral anual referida, passou a ser a seguinte:

    18Como expressamente permitido, pela alnea a) do artigo 296. do Cdigo das Sociedades Comerciais.

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    Capital

    prprio 3

    Capitalrealizado 500.000

    Reservaslegais 2.500

    Outrasreservas Reservasindisponveis

    Outrasreservas Reservaslivres 0

    Resultadostransitados 0

    Res.Transitados Realizaoexcedentes

    Res.Transitados Incrementosjustovalor

    Res.Transitados Perdasjustovalor

    Ajustamentosemactivosfinanceiros

    Excedentesderevalorizao

    TotaldoCapitalPrprio 502.500

    4.1.No incio do ano 4, foi levada a cabo uma revalorizao de toda uma classe de bens do activo

    fixo tangvel, no montante de 100 000, tendo-lhe sido atribuda uma vida til adicional de cinco

    anos (incluindo o ano 4).

    O excedente de revalorizao, no momento em que reconhecido, constitui um incremento

    patrimonial no realizado, s perdendo essa qualificao medida que os bens que lhe deram

    origem forem usados ou alienados.

    Como resultado desta operao, o capital prprio viu a sua composio alterar-se:

    Capital

    prprio 4.1

    Capitalrealizado 500.000

    Reservaslegais 2.500

    Outrasreservas Reservasindisponveis

    Outrasreservas

    Reservas

    livres

    Resultadostransitados 0

    Res.Transitados Realizaoexcedentes

    Res.Transitados Incrementosjustovalor

    Res.Transitados Perdasjustovalor

    Ajustamentosemactivosfinanceiros

    Excedentesderevalorizao 100.000

    TotaldoCapitalPrprio 602.500

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    4.2. Durante o ano 4, a sociedade gerou um resultado lquido positivo de 150 000, para o qual

    no contribuiu qualquer parcela decorrente da aplicao do justo valor. No final deste perodo,

    tambm se considerou realizada19 uma parte do excedente de revalorizao, uma vez que foi

    contabilizada a depreciao ( taxa de 20%) dos bens do activo fixo tangvel que haviam sido

    objecto de revalorizao. A Assembleia geral determinou a aplicao de resultados que, a seguir, se

    discrimina:

    reserva legal: 5% x 150 000 = 7 500;

    distribuio de dividendos: ( 150 000 - 7 500) / 2 = 71 250;

    reservas livres: ( 150 000 - 7 500) / 2 = 71 250.

    Aps esta deliberao, o capital prprio ficou composto do modo que se apresenta:

    Capitalprprio 4.2

    Capitalrealizado 500.000

    Reservaslegais 10.000

    Outrasreservas Reservasindisponveis

    Outras

    reservas

    Reservas

    livres 71.250Resultadostransitados 0

    Res.Transitados Realizaoexcedentes 20.000

    Res.Transitados Incrementosjustovalor

    Res.Transitados Perdasjustovalor

    Ajustamentosemactivosfinanceiros

    Excedentesderevalorizao 80.000

    TotaldoCapitalPrprio 681.250

    5.No ano 5, a sociedade Alfa, S.A. gerou um resultado lquido positivo de 200 000, incluindo um

    ganho de 50 000, decorrente da aplicao do justo valor a uma pequena participao financeira

    detida noutra entidade. Durante este perodo, no ocorreu nenhuma outra variao patrimonial e

    voltou a ser contabilizada a depreciao dos bens objecto de reavaliao no perodo 4, o que

    implicou a realizao parcial do excedente de revalorizao em 20 000 adicionais.

    A Assembleia geral anual decidiu a seguinte aplicao de resultados:

    19Efectuando a respectiva transferncia para a conta de Resultados transitados, nos termos do pargrafo 41 da NormaContabilstica e de Relato Financeiro n. 7.

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    Lus Miranda da Rocha 33

    transferncia para uma conta de Resultados transitados Incrementos justo valor de

    50 000, atendendo circunstncia de tal montante no ser distribuvel, nos termos do n. 2do artigo 32. do Cdigo das Sociedades Comerciais;

    reserva legal20: ( 200 000 - 50 000) x 5% = 7 500;

    distribuio de dividendos: ( 200 000 - 50 000 - 7 500) / 2 = 71 250;

    reservas livres: ( 200 000 - 50 000 - 7 500) / 2 = 71 250.

    A composio do capital prprio, depois da Assembleia geral, era da forma que se indica:

    Capitalprprio 5

    Capitalrealizado 500.000

    Reservaslegais 17.500

    Outrasreservas Reservasindisponveis

    Outrasreservas Reservaslivres 142.500

    Resultadostransitados 0

    Res.Transitados Realizaoexcedentes 40.000

    Res.Transitados Incrementosjustovalor 50.000

    Res.Transitados Perdasjustovalor

    Ajustamentosem

    activos

    financeiros

    Excedentesderevalorizao 60.000

    TotaldoCapitalPrprio 810.000

    6. No ano 6, a sociedade obteve um resultado lquido positivo de 300 000, incluindo uma perda

    por reduo de justo valor de 100 000 (gerada numa participao financeira adquirida este ano e,

    portanto, distinta da que havia originado o reconhecimento de um ganho por aumento de justo

    valor, no ano anterior). Durante este perodo, no se verificou nenhuma outra variao patrimonial,

    mas voltou a ser contabilizada a depreciao dos bens objecto de reavaliao no perodo 4, o que

    implicou a realizao parcial do excedente de revalorizao em 20 000 adicionais.

    A Assembleia geral anual deliberou aplicar os resultados da maneira que se explicita:

    transferncia para Resultados transitados Perdas justo valor21de 100 000;

    20Conforme se defendeu neste trabalho, a percentagem de reserva legal s deve incidir sobre a componente realizada doresultado lquido do perodo.

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    Lus Miranda da Rocha 34

    constituio de uma reserva indisponvel (por afectao de reservas livres) para

    cobertura da perda por reduo de justo valor mencionada no ponto anterior: 100 000;

    Reserva legal: 400 000 [22]x 5% = 20 000; Distribuio de dividendos: ( 400 000 - 20 000) / 2 = 190 000;

    Reservas livres: ( 400 000 - 20 000) / 2 = 190 000.

    Aps esta deciso, a composio do capital prprio era a seguinte:

    Capital

    prprio 6

    Capitalrealizado 500.000

    Reservaslegais 37.500

    Outrasreservas Reservasindisponveis 100.000

    Outrasreservas Reservaslivres 232.500

    Resultadostransitados 0

    Res.Transitados Realizaoexcedentes 60.000

    Res.Transitados Incrementosjustovalor 50.000

    Res.Transitados Perdasjustovalor 100.000

    Ajustamentosemactivosfinanceiros

    Excedentesderevalorizao 40.000

    TotaldoCapitalPrprio 920.000

    7.1.No incio do ano 7, foi efectuado um aumento de capital por incorporao de todas as reservas

    disponveis para esse efeito, a saber:

    as reservas livres, no montante de 232 500;

    a componente realizada do excedente de revalorizao: 60 000;

    a reserva legal23, no montante de 37 500.

    As reservas indisponveis, o excedente de revalorizao (parcela no realizada), bem como os

    incrementos decorrentes da aplicao de justo valor no podem ser utilizados nesta operao de

    aumento do capital social.

    21Atendendo ao tratamento diferenciado dos ganhos e das perdas decorrentes da aplicao do justo valor, a que j se fez

    aluso neste trabalho, cr-se no ter sentido uma eventual compensao entre ganhos e perdas deste cariz.22A componente realizada do resultado lquido do perodo.23Como expressamente permitido, pela alnea c) do artigo 296. do Cdigo das Sociedades Comerciais.

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    Lus Miranda da Rocha 35

    O capital social aumentou, assim, de 500 000 para 830 000. Por sua vez, o capital prprio

    passou a ser composto da seguinte forma:

    Capitalprprio 7.1

    Capitalrealizado 830.000

    Reservaslegais 0

    Outrasreservas Reservasindisponveis 100.000

    Outrasreservas Reservaslivres 0

    Resultadostransitados 0

    Res.Transitados Realizaoexcedentes 0

    Res.Transitados Incrementosjustovalor 50.000

    Res.Transitados Perdasjustovalor 100.000

    Ajustamentosem

    activos

    financeiros

    Excedentesderevalorizao 40.000

    TotaldoCapitalPrprio 920.000

    7.2.No ano 7, foi gerado um resultado lquido positivo de 200 000, incluindo 20 000 de ganhos

    relativos alienao da participao financeira que tinha dado origem ao reconhecimento de um

    ganho por aumento de justo valor, no ano 5. Durante este perodo, no ocorreu nenhuma outra

    variao patrimonial, mas voltou a ser contabilizada a depreciao dos bens objecto de reavaliao

    no perodo 4, o que implicou a realizao parcial do excedente de revalorizao em 20 000

    adicionais.

    O justo valor da participao financeira, adquirida no ano 6, no sofreu qualquer alterao neste

    perodo.

    Considerando a circunstncia de haver necessidade de deliberar sobre a aplicao dos 200 000 de

    resultado lquido do perodo, mas tambm sobre o ganho por aumento de justo valor que tinha sido

    reconhecido no ano 4 e que s veio a ser efectivamente realizado no decurso do ano 7 24, a

    Assembleia geral entendeu aplicar os resultados como se segue:

    Reserva legal: ( 200 000 + 50 000) x 5% = 12 500;

    Distribuio de dividendos: ( 200 000 + 50 000 - 12 500) / 2 = 118 750;

    24

    Saliente-se que, no ano 4, este ganho, por no estar realizado, no tinha entrado nos clculos para a constituio dareserva legal e para a determinao do montante mnimo legal de lucro distribuvel, estipulado no n. 1 do artigo 294.do Cdigo das Sociedades Comerciais.

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    Lus Miranda da Rocha 36

    Reservas livres ( 200 000 + 50 000 - 12 500) / 2 = 118 750.

    Aps esta deliberao, a composio do capital prprio alterou-se:

    Capital

    prprio 7.2

    Capitalrealizado 830.000

    Reservaslegais 12.500

    Outrasreservas Reservasindisponveis 100.000

    Outrasreservas Reservaslivres 118.750

    Resultadostransitados 0

    Res.Transitados Realizaoexcedentes 20.000

    Res.

    Transitados

    Incrementos

    justo

    valor 0Res.Transitados Perdasjustovalor 100.000

    Ajustamentosemactivosfinanceiros

    Excedentesderevalorizao 20.000

    TotaldoCapitalPrprio 1.001.250

    8. No ano 8, a sociedade Alfa, S.A. gerou um resultado lquido negativo de 100 000. No

    apuramento deste resultado, foi considerado um ganho por aumento de justo valor no montante de

    75 000, apurado na participao financeira que havia originado uma perda por reduo de justo

    valor, no perodo imediatamente anterior. Durante o ano, no houve nenhuma outra variao

    patrimonial e foi contabilizada a ltima quota de depreciao dos bens objecto de reavaliao no

    perodo 4, o que implicou a realizao da parcela remanescente do excedente de revalorizao, no

    valor de 20 000.

    A Assembleia geral anual teve de deliberar sobre a aplicao do resultado lquido negativo e,

    desconsiderando o efeito do ganho por aumento de justo valor, aprovou, ento, a seguinte

    distribuio:

    transferncia para Resultados transitados de um resultado negativo de 175 000 (o

    resultado que se obteria, caso no tivesse sido registado o ganho por aumento de justo

    valor);

    eliminao parcial da perda registada na conta de Resultados Transitados Perdas Justo

    Valor (acompanhada de disponibilizao da reserva que lhe estava associada): 75 000;

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    cobertura dos prejuzos do exerccio, utilizando parte das reservas livres disponveis:

    175 000.

    A desagregao das rubricas de capital prprio, aps estas operaes, passou a ser como se indica:

    Capitalprprio 8

    Capitalrealizado 830.000

    Reservaslegais 12.500

    Outrasreservas Reservasindisponveis 25.000

    Outrasreservas Reservaslivres 18.750

    Resultadostransitados 0

    Res.Transitados

    Realizao

    excedentes 40.000

    Res.Transitados Incrementosjustovalor 0

    Res.Transitados Perdasjustovalor 25.000

    Ajustamentosemactivosfinanceiros

    Excedentesderevalorizao 0

    TotaldoCapitalPrprio 901.250

    9.No ano 9, a sociedade gerou um resultado lquido positivo de 250 000, incluindo um ganho de

    100 000 decorrente da aplicao do mtodo da equivalncia patrimonial, na mensurao de uma

    participao financeira representativa de 100% no capital da sociedade Beta, S.A. (esta participao

    foi comprada pelo valor contabilstico dos capitais prprios da adquirida, logo no incio do ano 9).

    A sociedade Beta, S.A. registou, neste exerccio, um resultado lquido de 100 000.

    Durante este perodo, no ocorreu nenhuma outra variao patrimonial. O justo valor da

    participao financeira, adquirida no ano 6, no sofreu qualquer alterao neste ano.

    Na Assembleia geral da sociedade Beta, S.A., realizada em Maro do ano 10, foi acordado distribuir

    50% do resultado lquido do perodo. Por sua vez, em momento subsequente, a Assembleia geral da

    sociedade Alfa, S.A. estabeleceu aplicar os resultados da forma que se especifica:

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    A distribuio de resultados no contexto do Sistema de Normalizao Contabilstica: a relao com o Direito das Sociedades

    Lus Miranda da Rocha 38

    transferncia, para Ajustamentos em activos financeiros, da parte no realizada (isto ,

    no distribuda a ttulo de dividendos) do resultado lquido da participada Beta, S.A.25:

    50 000; reserva legal: ( 250 000 - 50 000) x 5% = 10 000;

    distribuio de dividendos: ( 250 000 - 50 000 - 10 000) / 2 = 95 000;

    reservas livres: ( 250 000 - 50 000 - 10 000) / 2 = 95 000.

    A composio do capital prprio (nas contas individuais da sociedade Alfa, S.A.), aps estas

    operaes, passou a ser:

    Capitalprprio 9

    Capitalrealizado 830.000

    Reservaslegais 22.500

    Outrasreservas Reservasindisponveis 25.000

    Outrasreservas Reservaslivres 113.750

    Resultadostransitados 0

    Res.Transitados Realizaoexcedentes 40.000

    Res.Transitados Incrementosjustovalor 0

    Res.Transitados Perdasjustovalor 25.000

    Ajustamentosem

    activos

    financeiros 50.000

    Excedentesderevalorizao 0

    TotaldoCapitalPrprio 1.056.250

    10. No ano 10, a sociedade gerou um resultado lquido de 600 000, estando includo neste

    montante:

    um ganho de 200 000 proveniente da aplicao do mtodo da equivalncia patrimonial na

    mensurao da participao detida na sociedade Beta, S.A.;

    um ganho de 30 000 resultante da alienao da participao financeira, adquirida no ano 6,

    e, desde ento, mensurada pelo seu justo valor.

    25 Conforme estabelecido nas Notas de Enquadramento que integram o Cdigo de Contas do Sistema deNormalizao Contabilstica.

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    Na Assembleia geral da sociedade Beta, S.A., realizada em Maro do ano 11, foi decidido distribuir

    50% do resultado lquido do perodo. Posteriormente, a Assembleia geral da sociedade Alfa, S.A.

    deliberou a seguinte aplicao de resultados:

    transferncia, para Ajustamentos em activos financeiros, da parte no realizada do

    resultado lquido da participada Beta, S.A.: 100 000;

    eliminao total da perda registada na conta de Resultados Transitados Perdas Justo

    Valor (acompanhada de disponibilizao da reserva que lhe estava associada): 25 000;

    reserva legal: ( 600 000 - 100 000 - 25 000) x 5% = 23 750;

    distribuio de dividendos: ( 600 000 - 100 000 - 25 000 - 23 750) / 2 = 225 625; reservas livres: ( 600 000 - 100 000 - 25 000 - 23 750) / 2 = 225 625.

    A composio do capital prprio (nas contas individuais da sociedade Alfa, S.A.), aps estas

    operaes, descreve-se deste modo:

    Capitalprprio 10

    Capitalrealizado 830.000

    Reservaslegais 46.250

    Outrasreservas Reservasindisponveis 0

    Outrasreservas Reservaslivres 364.375

    Resultadostransitados 0

    Res.Transitados Realizaoexcedentes 40.000

    Res.Transitados Incrementosjustovalor 0

    Res.Transitados Perdasjustovalor 0

    Ajustamentosemactivosf inanceiros 150.000

    Excedentesderevalorizao 0

    TotaldoCapitalPrprio 1.430.625

    11.1. No final do primeiro semestre do ano 11, a sociedade Alfa, S.A. alienou os ttulos

    representativos de 100% do capital da sociedade Beta, S.A. pelo valor contabilstico dos capitais

    prprios, determinado no momento imediatamente posterior ltima distribuio de dividendos (no

    primeiro semestre do ano 11, a sociedade Beta, S.A. gerou um resultado nulo).

    Dado que a mencionada participao financeira se encontrava registada pelo mtodo da

    equivalncia patrimonial e como a alienao foi efectuada por um preo idntico ao valor

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    contabilstico dos capitais prprios, no houve lugar ao reconhecimento de qualquer resultado

    decorrente desta operao, nas contas da sociedade Alfa, S.A. No obstante, verificou-se a

    realizao de um ganho at data no realizado (evidenciado na conta de Ajustamentos em activosfinanceiros, com um saldo de 150 000), pelo que a Assembleia geral reuniu com o propsito de

    decidir sobre a respectiva aplicao, tendo definido:

    reforar a reserva legal: 150 000 x 5% = 7 500;

    distribuir dividendos: ( 150 000 - 7 500) / 2 = 71 250;

    reforar as reservas livres: ( 150 000 - 7 500) / 2 = 71 250.

    Depois desta alienao, o capital prprio da sociedade Alfa, S.A. ficou assim constitudo:

    Capital

    prprio 11.1

    Capitalrealizado 830.000

    Reservaslegais 53.750

    Outrasreservas Reservasindisponveis 0

    Outrasreservas Reservaslivres 435.625

    Resultadostransitados 0

    Res.Transitados

    Realizao

    excedentes 40.000

    Res.Transitados Incrementosjustovalor 0

    Res.Transitados Perdasjustovalor 0

    Ajustamentosemactivosfinanceiros 0

    Excedentesderevalorizao 0

    TotaldoCapitalPrprio 1.359.375

    11.2. No ano 11, foi apurado um resultado lquido de 800 000, que no continha nenhuma

    parcela decorrente da aplicao do justo valor, no se tendo verificado qualquer outra variao

    patrimonial. A Assembleia geral aprovou aplicar os resultados da forma que se discrimina:

    Reserva legal: 800 000 x 5% = 40 000;

    Distribuio de dividendos: ( 800 000 - 40 000) / 2 = 380 000;

    Reservas livres: ( 800 000 - 40 000) / 2 = 380 000.

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    Em consequncia desta deciso, o capital prprio passou a apresentar a seguinte composio:

    Capital

    prprio 11.2Capitalrealizado 830.000

    Reservaslegais 93.750

    Outrasreservas Reservasindisponveis 0

    Outrasreservas Reservaslivres 815.625

    Resultadostransitados 0

    Res.Transitados Realizaoexcedentes 40.000

    Res.Transitados Incrementosjustovalor 0

    Res.Transitados Perdasjustovalor 0

    Ajustamentosemactivosfinanceiros 0

    Excedentesde

    revalorizao 0

    TotaldoCapitalPrprio 1.779.375

    10. Concluso

    Uma alterao profunda do normativo contabilstico tem, muito naturalmente, um impactesignificativo nos textos legais cuja aplicao depende da quantificao de certas grandezas, que as

    normas de direito mandam recolher na contabilidade.

    A mensurao pelo justo valor de alguns activos e passivos, prevista no Sistema de Normalizao

    Contabilstica (em linha com as IAS/IFRS), veio acrescentar ao resultado lquido outras

    componentes no realizadas, tornando o processo de distribuio dos resultados mais complexo e

    suscitando a ateno do legislador portugus, que, em reformulao do artigo 32. do Cdigo dasSociedades Comerciais, proibiu a distribuio aos accionistas de qualquer incremento decorrente da

    aplicao do justo valor.

    Neste trabalho, analisa-se de forma crtica a opo do legislador nacional, considerando-a

    demasiado restritiva, por limitar a distribuio de todos os incrementos resultantes do justo valor,

    no adoptando a hierarquia de justos valores, que parece configurar uma tendncia a nvel

    internacional. Na verdade, os justos valores, calculados com base em cotaes de mercadoseficientes (muitas bolsas de valores), do origem a incrementos patrimoniais imediatamente

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    Lus Miranda da Rocha 42

    realizveis, que, portanto, deviam ser susceptveis de distribuio aos accionistas. Procura-se

    sustentar esta posio, recorrendo a exemplos prticos e a um pequeno estudo de direito

    comparado, que d a conhecer solues tidas por mais razoveis e realistas, adoptadas emEspanha, Itlia e no Reino Unido.

    O tema da distribuio de resultados aos accionistas insere-se num debate mais amplo, de mbito

    europeu: a eficcia e a necessidade de normas de conservao do capital e de mecanismos de

    proteco de credores, como os institudos pela Segunda Directiva de Direito das Sociedades.

    Tenta-se dar a conhecer o esgrimir de argumentos entre os apoiantes da manuteno e aqueles que

    advogam a substituio (ou modificao) das mencionadas normas; reala-se, ainda, a posio daComisso Europeia sobre esta matria, que vai no sentido de no introduzir alteraes legislativas,

    deixando essa deciso na esfera de competncia dos Estados-membro.

    De uma perspectiva mais subjectiva, neste trabalho, defende-se a possibilidade de as normas de

    conservao do capital estarem hoje mais adequadas realidade (desempenhando, em certa medida,

    um papel de teste de solvabilidade) do que estiveram num passado recente, em que a maioria das

    variaes positivas de justos valores permanecia afastada do reconhecimento contabil