a questao mult cultural - … · esse s exemplo historico sa o relevante a questa da emergencia d o...

26
26 MAHARAJ, Sarat. Perfidious Fidelity. In: FISHER, Jean (Ed.). Global Visions: Towards a New Internationalism in the Visual Arts. London: Insti- tute of the International Visual Arts, 1994. p. 31. (A referenda e DERRIDA, Jacques. Des tours de Babel. In: Difference in Translation. Ithaca: Cornell University Press, 1985.) 27 O tftulo de um dos mais importantes capitulos em FANON, Frantz. Black Skin, WhiteMasks. London: Pluto Press, 1986. 28 OUDITT, Steve. Enigma of Arrival. In: TANADROS, Gilane (Ed.). Anota- tions 4: Creole-in-Size. London: Institute of the International Visual Arts 1998. p. 8-9. 29 Sobre "tradicao enquanto o mesmo em mutacao" ver GILROY, The Black Atlantic. 30 Ver, por exemplo, APPADURAI, Arjun. Modernity at Large. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1996. 31 FISHER, Jean. Editor's note. In: FISHER, J. (Org.). Global Visions: Towards a New Internationalism in the Visual Arts. London: Institute for the Interna- tional Visual Arts, 1994. p. xii. 32 JAMES, C. L. R. Africans and Afro-Caribbeans: A Personal View Ten v. 8, n. 16. ' A QUESTAO M U L T C U L T U R A L Este ensaio parte da observacao de Homi Bhabha de que o "multiculturalismo" e um termo valise que se expandiu de forma heterogenea e que o "multicultural" tornou-se um significante oscilante. A primeira parte 1 opera uma crttica desconstrutora desses termos-chave. Considera suas condicoes de emergencia e sua existencia disseminada na sociedade contemporanea e no discurso politico a partir da experiencia britanica. A segunda parte se inicia com a ideia de Barnor Hesse dos "efeitos transruptivos" da questao multicultural e os localiza em varies dominios. O ensaio se conclui com a tentativa de resgatar uma nova "logica" politica multicultural dos escombros dos vocabularies politicos atuais, arruinados na erupcao da propria questao multicultural. O termo "multiculturalismo" e hoje utilizado universal- mente. Contudo, sua proliferacao nao contribuiu para esta- bilizar ou esclarecer seu significado. Assim como outros termos relacionados — por exemplo, "raca", etnicidade, identidade, diaspora — o multiculturalismose encontra tao discursivamente enredado que so pode ser utilizado "sob rasura" (Hall, 1996a). Contudo, na falta de concertos menos complexes que nos possibilitem refletir sobre o problema, nao resta alternativa senao continuar utilizando e interro- gando esse termo.

Upload: dangkhanh

Post on 14-Feb-2019

212 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

26 MAHARAJ, Sarat. Perfidious Fidelity. In: FISHER, Jean (Ed.). GlobalVisions: Towards a New Internationalism in the Visual Arts. London: Insti-tute of the International Visual Arts, 1994. p. 31. (A referenda e DERRIDA,Jacques. Des tours de Babel. In: Difference in Translation. Ithaca: CornellUniversity Press, 1985.)

27 O tftulo de um dos mais importantes capitulos em FANON, Frantz. BlackSkin, WhiteMasks. London: Pluto Press, 1986.

28 OUDITT, Steve. Enigma of Arrival. In: TANADROS, Gilane (Ed.). Anota-tions 4: Creole-in-Size. London: Institute of the International Visual Arts1998. p. 8-9.

29 Sobre "tradicao enquanto o mesmo em mutacao" ver GILROY, The BlackAtlantic.

30 Ver, por exemplo, APPADURAI, Arjun. Modernity at Large. Minneapolis:University of Minnesota Press, 1996.

31 FISHER, Jean. Editor's note. In: FISHER, J. (Org.). Global Visions: Towardsa New Internationalism in the Visual Arts. London: Institute for the Interna-tional Visual Arts, 1994. p. xii.

32 JAMES, C. L. R. Africans and Afro-Caribbeans: A Personal View Tenv. 8, n. 16. '

A QUESTAO MULT CULTURAL

Este ensaio parte da observacao de Homi Bhabha de queo "multiculturalismo" e um termo valise que se expandiu deforma heterogenea e que o "multicultural" tornou-se umsignificante oscilante. A primeira parte1 opera uma crtticadesconstrutora desses termos-chave. Considera suas condicoesde emergencia e sua existencia disseminada na sociedadecontemporanea e no discurso politico a partir da experienciabritanica. A segunda parte se inicia com a ideia de BarnorHesse dos "efeitos transruptivos" da questao multicultural eos localiza em varies dominios. O ensaio se conclui com atentativa de resgatar uma nova "logica" politica multiculturaldos escombros dos vocabularies politicos atuais, arruinadosna erupcao da propria questao multicultural.

O termo "multiculturalismo" e hoje utilizado universal-mente. Contudo, sua proliferacao nao contribuiu para esta-bilizar ou esclarecer seu significado. Assim como outrostermos relacionados — por exemplo, "raca", etnicidade,identidade, diaspora — o multiculturalismo se encontra taodiscursivamente enredado que so pode ser utilizado "sobrasura" (Hall, 1996a). Contudo, na falta de concertos menoscomplexes que nos possibilitem refletir sobre o problema,nao resta alternativa senao continuar utilizando e interro-gando esse termo.

A DISTINgAO MULTICULTURAL/MULTICULTURALISMO

Pode ser util fazer aqui uma distincao entre o "multicul-tural" e o "multiculturalismo".2 Multicultural e um termo quaii-ficativo. Descreve as caracteristicas socials e os problemas degovernabilidade apresentados por qualquer sociedade na qualdiferentes comunidades culturais convivem e tentam construiruma vida em comum, ao mesmo tempo em que retem algo desua identidade "original". Em contrapartida, o termo "multi-culturalismo" e substantive. Refere-se as estrategias e poli-ticas adotadas para governar ou administrar problemas dediversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multi-culturais. E usualmente utilizado no singular, significando afilosofia especifica ou a doutrina que sustenta as estrategiasmulticulturais. "Multicultural", entretanto, e, por definicao,plural. Existem muitos tipos de sociedade multicultural, comopor exemplo, os Estados Unidos da America, a Gra-Bretanha,a Franga, a Malasia, o Sri Lanka, a Nova Zelandia, a Indo-nesia, a Africa do Sul e a Nigeria. Estes sao, de forma bastantedistinta, "multiculturais". Entretanto, todos possuem umacaracterlstica em comum. Sao, por definicao, culturalmenteheterogeneos. Eles se distinguem neste sentido do Estado-nacao "moderno", constitucional liberal, do Ocidente, que seafirma sobre o pressuposto (geralmente tacito) da homoge-neidade cultural organizada em torno de valores universais,seculares e individualistas liberals (Goldberg, 1994).

Ambos os termos sao hoje interdependentes, de tal formaque e praticamente impossivel separa-los. Contudo, o "multi-culturalismo" apresenta algumas dificuldades especificas.Denomina "uma variedade de articulacoes, ideais e praticassociais". O problema e que o -ismo tende a converter o "multi-culturalismo" em uma doutrina politica, "reduzindo-o a umasingularidade formal e fixando-o numa ccfndicao petriflcada(...) Assim convertida (...) a heterogeneidade caracteristicadas condicoes multiculturais e reduzida a uma doutrina facile prosaica" (Caws, 1994). Na verdade, o "multiculturalismo"nao e uma unica doutrina, nao caracteriza uma estrategiapolitica e nao representa um estado de coisas j£ alcancado.Nao e uma forma disfarcada de endossar algum estado ideal

ou utopico. Descreve uma serie de-pr-ocessos e estrategiaspoliticas sempre inacabados. Assim como ha distintas socie-dades multiculturais, assim tambe"m ha "multiculturalismos"bastante diversos. O multiculturalismo conservador segueHume (Goldberg, 1994) ao insistir na assimilacao da dife-rene/a as tradicoes e costumes da maioria. O multicultura-lismo liberal busca integrar os diferentes grupos culturaiso mais rapido possivel ao mainstream, ou sociedade majo-ritaria, baseado em uma cidadania individual universal,tolerando certas praticas culturais particuiaristas apenasno dominio privado. O multiculturalismo pluralista, porsua vez, avaliza diferencas grupais em termos culturais econcede direitos de grupo distintos a diferentes comunidadesdentro de uma ordem politica comunitaria ou mais comunal.O multiculturalismo comercial pressupoe que, se a diversi-dade dos individuos de distintas comunidades for publicamentereconhecida, entao os problemas de diferenca cultural seraoresolvidos (e dissolvidos) no consumo privado, sem qualquernecessidade de redistribuicao do poder e dos recursos. Omulticulturalismo corporative (publico ou privado) busca"administrar" as diferencas culturais da minoria, visando osinteresses do centre. O multiculturalismo critico ou "revo-lucionario" enfoca o poder, o privilegio, a hierarquia dasopressoes e os movimentos de resistencia (McLaren, 1997).Procura ser "insurgente, polivocal, heteroglosso e anti-fundacional" (Goldberg, 1994). E assim por diante.

Longe de ser uma doutrina estabelecida, o "multicultura-lismo" e uma ideia profundamente questionada (May, 1999)-E contestado pela direita conservadora, em prol da pureza eintegridade cultural da nacao. £ contestado pelos liberals,que alegam que o "culto da etnicidade" e a busca da dife-renca ameacam o universalismo e a neutralidade do estadoliberal, comprometendo a autonomia pessoal, a liberdadeindividual e a igualdade formal. Alguns liberals afirmam que omulticulturalismo, ao legitimar a ideia dos "direitos de grupo",subverte o sonho de uma nacao e cidadania construidas apartir das culturas de povos diversos — epluribus unum? Omulticulturalismo e tambem contestado por modernizaclo.resde distintas conviccoes politicas. Para estes, o triunfo douniversalismo da civilizacao ocidental sobre o particula-rismo de raiz etnica e racial, estabelecido no Iluminismo,

52 53

marcou uma transigao decisiva e irreversivel do Tradiciona-lismo para a Modernidade. Essa mudanca nao deve jamaisser revertida. Algumas versoes pos-modernas do "cosmopoli-tismo", que tratam o "sujeito" como algo inteiramente contin-gente e desimpedido, se opoem radicalmente ao multicul-turalismo, em que os sujeitos se encontram mais localizados.Ha ainda o desafio de varias posicoes na esquerda. Os anti-racistas argumentam que, erroneamente, o multiculturalismoprivilegia a cultura e a identidade, em detrimento das questoeseconomicas e materiais. Os radicals creem que ele divide,em termos etnicos e racialmente particularistas, uma frenteracial e de classe unida contra a injustica e a exploracao.Outros apontam as varias versoes do multiculturalismo"de butique", comercializado e consumista (Fish, 1998),que celebram a diferenca sem fazer diferenca.4 Ha tambemaquilo que Sarat Maharaj oportunamente denomina "gerencia-lismo multicultural", o qual apresenta "uma assombrosa seme-Ihanca com a logica do apartheid" (Maharaj, 1999).

Pode um conceito que significa tantas coisas diferentese que tao efetivamente acirra os animos de inimigos taodiversos e contraditorios realmente ter algo a dizer? For outrolado, sua condicao contestada nao constitui precisamente seuvalor? Afinal: "O signo, se subtraido as tensoes da luta social,se posto a margem da luta de classes, ira infalivelmente debi-litar-se, degenerara em alegoria, tornar-se-a objeto de estudodos filologos e nao sera mais instrumento racional e vivopara a sociedade." (Volochinov/Bakhtin, 1973). For bemou por mal, estamos inevitavelmente implicados em suaspraticas, que caracterizam e definem as "sociedades damodernidade tardia". Nos termos de Michele Wallace,

todos sabem (...) que o multiculturalismo nao e a terra prome-tida... [Entretanto] mesmo em sua forma mais cinica e pragma-tica, ha algo no multiculturalismo que vale a pena continuarbuscando (...) precisamos encontrar formas de manifestarpublicamente a importancia da diversidade cultural, [e] deintegrar as contribuicoes das pessoas de cor ao tecido dasociedade. (Wallace, 1994)

CONDUCES DE EMERGENCIA

As sociedades multiculturais nao sao algo novo. Bemantes da expansao europeia (a partir do seculo quinze) — ecom crescente intensidade desde entao — a migracao e osdeslocamentos dos povos tern constituido mais a regra que aexcecao, produzindo sociedades etnica ou culturalmente"mistas". "Movimento e migracao (...) sao as condicoes dedefinicao socio-historica da humanidade." (Goldberg, 1994).As pessoas tern se mudado por varias razoes — desastresnaturais, alteracoes ecologicas e climaticas, guerras, con-quistas, exploracao do trabalho, colonizacao, escravidao,semi-escravidao, repressao politica, guerra civil e subdesen-volvimento economico. Os imperios, produtos de conquistae dominacao, sao frequentemente multiculturais. Os imperiosgrego, romano, islamico, otomano e europeu foram todos,de formas distintas, multietnicos e multiculturais. O colonia-lisrno — sempre uma inscrigao dupla — tentou inserir o colo-nizado no "tempo homogeneo vazio" da modernidade global,sem abolir as profundas diferencas ou disjunturas de tempo,espaco e tradi^ao (Bhabha, 1994; Hall, 1996a). Os sistemascoloniais de monocultura do mundo ocidental, os sistemasde trabalho semi-escravo do Sudeste da Asia, da India colo-nial, assim como os varies Estados-nacao conscientementefabricados a partir de um quadro etnico mais fluido — naAfrica, pelos poderes colonizadores; no Oriente Medio, nosBalcas e na Europa Central, pelas grandes potencias — todosse ajustam mais ou menos a descrif ao multicultural.

Esses exemplos historicos sao relevantes a questao daemergencia do multiculturalismo no mundo pos-guerra, poiseles produziram algumas das condicoes para que isso ocor-resse. Contudo, nao ha uma relacao linear entre o colonial eo pos-colonial. Desde a II Guerra Mundial, o multicultura-lismo nao so tern se alterado, mas tambem se intensificado.Tornou-se mais evidente e ocupa um lugar central no campoda contestagao politica. Isso e o resultado de uma serie demudangas decisivas — uma reconfigura^ao estrategica dasformas e relagoes sociais em todo o globo.

Primeiramente, o fim do velho sistema imperial europeue das lutas pela descolonizacao e independencia nacional.

54

Nos prii»<5rdios do desmantelamento dos antigos impedes,varies novos Estados-nacao, multietnicos e multiculturais,f ram criados. Entretanto, estes continuam a refletir suascondicoes anteriores de existencia sob o colonialismo.5

Esses novos estados sao relativamente frageis, do ponto devista economico e militar. Muitos nao possuem uma sociedadecivil desenvolvida. Permanecem dominados pelos imperativesdos prirneiros movimentos nacionalistas de independencia.Governam populates com uma variedade de [radioese"tnica$, culturais ou religiosas. As culturas nativas, deslo-cadas, senao destruidas pelo colonialismo, nao sao inclusivasa ponto de fornecer a base para uma nova cultura nacionalou civica. Somam-se a essas dificuldades a pobreza generali-zada e o subdesenvolvimento, num contexto de desigual-dade global que se aprofunda e de uma ordem mundialeconomica neoliberal nao regulamentada. Cada vez mais,as crises nessas sociedades assumem um carater multiculturalou "etnicizado".

Ha uma intima relacao entre o ressurgimento da "questao^multicultural" e o fenomeno do "pos-colonial". Este poderianos fazer desviar por um labirinto conceitual do qual poucosviajantes retornam. Contentemo-nos, por enquanto, emafirmar que o "pos-colonial" nao sinaliza uma simplessucessao cronologica do tipo antes/depois. O movimento quevai da colonizacao aos tempos pos-coloniais nao implica queos problemas do colonialismo foram resolvidos ou suce-didos por uma epoca livre de conflitos. Ao contrario, o"pos-colonial" marca a passagem de uma configuracao ouconjuntura historica de poder para outra (Hall, 1996a).6Problemas de dependencia, subdesenvolvimento e margi-nalizacao, tipicos do "alto" periodo colonial, persistem nopos-colonial. Contudo, essas relacoes estao resumidasem umanova configuracao. No passado, eram articuladas comorelacoes desiguais de poder e exploracao entre as sociedadescolonizadoras e as colonizadas. Atualmente, essas relacoessao deslocadas e reencenadas como lutas entre forcas sociaisnativas, como contradicoes internas e fontes de desesta-bilizacao no interior da sociedade descolonizada, ou entreela e o sistema global como um todo. Pensemos em comoa instabilidade do governo democr&tico, por exemplo, no

56

Paquistao, Iraque, Indonesia, Nigeria ou Argelia, ou oscontinues problemas de legitimidade e estabilidade poll-tica no Afeganistao, Namibia, Mozambique ou Angola temorigens claras em sua recente historia imperial. Essa "duplainscricao" pos-colonial ocorre em um contexto global ondea administracao direta, o controle ou o protetorado de umpoder imperial foi substituido por um sistema de poderassimetrico e globalizado, cujo carater e pos-nacional e pos-imperial. Suas principals caracteristicas sao a desigualdadeestrutural, dentro de um sistema desregulamentado de livremercado e de livre fluxo de capital, dominado pelo PrimeiroMundo; e os programas de reajuste estrutural, nos quaisprevalecem os interesses e modelos ocidentais de controle.

O segundo fator e o fim da Guerra Fria. Suas principalscaracteristicas sao a ruptura pos-1989 da Uniao Sovieticaenquanto formacao transetnica e transnacional; e o decliniodo comunismo de Estado como modelo alternative de desen-volvimento industrial, e o declinio da esfera sovietica deinfluencia, especialmente na Europa Oriental e na AsiaCentral. Isso causou efeitos regionais semelhantes de certaforma ao desmantelamento dos velhos sistemas imperais.O ano de 1989 foi seguido pela tentativa, liderada pelosEstados Unidos da America, de construir uma "nova ordemmundial". Uma caracteristica desse impulso foi a pressaocontinua do Ocidente, destinada a arrastar, contra sua vontadee da noite para o dia, aquelas sociedades tao distintas e relati-vamente subdesenvolvidas do Leste Europeu para o que sechamou de "o mercado". Esta entidade misteriosa e propelidapara dentro de culturas e constituigoes politicas antigas e com-plexas como se fosse um principio abstrato e desnudo, semconsiderar o envolvimento cultural, politico, social e institu-ciona! que os mercados sempre requerem. Conseqiientemente,os problemas pendentes de desenvolvimento social tem sesomado ao ressurgimento de traces de antigos nacionalismosetnicos e religiosos malresolvidos, fazendo com que astensoes nessas sociedades ressurjam sob a forma multicultural.

E importante frisar que esse nao e um simples ressurgi-mento de etnias arcaicas, embora tais elementos possampersistir. Traces mais antigos se combinam com novas e emer-gentes formas de "etnicidade", que freqiientemente resultam

57

da globalizacao desigual ou da modernizacao falha. Essa mis-tura explosiva revaloriza seletivamente os discursos maisantigos, condensando numa combinacao letal aquilo queHobsbawm e Ranger (1993) denominaram "a invencao datradicao" e o que Michael Ignatieff (1994) chamou (depoisde Freud) de "narcisismo das pequenas diferencas". (O nacio-nalismo servio e a limpeza etnica na Bosnia e em Kosovo saoexemplos claros disso.) Sua reinvencao do passado-no-presentee remanescente do carater de Janus do discurso nacionalista(Nairn, 1977). Esses movimentos de revivificacao continuamprofundamente vinculados a ideia da "nacao"7 enquantomotor da modernizacao, que garante um lugar no novosistema mundial, precisamente no mome'nto em que a globa-lizacao conduz a um hesitante desfecho da fase do Estado-nacao da modernidade capitalista.

O terceiro fator e a nossa velha conhecida "globalizacao".Reitero, a globalizacao nao e algo novo. A exploracao, a con-quista e a colonizacao europeias foram as primeiras formasde um mesmo processo historico secular (Marx denominou-o"a formacao do mercado mundial"). Porem, desde os anos 70do seculo vinte, o processo tem assumido novas formas, aomesmo tempo em que tem se intensificado (Held et al.? 1999).A globalizacao contemporanea e associada ao surgimentode novos mercados financeiros desregulamentados, ao ca-pital global e aos fluxos de moeda grandes o suficiente paradesestabilizar as economias medias, as formas transnacionaisde producao e consume, ao crescimento exponencial denovas industrias culturais impulsionado pelas tecnologiasde informacao, bem como ao aparecimento da "economiado conhecimento". Caracteristica desta fase e a compressaodo tempo-espaco (Harvey, 1989), que tenta — embora deforma incompleta — combinar tempos, espacos, historiase mercados no centre de um cronotopo espaco-temporal"global" homogeneo. E marcada ainda pelo desarraigamentoirregular das relacoes sociais e por processes de destra-dicionalizacao (Giddens, 1999) que nao se restringem associedades em desenvolvimento. Tanto quanto as sociedadesda periferia, as sociedades ocidentais nao podem mais evitaresses efeitos.

58

O sistema e global, no sentido de que sua esfera deoperacoes e planetaria. Poucos locais escapam ao alcancede suas interdependencias desestabilizadoras. Ele tem enfra-quecido significativamente a soberania nacional e o "raio deacao" dos Estados-nacao (os motores das primeiras fases daglobalizacao), sem desloca-los completamente. O sistema,entretanto, nao e global, se por isso se entende que oprocesso e de carater uniforme, afeta igualmente todos oslugares, opera sem efeitos contraditorios ou produz resul-tados iguais no mundo inteiro. Ele continua sendo um sistemade desigualdades e instabilidades cada vez mais profundas,sobre o qual nenhuma potencia — nem mesmo os EstadosUnidos, que e a nacao mais poderosa em termos economicose militares da terra — possui o controle absolute.

Como o pos-colonial, a globalizacao contemporanea e umanovidade contraditoria. Seus circuitos economicos, finan-ceiros e culturais sao orientados para o Ocidente e domi-nados pelos Estados Unidos. Ideologicamente, e governadapor um neoliberalismo global que rapidamente se tornao senso comum de nossa epoca (Fukuyama, 1989). Suatendencia cultural dominante e a homogeneizacao. Entretanto,esta nao e a sua unica tendencia. A globalizacao tem causadoextensos efeitos diferenciadores no interior das sociedadesou entre as mesmas. Sob essa perspectiva, a globalizacao naoe um processo natural e inevitavel, cujos imperatives, comoo Destine, so podem ser obedecidos e jamais submetidos aresistencia ou variacao.8 Ao contrario, e um processo homo-geneizante, nos proprios termos de Gramsci. E "estruturadoem dominancia", mas nao pode controlar ou saturar tudodentro de sua orbita. De fato, entre seus efeitos inesperadosestao as formacoes subalternas e as tend£ncias emergentesque escapam a seu controle, mas que ela tenta "homoge-neizar" ou atrelar a seus propositos mais amplos. E umsistema de con-formagdo da diferenga, ern vez de um sino-nimo conveniente de obliteracao -da diferenca. Este argu-mento torna-se crucial se considerarmos como e onde asresistencias e contra-estrategias podem se desenvolver comsucesso. Essa perspectiva implica um modelo de poder maisdiscursive do que comumente se encontra no novo ambienteglobal entre os "arautos do hiper-global" (Held et al., 1999)-

59

A PROLlFERAgAO SUBALTERNA DA DlFERENgA

Juntamente com as tendencias homogeneizantes da globa-lizacao, existe a "proliferacao subalterna da diferenca".Trata-se de um paradoxo da globalizacao contemporanea ofato de que, culturalmente, as coisas parec.am mais ou menossemelhantes entre si (um tipo de americanizagao da culturaglobal, por exemplo). Entretanto, concomitantemente, haa proliferacao das "diferencas". O eixo "vertical" do podercultural, economico e tecnologico parece estar sempremarcado e compensado por cpnexoes laterais, o que produzuma visao de mundo composta de muitas diferencas "locals",as quais o "global-vertical" e obrigado a considerar (Hall,1997). Nesse modelo, o classico binarismo iluminista Tradi-cionalismo/Modernidade e deslocado por um conjunto disse-minado de "modernidades vernaculas". Consideremos, porexemplo, como a empresa News International se viu forcadaa fazer uma retirada tatica ao tentar saturar a India e a Chinacom um regime basico da programagao televisiva ocidental.So conseguiu avancar atraves de uma "local-izacao" dasindustries televisivas locais, o que complica sobremaneira oambito das imagens oferecidas localmente e conduz aodesenvolvimento de uma industria local enraizada em dife-rentes tradicoes culturais. Alguns veem nisso apenas umaversao mais lenta de uma ocidentalizacao das culturas indianae chinesa, quando expostas ao mercado global. Outros consi-deram que esta e a forma pela qual os povos dessas areasobtem acesso a "modernidade", adquirem os frutos de suastecnologias e o fazem, ate certo ponto, em seus propriostermos. No contexto global, a luta entre os interesses "locais"e o "globais" nao esta definitivamente concluida.

Isso e o que Derrida, em outro contexto, denomina diffe-rance: "o movimento do jogo que 'produz' (...) essas dife-rencas, esses efeitos de diferenca" (Derrida, 1981, 1982).9 Naose trata da forma binaria de diferenca entre o que e absoluta-mente o mesmo e o que e absolutamente "Outro". E urna"onda" de similaridades e diferencas, que recusa a divisao.em oposicoes binarias fixas. Differance caracteriza umsistema em que "cada conceito [ou significado] esta inscritoem uma cadeia ou em um sistema, dentro do qual ele se refere

ao outro e aos outros conceitos [significados], atrave~s de umjogo sistematico de diferencas" (Derrida, 1972). O significadoaqui nao possui origem nem destine final, nao pode serfixado, esta sempre em processor "posicionado" ao longo deum espectro. Seu valor politico nao pode ser essencializado,apenas determinado em termos relacionais.

As estrategias de differance nao sao capazes de inaugurarformas totalmente distintas de vida (nao funcionam segundoa nocao de uma "superacao" dialetica totalizante). Naopodem conservar intactas as formas antigas e tradicionaisde vida. Operam melhor dentro daquilo que Homi Bhabhadenomina "tempo Hminar" das minorias (Bhabha, 1997). Con-tudo, a differance impede que qualquer sistema se estabilizeem uma totalidade inteiramente suturada. Essas estrategiassurgem nos vazios e aporias, que constituem sitios potenciaisde resistencia, intervencao e traducao. Nesses intersticios,existe a possibilidade de um conjunto disseminado de moder-nidades vernaculas. Culturalmente, elas nao podem confera mare da tecno-modernidade ocidentalizante. Entretanto,continuam a modular, desviar e "traduzir" seus imperatives apartir da base.10 Elas constituem o fundamento para um novotipo de "localismo" que nao e auto-suficientemente parti-cular, mas que surge de dentro do global, sem ser simples-

"mente um simulacro deste (Hall, 1997). Esse "localismo" naoe um mero residue do passado. E algo novo — a sombra queacompanha a globalizacao: o que e deixado de lado pelofluxo panoramico da globalizacao, mas retorna para perturbare transtornar seus estabelecimentos culturais. E o "exteriorconstitutive" da globalizacao (Laclau e Mouffe, 1985; Butler,1993)- Encontra-se aqui o "retorno" do particular e do especi-fico — do especificamente diferente — no centro da aspi-rac.ao universalista panoptica da globalizacao ao fechamento.O "local" nao possui um carater estavel ou trans-historico.Ele resiste ao fluxo homogeneizante do universalismo comtemporalidades distintas e conjunturais. Nao possui inscrigaopolitica fixa. Pode ser progressista, retrograde ou fundamen-talista — aberto ou fechado — em diferentes contextos (Hall,1993). Seu impulse politico nao e determinado por um con-teudo essencial (geralmente caricaturado como "resistenciada Tradic.ao a modernidade"), mas por uma articulacao comoutras forgas. Ele emerge em muitos locais, entre os quais o

61

mais significante e a migrate planejada ou nao, forcosaou denominada "livre", que trouxe as margens para o centro,o "particular" multicultural disseminado para o centro dametropole ocidental. Somente nesse contexto se pode com-preender por que aquilo que ameaca se tornar o momentode fechamento global do Ocidente — a apoteose de suamissao universalizante global — constitui ao mesmo tempoo momento do descentramento incerto, lento e prolongadodo Ocidente.

AS MARGENS NO CENTRO: O CASO BRITANICO

De que forma o aparecimento extemporaneo das margensno centro — o foco da "questao multicultural" — tornou-seaquilo que Barnor Hesse denomina "forca transruptiva" den-tro da instituicao polftica e social dos estados e sociedadesocidentais?

O caso britanico pode servir como breve exemplo de umargumento mais amplo. A historia nacional pressupoe que aGra-Bretanha tenha side uma cultura homogenea e unificadaate a ocorrencia das migracoes do subcontinente caribenho easiatico no pos-guerra. Esta e uma versao altamente simplistade uma historia complexa (Hall, 1999a, 1999b, 1999c, 1999d).A Gra-Bretanha nao e uma ilha real, que surgiu do Mar doNorte integralmente formada e isolada como um Estado-nacao. Embora "supostamente fixa e eterna", foi constituidaa partir de uma serie de conquistas, invasdes e colonizacoes(Davies, 1999). Fez parte do continente europeu ate o seculoseis a.C.; foi dominada pelos normandos durante seculos ese Hgou inteiramente a Europa ate a Reforma. Passou a existirenquanto Estado-nacao somente a partir do seculo dezoito,em virtude do pacto civil (originado, na verdade, de umasupremacia protestante anglo-saxonica), que uniu culturassignificativamente distintas — a Escocia e o Pals de Gales —com a Inglaterra. O "Decreto de Uniao" com a Irlanda (1801),que culminou na Cisao, jamais logrou integrar o povo irlandesou o elemento celta catolico ao imaginario britanico. A Irlandae a mais antiga "colonia" da Gra-Bretanha e os irlandeses,o primeiro grupo a ser sistematicamente "racializado". Atao proclamada homogeneidade da "britanidade" enquanto

62

cultura nacional tern sido consideravelmente exagerada. Estasempre foi contestada pelos escoceses, gauleses e irlandeses,desafiada por aliancas locals e regionais e dividida porclasse, genero e geracao. Sempre existiram muitas formasdistintas de ser "britanico". A maioria das realizacoes na-cionais — desde a liberdade de expressao e o sufragio uni-versal ate" o Estado do bem-estar social e o Service Nacionalde Saude (NHS) — foram alcancadas as custas de penosaslutas entre um tipo e outro de individuo "britanico". Vistasem retrospecto, essas diferencas radicais foram suavementereintegradas ao tecido homogeneo de um discurso de "brita-nidade" transcendente. A Gra-Bretanha foi tambem o centrodo maior imperio dos tempos modernos, que governou umavariedade de culturas. Essa experiencia imperial moldou pro-fundamente a identidade nacional britanica, seus ideais degrandeza e definiu seu lugar no mundo (C. Hall, 1992). Essarelacao mais ou menos contmua com a "diferenca", situadano amago da coionizacao, projetou o "outro" como elementoconstitutivo da identidade britanica.

Ha uma presenca "negra" na Gra-Bretanha desde o seculodezesseis, uma presenca asiatica, desde o seculo dezoito. Maso tipo e a dimensao da migracao da periferia global de corpara a Gra-Bretanha, que tem questionado seriamente anocao estabelecida de uma identidade britanica e colocadoem pauta a "questao multicultural", constituem um fenomenopos-colonial ou pos-Segunda Guerra Mundial. Historica-mente, surgiu com a chegada do navio S.S. Empire Windrushem 1948, trazendo de volta os caribenhos em servico militarvoluntario e, tambem, os primeiros imigrantes civis cari-benhos, os quais abandonavam as economias em depressaodaquela regiao em busca de uma vida meihor. O fluxo foirapidamente reforcado pelo Caribe, depois pelo subcontinenteasiatico e por asiaticos expulsos da Africa Oriental, junto comafricahos e outros do Terceiro Mundo, ate o fim dos anos70, quando a legislacao de imigracao efetivamente fechouas portas.

As antigas relacoes de coionizacao, escravidao e dominiocolonial, que ligaram a Gra-Bretanha ao Imperio por mais de400 anos, marcaram os rumos seguidos por esses imigrantes.Contudo, essas relacoes historicas de dependencia e subor-dinacao foram reconfiguradas — sob a forma pos-colonial

63

classica — quando reunidas no solo domestico britanico.Na esteira da descolonizacao, disfarcadas na amnesia cole-tiva ou em um sistematico repudio ao "Imperio" (que desceucomo uma Nuvem do Nao-Saber nos anos 60), esse encontrofoi interpretado como "um novo comeco". A maioria do povobritanico olhava esses "filhos do Imperio" como se naopudessem sequer imaginar de onde "eles" vinham, por queou que outra relacao eles poderiam ter com a Gra-Bretanha.

Em geral, os imigrantes encontravam condicoes de moradiaprecarias e empregos mal remunerados e nao especializadpsnas cidades e regioes industrials, ainda em processo de recu-pera£ao da guerra e afetadas pelo declinio vertiginoso dascondicoes economicas na Gra-Bretanha. Atualmente, esses imi-grantes e seus descendentes constituent 7% da populacaobritanica.11 Contudo, eles ja compoem 25% da populacaode Londres e de algumas outras cidades, o que reflete a densi-dade seletiva da fixacao. Eles passaram por todos os processesda exclusao social, sofreram a desvantagem que o racismoIhes impunha [racialized disadvantage], o racismo informale institucionalizado, tao comuns hoje na Europa Ocidentalem face de processes semelhantes que afetam a Franca,Espanha, Portugal, Alemanha, Italia e Grecia. Sua historiapos-guerra tern sido marcada por lutas contra o preconceitoracial, por confrontos com grupos racistas e a policia, bem comopelo racismo institucionalizado e as autoridades publicas queadministram e distribuem diferencialmente os sistemas desuporte dos quais dependem as comunidades imigrantes. Emtermos gerais, a maioria se concentra na extremidade inferiordo espectro social de privacao, caracterizada por altos niveisrelativos de pobreza, desemprego e insucesso educacional. Em1991, menos de dois tercos dos homens e menos da metadedas mulheres em idade economicamente ativa realmentetrabalhavam.

Entretanto, seu posicionamento social e economico temse tornado significativamente mais diferenciado com o passardo tempo (Modood et al., 1997). Alguns indianos, asiaticosda Africa Oriental e chineses, apesar de altamente quali-ficados, tem enfrentado o "teto de vidro" do bloqueio apromocao nos niveis superiores da carreira profissional.As comunidades paquistanesas sao bastante atuantes no setordas pequenas empresas. Contudo, os milionarios asiaticos

nao conseguem esconder o fato de que algumas famfliasindianas e muitas asiaticas ainda vivem em grave condicaode pobreza. Os imigrantes de Bangladesh sao em mediaquatro vezes mais carentes do que qualquer outro grupoidentificavel. As diferencas de genero exercem um papeldecisive. Jovens rapazes afro-caribenhos sao altamente vulne-raveis ao desemprego e ao baixo desempenho educacional,sao desproporcionalmente presentes entre os excluidos daescola e a populacao prisioneira e sao o objeto mais frequentedas detencoes em operacoes de blitz policial. As mulheresafro-caribenhas, no entanto, tem hoje maior mobilidade noemprego, melhores salaries e taxas mais elevadas de partici-pacao na educacao do que as mulheres brancas. O quadronao e mais de privacao uniforme, embora a desvantagemsocioeconomica continue sendo ampla.

Que tipos de "comunidade" esses individuos formam? Suasculturas sao unificadas e homogeneas? Qual o seu relaciona-mento com a sociedade britanica majoritaria? Quais sao asestrategias mais adequadas para sua plena integracao a essasociedade?

O termo "comunidade" (como em "comunidades de minoriasetnicas") reflete precisamente o forte senso de identidadegrupal que existe entre esses grupos. Entretanto, isso podeser algo perigosamente enganoso. Esse modelo e uma ideali-zacao dos relacionamentos pessoais dos povoados compostospor uma mesma classe, significando grupos homogeneos quepossuem fortes lacos internes de uniao e fronteiras bemestabelecidas que os separam do mundo exterior. As chamadas"minorias etnicas" de fato tem formado comunidades culturaisfortemente marcadas e mantem costumes e praticas sociaisdistintas na vida cotidiana, sobretudo nos contextos familiare domestico. Elos de continuidade com seus locals de origemcontinuam a existir. E o que ocorre nas areas densamenteocupadas pelas comunidades afro-caribenhas, tais comoBrixton, Peckham e Tottenham, o bairro de Moss Side emManchester, Liverpool e Handsworth, ou, no caso das comu-nidades asiaticas, locals como Southall, Tower Hamlets, BalsallHeath em Birmingham, Bradford e Leeds. Mas existem aindadiferencas que se negam a ser consolidadas. Os caribenhosdas diferentes ilhas provem de misturas etnicas e raciaismuito distintas, embora todos tendam (erroneamente) a ser

65

vistos como "jamaicanos". Os asiaticos tambem sao tratadoscomo um grupo unico. Pore"m, "apesar de compartilharemaiguns traces culturais, ... [os asiaticos] pertencem a gruposetnicos, religiosos e linguisticos diferenciados e trazemconsigo receios e memorias hist6ricas diferentes" (Parekh,1997). Todas essas comunidades sao etnica e racialmentemiscigenadas e possuem um numero substancial de popu-lae.6es brancas. Nenhuma e segregada em guetos raciais ouetnicos. Sao consideravelmente menos segregadas do que,por exemplo, as minorias nao brancas em muitas cidadesdos Estados Unidos. Assim como ocorre entre a, populacaobranca, os fatores de classe e generos sao altamente respon-saveis pela determinacao de suas posicoes na sociedadebritanica (Brah, 1996; Yuval-Davis, 1997; Phoenix, 1998).Um quadro mais precise teria que partir da complexidadevivida que surge nessas comunidades diasporicas, onde asformas de vida derivadas de suas culturas de origem e deno-minadas "tradicionais" continuam influenciando as autodefi-nicoes comunitarias, embora constantemente operem em todosos niveis ao longo das interacoes cotidianas amplas, juntocom a vida social britanica como um todo.

A manutencao de identidades racializadas, etnico-culturaise religiosas, e obviamente relevante a autocompreensao-dessas comunidades. O fator da "negritude" e decisive paraa identidade da terceira geracao de afro-caribenhos,12 assimcomo e a f e hindu ou muculmana para a segunda geracao decertos asiaticos. Mas certamente essas comunidades naoestao emparedadas em uma Tradicao imutavel. Assim comoocorre na maioria das diasporas, as tradicoes variam deacordo com a pessoa, ou mesmo dentro de uma mesmapessoa, e constantemente sao revisadas e transformadasem resposta as experiencias migratorias. Ha notavel variaclo,tanto em termos de compromisso quanto de pratica, entreas diferentes comunidades ou no interior das mesmas —entre as distintas nacionalidades e grupos linguisticos, noseio dos credos religiosos, entre homens e mulheres ou ge-racoes. Jovens de todas as comunidades expressam certafidelidade as "tradicoes" de origem, ao mesmo tempo em quedemonstram um declmio visivel em sua pratica concreta.

66

Declaram nao uma identidade primordial, mas uma escolhade posicao do grupo ao qual desejam ser associados. Asescolhas identitarias sao mais politicas que antropol6gicas,mais "associativas", menos designadas (Modood et al., 1997).

Portanto, as generalizac,6es se tornam extremamente di-ficeis diante dessa complexidade multicultural. BhikhuParekh, um observador arguto, adota uma definicao/ortede"comunidades etnicas": "As comunidades asiaticas e afro-caribenhas sao etnicas por natureza, isto e, sao fisicamentediferenciaveis, ligadas por lacos sociais derivados de cos-tumes, linguas e praticas intermatrimoniais compartilhadas;possuem historia, memorias coletivas, origens geograficas,visoes de mundo e modos de organiza^ao social proprios."Contudo, ele reconhece que

ao contrSrio da impressao popular, grandes modificanoesestao ocorrendo nas comunidades etnicas e cada famflia temse tornado um terreno de lutas reprimidas ou explosivas. Emcada familia, marido e inulher, pais e filhos, irmaos e irmasestao tendo que renegociar e redefinir seus padroes de rela-cionamento, de acordo com seus valores tradicionais e comaqueles caracteristicos do pais adotado. Cada familia chegaas suas proprias conclusoes experimentais... (Parekh, 1991)

Portanto, e um erro fundamental confundir suas formasdiasporicas com uma vagarosa transic.ao para a assimilacaocompleta (uma ideia decisivamente deixada de lado, na Gra-Bretanha pelo menos, durante os anos 70). Elas representamuma nova configuracao cultural — "comunidades cosmopo-Htas" — marcadas por amplos processes de transculturacao(Pratt, 1992). Por sua vez, tem causado um impacto macic.o epluralizante sobre a vida social publica e privada na Gra-Bretanha, transformando literalmente muitas das cidadesbritanicas em metropoles multiculturais. Essas comunidadesse destacaram no breve fenomeno do Novo Trabalhismoconhecido como Cool Britannia.™ Um sinal de que elasultrapassaram as categorias do senso comum e o fato de queservem de exemplo de um "senso de comunidade" que asociedade liberal supostamente perdeu e, ao mesmo tempo,sao os significantes mais avancados da experiencia metropo-litana do pos-moderno urbano!

67

O leitor pode discordar de detalhes do processo acimadescrito (que, necessariamente, e generalizado e abstrato).Contudo, a menos que o quadro fundamental seja questio-nado substancialmente, vale a pena refletir a respeito dasenormes consequencias dis- ou (como coloca Barnor Hesse)"transruptivas" desses desdobramentos para uma estrategiaou abordagem politica a questao multicultural. O restantedeste ensaio se ocupa em tra^ar alguns desses efeitos trans-ruptivos.

PERTURBANDO A LINGUAGEM DE"RAfA" E "ETNIA"

O primeiro desses impactos e o que atua sobre categoriasde "raca" e "etnia". O surgimento da questao multiculturalproduziu uma "racializacao" diferenciada de areas centraisda vida e cultura britanicas.H Cada vez mais, os britanicostern sido obrigados a pensar sobre si mesmos e suas relacoescom os outros no Reino Unido em termos raciais. A etnici-dade tambem foi incluida no vocabulario domestico brita-nico. Enquanto na mentalidade norte-americana os EstadosUnidos constituem uma sociedade composta de etnias, aGra-Bretanha (embora diversa em suas origens) sempreaplicou o termo aos outros em geral — o "ser britanico"constitui um significante vazio, a norma em relacao a qual a"diferenca" (etnicidade) e mensurada. A crescente visibili-dade das comunidades etnicas, junto com os movimentos porgovernos regionais mais autonomos, questionou a "homoge-neidade" da cultura britanica e do "ser ingles" enquantoetnia, trazendo a questao multicultural para o centro da crisede identidade nacional. •

Claro que o "ser britanico" enquanto categoria sempre foiracializado — quando e que deixou de conotar a "branqui-tude"? Mas esse fato sempre foi cuidadosamente isolado dodiscurso nacional, popular ou academico. Tem-se feito umesforco para que a questao da "raca" seja reconhecida comseriedade na teoria politica em geral, no pensamento jorna-listico e academico.15 Esse silencio esta sendo rompido amedida que esses termos se impoem sobre a consciencia

68

publica. Sua crescente visibilidade constitui, inevitavelmente,um processo dificil e pesado. Alem do mais, encontramosagora "raca" entre parenteses, "raca" sob rasura, "raca" emuma nova configurable com etnicidade. Esse deslocamentoepistemico constitui um dos efeitos mais transruptivos domulticultural.

Entre as duas maiores comunidades pos-migratorias naobrancas na Gra-Bretanha, o termo "raca" 6 aplicado geralmenteaos afro-caribenhos e "etnicidade" aos asiaticos. Na verdade,esses termos fornecem um mapeamento bem grosseiro dessascomunidades. Considera-se que a "raca" traduza melhor aexperiencia afro-caribenha por causa da importancia da corda pele, uma ideia derivada da biologia. O espectro de corentre os afro-caribenhos e extremamente amplo — resultanteda intensa miscigenagao da sociedade colonial caribenha eseculos de "transculturacao" (Ortiz, 1940; Brathwaite, 1971;Glissant, 1981; Pratt, 1992). Os asiaticos nao constituem deforma alguma uma "raca", nem tampouco uma unica "etnia".A nacionalidade e frequentemente tao importante quanto aetnia. Os indianos, os paquistaneses, os oriundos de Bangla-desh e Sri Lanka, os ugandenses, os quenianos e os chinesessao perpassados por diferencas regionais, urbano-rurais,culturais, etnicas e religiosas.

Conceitualmente, a categoria "raca" nao e cientifica. Asdiferencas atribuiveis a "raca" numa mesma populacao saotao grandes quanto aquelas encontradas entre populacoesracialmente definidas. "Raga" e uma construcao politica esocial. E a categoria discursiva em torno da qual se orga-niza um sistema de poder socioeconomico, de exploracao eexclusao — ou seja, o racismo. Contudo, como pratica discur-siva, o racismo possui uma logica propria (Hall, 1994). Tentajustificar as diferencas socials e culturais que legitimam aexclusao racial em termos de distincoes geneticas e biolo-gicas, isto e, na natureza. Esse "efeito de naturalizacao"parece transformar a diferenca racial em um "fato" fixo ecientifico, que nao responde a mudanca ou a engenhariasocial reformista. Essa referenda discursiva a natureza e algoque o racismo contra o negro compartilha com o anti-semi-tismo e com o sexismo (em que tambem "a biologia £ o des-tino"), porem, menos com a questao de classe. O problema e

69

que o nivel genetico nao e imediatamente visivel. Dai que,nesse tipo de discurso, as diferencas geneticas (supostamenteescondidas na estrutura dos genes) sao "materializadas" epodem ser "lidas" nos significantes corporals vislveis e facil-niente reconheciveis, tais como a cor da pele, as caracteris-ticas fisicas do cabelo, as feicoes do rosto (por exemplo, onariz aquilino do judeu), o tipo fisico e etc., o que permiteseu funcionamento enquanto mecanismos de fechamentodiscursivo em situacoes cotidianas.16

Ja a "etnicidade" gera um discurso em que a diferenca sefunda sob caracteristicas culturais e religiosas. Nesses termos,ela freqiientemente se contrapoe a "raca". Porem, essa opo-sicao binaria pode ser delineada de forma muito simplista.O racismo biologico privilegia marcadores como a cor da pele.Esses significantes tern sido utilizados tambem, por extensaodiscursiva, para conotar diferencas sociais e culturais. A"negritude" tern funcionado como signo da maior proximidadedos afro-descendentes com a natureza e, consequentemente,da probabilidade de que sejam preguicosos e indolentes, deque Ihes faltem capacidades intelectuais de ordem mais ele-vada, sejam impulsionados pela emocao e o sentimento emvez da razao, hipersexualizados, tenham baixo autocontrole,tendam a violencia etc. Da mesma forma, os estigmatizadospor razoes etnicas, por serem "culturalmente diferentes" e,portanto, inferiores, sao tambem caracterizados em termosfisicos (embora talvez nao tao visivelmente quanto os negros),sustentados por estereotipos sexuais (os negros seriam exces-sivamente masculinizados, os orientals afeminados etc.)- Oreferente biologico nunca opera isoladamente, porem nuncaesta ausente, ocorrendo de forma mais indireta nos discursosde etnia. Quanto maior a relevancia da "etnicidade", mais assuas caracteristicas sao representadas como relativamentefixas, inerentes ao grupo, transmitidas de geracao em geracaonao apenas pela cultura e a educac.ao, mas tambem pelaheranca biologica, inscrita no corpo e estabilizada, sobre-tudo, pelo parentesco e pelas regras do matrimonio endo-gamo, que garantem ao grupo etnico a manutencao de sua"pureza" genetica e, portanto, cultural. A "etnicidade" econstruida por caracteristicas "fisicamente distinguiveis ...oriundas ... [da] pratica do casamento end6geno" (Parekh,1991). Em suma, a articulacao da diferenca com a natureza

70

(o biologico e o genetico) esta presente no discurso da etnia,mas e deslocada pelo parentesco e o casamento endogeno.

Assim, tanto o discurso da "raca" quanto o da "etnia"funcionam estabelecendo uma articulacao discursiva ou urna"cadeia de equivalencias" (Laclau e Mouffe, 1985) entre oregistro sociocultural e o biologico, fazendo com que as dife-rencas em um sistema de significados sejam inferidas atravesde equivalemes em outra cadeia (Hall, 1990). Portanto, oracismo biologico e a discriminagao cultural nao constituemdois sistemas distintos, mas dois registros do racismo. Namaioria das vezes, os discursos da diferene.a biologica ecultural estao em jogo simultaneamente. No anti-semitismo,os judeus eram multiplamente racializados por razoes biolo-gicas, culturais e religiosas. Como argumenta Wieviorka, oracismo existe "onde ha uma associacao dessas duas prin-cipals estrategias, cuja combinacao peculiar depende dasespecificidades da experiencia, do momento historico e dapreferencia individual" (Wieviorka, 1995). Portanto, parecemais apropriado falar nao de "racismo" versus "diferencacultural", mas de "duas logicas" do racismo.17

Parece haver tres razoes para a atual confusao conceitual.A primeira delas e empirica. Os imigrantes afro-caribenhos— vistos basicamente em termos raciais — chegaram primeiroa Gra-Bretanha. Os asiaticos, caracterizados pela diferencacultural e religiosa, chegaram mais tarde e so depois setornaram visiveis enquanto "problema". Nos anos 70, aslutas anti-racismo empreendidas pelos dois grupos tendiama se unificar sob a afirmacao de uma identidade "negra", defi-nida pelo compartilhamento da diferenca racial em relacao asociedade branca. Entretanto, disso resultou o inesperadoprivilegio da experiencia afro-caribenha sobre a asiatica.Quanto mais evidente se tornava a "politica de reconheci-mento" (Taylor, 1994), enfatizando o direito a diferenca cul-tural, mais as duas trajetorias se distanciavam. "Negro" setornou a descricao mais comum dos afro-descendentes,enquanto os asiaticos tenderam a voltar a usar termos deidentificacao etnica especificos. Dai a atual descricao ano-mala — "negro asiatico" — que combina "raga" e "etnici-dade". Em segundo lugar, ha muitas outras situacoes nomundo em que a etnicidade, e nao a "raca", tern sido foco deviolentos conflitos de exclusao (por exemplo, na Indonesia,

71

Sri-Lanka, Ruanda, B6snia e Kosovo). Em terceiro lugar,tern havido um aumento significative da discriminacao eda exclusao baseadas na religiao ou em um forte compo-nente religiose (Richardson, 1999), em particular contra ascomunidades muculmanas, relacionado a politizacao mundialdo Isla. Alguns autores creem que um multiculturalismo foca-lizado sobre o racismo biologico, e nao sobre uma diferen-ciacao cultural, ignora essa dimensao religiosa (por exemplo,Modood et al., 1997).

Nos anos 80, alguns criticos observaram um declinio noracismo de base biologica e um aumento do "novo racismocultural" (Barker, 1981). Modood de fato menciona um "retrai-mento do racismo de cor" e um "reforco [do] racismo culturalem micro escala" na Gra-Bretanha. Nao se sabe se os atuaisacontecimentos sustentam empiricamente essa contagem (osataques racistas as famllias asiaticas e as violentas agressoesde rua aos jovens negros continuam com toda forca) ou se eutil trocar uma coisa pela outra dessa forma. O que parecemais apropriado e uma concepcao mais ampla do racismo,que reconheca a forma pela qual, em sua estrutura discur-siva, o racismo bio!6gico e a discriminacao cultural sao arti-culados e combinados. Essas duas "logicas" estao semprepresentes, embora sofram combinacoes diferentes e sejampriorizadas distintamente, de acordo com o contexto ou emrelacao a diferentes populacoes subjugadas. Evidentementeas historias do fechamento racial e etnico variam bastantede acordo com o lugar (por exemplo, nos Estados Unidos ena Gra-Bretanha), emergem em momentos distintos e sobformas diferentes, e exercem diferentes impactos politicos esociais. Nao devem ser homogeneizadas. Entretanto, a fusaodos discursos de inferiorizacao biol6gica e cultural pareceser uma caracteristica definidora do "momento multicultural".18

Uma vez que "negro" — antes um epiteto negative —•tornou-se um termo de identificacao cultural positive (Bonnett,1999), pode-se falar aqui de uma "etmzacao" de "raca".19 Aomesmo tempo, a diferenca cultural adquiriu um significadomais violento, politizado e contestatario, que se pode pensarcomo a "racializacao" da etnicidade (por exemplo, "limpezaetnica"). Consequentemente, colocam-se na agenda do multi-culturalismo britanico duas demandas politicas relacionadas,

72

mas distintas, as quais tinham sido consideradas incompa-tiveis, mutuamente excludentes ate entao: a demanda (contraum racismo diferenciado) por igualdade social e justica racial;e a demanda (contra um etnocentrismo universalizante) peloreconhecimento da diferenga cultural. Voltaremos a impor-tancia politica dessa dupla demanda logo abaixo.

DESESTABILIZANDO A CULTURA

O segundo efeito transruptivo e aquele que "a questaomulticultural" exerce sobre a compreensao da cultura. Aoposicao binaria, derivada do Iluminisrno — Particularismoversus Univeraalismo, Tradicao versus Modernidade —produz uma forma especifica de compreensao da cultura.Trata-se das culturas distintas, homogeneas, auto-suficientes,fortemente aglutinadas das chamadas sociedades tradicionais.Nessa definicao antropologica, a tradicao cultural saturacomunidades inteiras, subordinando os individuos a formasde vida sancionadas comunalmente. Isto e contraposto a "cul-tura da modernidade" — aberta, racional, universalista eindividualista. Nesta, os vinculos culturais particulares devemser deixados de lado na vida publica — sempre proclamadospela neutralidade do estado civil — para que o individuofique formalmente livre para escrever seu proprio script.Considera-se que essas caractensticas sao fixadas por seusconteudos essencializados. A ideia de que a sociedade liberalpoderia agir de maneira "fundamentalista" ou que o "tradi-cionalismo", digamos, do Isla poderia combinar formasmodernas de vida parece uma contradicao em termos. Atradicao e representada como se fosse fixada em pedra.20

Entretanto, desde o comeco do "projeto" global doOcidente no fim do seculo quinze, o binarismo Tradicao/Modernidade tern sido progressivamente minado. As culturastradicionais colonizadas permanecem distintas: mas elas inevi-tavelmente se tornaram "recrutas da modernidade".21 Podemser mais fortemente delimitados que as chamadas socie-dades modernas. Mas nao sao mais (se e que ja foram) enti-dades organicas, fixas, autonomas e auto-suficientes. Comoresultado da globalizacao em seu sentido historico amplo,

73

muitas delas se tornaram formacoes mais "hibridas". A tradicaofunciona, em geral, menos como doutrina do que como reper-tories de significados. Cada vez mais, os individuos recorrem aesses vinculos e estruturas nas quais se inscrevem para darsentido ao mundo, sem serem rigorosamente atados a elesem cada detaihe de sua existencia.22 Eles fazem parte de umarelacao dialogica mais ampla com "o outro". As culturaspre-coloniais foram — em graus bem distintos — sucessi-vamente convocadas globalmente sob a rubrica da moder-nidade capitalista ocidental e do sistema imperial, sem queseus tracos distintivos fossem inteiramente apagados. Isso Ihespermitiu — conforme C. L. R. James uma vez comentou sobreos caribenhos — "estar dentro da Europa sem ser dela". Comoobservou Aijaz Ahmad (que nao e um aliado natural da inte-lligentzia hibridizante): "A fertilizacao cruzada das culturastern sido endemica a todos os movimentos populacionais ...e todos esses movimentos na historia tern envolvido viagem,contato, transmutacao, hibridizacao de ideias, valores e normascomportamentais." (Ahmad, 1995).

Um termo que tern sido utilizado para caracterizar asculturas cada vez mais mistas e diasporicas dessas comuni-dades e "hibridismo". Contudo, seu sentido tern sido comu-mente mal interpretado.23 Hibridismo nao e uma referencia acornposicao racial mista de uma populacao. E realmenteoutro termo para a logica cultural da tradugdo. Essa logicase torna cada vez mais evidente nas diasporas multiculturaise em outras comunidades minoritarias e mistas do mundopos-colonial. Antigas e recentes diasporas governadas poressa posicao ambivalente, do tipo dentro/fora, podem serencontradas em toda parte. Ela define a logica culturalcomposta e irregular pela q.ual a chamada "modernidade"ocidental tern afetado o resto do mundo desde o inicio doprojeto globalizante da Europa (Hall, 1996a).

O hibridismo nao se refere a individuos hibridos, quepodem ser contrastados com os "tradicionais" e "modernos"como sujeitos plenamente formados. Trata-se de um pro-cesso de traducao cultural, agonistico uma vez que nunca secompleta, mas que permanece em sua indecidibilidade.

Nao e simplesmente apropriacao ou adaptacao; e um processoatraves do qual se demanda das culturas uma revisao de seus

74

pr6prios sistemas de referencia, normas e valores, pelo distan-ciamento de suas regras habituais ou "inerentes" de transfor-macao. Ambivalencia e antagonismo acompanham cada ato detraducao cultural, pois o negociar com a "diferenc.a do outro"revela uma insuficiencia radical de nossos proprios sistemasde significado e significacao. (Bhabha, 1997)

Em suas muitas variantes, a "tradicao" e a "traducao" sao combi-nadas de diversas formas (Robbins, 1991). Nao e simplesmentealgo celebrativo, pois implica em profundos e impeditivoscustos, derivados de suas multiplas formas de deslocamentoe habitacao (Clifford, 1997). Como sugeriu Homi Bhabha, ohibridismo significa um

momento ambiguo e ansioso de ... transicao, que acompanhanervosamente qualquer modo de transformacao social, sem a_promessa de um fechamento celebrativo ou transcendenciadas condicoes complexas e ate conflituosas que acompanhamo processo ... [Ele] insiste em exibir ... as dissonancias a serematravessadas apesar das relacoes de proximidade, as disjuncoesde poder ou posicao a serem contestadas; os valores eticos eesteticos a serem "traduzidos", mas que nao transcenderaoincolumes o processo de transferencia. (Bhabha, 1997)

Entretanto, e tambem "como a novidade entra no mundo"(Rushdie, 199D-

A ideia de cultura implicita nas "comunidades de minoriaetnica" nao registra uma relacao fixa entre Tradigao e Moder-nidade. Nao permanece no interior de fronteiras unicas nemtranscende fronteiras. Na pratica, ela refuta esses binarismos.24

Necessariamente, sua nocao de "comunidade" inclui umaampla gama de praticas concretas. Alguns individuos perma-necem profundamente comprometidos com as praticas evalores "tradicionais" (embora raramente sem uma modulacaodiasporica). Para outros, as chamadas identificacoes tradi-cionais tern sido intensificadas (por exemplo, pela hostilidadeda comunidade hospedeira, pelo racismo ou pelas mudancasnas condicoes de vida mundiais, tais como a maior proemi-nencia do Isla). Para outros ainda, a hibridizacao esta muitoavancada — mas quase nunca num sentido assimilacionista.Esse e um quadro radicalmente deslocado e mais complexoda cultura e da comunidade do que aqueles inscritos na

75

literatura socio!6gica ou antropologica convencional. O "hibri-dismo" marca o lugar dessa incomensurabilidade.

Em condicoes diasporicas, as pessoas geralmente saoobrigadas a adotar posicoes de identificacao deslocadas, mul-tiplas e hifenizadas. Cerca de dois tercos dos oriundos decomunidades minoritarias, quando perguntados no QuartoCenso Nacional de Minorias Etnicas se eles se consideravam"britanicos", responderam que sim, embora tambem sentissem,por exemplo, que ser britanico e paquistanes nao era algoconflituoso em suas mentes (Modood et al., 1997). Negro-e-britanico ou asiatico-britanico sao identidades as quais osjovens respondem cada vez mais. Algumas mulheres, que acre-ditam que suas comunidades tern o direito de ter suas dife-rencas respeitadas, nao desejam que suas vidas enquantomulheres, que seus direitos a educacao e as escolhas matrimo-niais, sejam governados por normas reguladas e policiadaspela comunidade. Mesmo quando se trata dos setores maistradicionalistas, o principio da heterogeneidade continua aoperar fortemente. Nesses termos, entao, o perito contadorasiatico, de terno e gravata, tao vividamente invocado porModood (1998), que mora no suburbio, manda seus filhospara a escola particular e le Selecoes e o Bhagavad-Gita; ou oadolescente negro que e um DJ de um salao de baile, tocajungle music mas torce para o Manchester United; ou o alunomuculmano que usa calca jeans larga, em estilo hip-hop, derua, mas nunca falta as oracoes da sexta-feira, sao todos, deformas distintas, "hibridizados". Se eles retornassem a suascidadezinhas de origem, o mais tradicional deles seria consi-derado "ocidentalizado" — senao irremediavelmente diaspo-rizado. Todos negociam culturalmente em algum ponto doespectro da differance, onde as disjuncoes de tempo, geragao,espacializacao e disseminacao se recusam a ser nitidamentealinhadas.

DESESTABILIZANDO AS FUNDAgOES DOESTADO CONSTITUCIONAL LIBERAL

Um terceiro efeito transruptivo da "questao multicultural"e seu questionamento dos discursos dominantes da teoria

76

politica ocidental e as fundacoes do Estado liberal. Em faceda disseminacao de diferencas instaveis, o debate estabele-cido entre liberals e comunidades, que hoje domina a tra-dicao politica ocidental, tern sido seriamente perturbado.

O universalismo pos-iluminista, liberal, racional e huma-nista da cultura ocidental parece nao menos significante histo-ricamente, mas se torna menos universal a cada momento.Muitas grandes ideias — liberdade, igualdade, autonomia,democracia — foram aperfeicoadas na tradic.ao liberal. Entre-tanto, e evidente que o liberalismo hoje nao e "a culturaalem das culturas", mas a cultura que prevaleceu: aqueleparticularismo que se universalizou com exito e se tornouhegemonico em todo o globo. Seu triunfo ao praticamenteestabelecer os limites do dorninio "da politica" nao foi, emretrospecto, o resultado de uma desinteressada conversao emmassa & Regra da Razao Universal, mas algo mais proximo aum tipo de "jogo" de poder-conhecimento mais mundano efoucaultiano. Ja houve no passado criticas teoricas ao lado"tenebroso" do projeto Iluminista. Mas a "questao multicul-tural" foi a que mais efetivamente conseguiu revelar seudisfarce contemporaneo.

A cidadania universal e a neutralidade cultural do estadosao as duas bases do universalismo liberal ocidental. E claroque os direitos de cidadania nunca foram universalmenteaplicados — nem aos afro-americanos pelas maos dos PaisFundadores dos EUA nem aos sujeitos colonials pelo governoimperial. Esse vazio entre ideal e pratica, entre igualdadeformal e igualdade concreta, entre liberdade negativa e posi-tiva, tem assombrado a concepcao liberal de cidadania desdeo inicio. Quanto a neutralidade cultural do estado liberal,seus avancos nao devem ser levianamente descartados. Atolerancia religiosa, a liberdade de expressao, o estado dedireito, a igualdade formal e a legalidade processual, osufragio universal — embora contestados — sao realizacoespositivas. Entretanto, a neutralidade do Estado funcionaapenas quando se pressupoe uma homogeneidade culturalampla entre os governados. Essa presuncao fundamentouas democracias liberais ocidentais ate recentemente. Sob asnovas condicoes multiculturais, entretanto, essa premissaparece cada vez menos valida.

77

A alegaeao e de que o Estado liberal perdeu sua cascaeitnico-particularista e emergiu em sua forma civica, universa-lista e culturalmente purificada. A Gra-Bretanha, entretanto,como todos os nacionalismos civicos, nao e" apenas umaentidade soberana em termos politicos e territorials, mas etambem uma "comunidade imaginada". Este ultimo constituio foco de identificacao e pertencimento. Ao contrario do quese supoe, os discursos da nac.ao nao refletem um estadounificado ja alcangado. Seu intuito e forjar ou construir umaforma unificada de identificacao a partir das muitas dife-rencas de classe, genero, regiao, religiao ou localidade, quena verdade atravessam a nacao (Hall, 1992; Bhabha, 1990).Para tanto, esses discursos devem incrustar profundamente eenredar o chamado estado "civico" sem cultura, para formaruma densa trama de significados, tradicoes e valores culturaisque venham a representar a nacao. E somente dentro da culturae da representacao que a identificacao com esta "comunidadeimaginada" pode ser construida,

Todos os modernos Estados-nagao liberals combinam achamada forma civica racional e reflexiva de alian£a ao estadocom uma alianca intuitiva, instintiva e etnica a nacao. Essaformacao heterogenea, o "ser britanico", funde o Reino Unido,a entidade politica, como uma "comunidade imaginada".Conforme observou o grande patriota, Enoch Powell: "A vidadas nacoes, nao menos que a dos homens [sic], e vivida emgrande parte na mente." As fundacoes racionais e constitu-cionais da Gra-Bretanha ganham significado e textura de vidaatraves de um sistema de representacao cultural. Elas sesustentam nos costumes, habitos e rituais do dia-a-dia, nosc<5digos e convencoes sociais, nas versoes dominantes demasculine e feminino, na memoria socialmente construidados triunfos e desastres nacionais, nas imagens, nas pai-sagens imaginadas e distintas caracteristicas nacionais queproduzem a ideia de "Gra-Bretanha". Esses aspectos nao saode menor importancia por terem sido "inventados" (Hobsbawme Ranger, 1993). Embora a nacao constantemente se reinvente,ela e representada como algo que existe desde as origensdos tempos (Ver Davis, 1999). Mas nao decorre do fato desua fundacao em particularidades culturais bem distintas queo Estado "universal" nao seja outra coisa senao um playgroundde definicoes concorrentes do bem. O que nao se pode mais

78

sustentar, face a "questao multicultural", e o contraste binarioentre o particularismo da demanda "deles" por reconhecimentoda diferenca versus o universalismo da "nossa" racionali-dade civica.25

Na verdade, a tao proclamada homogeneidade da culturabritanica tern sido bastante exagerada. Sempre existirammaneiras muito distintas de "ser britanico". A Gra-Bretanhasempre foi profundamente marcada por clivagens de genero,classe e regiao. Grandes diferencas de poder material ecultural entre os diferentes "reinos" do Reino Unido foramencobertas pela hegemonia dos ingleses sobre os demais oudo "ser ingles" sobre o "ser britanico". Os irlandeses nuncapertenceram propriamente. Os pobres sempre foram excluidos.A maioria da populacao so adquiriu o direito de voto no iniciodo seculo vinte. A isso se deve acrescentar a crescente diver-sidade cultural da vida social britanica. Os efeitos da globali-zacao, o declinio das fortunas economicas britanicas e de suaposicao no mundo, o fim do Imperio, as pressoes cada vezmaiores pela delegacao de governo e poder as regioes, e odesafio da Europa, tudo isso desestabeleceu a chamadahomogeneidade britanica, produzindo uma profunda crisena identidade nacional. Ha ainda o ritmo surpreendente dopluralism© social e das mudancas tecnologicas e economicas,que abalaram as relac.6es de classe e genero tradicionais,transformaram a sociedade britanica em um lugar menosprevisivel, e constituem fontes de macic.a diversidade internana vida social.26 Hoje em dia e raro haver algum consensonacional significative sobre quaisquer assuntos sociaiscriticos, sobre os quais ha profundas diferencas de opiniao ede experiencia vivida. As pessoas pertencem a varias "comu-nidades" sobrepostas que por vezes exercem pressoescontrarias. A Gra-Bretanha constitui uma sociedade "multi-culturalmente diversa" mesmo antes de se considerar oimpacto gerado pelas comunidades multietnicas do periodopos-migratorio. Realmente, parece que estas sao as porta-doras simbolicas de um padrao complexo de mudanca,diversificacao e "perda", do qual sao apenas o mais conve-niente bode expiatorio.

A questao multicultural tern ajudado a desconstruir al-gumas outras incoerencias do Estado constitucional liberal.Acredita-se que a "neutralidade" do Estado liberal (isto e, o

79

fato de que este e representado como se nao buscasse naesfera publica nenhuma no£ao particular do "bem") garante aautonomia pessoal e a liberdade do individuo de buscar suapropria concepejio do "bem", contanto que isso seja feito nodominio privado. A ordem legal eticamente neutra do Estadoliberal depende, assim, da estrita separacao entre as esferaspublica e privada. Mas isso e algo cada vez mais dificil de secumprir de forma estavel. A lei e a politica intervem cada vezmais no chamado dominio privado. Julgamentos publicosse justificam a partir do dominio privado. Com o pos-femi-nismo, podemos compreender melhor como o contratosexual sustenta o contrato social. Dominios como a familia,a sexualidade, a saude, a alimentacao e o vestuario, que antespertenciam fundamentalmente ao dominio privado, torna-ram-se parte de um ampliado campo publico e politico decontestacao. As claras distincoes entre as esferas domestica ea publica nao se sustentam, principalmente apos a entradaem massa das mulheres e das atividades "privadas" antesassociadas ao domestico. Em toda parte, o "pessoal" tornou-se"politico".

Aquilo que Michael Walzer chamou de "Liberalismo 1"constitui um dos grandes sistemas discursivos do mundomoderno, que praticamente tomou conta da teoria politica,em tempos recentes. Somente uma definicao fragil da culturae uma no?ao altamente atenuada de direitos coletivos saocompativeis com a enfase individualista situada no centrodessa concepcao liberal de mercado.27 Ela nao reconhece oquanto o individuo e o que Taylor (1994) denominou "dia-logico" — nao no sentido binario do dialogo entre doissujeitos ja constituidos, mas no sentido de sua relacao comoutro ser fundamentalmente constitutive do sujeito, que podese posicionar como uma "identidade" somente em relacao comaquilo que a ele falta — seu outro, seu "exterior constitutive"(Lacan, 1977; Laclau e Mouffe, 1985; Butler, 1993). A vidaindividual significativa esta sempre incrustada em contextosculturais e e somente dentro destes que suas "escolhas Hvres"fazem sentido.

Do ponto de vista normative, a integridade da pessoa fisicanao pode ser garantida sem a protecao das experienciascompartilhadas intersubjetivamente, bem como dos contextos

80

de vida nos quais a pessoa foi socializada e formou sua iden-tidade. A identidade do individuo esta entrela^ada as identi-dades coletivas e pode ser estabilizada apenas em uma redecul tu ra l que, tal como a lingua materna, nao pode serapropriada como propriedade privada. Consequentemente,o individuo permanece na qualidade de portador de "direitosa participacao cultural". (Habermas, 1994)

Na pratica, sob a pressao da diferenca multicultural, algunsEstados constitucionais ocidentais como a Gra-Bretanha ternsido obrigados a adotar aquilo que Walzer denomina Libera-lismo 2, ou aquilo que, no vocabulario menos restrito daEuropa, se chamaria de programa reformista da "socialdemocracia".28 O Estado reconhece formal e publicamenteas necessidades sociais diferenciadas, bem como a crescentediversidade cultural de seus cidadaos, admitindo certosdireitos grupais e outros definidos pelo individuo. O Estadoteve que desenvolver estrategias de redistribuicao atraves deapoio publico (como programas de acao afirmativa, legis-lacao que garanta igualdade de oportunidades, fundospublicos de compensacao e um estado de bem-estar socialpara grupos em desvantagem etc.), ate mesmo para garantir aigualdade de condicoes tao cara ao liberalismo formal. Terntransformado em lei algumas definicoes alternativas do "bemviver" e iegalizado certas "excecoes" por razoes essencialmenteculturais. Por exemplo, ao reconhecer os direitos dos Sikhsde usar turbantes sem suspender as obrigacoes dos empre-gadores quanto a regulamentos de saude e seguranca ou aoaceitar como legais os casamentos consensualmente arranjados,mas declarando coercitiva e, portanto, ilegal, a imposicaode matrimonios arranjados sem o consentimento da mulher— ao fazer isso, a lei britanica avancou na pratica rumo aoequilibrio entre o pluralismo cultural, definido em relagaoas comunidades, e as concepfdes liberals de liberdade dosujeito individual.29 Na Gra-Bretanha, entretanto, esse movi-mento tern sido gradativo e incerto, desde o desgaste docompromisso do Novo Trabalhismo com a previdencia social:uma resposta acidental a crescente visibilidade e presencadas comunidades etnicas no amago da vida britanica. Eleconstitui uma especie de "deriva multicultural" (Hall, 1999a).

81

ALEM DOS VOCABULARJOS POLITICOSCONTEMPORANEOS

O que seria necessario para tornar essa "deriva" um movi-mento sustentado, um esforco conjunto de vontade politica?Em outras palavras, que premissas podem haver por tras deuma forma radicalmente distinta de multiculturalismo brita-nico? Este teria que ser fundado nao em uma nocao abstratade nacao e comunidade, mas na analise do que a "comuni-dade" realmente significa e como as diferentes comunidadesque hoje compoem a nacao interagem concretamente. Aotratar das origens da desvantagem, ele teria que levar emconta o que estamos chamando de "dois registros do racismo"— a interdependencia do racismo biologico e da diferen-ciacao cultural. O compromisso de expor e confrontar oracismo em quaisquer de suas formas teria que se tornar umobjetivo positive e uma obrigac.ao estatutaria do governo, doqual sua propria reivindicagao de legitimidade representa-tiva dependeria. Teria que tratar da dupla demanda politics,que advem da interacao entre as desigualdades e injusticasgritantes proveniences da falta de igualdade concreta, e aexclusao e inferiorizaclo decorrentes da falta de reconheci-mento e da insensibilidade a diferen^a. Finalmente, em vezde constituir uma estrategia para melhorar a sorte apenas dasminorias raciais ou "etnicas", esta teria que ser uma estra-tegia que rompesse com a I6gica majoritaria e tentasse recon-figurar ou reimaginar a nacao como um todo de uma formaradicalmente pos-nacional (Hall, 1999b).

A dupla demanda por igualdade e diferenca parece exceder oslimites dos nossos atuais vocabularies politicos. O liberalismovem sendo incapaz de se conciliar com a diferenca culturalou garantir a igualdade e a justifa para os cidadaos minori-tarios. Em contrapartida, os comunitaristas afirmam que, jaque o eu nao pode prescindir de seus fins, as concepgoesdo "bem viver" incrustadas na comunidade deveriam serpriorizadas sobre as individuais. Os pluralistas culturaisfundamentam essa ideia em uma definiyao muito forte decomunidade: "culturas distintas que encarnam conceitoscarregados de associates e memorias historicas ... que moldamsua compreensao e abordagem do mundo e constituentculturas de comunidades distintas e coesas" (Parekh, 1991).

82

Como tentamos demonstrar, as comunidades etnicas mino-ritarias nao sao atores coletivos integrados de uma forma queIhes permita se tornarem sujeitos oficiais de direitos comuni-tSrios integrals. A tentacao de essencializar a "comunidade"tern que ser resistida — e uma fantasia de plenitude emcircunstancias de perda imaginada. As comunidades migrantestrazem as marcas da diaspora, da "hibridizacao" e da differanceem sua propria constituicao. Sua integra9ao vertical a suastradicoes de origem coexiste como vinculos laterals estabe-lecidos corn outras "comunidades" de interesse, pratica easpirac.ao, reais ou simbolicos. Os membros individuais, prin-cipalmente as geracoes mais jovens, sao atraidos por forcascontraditorias. Muitos "estabelecem" seus proprios acordosou os negociam dentro e fora de suas comunidades. As mulhe-res que respeitam as tradigoes de suas comunidades se sen-tern livres para desafiar o carater patriarcal destas, bem comoo chauvinismo da autoridade ali exercida. Outras se sentembem, se conformando. Outras ainda, mesmo nao querendotrocar identidades, insistem em seu direito individual deconsentir e, quando nao ha consentimento, em seu direito asair da comunidade corretamente reivindicando o apoio dosistema judiciario e de outras agendas sociais para que oexercicio daquele direito se torne efetivo.30 O mesmo aconte-ce com a dissidencia politica e religiosa.

Assim, ao se fazer um movimento em direc.ao a maior diver-sidade cultural no amago da modernidade deve-se ter cuidadopara nao se reverter simplesmente a novas formas de fecha-mento etnico. Deve-se ter em mente que a "etnicidade" e suarelacao naturalizada com a "comunidade" e outro termo queopera "sob rasura". Todos nos nos localizamos em vocabu-laries culturais e sem eles nao conseguimos produzir enun-ciagoes enquanto sujeitos culturais. Todos nos nos originamose falamos a partir de "algum lugar": somos localizados — eneste sentido ate os mais "modernos" carregam tragos de uma"etnia". Como Laclau argumenta, parafraseando Derrida, nosso podemos pensar "dentro de uma tradic.ao". Contudo, noslembra o autor, isso so se torna possivel "se a propria relagaocom o passado for concebida como uma recepc.ao cntica"(Laclau, 1996). Os entices cosmopolitas estao corretos ao noslembrarem que, na modernidade tardia, tendemos a extrair ostrac.os fragmentarios e os repertories despeda^ados de varias

83

linguagens culturais e eticas. Nao se trata de uma negacaoda cultura insistir que "o mundo social [nao] se divide discinta-mente em culturas particulares, uma para cada comunidade,[nem] que o que todos necessitam e de apenas uma dessasentidades — uma unica cultura coerente — para moldar edar significado a ... vida" (Waldron, 1992). Frequentementeoperamos com uma concepcao excessivamente simplista de"pertencimento". As vezes nos revelamos mais pelos nossosvfnculos quanto mais lutamos para nos livrar deles, oudiscutimos, criticamos ou discordamos radicalmente deles.Como os relacionamentos paternos, as tradicoes culturaisnos moldam quando nos alimentam e sustentam, e tambemquando nos forcam a romper irrevogavelmente com elas paraque possamos sobreviver. Mais alem — embora nem sempfereconhecamos —, geralmente existem os "vinculos" que temoscom aqueles que compartilham o mundo conosco e que saodistintos de nos. A pura assercao da diferenca so se tornaviavel em uma sociedade rigidamente segregada. Sua logicafinal e aquela do apartheid.

Deve entao a liberdade pessoal e a escolha individualter precedencia sobre toda particularidade nas sociedadesmodernas, como o liberalismo sempre reclamou? Nao necessa-riamente. O direito de viver a propria vida "a partir dedentro", que se situa no centre da concepcao de individuali-dade, foi realmente afiado e desenvolvido dentro da tradicaoliberal ocidental. Mas nao e mais um valor restrito ao Ocidente— em parte porque as formas de vida que essa tradicao gerounao sao mais exclusivamente "ocidentais". Tornou-se antesum valor cosmopolita e, sob a forma do discurso dos direitoshumanos, e relevante para os trabalhadores do Terceiro Mundoque lutam na periferia do sistema global, para as mulheresnos paises em desenvolvimento que enfrentam concep£6espatriarcais sobre os papeis femininos, para os dissidentespoliticos sob ameaca de tortura, assim como para os consu-midores ocidentais na economia sem peso. Neste sentido,paradoxalmente, o pertencimento cultural (etnicidade) e algoque, em sua propria especificidade, todos partilham. E umaparticularidade universal, ou uma "universalidade concreta".

Outra forma de considerar o problema seria observar que,por definicao, uma sociedade multicultural sempre envolvemais que um grupo. Deve haver um referencial no qual os

84

conflitos mais graves de perspectiva, crenca ou interessepodem ser negociados, e ele nao pode ser de um grupo, comoocorreu no assimilacionismo eurocentrico. A diferenca espe-cifica de um grupo ou comunidade nao pode ser afirmada deforma absoluta, sem se considerar o contexto maior de todosos "outros" em relacao aos quais a "particularidade" adquireum valor relative. Filosoficamente, a logica da differancesignifica que o significado/identidade de cada conceitoe constituido(a) em relacao a todos os demais conceitosdo sistema em cujos termos ele significa. Uma identidadecultural particular nao pode ser definida apenas por suapresenca positiva e conteudo. Todos os termos da identidadedependem do estabelecimento de limites — definindo o quesao em relacao ao que nao sao. Como argumenta Laclau: "Naose pode afirmar uma identidade diferencial sem distingui-lade um contexto, e no processo de fazer a distincao, afirma-seo contexto simultaneamente." (Laclau, 1996). As identidades,portanto, sao construidas no interior das relacoes de poder(Foucault, 1986). Toda identidade e fundada sobre umaexclusao e, nesse sentido, e "um efeito do poder". Devehaver algo "exterior" a uma identidade (Laclau e Mouffe, 1985;Butler, 1993). Esse "exterior" e constituido por todos os outrostermos do sistema, cuja "ausencia" ou falta e constitutiva desua "presenca" (Hall, 1996b). "Sou um sujeito precisamenteporque nao posso ser uma consciencia absoluta, porque algoconstitutivamente estranho me confronta". Cada identidade,portanto, e radicalmente insuficiente em termos de seus"outros". "Isso significa que o universal e parte de minhaidentidade tanto quanto sou perpassado por uma falta consti-tutiva." (Laclau, 1996).31

O problema e que este argumento parece constituir umalibi para o retorno sub-repticio do velho liberalismo uni-versal. Contudo, como observa Laclau: "A expansao imperia-lista europeia teve que ser apresentada em termos de umafuncao civilizadora, modernizadora universal, etc. As resis-tencias a outras culturas foram ... apresentadas nao como iutasentre culturas e identidades particulares, mas como parte deuma luta abrangente e que faz epoca entre o universalismo eos particularismos." (Laclau, 1996). Em suma, o particula-rismo ocidental foi reescrito como um universalismo global.

85

Portanto, neste caso, o universalismo se opoe de cima abaixo a particularidade e a diferenca. Entretanto, se o outrofato constitui parte da djfgjrefifa que estamos afirmando (aausencia que permite a presenca significar algo), entaoqualquer pretensao generalizada que inclua o outro naoprovem do nada, mas surge do interior do particular. "O uni-versal emerge do particular, nao como um principio que osubjaz e explica, mas como um horizonte incomplete quesutura uma identidade particular deslocada." (Laclau, 1996).For que incompleta? Porque ela nao pode — como ocorre naconcepcao liberal — ser preenchida por um conteudo especf-fico e imutavel. Sera redefinida sempre que uma identidadeparticular, ao considerar seus outros e sua propria insufi-ciencia radical, expandir o horizonte dentro do qual asdemandas de todos precisarem e puderem ser negociadas.Laclau esta correto ao insistir que seu conteiido nao pode serconhecido antecipadamente — neste sentido, o universal 6um signo vazio, "um significante sempre em recuo". E esse ohorizonte que deve orientar cada diferenca particular, paraque se evite o risco de cair na diferenca absoluta (o que,naturalmente, e a antitese da sociedade multicultural). Aquiloque afirmamos sobre as generalizacoes entre as culturas e odesejo do individuo de viver sua vida "a partir de dentro" eum exemplo desse processo. Uma demanda'' que surge dointerior de uma cultura especifica se expanded e seu elo coma cultura de origem se transforma ao ser obrigada a negociarseu significado como outras tradicoes dentro de um "hori-zonte" mais amplo que agora inclui ambas.

Portanto, como poderao ser reconhecidos o particular e ouniversal ou as pretensoes da diferenca e da igualdade? Estee o dilema, o enigma — a questao multicultural — existenteno centre do impacto transruptivo e reconfigurador do multi-cultural. Ele exige que pensemos para alem das fronteirastradicionais dos discursos politicos existentes e suas "solucoes"prontas. Ele sugere que nos concentremos seriamente nao nareiteracao de argumentos estereis entre os criticos liberais ecomunitarios, mas em algo novo e formas novas de combinara diferenca e a identidade, trazendo para o mesmo terrenoaquelas incomensurabilidades formais dos vocabulariespoliticos — a liberdade e a igualdade junto com a diferenca,"o bem" e "o correto".

86

Do ponto de vista formal, esse antagonismo pode nao seracessrvel a uma resolucao abstrata. Mas pode ser negociadona pratica. Um processo de julgamento politico final entredefinicoes rivais do "bem" seria contrario ao projeto multi-cultural como um todo, ja que seu efeito seria o de constituircada espaco politico como uma "guerra de manobras" entrediferencas absolutizadas e entrincheiradas. As unicas circuns-tancias capazes de impedir que este nao se torne um jogovazio sao aquelas que permitem uma estrutura de negociacaodemocratica agonistica (Mouffe, 1993)- Entretanto, e precisoenfatizar o "agonistico" — a democracia como luta continuasem solucao final. Nao podemos simplesmente reafirmar a"democracia". Mas a questao multicultural tambe'm sugere queo momento da "diferenca" e essencial a definicao de demo-cracia como um espafo genuinamente heterogeneo, Em nossoanseio de identificar pontos de possivel articulacao, devemosser cautelosos para nao enfatizar a necessidade inerradicaveldesse momento de differance?2 Contudo, e evidente que naose deve permitir que o processo mantenha a afirmacao poli-tica de uma particularidade radical. Deve-se tentar construiruma diversidade de novas esferas publicas nas quais todosos particulares serao transformados ao serem obrigados anegociar dentro de um horizonte mais amplo. E essencialque esse espaco permaneca heterogeneo e pluraltstico e queos elementos de negociacao dentro do mesmo retenham suadifferance. Eles devem resistir ao impeto de serem integradospor um processo de equivalencia formal, como dita a concepcaoliberal de cidadania, o que significa recuperar a estrategiaassimilacionista do Iluminismo atraves de um longo desvio.Como reconhece Laclau:

Essa universaliza?ao e seu carSter aberto certamente condenamtoda identidade a uma inevitavet hibridizacao, mas hibridi-za^ao nao significa necessariamente um declinio pela perdade identidade. Pode significar tambem o fortalecimento dasidentidades existentes pela abertura de novas possibilidades.Somente uma identidade conservadora, fechada em si mesma,poderia experimentar a hibridizacao como uma perda. (Laclau,1996).

87

RUMO A UMA NOVA LOGICA POLITICA

Na parte final deste ensaio, tentamos identificar e exporos contornos de urna nova 16gica politica multicultural. Talestrategia buscaria, conjunturalmente, aquilo que no modeloliberal-constitucional se conhece como incomensuravel emprincipio: causar uma reconfiguracao radical do particular edo universal, da liberdade e da igualdade com a diferenca. Oobjetivo foi comec/ar a recompor as herancas dos discursosliberal, pluralista, cosmopolita e democratico a luz docarater multicultural das sociedades da modernidade tardia.Nenhuma solucao final pode ser alcancada com facilidade.Em vez disso, tentamos esbocar uma abordagem que, aoinstigar a adocao de estrategias vigorosas e descomprome-tidas, capazes de confrontar e tentar erradicar o.racismo, aexclusao e a inferiorizacao (a velha agenda anti-racista ou daigualdade racial, tao relevante hoje como no passado),implica o respeito a certos limites (nas novas circunstanciasmulticulturais da diferenca, dentro das quais essas estrategiasoperam atualmente).

Assim, nao podemos simplesmente reafirmar a liberdadeindividual e a igualdade formal (aquilo que o Novo Traba-Ihismo cordialmente denomina "igualdade de merito"!), poispodemos perceber o quanto ambas sao inadequadas ascomplexidades de vinculo, pertencimento e identidade intro-duzidas pela sociedade multicultural, e como as profundasinjusticas, exclusoes sociais e desigualdades continuam a serperpetradas em seu nome. A escolha individual, emborarecoberta pelo fino verniz de um comunitarismo, nao podefornecer os elos de reconhecimento, reciprocidade e conexaoque dao significado a nossas vidas enquanto seres sociais.Este e o limits cultural e comunitdrio das formas liberals(incluindo o "mercado liberal") de multiculturalismo. Foroutro lado, nao podemos avalizar as pretensoes de culturase normas comunitarias em detrimento dos individuos sem aomesmo tempo ampliar— nao apenas em teoria, mas na pratica— os direitos dos individuos ao dissenso, ao abandono ou,se necessario, a oposicao a suas comunidades de origem.H;a perigos concretes de se cair em uma forma oficialmente

isolada e plural de representa^ao politica. Ha o perigo desimplesmente se prezarem os valores distintivos da "comu-nidade" como se eles nem sempre participassem de um rela-cionamento dinamico com todos os outros valores queconcorrem a seu redor. O retorno a etnicidade em sua forma"etnicamente absolutista" (Gilroy, 1993a, 1993b) pode pro-duzir tipos especificos de violencia. Este retorno a etnicidadeessencializa sobremaneira a diferenca cultural, fixa os bina-rismos raciais, congelando-os no tempo e na historia, conferepoder a autoridade estabelecida sobre os outros, privilegiaos "pais e a Lei" e leva ao policiamento da diferenc.a. Estaparece ser a fronteira crltica onde o pluralismo cultural ou ocomunitarismo etnico encontra seu limite liberal.

Entretanto, o fato e que nem os individuos enquanto enti-dades livres e sem amarras nem as comunidades enquantoentidades solidarias ocupam por inteiro o espaco social. Cadaqual e constituida na relacao com aquilo que e outro ou dife-rente dela propria (ou atraves dessa relacao). Se isso naoresultar em uma "guerra de todos contra tudo", ou em umcomunalismo segregado, entao devemos nos perguntar se omaior reconhecimento da diferenca e a maior igualdade ejustica para todos podem constituir um "horizonte" comum.Como sugere Laclau, parece que "o universal e incomensu-ravel com o particular" e que o primeiro "nao pode existirsem o segundo". Antes de corroer a democracia, essa chamada"falha" e "a precondic.ao para a democracia" (Laclau, 1996).Dessa forma, a logica politica multicultural requer pelomenos duas outras condicoes de existencia: uma expansao eradicalizacao cada vez mais profundas das praticas democra-ticas da vida social, bem como a contestagao sem tregua decada forma de fechamento racial ou etnicamente excludente(praticado por outrem sobre as comunidades minoritariasou no interior delas). Pois a desvantagem e exclusao raciaisimpedem o acesso de todos, inclusive das "minorias" detodos os tipos, ao processo de definir uma "britanidade" maisinclusiva; esse acesso constitui precondicao para a legitimi-dade do chamado a identificacao de todos. Isso constitui olimite democratico ou cosmopolita das alternativas liberalse comunitarias.

89

As dificuldades enfrentadas no processo de expansaopratica e politica da 16gica politica multicultural sao nume-rosas, e aborda-las transcende o escopo deste ensaio. Con-tudo, nao poderiamos concluir o argumento sem pelo menosapontar essas dificuldades. For um lado, na Gra-Bretanha,este £ o momento propicio para se levantar a questao multi-cultural — pois a britanidade como identidade nacional passapor um estagio de transicao, esta acometida por problemas esujeita a extensa renovacao e renegociacao. Entretanto, essasoportunidades sao sempre mementos profundamente peri-gosos. Pois, assim como a questao multicultural abre espacopara assuntos considerados fechados ou estabelecidos, nainstituicao politica ocidental ela e considerada por muitoscomo a ultima gota d'agua. Ela aponta em direcao a redefi-nicao do que significa ser britanico, onde o impensavel podeacontecer — por ser possivel ser negro e britanico, asiatico ebritanico (ou mesmo britanico e gay!). Entretanto, a ideia deque todos devem ter acesso aos processes pelos quais taisformas novas de "ser britanico" sao redefinidas, juntamentecom a perda do Imperio e do declinio enquanto potenciamundial, tem levado alguns de seus cidadaos literalmente aloucura. A "poluicao" da Pequena Inglaterra, na visao dessaspessoas, produz nao apenas o ressurgimento de antigos este-reotipos biologicos, mas a proliferacao de um lexico denovos binarismos excludentes, fundados em urna "diferencacultural" racializada: uma versao britanica dos novos racismosencontrados e em expansao em toda parte e que tem ganhadoterreno.

Ambos os processes estao prosperando na Gra-Bretanhanesta virada de rm'lenio. Ambos florescem de maos dadas,numa simbiose fatal. A comemoracao do aniversario de che-gada do navio S. S. Empire Windrush — descrita por algunscomo o "surgimento irresistivel de uma Gra-Bretanha multir-acial" (Phillips e Phillips, 1998) — ocorreu um ano antes dotao protelado Inquerito Macpherson sobre o assassinatede um jovem negro, Stephen Lawrence, por cinco rapazesbrancos, e do veredicto de "racismo institucional" (Macpherson,1999). Ambos os acontecimentos sao profundamente para-digmaticos do estado contraditorio do multiculturalismo

90

britanico e sua ocorrgncia simultanea, na mesma conjuntura, eessencial para uma compreensao da resposta confusa eproblematica da Gra-Bretanha a "questao multicultural".

[In: HESSE, Barnor (Org.). Un/settledMulticulturalisms. London:Zed Books, 2000. ISBN: 185649 5594.Tradu?ao de Adelaine LaGuardia Resende.l

NOTAS

1 Partes deste ensaio foram apresentadas na Johns Hopkins University,Baltimore; University of Michigan, Ann Arbor, na Palestra Herbert GutmanMemorial na City University of New York Graduate Center; e na PalestraAnual "Race Against Time" [Corrida (Race) contra o tempo] do Instituto deEducacao da University of London. Agradefo aos que comentaram aspectosdo texto naquelas ocasioes. Primeira publicafao: HESSE, B. (Org.). Un/settled Multiculturalisms. [Muticulturalismos Des/estabelecidos]. Londres:Zed Books, 2000,2Ate certo ponto, essa distincao se sobrepoe aquela oferecida na Introducaodo livro onde o texto foi publicado pela primeira vez, mas tambem sedistancia dela em certos aspectos importantes. Ver: HESSE, Barnor (Org.).Un/settled Multiculturalisms. Londres: Zed Books, 2000.s-Na verdade, como Kymlicka (1989) afirma, os problemas apresentadospelo multiculturalismo nao sao adequadamente representados como senecessitassem de uma forte concepcao dos direitos coletivos, ja que, naperspectiva do autor, os individuos devem continuar sendo os portadoresdos direitos. Por outro lado, Parekh (1991) argumenta que muitos direitosreconhecidos pelas sociedades liberals (por exemplo, a Iegisla9ao sindica-lista, o Atos das Relacoes Raciais e das Oportunidades Iguais, a isencao dossikhs das exigencias de Saude e Seguranca) sao definidos pela coletividadeou baseados nos interesses de grupo.4 Hazel Carby (1998) comentou sobre "a total reversao da visibilidade docorpo masculino negro", em que as imagens do homem negro se deslocaramnotavelmente do gueto das drogas para as capas das revistas de moda,enquanto seus corpos verdadeiros permanecem basicamente onde sempreestiveram (um numero excessivo deles na cadeia).5 Em 1983 havia 144 nacoes reconhecidas no mundo. No final dos anos 90,eram pouco menos que 200. Outras certamente surgirao nos proximos anos,na medida em que grupos etnicos locals e nacoes sem um estado pressio-narem por maior autonomia (GIDDENS, Anthony: 2000, p. 153).

91

6 Nenhuma conjuntura e inteiramente nova. t. sempre uma combinacao deelementos ja existences com outros, emergences — nos termos de Gramsci, arearticulacao de uma desarticulacao. (Ver GRAMSCI: 1971 e HALL: 1998).

7 "A globalizacao em uma era pos-imperial permite uma consciencia pds-nacional somente aos cosmopolitas que t6m a sorte de viver no Ocidenterico." (IGNATIEFF: 1994)

8 A globalizacao como destine parece ser um aspecto chave da posicao deTony Blair, do Novo Trabalhismo e da Terceira Via. Giddens, que tambemdesenvolveu semelhante argumento, agora defende a regulamentacao dopoder corporative global (Ver GIDDENS: 2000).

9 Naturalmente, o que fa^o aqui e traduzir da filosofia a cultura e expandir oconceito de Derrida sem autorizacao — embora, espero, nao o faca contra oespirito de seu sentido/proposito (Ver DERRIDA: 1978, 1982).

10 Para Derrida, differance e" tanto "marcar diferenca" [to differ^ quando"diferir" [to defer\. O conceito se funda em estrategias de protela9ao, suspensao,referenda, elisao, desvio, adiamento e reserva (Ver DERRIDA: 1972).

11 £ necessario comparar esse numero com o tamanho das populacoes afro-americana, latina, caribenha, coreana e vietnamita nos Estados Unidos parase ter uma ide"ia da escala comparativa.

12 Ha evidencias sugerindo que a "negritude" nao era fortemente marcadaentre os primeiros imigrantes caribenhos e se desenvolveu na Gra-Bretanha,nos anos 60, como resposta ao racisrno.

13 Jogo de palavras com "Rule Britannia", slogan do Imperio. (Nota da T.)

H O impacto desse inquerito oficial sobre a morte de Stephen Lawrence e oRelatorio Macpherson (1999) constituem os exemplos recentes mais extraor-dinarios disso.

15 Paul Gilroy corretamente se refere a "inabilidade de levar a ra?a a serio euma indisposicao absoluta em se reconhecer a igualdade do valor humano ea dignidade das pessoas que nao sao brancas" (GILROY: 1999).

16 Em termos discursivos, o racismo possui uma estrutura metommica — asdiferencas geneticas ocultas sao deslocadas ao longo da cadeia de significantesatraves de sua inscricao na superficie do corpo, o qual e visivel. £ a isso queFrantz Fanon se referia ao falar da epidermizacao ou do "esquema corporal".(Ver HALL: 1994, 1996).

17 Essa e a posicao adotada por Balibar (1991), em sua discussao sobre o"racismo diferenciador", um termo tornado de emprestimo a Taguieff,tambem por Wieviorka (1995, 1997). Entretanto, Modood (1997), a meuver, exagera ao tentar distinguir o "racismo cultural" de qualquer vinculocom a fixidez ou o biol6gico e estabelece uma oposifao radical demais entreo "racismo bioldgico" e a "diferenciacao cultural". Creio que esse equivocoadvem da desconsideracao do carrier discursivo do racismo. Modoodengana-se ao ler o referente biol6gico em "racismo biologico" de umaforma excessivamente literal.

92

1B Neste ponto, discordo da maneira de distinguir entre raca e etnia feita, porexemplo, por Pnina Werbner em uma importante contribui£ao (WERBNER;1997).19 Isso resultou de uma luta ampla de re-significacao. Judith Butler (1993)argumenta que o importante nos termos "negro" ou "veado" [queeft, os quaisdeixaram de ter uma conotacao negativa, e que eles retem em si mesmos ostraces da luta pela mudanca. Esta pode ser uma estrategia alternativa aquelado "politicamente correto", que tenta purificar a linguagem de todo traco denegatividade.20 Enquanto se deve compreende-la como "o mesmo apesar de sua mutacao"[the changing same] (GILROY: 1993) ou como "conceito discursivo... [que]procura conectar, de forma legitima dentro da estrutura de sua narrativa,uma relacao entre passado, comunidade e identidade" (SCOTT, 1999). Afixidez e algo que ocorre na tradicao sob certas condicoes — como estadeixa de ser criativa e se torna presa a "autoridade".

21 Ver David SCOTT, 1999-22 Trata-se da importante distingao entre a concepcao de cultura como "formade vida" e a concepcao de cultura enquanto "pratica significativa" (HALL:1998).23 Portanto, nao levo a serio o argumento de Robert Young (1995) de que ouso do termo "hibridismo" simplesmente restaura o velho discurso raci-alizado da diferenca que se tentava superar. Isso e ninharia semantica.Certamente, os termos podem ser desarticulados de seus significados ori-ginals e rearticulados. O que significa essa concepcao pre pos-estruturalistada linguagem na qual o significado encontra-se eternamente preso a seureferente racializado? Obviamente minha preocupacao tem sido com o hibri-disrno cultural, o qual relaciono a combinacao de elementos culturais hete-rogeneos em uma nova sintese — por exemplo: a "creolizacao" e a"transculturacao" — que nao podem ser fixadas ou associadas ao chamadocarater racial das pessoas cuja cultura estou discutindo.

21 A tradicao nao implica algo fixo. fi antes um reconhecimento do caraterencarnado de todo discurso. "fi um tipo especial de conceito discursivo, namedida em que este desempenha uma tarefa distinta; busca compor oficial-mente, dentro da estrutura de sua narrativa, uma relacao entre o passado,a comunidade e a identidade. Ela depende do conflito e da controve"rsia.E um lugar de disputa e tambem de consenso, de discurso e de acordo."(SCOTT: 1999)25 Rawls fez uma importante concessao a seus criticos comunitarios ao reco-nhecer que sua teoria de justica se aplicava especialmente a sociedadepluralista liberal, em que o desejo de cooperacao politica ja e generalizado(ou seja, 6 dependente de certos pressupostos culturais particulares). (VerTHOMPSON, 1998)26 Isso inclui padroes irregulares de mudanca economica e tecnologica, arevolucao na posicao das mulheres e a feminizacao da forca de trabalho, odecimio da cultura da classe operaria masculina e de comunidades ocupa-cionais mais antigas; novos padroes de consumo e a religiao do livre mercado,

93

as novas formas de familia e estilos de relacionamento com os filhos, asdiferengas entre geragoes dentro de uma popula9ao cada vez mais madura, odeclfnio da religiao organizada, profundas mudancas no comportamentosexual e na cultura moral, o declinio da deferencia, o aumento do geren-cialismo, a exalta^ao do empresario enquanto heroi, o novo individualismoe o novo hedonismo-

27 Walzer discorre confusamente (e, em vista de recentes desdobramentos,com otimismo) sobre os Estados Unidos "optarem pelo Liberalismo 1 emlugar do Liberalismo 2". Na verdade, polfticas piiblicas americanas recentes,com seu ataque aos programas de ac.ao afirmativa em nome da liberdadeindividual, mais parecem um esforc.o conjunto para arrastar os Estados Unidosde volta ao Liberalismo 1 depois de um breve flerte com Liberalismo 21 Deuma perspectiva canadense, Kyimlicka argumenta que certos direitos degrupo definidos individualmente sao compativeis com a concepcao liberal, eestende ao maximo a concepcao liberal para que tais direitos assim sejam.Taylor (1994) sugere que isso nao ocorre; primeiro por causa dos pressu-postos individualists que fundam o liberalismo; e segundo, porque a pro-tecao das identidades coletivas 6 incompativel com o direito as liberdadesindividuals. Portanto, seria necessSrio uma reforma no liberalismo para aco-modar a demanda multicultural por "reconhecimento". Ja Habermas (1994)sustenta que, obviamente, a individualidade e constituida intersubjetiva-mente, mas que, corretamente compreendida, uma teoria dos direitos naoapenas pode acomodar, mas tambem requerer uma politica de reconheci-mento que proteja a integridade do individuo como detentor de direitos; istoe compatfvel com o liberalismo, desde que haja "a atualizacao constante dosistema de direitos".

23 John Rex, que apoia a proposifao geral da neutralidade cultural do estado,corretamente afirma que essa abordagem difere daquela do liberal indivi-dualismo. Ela tern sido sustentada, pelo menos ate o advento do NovoTrabalhismo, por um programa de bem-estar social democratico que incluimedidas de redistribuicao substancial, que seria enganoso incluir sob umarubrica liberal abrangente so porque respeita os direitos do individuo.

29 Para um argumento persuasive sobre a complexidade da avaliacao dasdiferencas entre praticas culturais de uma forma nao absolutista, verPAREKH, 1999.

30 Ver os extensos debates sobre essa questao em "Women Against Funda-mentalism" [Muiheres contra o Fundamentalismo], em varies lugares.

31 Na frente, estou particularmente grato pela forma como o argumentosobre o universalismo/particularismo e conduzido no recente trabalho deErnesto Laclau, especialmente em Emancipations[Emancipafoes], 1996.

32 Isso pode ser mais uma questao de enfase do que de discordancia funda-mental. Laclau, por exemplo, escreve como se a proliferafao das identidadesfosse algo que simplesmente aconteceu com as sociedades da modernidadetardia; seu foco e a maneira em que um campo tao disseminado aindapoderia ser hegemonizado atraves de um certo tipo de "universalismo".Quando desenvolvido por certos proponentes, este argumento se torna uma

94

recuperacao da diferenfa e uma reafirmacao do velho universalismo Ilumi-nista. Entretanto sob a perspectiva multicultural, a heterogeneiza9ao do camposocial — ou a pluralizacao dos posicionamentos — constitui, em si mesma,um momento necessario e positivo, mesmo nao sendo sufictente, e deve serpreservada (em suas formas hibridizadas) juntamente com os esforcos (sempreincompletos) de definir, de dentro de suas particularidades, um horizontemais universal.

BIBLIOGRAFIA

AHMAD, A. The Politics of Literary Post-Coloniality. Race and Classv. 36, n. 3, London, 1995-

BARKER, M. The New Racism. London: Junction Books, 1981.

BHABHA, H. The Voice of the Dom. Times Literary Supplement,n. 4.923, 1997.

BHABHA, H. Nation and Narration. London: Routledge, 1990.

BHABHA, H. The Location of Culture[O local da cultura. Trad. MyriamAvila, Eliana Lourenfo de Lima Reis e Glaucia Renate Gongalves. BeloHorizonte: Editora UFMG, 1998]. London: Routledge, 1994.

BONNETT, A. Anti-Racist Dilemmas. Race and Class, v. 36, n. 3,London, 1999.

BRAH, A. Cartographies of Diaspora. London: Routledge, 1996.

BRATHWAITE, E. K. The Development of Creole Society in Jamaica1770-1820. Oxford: Oxford University Press, 1971.

BUTLER, J. Bodies that Matter. London: Routledge, 1993-

CARBY, Hazel. Race Men: The W. E. B. DuBois Lectures. Cambridge,MA: Harvard University Press, 1998.

CAWS, P. Identity, Trans-cultural and Multicultural. In: GOLDBERG, D.(Org.). Multiculturalism.'London-. Routledge, 1994.

CLIFFORD, J. Routes. Cambridge: Harvard University Press, 1997.

DERRIDA, J. Margins of Philosophy. Brighton: Harvester, 1982.

95

DERRIDAJ. Positions. Chicago: Chicago University Press, 1972.

FISH, S. Boutique Multiculturalism. In: MELZER, A. et al. (Ed.).Multiculturalism and American Democracy. Lawrence: University ofKansas Press, 1998.

FUKUYAMA, F. The End of History, New York: Free Press, 1992.

GIDDENS, ̂ .Runaway World. London: Profile Books, 1999.

GIDDENS, A. The Consequences of Modernity: the Third Way and itsCritics. London: Polity Press, 2000.

GILROY, P.Joined-upPoliticsandPost-colonialMelancholia. The 1999Diversity Lecture. London: Institute of Contemporary Arts, 1999.

GILROY, P. Small Acts. London: Serpent's Tail, 1993b.

GILROY, P. The Black Atlantic: Modernity and Double Consciousness[OAtldntico negro. Rio de Janeiro: Universidade Candido Mendes/Ed.34, 2001.] London: Verso, 1993a.

GLISSANT, E. Le discoursantillais. Paris: Editions du Seuil, 1981.

GOLDBERG, D. Introduction. In: , (Org.). MulticulturalismLondon: Blackwell, 1994.

GRAMSCI, A. Selections From the Prison Notebooks. London: Lawrenceand Wishart, 1971.

HABERMAS, J. Struggles for Recognition in the Democratic ConstitutionalState. In: GUTMAN, A. (Ed.) Multiculturalism. Princeton: PrincetonUniversity Press, 1994.

HALL, C. White, Male and Middle Class. Cambridge: Polity, 1992.

HALL, S. Cultural Identity and Diaspora. In: RUTHERFORD, J. (Ed.).Identity, Community, Culture, Difference. London: Lawrence & Wishart,1990. [Identidade cultural e diaspora. Revista de Patrimonio Historicoe Artistico National, n. 24, p. 68-76, 1996.]

HALL, S. The Question of Cultural Identity. In: HALL, S.; HELD, D.;McGREW(Ed-). Modernity and Its Futures. Cambridge: Polity, 1992.

96

Milton Keynes: The Open University / Sage, 1992. [Identidades cul-turais napos-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1997].

HALL S. Culture, Community, Nation. Cultural Studies, Chapel Hill,NC, v! 7, n. 3, 1993-

HALL, S. From Scarman to Stephen Lawrence. History Workshop journaln. 48, London, 1999(a).

HALL, S. National and Cultural Identity Artigo para a ComissaoRunnymede sobre o Futuro da Gra-Bretanha Multi-etnica. London,1999(c).

HALL, S. New Ethnicities. In: DONALD, J.; RATTANSI, A. (Ed.). "Race",Culture and Difference. London: Open University / Sage, 1992.

HALL, S. The Local and the Global. In: KING, A. D. (Ed.). Culture,Globalization and the World System. Minneapolis, MN: University ofMinnesota Press, 1997.

HALL, S. Thinking the Diaspora. Small Axe., n. 6, Kingston, Universityof the West Indies Press, 1999(c). (Veja neste volume.)

HALL, S. When Was the Post-Colonial? In: CURTI, L; CHAMBERS, I.(Ed.). The Post-Colonial Question: Common Skies, Divided Horizons.London: Routledge, 1996(a). (Veja neste volume.)

HALL, S. Who Needs Identity? In: HALL, S.; DUGAY, P. (Ed.). Questionof Cultural Identity. London: Sage, 1996(b). [Quern Precisa de Identi-dade? In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade e Diferenca: aperspectiva dos Estudos Culturais. Petropolis: Vozes, 2000.]

HALL, S. Aspiration and Attitude... Reflections on Black Britain in theNineties'. New Formations, n. 3, Spring, 1998.

HALL, S. Whose Heritage? Unsettling the Heritage, Re-imagining thePost-Nation. Third Text, n. 49, Winter, 1999(d).

HARVEY, D. The Condition of Post-modernity. Oxford: Blackwell, 1989-[A condicdodapos-modernidade. Sao Paulo: Loyola, 19931-

HELD, D.; McGREW. A.; GOLDBLATT, D.; PERRATON, J. GlobalTransformations. Cambridge: Polity, 1999.

97

HESSE, Barnor. Introduction. In:Mutiiculturalisms. London: Zed Books, 2000.

-• (Org.). Un/Settled

HOBSBAWM, E.; RANGER, T. The Invention of Tradition. Cambridge:Cambridge University Press, 1993- [A invencdo das tradifoes. Trad.Celina Cardim Cavalcante. Sao Paulo: Paz e Terra, 1984].

IGNATIEFF, M. Blood and Belonging, London: Vintage, 1994.

KVMLICKA, W. Liberalism, Community and Culture. Oxford: ClarendonPress, 1989.

LAGAN, J. Ecrits. London: Tavistock, 1997.

LACLAU, E. Emancipations. London: Verso, 1996.

LACLAU, E.; MOUFFE, C. Hegemony and Socialist Strategy. London:Verso, 1985.

MACPHERSON, W. The Stephen Lawrence Inquiry- Report of anInquiry by Sir William Macpherson ofCluny. London: StationeryOffice, 1999.

MAY, S. CriticalMulticulturalism-. Re-thinking Multicultural andAnti-Racist Education. Brighton: Palmer Press, 1999-

McLAREN, P. Revolutionary Multiculturalism- Pedagogies of Dissentfor the New Millennium. Boulder: Westview Press, 1997.

MODOOD, T. Anti-Semitism, Multiculturalism and the "Recognition" ofReligious Groups. Journal of Political Philosophy, v. 6, n. 4, 1998.

MODOOD, T.; BERTHOUD, R. et al, (Ed.). Ethnic Minorities inBritainDiversity and Disadvantage. London: Policy Studies Institute, 1997.

MOUFFE, C. The Return of the Political. London: Verso, 1993-

NAIRN, T. The Break-up of Britain. London: Verso, 1997.

ORTIZ, F. Cuban Counterpoint: Tobaco and Sugar. Durham/London:Duke University Press, 1940/1995.

PAREKH, B. British Citizenship and Cultural Difference. In: ANDREWS,G. (Org.). Citizenship. London: Lawrence & Wishart, 1991.

98

PAREKH, B. The Logic of Inter-Cultural Evaluation. In: MORTON, J.;MENDUS, S. (Org.). Toleration, Identity and Difference. Basingstoke:Macmillan, 1999-

PHILLIPS, M.; PHILLIPS, T. Windrush:The Irrestistible Rise of Multi-Racial Britain London: Harper Collins, 1998.

PHOENIX, A. "Multiculture", "Multiracisms" and Young People:Contradictory Legacies of Windrush, Soundings, n. 10, Autun, 1998.

PRATT, M. L. Imperial Eyes: Travel Writing and Transculturation. London:Routledge, 1992.

RAWLS, John. A Theory of Justice. Oxford: Oxford University Press,1988.

RICHARDSON, R. Islamophobia. London: Runnymed Trust, 1999-

ROBBINS, K. Tradition and Translation. In: CORNER, J.; HARVEY, S.Enterprise and Heritage. London: Routledge, 1991-

RUSHDIE, S. Imaginary Homelands. London: Granta, 1991.

SCOTT, D. Re-fashioning Futures-. Criticism After Post-Coloniality.Princeton: Princeton University Press, 1999-

TAYLOR, C. The Politics of Recognition. In: GUTMAN, A. (Ed.).Multiculturalism. Princeton: Princeton University Press, 1994.

THOMPSON, J. Community, Identity and World Citizenship. In:ARCHIBUGI, A.; HELD, D. KOHLER, M. (Ed.). Re-imagining PoliticalCommunity. Cambridge: Polity Press, 1998.

VOLOCHINOV/BAKHTIN, M. Marxism and the Philosophy ofLanguage. London/New York: Seminar Press, 1973. [Marxismo efilo-sofia da linguagem. Sao Paulo: HUCITEC, 1981.]

WALDRON, J. Minority Cultures and the Cosmopolitan Alternative. In:KYMLICKA, W. (Ed.) The Rights of Minority Cultures. Oxford: OxfordUniversity Press, 1992.

WALLACE, M. The Search for the Good-enough Mammy. In:GOLDBERG, D. (Ed.). Multiculturalism. London: Blackwell, 1994.

99

WERBNER, P. The Dialectics of Cultural Hybridity. In- WERBNERP.; MODOOD, T. (Ed.). Debating Cultural Hybridity. London- ZedBooks, 1997.

WIEVIORKA, M. Is it so Difficult to be an Anti-Racist? In- WEBNERP.; MODOOD, T. (Ed.). Debating Cultural Hybridity. London- ZedBooks, 1995.

YOUNG, Robert J. C. Colonial Desire: Hybridity in Theory, Cultureand Race. London: Routledge, 1995.

YUVAt-DAVIS, N. Gender and Nation. London: Sage, 1997.

QUANDO FOI 0 PCS-COLONIAL?PEN5AHDO NO LIMITE

E precise descartar as tendencias que estimulam o jogoconsolador dos reconhecimentos.

Michel Foucault, inNietzsche, Genealogia, Historia

100

JQuando fo iop^s- colon ial^O que deveria ser incluido eexcluido de seus Hmites? Onde se encontra a fronteira invi-sivel que o separa de seus "outros" (o colonialismo, o neo-colonialismo, o Terceiro Mundo, o imperialism©) e em cujosHmites ele se define incessantemente, sem supera-los em de-finitive? O objetivo principal deste^ensaiQ-e.exploraiLjQS-p.Qji-tos deinterrogagao que comecam^apidamente a se aglutinarem torno da questao ^pos-colonial" e da ideiade uma erapos-colonial. Se o momento pos-colonial e aquele que vemaposo colonialismo, e sendo este definido em termos de umadivisao binaria entre colonizadores e colonizados,4>or queo

_p6s-colgriia^l e tambetnum tempo de "diferen^a"? Que tipo dediferenca e essa e quais as suas implicacoes para a politica epara a formagao dos sujeitos na modernidade tardia? Essasquestoes tem assombrado cada vez mais o espaco de contes-tag:ao no qual o conceito de "pos-colpnial" opera hoje. Naose pode explora-las^satisfatoriamente sem que se saiba maissobre o significado deste conceito e as razoes que o fizeramportador de tantos e tao poderosos investimentos incons-cientes — um signo do desejo para alguns, e igualmente paraoutros, um sinal de perigo.